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II SÉRIE-A — NÚMERO 114

24

O comportamento do touro durante a lide, a sua propalada estoicidade, nada tem a ver com nobreza de

carácter como muitos adeptos da tourada defendem. O touro, não podendo fugir, não tem outra opção senão

lutar. Os movimentos bruscos, a novidade, a impossibilidade de fuga e o maneio violento, provocam reações

de resposta agressiva por parte dos bovinos21. As investidas do touro não devem ser interpretadas como um

ataque, mas como uma forma de defesa, eliminando os atacantes para evitar uma situação adversa já que não

possui pontos de fuga ou de abrigo. As praças são redondas para isso mesmo. Ainda assim ao invés de atacar

muitas vezes o touro opta por saltar as barreiras num sinal evidente de sofrimento e desespero22.

No fim da lide, as bandarilhas são arrancadas com o auxílio de uma navalha, causando uma ainda maior

dilaceração dos músculos, podendo a dor do animal ser avaliada pelas suas vocalizações e agitação intensas

durante e após esse procedimento. Enjaulados, sem espaço para se deitarem durante o trajeto, a libertarem

calor resultante do esforço físico recente e dado que as corridas de touros ocorrem maioritariamente durante o

Verão, com temperaturas muito elevadas, alguns animais chegam mortos ao matadouro23. O abate dos que

sobrevivem ocorre muitas das vezes dias depois da Tourada, normalmente na segunda-feira seguinte ao fim

de semana em que ocorre a corrida24.

Na verdade, a própria Lei n.º 92/95, de 12 de setembro (Lei de Proteção dos Animais), reconhece que a

tourada consubstancia um mau trato, de outra forma o legislador não teria sentido a necessidade de a

excecionar do disposto no artigo 1.º daquele diploma que refere que “São proibidas todas as violências

injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se

infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal.” Constando a exceção no n.º 3

do mesmo artigo, que dispõe que é proibido “b) Utilizar chicotes com nós, aguilhões com mais de 5 mm, ou

outros instrumentos perfurantes, na condução de animais, com excepção dos usados na arte equestre e nas

touradas autorizadas por lei”. Portanto, não existem dúvidas que a violência exercida sobre os touros nas

corridas e tudo o que as envolve (desde o transporte até ao abate) consubstancia um mau trato do ponto de

vista médico-veterinário, assim como nos termos da lei, o que deveria merecer ao legislador uma reflexão

profunda sobre o alcance da exceção que tem vindo a possibilitar.

Não podemos também deixar de fazer uma referência aos cavalos já que estes também são utilizados no

espetáculo e não raras vezes são também eles feridos. Só o mero facto de estar na praça com um touro causa

desconforto e stress ao cavalo, o qual se não fosse a obediência ao cavaleiro e a utilização de certos

equipamentos de controlo (tais como as esporas por exemplo) colocar-se-ia à distância por motivos de

segurança. Por outro lado, são várias as notícias de cavalos feridos com gravidade durante a lide devido a

investidas dos touros.

6 – Sobre a alegada tradição e identidade nacional

A tradição e a cultura são argumentos frequentemente utilizados na hora de justificar a existência de

espetáculos tauromáquicos. O legislador português, tanto por via do já revogado Decreto-Lei n.º 306/91, de 17

de agosto, como por via do atual Regulamento do Espetáculo Tauromáquico, o Decreto-Lei n.º 89/2014, de 11

de junho, faz da tauromaquia “parte integrante do património da cultura popular portuguesa”. Fá-lo, a pretexto

de uma pretensa manifestação de expressão artística e a coberto da dignidade constitucional do direito à

cultura, com total desconsideração pelo conhecimento científico que reconhece os animais como seres

sencientes dotados de consciência e ignorando por completo os ecos de modernidade que, um pouco por toda

a parte, reivindicam mais e melhor proteção para os animais não-humanos. É, pois, com estranheza que se

constata que o legislador que em 2017 estabeleceu, através da Lei n.º 8/2017, o estatuto jurídico dos animais,

no qual reconheceu a estes “natureza de seres vivos dotados de sensibilidade”, é o mesmo legislador que,

surpreendentemente, insiste em excecionar os espetáculos tauromáquicos, numa clara contradição com o

reconhecimento por si feito aos animais não-humanos. Tal opção, à parte de constituir uma incoerência

inconcebível, constitui igualmente uma desvalorização inaceitável do conhecimento que hoje temos sobre os

animais.

21 Bavera. Curso de producción bovina de carne. Chapter IV. FAV UNRC. 2002 22 Jordi Casamitjana. El sufrimiento de los toros en espectáculos taurinos; la perspectiva de um etólogo. CAS International. 2008 23 Ana Caria Nunes e JM Prates. Avaliação bioquímica do stresse físico dos touros de raça brava de lide (Bos taurus L.). DRARO e UTL-FMV.2006 24 http://basta.pt/do-sofrimento-dos-touros-nas-touradas/#_ftnref13

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