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Sábado, 6 de maio de 2017 II Série-A — Número 105

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

S U M Á R I O

Resolução: Propostas de lei [n.os 75 e 76/XIII (2.ª)]: Aprova o Acordo de Cooperação entre a União Europeia e os N.º 75/XIII (2.ª) — Estabelece o direito à autodeterminação da seus Estados-membros, por um lado, e a Confederação identidade de género e expressão de género e o direito à Suíça, por outro, sobre os Programas Europeus de proteção das caraterísticas sexuais de cada pessoa. Navegação por Satélite, assinado em Bruxelas, em 18 de

N.º 76/XIII (2.ª) — Altera a Lei de Bases da política pública de dezembro de 2013. (a)

solos, de ordenamento do território e de urbanismo. Projeto de lei n.o 512/XIII (2.ª):

Aprova o Regime de Avaliação de Impacto de Género dos (a) É publicada em Suplemento.

Atos Normativos (PS).

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PROJETO DE LEI N.O 512/XIII (2.ª)

APROVA O REGIME DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO DE GÉNERO DOS ATOS NORMATIVOS

Exposição de motivos

A promoção da igualdade entre homens e mulheres representa um objetivo determinante dos poderes

públicos, assumida com expressividade no frontão da Constituição da República Portuguesa, que a consagra

como tarefa fundamental do Estado na alínea h) do artigo 9.º do seu texto.

A transversalização da perspetiva de igualdade de género (mainstreaming) deve, pois, representar um eixo

prioritário de atuação dos órgãos de soberania e da Administração Pública, assegurando que as principais

decisões com impacto na vida dos cidadãos e cidadãs ponderaram devidamente a situação de homens e

mulheres no contexto sobre o qual se vai intervir normativamente e a existência de diferenças relevantes entre

homens e mulheres no que concerne o acesso a direitos, bem como identificar se os homens e as mulheres

enfrentam limitações distintas para participar e obter benefícios decorrentes da iniciativa que se vai desenvolver

e qual a incidência do projeto nas realidades individuais de cada um, nomeadamente quanto à sua consistência

com uma relação mais equitativa entre ambos ou à diminuição dos papéis tradicionais negativos.

A Plataforma de Ação, adotada na 4.ª Conferência Mundial sobre Direitos das Mulheres em Pequim, em

1995, determina que os governos nacionais e outros decisores procedam à transversalização da perspetiva de

género em todas as políticas e programas públicos, para que o impacto das decisões na realização da igualdade

entre homens e mulheres seja ponderado previamente à sua aprovação.

No plano da União Europeia, a análise prévia de impacto de género das medidas legislativas e administrativas

adotadas representa uma prática assente e pacífica desde há vários anos, representando a Comunicação da

Comissão de 1996 sobre Mainstreaming de género um primeiro marco determinante, seguido de perto pelo

início da implementação da avaliação de impacto de género nos serviços da Comissão em 1997.

O Tratado de Amesterdão reforçou esta dimensão, consagrando expressamente a eliminação das

desigualdades e a promoção da igualdade entre homens e mulheres como objetivo a prosseguir pelas

Comunidades.

A Decisão de 20 de Dezembro de 2000, através da qual se estabeleceu um programa de ação comunitária

sobre a estratégia a seguir para a promoção da igualdade entre homens e mulheres destaca que a sua execução

deve ser acompanhada por uma avaliação do impacto de género nos vários eixos das intervenções comunitária

da sua implementação (económica, social, no plano dos papéis e dos estereótipos, entre outros), tendo a

Comissão elaborado um Guia para o Mainstreaming de Género nos respetivos serviços.

Na sequência da Conferência de Pequim e da implementação da matéria pela União Europeia, vários foram

os Estados da UE a adotar mecanismos de avaliação prévia de impacto de género na respetiva atividade

legislativas e administrativa. Em Espanha, por exemplo, a Lei n.º 30/2003, de 13 de outubro, representa um

marco na consagração da avaliação de impacto de género no plano nacional, representando o culminar de uma

evolução normativa que teve início em iniciativas de diversas Comunidades Autonómicas (Catalunha,

Extremadura, Galiza, País Basco).

Entre nós, desde 2005 que o Regimento do Conselho de Ministros consagra a necessidade de avaliação

prévia do impacto de género dos atos normativos submetidos à aprovação daquele órgão do Governo, tendo

chegado o momento de alargar, de forma vinculativo, a necessidade de realização de avaliação prévia de

impacto. Efetivamente, já o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e Não-Discriminação

determinava numa das medidas da sua área estratégica n.º 1 – Integração da Dimensão de Género na

Administração Pública, Central e Local, como Requisito de Boa Governação – a “promoção de ações de

formação em igualdade de género a juristas responsáveis pelo processo legislativo, incluindo a avaliação do

impacto, bem como a avaliação de impacto de género nas iniciativas legislativa” (medida 10), medida que consta

igualmente do V Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e Não-Discriminação (medida 3 da área

estratégica n.º 1).

Consequentemente a presente iniciativa legislativa visa consagrar, de forma transversal a toda a

Administração Pública e aos órgãos de soberania com competência legislativa, a necessidade de realização

prévia de uma avaliação de impacto dos atos normativos que venham a aprovar.

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Para além de definir os objetivos da avaliação prévia e de estipular os casos em que esta pode ser,

excecionalmente, dispensada o presente projeto de lei assegura quais as áreas sobre as quais a análise prévia

de impacto de género deve incidir, garantindo a ponderação da situação de partida sobre a qual a iniciativa vai

incidir, a realização de uma previsão dos resultados a alcançar, a valoração do impacto de género a alcançar,

bem como a formulação de propostas de melhoria dos projetos, quando se revele adequado ou necessário.

Por outro lado, estabelecem-se ainda os termos nos quais pode ter lugar uma avaliação sucessiva de

impacto, fixando-se ainda a necessidade de acautelar a adaptação das normas procedimentais de cada entidade

abrangida pelas obrigações de avaliação prévia e apontando para a necessidade de assegurar formação

especializada na matéria aos trabalhadores da Administração Pública que assumirão a responsabilidade pela

realização da avaliação prévia e sucessiva.

O aumento da qualidade das políticas públicas e dos atos normativos produzidos entre nós tem vindo a ser

gradual e sistematicamente reforçado nos últimos anos, seja através da introdução do princípio da prévia

avaliação dos atos normativos (patente na definição de objetivos do Programa Legislar Melhor, aprovado pela

Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2006, de 18 de Maio, ou do Programa Simplegis, que lhe sucedeu),

seja através do reforço das medidas de introdução de modalidades específicas de avaliação de impacto, como

é o caso da avaliação de impacto de género, que desde 2005 tem vindo gradualmente a alargar o seu âmbito.

A presente iniciativa legislativa pode representar a passagem a uma nova fase deste percurso, alargando de

forma transversal a todos os decisores públicos a obrigatoriedade de acautelar a perspetiva da igualdade de

género.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados abaixo-assinados

apresentam o seguinte projeto de lei:

REGIME DE AVALIAÇÃO DE IMPACTO DE GÉNERO DOS ATOS NORMATIVOS

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece o regime jurídico aplicável à avaliação de impacto de género dos projetos de atos

normativos.

Artigo 2.º

Âmbito da avaliação de impacto

1. São objeto de avaliação prévia de impacto os projetos de atos normativos elaborados pela Administração

central, regional e local.

2. São ainda objeto de avaliação os projetos e propostas de lei a submeter a discussão e votação na

Assembleia da República.

CAPÍTULO II

Avaliação prévia de impacto

Artigo 3.º

Objeto da avaliação prévia de impacto

A avaliação prévia de impacto tem por objeto a identificação e ponderação na elaboração dos projetos de

atos normativos, entre outros, dos seguintes aspetos:

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a) A situação e os papéis de homens e mulheres no contexto sobre o qual se vai intervir normativamente;

b) A existência de diferenças relevantes entre homens e mulheres no que concerne o acesso a direitos;

c) A existência de limitações distintas entre homens e as mulheres para participar e obter benefícios

decorrentes da iniciativa que se vai desenvolver;

d) A incidência do projeto nas realidades individuais de homens e mulheres, nomeadamente quanto à sua

consistência com uma relação mais equitativa entre ambos ou à diminuição dos estereótipos de género que

levam à manutenção de papéis sociais tradicionais negativos;

e) A consideração de metas de igualdade e equilíbrio entre os sexos definidas em compromissos assumidos

internacionalmente pelo Estado português ou no quadro da União Europeia.

Artigo 4.º

Linguagem não discriminatória

A avaliação de impacto deve igualmente assegurar a utilização de linguagem não discriminatória na redação

das normas através da neutralização ou minimização da especificação do género, através do emprego de formas

inclusivas ou neutras, designadamente através do recurso a genéricos verdadeiros ou à utilização de pronomes

invariáveis.

Artigo 5.º

Dispensa de avaliação prévia

1. A avaliação prévia de impacto pode ser dispensada pela entidade responsável pela elaboração dos

projetos de atos normativos em casos de urgência ou de caráter meramente repetitivo e não inovador do ato,

expressamente fundamentados.

2. Nos casos de dispensa por urgência, deve ser promovida a realização de avaliação sucessiva de impacto.

Artigo 6.º

Participação

Quando o procedimento de aprovação do ato normativo envolver uma fase de participação das pessoas

interessadas, nomeadamente através da realização de uma fase de discussão pública, devem os resultados da

avaliação prévia de impacto ser disponibilizados às pessoas interessadas para que estas se possam pronunciar

sobre os mesmos.

Artigo 7.º

Elementos da análise prévia

A análise prévia de impacto de género deve incidir, nos termos previstos nos artigos seguintes, sobre:

a) A situação de partida sobre a qual a iniciativa vai incidir;

b) A previsão dos resultados a alcançar;

c) A valoração do impacto de género;

d) A formulação de propostas de melhoria dos projetos, quando se revele adequado.

Artigo 8.º

Situação de partida

A análise da situação de partida deve assegurar a elaboração de um diagnóstico sobre a situação inicial

sobre a qual vai incidir a iniciativa em preparação, com recurso a informação estatística disponível e informação

qualitativa sobre os papéis e estereótipos de género, considerando ainda os objetivos das políticas de igualdade

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de oportunidades.

Artigo 9.º

Previsão de resultados

A previsão de resultados deve permitir elaborar uma prognose sobre o impacto da aplicação da norma ou

medidas na situação de partida, identificando, entre outros:

a) Os resultados diretos da aplicação da norma;

b) A incidência sobre a melhoria da situação de homens e mulheres, nomeadamente no que se refere aos

papéis e estereótipos de género;

c) O contributo para os objetivos das políticas de igualdade

Artigo 10.º

Valoração do impacto de género

A valoração do impacto de género visa assegurar a quantificação ou qualificação dos efeitos da norma no

que respeita à igualdade entre homens e mulheres e ao cumprimento dos objetivos das políticas para a

igualdade, identificando os resultados nos seguintes termos:

a) Verificam-se impactos negativos quando a aplicação das normas ou a implementação das medidas

previstas reforçam as desigualdades de género;

b) Verificam-se impactos neutros quando o género não é relevante para o desenvolvimento e aplicação das

normas, ou por estas não é afetado;

c) Verificam-se impactos positivos quando:

i) A perspetiva da igualdade de género está presente no desenvolvimento e aplicação das normas,

verificando-se um impacto sensível ao género;

ii) A perspetiva da igualdade de género é um dos elementos fundamentais das normas, verificando-se

um impacto positivo de género;

iii) A perspetiva da igualdade de género é o eixo central das normas, que têm como finalidade a promoção

da igualdade entre homens e mulheres, verificando-se um impacto transformador de género.

Artigo 11.º

Propostas de melhoria

Quando necessário face à avaliação dos resultados prováveis das medidas, devem ser formuladas propostas

de melhoria ou recomendações, quanto à redação do projeto ou quanto às medidas tendentes à sua execução,

nomeadamente através de:

a) Medidas adicionais, para melhorar o impacto de género positivo;

b) Modificação de medidas existentes;

c) Alterações à linguagem e aos conceitos utilizados, minimizando a perpetuação de conceitos ou

estereótipos negativos;

d) Proposta de medidas complementares ou dirigidas a outros departamentos com relevo na implementação

das medidas;

e) Sugestões quanto ao acompanhamento da execução.

Artigo 12.º

Relatório síntese

Os elementos da análise referidos no artigo 6.º, a valoração do impacto de género, bem como as propostas

de melhoria, caso existam, devem constar de relatório da avaliação, assinado pela pessoa responsável pela sua

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elaboração, e que acompanha em anexo os projetos de ato normativo nas fases subsequentes da tramitação

do respetivo procedimento de aprovação.

CAPÍTULO III

Avaliação sucessiva de impacto

Artigo 13.º

Avaliação sucessiva de impacto

1. Para além dos casos de avaliação previstos no artigo 4.º, pode ainda, a qualquer momento, ter lugar a

avaliação sucessiva de impacto de género, sob proposta da pessoa do responsável pela avaliação prévia ou do

órgão responsável pela aprovação do ato normativo.

2. Na decisão referida no número anterior devem ser ponderadas, nomeadamente, as seguintes

circunstâncias que podem afetar o impacto de género:

a) A importância económica, financeira e social da matéria;

b) O grau de inovação introduzido pelo ato normativo, plano ou programa à data da sua entrada em vigor;

c) A existência de dificuldades administrativas, jurídicas ou financeiras na aplicação ou implementação do

ato normativo, plano ou programa.

d) O grau de aptidão do ato normativo para garantir com clareza os fins que presidiram à sua aprovação.

3. A avaliação pode incidir sobre a totalidade do ato ou apenas sobre algumas das suas disposições.

4. Para efeitos do disposto nos números anteriores, as modalidades de avaliação sucessiva podem recorrer

à colaboração de organismos públicos, estabelecimentos de ensino superior ou organizações da sociedade civil.

Artigo 14.º

Elementos da análise sucessiva

1. A análise sucessiva de impacto de género deve incidir sobre:

a) O impacto efetivo das medidas na situação de partida identificada;

b) O cumprimento das metas e resultados pretendidos;

c) A valoração do impacto de género efetivamente registado;

d) A formulação de propostas de alteração dos projetos tendentes à realização dos objetivos inicialmente

traçados, quando se revele adequado.

2. Aplicam-se à análise sucessiva, com as necessárias adaptações, as disposições da presente lei relativas

à avaliação prévia de impacto.

CAPÍTULO IV

Disposições transitórias e finais

Artigo 15.º

Adaptação das regras procedimentais

1. As entidades abrangidas pela presente lei devem adaptar as normas que regulam o procedimento de

aprovação de atos normativos, quando existam, ao disposto na presente lei.

2. As entidades abrangidas pela presente lei devem ainda assegurar a elaboração de linhas de orientação

sobre avaliação de impacto de género e a sua disponibilização às pessoas responsáveis pelo seu

acompanhamento.

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Artigo 16.º

Formação

As entidades abrangidas pela presente lei devem promover a realização de ações de formação sobre

avaliação de impacto de género, nomeadamente através de parcerias com os serviços da Administração Central

responsáveis pela formação, com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género ou com instituições de

ensino superior.

Artigo 17.º

Disposição transitória

A presente lei não se aplica aos procedimentos em curso à data da sua entrada em vigor, salvo nos casos

em que ainda não tenham sido concluídos os respetivos trabalhos preparatórios.

Artigo 18.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte à sua publicação.

Palácio de São Bento, 3 de maio de 2017.

As Deputadas e os Deputados do Partido Socialista: Pedro Delgado Alves — Elza Pais — Susana Amador

— Edite Estrela — Isabel Moreira — Fernando Anastácio — Carla Tavares — Carla Sousa — Francisca Parreira.

———

PROPOSTA DE LEI N.º 75/XIII (2.ª)

ESTABELECE O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DA IDENTIDADE DE GÉNERO E EXPRESSÃO DE

GÉNERO E O DIREITO À PROTEÇÃO DAS CARATERÍSTICAS SEXUAIS DE CADA PESSOA

Exposição de motivos

O programa do XXI Governo Constitucional estabelece a necessidade de melhorar o regime da identidade

de género, nomeadamente no que concerne à previsão do reconhecimento civil das pessoas intersexo, assim

como o quadro legislativo relativo às pessoas transexuais e transgénero, suprimindo as discriminações

subsistentes na lei, como forma de proteção e promoção dos direitos fundamentais, colocando Portugal, uma

vez mais, na linha da frente dos países empenhados na igualdade.

O regime consagrado na Lei n.º 7/2011, de 15 de março, diploma que cria o procedimento de mudança de

sexo e de nome próprio no registo civil e procede à décima sétima alteração ao Código do Registo Civil, veio

alterar o regime jurídico, permitindo que as pessoas a quem fosse diagnosticada perturbação de identidade de

género, também designada como transexualidade, ou seja, que manifestassem uma identificação de género

não sintónica com o sexo que lhe foi atribuído à nascença, pudessem proceder à mudança de sexo e de nome

próprio no registo civil, através da possibilidade de apresentação de um relatório que comprove aquela

perturbação, elaborado por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica, mas sem que tivesse de se encetar

um processo judicial.

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Não obstante, desde a entrada em vigor da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, mudanças significativas

ocorreram a nível internacional no que se reporta à linguagem, conceitos e definições nas áreas da

transexualidade e do transgénero e no entendimento quanto ao seu enquadramento clínico. Tais alterações

levaram, inclusivamente, à consensualização de que as categorias de diagnóstico existentes quanto a esta

matéria são um obstáculo ao pleno gozo dos direitos humanos das pessoas que manifestem uma identificação

de género não sintónica com o sexo que lhe foi atribuído à nascença.

A Resolução do Parlamento Europeu, de 28 de setembro de 2011, sobre direitos humanos, orientação sexual

e identidade de género nas Nações Unidas, veio sublinhar a necessidade da Organização Mundial de Saúde

«retirar os transtornos de identidade de género da lista de transtornos mentais e comportamentais e a velar por

uma reclassificação não patologizante nas negociações sobre a 11.ª Revisão da Classificação Internacional de

Doenças (CID-11)».

Também a Resolução n.º 2048 (2015) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre

discriminação contra pessoas transgénero na Europa, recomenda aos Estados-Membros o reconhecimento

jurídico da identidade de género através de procedimentos de mudança da menção do sexo e alteração de nome

próprio rápidos, transparentes, acessíveis e baseados na autodeterminação, assim como a abolição da

esterilização e de outros tratamentos médicos, incluindo a apresentação de um diagnóstico de saúde mental,

como requisitos legais para aquele reconhecimento, na esteira do que já se encontrava previsto no Relatório

Temático de Thomas Hammarberg, anterior Comissário de Direitos Humanos do Conselho da Europa, sobre

Direitos Humanos e Identidade de Género, quando recomenda aos Estados-Membros do Conselho da Europa

a «abolir a esterilização e outros tratamentos médicos exigidos como requisito legal necessário para reconhecer

a identidade de género de uma pessoa nas leis que regulam o processo de mudanças de nome e sexo».

Efetivamente, o paradigma até agora orientado para uma perspetiva de patologização mental das pessoas

desviadas do marcador do sexo ou género binário concebido como natural (masculino/feminino ou

homem/mulher), promotor de uma estigmatização social, passou a centrar a atenção na situação social e legal

destas pessoas, enquanto membros de uma sociedade com direitos iguais aos dos demais membros e no

contexto de uma universalidade dos direitos humanos, afirmando a autodeterminação de género de cada pessoa

como um direito humano fundamental e uma parte imprescindível do direito ao livre desenvolvimento da

personalidade.

Neste contexto, a solução encontrada através da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, tornou-se não só contrária

ao modelo que se tem vindo a definir de despatologização mental das pessoas cujo sexo atribuído à nascença

é incongruente com a sua identidade de género mas, também, redutora face à atual realidade social, a qual tem

vindo a apontar para uma maior inclusão da diversidade de género e da diversidade das características sexuais

das pessoas, por forma a converter o tratamento dessa diversidade numa questão de direitos humanos, com a

necessidade prática de garantir que o processo de reconhecimento jurídico da identidade de género não exclua

nenhuma pessoa que dele necessite.

A presente lei estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género,

eliminando alguns requisitos presentes no atual procedimento de reconhecimento jurídico da identidade de

género, designadamente quanto à exigência de apresentação de um relatório que comprove o diagnóstico de

perturbação de identidade de género e que faz, até então, depender de terceiros a decisão de mudança de sexo

e de nome próprio no registo civil, correspondente à identidade de género de uma pessoa.

A presente lei estabelece, ainda, o direito à proteção das características sexuais primárias e secundárias das

pessoas, fazendo depender do seu consentimento expresso e esclarecido, qualquer tratamento e intervenção

cirúrgica, farmacológica ou de outra natureza que implique modificações ao nível do corpo ou das suas

características sexuais.

No caso das pessoas menores, salvo em situações de comprovado risco para a sua saúde, os tratamentos

e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, só devem ser realizados a partir do momento

em que se manifeste a sua identidade de género, mediante o seu consentimento expresso e esclarecido através

dos seus representantes legais, tendo em consideração o princípio da autonomia progressiva, ou seja, no

sentido de garantir ao menor com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião e

de a mesma ser tomada em consideração de acordo com a sua idade e maturidade, e o princípio do superior

interesse da criança, ambos constantes na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução

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da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República

n.º 49/90, da mesma data.

No que concerne à previsão do reconhecimento civil das pessoas intersexuais, cujas características sexuais

incorporam ambos ou certos aspetos tanto da fisiologia masculina, como feminina, não obstante se reconhecer

como indispensável que o seu sexo registado seja facilmente corrigido através de procedimentos administrativos

simples, a presente lei não visa definir uma terceira opção de sexo registado – sexo em branco ou sexo neutro.

Considera-se que esta pode reforçar a pressão em efetuar tratamentos ou intervenções cirúrgicas para

normalizar os órgãos genitais de crianças e bebés intersexo e submeter, até que seja manifestada a sua

identidade de género, a uma indesejável exposição, promovendo ainda mais o estigma e a discriminação destas

pessoas.

Em concreto, a presente lei procura clarificar alguns conceitos como os de «sexo», «género», «identidade

de género», «expressão de género» e «características sexuais», regulando o procedimento de mudança da

menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio, tomando em consideração o que

se encontra previsto nos princípios de Yogyakarta sobre a aplicação da legislação internacional de direitos

humanos em relação à orientação sexual e identidade de género.

São, ainda, definidas medidas de proteção no âmbito da saúde para pessoas que face à identidade de género

e expressão de género manifestadas e às suas características sexuais procurem serviços de referência ou

unidades especializadas no Sistema Nacional de Saúde; no âmbito do sistema educativo, em todos os níveis de

ensino e ciclos de estudo, que promovam a inclusão e proíbam quaisquer formas de discriminação e

estigmatização destas pessoas em setores fundamentais do Estado, remetendo-se, no âmbito do trabalho e

emprego, para o que se encontra previsto no Código do Trabalho, na Lei Geral do Trabalho em Funções

Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e na Lei n.º 3/2011, de 15 de fevereiro, no que se refere

ao acesso e exercício do trabalho independente.

Em suma, a presente lei pretende tornar Portugal num país mais respeitador dos direitos humanos das

pessoas transexuais e transgénero, assim como das pessoas intersexuais, estabelecendo procedimentos que

garantam uma maior qualidade de vida e uma maior inclusão de um grupo social que é frequentemente alvo de

discriminação, estigma e violência.

Assim:

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da

República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o

direito à proteção das características sexuais de cada pessoa.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Sexo», o conjunto de características biológicas e fisiológicas que distinguem os homens e as mulheres;

b) «Género», os atributos sociais, papéis, atividades, responsabilidades, poderes e necessidades

decorrentes do entendimento social sobre masculinidade e feminilidade, que determinam a forma como as

pessoas são percecionadas e como se espera que pensem e ajam, aprendidos ou adquiridos durante a

socialização enquanto membros de uma comunidade especifica dentro de uma sociedade;

c) «Identidade de género», a vivência interna e individual de cada pessoa relativamente ao seu género,

independentemente do sexo atribuído à nascença, que inclui a relação pessoal com o corpo e a expressão de

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género, designadamente através da forma de vestir, falar e de estar, envolvendo ou não a modificação da

aparência ou das funções do corpo por meios cirúrgicos, farmacológicos ou de outra natureza, podendo ocorrer

quer com pessoas transgénero, quer com pessoas intersexuais;

d) «Expressão de género», o modo como cada pessoa expressa e comunica o seu género e ou a forma

como é percecionada pelas outras pessoas;

e) «Características sexuais», o conjunto de atributos de natureza anatómica de uma pessoa,

compreendendo as características sexuais primárias, como os órgãos genitais internos e externos, e as

características sexuais secundárias, que incluem mas não se limitam, a massa muscular, distribuição capilar,

peito e estatura;

f) «Transgénero», as pessoas que têm uma identidade de género ou expressão de género diferente do sexo

que lhe foi atribuído à nascença;

g) «Intersexuais», as pessoas cujas características sexuais incorporam ambos ou certos aspetos da

fisiologia masculina, como da feminina;

h) «Discriminação direta», todas as situações em que, em função da identidade de género, expressão de

género ou das características sexuais, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele

que é, tenha sido ou possa vir, a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

i) «Discriminação indireta», sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutra, coloque

pessoas com uma determinada identidade de género, expressão de género ou características sexuais numa

situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou

prática objetivamente se justifique por um fim legítimo e que os meios para alcançar sejam adequados e

necessários.

Artigo 3.º

Proibição de discriminação

1 - Todas as pessoas são livres e iguais em dignidade e direitos, sendo proibida qualquer discriminação,

direta ou indireta, em função do exercício do direito à identidade de género e expressão de género e do exercício

do direito à proteção das características sexuais.

2 - As entidades privadas cumprem a presente lei e as entidades públicas garantem o seu cumprimento e

promovem, no âmbito das suas competências, as condições necessárias para o exercício efetivo do direito à

autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características

sexuais de cada pessoa.

Artigo 4.º

Autodeterminação da identidade de género e expressão de género

1 - O exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género de uma pessoa

é assegurado, designadamente, mediante o livre desenvolvimento da personalidade de acordo com a sua

identidade e expressão de género.

2 - Quando, da prática de um determinado ato ou procedimento, se torne necessário indicar dados de um

documento de identificação que não corresponda à identidade de género de uma pessoa, esta ou os seus

representantes legais podem solicitar que essa indicação passe a ser realizada mediante a inscrição das iniciais

do nome próprio que consta no documento de identificação, precedido do nome próprio adotado face à

identidade de género manifestada, seguido do apelido completo e do número do documento de identificação.

Artigo 5.º

Proteção das características sexuais

Todas as pessoas têm direito a manter as características sexuais primárias e secundárias.

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Artigo 6.º

Modificações ao nível do corpo ou das características sexuais da pessoa maior

Os tratamentos e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, que impliquem

modificações ao nível do corpo ou das características sexuais da pessoa maior, só podem ser realizadas

mediante o seu consentimento expresso e esclarecido.

Artigo 7.º

Modificações ao nível do corpo ou das características sexuais da pessoa menor

1 - Salvo em situações de comprovado risco para a sua saúde, os tratamentos e as intervenções cirúrgicas,

farmacológicas ou de outra natureza que impliquem modificações ao nível do corpo ou das características

sexuais da pessoa menor, não devem ser realizados até ao momento em que se manifeste a sua identidade de

género.

2 - A prática de tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que impliquem

modificações ao nível do corpo ou das características sexuais da pessoa menor a partir do momento em que se

manifeste a sua identidade de género, é realizada mediante o seu consentimento expresso e esclarecido através

dos seus representantes legais, tendo em consideração os princípios da autonomia progressiva e do superior

interesse da criança constantes na Convenção sobre os Direitos da Criança.

CAPÍTULO II

Reconhecimento jurídico da identidade de género

Artigo 8.º

Procedimento

1 - O reconhecimento jurídico da identidade de género pressupõe a abertura de um procedimento de

mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio, mediante

requerimento.

2 - O procedimento referido no número anterior tem natureza confidencial, exceto a pedido da própria pessoa,

dos seus herdeiros, das autoridades judiciais ou policiais para efeitos de investigação ou instrução criminal, ou

mediante decisão judicial.

3 - A mudança da menção do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome próprio realizadas nos

termos da presente lei só poderão ser novamente objeto de requerimento mediante autorização judicial.

4 - A decisão final sobre a identidade de género de uma pessoa proferida por uma autoridade ou tribunal

estrangeiro de acordo com a legislação desse país é reconhecida nos termos gerais da lei.

Artigo 9.º

Legitimidade

1 - Têm legitimidade para requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da

consequente alteração de nome próprio as pessoas de nacionalidade portuguesa que sejam maiores de idade

e não se mostrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica, cuja identidade de género não corresponda

ao sexo atribuído à nascença.

2 - As pessoas de nacionalidade portuguesa e com idade compreendida entre os 16 e 18 anos podem

requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome

próprio através dos seus representantes legais, devendo o/a conservador/a proceder à respetiva audição

presencial da pessoa cuja identidade de género não corresponda ao sexo atribuído à nascença, por forma a

apurar o seu consentimento expresso e esclarecido, tendo em consideração os princípios da autonomia

progressiva e do superior interesse da criança constantes na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Página 12

II SÉRIE-A — NÚMERO 105 12

Artigo 10.º

Requerimento

O procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio

tem inicio mediante requerimento apresentado em qualquer conservatória do registo civil, com indicação do seu

número de identificação civil e do nome próprio pelo qual a pessoa pretende vir a ser identificada, podendo,

desde logo, ser solicitada a realização de novo assento de nascimento, no qual não poderá ser feita qualquer

menção à alteração do registo.

Artigo 11.º

Decisão

1 - No prazo máximo de oito dias úteis a contar da data de apresentação do requerimento, o/a conservador/a

deve, consoante os casos:

a) Decidir no sentido favorável e realizar o respetivo averbamento, nos termos do artigo 73.º do Código do

Registo Civil e, se for o caso, realizar um novo assento de nascimento, nos termos do n.º 1 do artigo 123.º do

mesmo Código;

b) Solicitar o aperfeiçoamento do requerimento quando da sua análise resultarem erros ou imperfeições e,

bem assim, quando o mesmo se revele incompleto;

c) Decidir no sentido desfavorável, designadamente quando da análise realizada resultar que não se

encontram cumpridos os requisitos previstos no artigo 7.º da presente lei.

2 - Caso tenha sido solicitado o aperfeiçoamento do requerimento nos termos da alínea b) do número

anterior, o/a conservador/a deve emitir decisão no prazo máximo de oito dias a contar da data da apresentação

dos elementos adicionais.

3 - Nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer prova de que foi submetida a procedimentos médicos,

incluindo cirurgia de reatribuição do sexo, esterilização ou terapia hormonal, assim como a tratamentos

psicológicos e ou psiquiátricos, como requisito que sirva de base à decisão do/a conservador/a.

4 - Da decisão desfavorável à mudança da menção do sexo no registo civil e à consequente alteração de

nome próprio ou do não cumprimento dos prazos estabelecidos no presente artigo cabe recurso hierárquico

para o/a presidente do Instituto dos Registos e Notariado, I.P., nos termos do Código do Registo Civil.

Artigo 12.º

Efeitos

1 - A mudança da menção do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome próprio efetuada nos

termos da presente lei não afeta nem altera os direitos constituídos e as obrigações jurídicas assumidas antes

do reconhecimento jurídico da identidade de género.

2 - As pessoas que tenham procedido à mudança da menção do sexo no registo civil e à consequente

alteração de nome próprio passam, desse modo, a ser reconhecidas nos documentos oficiais portugueses de

identificação, designadamente no que concerne a elementos como o nome e sexo neles constantes.

3 - No prazo máximo de 30 dias a contar do averbamento, a pessoa que tenha procedido à mudança da

menção do sexo no registo civil e à consequente alteração de nome próprio deve dar início às alterações

necessárias à atualização dos seus documentos de identificação.

CAPÍTULO III

Medidas de proteção

Artigo 13.º

Saúde

1 - O Estado deve garantir o direito ao acesso e à proteção da saúde física e mental de todas as pessoas

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que, face à identidade de género e expressão de género manifestadas e às suas características sexuais,

procurem serviços de referência ou unidades especializadas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente

para tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, destinadas a fazer

corresponder o corpo à sua identidade de género.

2 - Para efeitos da realização dos tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza

referidas no número anterior, deve ser efetuada uma avaliação prévia por médico especialista em psiquiatria

que ateste a ausência de perturbação, de doença mental ou de perturbação de personalidade, suscetível de

impedir o livre e esclarecido exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de

género e do direito à proteção das características sexuais.

3 - As pessoas a quem a presente lei se aplica têm o direito de obter os resultados dos exames e os relatórios

dos tratamentos e intervenções cirúrgicas realizadas e, sempre que o requeiram, aceder ao seu processo clinico,

por intermédio de médico, com respeito pelo disposto na Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, independentemente

da natureza pública ou privada do estabelecimento, posto ou unidade de saúde.

4 - A direção-geral da saúde deve definir, no prazo máximo de 270 dias, um modelo de intervenção através

de orientações e normas técnicas, a ser implementado pelos profissionais de saúde no âmbito das questões

relacionadas com a identidade de género, expressão de género e das características sexuais das pessoas.

Artigo 14.º

Educação e ensino

1 - O Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos

de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de

género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas, nomeadamente através do

desenvolvimento de:

a) Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género,

expressão de género e das características sexuais;

b) Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável

desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que

não se identifica com o sexo atribuído à nascença;

c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das

características sexuais, contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar,

assegurando o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens que realizem

transições sociais de identidade e expressão de género;

d) Formação adequada dirigida a docentes e demais profissionais do sistema educativo no âmbito de

questões relacionadas com a problemática da identidade de género, expressão de género e da diversidade das

características sexuais de crianças e jovens, tendo em vista a sua inclusão como processo de integração

socioeducativa.

2 - Os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada,

devem garantir as condições necessárias para que as crianças e jovens se sintam respeitadas de acordo com

a identidade de género e expressão de género manifestadas e as suas características sexuais.

3 - Os membros do Governo responsáveis pelas áreas da igualdade de género e da educação adotam, no

prazo máximo de 180 dias, as medidas administrativas necessárias para a implementação do disposto no n.º 1.

Artigo 15.º

Trabalho, emprego e formação profissional

O exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à

proteção das características sexuais das pessoas no trabalho e no emprego é garantido nos termos do Código

do Trabalho, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e

da Lei n.º 3/2011, de 15 de fevereiro, no que se refere ao acesso e exercício do trabalho independente.

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CAPÍTULO IV

Meios de defesa

Artigo 16.º

Resolução alternativa de litígios

Sem prejuízo do recurso à via judicial, as partes podem submeter a resolução dos litígios emergentes da

presente lei a estruturas de resolução alternativa de litígios, nos termos gerais da lei.

Artigo 17.º

Responsabilidade

1 - A prática de qualquer ato discriminatório, por ação ou omissão, confere à pessoa lesada o direito a uma

indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a título de responsabilidade civil extracontratual, nos

termos do Código Civil.

2 - Na fixação da indemnização, o tribunal deve atender ao grau de violação dos interesses em causa, ao

poder económico dos autores do ilícito e às condições da pessoa alvo da prática discriminatória.

Artigo 18.º

Proteção contra atos de retaliação

É nulo o ato de retaliação que corresponda a um tratamento ilícito e doloso que seja lesivo ou desfavorável

a qualquer pessoa em razão de reclamação, queixa, denúncia ou ação contra o/a autor/a desse ato, em defesa

do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das

características sexuais de cada pessoa, nos termos da presente lei.

Artigo 19.º

Direitos processuais das associações e organizações não-governamentais

1 - É reconhecida às associações e organizações não-governamentais cujo objeto estatutário se destine

essencialmente à defesa e promoção do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de

género e do direito à proteção das características sexuais de cada pessoa legitimidade processual para a defesa

dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente

protegidos das pessoas associadas, bem como para a defesa dos valores protegidos pela presente lei.

2 - A defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos prevista no número anterior

não pode implicar limitação da autonomia individual das pessoas associadas.

CAPÍTULO V

Disposições transitórias e finais

Artigo 20.º

Norma transitória

A presente lei aplica-se aos procedimentos de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente

alteração de nome próprio que se encontram a decorrer à data da sua entrada em vigor.

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Artigo 21.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 7/2011, de 15 de março, com exceção do artigo 5.º.

Artigo 22.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia útil seguinte ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de abril de 2017.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa — O Ministro Adjunto, Eduardo Arménio do Nascimento

Cabrita — O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno de Oliveira Santos.

———

PROPOSTA DE LEI N.º 76/XIII (2.ª)

ALTERA A LEI DE BASES DA POLÍTICA PÚBLICA DE SOLOS, DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

E DE URBANISMO

Exposição de motivos

A Lei de Bases da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Lei

n.º 31/2014, de 30 de maio (LBPPSOTU), estabeleceu que o conteúdo dos planos especiais de ordenamento

do território vigentes à data deveria ser plasmado no plano diretor intermunicipal ou municipal e em outros planos

intermunicipais ou municipais aplicáveis à área abrangida pelos referidos planos especiais, no prazo máximo de

três anos a contar da data da entrada em vigor daquela lei.

A necessidade de tradução do conteúdo dos planos especiais nos planos municipais ou intermunicipais

resultou do novo figurino atribuído aos agora redenominados programas especiais, que passaram a constituir

um meio de intervenção do Governo para tutela de interesses públicos e de recursos de relevância nacional,

exclusivamente mediante regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais.

Esta alteração de paradigma refletiu-se em responsabilidades acrescidas para as autarquias locais e no

reforço do papel dos planos diretores municipais ou, quando existentes, dos planos diretores intermunicipais,

enquanto instrumentos de planeamento vinculativos dos particulares, com o objetivo de permitir ao cidadão

consultar apenas um único instrumento de gestão territorial para conhecer com segurança o que lhe é permitido

fazer em termos de operações urbanísticas.

Naturalmente, num período transitório, seria necessário que os planos especiais continuassem a vigorar,

permitindo aos municípios o desenvolvimento das tarefas de adaptação do conteúdo dos respetivos planos

municipais ou intermunicipais, tendo sido, para tanto, fixado o prazo de três anos contados desde a entrada em

vigor da LBPPSOTU. Deveriam, pois, os municípios concluir o procedimento de atualização dos seus planos

territoriais até 29 de junho de 2017.

Acresce que, nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 46.º da LBPPSOTU, a falta de iniciativa ou atraso, por parte

dos municípios, em desencadear o procedimento de atualização do plano municipal implica a «suspensão das

normas do plano territorial intermunicipal ou municipal que deveriam ter sido alteradas» e a «rejeição de

candidaturas de projetos a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou

comunitários, bem como a não celebração de contratos programa, até à regularização da situação».

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Contudo, apenas em 19 de março de 2015 o Grupo de Trabalho para o Território concluiu o Guia

Metodológico que veio estabelecer as principais orientações a que deveria atender o exercício de transposição

das normas dos planos especiais para os planos municipais, tendo então sido iniciado o trabalho de identificação

das normas dos planos especiais referentes aos regimes de salvaguarda dos valores a transpor para os planos

diretores municipais, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 78.º da mencionada lei, tarefa essa que já foi, ao nível

da administração central do Estado, concluída.

Contudo, apesar desse facto, o procedimento tendente à transposição das normas dos planos especiais para

os planos municipais mostra-se muito difícil, estando comprometido o cumprimento até ao fim do prazo fixado

pela LBPPSOTU. Revela-se, por outro lado, necessária a fixação de novos prazos razoáveis às entidades

responsáveis pelos programas especiais de ordenamento do território, para elaboração de normas de

salvaguarda dos valores naturais com incidência territorial, em tempo que permita aos municípios o seu

acolhimento neste procedimento de transposição.

Por outro lado, o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 80/2015, de 14 de maio, (RJIGT) veio estabelecer, no n.º 2 do seu artigo 200.º, que findo o prazo estabelecido

para a transposição do conteúdo dos planos especiais, nos termos do já mencionado artigo 78.º da LBPPSOTU,

«devem os mesmos ser reconduzidos aos programas especiais, no prazo de um ano». Ou seja, o novo RJIGT

introduziu, com vista a concretizar o disposto no artigo 80.º da LBPPSOTU, um prazo de ‘recondução’ dos atuais

planos especiais de ordenamento do território a programas especiais, prazo este que seria, com a aprovação

da presente proposta, igualmente dilatado.

Assim, o trabalho de atualização das normas dos planos especiais de ordenamento do território decorrentes

da adaptação referida, a que acresce a necessidade de atualização de muitas das normas, face ao seu longo

período de vigência, mostra-se uma tarefa de maior complexidade do que originariamente tinha sido

equacionado aquando da aprovação da LBPPSOTU. Corre-se ainda o risco de se verificar um processo de

transposição das normas dos planos especiais que venha a refletir um mero exercício de transposição literal, o

que implicaria a incorporação nos planos diretores municipais de normas desatualizadas.

Acresce, ainda, a estas obrigações a necessidade de, no prazo máximo de 5 anos após a entrada em vigor

do RJIGT, ou seja em 13 de julho de 2020, os planos municipais e intermunicipais incluírem as regras de

classificação e qualificação do solo previstas nesse diploma, nos termos do n.º 2 do seu artigo 199.º.

O contexto supra exposto, determina, pois, a necessidade de adaptar os planos territoriais em vigor à nova

filosofia do planeamento do território em vários aspetos, havendo toda a conveniência, quer para os municípios,

quer para as entidades públicas que intervêm nestes procedimentos, em que estas adaptações ocorram em

simultâneo e no âmbito de um único procedimento de alteração ou de revisão dos planos territoriais.

Efetivamente, os procedimentos de dinâmica dos planos territoriais são procedimentos complexos que envolvem

custos técnicos e financeiros expressivos para os municípios.

Consequentemente, propõe-se que seja alargado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LBPPSOTU,

fazendo-o coincidir com aquele que se encontra consagrado para a obrigação de inclusão nos planos municipais

ou intermunicipais das novas regras de classificação e qualificação dos solos, prevista no referido n.º 2 do artigo

199.º do RJIGT, ou seja, 13 de julho de 2020.

Entende-se que o prazo em causa é o adequado à conclusão do procedimento de transposição das normas

dos planos especiais para os planos diretores municipais, quer porque permite a atualização das normas

daqueles, mas, também, porque é desejável que este exercício de transposição seja efetuado em sede de

procedimento de revisão e paralelamente à inclusão dos novos conceitos de solo rústico e de solo urbano, bem

como à conformação com as novas regras de classificação e qualificação do solo.

Aproveita-se, por outro lado, a oportunidade para colmatar uma lacuna da LBPPSOTU no que ao regime

transitório dos planos especiais diz respeito, passando a prever-se que aos mesmos possam ser aplicadas as

normas relativas à dinâmica dos instrumentos de gestão territorial e ao estabelecimento de medidas preventivas,

sob determinadas condições e em casos que substantivamente o justifiquem, atendendo a que os planos

especiais são mantidos em vigor e permanecem dotados – ainda que transitoriamente – de eficácia

plurisubjetiva.

Assim:

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Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da

República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à primeira alteração à Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, que estabelece as bases gerais

da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 31/2014, de 30 de maio

O artigo 78.º da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 78.º

[…]

1 - O conteúdo dos planos especiais de ordenamento do território em vigor deve ser transposto, nos termos

da lei, para o plano diretor intermunicipal ou municipal e em outros planos intermunicipais ou municipais

aplicáveis à área abrangida pelos planos especiais, até 13 de julho de 2020.

2 - […].

3 - […].

4 - […].

5 - Aos planos especiais são aplicáveis, com as devidas adaptações e enquanto estes ainda vigorarem, as

disposições relativas à alteração, suspensão e medidas preventivas aplicáveis aos planos intermunicipais e

municipais.

6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a alteração de planos especiais vigentes não pode ter lugar

depois do procedimento de transposição determinado nos números anteriores, nem determinar uma dificuldade

acrescida da respetiva integração nos planos intermunicipais e municipais.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de abril de 2017

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa — O Ministro do Ambiente, João Pedro Soeiro de Matos

Fernandes — O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno de Oliveira Santos.

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