O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 20

54

decorrentes, iniludivelmente, da ideia de Estado de Direito democrático, consignada no artigo 2.º da Lei

Fundamental”.

Visto as penas constituírem elementos que derivam na privação/sacrifício de direitos (maxime, a privação da

liberdade), o recurso a meios penais apenas é constitucionalmente admissível caso estes se afigurem como

necessários, adequados e proporcionados à proteção de algum direito ou interesse constitucionalmente

protegido de primeira importância, sendo fundamental que a mesma não possa ser garantida de outra forma.

O direito penal, pela sua especial gravosidade, no que às penas e medidas de segurança diz respeito,

consubstancia assim um “instrumento” que visa em respeito da dignidade da pessoa humana, proteção geral da

liberdade e dos valores inerentes a um Estado de direito democrático, salvaguardar a tutela dos bens jurídicos,

só se podendo criminalizar o que inequivocamente mereça o predicado de socialmente danoso.

Como defende Heinz Müller-Dietz 3“outro modo, converter-se-ia o campo do direito penal numa arena de

ideologias e projetos de poder conflituantes e o próprio direito penal se degradaria num instrumento nas mãos

do grupo ou estrato social em cada momento dominante”.

Pressupõe-se portanto, uma autêntica dignidade punitiva das condutas, caracterizadas pela essencialidade

do bem jurídico afetado, atendendo aos parâmetros impostos pelos princípios constitucionalmente consagrados,

pelos quais um Estado de direito democrático se rege4.

Num Estado de direito material, de raiz social e democrática, o direito penal apenas pode intervir face a

situações que derivem em lesões insuportáveis de condições essenciais de livre desenvolvimento e realização

da personalidade dos homens5, considerando por conseguinte que não podem ser abarcadas pelo âmbito do

direito penal as condutas que em caso de violação de um bem jurídico, possam ser contrariadas ou controladas

de forma suficiente por outros meios não criminais de política social, apenas intervindo o direito penal como

ultima ratio da política social6.

A necessidade de intervenção penal carecerá, portanto, de uma efetiva ponderação de custos/benefícios, ou

seja, uma ponderação entre o custo para as liberdades da mera ameaça penal (que não se concretizará sempre)

e o custo de condicionamentos da atividade social, impeditivos de condutas que sejam passíveis de lesar bens

jurídicos.

Por seu turno, Maria Fernanda Palma7 apoia a mesma construção teórica sobre esta temática defendendo

que “onde o direito penal for o instrumento adequado de proteção de bens jurídicos essenciais, há um dever de

realizar a segurança dos cidadãos através desse tipo de meios”.

Os considerandos supra expostos fortalecem a nossa convicção que determinados comportamentos

(omissões das condutas impostas nas premissas legais explicitadas) desembocam na lesão de bens jurídicos

com dignidade constitucional com elevada danosidade social, as quais legitimam a respetiva responsabilização

criminal.

Relembramos que Roxin define bens jurídicos como “realidades ou afins que são necessários para uma vida

social livre e segura que garanta os direitos humanos e fundamentais do indivíduo, ou para o funcionamento

estatal erigido para a consecução de tal fim”, assentando a sua perspetiva de conceito de bem jurídico a partir

do quadro dos direitos fundamentais8.

Para alicerçarmos o entendimento que perfilamos no que concerne à necessidade de responsabilizar

criminalmente as omissões/incumprimentos às condutas impostas no Sistema Nacional de Defesa da Floresta

contra Incêndios, procedemos a um exercício algo inusitado mas verosímil entre duas realidades distintas em

todas as vertentes possíveis – por um lado, no Decreto- Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, não existe qualquer

3 Cfr. HEINZ MüLLER-DIETZ, Strafe und Staat, Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1973, p.24, apud MANUEL DA COSTA ANDRADE, “O Novo Código Penal e a Moderna Criminologia”, in Jornadas de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Centro de Estudos Judiciários, fase I, Lisboa: Livraria Petrony, 1983, p.202. 4 Neste sentido, ver por exemplo, HANS-HEINRICH JESCHECK, Tratado de Derecho Penal-Parte General, Barcelona: Editorial Bosch, 1986, p.34 e NICOLAS GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Proporcionalidad y Derechos Fundamentales en el Processo Penal, Madrid: Colex, 1990, p.225. 5 Deste modo, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “O sistema sancionatório do Direito Penal Português no contexto dos modelos da política criminal”, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, Vol. I, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1984, pp. 806-807. 6 Assim, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “O Movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social”, in Jornadas de Direito Criminal – O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, Centro de Estudos Judiciários, fase I, Lisboa: Livraria Petrony, 1983, p.323. 7 Cf. MARIA FERNANDA PALMA, “Constituição e direito penal: as questões inevitáveis” in Perspetivas constitucionais nos 20 anos da constituição de 1976, (organizado pelo Professor Jorge Miranda), Vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1996-1998, pp. 234-235. 8 Cf. CLAUS ROXIN, “Es la protección de bienes jurídicos una finalidad del Derecho penal?” in La Teoría del bien jurídico: “fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático?, Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 447.

Páginas Relacionadas
Página 0059:
27 DE OUTUBRO DE 2017 59 5 – As entidades responsáveis que, por qualquer forma, não
Pág.Página 59
Página 0060:
II SÉRIE-A — NÚMERO 20 60 Como tal, consideramos essencial inserir o
Pág.Página 60