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19 DE JULHO DE 2017 15

Europeias. Em março de 2001, surge a Diretiva 2001/23/CE do Conselho, relativa à aproximação das legislações

dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de

empresas ou de estabelecimentos ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.

Constatada a disparidade entre os regimes dos diferentes Estados-membros e as transformações ao nível

das estruturas das empresas, visava-se adaptar as disposições de proteção dos trabalhadores, garantindo maior

segurança e transparência jurídicas, face à jurisprudência do então Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias. A Diretiva representou, por isso, um esforço para consolidar e consagrar os resultados duma longa

e laboriosa construção jurisprudencial nesta matéria, com vista a assegurar uma mais densa proteção dos

trabalhadores e a estabilidade do seu emprego.

Foi neste contexto que a legislação portuguesa passou a regular (nos artigos 285.º a 287.º do Código do

Trabalho) o conceito jurídico e os efeitos da transmissão de empresa ou estabelecimento, transpondo estas

Diretivas para o ordenamento interno. É evidente, pois, que o objetivo foi, desde o início, a proteção dos direitos

dos trabalhadores no momento em que o estabelecimento é adquirido por uma outra empresa ou em que há um

novo concessionário, garantindo a manutenção dos postos de trabalho e os direitos associados, cabendo ainda

à nova empresa a responsabilidade por eventuais dívidas existentes, pelo prazo de um ano.

Contudo, têm-se observado, nos últimos anos, práticas de utilização fraudulenta desta lei, designadamente

defraudando os direitos dos trabalhadores e impedindo a eficácia do princípio da estabilidade do emprego. A

utilização deste mecanismo para “desembaraçar-se elegantemente e sem custos” dos trabalhadores mostra

como tem sido possível, nas palavras do Juiz Conselheiro Júlio Gomes, “fazer das normas sobre transmissão

de empresa ou de estabelecimento uma utilização que desvirtua por completo um dos seus escopos, a saber, a

manutenção dos direitos dos trabalhadores na hipótese de transmissão” (CEJ, 2014, p.227).

De facto, um dos casos em que se assiste a este tipo de práticas é o da PT/MEO, comprada em 2015 pelo

grupo Altice. Depois de gorada uma alegada tentativa de utilizar o estatuto de “empresa em reestruturação” para

despedir até 3 mil trabalhadores, parece estar em curso o ficcionamento de uma “transmissão de

estabelecimento” que é, na prática, uma cedência de alguns trabalhadores de determinados departamentos a

empresas prestadoras de serviços (algumas do próprio grupo PT), obrigando-os a transferirem-se para

empresas que não têm a mesma consistência que a PT e que, por fragilidades patrimoniais ou outras, poderão

vir a concretizar, posteriormente, os despedimentos coletivos que a PT contornou, mas sem condições para

cumprir os seus deveres, designadamente ao nível das compensações e indemnizações devidas.

Com efeito, desde a sua aprovação, vêm sendo identificados os perigos que este regime poderia provocar

ao facilitar a utilização destas regras da transmissão com uma finalidade "expulsiva". Como alertou o Juiz

Conselheiro Júlio Gomes, o automatismo da transmissão dos contratos de trabalho para o cessionário poderia,

em casos de fraude, funcionar perversamente contra os interesses do trabalhador e não como meio de proteção

deste, dado que a transmissão de uma parte da empresa para um adquirente com poucos recursos significaria

uma morte habilidosamente planeada dos próprios contratos de trabalho transferidos.

A utilização abusiva e perversa deste mecanismo é facilitada ainda por outras razões. Uma delas é a

indeterminação do conceito de “unidade económica”, que pode facilitar uma interpretação criativa (o que não

quer dizer legítima à luz da atual lei) por parte de empresas que pretendam utilizar este regime de forma viciosa.

Por outro lado, ao não se reconhecer explicitamente ao trabalhador, na lei portuguesa, o "direito de oposição" à

transferência do contrato, facilita-se também esta utilização abusiva.

Vale a pena referir que a Diretiva 77/187/CEE não adiantou critérios exaustivos para a identificação da

definição de empresa ou parte de empresa, decorrendo esses critérios, essencialmente, da jurisprudência do

TJUE. Assim, a transferência de parte da empresa é, dada esta indefinição, “uma operação que se presta a ser

utilizada, fraudulentamente, para expulsar do processo produtivo determinados grupos de trabalhadores” (João

Reis, CEJ, 2014, p. 193).

O conceito de “unidade económica” estabelecido pelo número 5 do artigo 285.º do Código do Trabalho

português considera “unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma

atividade económica, principal ou acessória”. Ora, estes critérios padecem de algum relativismo, dependendo a

sua interpretação da avaliação das circunstâncias singulares de cada caso concreto. Para evitar utilizações

fraudulentas da lei, haveria que garantir que a entidade económica deve manter a sua identidade. Isto é, quando

uma grande empresa seleciona determinados grupos de trabalhadores para serem abrangidos pela

“transferência de estabelecimento”, esses trabalhadores devem constituir verdadeiramente unidades

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