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II SÉRIE-A — NÚMERO 40

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incorporações regulares que têm como objetivo último assegurar a salvaguarda dos arquivos que vão sendo

produzidos na administração pública. Sem esta incorporação, classificação e triagem subsequentes, os papéis

produzidos pela administração tendem a dispersar-se, perder-se, causando uma situação de enorme gravidade,

uma ameaça à memória coletiva.

Em Portugal o arquivo com estas responsabilidades é a Torre do Tombo o que, aliás, remonta ao Século

XIV. Uma longevidade de funções que parecia inatacável mas que foi, subitamente, alterada com o Decreto-Lei

n.º 103/2012, de 16 de maio. A partir desta data, a Torre do Tombo deixou de ser o arquivo do Estado, as

incorporações deixaram de se fazer. Por outras palavras, Portugal deixou de ter um arquivo do Estado. Uma

situação tão surpreendente como grave, sem igual no espaço europeu. Desde 2012, a Torre do Tombo virou

uma simples direção de serviços da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB). Antes, com a nova

orgânica do Ministério da Cultura de 2006 (Decreto-Lei n.º 215/2006, de 27 de outubro), já tinha perdido a sua

autonomia; mas o golpe de misericórdia chegou com a sua inclusão numa Direção-Geral que também trata do

livro, de bibliotecas e de arquivos.

A Torre do Tombo é uma instituição central da administração, com um papel fundamental na história e

organização do próprio país, a sua desclassificação representa um atentado à sensibilidade dos cidadãos,

coloca em perigo a salvaguarda dos documentos e a sua despromoção atinge a própria dignidade institucional.

Talvez a presente situação tenha servido alguns interesses, mas é parecer do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda que não foram certamente os da Torre do Tombo, que precisa de autonomia para executar as funções

que se esperam de um arquivo do Estado.

Desta exposição, poderia concluir-se que estávamos perante um vazio legislativo levando a que os arquivos

e uma política arquivística fossem sobrevivendo na ausência de enquadramento legal. Não é isso que se verifica.

Existe uma lei de bases para os arquivos (Decreto-Lei n.º 16/1993), como existe uma lei regulando as

incorporações (Decreto-Lei n.º 47/2004), como também existe um regimento para os arquivos distritais (Decreto-

Lei n.º 149/1983, de 5 de abril). Os instrumentos legais foram previstos e publicados existindo coerência entre

eles. Ironicamente, até existe mais legislação do que para as bibliotecas revelando uma preocupação com as

funções reguladoras da Torre do Tombo. O que destoa neste conjunto é a desclassificação da Torre do Tombo

para direção de serviços na amálgama que é a DGLAB (Decreto-Lei n.º 103/2012). A Torre do Tombo perdeu a

força e a autoridade indispensáveis para se poder impor e levar a cabo as funções de agência tutelar, que se

espera de um arquivo nacional, quer para monitorizar, quer para normalizar e regularizar. É, pois, indispensável

a reativação da legislação existente e a reposição da dignidade institucional.

Também está por resolver a questão da relação entre os arquivos privados e o Estado (situações que

poderiam ser resolvidas através do estabelecimento de protocolos em que o Estado garantia serviços de

organização, inventariação e conservação em troca da manutenção desses arquivos em território nacional e

facilidades de consulta e acesso) ou entre os designados arquivos militares e a administração central. Os

arquivos privados constituem verdadeira coutada e o Estado terá de legislar sobre eles, de forma a impedir o

seu desaparecimento. Não deixarão de ser privados, mas deverão ser inventariados, objeto de preparação de

instrumentos de pesquisa e obrigados a garantir o acesso e a consulta. Os arquivos militares estão numa esfera

à parte da administração central, mas a sua organização constitui uma ferramenta indispensável a que deveriam

ser obrigados. Para uns e outros, admitindo que as dificuldades se possam prender com a falta de recursos

técnicos, então, cabe ao Estado assegurar esses recursos.

A juntar às dificuldades de carácter legislativo, tem de ser ponderada a questão dos recursos humanos. Os

arquivos têm falta de pessoal o que se tornará muito óbvio com o problema das incorporações (agora paradas),

com a falta de organização de instrumentos de pesquisa ou de inventários (sobretudo dos arquivos privados

com interesse nacional) ou com as dificuldades de atendimento (esperas no limiar do suportável). Os recursos

humanos existentes até podem ser qualificados e dedicados mas são, certamente, insuficientes. Ao referir os

recursos humanos, deve ser acrescentada a necessidade de também dispor de recursos qualificados no domínio

da informática e este aspeto remete para a formação (média e superior) na esfera de ação do Ministério da

Educação mas que, pela sua gravidade, exige aqui esta menção.

Não se pode continuar a fazer de conta que não existe um problema com os arquivos nacionais. As situações

são muito variadas e difíceis de inventariar porque as instituições tendem a fechar-se e a restringir o acesso ao

verdadeiro coração do sistema. Mas os estudiosos utilizadores dos arquivos sentem todas as dificuldades e são

eles próprios que vão alertando para as carências que mencionamos. E sem uma observação devidamente