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Quarta-feira, 23 de maio de 2018 II Série-A — Número 118
XIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2017-2018)
S U M Á R I O
Projetos de lei [n.os 489/XIII (2.ª), 742, 773, 832, 838, 887 e 888/XIII (3.ª)]:
N.º 489/XIII (2.ª) [Impõe a classificação de oferta pública a todas as colocações que envolvam investidores não qualificados, garantindo uma maior proteção aos pequenos investidores (alteração ao Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro)]: — Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. N.º 742/XIII (3.ª) (Restabelece a possibilidade de globalização mensal nas introduções no consumo de produtos do regime da pequena destilaria): — Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio. N.º 773/XIII (3.ª) (Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é punível): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio. N.º 832/XIII (3.ª) (Procede à quadragésima sétima alteração ao Código Penal e regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e notas técnicas elaboradas
pelos serviços de apoio. N.º 838/XIII (3.ª) (Define o regime e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível): — Vide projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª). N.º 884/XIII (3.ª) [Eliminação do aumento do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP)]: — Alteração do texto do projeto de lei. N.º 887/XIII (3.ª) — Transporte não urgente de doentes (Os Verdes). N.º 888/XIII (3.ª) — Procede à reposição de freguesias (Os Verdes). Proposta de lei n.o 124/XIII (3.ª) (Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio. Projetos de resolução [n.os 1251, 1368, 1544, 1557, 1648 a 1653/XIII (3.ª)]: N.º 1251/XIII (3.ª) (Recomenda ao Governo a requalificação da EN 124 situada nos concelhos de Silves e Portimão): — Informação da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República. N.º 1368/XIII (3.ª) (Em defesa de uma Linha Ferroviária do Oeste integralmente requalificada e com um serviço de transporte de qualidade):
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— Informação da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República. N.º 1544/XIII (3.ª) (Recomenda ao Governo que proceda, com caráter de urgência, à requalificação da EN 124 entre Silves e Porto de Lagos): — Vide projeto de resolução n.º 1251/XIII (3.ª). N.º 1557/XIII (3.ª) (Pela defesa da Linha do Oeste garantindo um serviço público de transporte de qualidade para as populações): — Vide projeto de resolução n.º 1368/XIII (3.ª). N.º 1648/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que defenda os interesses nacionais no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (PSD). N.º 1649/XIII (3.ª) — Conclusão das obras, extinção e
transferência do património da «Parque Escolar, EPE» (PCP). N.º 1650/XIII (3.ª) — Recomenda ao Governo que combata o aumento inexplicável da despesa com o subsídio por doença (PSD). N.º 1651/XIII (3.ª) — Propõe medidas para o pleno aproveitamento do investimento na construção da ligação ferroviária Sines-Elvas (Caia) no âmbito do transporte de mercadorias (PCP). N.º 1652/XIII (3.ª) — Propõe medidas para o pleno aproveitamento do investimento na construção da ligação ferroviária Sines-Elvas (Caia) no âmbito do transporte de passageiros (PCP). N.º 1653/XIII (3.ª) — Redução do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) (PSD).
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PROJETO DE LEI N.º 489/XIII (2.ª)
[IMPÕE A CLASSIFICAÇÃO DE OFERTA PÚBLICA A TODAS AS COLOCAÇÕES QUE ENVOLVAM
INVESTIDORES NÃO QUALIFICADOS, GARANTINDO UMA MAIOR PROTEÇÃO AOS PEQUENOS
INVESTIDORES (ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS, APROVADO PELO
DECRETO-LEI N.º 486/99, DE 13 DE NOVEMBRO)]
Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento, Finanças e
Modernização Administrativa
1. Nota Introdutória
O projeto de lei n.º 489/XIII (2.ª) (BE) deu entrada na Assembleia da República a 31 de março de 2017, foi
aprovado, na generalidade, em 7 de abril de 2017, e baixou à Comissão de Orçamento, Finanças e
Modernização Administrativa, para apreciação na especialidade, nesse mesmo dia.
A iniciativa legislativa transitou, no âmbito dessa nova apreciação, para um Grupo de Trabalho (GT) já
constituído, sobre “Supervisão bancária”, tendo sido efetuadas as seguintes audições:
– Comissão do Mercado de Valores Mobiliários – 01.03.2018
– Banco de Portugal – 09.03.2018
– Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios – 14.03.2018
– Associação Portuguesa de Bancos – 16.03.2018
– Euronext – 20.03.2018
– Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – 04.04.2018
– Secretário de Estado Adjunto e das Finanças – 05.04.2018
O prazo para apresentação de propostas de alteração terminou no dia 20 de abril.
Não foram apresentadas propostas de alteração.
Em reunião de 27 de abril de 2018, o GT procedeu a votações indiciárias, que foram ratificadas em 2 de
maio de 2018, em reunião da COFMA.
2. Resultados da votação na especialidade
Todas as normas do projeto de lei foram rejeitadas com os votos a favor de BE e CDS-PP, a abstenção do
PCP e o voto contra de PSD e PS.
No decurso da votação, interveio a Sr.ª Deputada Inês Domingos (PSD), justificando o voto contra do PSD.
Declarou a Sr.ª Deputada que a aprovação desta iniciativa geraria um efeito perverso para as pequenas e
médias empresas que queiram fazer um aumento de capital, obrigando a deveres de informação excessivos.
Palácio de São Bento, 2 de maio de 2018.
A Presidente da Comissão, Teresa Leal Coelho.
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PROJETO DE LEI N.º 742/XIII (3.ª)
(RESTABELECE A POSSIBILIDADE DE GLOBALIZAÇÃO MENSAL NAS INTRODUÇÕES NO
CONSUMO DE PRODUTOS DO REGIME DA PEQUENA DESTILARIA)
Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
ÍNDICE
PARTE I – CONSIDERANDOS
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER
PARTE III – CONCLUSÕES
PARTE IV – ANEXOS
PARTE I – CONSIDERANDOS
1. Nota introdutória
Vinte Deputados do Partido Social Democrata (PSD) apresentaram o projeto de lei n.º 742/XIII (3.ª) –
Restabelece a possibilidade de globalização mensal nas introduções no consumo de produtos do regime da
pequena destilaria, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP) e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de
iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição
e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º
2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
O presente projeto de lei deu entrada em 24 de janeiro de 2018, foi admitido e anunciado a 25 de janeiro de
2018, tendo baixado nessa data, na generalidade, à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização
Administrativa.
2. Objeto, motivação e conteúdo da iniciativa
O PSD argumenta que as disposições legais relativas à declaração de introdução no consumo (DIC) global
deixaram “de considerar a especificidade da pequena destilaria, equiparando os pequenos produtores, em
termos de procedimentos de processamentos das declarações, aos produtores e embaladores da grande
indústria”. Os autores acrescentam ainda, na exposição de motivos, que “o procedimento tem-se vindo a
revelar completamente desadequado no caso dos produtores da pequena destilaria, tendo presente, desde
logo, o universo sociocultural em causa e a burocracia associada aos procedimentos de introdução ao
consumo, obrigando os produtores de medronho a apresentar uma DIC diária, ou sempre façam uma venda,
mesmo que se trate da venda de uma única garrafa de aguardente”. De acordo com a opinião dos autores, o
tratamento diferenciado a aplicar às pequenas destilarias justifica-se visto que a referida atividade se
desenvolve, em regra, “em territórios deprimidos do ponto de vista económico e social”. Por último, de referir
que os autores da iniciativa se referem em especial aos pequenos produtores de medronho, que constituem
parte relevante da atividade económica nas regiões onde o produto é produzido.
Segundo os deputados autores da presente iniciativa legislativa, o Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de
dezembro, “previa a possibilidade de a autoridade aduaneira competente autorizar (…) a globalização mensal”
dos produtos não sujeitos à taxa zero nos casos devidamente justificados. A publicação do Decreto-Lei n.º
73/2010, de 21 de junho, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), viria alterar esta
situação, passando a “estância aduaneira competente a poder autorizar o processamento de uma DIC global
(…) apenas para as introduções no consumo deprodutos sujeitos à taxa zero ou isentos”, caso que não se
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aplica, de acordo com as disposições legais em vigor, às pequenas destilarias e micro produtores de bebidas
alcoólicas.
Face ao exposto, os autores da iniciativa propõem a 14.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de
junho, restabelecendo a possibilidade de globalização mensal nas introduções no consumo de produtos do
regime da pequena destilaria, conforme se encontrava previamente considerado nos termos do Decreto-Lei n.º
566/99.
Deste modo, alteram o artigo 10.º do referido Decreto-Lei, introduzindo a possibilidade de “micro
produtores, em regime de pequena destilaria que tenham (…) introduzido no mercado bebidas alcoólicas e
bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (IABA) em quantidade inferior a 2000 litros no ano
transato”, verem a sua DIC processada, com periodicidade mensal, à semelhança dos produtores tributados à
taxa 0 ou isentos.
3. Conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e cumprimento da lei
formulário
O projeto de lei n.º 742/XIII (3.ª) toma forma de projeto de lei nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do RAR,
encontra-se redigido sob a forma de artigos, e é subscrito pelos 20 Deputados do PSD em observância do n.º
1 do artigo 123.º do mesmo diploma.
O projeto de lei cumpre com o n.º 1 do artigo 120.º do RAR, pois não infringe a CRP, a designação traduz
sinteticamente o seu objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos, de acordo com o n.º 1 do
artigo 124.º do RAR, cumprindo também com os requisitos formais para as propostas de lei previstas nas
alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 124.º do RAR.
O projeto de lei obedece ao formulário que corresponde a um projeto de lei, contém o articulado e
sucessivamente a data de aprovação da iniciativa pelos Deputados do PSD.
A iniciativa apresenta um título que traduz sinteticamente o seu objeto, de acordo com o estabelecido no n.º
2 do artigo 7.º da Lei Formulário (Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º
43/2014, de 11 de julho), embora possa ser objeto de aperfeiçoamento na especialidade ou em redação final.
Não obstante, a nota técnica do presente projeto de lei coloca algumas questões sobre o título, transcritas
integralmente nos parágrafos infra:
«Segundo o n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, ‘Os diplomas que alterem outros devem indicar o número
de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que
procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas’, pelo que, deveria, em regra, ser
inserido o número de ordem da alteração no título e o elenco dos diplomas que procederam a alterações
anteriores ao CIEC, no articulado.
No entanto, verifica-se que as leis que mais recentemente alteraram o CIEC não têm identificado, no seu
título, o número de ordem da respetiva alteração e referem-se sempre unicamente ao diploma que o aprovou
— o CIEC tem sido alterado predominantemente em sede de Lei do Orçamento do Estado —, pelo que,
designadamente por razões de segurança jurídica, parece que também não deve ser feita, neste caso, tal
referência. Com a disponibilidade do Diário da República eletrónico o elenco das respetivas alterações
legislativas encontra-se permanentemente acessível.
Assim, sugere-se apenas a seguinte alteração ao título: ‘Restabelece a possibilidade de globalização
mensal nas introduções no consumo de produtos do regime da pequena destilaria, alterando o Código dos
Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho’».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não suscita outras questões em face da lei
formulário.
4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre matéria conexa
Não se encontrou qualquer iniciativa legislativa ou petição pendente sobre a mesma matéria, existindo, no
entanto, uma iniciativa já aprovada sobre tema conexo: A Resolução da Assembleia da República n.º
133/2016, de 18 de julho, a qual recomenda ao Governo que adote medidas de apoio à cultura do
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medronheiro e à produção de aguardente de medronho. A referida resolução resulta de um texto de
substituição relativo aos projetos de resolução n.os 117/XIII (1.ª) (PSD), 193/XIII (1.ª) (PCP) e 198/XIII (1.ª)
(BE), tendo sido aprovado por unanimidade.
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER
A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre a
iniciativa em apreço, a qual é, de resto, de “elaboração facultativa” nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do
Regimento, reservando o seu grupo parlamentar a sua posição para o debate em Plenário.
PARTE III – CONCLUSÕES
A Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa é de parecer que o projeto de lei n.º
742/XIII (3.ª) (PSD) – Restabelece a possibilidade de globalização mensal nas introduções no consumo de
produtos do regime da pequena destilaria reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e
votado em plenário, reservando os grupos parlamentares o seu sentido de voto para o debate.
Palácio de S. Bento,15 de maio de 2018.
A Deputada autora do parecer, Mariana Mortágua — A Presidente da Comissão, Teresa Leal Coelho.
Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade na reunião de 23 de maio de 2018.
PARTE IV – ANEXOS
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da
Assembleia da República.
Nota Técnica
Projeto de lei n.º 742/XIII (3.ª) (PSD)
Restabelece a possibilidade de globalização mensal nas introduções no consumo de produtos do
regime da pequena destilaria
Data de admissão: 25 de janeiro de 2018.
Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (5.ª)
Índice
I. ANÁLISE SUCINTA DOS FACTOS, SITUAÇÕES E REALIDADES RESPEITANTES À INICIATIVA
II. APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE DOS REQUISITOS FORMAIS, CONSTITUCIONAIS E
REGIMENTAIS E DO CUMPRIMENTO DA LEI FORMULÁRIO
III. ENQUADRAMENTO LEGAL E DOUTRINÁRIO E ANTECEDENTES
IV. INICIATIVAS LEGISLATIVAS E PETIÇÕES PENDENTES SOBRE A MESMA MATÉRIA
V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS
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VI. APRECIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA APROVAÇÃO E DOS PREVISÍVEIS ENCARGOS COM A
SUA APLICAÇÃO
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), José Filipe Sousa (DAPLEN) e Ângela Dionísio
(DAC)
Data: 16 de fevereiro de 2018.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
O projeto de lei (PJL) em questão, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD, procede à alteração do
Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho1, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo
(CIEC).
De acordo com a atual lei, as pequenas destilarias podem beneficiar de autorização da estância aduaneira
competente para processamento de uma DIC2 global, com periodicidade mensal, apenas para as introduções
no consumo de produtos sujeitos à taxa zero ou isentos, equiparando-os assim, aos produtores da grande
indústria. Na prática, obriga também os pequenos produtores a processar diariamente uma DIC, ou sempre
que realizem uma venda, por muito insignificante que seja. Os proponentes da iniciativa consideram
desadequada esta “equiparação” defendendo a necessidade de simplificação de tais procedimentos
burocráticos tendo em conta a realidade sociocultural dos destinatários da norma.
O projeto de lei em apreço, dando nova redação dada ao n.º 4 do artigo 10.º doDecreto-Lei n.º 73/2010, de
21 de junho, vem assim repor o procedimento anteriormente previsto no Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de
dezembro3, permitindo, nos casos devidamente justificados, alargar a globalização mensal nas introduções no
consumo de produtos do regime da pequena destilaria, independentemente da taxa de imposto. No quadro
seguinte apresenta-se a comparação entre as três formulações do artigo em causa, ou do artigo equivalente.
Redação do n.º 6 do artigo.º 8.º do CIEC
aprovado peloDecreto-Lei n.º 566/99, de
22 de dezembro(redação da Lei n.º 30-
C/2000, de 29 de Dezembro)
Redação do n.º 4 do artigo.º 10.º do
CIEC, aprovado pelo DL n.º 73/2010
Artigo 2.º do PJL n.º 742/XIII (3.ª)
Nova redação dada ao n.º 4 do artigo
10.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 73/2010
«Artigo 8.º
Introdução no consumo
1 – […]
2 – A autoridade aduaneira competente
pode autorizar o processamento de uma
DIC global, com periodicidade mensal,
trimestral ou semestral, para as
introduções no consumo de produtos
sujeitos à taxa zero, bem como a
globalização mensal dos restantes
produtos, nos casos devidamente
justificados, devendo, em qualquer
situação, a DIC global ser entregue até ao
«Artigo 10.º
Formalização da introdução no
consumo
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Em derrogação ao disposto no
número anterior, a DIC pode ser
processada com periodicidade mensal,
até ao dia 5 do mês seguinte, para os
produtos tributados à taxa 0 ou isentos,
ou até ao 5.º dia útil do 2.º mês
seguinte, para a eletricidade e para o
gás natural.
«Artigo 10.º
Formalização da introdução no
consumo
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Em derrogação ao disposto no
número anterior, a DIC pode ser
processada, com periodicidade mensal:
a) Até ao dia 5 do mês seguinte:
i. Para os produtos tributados à taxa 0
ou isentos;
ii. Para introduções no consumo
concretizadas por micro produtores,
em regime de pequena destilaria que
1 Versão consolidada disponível no site da Imprensa Nacional Casa da Moeda.2 O produto destilado está sujeito a imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas (IABA), pelo que a sua introdução no consumo obriga ao preenchimento de uma Declaração de Introdução no Consumo (DIC) 3 Texto consolidado disponível na base de dados Datajuris.
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Redação do n.º 6 do artigo.º 8.º do CIEC
aprovado peloDecreto-Lei n.º 566/99, de
22 de dezembro(redação da Lei n.º 30-
C/2000, de 29 de Dezembro)
Redação do n.º 4 do artigo.º 10.º do
CIEC, aprovado pelo DL n.º 73/2010
Artigo 2.º do PJL n.º 742/XIII (3.ª)
Nova redação dada ao n.º 4 do artigo
10.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 73/2010
5.º dia seguinte ao termo do período
concedido.
3– […]
4– […]
tenham, deste modo, introduzido no
mercado bebidas alcoólicas e bebidas
adicionadas de açúcar ou outros
edulcorantes (IABA) em quantidade
inferior a 2000 litros no ano transato.
b) Até ao 5.º dia útil do 2.º mês
seguinte, para a eletricidade e para o
gás natural.
5– […]5– […]5– […]
6– […]»6– […]» 6– […]»
Na opinião dos autores da iniciativa, o tratamento diferenciado dos pequenos produtores justifica-se pela
especificidade da pequena destilaria, visto tratar-se de atividade económica que geralmente se desenvolve em
territórios deprimidos do ponto de vista económico e social.
O estatuto de pequena destilaria, previsto no n.º 1 do artigo 79.º do CIEC, permite aos produtores
beneficiar de uma redução de 50% do imposto sobre álcool4, nos termos previstos do n.º 2 do mesmo artigo
79.º. Importará salientar que esta atividade económica enfrenta vários constrangimentos. Para além da
sobrecarga burocrática a que alude esta iniciativa, também se destaca o peso da carga fiscal. A tributação das
bebidas alcoólicas está regulamentada no CIEC, sendo bastante elevada. No caso da produção de aguardente
de medronho (em pequenas destilarias), estima-se que os impostos representem, pelo menos, cerca de 27%
dos custos por litro de aguardente5.
Notamos que a iniciativa refere em especial os pequenos produtores de aguardente de medronho, sendo
de relevar que a exploração do medronheiro e a produção de aguardente constituiu uma atividade económica
de relevo nas regiões onde é produzido, nomeadamente na Serra Algarvia, no Centro Interior do País e no
Norte Alentejano. De acordo com o já mencionado Estudo sobre a Fileira do Medronho, a aguardente de
medronho constitui uma das três principais fontes de rendimento das populações da serra algarvia6.
Sublinhe-se ainda que a utilização e valorização dos produtos silvestres como o medronho, nomeadamente
para a produção de aguardente, pode revelar-se importante para o desenvolvimento dos territórios de baixa
densidade, particularmente no interior do país. Para além do seu potencial económico, a promoção da
produção do medronho tem sido defendida por razões que se prendem com a sustentabilidade ambiental.
Discute-se hoje, na comunidade científica, académica e não só, o interesse do cultivo do medronheiro e de
outras espécies autóctones para travar a desertificação dos territórios. Sendo uma espécie nativa
mediterrânica, poderá contribuir para repor a biodiversidade e reduzir o risco de incêndios.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A presente iniciativa é subscrita por vinte Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata,
ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia
4 Há todavia bebidas similares, como é o caso de alguns runs e licores da Madeira e Açores, que beneficiam de uma taxação ainda mais reduzida.5 Consultar Estudo Económico do Desenvolvimento da Fileira do Medronho. Fórum Florestal. 6 Os produtoresde aguardente de medronho concentram-se essencialmente na região Algarvia. A produção, bem como a rentabilidade das pequenas destilarias é, regra geral, baixa. O referenciado Estudo estima que a produção média anual de uma pequena destilaria estará pouco acima dos 700 litros. Dada a baixa quantidade produzida pelas pequenas destilarias, a exportaçãodestes produtos não é geralmente viável.
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da República (doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos
Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da
alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
Regimento.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei não parece infringir princípios constitucionais e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 24 de janeiro. Foi admitido e anunciado a 25 de janeiro de
2018, data em que baixou na generalidade à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização
Administrativa (5.ª), por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – “Restabelece a possibilidade de globalização mensal nas
introduções no consumo de produtos do regime da pequena destilaria.” –traduz sinteticamente o seu objeto,
mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida
como lei formulário7, embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento, em sede de
apreciação na especialidade ou em redação final.
O projeto de lei em análise prevê a alteração do artigo 10.º do Código dos Impostos Especiais de
Consumo. Segundo as regras de legística formal, “o título de um ato de alteração deve referir o título do ato
alterado, bem como o número de ordem de alteração” 8. Consultando o Diário da República Eletrónico,
constata-se que o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
73/2010, de 21 de junho, foi, até à data, alterado pelas Leis n.os 55-A/2010, de 31 de janeiro, 64-B/2011, de 30
de dezembro, 14-A/2012, de 30 de março, 20/2012, de 14 de maio, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 51/2013,
de 24 de julho, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 75-A/2014, de 30 de setembro, 82-B/2014, de 31 de
dezembro, 82-D/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 março, 114/2017, de 29 de dezembro, 42/2016, de
28 de dezembro e 24/2016, de 22 de agosto.
Segundo o n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, “Os diplomas que alterem outros devem indicar o número de
ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que
procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas”,pelo que, deveria, em regra, ser
inserido o número de ordem da alteração no título e o elenco dos diplomas que procederam a alterações
anteriores ao CIEC, no articulado.
No entanto, verifica-se que as leis que mais recentemente alteraram o CIEC não têm identificado, no seu
título, o número de ordem da respetiva alteração e referem-se sempre unicamente ao diploma que o aprovou –
o CIEC tem sido alterado predominantemente em sede de Lei do Orçamento do Estado –, pelo que,
designadamente por razões de segurança jurídica, parece que também não deve ser feita, neste caso, tal
referência. Com a disponibilidade do Diário da RepúblicaEletrónico o elenco das respetivas alterações
legislativas encontra-se permanentemente acessível.
Assim, sugere-se apenas a seguinte alteração ao título: “Restabelece a possibilidade de globalização
mensal nas introduções no consumo de produtos do regime da pequena destilaria, alterando o Código dos
Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho”.
Os autores não promovem a republicação do CIEC, em anexo à sua iniciativa, nem tal se mostra
necessário à luz do previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da lei formulário, segundo o qual deve
“proceder-se à republicação integral dos diplomas que revistam forma de lei, em anexo, sempre que (…)
existam mais de três alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a Códigos”.
7 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho.
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II SÉRIE-A — NÚMERO 118
10
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 3.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em
vigor ocorrerá no dia seguinte à sua publicação, mostrando-se assim também conforme com o previsto no n.º
1 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos “entram em vigor no
dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação”.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
O Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC),
transpondo a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro, no uso da autorização legislativa
concedida pelo artigo 130.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento do Estado para 20109).
Os impostos especiais de consumo são os que incidem sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas
adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (IABA), os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e o tabaco
(IT).
Desde a sua aprovação, o CIEC foi objeto de múltiplas alterações, quase sempre em sede orçamental,
operadas pelos seguintes diplomas:
- Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011);
- Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012);
- Lei n.º 14-A/2012, de 30 de março, (aprova alterações ao Código do IVA, ao Código dos Impostos
Especiais de Consumo e procede à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de agosto, no âmbito
do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da Região Autónoma da Madeira);
- Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, [primeira alteração à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento
do Estado para 2012)];
- Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2013);
- Lei n.º 51/2013, de 24 de julho, [procede à primeira alteração à Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2013), à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, do Código dos Impostos Especiais de
Consumo, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 172/94, de 25 de junho,
e à Lei n.º 28/2012, de 31 de julho, e à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro];
- Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro – (Orçamento do Estado para 2014);
- Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro [procede à segunda alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de
dezembro (Orçamento do Estado para 2014), à quinta alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de agosto, e ao
Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, à quarta alteração à Lei n.º 28/2012, de 31 de julho, e à primeira
alteração aos Decretos-Leis n.os 133/2013, de 3 de outubro, 26-A/2014, de 17 de fevereiro, e 165-A/2013, de
23 de dezembro, alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o Código dos Impostos
Especiais de Consumo, o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Regime Geral das Infrações Tributárias];
- Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2015);
- Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro (procede à alteração das normas fiscais ambientais nos sectores
da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade,
introduzindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de
veículos em fim de vida, no quadro de uma reforma da fiscalidade ambiental);
- Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Orçamento do Estado para 2016);
8 Duarte, David et al (2002), Legística. Coimbra, Almedina, pág. 201. 9 Cujos trabalhos preparatórios estão disponíveis no site da Assembleia da República, na página da proposta de lei n.º 9/XI, que lhe deu origem.
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11
- Lei n.º 24/2016, de 22 de agosto (cria um regime de reembolso de impostos sobre combustíveis para as
empresas de transportes de mercadorias, alterando o Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, e o Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei
n.º 15/2001, de 5 de junho;
- Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017);
- Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2018).
Na iniciativa objeto da presente nota técnica está em causa a alteração do artigo 10.º do CIEC, o qual foi
alterado três vezes, desde a aprovação do Código, pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012,
de 31 de dezembro, e 82-B/2014, de 31 de dezembro (que aprovaram os Orçamentos do Estado para 2012,
2013 e 2014, respetivamente)10.
Junta-se abaixo um quadro ilustrativo da evolução da redação do artigo em causa, com as diferenças de
redação assinaladas (sublinhados nossos):
Redação originária
Decreto-Lei n.º 73/2010,
de 21 de junho
Redação da Lei n.º 64-
B/2011, de 30 de dezembro
Redação da Lei nº 66-
B/2012, de 31 de dezembro
Redação atual –
Lei n.º 82-B/2014, de 31
de dezembro
Artigo 10.º
Formalização da
introdução no consumo
1 – A introdução no
consumo deve ser
formalizada através da
declaração de introdução no
consumo (DIC) ou, no ato de
importação, através da
respetiva declaração
aduaneira.
Artigo 10.º
Formalização da
introdução no consumo
1 – A introdução no
consumo deve ser
formalizada através da
declaração de introdução no
consumo (DIC) ou, no ato de
importação, através da
respetiva declaração
aduaneira.
Artigo 10.º
Formalização da
introdução no consumo
1 – A introdução no
consumo deve ser
formalizada através da
declaração de introdução no
consumo (DIC) ou, no ato de
importação, através da
respetiva declaração
aduaneira.
Artigo 10.º
Formalização da
introdução no consumo
1 – A introdução no
consumo deve ser
formalizada através da
declaração de introdução no
consumo (DIC) ou, no ato de
importação, através da
respetiva declaração
aduaneira.
2 – A DIC é processada
por transmissão eletrónica de
dados, salvo no caso dos
particulares, que continuam a
poder apresentar a DIC em
suporte de papel.
2 – A DIC é processada
por transmissão eletrónica de
dados, salvo no caso dos
particulares, que continuam a
poder apresentar a DIC em
suporte de papel.
2 – A DIC é processada
por transmissão eletrónica de
dados, salvo no caso dos
particulares, que continuam a
poder apresentar a DIC em
suporte de papel.
2 – A DIC é processada
por transmissão eletrónica de
dados, salvo no caso dos
particulares, que continuam a
poder apresentar a DIC em
suporte de papel.
3 – A DIC deve ser
processada até ao final do
dia útil seguinte àquele em
que ocorra a introdução no
consumo, exceto para os
produtos tributados à taxa 0
ou isentos, em que esta deve
ser processada com
periodicidade mensal, até ao
dia 5 do mês seguinte.
3 – A DIC deve ser
processada até ao final do
dia útil seguinte àquele em
que ocorra a introdução no
consumo.
3 – A DIC deve ser
processada até ao final do
dia útil seguinte àquele em
que ocorra a introdução no
consumo.
3 – A DIC deve ser
processada até ao final do
dia útil seguinte àquele em
que ocorra a introdução no
consumo.
10 E cujos trabalhos preparatórios estão disponíveis no site da Assembleia da República, nas páginas das iniciativas que lhes deram origem, as propostas de lei n.os 27/XII, 103/XII e 254/XII, respetivamente.
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Redação originária
Decreto-Lei n.º 73/2010,
de 21 de junho
Redação da Lei n.º 64-
B/2011, de 30 de dezembro
Redação da Lei nº 66-
B/2012, de 31 de dezembro
Redação atual –
Lei n.º 82-B/2014, de 31
de dezembro
4 – Para efeitos do
presente Código, considera-
se estância aduaneira
competente a alfândega ou
delegação aduaneira em cuja
jurisdição se situa o domicílio
fiscal do operador económico
ou o entreposto fiscal,
consoante o caso, ou outro
local sujeito a controlo
aduaneiro.
4 – Em derrogação ao
disposto no número anterior,
a DIC pode ser processada
com periodicidade mensal,
até ao dia 5 do mês seguinte,
para os produtos tributados à
taxa zero ou isentos, ou até
ao 5.º dia útil do 2.º mês
seguinte, para a eletricidade.
4 – Em derrogação ao
disposto no número anterior,
a DIC pode ser processada
com periodicidade mensal,
até ao dia 5 do mês seguinte,
para os produtos tributados à
taxa 0 ou isentos, ou até ao
5.º dia útil do 2.º mês
seguinte, para a eletricidade
e para o gás natural.
4 – Em derrogação ao
disposto no número anterior,
a DIC pode ser processada
com periodicidade mensal,
até ao dia 5 do mês seguinte,
para os produtos tributados à
taxa 0 ou isentos, ou até ao
5.º dia útil do 2.º mês
seguinte, para a eletricidade
e para o gás natural.
5 – Para efeitos do
presente Código, considera-
se estância aduaneira
competente a alfândega ou
delegação aduaneira em cuja
jurisdição se situa o domicílio
fiscal do operador económico
ou o entreposto fiscal,
consoante o caso, ou outro
local sujeito a controlo
aduaneiro.
5 – Para efeitos do
presente Código, considera-
se estância aduaneira
competente a alfândega ou
delegação aduaneira em cuja
jurisdição se situa o domicílio
fiscal do operador económico
ou o entreposto fiscal,
consoante o caso, ou outro
local sujeito a controlo
aduaneiro
5 – Exclui-se do regime
estabelecido no número
anterior a DIC para os
produtos que beneficiem da
isenção prevista nas alíneas
a) e b) do n.º 1 do artigo 6.º,
que deve ser processada em
conformidade com o previsto
no n.º 3.
6 – Para efeitos do
presente Código, considera-
se estância aduaneira
competente a alfândega ou
delegação aduaneira em cuja
jurisdição se situa o domicílio
fiscal do operador económico
ou o entreposto fiscal,
consoante o caso, ou outro
local sujeito a controlo
aduaneiro.
Referem os proponentes que o procedimento atual de introdução no consumo é desadequado para os
microprodutores em regime de pequena destilaria, havendo que retomar o anterior procedimento de permitir
uma declaração mensal para os produtores que introduzam no mercado bebidas alcoólicas e bebidas
adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes em quantidade inferior a 2000 litros no ano transato.
As pequenas destilarias vêm reguladas no artigo 79.º do CIEC, nos termos do qual «(…) o estatuto de
pequena destilaria pode ser concedido pelo diretor da alfândega a empresas, que detenham uma única
destilaria, e que, simultaneamente: a) Produzam por ano até ao máximo de 10 hl de álcool puro incorporado
em bebidas espirituosas destiladas; b) Sejam jurídica, económica e contabilisticamente independentes de
outras destilarias; c) Não operem sob licença ou por conta de outrem.».
Os impostos sobre o álcool e bebidas alcoólicas, os produtos petrolíferos e o tabaco foram pela primeira
vez codificados através do Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de dezembro, ao abrigo da autorização legislativa
dada ao Governo no âmbito da Lei do Orçamento do Estado para 1999 (Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro).
Ao longo da sua vigência de cerca de 10 anos, aquele Decreto-Lei sofreu mais de 20 alterações, vindo a ser
revogado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010 de 21 de junho11, que aprovou o atual Código dos Impostos Especiais
11 Com exceção dos artigos 32.º a 36.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de
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de Consumo.
Especificamente no que se refere à matéria em causa na iniciativa objeto da presente nota técnica, refira-
se que a introdução no consumo vinha regulada no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de dezembro,
cuja redação foi alterada pela Lei n.o 30-C/2000, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 162/2004, de 3 de
julho,12 prevendo-se, até à aprovação deste último, a possibilidade de apresentação de declarações de
introdução ao consumo globais (com periodicidade mensal, semestral ou anual) no caso dos produtos sujeitos
à taxa zero e noutros casos «(…) devidamente justificados (…)».
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia: Espanha e
Irlanda.
ESPANHA
Os impostos especiais sobre o consumo estão previstos na Ley 38/1992, de 28 de diciembre13, de
impuestos especiales, aplicando-se em todo o território espanhol, com a exceção das cidades de Ceuta y
Melilla e das Ilhas canárias, que possuem regimes fiscais mais vantajosos.
Estes impostos especiais aplicam-se no momento do fabrico, podendo, no entanto, ficar a sua liquidação
suspensa até ao momento em que ocorra a introdução do produto no consumo (ponto 3 da exposição de
motivos).
Relativamente às bebidas com álcool, este imposto aplica-se, entre outros, a bebidas como (n.º 1 do artigo
2.º): a cerveja, o vinho ou bebidas com alto teor alcoólico.
De acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 20.º entende-se por “destilador artesanal” o fabricante de
bebidas derivadas por destilação direta, através de alambiques ou outros aparelhos de destilação similares,
que obtenha uma produção anual inferior a 10 hectolitros de álcool puro.
As condições de cobrança do imposto estão previstas no Real Decreto 1165/1995, de 7 de julio, por el que
se aprueba el Reglamento de los Impuestos Especiales14, existindo um regime de tributação simplificado a
que, quer os destiladores artesanais quer os Cosecheros15, podem aceder. Este vem previsto na secção 8.ª,
nos artigos 92.º e seguintes do diploma, não existindo, no entanto, qualquer referencia a benefícios
relativamente à periodicidade da declaração de introdução no consumo.
IRLANDA
Os impostos relativos a bebidas alcoólicas estão presentes no capitulo 1 da 2.ª parte do Finance Act 2003 e
no Alcohol products tax regulations 2004, aprovado pelo S.I. n.º 379 of 2004.
De acordo com o previsto na secção 77 do Finance Act 2003, existem algumas situações nas quais o
imposto sobre as bebidas alcoólicas não é cobrado, como o caso das bebidas com um teor alcoólico abaixo
dezembro, os quais se mantiveram em vigor até 31 de dezembro de 2010, quando estivesse em causa: a) A circulação, exclusivamente no território nacional ou a expedição com destino a outro Estado membro, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, em regime de suspensão do imposto; b) A receção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, em regime de suspensão do imposto, expedidos de outro Estado membro, no caso de expedições efetuadas a coberto das formalidades previstas no n.º 6 do artigo 15.º e no artigo 18.º da Diretiva n.º 92/12/CEE, do Conselho, de 25 de fevereiro. 12 Todas disponíveis no texto consolidado disponível na base de dados Datajuris. 13 Diploma consolidado retirado do portal oficial do Boe.es. 14 Diploma consolidado retirado do portal oficial Boe.es. 15 Os “Cosecheros” são produtores de vinho que também possuem vinha e utilizam a colheita para a produção vinícola, também com a limitação de dez hectolitros de álcool por ano.
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das 1,2 gramas por litro (1,2% vol), produtos medicinais ou no caso de consumo próprio do produtor.16
Para usufruir destas isenções, é necessário um requerimento dirigido à Revenue17, a solicitar a isenção e
posterior despacho de concessão.
De acordo com um documento informativo presente na página da Internet da Revenue, a isenção
concedida às bebidas alcoólicas para consumo do produtor e dos seus convidados deixa de se aplicar, no
caso de este as comercializar, não existindo qualquer referência a benefícios relativos à periodicidade ou
prazo diferente, quer para a declaração quer para a liquidação do imposto, face aos produtores profissionais
ou à industria de maior dimensão.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), não se identificou nenhuma iniciativa
legislativa pendente sobre a mesma matéria. Foi todavia aprovada iniciativa sobre tema conexo: a Resolução
da AR n.º 133/2016, de 18 de julho, que recomenda ao Governo a adoção de medidas de apoio à cultura do
medronheiro e à produção de aguardente de medronho. Foi aprovado por unanimidade o projeto de resolução
que resulta de um texto de substituição relativo aos projetos de resolução n.os 117/XIII (1.ª) (PSD), 193/XIII
(1.ª) (PCP) e 198/XIII (1.ª) (BE)
Petições
Não se identificou nenhuma Petição pendente sobre a mesma matéria.
V. Consultas e contributos
Consultas facultativas
Poderá ser pertinente ponderar a audição, em sede de especialidade, da Associação In Loco, da
APAGARBE, da Confraria do Medronho e outras associações representativas do setor ou, pelo menos,
solicitar contributos escritos a estas entidades.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Considerando que a atividade das pequenas destilaria tem reduzida expressão económica a nível nacional,
dado o seu diminuto volume de produção, e que a aprovação da norma não implicará a isenção ou redução de
impostos, não é expectável que a medida tenha impacto na arrecadação de receitas do Estado. Ainda assim, e
em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar eventuais encargos resultantes da
aprovação da presente iniciativa.
————
16 De acordo com alínea f) da secção 77, dentro do conceito de consumo próprio, inclui-se a família do produtor e os seus convidados. 17 Irish Tax and Customs, similar à Autoridade Tributária no caso português.
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23 DE MAIO DE 2018
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PROJETO DE LEIN.º 773/XIII (3.ª)
(DEFINE E REGULA AS CONDIÇÕES EM QUE A ANTECIPAÇÃO DA MORTE, POR DECISÃO DA
PRÓPRIA PESSOA COM LESÃO DEFINITIVA OU DOENÇA INCURÁVEL E FATAL E QUE SE ENCONTRA
EM SOFRIMENTO DURADOURO E INSUPORTÁVEL, NÃO É PUNÍVEL)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – A)
CONSIDERANDOS E ANÁLISE SUCINTA
O projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) do BE, que «define e regula as condições em que a antecipação da morte,
por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em
sofrimento duradouro e insuportável, não é punível», foi admitido em 08 de fevereiro de 2018, tendo sido
remetido no mesmo dia à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para
emissão de parecer.
Consideram-se cumpridos os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º,
bem como no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), encontrando-se a
iniciativa agendada para debate na generalidade, em plenário, no próximo dia 29 de maio.
Na respetiva exposição de motivos, os autores da iniciativa, reconhecendo que «a morte é uma dimensão
essencial da vida», consideram que «encarar a vida na perspetiva dos direitos que a configurem como
experiência de liberdade implica que o direito inalienável de cada um/a fazer as escolhas fundamentais sobre
a sua vida não seja suprimido nesse momento essencial que é aquele em que a vida se abeira do fim».
Neste sentido, conclui-se que «este primado dos direitos e da livre decisão pessoal assume particular
relevo nas situações em que, face a uma condição de doença incurável e fatal que provoca um sofrimento
insuportável, o pedido da pessoa nessa condição para que a sua morte seja antecipada com o auxílio de um
profissional de saúde esbarra na penalização com pena de prisão até três anos hoje estabelecida no Código
Penal para a anuência e atuação em conformidade desses profissionais de saúde».
Lembram ainda os autores do projeto de lei, que «a ordem jurídica portuguesa tem vindo a acolher a
autodeterminação das pessoas doentes como exigência de respeito pela sua dignidade», e que «foi assim
com a receção legal do princípio do consentimento informado, foi assim com a proibição do encarniçamento
terapêutico, foi assim com a regulação das diretivas antecipadas de vontade (vulgo, testamento vital)».
Porém, no seu entendimento, «esse acolhimento da autodeterminação pessoal carece de ser completado
com a regulação das condições em que a satisfação do pedido de antecipação da morte não é punível».
Invoca-se também na exposição de motivos, «o debate intenso e profundo que tem ocorrido na sociedade
portuguesa a este respeito –desencadeado pelo Manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”, do Movimento
Cívico para a Despenalização da Morte Assistida e com expressões de relevo também na Assembleia da
República – tornou claro que não é aceitável, à luz de um princípio geral de tolerância e da articulação
constitucional entre direito à vida, direito à autodeterminação pessoal e direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, negar o direito de, dentro de um quadro legal rigorosamente delimitado, se ver atendido o
pedido para antecipação da morte sem que tal gere a penalização de quem, fiel à função de acompanhamento
até ao fim, ajude com compaixão e respeito à satisfação de um tal pedido».
Para os autores do projeto de lei «impõe-se» legislar com coragem e equilíbrio, «acolhendo a exigência
tolerante do direito de todos/as à livre decisão sobre todos os momentos da vida incluindo a morte» e, por
outro lado, «definindo com rigor as condições e requisitos a preencher pelo doente que peça a antecipação da
morte».
Descrevendo o que consideram ser os três elementos dessa definição e regulação, os autores dividem a
proposta nos seguintes termos: (i) delimitação do universo de requerentes legítimos através da cumulação de
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um diagnóstico (doença incurável e fatal ou lesão definitiva), um prognóstico (a doença em causa tem que ser
incurável e fatal), um estado clínico (sofrimento duradouro e insuportável) e um estado de consciência
(capacidade de entender o sentido e o alcance do pedido); (ii) estabelecimento do respeito pela vontade livre e
esclarecida do doente como requisito absolutamente imprescindível, com a consequente exclusão de menores
e doentes mentais do universo de requerentes legítimos da antecipação da morte, e (iii) consagração da
garantia de um rigoroso cumprimento da lei, através de um mecanismo de validação prévia do procedimento
seguido, mecanismo que não existe nas leis dos outros países que legalizaram a morte assistida.
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei divide-se em 5 capítulos que tratam, respetivamente, do
pedido de antecipação da morte (artigo 2.º), do procedimento clínico de antecipação da morte (artigo 3.º a
14.º), dos direitos e deveres dos profissionais de saúde (artigos 15.º a 18.º), da comissão de avaliação (artigos
19.º a 21.º) e das disposições finais (artigos 22.º a 25.º).
Relativamente ao pedido de antecipação por morte, o mesmo «deverá corresponder a uma vontade livre,
séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e
insuportável» (artigo 2.º, n.º 1) e apenas poderá dar origem a um procedimento clínico de antecipação da
morte «se feito por pessoa maior, capaz de entender o sentido e o alcance do pedido e consciente no
momento da sua formulação» (artigo 2.º, n.º 2).
Ao pedido do doente, que apenas será considerado legítimo se «apresentado por cidadão nacional ou
legalmente residente no território de Portugal» (artigo 3.º, n.º 4), segue-se um procedimento clínico de
antecipação da morte que formalmente se inicia com um documento escrito, datado e assinado pelo doente,
integrado em Boletim de Registo criado para o efeito (artigo 3.º, n.º 1) onde se irá registar todos os pareceres e
decisões do doente (artigo 13.º).
Mediante o pedido do doente, o ora designado «médico responsável», verifica se o doente cumpre todos os
requisitos e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos
aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico,
após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade (artigo 4.º).
Confirmada novamente a vontade do doente, o médico responsável procede à consulta de um médico
especialista na patologia que afeta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas as condições
referidas, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável e fatal da doença ou a
condição definitiva da lesão (artigo 5.º, n.º 1).
Sempre que o médico responsável e/ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da
pessoa para solicitar a antecipação da morte ou admitam ser a pessoa portadora de perturbação psíquica que
afete a sua capacidade de tomar decisões, é obrigatório o parecer de um terceiro médico especialista em
psiquiatria (artigo 6.º).
O procedimento é «cancelado» em caso de parecer desfavorável dos médicos referidos.
Finalmente, antes da antecipação da morte, é ainda necessário um parecer favorável da Comissão de
Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, composta por nove personalidades de reconhecido mérito
que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento mais diretamente relacionadas com a
aplicação do diploma, sendo três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética,
sejam ou não profissionais de saúde ou juristas (artigo 7.º e 19.º), e dispõe de secção permanente constituída
por 3 dos seus membros, que deverá ser dado no prazo de 24 horas após a receção do boletim de registos.
Este parecer avalia a conformidade do procedimento com as condições estabelecidas na lei.
Reunidos os pareceres favoráveis, e reiterada a vontade do doente, o médico responsável combina com o
doente o dia, a hora, o local e o método a utilizar para a antecipação do fim de vida (artigo 8.º, n.º 1), e informa
e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a
autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de
saúde devidamente habilitado para o efeito mas sob supervisão médica (artigo 8.º, n.º 2).
De assinalar que, no caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da
morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a
sua decisão, ou se estiver disposto diversamente em Declaração Antecipada de Vontade constante do
respetivo Testamento Vital (artigo 8.º, n.º 5), sendo a única circunstância em que se admite a realização da
antecipação da morte sem correspondência a uma vontade atual do doente.
O projeto de lei prevê que o ato possa ser praticado nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional
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de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de
cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado, sem excluir a
possibilidade de, por vontade do doente, ser praticado no seu domicílio ou noutro local por ele indicado, desde
que o médico responsável considere que dispõe de condições adequadas para o efeito (artigo 10.º). A
presenciar o ato poderão estar, além do médico responsável e de outros profissionais de saúde que praticam
ou ajudam ao ato de antecipação da morte, as pessoas indicadas pelo doente (artigo 11.º).
No que concerne aos profissionais de saúde que intervêm no procedimento, o projeto de lei prevê que
estes fiquem vinculados aos seguintes deveres (artigo 16.º):
(i) informar o doente de forma objetiva, compreensível, rigorosa, completa e verdadeira sobre o
diagnóstico, tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos,
resultados previsíveis, prognóstico e esperança de vida da sua condição clínica;
(ii) informar o doente sobre o seu direito de revogar a qualquer momento a sua decisão de antecipar a
morte;
(iii) informar o doente sobre os métodos de administração ou autoadministração das substâncias letais
para que possa escolher e decidir de forma esclarecida e consciente;
(iv) assegurar que a decisão do doente é livre e não resulta de qualquer interferência ou coação externa e
ilegítima;
(v) auscultar com periodicidade e frequência a vontade do doente;
(vi) dialogar com os profissionais de saúde que prestam cuidados ao doente e, se autorizado pelo mesmo,
com seus familiares e amigos;
(vii) falar com o procurador de cuidados de saúde, no caso de ter sido nomeado e se para tal for autorizado
pelo doente; e
(viii) assegurar as condições para que o doente possa contactar as pessoas com quem o pretenda fazer.
Não obstante, garante-se que nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao ato
de antecipação da morte de um doente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza,
entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objeção técnica e à objeção de consciência a todos
que o invoquem (artigo 18.º).
No caso dos médicos que participem no processo clínico de antecipação da morte prevê-se também que
estes não poderão ser sujeitos a responsabilidade disciplinar por violação do n.º 2 do artigo 65.º do Código
Deontológico da Ordem dos Médicos, conquanto cumpram todas as condições e deveres estabelecidos na
presente lei (artigo 23.º).
O projeto de lei inclui ainda, necessariamente, uma alteração ao Código Penal aos artigos 134.º e 135.º
que se referem, respetivamente, ao crime de homicídio a pedido da vítima e ao crime de incitamento ou ajuda
ao suicídio, com um aditamento de um novo n.º 3 em ambas disposições mencionando que «A conduta não é
punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas pela Lei n.º …» (artigo 22.º).
Pelo projeto de lei, é atribuído ao Governo um prazo de 180 dias após a publicação do diploma para
proceder à regulamentação, ficando a lei com um prazo de 30 dias para a respetiva entrada em vigor (artigos
24.º e 25.º).
PARTE I – B)
ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL
Do ponto de vista Constitucional, são (fundamentalmente) convocados para esta matéria o princípio da
dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), o direito à vida (artigo 24.º) e o direito ao desenvolvimento da
personalidade (artigo 26.º).
O Código Penal, na atual redação, prevê a punição da prática dos crimes de «homicídio a pedido da
vítima» e de «incitamento ou ajuda ao suicídio», no âmbito dos quais se pode enquadrar a antecipação da
morte com intervenção de terceiros, nos seguintes termos:
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«Artigo 134.º
Homicídio a pedido da vítima
1 – Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é
punido com pena de prisão até 3 anos.
2 – A tentativa é punível.
Artigo 135.º
Incitamento ou ajuda ao suicídio
1 – Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de
prisão até 3 anos, se o suicídio vier efetivamente a ser tentado ou a consumar-se.
2 – Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a
sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de
prisão de 1 a 5 anos.»
Regulamentando, com objetivos distintos, outra temática relacionada com o período final da vida, com
incidência nos tratamentos médicos, encontra-se previsto e instituído no nosso ordenamento jurídico o ora
designado “testamento vital” através da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, e da Portaria n.º 96/2014, de 5 de
maio, que admite o estabelecimento de diretivas antecipadas da vontade permitindo ao doente decidir:
(i) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
(ii) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo
com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e
às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
(iii) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no
sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica
sintomática apropriada;
(iv) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
(v) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.
Por sua vez, a Lei n.º 15/2014, de 21 de março, alterada pelo Decreto-Lei n.º 44/2017, de 20 de abril, que
veio consolidar a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde, prevê
expressamente, no seu artigo 3.º que «o consentimento ou a recusa da prestação dos cuidados de saúde
devem ser declarados de forma livre e esclarecida, salvo disposição especial da lei» e que «o utente dos
serviços de saúde pode, em qualquer momento da prestação dos cuidados de saúde, revogar o
consentimento».
PARTE I – C)
CONSULTAS E CONTRIBUTOS
Sobre o projeto de lei em apreço foram recebidos pareceres da Ordem dos Enfermeiros em 05 de março de
2018, do Conselho Superior da Magistratura em 15 de março 2018 e da Ordem dos Advogados em 06 de abril
de 2018. Apesar de solicitados a 15 de fevereiro de 2018, a Ordem dos Psicólogos e o Conselho Superior do
Ministério Público não remeteram até à presente data os respetivos pareceres.
Conforme refere a nota técnica, «a matéria objeto da presente iniciativa tem sido objeto de prolongado
debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito das petições
n.os 103/XIII (1.ª) e 250/XIII (2.ª), que motivaram a criação de grupos de trabalho próprios (1 e 2), os quais
recolheram contributos escritos e promoveram as seguintes audições, elementos instrutórios detalhados no
relatório final da petição n.º 103/XIII (cuja apreciação pela Assembleia da República se encontra já
concluída)»:
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Petição n.º 103/XIII (1.ª)
Professor Doutor Manuel Costa Andrade – Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra 2016-07-12
Professor Doutor José Francisco de Faria Costa – Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra 2016-07-12
Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa – Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra 2016-07-12
Juiz Conselheiro Dr. José Adriano Machado Souto de Moura 2016-07-06
Professora Doutora Teresa Beleza – Faculdade de Direito da Universidade Nova
de Lisboa 2016-07-06
Bastonária da Ordem dos Enfermeiros 2016-06-30
Bastonário da Ordem dos Médicos 2016-06-30
Professora Luísa Neto – Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2016-06-29
Professor Jorge Reis Novais – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 2016-06-29
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – CNECV 2016-06-23
Comissão Representativa do Movimento Cívico "Direito a morrer com dignidade" 2016-06-22
Petição n.º 250/XIII (2.ª)
Dr. José Manuel de Paiva Jara (psiquiatra);Dr. João Oliveira (Médico);Dr. Ramon
de La Féria (Médico-Cirurgião) 2018-02-09
Prof.º Dr. Tiago Duarte, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa);Prof.ª Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, Jurista (Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra);Dr. Guilherme da Fonseca, Juiz Conselheiro Jubilado;
Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira Leite, Penalista (Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa);Prof.ª Dr.ª Inês Fernandes Godinho, Penalista, Professora Universitária
2018-02-08
Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; Associação Portuguesa de
Bioética (APB);Comissão Nacional de Justiça e Paz; Movimento Cívico para a 2018-02-01
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Despenalização da Morte Assistida
Audição da Diretora-Geral da Saúde 2017-12-06
Dr. António Cluny 2017-06-06
Ordem dos Advogados 2017-05-23
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida 2017-04-26
Federação Portuguesa pela Vida 2017-04-19
PARTE I – D)
OUTRAS INICIATIVAS PENDENTES
Para além da petição n.º 250/XIII (2.ª) — “Toda a vida tem dignidade”, em relação à qual não foi ainda
aprovado o relatório final de apreciação, encontram-se pendentes iniciativas legislativas de outros grupos
parlamentares sobre a mesma matéria, nomeadamente, o projeto de lei n.º 418/XIII (2.ª) (PAN) – Regula o
acesso à morte medicamente assistida, o projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS) – Procede à 47.ª alteração ao
Código Penal e regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível, e o projeto de lei n.º
838/XIII (3.ª) (PEV) – Define o regime e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível.
PARTE II
OPINIÃO DA AUTORA DO PARECER
A autora opta por não emitir, nesta sede, opinião pessoal sobre o Projeto de Lei em análise, remetendo-a
para momento posterior.
PARTE III
CONCLUSÕES
1. Um grupo parlamentar do BE apresentou à Assembleia da República o projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) do
BE, que «define e regula as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com
lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é
punível».
2. Em síntese, os autores do projeto de lei, mediante o regime jurídico que propõem para a realização da
antecipação da morte por decisão da própria pessoa e não punível, pretendem (i) a delimitação do universo de
requerentes legítimos através da cumulação de um diagnóstico (doença incurável e fatal ou lesão definitiva),
um prognóstico (a doença em causa tem que ser incurável e fatal), um estado clínico (sofrimento duradouro e
insuportável) e um estado de consciência (capacidade de entender o sentido e o alcance do pedido); (ii) o
estabelecimento do respeito pela vontade livre e esclarecida do doente como requisito absolutamente
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imprescindível, com a consequente exclusão de menores e doentes mentais do universo de requerentes
legítimos da antecipação da morte, e (iii) a consagração da garantia de um rigoroso cumprimento da lei,
através de um mecanismo de validação prévia do procedimento seguido, mecanismo que não existe nas leis
dos outros países que legalizaram a morte assistida.
3. Foram recebidos pareceres da Ordem dos Enfermeiros, em 05 de março de 2018, do Conselho Superior
da Magistratura, em 15 de março 2018, e da Ordem dos Advogados, em 06 de abril de 2018, e o tema em
causa tem a vindo a ser objeto de debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, nomeadamente, a propósito das petições n.os 103/XIII (1.ª) e 250/XIII (2.ª).
4. Sobre a mesma matéria, encontram-se pendentes iniciativas legislativas de outros grupos
parlamentares, nomeadamente, o projeto de lei n.º 418/XIII (2.ª) (PAN) – Regula o acesso à morte
medicamente assistida, o projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS) – Procede à 47.ª alteração ao Código Penal e
regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível, e o projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª)
(PEV) – Define o regime e as condições em que a morte medicamente assistida não é punível.
5. Consideram-se cumpridos todos os requisitos formais, constitucionais e regimentais.
6. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o projeto
de lei n.º 773/XIII (3.ª) do BE reúne as condições para ser apreciado e votado em plenário.
Palácio de São Bento, 22 de maio de 2018.
A Deputada Relatora, Isabel Moreira — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota: O parecer foi aprovado na reunião de 23 de maio de 2018.
PARTE IV
ANEXO
Nota Técnica
Projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) – Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por
decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em
sofrimento duradouro e insuportável, não é punível.
Data de admissão: 8 de fevereiro de 2018.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. ANÁLISE SUCINTA DOS FACTOS, SITUAÇÕES E REALIDADES RESPEITANTES À INICIATIVA
II. APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE DOS REQUISITOS FORMAIS, CONSTITUCIONAIS E
REGIMENTAIS E DO CUMPRIMENTO DA LEI FORMULÁRIO
III. ENQUADRAMENTO LEGAL E DOUTRINÁRIO E ANTECEDENTES
IV. INICIATIVAS LEGISLATIVAS E PETIÇÕES PENDENTES SOBRE A MESMA MATÉRIA
V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS
VI. APRECIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA APROVAÇÃO E DOS PREVISÍVEIS ENCARGOS COM A
SUA APLICAÇÃO
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Elaborada por: Paula Faria (BIB), Ana Vargas (DAPLEN), José Manuel Pinto (DILP) e Nélia Monte Cid
(DAC).
Data: 23 de fevereiro de 2018.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
O presente projeto de lei, da iniciativa de um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, visa aprovar e regular as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa
com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável,
não é punível.
Invocam os proponentes que “a ordem jurídica portuguesa tem vindo a acolher a autodeterminação das
pessoas doentes como exigência de respeito pela sua dignidade” e que “esse acolhimento da
autodeterminação pessoal carece de ser completado com a regulação das condições em que a satisfação do
pedido de antecipação da morte não é punível”. Recordam “o debate intenso e profundo que tem ocorrido na
sociedade portuguesa (…) desencadeado pelo Manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”(…) com
expressões de relevo também na Assembleia da República (…)”, para concluírem que”não é aceitável, à luz
de um princípio geral de tolerância e da articulação constitucional entre direito à vida, direito à
autodeterminação pessoal e direito ao livre desenvolvimento da personalidade, negar o direito de, dentro de
um quadro legal rigorosamente delimitado, se ver atendido o pedido para antecipação da morte”.
De acordo com a exposição de motivos da iniciativa a definição e regulação das condições em que a
antecipação da morte por decisão da própria pessoa não é punível assenta essencialmente na “delimitação do
universo de requerentes legítimos”; no “estabelecimento do respeito pela vontade livre e esclarecida do doente
(…) com a consequente exclusão de menores e doentes mentais”; e na “consagração (…) de um mecanismo
de validação prévia do procedimento seguido”, que, sublinham os proponentes, não vigora nos “outros países
que legalizaram a morte assistida”.
A par da alteração dos artigos 134.º (Homicídio a pedido da vítima) e 135.º (Incitamento ou ajuda ao
suicídio) do Código Penal, no sentido de prever como causa de exclusão da ilicitude “o cumprimento das
condições estabelecidas na Lei a aprovar”1, tornando portanto não puníveis as condutas de homicídio a pedido
ou de ajuda ao suicídio praticadas por profissionais de saúde, a iniciativa dispõe em cinco capítulos sobre o
processo de antecipação da morte:
sobre o pedido de antecipação da morte – estabelecendo os requisitos da sua admissibilidade:
correspondência com “vontade livre, séria e esclarecida”; estabelecendo as condições para a legitimidade do
requerente: “pessoa maior”, “cidadãos nacionais ou legalmente residentes no território nacional”, “com lesão
definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”, “capaz de entender o sentido
e o alcance do pedido e consciente no momento da sua formulação”;
sobre o procedimento clínico de antecipação da morte – requisitos do pedido (forma escrita; assinatura
ou substituição em caso de impossibilidade de escrita e assinatura; destinatário (médico responsável); parecer
do médico responsável (cumprimento dos requisitos, informação e esclarecimento sobre situação clínica e
tratamentos, designadamente cuidados paliativos) no qual é aposta a confirmação da vontade do doente;
parecer subsequente confirmativo de médico especialista, no qual é aposta nova confirmação de vontade do
doente ou encerramento do procedimento em caso de parecer desfavorável; parecer de médico especialista
em Psiquiatria em caso de necessidade de esclarecimento de dúvidas sobre a capacidade da pessoa ou em
caso de perturbação psíquica e cancelamento do processo se confirmação; parecer final de uma Comissão de
Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte após nova verificação da manutenção da vontade do
requerente e seu esclarecimento sobre os meios a utilizar, verificação que é renovada imediatamente antes da
1 Poderá ser ponderada a redação proposta para os artigos 134.º e 135.º do Código Penal, na medida em que estabelece como causa de exclusão da ilicitude o “cumprimento das condições estabelecidas pela Lei n.º…”, que é a própria Lei a aprovar. Porventura a aprovação dos capítulos I a IV como regime anexo à Lei a aprovar – “regula o processo de antecipação da morte a pedido” – tornando a Lei a aprovar numa Lei preambular contendo o artigo 1.º e as disposições finais, aí se incluindo as alterações propostas ao Código Penal, poderá prevenir a eventual dificuldade de aplicação daquela redação.
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administração dos fármacos; possibilidade de revogação da decisão; definição dos estabelecimentos de saúde
em que o ato de antecipação da morte pode ser praticado; presenças autorizadas; boletim de registos e seu
conteúdo; relatório final a apresentar à referida Comissão de Avaliação;
Sobre os direitos e deveres dos profissionais de saúde – definição dos profissionais qualificados;
deveres de informação do doente sobre o diagnóstico, tratamentos disponíveis, prognóstico, direito de
revogação da decisão, métodos de administração das substâncias letais; dever de garantia de decisão livre e
periodicamente auscultada; dever de diálogo com os profissionais de saúde presadores de cuidados e de
garantia de contacto do doente com pessoas que pretenda contactar; dever de sigilo profissional e de
observância da confidencialidade da informação; exercício de objeção de consciência;
Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte – composição, designação pela
Assembleia da República (que elege 6 membros, para além de designar um dos 3 juristas)2 e Conselhos
Superiores da Magistratura e do Ministério Público, mandato, funcionamento junto da Assembleia da
República; remuneração; procedimento de avaliação e obrigação de apresentação à Assembleia da República
de relatório estatístico de avaliação da Lei, com periodicidade semestral (cláusula de avaliação legislativa);
Isenção de responsabilidade disciplinar dos médicos que participem no processo clínico de antecipação
da morte;
Determinação de regulamentação da Lei a aprovar até 180 dias após a publicação da Lei;
Início de vigência diferido para 30 dias após a publicação.
A presente iniciativa legislativa, composta por cinco capítulos e vinte e cinco artigos, contém uma primeira
parte (Capítulos I a IV) relativa ao processo de antecipação da morte a pedido, para além de um artigo 1.º
definidor do respetivo objeto e um último capítulo de disposições finais, preconizando a alteração do Código
Penal e dispondo, designadamente, sobre a regulamentação e início de vigência da Lei a aprovar.
Será útil recordar que a matéria objeto da presente iniciativa tem sido objeto de prolongado debate na
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito das Petições n.os 103/XIII
(1.ª) e 250/XIII (2.ª), que motivaram a criação de grupos de trabalho próprios (1 e 2), os quais recolheram
contributos escritos e promoveram as seguintes audições, elementos instrutórios detalhados no relatório final
da petição n.º 103/XIII (cuja apreciação pela Assembleia da República se encontra já concluída):
Petição n.º 103/XIII (1.ª)
11-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor Manuel Costa Andrade – Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra 2016-07-12
10-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor José Francisco de Faria Costa – Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra 2016-07-12
9-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa – Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra 2016-07-12
8-GT-DMA-XIII XIII Juiz Conselheiro Dr. José Adriano Machado Souto de Moura 2016-07-06
7-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Teresa Beleza – Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa 2016-07-06
6-GT-DMA-XIII XIII Bastonária da Ordem dos Enfermeiros 2016-06-30
5-GT-DMA-XIII XIII Bastonário da Ordem dos Médicos 2016-06-30
4-GT-DMA-XIII XIII Professora Luísa Neto – Faculdade de Direito da Universidade do
Porto 2016-06-29
2 Designação e eleição essas que, pela sua natureza, parecem dever observar o disposto nos artigos 255.º a 260.º do Regimento da Assembleia da República, designadamente o disposto no artigo 257.º quanto à audição prévia dos candidatos.
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3-GT-DMA-XIII XIII Professor Jorge Reis Novais – Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa 2016-06-29
2-GT-DMA-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – CNECV 2016-06-23
1-GT-DMA-XIII XIII Comissão Representativa do Movimento Cívico "Direito a morrer
com dignidade" 2016-06-22
Petição n.º 250/XIII (2.ª)
8-GT-TVTD-XIII XIII Dr. José Manuel de Paiva Jara (psiquiatra);Dr. João Oliveira (Médico);Dr.
Ramon de La Féria (Médico-Cirurgião) 2018-02-09
7-GT-TVTD-XIII XIII
Prof.º Dr. Tiago Duarte, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, Jurista (Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra);Dr. Guilherme da Fonseca, Juiz Conselheiro Jubilado;Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira Leite, Penalista (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Inês Fernandes Godinho, Penalista,
Professora Universitária
2018-02-08
6-GT-TVTD-XIII XIII Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos;Associação Portuguesa de
Bioética (APB);Comissão Nacional de Justiça e Paz;Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida
2018-02-01
5-GT-TVTD-XIII XIII Audição da Diretora-Geral da Saúde 2017-12-06
4-GT-TVTD-XIII XIII Dr. António Cluny 2017-06-06
3-GT-TVTD-XIII XIII Ordem dos Advogados 2017-05-23
2-GT-TVTD-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida 2017-04-26
1-GT-TVTD-XIII XIII Federação Portuguesa pela Vida 2017-04-19
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
O projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) é subscrito pelos dezanove Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da
Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos
Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da
alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento,
encontra-se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais
estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em caso de
aprovação na generalidade.
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De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei não parece infringir princípios constitucionais e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa. Refira-se, contudo, que, no
Capítulo IV, a presente iniciativa prevê a criação de uma Comissão de Avaliação, composta por nove
personalidades de reconhecido mérito, nomeados nos termos do n.º 3 do artigo 19.º, sendo sete dos seus
membros indicados e eleitos pela Assembleia da República. O n.º 7 do mesmo artigo prevê que essa
Comissão funciona no âmbito da Assembleia da República, que assegura os encargos com o seu
funcionamento e o apoio técnico e administrativo necessários. Prevê ainda que três dos seus membros têm
direito a subsídio de disponibilidade permanente e os restantes membros têm direito a senhas de presença por
cada reunião em que participam, pelo que pode ponderar-se a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo
167.º da Constituição, que veda aos Deputados e grupos parlamentares a apresentação de iniciativas que
envolvam, no ano económico em curso, um aumento das despesas do Estado previstas no Orçamento
(princípio igualmente consagrado no n.º 2 do artigo 120.º do RAR e conhecido como “lei-travão”). Contudo a
Assembleia da República tem orçamento próprio, não parecendo por isso que se justifique invocar a lei travão,
tratando-se para mais de uma iniciativa apresentada por um grupo parlamentar.
Em qualquer caso, prevendo-se que estes encargos sejam suportados pelo orçamento da Assembleia da
República, parece justificar-se a audição do Conselho de Administração.
Refira-se ainda que, ao alterar os artigos 134.º e 135.º do Código Penal, a iniciativa se insere na reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º
da Constituição, Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como
processo criminal.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 7 de fevereiro de 2018. Foi admitido a 8 de fevereiro, data em
que foi anunciado e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias (1.ª), com conexão à Comissão de Saúde (9.º) por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia
da República.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – “Define e regula as condições em que a antecipação da morte,
por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em
sofrimento duradouro e insuportável, não é punível” –traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se
conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, lei formulário3, embora, em
caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento, em sede de apreciação na especialidade ou em
redação final.
Segundo as regras de legística formal, “o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado,
bem como o número de ordem de alteração” 4. Dado que o presente projeto de lei propõe uma alteração ao
Código Penal, deverá essa alteração constar do título, através da referência de que se trata da 45.ª5 alteração
ao Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que o aprovou, pelo que se sugere que no título seja aditada
esta indicação:
“Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com lesão
definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é punível,
procedendo à quadragésima quinta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23
de setembro”.
Refira-se ainda que por estar em causa a alteração a um código não se mostra necessária a sua
republicação para efeitos da lei formulário, enquadrando-se na exceção prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo
6.º, que determina que deve proceder-se à republicação integral dos diplomas que revistam forma de lei
3 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 4 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Almedina, pág. 201. 5 Este número de ordem da alteração deve ser confirmado antes da publicação.
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sempre que existam mais de três alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a
Códigos.
A iniciativa prevê no seu artigo 24.º que o Governo aprova, no prazo máximo de 180 dias após a sua
publicação, a respetiva regulamentação.
Em caso de aprovação, a presente iniciativa, revestindo a forma de lei, deve ser objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.Entra em vigor 30
dias após a sua publicação, estando assim em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei
formulário, que estabelece que os atos legislativos “entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em
caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação”.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
A matéria objeto da iniciativa legislativa sob apreciação foi já objeto do projeto de lei n.º 418/XIII,
apresentado pelo PAN, sob o título “Regula o acesso à morte medicamente assistida”, justificando-se, assim,
reproduzir nesta sede basicamente o que a respeito dele foi observado.
Assinale-se, em primeiro lugar, que a expressão “morte assistida” tem vindo a ser entendida como
abarcando a eutanásia ativa e o suicídio assistido, as quais constituem as duas formas de antecipar a morte
de um doente padecendo de doença incurável que lhe provoca sofrimento atroz.
Por seu turno, o enquadramento legislativo nacional em vigor também já foi detalhado em estudo
comparativo da DILP, justamente intitulado “Eutanásia e Suicídio Assistido”.
Relembramos aqui, com mais brevidade, o contexto legislativo vigente em que se enquadra a iniciativa
legislativa, completando-o com alusões a alguns diplomas que não foram abordados no referido estudo,
circunscrito à análise de algumas questões centrais sobre o tema geral da morte assistida.
Partindo da distinção entre as diferentes formas de eutanásia, explicada nesse estudo, é de salientar que a
eutanásia ativa continua a ser considerada crime, embora punível de forma especialmente atenuada, seja à
luz do artigo 133.º (como homicídio privilegiado), seja de acordo com o artigo 134.º (homicídio a pedido da
vítima) do Código Penal6.7
No primeiro caso, que tem por fundamento a diminuição sensível da culpa do agente, a pena de prisão é
reduzida, quando comparada com a que se aplica ao homicídio simples, para 1 a 5 anos, se ocorrer um dos
motivos determinantes do autor nele previstos, que consistem em ter sido dominado, ao cometer a conduta,
por “compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral”.
No segundo caso, que constitui um tipo específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena
abstrata aplicável, o agente é “determinado por pedido sério, instante e expresso” da vítima, sendo punido com
pena de prisão até 3 anos. Considera-se que neste caso a culpa é diminuta, justificando a diminuição da
moldura penal.
Penalistas como Manuel Lopes Maia Gonçalves8 consideram que a eutanásia se inclui na previsão do
artigo 133.º, sendo de assinalar a posição de autor do projeto inicial de Código Penal manifestada, a este
respeito, na seguinte transcrição das atas da respetiva comissão revisora: “Em relação a esta” (a eutanásia
ativa) “segue-se portanto uma solução intermédia: nem se pune como homicídio nem se deixa de punir. Aliás,
este crime privilegiado tem também por função impedir que os tribunais deixem de punir a eutanásia ativa por
meio de recurso ao princípio da não exigibilidade. Pretende-se a sua punição, mas só dentro dos limites do
artigo.” A distanásia – entende o mesmo penalista – não é punida e a ortotanásia, pese embora a sua
delicadeza, tem sido considerada uma ação justificada e como tal sem relevância criminal. Tem sido entendido
6 Texto consolidado retirado do portal eletrónico do Diário da República. 7 A doutrina divide-se em qual dos dois preceitos o ato se subsume. 8 “Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18.ª edição, 2007, Almedina”.
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ser ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo
e sofrimento ao doente, pelo que tal interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser
considerada eutanásia ativa (eutanásia passiva ou por omissão), assim como também é ética a aplicação de
medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de
tempo previsível de vida (eutanásia indireta ou eventual).
Outros juristas ainda defendem que algumas situações de eutanásia são passíveis de se reconduzir não
aos artigos 133.º ou 134.º, mas aos casos referidos no n.º 2 do artigo 35.º do Código Penal (estado de
necessidade desculpante, que pode determinar a atenuação especial da pena ou mesmo, excecionalmente, a
dispensa de pena).
Finalmente, incitar outra pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe ajuda para esse fim constitui o crime de
incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto no artigo 135.º do Código Penal, “se o suicídio vier efetivamente a
ser tentado ou a consumar-se”. Tal crime é punível com pena de prisão até 3 anos, agravada (pena de prisão
de 1 a 5 anos) “se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer
motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída”.
É de salientar que, não tendo embora Portugal descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio
assistido em relação a pessoas em estado de doença terminal, já admite o testamento vital, que consiste na
formulação em vida de um “documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no
qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica,
manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de
saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de
expressar a sua vontade pessoal e autonomamente” (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho9, e Portaria n.º 96/2014,
de 5 de maio10).11
Perante o disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, sobre o
conteúdo do testamento vital, afigura-se evidente que, no caso português, as diretivas antecipadas da vontade
cobrem a ortotonásia.
Estabelece o n.º 2 desse artigo 2.º o seguinte:
“2 – Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a
vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:
a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com
as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às
medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no
sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica
sintomática apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.”
Além disso, o utente dos serviços tem direito a consentir ou recusar a prestação de cuidados de saúde, a
que corresponde, naturalmente, o correlativo dever de respeitar tal vontade (artigo 3.º da Lei n.º 15/2014, de
21 de março12). Este direito, expressamente consagrado, tem importância fulcral para a compreensão da
questão da eutanásia passiva, permitida nos casos em que o paciente declare não pretender continuar com os
tratamentos.
De entre as normas deontológicas vinculativas para os profissionais de saúde, sublinhamos as que
9 “Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)”. 10 “Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)”. 11 A propósito da conformação do instituto das diretivas antecipadas da vontade, esta legislação acaba por definir também, indiretamente, a ortotanásia e a distanásia, descriminalizando-as. 12 “Lei consolidando a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde”. A ligação eletrónica refere-se ao texto consolidado constante do Diário da República Eletrónico (DRE).
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constam do Estatuto dos Enfermeiros13, cujo artigo 103.º estabelece, sob a epígrafe “Dos direitos à vida e à
qualidade de vida”, o seguinte:
“O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de:
a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as
circunstâncias;
b) Respeitar a integridade biopsicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante.”
Estão ainda intimamente relacionados com a questão central sob análise os artigos 105.º e 108.º do
mesmo Estatuto.
Diz o primeiro o seguinte:
«Artigo 105.º
Do dever de informação
No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado;
c) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo indivíduo
em matéria de cuidados de enfermagem;
d) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os obter.»
Refere o segundo:
«Artigo 108.º
Do respeito pela pessoa em situação de fim de vida
O enfermeiro, ao acompanhar a pessoa nas diferentes etapas de fim de vida, assume o dever de:
a) Defender e promover o direito da pessoa à escolha do local e das pessoas que deseja que o
acompanhem em situação de fim de vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pela pessoa em situação de fim de
vida, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.»
Por seu turno, o artigo 138.º do Estatuto da Ordem dos Médicos14 prevê o direito destes profissionais de
saúde à objeção de consciência e o seu Regulamento de Deontologia Médica15 proíbe expressamente a
eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia, dando relevo, no respeito pela dignidade do doente no fim da
vida, aos cuidados paliativos (artigos 65.º a 67.º).
Dispõem os preceitos pertinentes desse Regulamento de Deontologia Médica, integrados num capítulo respeitante
ao fim da vida, o seguinte:
13 Consta de anexo da Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro (“Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais”), a qual modificou, republicando, o diploma original que aprovara o Estatuto. O DRE disponibiliza ainda uma versão consolidada do Estatuto dos Enfermeiros. 14 Versão atualizada e republicada em anexo à Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto (“Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto”). 15 Regulamento da Ordem dos Médicos n.º 707/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016.
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«Capítulo II
Fim da vida
Artigo 65.º
O fim da vida
1 – O médico deve respeitar a dignidade do doente no momento do fim da vida.
2 – Ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia.
Artigo 66.º
Cuidados paliativos
1 – Nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitem reverter a sua
evolução natural, o médico deve dirigir a sua ação para o bem-estar dos doentes, evitando a futilidade
terapêutica, designadamente a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios,
induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício.
2 – Os cuidados paliativos, com o objetivo de minimizar o sofrimento e melhorar, tanto quanto possível, a
qualidade de vida dos doentes, constituem o padrão do tratamento nas situações a que o número anterior se
refere.
Artigo 67.º
Morte
1 – O uso de meios de suporte artificial de funções vitais deve ser interrompido após o diagnóstico de morte
do tronco cerebral, com exceção das situações em que se proceda à colheita de órgãos para transplante.
2 – Este diagnóstico e correspondente declaração devem ser verificados, processados e assumidos de
acordo com os critérios definidos pela Ordem.
3 – O uso de meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido nos casos irrecuperáveis
de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da continuação de tais terapêuticas não resulte benefício
para o doente.
4 – O uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a
vontade do doente.
5 – Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo que administrados por via
artificial, a hidratação e a alimentação ou a administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio
suplementar.»
Finalmente, a Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro, denominada Lei de Bases dos Cuidados Paliativos,
consagra a linha de orientação que se deteta nos códigos deontológicos, erigindo os cuidados paliativos a
direito do doente terminal (Base IV, alínea c), e Base V, n.º 1), qualificando a obstinação terapêutica como má
prática clínica e infração disciplinar (Base IV, alínea a), e Base XXXII), criando a Rede Nacional de Cuidados
Paliativos (RNCP) e integrando na RNCP as unidades e equipas criadas no âmbito do Decreto-Lei n.º
101/2006, de 6 de junho, que criou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (Base XXXIV)16.
Tenha-se em conta que o projeto de lei em apreciação procede à despenalização da eutanásia e do
suicídio assistido através de um regime jurídico inovatório, combinado com alterações às disposições do
Código Penal pertinentes, quando praticados tais atos, em determinadas circunstâncias e de acordo com
certos requisitos, apenas por médico ou profissional de saúde. Se cometidos por qualquer outra pessoa, não
deixarão de continuar a ser considerados crimes.
16 Versão consolidada retirada do DRE.
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Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
BARBOSA, Mafalda Miranda – Dignidade e autonomia a propósito do fim da vida. O Direito. Ano 148
(2016, II). p. 233-282. Cota. RP- 270
Resumo: Neste artigo são abordados os seguintes tópicos: a eutanásia; o sentido da liberdade; liberdade e
juridicidade; a pessoa como ser de liberdade; a pessoa e os direitos de personalidade, o direito subjetivo; os
direitos de personalidade ancorados na pessoa e não no indivíduo.
A autora considera que “a morte a pedido nunca deixará de consubstanciar um ato ilícito do ponto de vista
do direito civil. O consentimento do ofendido não surge ali para limitar o direito, dentro do que os bons
costumes ou a ordem pública autorizam, mas configura uma renúncia ao direito à vida. Ora, esta renúncia,
porque corta a relação do eu com o tu, atenta diretamente contra a dignidade da pessoa”.
CAÑAMARES ARRIBAS, Santiago – La reciente jurisprudencia del Tribunal de Estrasburgo y del Tribunal
Supremo en Canadá en relación con el derecho a la muerte digna. Revista Española de Derecho
Constitucional. A. 36, nº 108 (sept. – dic. 2016), p. 337-356. Cota: RE-343
Resumo: As questões relacionadas com o fim da vida têm vindo a adquirir uma enorme importância nas
sociedades ocidentais como consequência do aumento da esperança de vida e da consolidação do direito à
autonomia do doente. A legislação e a jurisprudência comparadas não são uniformes relativamente ao alcance
dessa autonomia. Este artigo analisa as grandes tendências do chamado direito a uma morte digna à luz das
decisões judiciais mais recentes do Tribunal de Estrasburgo e do Supremo Tribunal do Canadá.
EUTANÁSIA? Cuidados paliativos: testemunhos. Lisboa: Alêtheia Editores, 2016. ISBN 978-989-622-
815-6. Cota: 28.41 – 59/2017
Resumo: Esta obra reúne os testemunhos de pessoas que têm vivido por dentro e em diferentes âmbitos a
realidade dos cuidados paliativos (profissionais, voluntários, pessoas doentes e seus familiares). Isabel Galriça
Neto, coordenadora da referida obra, afirma-se contra a legalização da eutanásia e do suicídio assistido,
sublinhando que a solução para esta situação, que atualmente fratura a sociedade portuguesa, não será a
legalização da eutanásia, mas sim o desenvolvimento dos serviços de cuidados paliativos. “Uma lei que
legalizasse a eutanásia por pretenso sofrimento intolerável (…) poderia conduzir a múltiplos abusos com
consequências perigosas (…), passar-se-ia de casos ocasionais de doença terminal para uma dimensão de
milhares de casos por ano, com motivos que vão desde a depressão, o “estar cansado de viver” ou o não
querer ser um fardo para terceiros. É isto que nos mostra a realidade da Holanda e da Bélgica”.
FERREIRA, Valter Pinto – Os problemas inerentes à regulamentação da eutanásia. Scientia Ivridica:
Revista de direito comparado português e brasileiro. Tomo LXII, nº 331 (jan./abril 2013) p. 145-173. Cota:
RP-92
Resumo: Este artigo corresponde, no essencial, a um excerto da dissertação de mestrado do autor
intitulada Eutanásia: julgar a medicina ou curar o direito? Visa analisar as vicissitudes com que nos deparamos
quando ensaiamos uma tentativa de legalizar a eutanásia. O autor não pretende impor uma ideia ou uma
solução, mas sim promover uma discussão séria sobre o tema, procurando colocar as questões em termos
práticos e objetivos. São analisados vários problemas que, segundo o autor, apresentam barreiras
inultrapassáveis, quer para o direito em geral, quer para o direito penal, em particular. Aborda a questão do
testamento vital, confronta a eutanásia com o tema da legalização do aborto e fala da Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
GODINHO, Inês Fernandes – Autodeterminação e morte assistida na relação médico-paciente. In O
sentido e o conteúdo do bem jurídico vida humana. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-
2028-5. p. 111- 146. Cota: 12.36 – 114/2014
Resumo: A morte assistida ou eutanásia tem suscitado um interesse crescente nas sociedades atuais. Este
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artigo aborda a tensão existente entre a autodeterminação e a proteção da vida, centrando-se na relação
médico-paciente. A autora começa por clarificar o significado dos conceitos mais relevantes, procurando em
seguida tratar a relação entre autodeterminação e dignidade humana. Num terceiro momento procura retirar
das ideias apresentadas as devidas consequências jurídico-penais, de forma a contribuir para que possam ser
encontradas as melhores decisões políticas, assim como as mais corretas soluções legislativas.
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, homicídio a pedido da vítima e os problemas de
comparticipação em direito penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2015. ISBN: 978-972-32-2308-8. Cota: 12.36
– 127/2015
Resumo: “A problemática da eutanásia assume hoje contornos muito distintos daqueles que assumia na
expressão ‘euthanasia’, utilizada pela primeira vez em contexto médico por Francis Bacon no século XVII, para
se referir a uma tarefa médica: aliviar o sofrimento físico do corpo ao morrer. Na sociedade tardo-moderna, a
problemática coloca-se a partir de um paradoxo fundamental: quando se vive e se pode viver por muito mais
tempo, reclama-se o poder de decidir sobre a própria morte. Nesta sequência, surgem interrogações sobre o
sentido da autodeterminação do doente e sobre os limites da atuação médica. Em contexto médico, a questão
nuclear colocada ao direito penal prende-se com a distinção entre um comportamento eutanásico não punível
e um homicídio a pedido da vítima.
De forma a tratar a questão nuclear colocada, o trabalho encontra-se dividido em duas partes: uma primeira
parte, sobre os novos problemas da lesão do bem jurídico vida humana, e uma segunda parte, sobre
eutanásia e homicídio a pedido da vítima em contexto médico.” [Nota do editor]
KUHSE, Helga – Eutanásia voluntária: justificação moral. In A condição humana. Alfragide: Dom Quixote,
2009. ISBN 978-972-20-3200-1. p. 335-356. Cota: 28.41 – 349/2013
Resumo: A problemática da eutanásia é analisada, tendo em conta os exemplos da Holanda, onde a
eutanásia voluntária pode ser praticada e da Austrália onde não é permitida. Segundo a autora, parece haver
fortes indícios para sugerir que as leis que proíbem o terminar intencional da vida, mas permitem a retirada de
tratamento e a administração de cuidados paliativos, tendo em vista encurtar a vida, não evitam que os
médicos terminem intencionalmente as vidas de alguns dos seus doentes. O que leva a autora a afirmar, que
tais leis são discriminatórias e injustas, já que encorajam a hipocrisia e incentivam os médicos a atuar sem o
consentimento dos doentes.
A autora considera que é necessário um único enquadramento regulador de todas as decisões médicas de
terminação da vida que envolvam doentes com capacidade intelectual preservada, enquadramento esse que
se deve basear no respeito pela autonomia do doente, cuja expressão reside no requisito processual do
consentimento. Desta forma, os médicos seriam livres para decidir, em conjunto, um modo de morrer que
melhor servisse as necessidades do doente. Para muitos doentes, este procedimento envolveria a abstenção
de tratamento de prolongamento da vida e o recurso a cuidados paliativos. Contudo, para alguns também
envolveria eutanásia voluntária através da administração de drogas não terapêuticas.
LANTERO, Caroline – Euthanasie et suicide assisté. Journal international de bioéthique. Vol. 26, nº esp.
(juil. 2015), p. 227-243. Cota: RE- 157
Resumo: A eutanásia e o suicídio assistido não fazem parte das leis francesas de bioética e não dispõem,
por enquanto, de enquadramento normativo a não ser no que diz respeito à repressão em termos penais. Para
que estes conceitos venham a ser transformados num direito, é necessário desenvolver um debate ao nível da
ética e do direito. Este artigo tem por objetivo questionar as ideias a serem consideradas, as bases
conceptuais e as ferramentas normativas que podem ser úteis para a discussão.
LEGEMAATE, Johan; BOLT, Ineke – The dutch eutanásia act: recente legal developments. European
Journal of health law. Vol. 20, nº 5 (dec. 2013). p. 451-470. Cota: RE-260
Resumo: A Holanda é um dos poucos países no mundo que tem legislação que permite aos médicos pôr
termo à vida em determinadas condições (‘termination of life on request and assisted suicide act’), em vigor
desde 1 de abril de 2002. A primeira avaliação da lei efetuada em 2007, concluiu que foram atingidos os
objetivos principais não havendo razões para alterações significativas. Realizou-se uma segunda avaliação em
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dezembro de 2012 e o debate em torno da eutanásia continua ativo.
Este artigo fornece uma panorâmica dos mais recentes desenvolvimentos relativamente à lei holandesa
sobre eutanásia, com especial enfoque nos pacientes com demência, doentes psiquiátricos, e doentes
“cansados de viver”.
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Eutanásia e testamentos vitais: live and let die? In Centenário
do nascimento do Professor Doutor Paulo Cunha. Coimbra: Almedina, 2012. ISBN 978-972-40-4502-3. p.
713-724. Cota: 12.06.2- 204/2012
Resumo: O autor aborda a experiência internacional sobre eutanásia ativa, referindo que a mesma tem
vindo a ser permitida por alguns Estados, designadamente o Estado americano do Oregon que legalizou a
ajuda ao suicídio em 1997; a Holanda que legalizou a eutanásia em abril de 2002; a Bélgica em setembro do
mesmo ano e o Luxemburgo, onde o Parlamento aprovou por escassa maioria uma lei permitindo a eutanásia.
Em seguida, é analisada a proibição da eutanásia no ordenamento jurídico português e a questão dos
testamentos vitais. O autor termina, afirmando que o Direito deve adotar soluções que permitam às pessoas
ver respeitada a sua autonomia, em caso de doença terminal. O testamento vital deve ser reconhecido como a
legítima expressão da decisão do doente, sendo considerado vinculativo para os médicos em relação às
terapêuticas consentidas por aquele, legitimando a abstenção de cuidados médicos, que muitas vezes apenas
prolongam o sofrimento do doente.
OSSWALD, Walter – Sobre a morte e o morrer. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013.
Cota: 28.41 – 420/2013
Resumo: “O presente texto ocupa-se principalmente com o processo de morrer e não tanto com o evento
da morte. Assim, depois de uma breve revisão da história das conceções e atitudes perante a morte ao longo
dos séculos, dá-se especial atenção ao atual modo de morrer em Portugal, com a transferência da morte no
domicílio para a morte hospitalar. Os cuidados paliativos, a dor, perda e sofrimento, o testamento vital, o
suicídio assistido e a eutanásia, a espiritualidade, a fé e as noções da “arte de morrer” e da boa morte são
temas abordados numa perspetiva de um olhar e de uma proposta pessoais.” [Nota do editor].
PORTUGAL Assembleia da República. Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – Eutanásia e
suicídio assistido [Em linha]: legislação comparada. Lisboa: Assembleia da República. DILP, 2016.
[Consult. 16 fev. 2018]. Disponível em: WWW: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=123410&img=6124&save=true> Resumo: O presente dossiê, elaborado pela Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar, tem por objetivo o estudo comparado dos temas da eutanásia e do suicídio assistido, nos seguintes países: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, Chipre, Colômbia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Indonésia, Japão, Lituânia, Luxemburgo, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia, Suécia, Suíça, Timor-Leste e Uruguai. Com este trabalho pretende-se dar a conhecer, relativamente ao universo dos ordenamentos jurídicos pesquisados, os que admitem a eutanásia/suicídio assistido e os que, por contraposição, as punem criminalmente. REAL, Miguel – Manifesto em defesa de uma morte livre. Lisboa: Edições Parsifal, 2015. ISBN: 978-989- 8760-05-0. Cota: 28.41 – 116/2015 Resumo: Este Manifesto em Defesa de uma Morte Livre pretende ser um contributo para fomentar um debate que não pode ser ignorado e que cada vez mais se impõe. O autor defende a legalização da eutanásia como modo de pôr termo a um corpo em sofrimento irremediável e irrevogável. Segundo o mesmo: “a eutanásia deve legal e moralmente obedecer a princípios racionais (liberdade e dignidade humanas) e assentar no princípio ético da bondade ativa (…). Deve obedecer ao princípio ético da liberdade, e, deste modo, a medicina deve respeitar o desejo voluntário do paciente ou, caso este esteja impossibilitado de se manifestar, dos seus legítimos representantes. (…) Deve obedecer ao princípio ético da compaixão ativa, promovendo legislação rigorosíssima adequada e comissões de permanente monitorização e fiscalização da sua prática”.
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RUIZ MIGUEL, Alfonso – Autonomía individual y derecho a la propia muerte. Revista Espanõla de
Derecho Constitucional. Ano 30, nº 89 (mayo/agosto 2010). p. 11-43. RE-343.
Resumo. Neste artigo, o autor procura responder à questão da constitucionalidade do direito à própria
morte. Defende que tanto no direito espanhol como no direito comparado, a legislação e a jurisprudência a
propósito das doenças trágicas (incapacidades como a tetraplegia; patologias neuro degenerativas em estados
avançados; doenças terminais e os estados vegetativos irreversíveis), apontam no sentido de uma nova e boa
direção: o crescente reconhecimento da autonomia pessoal sobre a própria morte. São revistos distintos
problemas pendentes na regulação espanhola, sendo indicadas, de forma critica, algumas insuficiências e
contradições da jurisprudência constitucional sobre a questão e propondo-se algumas soluções.
SAGEL-GRANDE, Irene – Eutanásia na Holanda: a evolução da actual regulamentação jurídica, sua prática
e um novo projecto de lei-quadro. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. A. 38, nº 152
(out./dez.) p. 93-134. Cota: RP – 179
Resumo: O presente artigo descreve a evolução histórica da regulamentação da eutanásia na Holanda. A
actual regulamentação da eutanásia não é uma descriminalização no sentido estrito do termo. Pôr termo a
uma vida humana a pedido e prestar auxílio ao suicídio continuam a ser puníveis. Contudo, pode não haver
punição, caso um número de requisitos pré-definidos estejam preenchidos, requisitos esses que foram sendo
clarificados lentamente pela prática. “Esta experiência foi desenvolvida na prática forense no contexto da
aplicação do princípio da oportunidade e obteve uma base legal específica com a introdução da Lei da
Eutanásia em 2002 sob a forma de causas de exclusão da ilicitude.” Atualmente, existe um novo projeto de lei
sobre vida concluída que certamente vai suscitar intenso debate, uma vez que o novo governo representa uma
coligação de partidos políticos de direita e de esquerda que têm posições muito distintas relativamente a esta
matéria.
VERREL, Torsten – Can we legally regulate dying? The need for legislation in Germany. In O sentido e o
conteúdo do bem jurídico da vida humana. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2028-5.
Cota 12.36 – 114/2014
Resumo: Segundo as palavras do autor, embora, desde há muitos anos, tenha existido no domínio do
direito um amplo consenso sobre os casos permitidos de eutanásia e os tribunais penais tenham procurado
salvaguardar as decisões de fim de vida (testamento vital), existe uma enorme incerteza jurídica na Alemanha,
não só entre médicos, mas também entre profissionais do direito.
O autor defende que existe uma necessidade urgente de regular, no código penal alemão, os requisitos
necessários para se poder renunciar aos tratamentos de prolongamento da vida, para além do ponto em que a
vida continua a ter algum valor ou benefício para o doente. A questão não é regulamentar legalmente a morte,
mas, em particular, fornecer aos médicos um quadro legal, no qual eles tenham a capacidade e a coragem de
agir com responsabilidade e ética sem medo do direito penal.
Enquadramento internacional
O enquadramento internacional da questão, no plano da comparação com legislação estrangeira, foi já
efetuado pela DILP no dossiê temático intitulado “Eutanásia e Suicídio Assistido”. Trata-se de um estudo
comparativo que colige dados, embora nalguns casos de forma muito resumida, relativos a 32 diferentes
ordenamentos jurídicos.
Para além disso, a documentação produzida a propósito da apreciação da petição n.º 103/XIII e respetivo
Grupo de Trabalho contém bastantes elementos para, em conjunto com a numerosa bibliografia existente
sobre a matéria, proporcionar a devida reflexão e ponderação do assunto em discussão, sem esquecer, no
respeito do contraditório, a posição dos que defendem que a eutanásia e o suicídio assistido devem continuar
a ser proibidos, designadamente os subscritores da petição n.º 250/XIII e do projeto de lei n.º 565/XIII (CDS-
PP).
Nesta nota técnica são apenas relembrados exemplos de três países europeus com orientações diferentes,
já tratados no dossiê comparativo supramencionado: um proibindo a morte assistida, nas suas duas vertentes
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de eutanásia ativa e ajuda ao suicídio, outro proibindo-a igualmente, mas com projeto legislativo tendente à
sua legalização já apresentado e em debate, e um terceiro permitindo-a claramente, a ponto de a ter admitido,
em determinadas circunstâncias, para menores de idade.
Países europeus
A legislação comparada é, assim, apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia:
Bulgária, Espanha e Holanda.
BULGÁRIA
O artigo 97.º da lei geral sobre saúde17 proíbe expressamente a prática da eutanásia relativamente a seres
humanos,18 a qual é punida, pois, como crime de homicídio (previsto no artigo 115.º do Código Penal19).
Por sua vez, o mesmo Código pune quem ajudar ou persuadir alguém a cometer suicídio com pena de
prisão de 1 a 6 anos, salvo se disser respeito a menor ou pessoa incapaz de controlar os seus
comportamentos ou compreender a essência e significado do ato, caso em que a pena aplicável é a de prisão
de 3 a 10 anos (artigo 127.º, n.os 1 e 2, do Código Penal).20
Compreende a lei avulsa acima mencionada um catálogo mais ou menos completo de direitos e deveres
dos doentes, sob o prisma da proteção da saúde dos cidadãos, que constitui o objeto principal da lei (artigo
1.º).
Na esteira de alguns outros ordenamentos jurídicos, também esta lei regula com algum detalhe o direito
aos cuidados paliativos. Balizado pelo direito essencial do paciente a que todas as atividades médicas sejam
realizadas com o seu consentimento expresso (artigo 87.º21), salvo em determinadas circunstâncias previstas
especialmente na lei (conforme admitido no artigo 91.º), o n.º 1 do artigo 95.º determina que o paciente tem
direito a cuidados médicos paliativos no caso de doenças incuráveis com prognóstico desfavorável. Precisa o
n.º 2 desse preceito, num esforço evidente para delimitar o alcance do conceito, que o objetivo dos cuidados
médicos paliativos é a manutenção da qualidade de vida do doente através da redução ou eliminação de
alguns sintomas imediatos das enfermidades, bem como dos seus efeitos psicológicos e sociais adversos.
De harmonia com o n.º 1 do artigo 96.º, os cuidados médicos paliativos devem incluir:
a) Observação médica;
b) Prestação de cuidados de saúde ao paciente visando eliminar a dor e os efeitos psicológicos e
emocionais da doença;
c) Apoio moral ao paciente e seus familiares.
Os cuidados paliativos devem ser prestados pelo médico de família, por estabelecimentos médicos para
17 Que, na versão em inglês encontrada, se designa por Health Act. 18 Em resposta a pedido de informação formulado no âmbito do CERDP, os búlgaros salientaram que a eutanásia, não sendo permitida em relação a seres humanos, é-o, no entanto, quanto a animais, desde que nas condições determinadas em legislação específica, designadamente nos casos de animais afetados de doença incurável com mudanças patológicas irreversíveis, dor e sofrimento, necessidade de limitar e erradicar doenças contagiosas suscetíveis de pôr em perigo a saúde pública e agressividade comportamental de animais que comprovadamente ponha em risco a saúde de seres humanos e outros animais. 19 Versão em inglês. 20 Na versão em inglês consultada, lê-se o seguinte: “Article 127 (Last amendment, SG No. 26/2010) (1) (Last amendment, SG No. 26/2010) A person who in any way has assisted or persuaded another to commit suicide, and such an act or even an attempt only has followed, shall be punished by deprivation of liberty for one to six years. (2) For the same crime, committed with respect to a minor, or against a person, about whom the perpetrator has knowledge that he is incapable to manage his actions or that he does not understand the essence and meaning of the act, the punishment shall be deprivation of liberty for three to ten years. (3) A person who through cruel treatment or systematic abasement of the dignity of a person who was in material or other dependency upon him, has lead him to suicide or to an attempt at suicide, having admitted it as possible, shall be punished by deprivation of liberty for two to eight years. (4) If the act under the preceding paragraph has been committed through negligence, the punishment shall be deprivation of liberty for up to three years”. 21 A lei acautela também, nesse artigo, os casos de suprimento da vontade de menores, pessoas com transtornos mentais, inabilitados e incapazes em geral.
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atendimento ambulatório e hospitalar, por dispensários e por hospícios (n.º 2 do artigo 96.º).
ESPANHA
Pune-se a eutanásia sob a alçada do artigo 143.º do Código Penal espanhol, que a considera um subtipo
do crime de auxílio ao suicídio definido, no n.º 4 do artigo 143.º, como o ato de alguém que causa ou coopera
ativamente na prática de atos necessários e diretos para provocar a morte de outra pessoa, a pedido sério,
expresso e inequívoco desta, que esteja a padecer de doença grave que conduzirá necessariamente à sua
morte ou resultará em graves sofrimentos permanentes ou difíceis de suportar. O autor do crime é punido com
a pena aplicável ao incitamento ao suicídio, tipificado no n.º 1 do mesmo artigo, ou à ajuda ao suicídio,
incriminada no n.º 2, mas especialmente atenuada e reduzida. A pena prevista no n.º 1 (incitamento) é de 4 a
8 anos de prisão, a do n.º 2 (ajuda) de 2 a 5 anos de prisão. Aplica-se pena de 6 a 10 anos de prisão se da
ajuda resultar a morte do suicida (n.º 3 do artigo 143.º).22
Com importância capital para analisar a forma como o ordenamento jurídico espanhol trata as restantes
formas de eutanásia, importa atermo-nos também à Lei n.º 41/2002, de 14 de novembro, que, constituindo
uma lei básica, regula a autonomia do paciente e os seus direitos e obrigações em matéria de informação e
documentação clínica.
Tendo como pano de fundo o princípio da dignidade do ser humano, vinca-se que o respeito pela
autonomia da vontade e privacidade da pessoa deve guiar todas as atividades destinadas a obter, usar,
guardar e transmitir informações e documentação clínica. Toda a atuação neste domínio requer, em regra, o
consentimento escrito do paciente, o qual pode recusar quaisquer tratamentos que lhe sejam sugeridos. Os
médicos e corpos clínicos são obrigados a respeitar a vontade do doente (artigo 2.º).
De entre as definições constantes do artigo 3.º, destaca-se, com relevância direta para a matéria sob
análise, a noção de “consentimento informado”: a aceitação livre, voluntária e consciente de um paciente,
manifestada no pleno uso das suas faculdades depois de ser posto ao corrente da informação adequada, para
que determinada atuação médica que afete a sua saúde tenha lugar.23
O consentimento é, em regra, verbal, mas é obrigatório que seja prestado por escrito nos casos de
intervenção cirúrgica, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e, em geral, aplicação de
procedimentos que impliquem riscos ou inconvenientes de notória e previsível repercussão negativa sobre a
saúde do paciente (n.º 2 do artigo 8.º).
Sendo o próprio paciente o titular do direito à informação sobre os seus registos e dossiês clínicos e à
preservação da intimidade dos seus dados, os capítulos II e III da lei, compostos pelos artigo 4.º a 7.º,
dedicam-se a regular tais matérias, deixando para os artigos 8.º a 13.º (Capítulo IV) a disciplina da autonomia
da vontade do doente e para os artigos 14.º a 19.º (Capítulo V) as regras sobre a organização e o acesso às
informações constantes da documentação clínica respetiva.24
À semelhança de outras legislações analisadas, também existe a possibilidade de formulação de
testamento vital, no caso espanhol com a particularidade de o testador poder dispor sobre o destino do seu
corpo e órgãos uma vez falecido.25
22 Diz o seguinte o artigo 143.º, na sua versão oficial: “1 – El que induzca al suicidio de otro será castigado con la pena de prisión de cuatro a ocho años. 2 – Se impondrá la pena de prisión de dos a cinco años al que coopere con actos necesarios al suicidio de una persona. 3 – Será castigado con la pena de prisión de seis a diez años si la cooperación llegara hasta el punto de ejecutar la muerte. 4 – El que causare o cooperare activamente con actos necesarios y directos a la muerte de otro, por la petición expresa, seria e inequívoca de éste, en el caso de que la víctima sufriera una enfermedad grave que conduciría necesariamente a su muerte, o que produjera graves padecimientos permanentes y difíciles de soportar, será castigado con la pena inferior en uno o dos grados a las señaladas en los números 2 y 3 de este artículo.” 23 No texto original, lê-se o seguinte, relativamente ao conceito de “consentimento informado”: “la conformidad libre, voluntaria y consciente de un paciente, manifestada en el pleno uso de sus facultades después de recibir la información adecuada, para que tenga lugar una actuación que afecta a su salud.” Transcreve-se também a definição legal de “médico responsável”, que é a seguinte: “el profesional que tiene a su cargo coordinar la información y la asistencia sanitaria del paciente o del usuario, con el carácter de interlocutor principal del mismo en todo lo referente a su atención e información durante el proceso asistencial, sin perjuicio de las obligaciones de otros profesionales que participan en las actuaciones asistenciales.” 24 Para além da análise estrita do articulado da lei, servimo-nos ainda de respostas apresentadas pelo Parlamento espanhol no âmbito do CERDP. 25 N.º 1 do artigo 11.º, segundo o qual, no texto original: “Por el documento de instrucciones previas, una persona mayor de edad, capaz y libre, manifiesta anticipadamente su voluntad, con objeto de que ésta se cumpla en el momento en que llegue a situaciones en cuyas circunstancias no sea capaz de expresarlos personalmente, sobre los cuidados y el tratamiento de su salud o, una vez llegado el fallecimiento, sobre el destino de su cuerpo o de los órganos del mismo. El otorgante del documento puede designar, además, un
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Sem prejuízo do que aqui é explicado sobre o ordenamento jurídico espanhol em vigor, o portal da
Associação Derecho a Morir Dignamente dá-nos conta de já ter sido apresentada uma proposta legislativa que
preconiza a legalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, presentemente sob debate.
HOLANDA
A eutanásia e o suicídio assistido são regulados numa lei designada, em inglês, por Termination of Life
Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, nos termos da qual ambos os atos são permitidos.
O regime desta lei foi estabelecido em articulação com as secções 293 (sobre o homicídio a pedido da
vítima) e 294 (sobre o suicídio assistido) do Código Penal holandês, ficando estes adaptados em
conformidade.26
De acordo com o n.º 1 da citada secção 293, comete crime quem mata alguém a seu pedido expresso e
sério. O n.º 2 do mesmo preceito excetua a responsabilidade quando o crime é cometido por um médico que
cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da lei avulsa acima citada.
A irresponsabilização criminal do ato do médico ocorre também no caso do suicídio assistido previsto no n.º
1 da secção 294 do Código Penal, por via do disposto no n.º 2, o qual remete, mutatis mutandis, para a causa
de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 da secção 293.
Os pressupostos para a realização do ato passam por obedecer ao desejo do doente, que deve estar
consciente, num sofrimento insuportável, sem perspetivas ou esperanças de melhoras. O pedido nunca pode
provir de um familiar ou um amigo. O ato tem de resultar de solicitação do doente, reiterada e convicta, sendo
a morte provocada a única saída. Mas nem sempre os doentes têm o direito a esta prática nem o médico a
obrigação de a levar a cabo.
Para respeitar os critérios exigidos na lei, o médico deve ter noção de que está a cumprir na íntegra a
vontade do doente, depois de o ter informado escrupulosamente do seu estado de saúde e ter verificado que o
doente está num estado terminal, em grande sofrimento físico e psicológico. Tem a obrigação legal de reportar
cada caso, depois de ter sido consumado, ao médico patologista municipal e ambos à Comissão de Controlo
da Eutanásia.
Todas estas condições são detalhadamente discriminadas no artigo 2.º do Termination of Life on Request
and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, o qual, para além disso, obriga a que seja consultado pelo
menos mais um médico que, examinando o doente, confirme a verificação dessas circunstâncias.
A eutanásia é o fim de vida a pedido do doente e praticada por um médico, ministrado através de uma
substância adequada. No suicídio assistido é o doente que toma a substância fornecida pelo médico.
Se os pressupostos consignados na lei não forem cumpridos, o médico pode ser acusado da prática de um
crime, a que se aplicam penas que vão até aos 12 anos de prisão, nos casos de eutanásia, e até aos 3 anos,
nos de suicídio assistido. No entanto, o médico tem direito à objeção de consciência, no sentido de poder
recusar a prática do ato.
No caso dos doentes terminais que já tenham eutanásia agendada mas que entretanto ficam em estado de
semi-inconsciência ou inconsciência total e revelem sinais de grande sofrimento, o médico pode, ainda assim,
praticar o ato. Para estas situações em concreto, o médico tem de consultar a Royal Dutch Medical
Association, a pedido do Board of Procurators General of the Public Prosecution Office e do Healthcare
representante para que, llegado el caso, sirva como interlocutor suyo con el médico o el equipo sanitario para procurar el cumplimiento de las instrucciones previas.” 26 Na versão em inglês anexada, referem as secções 293 e 294, na nova redação introduzida por tal lei, o seguinte: “Section 293 1 –Any person who terminates the life of another person at that other person’s express and earnest request, shall be liable to a term of imprisonment not exceeding twelve years or a fine of the fifth category. 2 – The offence referred to in subsection (1) shall not be punishable, if it is committed by a medical doctor who meets the requirements of due care referred to in section 2 of the Termination of Life on Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act [Wet Toetsing Levensbeëindiging op Verzoek en Hulp bij Zelfdoding] and who informs the municipal forensic pathologist in accordance with section 7(2) of the Burial and Cremation Act [Wet op de Lijkbezorging]. Section 294 1 –Any person who intentionally incites another person to commit suicide shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. 2 – Any person who intentionally assists in the suicide of person or provides him with the means thereto shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. Section 293(2) shall apply mutatis mutandis.”
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Inspectorate.
Através de diretivas antecipadas, as pessoas têm a possibilidade de manifestar por escrito o seu desejo,
perante eventuais situações de doença, sobre se pretendem a eutanásia ou o suicídio assistido. O documento
deve ser claro, objetivo e sem dar origem a interpretações ambíguas da vontade do doente.
Outra situação que tem de ser objeto de manifestação antecipada de vontade diz respeito às demências.
Se não houver um documento escrito em relação a este tipo de doenças, não é permitida a eutanásia, a não
ser que se verifique que a pessoa está em sofrimento extremo, caso em que o médico pode tomar a decisão
de praticar o ato.
Mais discutível é a situação do sofrimento psicológico, à qual as autoridades holandesas ainda não
conseguem oferecer uma resposta decisiva. Têm-se suscitado muitas dúvidas, adensadas por uma decisão
judicial que julgou responsável um psiquiatra que praticara suicídio assistido numa pessoa padecendo de
doença psicológica, mas que foi dispensado de pena. Refira-se que a instância disciplinar médica competente
chegou à mesma conclusão.
Os menores podem pedir a eutanásia a partir dos 12 anos com o consentimento dos pais ou dos
representantes legais. A partir dos 16 anos têm a possibilidade de tomar a decisão sozinhos, mas os pais
deverão estar envolvidos no processo. Atingidos os 18 anos de idade, passam a ter direito de a solicitar sem
autorização ou aconselhamento parental.
As pessoas têm também a possibilidade, através da utilização de um cartão com a frase “Não Ressuscite”,
que devem sempre transportar consigo, de não serem reanimadas ou ressuscitadas numa situação médica de
emergência. Este cartão deve ter o nome, idade, assinatura e fotografia da pessoa e a referência a diretivas
antecipadas da vontade que porventura existam.
Os médicos têm permissão, em situações excecionais definidas na lei27, de executar a eutanásia a recém-
nascidos e, em situações de graves anomalias detetadas no feto, praticar o aborto no termo do período de
gestação.
Por último, os cuidados paliativos devem ser prestados através de sedação, para mitigar ou diminuir o
sofrimento em fim de vida e não para matar. É admissível em doentes cuja expetativa de vida não seja
superior a duas semanas. Esta decisão é tomada pelo doente ou por parentes próximos e/ou pelos
profissionais de saúde.
É ainda de referir que só pessoas de nacionalidade holandesa podem solicitar a eutanásia e a morte
assistida.
Na Holanda são disponibilizados guias didáticos oficiais para elucidação do tema, distribuídos,
designadamente, em estabelecimentos de saúde, um dos quais, muito completo, pode ser consultado em
http://www.bioeticanet.info/eutanasia/lleieuhol.pdf.
A página eletrónica da Royal Dutch Medical Association (KPMG), situada em http://www.knmg.nl/Over-
KNMG/About-KNMG.htm, contém as normas e procedimentos a observar pelo corpo clínico quando se apreste
a praticar o ato.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verifica-se que se encontrou em
apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), que sobre ela já
emitiu parecer, aguardando-se o agendamento da respetiva discussão e votação na generalidade em Plenário,
a seguinte iniciativa legislativa, conexa com a presente:
Projeto de Lei 418/XIII (PAN) – Regula o acesso à morte medicamente assistida
27 Cujo texto pode ser verificado em http://cyber.law.harvard.edu/population/abortion/Nether.abo.htm.
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Petições
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verifica-se que esteve também em apreciação
na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a Petição n.º 103/XIII (1.ª) –
Solicitam a despenalização da morte assistida, de que foi primeiro subscritor o Movimento Cívico “Direito a
morrer com dignidade”, que reuniu 8428 assinaturas, deu entrada na Assembleia da República a 26 de abri l de
2016, foi objeto de relatório final da Comissão em 30 de novembro de 2016 e mereceu apreciação em Plenário
em 2 de fevereiro de 2017, estando pois arquivada.
Em apreciação na mesma Comissão encontra-se a petição n.º 250/XIII (2.ª) – Toda a Vida tem Dignidade,
de que é primeira peticionante a Federação Portuguesa pela Vida e outros 14195 subscritores, e que deu
entrada na Assembleia da República em 25 de janeiro de 2017. A Comissão constituiu, tal como fizera para a
Petição n.º 103/XIII, um grupo de trabalho que realiza audições e reúne contributos escritos sobre a matéria,
tendo em vista a aprovação do respetivo relatório final.
V. Consultas e contributos
A Comissão promoveu, em 15 de fevereiro de 2018, a consulta escrita das seguintes entidades
institucionais: Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos
Advogados, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Ordem dos Enfermeiros, Ordem
dos Psicólogos e Ordem dos Médicos.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
Considerando a inovação que a iniciativa sub judice preconiza de criação da Comissão de Avaliação dos
Processos de Antecipação da Morte, de funcionamento junto da Assembleia da República, que “assegura os
encargos com o seu funcionamento e o apoio técnico e administrativo necessários”, sugere-se, para
ponderação pela Relatora nomeada e pela Comissão, que seja também solicitada a emissão de parecer
escrito pelo Conselho de Administração da Assembleia da República, tendo em conta as competências que
lhe são atribuídas pelo artigo 15.º da Lei de Organização e Funcionamento da Assembleia da República,
aprovada pela Lei n.º 77/88, de 1 de julho, e subsequentemente alterada.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar os encargos resultantes da
aprovação da presente iniciativa, contudo, como ficou atrás referido, resultam necessariamente custos para o
orçamento da Assembleia da República, designadamente do pagamento (previsto no artigo 19.º da iniciativa)
do subsídio de disponibilidade aos membros da secção permanente da Comissão de Avaliação dos Processos
de Antecipação da Morte e de senhas de presença aos restantes membros, ainda que tais encargos não
sejam indicados em concreto e o proponente preveja a regulamentação da iniciativa (artigo 24.º). Há ainda
custos resultantes do apoio técnico e administrativo que também a Assembleia da República deverá
providenciar à Comissão.
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PROJETO DE LEI N.º 832/XIII (3.ª)
(PROCEDE À QUADRAGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL E REGULA AS
CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA A PRÁTICA DE EUTANÁSIA NÃO PUNÍVEL)
PROJETO DE LEI N.º 838/XIII (3.ª)
(DEFINE O REGIME E AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É
PUNÍVEL)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e notas
técnicas elaboradas pelos serviços de apoio
Parecer conjunto
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
Um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do PS tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da
República, em 13 de abril de 2018, o projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) – “Procede à 47.ª alteração ao Código
Penal e regula as condições especiais para a prática da eutanásia não punível”.
Por sua vez, em 20 de abril de 2018, os Deputados do Grupo Parlamentar do PEV tomaram a iniciativa de
apresentar à Assembleia da República o projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) – “Define o regime e as condições em
que a morte medicamente assistida não é punível”.
Estas apresentações foram efetuadas nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da
Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo
os requisitos formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes
baixaram, respetivamente em 17 e de 23 de abril de 2018, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias (comissão competente), em conexão com a Comissão de Saúde, para emissão do
respetivo parecer.
Foram pedidos pareceres, sucessivamente em 19 e 23 de abril de 2018, ao Conselho Superior da
Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público, ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da
Vida, à Ordem dos Advogados, à Ordem dos Médicos, à Ordem dos Enfermeiros e à Ordem dos Psicólogos.
I b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS)
Considerando que “não deve o Estado impor uma única conceção de vida, um único trajeto de escolhas
individuais ou sequer um único modelo de pessoa” e alicerçando esta posição na “autonomia individual de
cada pessoa” decorrente do “princípio da dignidade da pessoa humana” e do “direito ao desenvolvimento da
personalidade”, os proponentes respondem positivamente à questão de saber se é legítimo que “a autonomia
das pessoas” deva “abranger algum tipo de dimensão essencial da vida – a morte, materializando o respeito
pela pessoa em final de vida com um projeto de lei que vem regular as condições especiais para a prática da
eutanásia não punível” – cfr. exposição de motivos.
Reconhecendo que este é “um tema particularmente complexo e exigente no plano jurídico-constitucional,
confrontando autores que sustentam a inconstitucionalidade da opção despenalizadora da eutanásia, por um
lado, e outros que, em sentido diametralmente oposto, defendem que não a permitir, em caso algum, traduziria
isso sim uma inconstitucionalidade”, os subscritores desta iniciativa consideram que “é, todavia, possível
identificar hoje, com clareza, uma área de confluência maioritária concludente de que a despenalização da
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eutanásia, desde que em circunstâncias especialmente circunscritas, não é inconstitucional, tendo o legislador
margem de liberdade para regular as condições especiais para a prática da eutanásia não punível” – cfr.
exposição de motivos.
Sublinham os proponentes que, “quando se propõe no presente projeto de lei regular as situações
especiais em que a prática da eutanásia não é punível, o que se pretende fazer é apenas reconhecer o que se
nos afigura essencial para salvaguardar a esfera de autonomia individual” – cfr. exposição de motivos.
A presente iniciativa visa proceder à 47.ª alteração ao Código Penal e regular as condições especiais para
a prática de eutanásia não punível – cfr. artigo 1.º.
Nesse sentido, é proposto o aditamento de um novo n.º 3 aos artigos 134.º e 135.º do Código Penal,
referentes aos crimes de homicídio a pedido da vítima e de incitamento ou ajuda ao suicídio, respetivamente, a
excluir a punibilidade desses crimes quando a conduta for realizada no cumprimento da lei que regula as
condições especiais de antecipação da morte a pedido da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento
extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, praticada ou ajudada por profissionais de saúde –
cfr. artigo 3.º.
Por outro lado, o artigo 2.º considera eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria
pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando
praticada ou ajudada por profissionais de saúde, sendo que o pedido subjacente a esta decisão (que pode ser
livremente revogado a qualquer momento) obedece a procedimento clínico e legal, correspondendo a uma
vontade atual, séria, livre e esclarecida.
O Capítulo II (artigos 4.º a 16.º) regula o procedimento clínico para antecipação da morte, o qual é
composto por seis fases, uma das quais de verificação eventual.
O pedido de abertura do procedimento clínico é efetuado pelo doente (que tem de ser uma pessoa maior,
em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal), em documento escrito,
datado e assinado pelo próprio, a ser integrado em Registo Clínico Especial (RCE) criado para o efeito – cfr.
n.º 1 do artigo 4.º.
O pedido é dirigido ao médico escolhido pelo doente (o médico orientador), considerando-se legítimos
apenas os pedidos apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional – cfr.
n.º 2 e 3 do artigo 4.º.
Salvaguarda-se a possibilidade de estar a decorrer ou de se iniciar um processo judicial visando a
incapacidade do doente, caso em que o pedido é, respetivamente, não admitido ou suspenso, assumindo
aquele processo judicial carácter urgente – cfr. n.os 4 e 5 do artigo 1.º. Referem os proponentes que é desta
forma considerada “a preocupação manifestada pelo Conselho Superior Magistratura em parecer
relativamente a outra iniciativa sobre a matéria” – cfr. exposição de motivos.
A segunda fase do procedimento clínico é o parecer do médico orientador. Este emite parecer sobre se o
doente cumpre todos os requisitos legais e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação
clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis e o respetivo prognóstico, após o que
verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito,
datada e assinada. A informação e parecer prestados pelo médico orientador e a declaração do doente,
assinados por ambos, constam no RCE – cfr. artigo 5.º.
De resto, todos os passos do procedimento clínico, e neles, a reiteração da vontade do doente, são sempre
registados, datados e assinados, no RCE – cfr. n.º 2 do artigo 5.º, n.º 4 do artigo 6.º, n.º 3 do artigo 7.º, n.º 3 do
artigo 9.º, n.º 1 do artigo 10.º, artigo 13.º, artigo 14.º e n.º 1 do artigo 15.º.
A terceira fase do procedimento clínico é a confirmação pelo médico especialista na patologia que afeta o
doente. Se este parecer não for favorável à antecipação da morte do doente, contrariando, assim, o parecer do
médico orientador, o procedimento em curso é cancelado, só podendo ser reiniciado com novo pedido de
abertura – cfr. n.os 1 e 3 do artigo 6.º.
A quarta fase do procedimento clínico é uma fase eventual, pois só se verifica nos casos em que é
obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria. Tal ocorre nos casos em que o médico
orientador e/ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a
antecipação da morte revelando uma vontade séria, livre e esclarecida, bem como nos casos em que estes
admitam ser a pessoa portadora de perturbação psíquica que afete a sua capacidade de tomar decisões
revelando uma vontade séria, livre e esclarecida. Se o médico especialista em psiquiatria confirmar que o
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doente não se encontra capaz, o procedimento é cancelado – cfr. artigo 7.º.
Na quinta fase, recolhidos os pareceres favoráveis dos vários médicos intervenientes e reconfirmada a
vontade do doente, o médico orientador remete, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das
fases anteriores do procedimento, cópia do RCE à Comissão de Verificação e Avaliação do Procedimento
Clínico de Antecipação da Morte (CVA). Em caso de parecer desfavorável desta Comissão, o procedimento
em curso é cancelado, também só podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura – cfr. artigo 8.º.
A sexta e última fase do procedimento clínico é a concretização da decisão do doente. O médico orientador
combina com o doente o dia, a hora, o local e o método a utilizar para a antecipação da morte, informando e
esclarecendo o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a
autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de
saúde devidamente habilitado para o efeito mas sob supervisão médica, sendo a decisão da responsabilidade
exclusiva do doente. Prevê-se que, no caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a
antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a
consciência e mantiver a sua decisão. Imediatamente antes de iniciar a administração ou autoadministração
dos fármacos letais, o médico orientador deve confirmar se o doente mantém a vontade de antecipar a sua
morte, na presença de uma ou mais testemunhas – cfr. artigo 9.º.
A revogação da decisão de antecipar a morte em qualquer momento cancela imediatamente o
procedimento clínico em curso – cfr. artigo 10.º.
Por vontade do doente, o ato de antecipação da morte pode ser praticado no seu domicílio ou noutro local
por ele indicado, desde que o médico orientador considere que o local dispõe de condições adequadas para o
efeito em termos de conforto e segurança clínica – cfr. artigo 11.º.
Além do médico orientador e de outros profissionais de saúde envolvidos no ato de antecipação da morte,
podem estar presentes as pessoas indicadas pelo doente – cfr. artigo 12.º.
A verificação da morte e a certificação do óbito obedecem à legislação em vigor – cfr. artigo 13.º.
No prazo de 15 dias após a morte, o médico orientador elabora o relatório final, mantendo-se essa
obrigação mesmo nos casos em que o procedimento é encerrado sem que tenha ocorrido a antecipação da
morte do doente – cfr. artigo 15.º.
Prevê-se que a decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação da morte é
indelegável, embora caso o doente que solicite a antecipação da morte esteja impossibilitado de fisicamente
escrever e assinar, possa, em todas as fases do procedimento em que seja requerido, fazer-se substituir por
pessoa por si designada apenas para esse efeito, devendo a assinatura ser efetuada na presença do médico
orientador, com referência expressa a essa circunstância, na presença de uma ou mais testemunhas – cfr.
artigo 16.º.
O Capítulo III (artigos 17.º a 21.º) regula a responsabilidade médica.
Os profissionais de saúde inscritos na Ordem dos Médicos e também os inscritos na Ordem dos
Enfermeiros, desde que a sua intervenção decorra sob supervisão médica, podem praticar ou ajudar ao ato de
antecipação da morte, excluindo-se aqueles que possam vir a obter qualquer benefício direto ou indireto da
morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial – cfr. artigo 17.º.
Os deveres a que devem obedecer os profissionais de saúde no decurso do procedimento clínico de
antecipação da morte encontram-se previstos no artigo 18.º.
Os profissionais de saúde que tenham tido participação direta ou indireta em processo de antecipação da
morte estão sujeitos a sigilo profissional e a respeitar a confidencialidade da informação a que tenham tido
acesso – cfr. artigo 19.º, sendo-lhes assegurado o direito à objeção de consciência – cfr. artigo 20.º.
Pela participação no processo clínico de antecipação da morte, cumprindo todas as condições e deveres
estabelecidos na presente lei, não poderão os médicos e os enfermeiros ser sujeitos a responsabilidade
disciplinar – cfr. artigo 21.º.
Em termos de fiscalização e de avaliação (Capítulo IV – artigos 22.º a 24.º), é expressamente atribuída a
competência à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) quanto à realização de fiscalizações aos
procedimentos clínicos de antecipação de morte – cfr. artigo 22.º.
É também criada a já referida Comissão de Verificação e Avaliação do Procedimento Clínico de
Antecipação da Morte (CVA) para emissão do parecer obrigatório referido no n.º 1 do artigo 8.º e avaliação da
aplicação desta lei. A CVA apresenta, anualmente, um relatório de avaliação à Assembleia da República, junto
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das comissões especializadas nas áreas da saúde e dos direitos, liberdades e garantias, podendo elaborar
recomendações – cfr. n.os 1 e 2 do artigo 23.º.
A CVA é composta por cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas
áreas de conhecimento relacionadas com a aplicação da presente lei: um jurista indicado pelo Conselho
Superior da Magistratura, um jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico
indicado pela Ordem dos Médicos, um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros e um especialista em
bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, sendo o mandato dos membros
da CVA de cinco anos, renovável por um único período. Esta entidade funciona no âmbito da Assembleia da
República que assegura os encargos com o seu funcionamento e o apoio técnico e administrativo necessários
e os respetivos membros não são remunerados pelo exercício das suas funções, tendo direito a senhas de
presença por cada reunião em que participam de montante a definir por despacho do Presidente da
Assembleia da República e, bem assim, a ajudas de custo e a requisições de transporte nos termos da lei
geral – cfr. artigo 24.º.
No Capítulo V, relativo a disposições finais (artigos 25.º a 27.º), prevê-se que a Direção-Geral da Saúde
disponibilize, no seu sítio da Internet, uma área destinada a informação sobre a realização de eutanásia não
punível – cfr. artigo 25.º; obriga-se o Governo a aprovar, no prazo máximo de 90 dias a contar da publicação
desta lei, a respetiva regulamentação – cfr. artigo 26.º; e estabelece-se a entrada em vigor da lei “30 dias após
a regulamentação se encontrar aprovada” – cfr. artigo 27.º.
Projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) (PEV)
Recordando que, no “debate da petição n.º 103/XIII (1.ª), que se realizou no Plenário da Assembleia da
República há cerca de um ano atrás”, “o PEV afirmou taxativamente que o Grupo Parlamentar Os Verdes
contribuiria inequivocamente para a intensificação desse debate e para a busca de resultados, assumindo que
apresentaria uma iniciativa legislativa”, os proponentes sublinham que “Este é o projeto de lei que materializa
essa iniciativa, que visa contribuir para um debate não no plano teórico, mas sim sustentado em propostas
concretas. Este é o produto da reflexão que o PEV faz, aberto aos mais sérios contributos, e constitui uma
base de trabalho para que possa haver uma consequência efetiva na garantia da dignidade da pessoa
humana” – cfr. exposição de motivos.
Os proponentes salientam que “propõem que se despenalize a morte medicamente assistida, em situações
extremas e em condições muito bem definidas”, pretendendo “que fique claro que esta proposta em nada, em
absolutamente nada, contribui para reduzir, aligeirar ou desresponsabilizar o Estado relativamente ao seu
dever de garantir o acesso dos doentes aos cuidados paliativos e de assegurar uma boa rede de cuidados
continuados, com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, e melhorar
o bem-estar e o apoio aos doentes e às suas famílias, quando associado a doença grave ou incurável, em
fase avançada e progressiva” e que “fique igualmente claro que esta proposta não implica obrigar ninguém a
escolher a antecipação da sua morte” – cfr. exposição de motivos.
A presente iniciativa visa definir as condições e os procedimentos específicos a observar nos casos de
morte medicamente assistida e alterar o Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida, a
pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante, expresso, consciente e informado de pessoa que esteja em
situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de
melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva – cfr.
artigo 1.º.
Nesse sentido, é proposto o aditamento de um novo n.º 3 aos artigos 134.º (homicídio a pedido da vítima) e
135.º (incitamento ou ajuda ao suicídio) do Código Penal a excluir a punibilidade do médico e demais pessoal
clínico que o assista que, cumprindo integralmente os procedimentos e condições previstos na lei, provoque a
morte medicamente assistida ou preste assistência ou auxílio ao suicídio, de forma tão indolor e tranquila
quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, a pessoa que esteja em situação de profundo
sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica,
encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, desde que a pedido
sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso do doente, com idade igual ou superior a 18 anos,
consciente, esclarecido e informado, e que não padeça de doença mental ou psíquica que o incapacite na
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tomada de decisão, segundo análise e autorização de equipa multidisciplinar – cfr. artigo 2.º.
É ainda proposto o aditamento de um novo n.º 2 ao artigo 139.º (propaganda ao suicídio) do Código Penal
a excluir a punibilidade do médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste
informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com o n.º
3 do artigo 135.º – cfr. artigo 2.º.
O artigo 3.º estabelece que a morte medicamente assistida consiste na morte provocada, de forma tão
indolor e tranquila quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, a doente que, estando em
situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de
melhoria clínica, e encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva,
manifeste pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso nesse sentido, sendo garantida a
avaliação e o reconhecimento da consciência, liberdade, esclarecimento e capacidade do doente para realizar
esse pedido, sendo que a morte medicamente assistida só pode ser consumada através da administração de
fármacos letais, podendo essa administração ser feita ou pelo próprio doente sob vigilância médica,
configurando o suicídio medicamente assistido.
O pedido de morte medicamente assistida só pode ser realizado por doente com idade igual ou superior a
18 anos, com nacionalidade portuguesa ou com residência legal em Portugal, que se encontre a ser
acompanhado e tratado em estabelecimento de saúde do Serviço Nacional de Saúde, só podendo ser aceite
no caso de o doente se encontrar em profundo estado de sofrimento por padecer de doença grave, incurável e
sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente
incapacitante e definitiva. Não pode ser atendido um pedido de doente que sofra de doença mental ou
psíquica, ou que seja considerado incapaz de compreender a sua situação e de tomar sozinho decisões sobre
a sua vida, nos termos gerais do direito, devendo o pedido do doente ser, cumulativamente, sério, livre,
pessoal, reiterado, instante, expresso, consciente e informado. Todos estes requisitos do pedido são atestados
por uma Comissão de Verificação – cfr. artigo 4.º.
O pedido do doente, dirigido à Comissão de Verificação correspondente à área regional do estabelecimento
de saúde do Serviço Nacional de Saúde em que o doente é acompanhado e tratado, é feito obrigatoriamente
sob a forma escrita, mediante preenchimento de formulário que é assinado na presença do médico que o
acompanha (o médico titular), o qual atesta ter presenciado o ato de assinatura. Caso o doente não saiba ou
não possa assinar o pedido expresso, aplicam-se as regras do reconhecimento de assinatura a rogo na
presença de profissional legalmente competente, bem como do médico titular. Antes de assinar o pedido, o
médico titular informa-o das possibilidades de evolução e da irreversibilidade da lesão ou da doença, das
consequências e do sofrimento envolvido, das alternativas terapêuticas e de todas as possibilidades de mitigar
as dores e o sofrimento, informação essa que o doente atesta ter recebido através do preenchimento de um
campo que consta obrigatoriamente do formulário. Caso o médico seja objetor de consciência, informa o
doente desse facto, bem como do direito que lhe assiste de falar com outro médico, devendo comunicar a
intenção do doente à direção do estabelecimento de saúde, o qual pedirá a designação de médico para
consultar e acompanhar o doente em caso de formulação do pedido. – cfr. artigo 5.º e 7.º.
O médico titular procede à entrega do pedido do doente na direção do estabelecimento de saúde respetivo,
o qual deve perguntar ao doente que familiares, ou outras pessoas, devem ser informadas do pedido
realizado, e proceder a esses contactos, bem como deve solicitar um relatório ao médico titular, que contenha
obrigatoriamente informação sobre o estado clínico do doente, sobre se este se encontra em profundo estado
de sofrimento por padecer de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica,
encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, e sobre se tem
alguma razão para acreditar, fundamentadamente, que o doente não realizou o pedido de forma séria, livre,
pessoal, consciente e informada. O pedido é depois remetido à Comissão de Verificação competente,
juntamente com o parecer do médico titular, que avalia se o pedido do doente cumpre as condições, os
critérios e os procedimentos legalmente exigidos – cfr. artigos 6.º e 7.º.
As Comissões de Verificação serão criadas por portaria, uma em cada área de Administração Regional de
Saúde e cada uma será constituída por sete pessoas (três médicos, dois enfermeiros e dois juristas) de
reconhecido mérito, com mais de 10 anos de exercício profissional, para desempenhar um mandato de cinco
anos, renovável por duas vezes. As Comissões de Verificação deliberam sem abstenções, exigindo-se uma
maioria qualificada de dois terços – cfr. artigo 7.º.
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Recebido o pedido do doente e do relatório do médico titular, a Comissão de Verificação solicita um
relatório a um médico psiquiatra, de modo a atestar se o pedido cumpre as condições legais (nomeadamente
se é sério e consciente), o qual é remetido ao médico titular com o qual a Comissão de Verificação reúne de
seguida. Caso entenda necessário, a Comissão de Verificação pode pedir outros relatórios de avaliação
médica da situação do doente. Recebidos todos os pareceres e relatórios solicitados, e verificada a
conformidade do pedido do doente, a Comissão de Verificação agenda uma data para que o doente reitere
expressamente o seu pedido na presença do médico titular, de um elemento da Comissão de verificação e,
caso o doente o pretenda, de um familiar ou amigo. O procedimento só avança com o relatório favorável do
médico titular e da avaliação psiquiátrica, verificados todos os demais requisitos legais. Sem estas condições
preenchidas, a Comissão de Verificação delibera desfavoravelmente sobre o pedido do doente, caso em que o
processo é arquivado – cfr. artigo 8.º. Nestes casos, o doente pode pedir a reanálise do pedido apenas por
uma vez – cfr. artigo 9.º.
Havendo deliberação favorável ao pedido do doente, esta é comunicada ao médico titular, à direção do
estabelecimento de saúde e ao doente, que deve reiterar expressamente o pedido. Após a reiteração do
pedido, o médico titular marca a data e a hora para a concretização da morte medicamente assistida, a qual só
pode ser realizada em estabelecimento de saúde público do Serviço Nacional de Saúde1 – cfr. n.os 1 e 2 do
artigo 10.º.
O doente é informado pelo médico titular sobre as características e os efeitos da substância letal a
administrar, bem como da possibilidade de ser o médico titular a administrá-la ou de ser o próprio doente a
fazê-lo sob supervisão médica, cabendo sempre ao doente escolher quem administra a substância letal. Para
além da presença obrigatória do médico titular e de outros profissionais de saúde que o auxiliam, é ao doente
que compete escolher as pessoas que pretende que assistam ao momento da morte medicamente assistida,
respeitando o número limite definido pela direção do estabelecimento de saúde onde o ato é praticado. Na
data e hora marcada, o doente manifesta pela última vez a sua vontade de antecipar a morte, bem como a
escolha do procedimento a utilizar, assinando essa declaração de vontade – cfr. n.os 4 a 7 do artigo 10.º.
Após a verificação da morte, é certificado o óbito e enviada cópia para a Comissão de Verificação,
conjuntamente com relatório assinado pelo médico titular no qual são descritos os procedimentos e as
ocorrências verificadas no ato de morte medicamente assistida, bem como a identificação de todas as pessoas
presentes. Caso a Comissão de Verificação detete algum incumprimento das disposições legais, comunica o
facto ao Ministério Público – cfr. n.os 8 e 9 do artigo 10.º.
É salvaguardada a possibilidade de, a todo o momento, o doente revogar o pedido, sem necessidade de
fundamentação e sem obedecer a quaisquer exigências formais, sendo que a revogação do pedido põe fim ao
processo – cfr. artigo 11.º.
É assegurado aos médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde o direito à objeção de consciência
relativamente a quaisquer atos respeitantes à morte medicamente assistida – cfr. artigo 12.º.
Determina-se que o Governo crie, através de portaria, uma Comissão de Avaliação do regime legal previsto
na presente lei, com vista, designadamente, a recolher dados estatísticos, a aferir das práticas resultantes da
aplicação da lei ou a sugerir alterações legislativas que se revelem mais adequadas. Esta Comissão é
composta por três representantes indicados pela Assembleia da República, três indicados pelo Governo e um
pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, com um mandato de quatro anos – cfr. artigo 13.º.
O artigo 14.º salvaguarda os profissionais de saúde que participem no processo de morte medicamente
assistida de serem alvo de qualquer sanção disciplinar de foro deontológico.
O artigo 15.º obriga a regulamentação desta lei pelo Governo no prazo de seis meses e o artigo 16.º
estabelece que esta lei entre em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
I c) Enquadramento constitucional e legal
Importa, nesta sede, referir que a Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, no seu artigo
24.º, o direito à vida, determinando o n.º 1 deste preceito constitucional que “A vida humana é inviolável”.
1 Consideram os proponentes que, “de modo a evitar eventuais ânsias de negócio, a morte medicamente assistida deve ter lugar apenas em hospitais públicos, e não em hospitais privados” – cfr. exposição de motivos.
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Por outro lado, decorre do artigo 1.º da CRP o princípio da “dignidade da pessoa humana” do qual emana o
direito à autodeterminação individual, assente na autonomia da vontade da pessoa.
A garantia e a proteção do direito à vida tem fundamentado, no plano legal, a proibição da eutanásia e do
suicídio medicamente assistido.
Por isso, o Código Penal pune, com pena de prisão de 1 a 5 anos, quem matar outra pessoa dominado por
compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral que
diminuam sensivelmente a culpa (homicídio privilegiado – artigo 133.º); com pena de prisão até 3 anos quem
matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito (homicídio a
pedido da vítima – artigo 134.º); e com pena de prisão até 3 anos quem ajudar outra pessoa a suicidar-se
(incitamento ou ajuda ao suicídio – artigo 135.º).
I d) Direito comparado
A DILP elaborou, a pedido do Deputado único representante do PAN, um dossier de direito comparado
sobre a matéria da eutanásia e suicídio assistido, o qual se encontra disponível em:
http://arnet/sites/dsdic/DILP/DILPArquivo/Dossiers%20de%20Informação/Eutanasia_Suicidio_Assistido.pdf
Em síntese, verifica-se que só uma minoria de países é que legalizou a eutanásia e o suicídio assistido
(casos da Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Canadá) ou admite o suicídio assistido (casos da Alemanha e da
Suíça).
I e)Antecedentes
A matéria objeto da iniciativa ora em causa já foi apreciada no âmbito da petição n.º 103/XIII (1.ª) –
«Solicitam a despenalização da morte assistida», promovida pelo movimento cívico «Direito a morrer com
dignidade» e subscrita por 8428 cidadãos, a qual foi apresentada em 26 de abril de 2016 e apreciada em
Plenário em 1 de fevereiro de 2017.
No âmbito desta Petição foi constituído um Grupo de Trabalho, composto pelos seguintes Deputados:
José Manuel Pureza (Relator e Coordenador), Carlos Abreu Amorim, Isabel Moreira, Antónia Almeida Santos,
Isabel Galriça Neto, António Filipe, José Luís Ferreira e André Silva, que procedeu à audição das seguintes
entidades:
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (Audição realizada em 23.6.2016);
Professor Doutor Jorge Reis Novais – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Audição
realizada em 29.6.2016);
Professora Doutora Luísa Neto – Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Audição realizada em
29.6.2016);
Bastonário da Ordem dos Médicos (Audição realizada em 30.6.2016);
Bastonária da Ordem dos Enfermeiros (Audição realizada em 30.6.2016);
Professora Doutora Teresa Beleza – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Audição
realizada em 6.7.2016);
Juiz Conselheiro Dr. José Adriano Machado Souto de Moura (Audição realizada em 6.7.2016);
Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(Audição realizada em 12.7.2016);
Professor Doutor José Francisco de Faria Costa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(Audição realizada em 12.7.2016);
Professor Doutor Manuel Costa Andrade – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Audição
realizada em 12.7.2016).
Encontra-se atualmente em apreciação, no âmbito da 1.ª Comissão, a petição n.º 250/XIII (2.ª) – «Toda a
vida tem dignidade», promovida pela Federação Portuguesa pela Vida e subscrita por 14196 cidadãos, no
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âmbito da qual foi constituído um Grupo de Trabalho, composto pelos seguintes Deputados: Vânia Dias da
Sila (Relatora e Coordenadora), Carlos Abreu Amorim, Isabel Moreira, Antónia Almeida Santos, José Manuel
Pureza, Isabel Galriça Neto, António Filipe, Carla Cruz, André Silva, que procedeu à audição das seguintes
entidades:
Federação Portuguesa pela Vida (Audição realizada em 19.04.2017);
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (Audição realizada em 26.04.2017);
Ordem dos Advogados (Audição realizada em 23.05.2017);
Dr. António Cluny (Audição realizada em 06.06.2017);
Diretora-Geral da Saúde (Audição realizada em 06.12.2017);
Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; Associação Portuguesa de Bioética (APB);Comissão
Nacional de Justiça e Paz; Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida (Audição realizada em
01.02.2018);
Prof.º Dr. Tiago Duarte, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa);Prof.ª Dr.ª
Cristina Líbano Monteiro, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra);Dr. Guilherme da
Fonseca, Juiz Conselheiro Jubilado; Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira Leite, Penalista (Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Inês Fernandes Godinho, Penalista, Professora Universitária (Audição
realizada em 08.02.2018);
Dr. José Manuel de Paiva Jara (psiquiatra);Dr. João Oliveira (Médico);Dr. Ramon de La Féria (Médico-
Cirurgião) (Audição realizada em 09.02.2018).
De referir que se encontram atualmente pendentes sobre a mesma matéria as seguintes iniciativas:
Projeto de lei n.º 418/XIII (2.ª) (PAN) – «Regula o acesso à morte medicamente assistida», apresentado
em 21 de fevereiro de 2017;
Projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) (BE) – «Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por
decisão da própria da pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento
duradoiro e insuportável, não é punível», apresentado em 7 de fevereiro de 2018.
De referir, por último, que o único Partido com assento parlamentar em cujo programa eleitoral figurava a
eutanásia é o PAN. No seu programa estava inscrito: “Abrir a discussão em relação à eutanásia. Porquê?
Actualmente a Eutanásia é proibida por lei, sendo também proibida pelo código deontológico dos
médicos. O PAN pretende trazer esta situação à discussão, de modo a que se venha a definir se
um/a cidadão/ã lúcido/a deve ou não, por razões se saúde, poder decidir terminar a sua vid a.”
PARTE II – OPINIÃO DO RELATOR
O signatário do presente parecer exime-se, neste sede, de manifestar a sua opinião política sobre os
Projetos de Lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS) e n.º 838/XIII (3.ª) (PEV), a qual é, de resto, de “elaboração facultativa”
nos termos do n.º 3 do artigo 137º do Regimento da Assembleia da República.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. O PS apresentou à Assembleia da República o projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) – “Procede à 47.ª
alteração ao Código Penal e regula as condições especiais para a prática da eutanásia não punível”.
2. Por sua vez, o PEV apresentou o projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) – “Define o regime e as condições em
que a morte medicamente assistida não é punível”.
3. Ambas as iniciativas pretendem definir os termos e as condições para a prática da eutanásia/morte
medicamente assistida não punível, regulando as situações em que tal é admissível.
4. Ambas as iniciativas propõem a alteração dos artigos 134.º (homicídio a pedido da vítima) e 135.º
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(incitamento ou ajuda ao suicídio), excluindo a punibilidade desses crimes nos casos em que é admissível a
eutanásia/morte medicamente assistida.
5. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que os projetos de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS) e n.º 838/XIII (3.ª) (PEV) reúnem os requisitos
constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados em plenário.
Palácio de São Bento, 23 de maio de 2018.
O Deputado relator, Carlos Abreu Amorim — O Presidente da Comissão, Pedro Bacelar de Vasconcelos.
Nota: O parecer foi aprovado na reunião de 23 de maio de 2018.
PARTE IV – ANEXOS
Anexam-se as notas técnicas elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do
Regimento da Assembleia da República.
Nota Técnica
Projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS)
Procede à 47.ª alteração ao Código Penal e regula as condições especiais para a prática de
eutanásia não punível.
Data de admissão: 17 de abril de 2018.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. ANÁLISE SUCINTA DOS FACTOS, SITUAÇÕES E REALIDADES RESPEITANTES À INICIATIVA
II. APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE DOS REQUISITOS FORMAIS, CONSTITUCIONAIS E
REGIMENTAIS E DO CUMPRIMENTO DA LEI FORMULÁRIO
III. ENQUADRAMENTO LEGAL E DOUTRINÁRIO E ANTECEDENTES
IV. INICIATIVAS LEGISLATIVAS E PETIÇÕES PENDENTES SOBRE A MESMA MATÉRIA
V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS
VI. APRECIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA APROVAÇÃO E DOS PREVISÍVEIS ENCARGOS COM A
SUA APLICAÇÃO
Elaborada por: João Rafael Silva (DAPLEN), José Manuel Pinto (DILP), Paula Faria (BIB) e Margarida
Ascensão (DAC).
Data: 3 de maio de 2018.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
O presente projeto de lei, da iniciativa de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, visa
legislar as situações especiais em que a prática da eutanásia não é punível, definindo no regime proposto que
«considera-se eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em
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situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável ou fatal, quando praticada ou
ajudada por profissionais de saúde», correspondendo o pedido subjacente à decisão «a uma vontade atual,
séria, livre e esclarecida.»1
Na exposição de motivos, os autores do projeto de lei começam por tecer breves considerações
introdutórias sobre o quadro constitucional, que consideram que assume «uma inspiração humanista
assente numa leitura respeitadora da autonomia individual de cada pessoa no domínio das decisões
vitais sobre a sua vida», e que por isso «a Ordem Jurídica tem evoluído de forma determinante no
sentido de reconhecer, como decorrência da autonomia implícita no princípio da dignidade da pessoa
humana e no direito ao desenvolvimento da personalidade, que cada pessoa é, desde que não
prejudique terceiros, a arquiteta livre do seu destino».
Referem que o tema da eutanásia não punível é «particularmente complexo e exigente no plano
jurídico-constitucional» e esclarecem que o projeto de lei tem como objetivo não a «afirmação de
qualquer direito constitucional à eutanásia», mas o reconhecimento legal «da possibilidade de disposição
da própria morte em circunstâncias especiais, ponderando equilibradamente toda a intensa rede de
interesses complexos em presença», pelo que – nas palavras dos proponentes – «a não punição da
eutanásia em circunstâncias especiais deve, assim, resultar de uma ponderação de direitos e valores
constitucionais (vida humana, dignidade da pessoa humana, autonomia individual)».
Em termos substantivos, a presente iniciativa legislativa propõe alterações ao Código Penal,
concretamente aditando um novo n.º 3 aos artigos 134.º (Homicídio a pedido da vítima) e 135.º
(Incitamento ou ajuda ao suicídio), e regula as condições especiais em que a eutanásia não é punível,
propondo a criação de um Registo Clínico Especial que integrará todas as fases do procedimento clínico
de antecipação da morte, nos seguintes termos:
O pedido de abertura deste procedimento é efetuado pelo doente, em documento escrito, datado e
assinado pelo próprio, e dirigido ao médico por ele escolhido («médico orientador»). Este é o primeiro passo e
salvaguarda-se a possibilidade de estar a decorrer ou de se iniciar um processo judicial visando a
incapacidade do doente, suspendendo imediatamente o procedimento (artigo 4.º).
A segunda fase passa pelo parecer do médico orientador, que verifica se o doente cumpre todos os
requisitos e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos
aplicáveis, variáveis e disponíveis e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera
a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada (artigo 5.º).
A terceira fase é a da confirmação por um médico especialista na patologia em causa. Se este parecer
não for favorável à antecipação da morte do doente, contrariando o parecer do médico orientador, o
procedimento em curso é cancelado, só podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura (artigo 6.º).
A quarta fase do procedimento clínico diz respeito à verificação por um médico especialista em
psiquiatria, nos casos expressamente previstos no projeto de lei — apenas é obrigatório em caso de dúvidas
sobre a capacidade de o doente decidir de forma «séria, livre e esclarecida» (artigo 7.º).
Recolhidos os pareceres favoráveis dos vários médicos intervenientes, e reconfirmada a vontade do
doente, o médico orientador remete à Comissão de Verificação e Avaliação do Procedimento Clínico de
Antecipação da Morte, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do
procedimento. Em caso de parecer desfavorável desta Comissão – composta por um jurista indicado pelo
Conselho Superior da Magistratura, outro pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico pela
respetiva ordem profissional, um enfermeiro nas mesmas condições e um especialista em bioética indicado
pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – o procedimento é cancelado. Esta comissão tem
cinco dias úteis para se pronunciar (artigo 8.º).
A derradeira fase do procedimento clínico é a concretização da decisão do doente. Caso fique
inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se
realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão (artigo 9.º).
Em termos de fiscalização e de avaliação, é expressamente atribuída a competência à Inspeção-Geral das
Atividades em Saúde (IGAS) quanto à realização de fiscalizações aos procedimentos clínicos de antecipação
1 Artigo 2.º do projeto de lei.
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de morte. Numa última instância, o processo é enviado para a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, que
poderá estar presente até ao ato da concretização da decisão do doente. A IGAS pode aparecer em qualquer
fase do processo para verificar questões de segurança e outras condições, e pode parar o processo até à
concretização do ato.
A presente iniciativa legislativa, composta por cinco capítulos e vinte e sete artigos, contém uma
primeira parte (Capítulo I – Disposições gerais e enquadramento penal), com um artigo 1.º definidor do
respetivo objeto, um artigo 2.º contendo os requisitos para que possa ser pedida a antecipação da morte,
e um artigo 3.º preconizando a alteração dos artigos 134.º e 135.º do Código Penal; uma segunda parte
(Capítulos II a IV), em que dispõe sobre o procedimento clínico de antecipação da morte (artigos 4.º a
16.º), a responsabilidade médica, os deveres dos profissionais de saúde, o direito à objeção de
consciência e a não sujeição dos médicos e enfermeiros a responsabilidade disciplinar pela participação
no processo clínico (artigos 17.º a 21.º), a fiscalização pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde
(IGAS) e a avaliação da aplicação da presente lei através da Comissão de Verificação e Avaliação dos
Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte (CVA) (artigos 22.º a 24,º); além de um último capítulo
de disposições finais (Capítulo V), dispondo, designadamente, sobre a regulamentação e o início de
vigência da lei a aprovar (artigos 25.º a 27.º).
Invocam ainda os proponentes, na exposição de motivos, que tem havido um debate alargado e
profundo sobre a despenalização da eutanásia, na Assembleia da República e na sociedade em geral, e
que o caminho trilhado até aqui também permitiu recolher múltiplos contributos, positivos e negativos, da
experiência internacional. A esse propósito, será útil recordar que a matéria objeto da iniciativa sub
judice tem sido objeto de prolongado debate na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, designadamente através das petições n.os 103/XIII (1.ª) (cuja apreciação pela
Assembleia da República já se encontra concluída) e 250/XIII (2.ª), que motivaram a criação de grupos de
trabalho próprios (1 e 2), os quais recolheram contributos escritos e promoveram as seguintes audições:
Petição n.º 103/XIII (1.ª)
11-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor Manuel Costa Andrade – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
10-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor José Francisco de Faria Costa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
9-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
8-GT-DMA-XIII XIII Juiz Conselheiro Dr. José Adriano Machado Souto de Moura 2016-07-06
7-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Teresa Beleza – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
2016-07-06
6-GT-DMA-XIII XIII Bastonária da Ordem dos Enfermeiros 2016-06-30
5-GT-DMA-XIII XIII Bastonário da Ordem dos Médicos 2016-06-30
4-GT-DMA-XIII XIII Professora Luísa Neto – Faculdade de Direito da Universidade do Porto
2016-06-29
3-GT-DMA-XIII XIII Professor Jorge Reis Novais – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
2016-06-29
2-GT-DMA-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – CNECV 2016-06-23
1-GT-DMA-XIII XIII Comissão Representativa do Movimento Cívico "Direito a morrer com dignidade"
2016-06-22
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Petição n.º 250/XIII (2.ª)
8-GT-TVTD-XIII XIII Dr. José Manuel de Paiva Jara (psiquiatra);Dr. João Oliveira (Médico);Dr. Ramon de La Féria (Médico-Cirurgião)
2018-02-09
7-GT-TVTD-XIII XIII
Prof.º Dr. Tiago Duarte, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra);Dr. Guilherme da Fonseca, Juiz Conselheiro Jubilado; Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira Leite, Penalista (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Inês Fernandes Godinho, Penalista, Professora Universitária
2018-02-08
6-GT-TVTD-XIII XIII Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos; Associação Portuguesa de Bioética (APB);Comissão Nacional de Justiça e Paz; Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida
2018-02-01
5-GT-TVTD-XIII XIII Audição da Diretora-Geral da Saúde 2017-12-06
4-GT-TVTD-XIII XIII Dr. António Cluny 2017-06-06
3-GT-TVTD-XIII XIII Ordem dos Advogados 2017-05-23
2-GT-TVTD-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida 2017-04-26
1-GT-TVTD-XIII XIII Federação Portuguesa pela Vida 2017-04-19
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais, legais e regimentais
O projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) é subscrito por vinte Deputados do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da
Assembleia da República (doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um
poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º do Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da
Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
Regimento.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei não parece infringir princípios constitucionais e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa. Não obstante, a presente iniciativa
legislativa parece acarretar encargos orçamentais, designadamente ao prever a criação de uma Comissão de
Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte – nos artigos 24.º e 25.º. Por
sua vez, o seu artigo 27.º estabelece que esta iniciativa entra em vigor 30 dias após a sua regulamentação
pelo Governo, a ser aprovada 90 dias após a publicação da lei que se agora propõe. Caso se pretenda
garantir a plena salvaguarda do princípio consagrado no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição e n.º 2 do artigo
120.º do Regimento, que limita a apresentação de iniciativas que «envolvam, no ano económico em curso,
aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento», conhecido por lei-
travão, poder-se-á analisar a possibilidade de alterar a norma sobre vigência, para que o início de vigência ou
produção de efeitos desta iniciativa não possa ocorrer antes da entrada em vigor do Orçamento do Estado
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subsequente.
De referir ainda que, apesar da regulamentação pelo Governo, se prevê que a referida Comissão de
Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte funcione junto da Assembleia da
República, que asseguraria os encargos com o seu funcionamento e o apoio técnico e administrativo
necessários (artigo 24.º). Ora, tendo em conta as implicações que desta norma resultam, pelo menos, para o
Orçamento da Assembleia da República, em caso de aprovação, sobre a matéria deverá ser ouvido o
Conselho de Administração da Assembleia da República.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 13 de abril de 2018. Foi admitido e baixou na generalidade à
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), em conexão com a Comissão
de Saúde (9.ª), a 17 de abril, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Foi
anunciado na sessão plenária de dia 18 de abril e a respetiva discussão na generalidade encontra-se
agendada para a reunião plenária de dia 29 de maio – cfr. Súmula da Conferência de Líderes n.º 65, de 2 de
maio de 2018.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Procede à 47.ª alteração ao Código Penal e regula as condições
especiais para a prática de eutanásia não punível» –traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se
conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei
formulário2, embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento, em sede de apreciação na
especialidade ou em redação final.
Segundo as regras de legística formal, «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado,
bem como o número de ordem de alteração»3, o que sucede neste caso. No entanto, nesta indicação os
numerais ordinais devem ser sempre redigidos por extenso 4.
Consultando o Diário da República Eletrónico verifica-se que o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
400/82, de 23 de setembro, foi alterado até à data por quarenta e cinco diplomas5, pelo que se sugere à
Comissão o seguinte aperfeiçoamento formal do título: «Regula as condições especiais para a prática de
eutanásia não punível, procedendo à quadragésima sexta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 400/82, de 23 de setembro”».
Os autores não promoveram a republicação, em anexo, do Código Penal, nem se verificam quaisquer dos
requisitos de republicação de diplomas alterados, previstos no artigo 6.º da lei formulário, dada a exceção
constante na alínea a) do n.º 3 desse artigo6.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 27.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em
vigor ocorrerá 30 dias após a sua regulamentação pelo Governo, a ser aprovada 90 dias após a publicação da
lei que se agora propõe, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98,
de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo,
em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
2 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 3 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 201. 4 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 166. 5 Lei n.º 6/84, de 11 de maio, Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, 60/2013, de 23 de agosto, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, Leis n.os 59/2014, de 26 de agosto, 69/2014, de 29 de agosto, e 82/2014, de 30 de dezembro, Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, e Leis n.os 30/2015, de 22 de abril, 81/2015, de 3 de agosto, 83/2015, de 5 de agosto, 103/2015, de 24 de agosto, 110/2015, de 26 de agosto, 39/2016, de 19 de dezembro, 8/2017, de 3 de março, 30/2017, de 30 de maio, 94/2017, de 23 de agosto, 16/2018, de 27 de março 6 «Deve ainda proceder-se à republicação integral dos diplomas que revistam forma de lei, em anexo, sempre que:
a) Existam mais de três alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a Códigos».
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Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
A matéria objeto da iniciativa legislativa em apreço foi já objeto do projeto de lei n.º 418/XIII (2.ª),
apresentado pelo PAN, sob o título «Regula o acesso à morte medicamente assistida», e do projeto de lei n.º
773/XIII (2.ª), apresentado pelo BE, intitulado «Define e regula as condições em que a antecipação da morte,
por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em
sofrimento duradouro e insuportável, não é punível», justificando-se, assim, reproduzir nesta sede o que se
expôs nas respetivas notas técnicas.
Assinale-se, em primeiro lugar, que o enquadramento legislativo nacional em vigor já foi detalhado em
estudo comparativo da DILP, justamente intitulado «Eutanásia e Suicídio Assistido».
Relembramos aqui, com brevidade, o contexto legislativo vigente em que se enquadra a iniciativa
legislativa, completando-o com alusões a alguns diplomas que não foram abordados no referido estudo,
circunscrito à análise de algumas questões centrais sobre o tema geral da morte assistida.
Partindo da distinção entre as diferentes formas de eutanásia, explicada nesse estudo, é de salientar que a
eutanásia ativa continua a ser considerada crime, embora punível de forma especialmente atenuada, seja à
luz do artigo 133.º (como homicídio privilegiado), seja de acordo com o artigo 134.º (homicídio a pedido da
vítima) do Código Penal7.8
No primeiro caso, que tem por fundamento a diminuição sensível da culpa do agente, a pena de prisão é
reduzida, quando comparada com a que se aplica ao homicídio simples, para 1 a 5 anos, se ocorrer um dos
motivos determinantes do autor nele previstos, que consistem em ter sido dominado, ao cometer a conduta,
por «compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral».
No segundo caso, que constitui um tipo específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena
abstrata aplicável, o agente é «determinado por pedido sério, instante e expresso» da vítima, sendo punido
com pena de prisão até 3 anos. Considera-se que neste caso a culpa é diminuta, justificando a diminuição da
moldura penal.
Penalistas como Manuel Lopes Maia Gonçalves9 consideram que a eutanásia se inclui na previsão do
artigo 133.º, sendo de assinalar a posição de autor do projeto inicial de Código Penal manifestada, a este
respeito, na seguinte transcrição das atas da respetiva comissão revisora: «Em relação a esta» (a eutanásia
ativa) «segue-se portanto uma solução intermédia: nem se pune como homicídio nem se deixa de punir. Aliás,
este crime privilegiado tem também por função impedir que os tribunais deixem de punir a eutanásia ativa por
meio de recurso ao princípio da não exigibilidade. Pretende-se a sua punição, mas só dentro dos limites do
artigo.» A distanásia – entende o mesmo penalista – não é punida e a ortotanásia, pese embora a sua
delicadeza, tem sido considerada uma ação justificada e como tal sem relevância criminal. Tem sido entendido
ser ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo
e sofrimento ao doente, pelo que tal interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser
considerada eutanásia ativa (eutanásia passiva ou por omissão), assim como também é ética a aplicação de
medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de
tempo previsível de vida (eutanásia indireta ou eventual).
Outros juristas ainda defendem que algumas situações de eutanásia são passíveis de se reconduzir não
aos artigos 133.º ou 134.º, mas aos casos referidos no n.º 2 do artigo 35.º do Código Penal (estado de
necessidade desculpante, que pode determinar a atenuação especial da pena ou mesmo, excecionalmente, a
dispensa de pena).
7 Texto consolidado retirado do Diário da República Eletrónico. 8 A doutrina divide-se em qual dos dois preceitos o ato se subsume. 9 “Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18.ª edição, 2007, Almedina”.
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Finalmente, incitar outra pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe ajuda para esse fim constitui o crime de
incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto no artigo 135.º do Código Penal, «se o suicídio vier efetivamente a
ser tentado ou a consumar-se». Tal crime é punível com pena de prisão até 3 anos, na situação normal, ou
pena de prisão de 1 a 5 anos, «se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver,
por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída».
Sublinhe-se que, não tendo embora Portugal descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio assistido
em relação a pessoas em estado de doença terminal, já admite o testamento vital, que consiste na formulação
em vida de um «documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma
pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta
antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que
deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a
sua vontade pessoal e autonomamente» (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho10, e Portaria n.º 96/2014, de 5 de
maio11).12
Perante o disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, sobre o
conteúdo do testamento vital, afigura-se evidente que, no caso português, as diretivas antecipadas da vontade
cobrem a ortotonásia.
Estabelece o n.º 2 desse artigo 2.º o seguinte:
«2 – Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a
vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:
a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com
as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às
medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no
sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica
sintomática apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.»
Além disso, o utente dos serviços tem direito a consentir ou recusar a prestação de cuidados de saúde, a
que corresponde, naturalmente, o correlativo dever de respeitar tal vontade (artigo 3.º da Lei n.º 15/2014, de
21 de março13). Este direito, expressamente consagrado, tem importância fulcral para a compreensão da
questão da eutanásia passiva, permitida nos casos em que o paciente declare não pretender continuar com os
tratamentos.
De entre as normas deontológicas vinculativas para os profissionais de saúde, sublinhamos as que
constam do Estatuto dos Enfermeiros14, cujo artigo 103.º estabelece, sob a epígrafe «Dos direitos à vida e à
qualidade de vida», o seguinte:
«O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de:
a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as
circunstâncias;
10 «Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)». 11 «Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)». 12 A propósito da conformação do instituto das diretivas antecipadas da vontade, esta legislação acaba por definir também, indiretamente, a ortotanásia e a distanásia, descriminalizando-as. 13 «Lei consolidando a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde». A ligação eletrónica refere-se ao texto consolidado constante do DRE. 14 Consta de anexo da Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro («Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais»), a qual modificou, republicando, o diploma original que aprovara o Estatuto. O DRE disponibiliza ainda uma versão consolidada do Estatuto dos Enfermeiros.
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b) Respeitar a integridade biopsicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante.»
Estão ainda intimamente relacionados com a questão central sob análise os artigos 105.º e 108.º do
mesmo Estatuto.
Diz o primeiro o seguinte:
«Artigo 105.º
Do dever de informação
No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado;
c) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo indivíduo
em matéria de cuidados de enfermagem;
d) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os obter.»
Refere o segundo:
«Artigo 108.º
Do respeito pela pessoa em situação de fim de vida
O enfermeiro, ao acompanhar a pessoa nas diferentes etapas de fim de vida, assume o dever de:
a) Defender e promover o direito da pessoa à escolha do local e das pessoas que deseja que o
acompanhem em situação de fim de vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pela pessoa em situação de fim de
vida, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.»
Por seu turno, o artigo 138.º do Estatuto da Ordem dos Médicos15 prevê o direito destes profissionais de
saúde à objeção de consciência e o seu Regulamento de Deontologia Médica16 proíbe expressamente a
eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia, dando relevo, no respeito pela dignidade do doente no fim da
vida, aos cuidados paliativos (artigos 65.º a 67.º).
Dispõem os preceitos pertinentes desse Regulamento de Deontologia Médica, integrados num capítulo respeitante
ao fim da vida, o seguinte:
«Capítulo II
Fim da vida
Artigo 65.º
O fim da vida
1 – O médico deve respeitar a dignidade do doente no momento do fim da vida.
2 – Ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia.
15 Versão atualizada e republicada em anexo à Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto («Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto»). 16 Regulamento da Ordem dos Médicos n.º 707/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016.
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Artigo 66.º
Cuidados paliativos
1 – Nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitem reverter a sua
evolução natural, o médico deve dirigir a sua ação para o bem-estar dos doentes, evitando a futilidade
terapêutica, designadamente a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios,
induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício.
2 – Os cuidados paliativos, com o objetivo de minimizar o sofrimento e melhorar, tanto quanto possível, a
qualidade de vida dos doentes, constituem o padrão do tratamento nas situações a que o número anterior se
refere.
Artigo 67.º
Morte
1 – O uso de meios de suporte artificial de funções vitais deve ser interrompido após o diagnóstico de morte
do tronco cerebral, com exceção das situações em que se proceda à colheita de órgãos para transplante.
2 – Este diagnóstico e correspondente declaração devem ser verificados, processados e assumidos de
acordo com os critérios definidos pela Ordem.
3 – O uso de meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido nos casos irrecuperáveis
de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da continuação de tais terapêuticas não resulte benefício
para o doente.
4 – O uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a
vontade do doente.
5 – Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo que administrados por via
artificial, a hidratação e a alimentação ou a administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio
suplementar.»
Finalmente, a Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro, denominada Lei de Bases dos Cuidados Paliativos,
consagra a linha de orientação que se deteta nos códigos deontológicos, erigindo os cuidados paliativos a
direito do doente terminal [Base IV, alínea c), e Base V, n.º 1], qualificando a obstinação terapêutica como má
prática clínica e infração disciplinar [Base IV, alínea a), e Base XXXII], criando a Rede Nacional de Cuidados
Paliativos (RNCP) e integrando na RNCP as unidades e equipas criadas no âmbito do Decreto-Lei n.º
101/2006, de 6 de junho, que criou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (Base XXXIV)17.
O projeto de lei em apreciação procede à despenalização da eutanásia e do suicídio assistido através de
um regime jurídico novo que regula as condições especiais em que a prática da eutanásia deixa de ser
punível, combinado com alterações paralelas às disposições do Código Penal pertinentes, quando praticados
tais atos, em determinadas circunstâncias e de acordo com certos requisitos, apenas por profissionais de
saúde. Se cometidos por qualquer outra pessoa, não deixarão de continuar a ser considerados crimes.
Com esse propósito, o projeto de lei, regulando essas condições especiais, adita um n.º 3 aos artigos 134.º
e 135.º do Código Penal eliminando a punibilidade das condutas neles previstas – respetivamente, o
«homicídio a pedido da vítima» e o «incitamento ou ajuda ao suicídio»
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
BARBOSA, Mafalda Miranda – Dignidade e autonomia a propósito do fim da vida. O Direito. Ano 148
(2016, II). p. 233-282. Cota. RP- 270
Resumo: Neste artigo são abordados os seguintes tópicos: a eutanásia; o sentido da liberdade; liberdade e
juridicidade; a pessoa como ser de liberdade; a pessoa e os direitos de personalidade, o direito subjetivo; os
direitos de personalidade ancorados na pessoa e não no indivíduo. A autora considera que «a morte a pedido
nunca deixará de consubstanciar um ato ilícito do ponto de vista do direito civil. O consentimento do ofendido
não surge ali para limitar o direito, dentro do que os bons costumes ou a ordem pública autorizam, mas
17 Versão consolidada retirada do DRE.
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configura uma renúncia ao direito à vida. Ora, esta renúncia, porque corta a relação do eu com o tu, atenta
diretamente contra a dignidade da pessoa».
CAÑAMARES ARRIBAS, Santiago – La reciente jurisprudencia del Tribunal de Estrasburgo y del Tribunal
Supremo en Canadá en relación con el derecho a la muerte digna. Revista Española de Derecho
Constitucional. A. 36, n.º 108 (sept. – dic. 2016), p. 337-356. Cota: RE-343
Resumo: As questões relacionadas com o fim da vida têm vindo a adquirir uma enorme importância nas
sociedades ocidentais como consequência do aumento da esperança de vida e da consolidação do direito à
autonomia do doente. A legislação e a jurisprudência comparadas não são uniformes relativamente ao alcance
dessa autonomia. Este artigo analisa as grandes tendências do chamado direito a uma morte digna à luz das
decisões judiciais mais recentes do Tribunal de Estrasburgo e do Supremo Tribunal do Canadá.
COUTO, Gilberto – A eutanásia descodificada : um guia para o debate referendo. Lisboa: Partenon,
2016. ISBN 978-989-8845-00-9. Cota: 28.41 – 77/2017
Resumo: No referenciado estudo, o autor faz uma avaliação crítica dos argumentos a favor e contra a
eutanásia ou morte assistida, para que o leitor possa formar e fundamentar a sua própria opinião sobre este
assunto que interessa a todos. As preocupações aqui expressas prendem-se não tanto com a morte, mas
mais com as opções com que seremos confrontados num processo de morte sob «sofrimento intolerável».
«Poderá uma pessoa, nestas circunstâncias, consciente e livremente escolher ser ajudada a terminar com a
sua vida?”»
EUTANÁSIA? Cuidados paliativos: testemunhos. Lisboa : Alêtheia Editores, 2016. ISBN 978-989-622-
815-6. Cota: 28.41 – 59/2017
Resumo: Esta obra reúne os testemunhos de pessoas que têm vivido por dentro e em diferentes âmbitos a
realidade dos cuidados paliativos (profissionais, voluntários, pessoas doentes e seus familiares). Isabel Galriça
Neto, coordenadora da referida obra, afirma-se contra a legalização da eutanásia e do suicídio assistido,
sublinhando que a solução para esta situação, que atualmente fratura a sociedade portuguesa, não será a
legalização da eutanásia, mas sim o desenvolvimento dos serviços de cuidados paliativos. «Uma lei que
legalizasse a eutanásia por pretenso sofrimento intolerável (…) poderia conduzir a múltiplos abusos com
consequências perigosas (…), passar-se-ia de casos ocasionais de doença terminal para uma dimensão de
milhares de casos por ano, com motivos que vão desde a depressão, o ‘estar cansado de viver’ ou o não
querer ser um fardo para terceiros. É isto que nos mostra a realidade da Holanda e da Bélgica».
GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, homicídio a pedido da vítima e os problemas de
comparticipação em direito penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2015. ISBN: 978-972-32-2308-8. Cota: 12.36
– 127/2015
Resumo: «A problemática da eutanásia assume hoje contornos muito distintos daqueles que assumia na
expressão ‘euthanasia’, utilizada pela primeira vez em contexto médico por Francis Bacon no século XVII, para
se referir a uma tarefa médica: aliviar o sofrimento físico do corpo ao morrer. Na sociedade tardo-moderna, a
problemática coloca-se a partir de um paradoxo fundamental: quando se vive e se pode viver por muito mais
tempo, reclama-se o poder de decidir sobre a própria morte. Nesta sequência, surgem interrogações sobre o
sentido da autodeterminação do doente e sobre os limites da atuação médica. Em contexto médico, a questão
nuclear colocada ao direito penal prende-se com a distinção entre um comportamento eutanásico não punível
e um homicídio a pedido da vítima.
De forma a tratar a questão nuclear colocada, o trabalho encontra-se dividido em duas partes: uma primeira
parte, sobre os novos problemas da lesão do bem jurídico vida humana, e uma segunda parte, sobre
eutanásia e homicídio a pedido da vítima em contexto médico.» [Nota do editor]
LANTERO, Caroline – Euthanasie et suicide assisté. Journal international de bioéthique. Vol. 26, n.º esp.
(juil. 2015), p. 227-243. Cota: RE – 157
Resumo: A eutanásia e o suicídio assistido não fazem parte das leis francesas de bioética e não dispõem,
por enquanto, de enquadramento normativo a não ser no que diz respeito à repressão em termos penais. Para
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que estes conceitos venham a ser transformados num direito, é necessário desenvolver um debate ao nível da
ética e do direito. Este artigo tem por objetivo questionar as ideias a serem consideradas, as bases
conceptuais e as ferramentas normativas que podem ser úteis para a discussão.
REAL, Miguel – Manifesto em defesa de uma morte livre. Lisboa: Edições Parsifal, 2015. ISBN: 978-989-
8760-05-0. Cota: 28.41 – 116/2015
Resumo: Este Manifesto em Defesa de uma Morte Livre pretende ser um contributo para fomentar um
debate que não pode ser ignorado e que cada vez mais se impõe. O autor defende a legalização da eutanásia
como modo de pôr termo a um corpo em sofrimento irremediável e irrevogável. Segundo o mesmo: «a
eutanásia deve legal e moralmente obedecer a princípios racionais (liberdade e dignidade humanas) e
assentar no princípio ético da bondade ativa (…). Deve obedecer ao princípio ético da liberdade, e, deste
modo, a medicina deve respeitar o desejo voluntário do paciente ou, caso este esteja impossibilitado de se
manifestar, dos seus legítimos representantes. (…) Deve obedecer ao princípio ético da compaixão ativa,
promovendo legislação rigorosíssima adequada e comissões de permanente monitorização e fiscalização da
sua prática».
SAGEL-GRANDE, Irene – Eutanásia na Holanda: a evolução da actual regulamentação jurídica, sua prática
e um novo projecto de lei-quadro. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. A. 38, n.º 152
(out./dez. 2017) p. 93-134. Cota: RP – 179
Resumo: O presente artigo descreve a evolução histórica da regulamentação da eutanásia na Holanda. A
atual regulamentação da eutanásia não é uma descriminalização no sentido estrito do termo. Pôr termo a uma
vida humana a pedido e prestar auxílio ao suicídio continuam a ser puníveis. Contudo, pode não haver
punição, caso um número de requisitos pré-definidos estejam preenchidos, requisitos esses que foram sendo
clarificados lentamente pela prática. “Esta experiência foi desenvolvida na prática forense no contexto da
aplicação do princípio da oportunidade e obteve uma base legal específica com a introdução da Lei da
Eutanásia em 2002 sob a forma de causas de exclusão da ilicitude.” Atualmente, existe um novo projeto de lei
sobre vida concluída que certamente vai suscitar intenso debate, uma vez que o novo governo representa uma
coligação de partidos políticos de direita e de esquerda que têm posições muito distintas relativamente a esta
matéria.
VERREL, Torsten – Can we legally regulate dying? The need for legislation in Germany. In O sentido e o
conteúdo do bem jurídico da vida humana. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2028-5.
Cota 12.36 – 114/2014
Resumo: Segundo as palavras do autor, embora no domínio do direito tenha existido, desde há muitos
anos, um amplo consenso sobre os casos permitidos de eutanásia e os tribunais penais tenham procurado
salvaguardar as decisões de fim de vida (testamento vital), existe uma enorme incerteza jurídica na Alemanha,
não só entre médicos, mas também entre profissionais do direito.
O autor defende que existe uma necessidade urgente de regular, no código penal alemão, os requisitos
necessários para se poder renunciar aos tratamentos de prolongamento da vida, para além do ponto em que a
vida continua a ter algum valor ou benefício para o doente. A questão não é regulamentar legalmente a morte,
mas, em particular, fornecer aos médicos um quadro legal, no qual eles tenham a capacidade e a coragem de
agir com responsabilidade e ética sem medo do direito penal.
Enquadramento internacional
O enquadramento internacional da questão, no plano da comparação com legislação estrangeira, foi já feito
pela DILP no dossiê temático intitulado «Eutanásia e Suicídio Assistido». Trata-se de um estudo comparativo
que colige dados, embora nalguns casos de forma telegráfica, relativos a 32 diferentes ordenamentos
jurídicos.
Para além disso, a documentação produzida a propósito da apreciação da petição n.º 103/XIII e respetivo
Grupo de Trabalho contém bastantes elementos para, em conjunto com a numerosa bibliografia existente
sobre a matéria, proporcionar a devida reflexão e ponderação do assunto em discussão, sem esquecer, no
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respeito do contraditório, a posição dos que defendem que a eutanásia e o suicídio assistido devem continuar
a ser proibidos, designadamente os subscritores da petição n.º 250/XIII e do projeto de lei n.º 565/XIII (CDS-
PP).
Nesta nota técnica são apenas relembrados exemplos de três países europeus com orientações diferentes,
já tratados no dossiê comparativo supramencionado: um proibindo a morte assistida, nas suas duas vertentes
de eutanásia ativa e ajuda ao suicídio; outro proibindo-a igualmente, mas com projeto legislativo tendente à
sua legalização já apresentado e em debate; e um terceiro permitindo-a claramente, a ponto até de a ter
admitido, em determinadas circunstâncias, para menores de idade.
Países europeus
A legislação comparada é, assim, apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia:
Bulgária, Espanha e Holanda.
BULGÁRIA
O artigo 97.º da lei geral sobre saúde18 proíbe expressamente a prática da eutanásia relativamente a seres
humanos,19 a qual é punida como crime de homicídio (previsto no artigo 115.º do Código Penal20).
Por sua vez, o mesmo Código pune quem ajudar ou persuadir alguém a cometer suicídio com pena de
prisão de 1 a 6 anos, salvo se disser respeito a menor ou pessoa incapaz de controlar os seus
comportamentos ou compreender a essência e significado do ato, caso em que a pena aplicável é a de prisão
de 3 a 10 anos (artigo 127.º, n.os 1 e 2, do Código Penal).21
Compreende a lei avulsa acima mencionada um catálogo mais ou menos completo de direitos e deveres
dos doentes, sob o prisma da proteção da saúde dos cidadãos, que constitui o objeto principal da lei (artigo
1.º).
Na esteira de alguns outros ordenamentos jurídicos, também esta lei regula com algum detalhe o direito
aos cuidados paliativos. Balizado pelo direito essencial do paciente a que todas as atividades médicas sejam
realizadas com o seu consentimento expresso (artigo 87.º22), salvo em determinadas circunstâncias previstas
especialmente na lei (conforme admitido no artigo 91.º), o n.º 1 do artigo 95.º determina que o paciente tem
direito a cuidados médicos paliativos no caso de doenças incuráveis com prognóstico desfavorável. Precisa o
n.º 2 desse preceito, num esforço evidente para delimitar o alcance do conceito, que o objetivo dos cuidados
médicos paliativos é a manutenção da qualidade de vida do doente através da redução ou eliminação de
alguns sintomas imediatos das enfermidades, bem como dos seus efeitos psicológicos e sociais adversos.
De harmonia com o n.º 1 do artigo 96.º, os cuidados médicos paliativos devem incluir:
a) Observação médica;
b) Prestação de cuidados de saúde ao paciente visando eliminar a dor e os efeitos psicológicos e
18 Que, na versão em inglês encontrada, se designa por Health Act. 19 Em resposta a pedido de informação formulado no âmbito do CERDP, os búlgaros salientaram que a eutanásia, não sendo permitida em relação a seres humanos, é-o, no entanto, quanto a animais, desde que nas condições determinadas em legislação específica, designadamente nos casos de animais afetados de doença incurável com mudanças patológicas irreversíveis, dor e sofrimento e de necessidade de limitar e erradicar doenças contagiosas suscetíveis de pôr em perigo a saúde pública e agressividade comportamental de animais que comprovadamente ponha em risco a saúde de seres humanos e outros animais. 20 Versão em inglês. 21 Na versão em inglês consultada, lê-se o seguinte:
“Article 127 (Last amendment, SG No. 26/2010)
(1) (Last amendment, SG No. 26/2010) A person who in any way has assisted or persuaded another to commit suicide, and such an act or even an attempt only has followed, shall be punished by deprivation of liberty for one to six years. (2) For the same crime, committed with respect to a minor, or against a person, about whom the perpetrator has knowledge that he is incapable to manage his actions or that he does not understand the essence and meaning of the act, the punishment shall be deprivation of liberty for three to ten years. (3) A person who through cruel treatment or systematic abasement of the dignity of a person who was in material or other dependency upon him, has lead him to suicide or to an attempt at suicide, having admitted it as possible, shall be punished by deprivation of liberty for two to eight years. (4) If the act under the preceding paragraph has been committed through negligence, the punishment shall be deprivation of liberty for up to three years”. 22 A lei acautela também, nesse artigo, os casos de suprimento da vontade de menores, pessoas com transtornos mentais, inabilitados e incapazes em geral.
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emocionais da doença;
c) Apoio moral ao paciente e seus familiares.
Os cuidados paliativos devem ser prestados pelo médico de família, por estabelecimentos médicos para
atendimento ambulatório e hospitalar, por dispensários e por hospícios (n.º 2 do artigo 96.º).
ESPANHA
Pune-se a eutanásia sob a alçada do artigo 143.º do Código Penal espanhol, que a considera um subtipo
do crime de auxílio ao suicídio definido, no n.º 4 do artigo 143.º, como o ato de alguém que causa ou coopera
ativamente na prática de atos necessários e diretos para provocar a morte de outra pessoa, a pedido sério,
expresso e inequívoco desta, que esteja a padecer de doença grave que conduzirá necessariamente à sua
morte ou resultará em graves sofrimentos permanentes ou difíceis de suportar. O autor do crime é punido com
a pena aplicável ao incitamento ao suicídio, tipificado no n.º 1 do mesmo artigo, ou à ajuda ao suicídio,
incriminada no n.º 2, mas especialmente atenuada e reduzida. A pena prevista no n.º 1 (incitamento) é de 4 a
8 anos de prisão, a do n.º 2 (ajuda) de 2 a 5 anos de prisão. Aplica-se pena de 6 a 10 anos de prisão se da
ajuda resultar a morte do suicida (n.º 3 do artigo 143.º).23
Com importância capital para analisar a forma como o ordenamento jurídico espanhol trata as restantes
formas de eutanásia, importa atermo-nos também à Lei n.º 41/2002, de 14 de novembro, que, constituindo
uma lei básica, regula a autonomia do paciente e os seus direitos e obrigações em matéria de informação e
documentação clínica.
Tendo-se como pano de fundo o princípio da dignidade do ser humano, vinca-se que o respeito pela
autonomia da vontade e privacidade da pessoa deve guiar todas as atividades destinadas a obter, usar,
guardar e transmitir informações e documentação clínica. Toda a atuação neste domínio requer, em regra, o
consentimento escrito do paciente, o qual pode recusar quaisquer tratamentos que lhe sejam sugeridos. Os
médicos e corpos clínicos são obrigados a respeitar a vontade do doente (artigo 2.º).
De entre as definições constantes do artigo 3.º, destaca-se, com relevância direta para a matéria sob
análise, a noção de «consentimento informado»: a aceitação livre, voluntária e consciente de um paciente,
manifestada no pleno uso das suas faculdades depois de ser posto ao corrente da informação adequada, para
que determinada atuação médica que afete a sua saúde tenha lugar.24
O consentimento é, em regra, verbal, mas é obrigatório que seja prestado por escrito nos casos de
intervenção cirúrgica, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e, em geral, aplicação de
procedimentos que impliquem riscos ou inconvenientes de notória e previsível repercussão negativa sobre a
saúde do paciente (n.º 2 do artigo 8.º).
Sendo o próprio paciente o titular do direito à informação sobre os seus registos e dossiês clínicos e à
preservação da intimidade dos seus dados, os capítulos II e III da lei, compostos pelos artigo 4.º a 7.º,
dedicam-se a regular tais matérias, deixando para os artigos 8.º a 13.º (Capítulo IV) a disciplina da autonomia
da vontade do doente e para os artigos 14.º a 19.º (Capítulo V) as regras sobre a organização e o acesso às
informações constantes da documentação clínica respetiva.25
À semelhança de outras legislações analisadas, também existe a possibilidade de formulação de
testamento vital, no caso espanhol com a particularidade de o testador poder dispor sobre o destino do seu
23 Diz o seguinte o artigo 143.º, na sua versão oficial: “1 – El que induzca al suicidio de otro será castigado con la pena de prisión de cuatro a ocho años. 2 – Se impondrá la pena de prisión de dos a cinco años al que coopere con actos necesarios al suicidio de una persona. 3 – Será castigado con la pena de prisión de seis a diez años si la cooperación llegara hasta el punto de ejecutar la muerte. 4 – El que causare o cooperare activamente con actos necesarios y directos a la muerte de otro, por la petición expresa, seria e inequívoca de éste, en el caso de que la víctima sufriera una enfermedad grave que conduciría necesariamente a su muerte, o que produjera graves padecimientos permanentes y difíciles de soportar, será castigado con la pena inferior en uno o dos grados a las señaladas en los números 2 y 3 de este artículo.” 24 No texto original, lê-se o seguinte, relativamente ao conceito de “consentimento informado”: “la conformidad libre, voluntaria y consciente de un paciente, manifestada en el pleno uso de sus facultades después de recibir la información adecuada, para que tenga lugar una actuación que afecta a su salud.” Transcreve-se também a definição legal de “médico responsável”, que é a seguinte: “el profesional que tiene a su cargo coordinar la información y la asistencia sanitaria del paciente o del usuario, con el carácter de interlocutor principal del mismo en todo lo referente a su atención e información durante el proceso asistencial, sin perjuicio de las obligaciones de otros profesionales que participan en las actuaciones asistenciales.” 25 Para além da análise estrita do articulado da lei, servimo-nos ainda de respostas apresentadas pelo Parlamento espanhol no âmbito do CERDP.
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corpo e órgãos uma vez falecido.26
Sem prejuízo do que aqui é explicado sobre o ordenamento jurídico espanhol em vigor, o portal da
Associação Derecho a Morir Dignamente dá-nos conta de já ter sido apresentada uma proposta legislativa que
preconiza a legalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, presentemente sob debate.
HOLANDA
A eutanásia e o suicídio assistido são regulados numa lei designada, em inglês, por Termination of Life
Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, nos termos da qual ambos os atos são permitidos.
O regime desta lei foi estabelecido em articulação com as secções 293 (sobre o homicídio a pedido da
vítima) e 294 (sobre o suicídio assistido) do Código Penal holandês, ficando estes adaptados em
conformidade.27
De acordo com o n.º 1 da citada secção 293, comete crime quem mata alguém a seu pedido expresso e
sério. O n.º 2 do mesmo preceito excetua a responsabilidade quando o crime é cometido por um médico que
cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da lei avulsa acima citada.
A irresponsabilização criminal do ato do médico ocorre também no caso do suicídio assistido previsto no n.º
1 da secção 294 do Código Penal, por via do disposto no n.º 2, o qual remete, mutatis mutandis, para a causa
de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 da secção 293.
Os pressupostos para a realização do ato passam por obedecer ao desejo do doente, que deve estar
consciente, num sofrimento insuportável, sem perspetivas ou esperanças de melhoras. O pedido nunca pode
provir de um familiar ou um amigo. O ato tem de resultar de solicitação do doente, reiterada e convicta, sendo
a morte provocada a única saída. Mas nem sempre os doentes têm o direito a esta prática nem o médico a
obrigação de a levar a cabo.
Para respeitar os critérios exigidos na lei, o médico deve ter noção de que está a cumprir na íntegra a
vontade do doente, depois de o ter informado escrupulosamente do seu estado de saúde e ter verificado que o
doente está num estado terminal, em grande sofrimento físico e psicológico. Tem a obrigação legal de reportar
cada caso, depois de ter sido consumado, ao médico patologista municipal e ambos à Comissão de Controlo
da Eutanásia.
Todas estas condições são detalhadamente discriminadas no artigo 2.º do Termination of Life on Request
and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, o qual, para além disso, obriga a que seja consultado pelo
menos mais um médico que, examinando o doente, confirme a verificação dessas circunstâncias.
A eutanásia é o fim de vida a pedido do doente e praticada por um médico, ministrado através de uma
substância adequada. No suicídio assistido é o doente que toma a substância fornecida pelo médico.
Se os pressupostos consignados na lei não forem cumpridos, o médico pode ser acusado da prática de um
crime, a que se aplicam penas que vão até aos 12 anos de prisão, nos casos de eutanásia, e até aos 3 anos,
nos de suicídio assistido. No entanto, o médico tem direito à objeção de consciência, no sentido de poder
recusar a prática do ato.
No caso dos doentes terminais que já tenham eutanásia agendada mas que entretanto ficam em estado de
semi-inconsciência ou inconsciência total e revelem sinais de grande sofrimento, o médico pode, ainda assim,
26 N.º 1 do artigo 11.º, segundo o qual, no texto original: “Por el documento de instrucciones previas, una persona mayor de edad, capaz y libre, manifiesta anticipadamente su voluntad, con objeto de que ésta se cumpla en el momento en que llegue a situaciones en cuyas circunstancias no sea capaz de expresarlos personalmente, sobre los cuidados y el tratamiento de su salud o, una vez llegado el fallecimiento, sobre el destino de su cuerpo o de los órganos del mismo. El otorgante del documento puede designar, además, un representante para que, llegado el caso, sirva como interlocutor suyo con el médico o el equipo sanitario para procurar el cumplimiento de las instrucciones previas.” 27 Na versão em inglês anexada, referem as secções 293 e 294, na nova redação introduzida por tal lei, o seguinte: “Section 293 1 – Any person who terminates the life of another person at that other person’s express and earnest request, shall be liable to a term of imprisonment not exceeding twelve years or a fine of the fifth category. 2 – The offence referred to in subsection (1) shall not be punishable, if it is committed by a medical doctor who meets the requirements of due care referred to in section 2 of the Termination of Life on Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act [Wet Toetsing Levensbeëindiging op Verzoek en Hulp bij Zelfdoding] and who informs the municipal forensic pathologist in accordance with section 7(2) of the Burial and Cremation Act [Wet op de Lijkbezorging]. Section 294 1 –Any person who intentionally incites another person to commit suicide shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. 2 – Any person who intentionally assists in the suicide of person or provides him with the means thereto shall, if suicide follows, be liable to
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praticar o ato. Para estas situações em concreto, tão complicadas eticamente, o médico tem de consultar a
Royal Dutch Medical Association, a pedido do Board of Procurators General of the Public Prosecution Office e
do Healthcare Inspectorate.
Através de diretivas antecipadas, as pessoas têm a possibilidade de manifestar por escrito o seu desejo,
perante eventuais situações de doença, sobre se pretendem a eutanásia ou o suicídio assistido. O documento
deve ser claro, objetivo e sem dar origem a interpretações ambíguas da vontade do doente.
Outra situação que tem de ser objeto de manifestação antecipada de vontade diz respeito às demências.
Se não houver um documento escrito em relação a este tipo de doenças, não é permitida a eutanásia, a não
ser que se verifique que a pessoa está em sofrimento extremo, caso em que o médico pode tomar a decisão
de praticar o ato.
Mais discutível é a situação do sofrimento psicológico, à qual as autoridades holandesas ainda não
conseguem oferecer uma resposta decisiva. Têm-se suscitado muitas dúvidas, adensadas por uma decisão
judicial que julgou responsável um psiquiatra que praticara suicídio assistido numa pessoa padecendo de
doença psicológica, mas que foi dispensado de pena. A título de curiosidade, a instância disciplinar médica
competente chegou à mesma conclusão.
Os menores podem pedir a eutanásia a partir dos 12 anos com o consentimento dos pais ou dos
representantes legais. A partir dos 16 anos têm a possibilidade de tomar a decisão sozinhos, mas os pais
deverão estar envolvidos no processo. Atingidos os 18 anos de idade, passam a ter direito de a solicitar sem
autorização ou aconselhamento parental.
As pessoas têm também a possibilidade, através da utilização de um cartão com a frase «Não Ressuscite»,
que devem sempre transportar consigo, de não serem reanimadas ou ressuscitadas numa situação médica de
emergência. Este cartão deve ter o nome, idade, assinatura e fotografia da pessoa e a referência a diretivas
antecipadas da vontade que porventura existam.
Os médicos têm permissão, em situações excecionais definidas na lei28, de executar a eutanásia a recém-
nascidos e, em situações de graves anomalias detetadas no feto, praticar o aborto no termo do período de
gestação.
Por último, os cuidados paliativos devem ser prestados através de sedação, para mitigar ou diminuir o
sofrimento em fim de vida e não para matar. É admissível em doentes cuja expetativa de vida não seja
superior a duas semanas. Esta decisão é tomada pelo doente ou por parentes próximos e/ou pelos
profissionais de saúde.
É ainda de referir que só pessoas de nacionalidade holandesa podem solicitar a eutanásia e a morte
assistida.
Na Holanda são disponibilizados guias didáticos oficiais para elucidação do tema, distribuídos,
designadamente, em estabelecimentos de saúde, um dos quais, muito completo, pode ser consultado em
http://www.bioeticanet.info/eutanasia/lleieuhol.pdf.
A página eletrónica da Royal Dutch Medical Association (KPMG), situada em http://www.knmg.nl/Over-
KNMG/About-KNMG.htm, contém as normas e procedimentos a observar pelo corpo clínico quando se apreste
a praticar o ato.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em
apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), as seguintes
iniciativas legislativas sobre matéria conexa com a presente:
Projeto de lei n.º 418/XIII (2.ª) (PAN) – “Regula o acesso à morte medicamente assistida”;
a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. Section 293(2) shall apply mutatis mutandis.”
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Projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) (BE) – “Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por
decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento
duradouro e insuportável, não é punível”, e
Projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) (PEV) – “Define o regime e as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível”.
Petições
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verifica-se que esteve também em apreciação
na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a petição n.º 103/XIII (1.ª) –
Solicitam a despenalização da morte assistida, de que foi primeiro subscritor o Movimento Cívico «Direito a
morrer com dignidade», que reuniu 8428 assinaturas, deu entrada na Assembleia da República a 26 de abril
de 2016, foi objeto de relatório final da Comissão em 30 de novembro de 2016 e mereceu apreciação em
Plenário em 2 de fevereiro de 2017, estando pois arquivada.
Em apreciação na mesma Comissão encontra-se a petição n.º 250/XIII (2.ª) – Toda a Vida tem Dignidade,
de que é primeira peticionante a Federação Portuguesa pela Vida e outros 14195 subscritores, e que deu
entrada na Assembleia da República em 25 de janeiro de 2017. A Comissão constituiu, tal como fizera para a
Petição n.º 103/XIII, um grupo de trabalho que realiza audições e reúne contributos escritos sobre a matéria,
tendo em vista a aprovação do respetivo relatório final.
V. Consultas e contributos
A Comissão promoveu, em 19 de abril de 2018, a consulta escrita das seguintes entidades institucionais:
Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos Advogados,
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Ordem dos Médicos, Ordem dos Psicólogos e Ordem
dos Enfermeiros.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
Considerando que a iniciativa preconiza a criação da Comissão de Verificação e Avaliação dos
Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte (CVA), de funcionamento no âmbito da Assembleia da
República, que «assegura os encargos com o seu funcionamento e o apoio técnico e administrativo
necessários», sugere-se, para ponderação pelo Relator nomeado e pela Comissão, que seja também
solicitada a emissão de parecer escrito pelo Conselho de Administração da Assembleia da República, tendo
em conta as competências que lhe são atribuídas pelo artigo 15.º da Lei de Organização e Funcionamento da
Assembleia da República, aprovada pela Lei n.º 77/88, de 1 de julho, e subsequentemente alterada.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar eventuais encargos resultantes
da aprovação da presente iniciativa. Não obstante, a presente iniciativa parece poder implicar encargos
orçamentais, pelo menos, para o Orçamento da Assembleia da República, ao prever a criação de uma
Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, junto da
Assembleia da República, que asseguraria os encargos com o seu funcionamento e o necessário apoio
técnico e administrativo.
28 Cujo texto pode ser verificado em http://cyber.law.harvard.edu/population/abortion/Nether.abo.htm.
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Nota Técnica
Projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) – Define o regime e as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível
Data de admissão: 23 de abril de 2018.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. ANÁLISE SUCINTA DOS FACTOS, SITUAÇÕES E REALIDADES RESPEITANTES À INICIATIVA
II. APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE DOS REQUISITOS FORMAIS, CONSTITUCIONAIS E
REGIMENTAIS E DO CUMPRIMENTO DA LEI FORMULÁRIO
III. ENQUADRAMENTO LEGAL E DOUTRINÁRIO E ANTECEDENTES
IV. INICIATIVAS LEGISLATIVAS E PETIÇÕES PENDENTES SOBRE A MESMA MATÉRIA
V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS
VI. APRECIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA APROVAÇÃO E DOS PREVISÍVEIS ENCARGOS COM A
SUA APLICAÇÃO
Elaborada por: Paula Faria (BIB), José Manuel Pinto (DILP), José Filipe Sousa (DAPLEN) e Nélia Monte Cid
(DAC).
Data: 8 de maio de 2018
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
O presente projeto de lei, da iniciativa dos dois Deputados do Grupo Parlamentar do PEV, visa definir as
condições e estabelecer o procedimento específico da morte medicamente assistida, alterando
concomitantemente o Código Penal, no sentido da sua despenalização.
Invocam os proponentes a necessidade de concretização do “debate no Parlamento, sobre a
despenalização da morte assistida”, iniciado com a petição n.º 103/XIII (1.ª), para o qual o PEV anunciou que
“contribuiria inequivocamente (…) e para a busca de resultados”. Explicam que o Projeto de Lei materializa
esse anúncio, visando “contribuir para um debate não no plano teórico, mas sim sustentado em propostas
concretas”, “para que possa haver uma consequência efetiva na garantia da dignidade da pessoa humana”.
De acordo com a exposição de motivos da iniciativa, é a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio
constitucional, que sustenta a iniciativa, no sentido de que “uma pessoa que padece garantida e
inequivocamente de uma doença sem cura, irreversível e fatal, causadora de um sofrimento intolerável e atroz”
deve poder solicitar que “por compaixão lhe permitam não viver dessa forma e que a ajudem a antecipar a
morte de forma tranquila e indolor”. Considera o proponente que se trata de “respeitar a vontade do titular do
direito à vida. E trata-se de não lhe impor o dever ou a obrigação de viver a sofrer grave e intoleravelmente”,
enfatizando que “em absolutamente nada, contribui para reduzir, aligeirar ou desresponsabilizar o Estado
relativamente ao seu dever de garantir o acesso dos doentes aos cuidados paliativos e de assegurar uma boa
rede de cuidados continuados”.
Acrescentam os proponentes que a iniciativa acautela o “pressuposto” da “garantia de não influência ou
pressão, de qualquer ordem, sobre a pessoa em causa”, no sentido de ninguém ser obrigado a “escolher a
antecipação da sua morte” e, do mesmo modo, a iniciativa prevê o direito à objeção de consciência por parte
dos profissionais de saúde.
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Invocando o facto de “a autodeterminação do doente [ter vindo a fazer] o seu caminho”, os proponentes
observam que a salvaguarda do bem jurídico vida inclui também “o direito a decidir como e quando se quer
terminá-lo”, num “processo ponderado, cuidado e respeitador sobretudo do doente, mas também da sua
família”, com a participação de vários intervenientes e apenas em hospitais públicos, com início em “pedido
voluntário e livre, sério, reiterado, expresso, escrutinável do doente”, “consciente, capaz, informado e maior de
idade”.
A par da alteração dos artigos 134.º (Homicídio a pedido da vítima), 135.º (Incitamento ou ajuda ao
suicídio) e 139.º (Propaganda do suicídio) do Código Penal, no sentido de tornar não puníveis as condutas de
homicídio a pedido ou de ajuda ao suicídio praticadas por médico e “demais pessoal clínico que o assista”,
cumprindo integralmente os procedimentos e condições previstos na lei”, bem como de tornar não punível,
distinguindo-a da propaganda, a prestação de informação por médico ou enfermeiro, a pedido expresso de
outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido (artigo 139.º) “, a iniciativa dispõe nos seus artigos 3.º a
14.º sobre o procedimento:
Definindo as condições, pressupostos e método da morte medicamente assistida – praticada de forma
indolor e tranquila compatível com os conhecimentos médicos e científicos; a pessoa “em situação de
profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável”, sem “esperança de melhoria clínica”; “em estado
terminal ou com lesão altamente incapacitante e definitiva”, sob “pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante
e expresso”, com garantia da sua “consciência, liberdade, esclarecimento e capacidade”, unicamente mediante
a “administração de fármacos letais”;
Estabelecendo os requisitos, condições e forma do pedido – doente maior, com nacionalidade
portuguesa ou residência legal em Portugal, em tratamento ou acompanhamento no Serviço Nacional de
Saúde; que não sofra de doença mental ou psíquica ou seja considerado juridicamente incapaz; pedido sério,
livre, pessoal, reiterado, instante, expresso, consciente e informado; sob a forma escrita, assinado na presença
do médico que acompanha o doente (titular), após informação detalhada da sua situação clínica, evolução,
alternativas terapêuticas, possibilidade de invocação de objeção de consciência e designação de outro
médico; possibilidade de revogação do pedido a qualquer momento e sem exigência de fundamentação;
Regulando o procedimento inicial no estabelecimento de saúde – contacto da Direção do
estabelecimento com os familiares ou outras pessoas indicadas pelo doente e solicitação de relatório ao
médico titular;
Prevendo a criação de Comissões de Verificação, uma por cada Administração Regional de Saúde
(ARS) – composição, nomeação (pela ARS, pelas Ordens dos Médicos, dos Enfermeiros e dos Advogados e
pelo Conselho Superior do Ministério Público, mandato (5 anos), remetendo-se para regulamentação a forma e
apoios ao seu funcionamento;
Regulando o procedimento a seguir nas Comissões de Verificação – verificação da conformidade legal
do pedido; solicitação de relatório de avaliação a um médico psiquiatra reconhecido, com possibilidade de
solicitação de outros relatórios de avaliação médica; agendamento de reiteração do pedido; exigência
cumulativa de relatórios favoráveis do médico titular e da avaliação psiquiátrica; possibilidade de reanálise a
pedido do doente;
Conclusão do procedimento: deliberação da Comissão de Verificação, reiteração do pedido, realização
em estabelecimento do SNS, com presença obrigatória do médico e equipa de profissionais de saúde e das
pessoas escolhidas pelo doente; última manifestação da vontade de antecipação da morte; certificação do
óbito;
Definição do direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde e a isenção de sanções
disciplinares em relação aos que participem no processo;
Previsão de uma cláusula de avaliação legislativa do regime a aprovar, através de uma Comissão de
Avaliação – a criar em regulamentação própria, com obrigação de apresentação à Assembleia da República e
ao Governo de relatórios estatísticos;
Determinação de regulamentação da Lei a aprovar no prazo de 6 meses;
Início de vigência no dia seguinte ao da publicação.
Será útil recordar que a matéria objeto da presente iniciativa tem sido objeto de prolongado debate na
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Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a propósito das petições n.os 103/XIII
(1.ª) e 250/XIII (2.ª), que motivaram a criação de grupos de trabalho próprios (1 e 2), os quais recolheram
contributos escritos e promoveram as seguintes audições, elementos instrutórios detalhados no relatório final
da petição n.º 103/XIII (cuja apreciação pela Assembleia da República se encontra já concluída) e consultáveis
nas páginas das petições:
Petição n.º 103/XIII (1.ª)
11-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor Manuel Costa Andrade – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
10-GT-DMA-XIII XIII Professor Doutor José Francisco de Faria Costa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
9-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
2016-07-12
8-GT-DMA-XIII XIII Juiz Conselheiro Dr. José Adriano Machado Souto de Moura 2016-07-06
7-GT-DMA-XIII XIII Professora Doutora Teresa Beleza – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
2016-07-06
6-GT-DMA-XIII XIII Bastonária da Ordem dos Enfermeiros 2016-06-30
5-GT-DMA-XIII XIII Bastonário da Ordem dos Médicos 2016-06-30
4-GT-DMA-XIII XIII Professora Luísa Neto – Faculdade de Direito da Universidade do Porto
2016-06-29
3-GT-DMA-XIII XIII Professor Jorge Reis Novais – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
2016-06-29
2-GT-DMA-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – CNECV 2016-06-23
1-GT-DMA-XIII XIII Comissão Representativa do Movimento Cívico "Direito a morrer com dignidade"
2016-06-22
Petição n.º 250/XIII (2.ª)
8-GT-TVTD-XIII XIII Dr. José Manuel de Paiva Jara (psiquiatra);Dr. João Oliveira (Médico);Dr. Ramon de La Féria (Médico-Cirurgião)
2018-02-09
7-GT-TVTD-XIII XIII
Prof.º Dr. Tiago Duarte, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, Jurista (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra);Dr. Guilherme da Fonseca, Juiz Conselheiro Jubilado;Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira Leite, Penalista (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa);Prof.ª Dr.ª Inês Fernandes Godinho, Penalista, Professora Universitária
2018-02-08
6-GT-TVTD-XIII XIII Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos;Associação Portuguesa de Bioética (APB);Comissão Nacional de Justiça e Paz;Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida
2018-02-01
5-GT-TVTD-XIII XIII Audição da Diretora-Geral da Saúde 2017-12-06
4-GT-TVTD-XIII XIII Dr. António Cluny 2017-06-06
3-GT-TVTD-XIII XIII Ordem dos Advogados 2017-05-23
2-GT-TVTD-XIII XIII Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida 2017-04-26
1-GT-TVTD-XIII XIII Federação Portuguesa pela Vida 2017-04-19
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
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cumprimento da lei formulário
O projeto de lei n.º 838/XIII (3.ª) é subscrito por dois Deputados do Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista «Os Verdes» ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do
Regimento da Assembleia da República (doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei.
Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b)
do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo
180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento,
encontra-se redigido sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
Regimento.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei não parece infringir princípios constitucionais e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Não obstante, a presente iniciativa legislativa parece acarretar encargos orçamentais, designadamente ao
prever a criação de uma Comissão de Avaliação pelo Governo, nos termos do artigo 13.º, e de Comissões de
Verificação, por cada área de Administração Regional de Saúde, previstas no artigo 7.º.
Tendo em conta que a iniciativa prevê que a sua entrada em vigor será no dia seguinte ao da publicação
como lei, e que o artigo 15.º do projeto de lei prevê a sua regulamentação pelo Governo no prazo de seis
meses, resulta da aprovação da iniciativa e da respetiva regulamentação a criação de encargos com reflexos
orçamentais.
Caso se pretenda garantir a plena salvaguarda do princípio consagrado no n.º 2 do artigo 167.º da
Constituição e n.º 2 do artigo 120.º do Regimento, que limita a apresentação de iniciativas que “envolvam, no
ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no
Orçamento”, conhecido por lei-travão, poder-se-á analisar a possibilidade de alterar a norma sobre vigência,
para que o início de vigência ou produção de efeitos desta iniciativa não possa ocorrer antes da entrada em
vigor do Orçamento do Estado subsequente.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 20 de abril de 2018. Foi admitido e baixou na generalidade à
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), com conexão para a Comissão
de Saúde (9.ª) a 23 de abril, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, tendo sido
anunciado em sessão plenária no dia 24 de Abril e a respetiva discussão na generalidade encontra-se
agendada, conjuntamente com a de outras iniciativas de objeto idêntico, para a reunião plenária de dia 29 de
maio – cfr. Súmula da Conferência de Líderes n.º 65, de 2 de maio de 2018.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – “Define o regime e as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível” –traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do
artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário1, embora, em caso de
aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento, em sede de apreciação na especialidade ou em redação
final.
O n.º 1 do artigo 6.º da referida lei formulário determina que “os diplomas que alterem outros devem indicar
o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles
diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas”,
Consultado o Diário da República Eletrónico, verifica-se que o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
400/82, de 23 de setembro, foi alterado até à data por quarenta e cinco diplomas2, pelo que se sugere à
1 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 2 Lei n.º 6/84, de 11 de maio, Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001,
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Comissão o seguinte aperfeiçoamento do título:
“Define o regime e as condições para a morte medicamente assistida não punível, procedendo à
quadragésima sexta alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de
setembro”.
Os autores não promoveram a republicação, em anexo, do Código Penal, nem se verificam quaisquer dos
requisitos de republicação de diplomas alterados, previstos no artigo 6.º da lei formulário, uma vez que a
presente iniciativa, procedendo à alteração a um código, se enquadra na exceção constante na alínea a) do
n.º 3 desse artigo3.
Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 16.º da iniciativa estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, estando em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º
da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos “entram em vigor no dia neles fixado,
não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação”.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
A matéria objeto da iniciativa legislativa em apreço foi já objeto do projeto de lei n.º 418/XIII, apresentado
pelo PAN, do projeto de lei n.º 773/XIII, apresentado pelo BE, e do projeto de lei n.º 832/XIII, apresentado pelo
PS, sobre idêntica matéria, justificando-se, assim, reproduzir o que se expôs nas respetivas notas técnicas.
Por seu turno, o enquadramento legislativo nacional em vigor também já foi detalhado em estudo
comparativo da DILP, justamente intitulado “Eutanásia e Suicídio Assistido”.
Relembramos aqui, com mais brevidade, o contexto legislativo vigente, completando-o com alusões a
alguns diplomas que não foram abordados no referido estudo, circunscrito à análise de algumas questões
centrais sobre o tema geral da morte assistida.
Partindo da distinção entre as diferentes formas de eutanásia, explicada nesse estudo, é de salientar que a
eutanásia ativa continua a ser considerada crime, embora punível de forma especialmente atenuada, seja à
luz do artigo 133.º (como homicídio privilegiado), seja de acordo com o artigo 134.º (homicídio a pedido da
vítima) do Código Penal4.5
No primeiro caso, que tem por fundamento a diminuição sensível da culpa do agente, a pena de prisão é
reduzida, quando comparada com a que se aplica ao homicídio simples, para 1 a 5 anos, se ocorrer um dos
motivos determinantes do autor nele previstos, que consistem em ter sido dominado, ao cometer a conduta,
por “compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral”.
No segundo caso, que constitui um tipo específico de homicídio com uma atenuação ainda maior da pena
abstrata aplicável, o agente é “determinado por pedido sério, instante e expresso” da vítima, sendo punido com
pena de prisão até 3 anos. Considera-se que neste caso a culpa é diminuta, justificando a diminuição da
moldura penal.
de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, 60/2013, de 23 de agosto, Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, Leis n.os 59/2014, de 26 de agosto, 69/2014, de 29 de agosto, e 82/2014, de 30 de dezembro, Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, e Leis n.os 30/2015, de 22 de abril, 81/2015, de 3 de agosto, 83/2015, de 5 de agosto, 103/2015, de 24 de agosto, 110/2015, de 26 de agosto, 39/2016, de 19 de dezembro, 8/2017, de 3 de março, 30/2017, de 30 de maio, 94/2017, de 23 de agosto, 16/2018, de 27 de março 3 “Deve ainda proceder-se à republicação integral dos diplomas que revistam forma de lei, em anexo, sempre que:
a) Existam mais de três alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a Códigos”. 4 Texto consolidado retirado do portal eletrónico do Diário da República. 5 A doutrina divide-se em qual dos dois preceitos o ato se subsume.
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Penalistas como Manuel Lopes Maia Gonçalves6 consideram que a eutanásia se inclui na previsão do
artigo 133.º, sendo de assinalar a posição do autor do projeto inicial de Código Penal manifestada, a este
respeito, na seguinte transcrição das atas da respetiva comissão revisora: “Em relação a esta” (a eutanásia
ativa) “segue-se portanto uma solução intermédia: nem se pune como homicídio nem se deixa de punir. Aliás,
este crime privilegiado tem também por função impedir que os tribunais deixem de punir a eutanásia ativa por
meio de recurso ao princípio da não exigibilidade. Pretende-se a sua punição, mas só dentro dos limites do
artigo.” A distanásia – entende o mesmo penalista – não é punida e a ortotanásia, pese embora a sua
delicadeza, tem sido considerada uma ação justificada e como tal sem relevância criminal. Tem sido entendido
ser ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo
e sofrimento ao doente, pelo que tal interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser
considerada eutanásia ativa (eutanásia passiva ou por omissão), assim como também é ética a aplicação de
medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de
tempo previsível de vida (eutanásia indireta ou eventual).
Outros juristas ainda defendem que algumas situações de eutanásia são passíveis de se reconduzir não
aos artigos 133.º ou 134.º, mas aos casos referidos no n.º 2 do artigo 35.º do Código Penal (estado de
necessidade desculpante, que pode determinar a atenuação especial da pena ou mesmo, excecionalmente, a
dispensa de pena).
Finalmente, incitar outra pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe ajuda para esse fim constitui o crime de
incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto no artigo 135.º do Código Penal, “se o suicídio vier efetivamente a
ser tentado ou a consumar-se”. Tal crime é punível com pena de prisão até 3 anos, agravada (pena de prisão
de 1 a 5 anos) “se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer
motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída”.
Sublinhe-se que, não tendo embora Portugal descriminalizado a prática da eutanásia e do suicídio assistido
em relação a pessoas em estado de doença terminal, já admite o testamento vital, que consiste na formulação
em vida de um “documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma
pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta
antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que
deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a
sua vontade pessoal e autonomamente” (Lei n.º 25/2012, de 16 de julho7, e Portaria n.º 96/2014, de 5 de
maio8).9
Perante o disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, sobre o
conteúdo do testamento vital, afigura-se evidente que, no caso português, as diretivas antecipadas da vontade
cobrem a ortotanásia.
Estabelece o n.º 2 desse artigo 2.º o seguinte:
“2 – Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade as disposições que expressem a
vontade clara e inequívoca do outorgante, nomeadamente:
a) Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
b) Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado no seu quadro clínico e de acordo com
as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às
medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
c) Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no
sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica
sintomática apropriada;
d) Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
e) Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.”
6 “Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado – Legislação Complementar, 18.ª edição, 2007, Almedina”. 7 “Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)”. 8 “Regulamenta a organização e funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV)”. 9 A propósito da conformação do instituto das diretivas antecipadas da vontade, esta legislação acaba por definir também, indiretamente, a
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Além disso, o utente dos serviços tem direito a consentir ou recusar a prestação de cuidados de saúde, a
que corresponde, naturalmente, o correlativo dever de respeitar tal vontade (artigo 3.º da Lei n.º 15/2014, de
21 de março10). Este direito, expressamente consagrado, tem importância fulcral para a compreensão da
questão da eutanásia passiva, permitida nos casos em que o paciente declare não pretender continuar com os
tratamentos.
De entre as normas deontológicas vinculativas para os profissionais de saúde, sublinhamos as que
constam do Estatuto dos Enfermeiros11, cujo artigo 103.º estabelece, sob a epígrafe “Dos direitos à vida e à
qualidade de vida”, o seguinte:
“O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de:
a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as
circunstâncias;
b) Respeitar a integridade biopsicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante.”
Estão ainda intimamente relacionados com a questão central sob análise os artigos 105.º e 108.º do
mesmo Estatuto.
Diz o primeiro o seguinte:
«Artigo 105.º
Do dever de informação
No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume o dever de:
a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa ao consentimento informado;
c) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido de informação ou explicação feito pelo indivíduo
em matéria de cuidados de enfermagem;
d) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter acesso, bem como sobre a maneira de os obter.»
Refere o segundo:
«Artigo 108.º
Do respeito pela pessoa em situação de fim de vida
O enfermeiro, ao acompanhar a pessoa nas diferentes etapas de fim de vida, assume o dever de:
a) Defender e promover o direito da pessoa à escolha do local e das pessoas que deseja que o
acompanhem em situação de fim de vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pela pessoa em situação de fim de
vida, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.»
ortotanásia e a distanásia, descriminalizando-as. 10 “Lei consolidando a legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde”. A ligação eletrónica refere-se ao texto consolidado constante do Diário da República Eletrónico (DRE). 11 Consta de anexo da Lei n.º 156/2015, de 16 de setembro (“Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais”), a qual modificou, republicando, o diploma original que aprovara o Estatuto. O DRE disponibiliza ainda uma versão consolidada do Estatuto dos Enfermeiros.
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Por seu turno, o artigo 138.º do Estatuto da Ordem dos Médicos12 prevê o direito destes profissionais de
saúde à objeção de consciência e o seu Regulamento de Deontologia Médica13 proíbe expressamente a
eutanásia, o suicídio assistido e a distanásia, dando relevo, no respeito pela dignidade do doente no fim da
vida, aos cuidados paliativos (artigos 65.º a 67.º).
Dispõem os preceitos pertinentes desse Regulamento de Deontologia Médica, integrados num capítulo respeitante
ao fim da vida, o seguinte:
«Capítulo II
Fim da vida
Artigo 65.º
O fim da vida
1 – O médico deve respeitar a dignidade do doente no momento do fim da vida.
2 – Ao médico é vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia.
Artigo 66.º
Cuidados paliativos
1 – Nas situações de doenças avançadas e progressivas cujos tratamentos não permitem reverter a sua
evolução natural, o médico deve dirigir a sua ação para o bem-estar dos doentes, evitando a futilidade
terapêutica, designadamente a utilização de meios de diagnóstico e terapêutica que podem, por si próprios,
induzir mais sofrimento, sem que daí advenha qualquer benefício.
2 – Os cuidados paliativos, com o objetivo de minimizar o sofrimento e melhorar, tanto quanto possível, a
qualidade de vida dos doentes, constituem o padrão do tratamento nas situações a que o número anterior se
refere.
Artigo 67.º
Morte
1 – O uso de meios de suporte artificial de funções vitais deve ser interrompido após o diagnóstico de morte
do tronco cerebral, com exceção das situações em que se proceda à colheita de órgãos para transplante.
2 – Este diagnóstico e correspondente declaração devem ser verificados, processados e assumidos de
acordo com os critérios definidos pela Ordem.
3 – O uso de meios extraordinários de manutenção de vida deve ser interrompido nos casos irrecuperáveis
de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando da continuação de tais terapêuticas não resulte benefício
para o doente.
4 – O uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a
vontade do doente.
5 – Não se consideram meios extraordinários de manutenção da vida, mesmo que administrados por via
artificial, a hidratação e a alimentação ou a administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio
suplementar.»
Finalmente, a Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro, denominada Lei de Bases dos Cuidados Paliativos,
consagra a linha de orientação que se deteta nos códigos deontológicos, erigindo os cuidados paliativos a
direito do doente terminal (Base IV, alínea c), e Base V, n.º 1), qualificando a obstinação terapêutica como má
prática clínica e infração disciplinar (Base IV, alínea a), e Base XXXII), criando a Rede Nacional de Cuidados
Paliativos (RNCP) e integrando na RNCP as unidades e equipas criadas no âmbito do Decreto-Lei n.º
12 Versão atualizada e republicada em anexo à Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto (“Segunda alteração ao Estatuto da Ordem dos Médicos, conformando-o com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, revogando o Decreto-Lei n.º 217/94, de 20 de agosto”). 13 Regulamento da Ordem dos Médicos n.º 707/2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2016.
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101/2006, de 6 de junho, que criou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (Base XXXIV)14.
Tenha-se em conta que o projeto de lei em apreciação procede à despenalização da eutanásia e do
suicídio assistido através de um regime jurídico inovatório, combinado com alterações às disposições do
Código Penal pertinentes, quando praticados tais atos, em determinadas circunstâncias e de acordo com
certos requisitos, apenas por médico ou profissional de saúde. Se cometidos por qualquer outra pessoa, não
deixarão de continuar a ser considerados crimes.
Enquadramento doutrinário/bibliográfico
Bibliografia específica
BARBOSA, Mafalda Miranda – Dignidade e autonomia a propósito do fim da vida. O Direito. Ano 148º
(2016, II). p. 233-282. Cota. RP- 270
Neste artigo são abordados os seguintes tópicos: a eutanásia; o sentido da liberdade; liberdade e
juridicidade; a pessoa como ser de liberdade; a pessoa e os direitos de personalidade, o direito subjetivo; os
direitos de personalidade ancorados na pessoa e não no indivíduo.
A autora considera que “a morte a pedido nunca deixará de consubstanciar um ato ilícito do ponto de vista
do direito civil. O consentimento do ofendido não surge ali para limitar o direito, dentro do que os bons
costumes ou a ordem pública autorizam, mas configura uma renúncia ao direito à vida. Ora, esta renúncia,
porque corta a relação do eu com o tu, atenta diretamente contra a dignidade da pessoa”.
CAÑAMARES ARRIBAS, Santiago – La reciente jurisprudencia del Tribunal de Estrasburgo y del Tribunal
Supremo en Canadá en relación con el derecho a la muerte digna. Revista Española de Derecho
Constitucional. A. 36, n.º 108 (sept. – dic. 2016), p. 337-356. Cota: RE-343
Resumo: As questões relacionadas com o fim da vida têm vindo a adquirir uma enorme importância nas
sociedades ocidentais como consequência do aumento da esperança de vida e da consolidação do direito à
autonomia do doente. A legislação e a jurisprudência comparadas não são uniformes relativamente ao alcance
dessa autonomia. Este artigo analisa as grandes tendências do chamado direito a uma morte digna à luz das
decisões judiciais mais recentes do Tribunal de Estrasburgo e do Supremo Tribunal do Canadá.
COUTO, Gilberto – A eutanásia descodificada: um guia para o debate referendo. Lisboa: Partenon,
2016. ISBN 978-989-8845-00-9. Cota: 28.41 – 77/2017
Resumo: No referenciado estudo, o autor faz uma avaliação crítica dos argumentos a favor e contra a
eutanásia ou morte assistida, para que o leitor possa formar e fundamentar a sua própria opinião sobre este
assunto que interessa a todos. As preocupações aqui expressas prendem-se não tanto com a morte, mas
mais com as opções com que seremos confrontados num processo de morte sob “sofrimento intolerável”.
“Poderá uma pessoa, nestas circunstâncias, consciente e livremente escolher ser ajudada a terminar com a
sua vida?”
EUTANÁSIA? Cuidados paliativos: testemunhos. Lisboa: Alêtheia Editores, 2016. ISBN 978-989-622-
815-6. Cota: 28.41 – 59/2017
Resumo: Esta obra reúne os testemunhos de pessoas que têm vivido por dentro e em diferentes âmbitos a
realidade dos cuidados paliativos (profissionais, voluntários, pessoas doentes e seus familiares). Isabel Galriça
Neto, coordenadora da referida obra, afirma-se contra a legalização da eutanásia e do suicídio assistido,
sublinhando que a solução para esta situação, que atualmente fratura a sociedade portuguesa, não será a
legalização da eutanásia, mas sim o desenvolvimento dos serviços de cuidados paliativos. “Uma lei que
legalizasse a eutanásia por pretenso sofrimento intolerável (…) poderia conduzir a múltiplos abusos com
consequências perigosas (…), passar-se-ia de casos ocasionais de doença terminal para uma dimensão de
milhares de casos por ano, com motivos que vão desde a depressão, o “estar cansado de viver” ou o não
querer ser um fardo para terceiros. É isto que nos mostra a realidade da Holanda e da Bélgica”.
14 Versão consolidada retirada do DRE.
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GODINHO, Inês Fernandes – Eutanásia, homicídio a pedido da vítima e os problemas de
comparticipação em direito penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2015. ISBN: 978-972-32-2308-8. Cota: 12.36
– 127/2015
Resumo: “A problemática da eutanásia assume hoje contornos muito distintos daqueles que assumia na
expressão ‘euthanasia’, utilizada pela primeira vez em contexto médico por Francis Bacon no século XVII, para
se referir a uma tarefa médica: aliviar o sofrimento físico do corpo ao morrer. Na sociedade tardo-moderna, a
problemática coloca-se a partir de um paradoxo fundamental: quando se vive e se pode viver por muito mais
tempo, reclama-se o poder de decidir sobre a própria morte. Nesta sequência, surgem interrogações sobre o
sentido da autodeterminação do doente e sobre os limites da atuação médica. Em contexto médico, a questão
nuclear colocada ao direito penal prende-se com a distinção entre um comportamento eutanásico não punível
e um homicídio a pedido da vítima.
De forma a tratar a questão nuclear colocada, o trabalho encontra-se dividido em duas partes: uma primeira
parte, sobre os novos problemas da lesão do bem jurídico vida humana, e uma segunda parte, sobre
eutanásia e homicídio a pedido da vítima em contexto médico.” [Nota do editor]
LANTERO, Caroline – Euthanasie et suicide assisté. Journal international de bioéthique. Vol. 26, nº esp.
(juil. 2015), p. 227-243. Cota: RE-157
Resumo: A eutanásia e o suicídio assistido não fazem parte das leis francesas de bioética e não dispõem,
por enquanto, de enquadramento normativo a não ser no que diz respeito à repressão em termos penais. Para
que estes conceitos venham a ser transformados num direito, é necessário desenvolver um debate ao nível da
ética e do direito. Este artigo tem por objetivo questionar as ideias a serem consideradas, as bases
conceptuais e as ferramentas normativas que podem ser úteis para a discussão.
REAL, Miguel – Manifesto em defesa de uma morte livre. Lisboa: Edições Parsifal, 2015. ISBN: 978-989-
8760-05-0. Cota: 28.41 – 116/2015
Resumo: Este Manifesto em Defesa de uma Morte Livre pretende ser um contributo para fomentar um
debate que não pode ser ignorado e que cada vez mais se impõe. O autor defende a legalização da eutanásia
como modo de pôr termo a um corpo em sofrimento irremediável e irrevogável. Segundo o mesmo: “a
eutanásia deve legal e moralmente obedecer a princípios racionais (liberdade e dignidade humanas) e
assentar no princípio ético da bondade ativa (…). Deve obedecer ao princípio ético da liberdade, e, deste
modo, a medicina deve respeitar o desejo voluntário do paciente ou, caso este esteja impossibilitado de se
manifestar, dos seus legítimos representantes. (…) Deve obedecer ao princípio ético da compaixão ativa,
promovendo legislação rigorosíssima adequada e comissões de permanente monitorização e fiscalização da
sua prática”.
SAGEL-GRANDE, Irene – Eutanásia na Holanda: a evolução da actual regulamentação jurídica, sua prática
e um novo projecto de lei-quadro. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. A. 38, n.º 152
(out./dez. 2017) p. 93-134. Cota: RP – 179
Resumo: O presente artigo descreve a evolução histórica da regulamentação da eutanásia na Holanda. A
atual regulamentação da eutanásia não é uma descriminalização no sentido estrito do termo. Pôr termo a uma
vida humana a pedido e prestar auxílio ao suicídio continuam a ser puníveis. Contudo, pode não haver
punição, caso um número de requisitos pré-definidos estejam preenchidos, requisitos esses que foram sendo
clarificados lentamente pela prática. “Esta experiência foi desenvolvida na prática forense no contexto da
aplicação do princípio da oportunidade e obteve uma base legal específica com a introdução da Lei da
Eutanásia em 2002 sob a forma de causas de exclusão da ilicitude.” Atualmente, existe um novo projeto de lei
sobre vida concluída que certamente vai suscitar intenso debate, uma vez que o novo governo representa uma
coligação de partidos políticos de direita e de esquerda que têm posições muito distintas relativamente a esta
matéria.
VERREL, Torsten – Can we legally regulate dying? The need for legislation in Germany. In O sentido e o
conteúdo do bem jurídico da vida humana. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2028-5.
Cota 12.36 – 114/2014
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Resumo: Segundo as palavras do autor, embora no domínio do direito tenha existido, desde há muitos
anos, um amplo consenso sobre os casos permitidos de eutanásia e os tribunais penais tenham procurado
salvaguardar as decisões de fim de vida (testamento vital), existe uma enorme incerteza jurídica na Alemanha,
não só entre médicos, mas também entre profissionais do direito.
O autor defende que existe uma necessidade urgente de regular, no código penal alemão, os requisitos
necessários para se poder renunciar aos tratamentos de prolongamento da vida, para além do ponto em que a
vida continua a ter algum valor ou benefício para o doente. A questão não é regulamentar legalmente a morte,
mas, em particular, fornecer aos médicos um quadro legal, no qual eles tenham a capacidade e a coragem de
agir com responsabilidade e ética sem medo do direito penal.
Enquadramento internacional
O enquadramento internacional da questão, no plano da comparação com legislação estrangeira, foi já feito
pela DILP no dossiê temático intitulado “Eutanásia e Suicídio Assistido”. Trata-se de um estudo comparativo
que colige dados, embora nalguns casos de forma telegráfica, relativos a 32 diferentes ordenamentos
jurídicos.
Para além disso, a documentação produzida a propósito da apreciação da petição n.º 103/XIII e respetivo
Grupo de Trabalho contém bastantes elementos para, em conjunto com a numerosa bibliografia existente
sobre a matéria, proporcionar a devida reflexão e ponderação do assunto em discussão, sem esquecer, no
respeito do contraditório, a posição dos que defendem que a eutanásia e o suicídio assistido devem continuar
a ser proibidos, designadamente os subscritores da petição n.º 250/XIII e do projeto de lei n.º 565/XIII (CDS-
PP).
Nesta nota técnica são apenas relembrados exemplos de três países europeus com orientações diferentes,
já tratados no dossiê comparativo supramencionado: um proibindo a morte assistida, nas suas duas vertentes
de eutanásia ativa e ajuda ao suicídio, outro proibindo-a igualmente, mas com projeto legislativo tendente à
sua legalização já apresentado e em debate, e um terceiro permitindo-a e admitindo-a, em determinadas
circunstâncias, para menores de idade.
Países europeus
A legislação comparada é, assim, apresentada para os seguintes Estados-membros da União Europeia:
Bulgária, Espanha e Holanda.
BULGÁRIA
O artigo 97.º de uma lei geral sobre saúde15 proíbe expressamente a prática da eutanásia relativamente a
seres humanos,16 a qual é punida como crime de homicídio (previsto no artigo 115.º do Código Penal17).
Por sua vez, o mesmo Código pune quem ajudar ou persuadir alguém a cometer suicídio com pena de
prisão de 1 a 6 anos, salvo se disser respeito a menor ou pessoa incapaz de controlar os seus
comportamentos ou compreender a essência e significado do ato, caso em que a pena aplicável é a de prisão
de 3 a 10 anos (artigo 127.º, n.os 1 e 2, do Código Penal).18
15 Que, na versão em inglês encontrada, se designa por Health Act. 16 Em resposta a pedido de informação formulado no âmbito do CERDP, os búlgaros salientaram que a eutanásia, não sendo permitida em relação a seres humanos, é-o, no entanto, quanto a animais, desde que nas condições determinadas em legislação específica, designadamente nos casos de animais afetados de doença incurável com mudanças patológicas irreversíveis, dor e sofrimento e de necessidade de limitar e erradicar doenças contagiosas suscetíveis de pôr em perigo a saúde pública e agressividade comportamental de animais que comprovadamente ponha em risco a saúde de seres humanos e outros animais. 17 Versão em inglês. 18 Na versão em inglês consultada, lê-se o seguinte:
“Article 127 (Last amendment, SG No. 26/2010)
(1) (Last amendment, SG No. 26/2010) A person who in any way has assisted or persuaded another to commit suicide, and such an act or even an attempt only has followed, shall be punished by deprivation of liberty for one to six years. (2) For the same crime, committed with respect to a minor, or against a person, about whom the perpetrator has knowledge that he is incapable to manage his actions or that he does not understand the essence and meaning of the act, the punishment shall be deprivation of liberty for three to ten years. (3) A person who through cruel treatment or systematic abasement of the dignity of a person who was in material or other dependency upon him, has lead him to suicide or to an attempt at suicide, having admitted it as possible, shall be punished by deprivation of liberty for
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Compreende a lei avulsa acima mencionada um catálogo mais ou menos completo de direitos e deveres
dos doentes, sob o prisma da proteção da saúde dos cidadãos, que constitui o objeto principal da lei (artigo
1.º).
Na esteira de alguns outros ordenamentos jurídicos, também esta lei regula com algum detalhe o direito
aos cuidados paliativos. Balizado pelo direito essencial do paciente a que todas as atividades médicas sejam
realizadas com o seu consentimento expresso (artigo 87.º19), salvo em determinadas circunstâncias previstas
especialmente na lei (conforme admitido no artigo 91.º), o n.º 1 do artigo 95.º determina que o paciente tem
direito a cuidados médicos paliativos no caso de doenças incuráveis com prognóstico desfavorável. Precisa o
n.º 2 desse preceito, num esforço evidente para delimitar o alcance do conceito, que o objetivo dos cuidados
médicos paliativos é a manutenção da qualidade de vida do doente através da redução ou eliminação de
alguns sintomas imediatos das enfermidades, bem como dos seus efeitos psicológicos e sociais adversos.
De harmonia com o n.º 1 do artigo 96.º, os cuidados médicos paliativos devem incluir:
a) Observação médica;
b) Prestação de cuidados de saúde ao paciente visando eliminar a dor e os efeitos psicológicos e
emocionais da doença;
c) Apoio moral ao paciente e seus familiares.
Os cuidados paliativos devem ser prestados pelo médico de família, por estabelecimentos médicos para
atendimento ambulatório e hospitalar, por dispensários e por hospícios (n.º 2 do artigo 96.º).
ESPANHA
Pune-se a eutanásia sob a alçada do artigo 143.º do Código Penal espanhol, que a considera um subtipo
do crime de auxílio ao suicídio definido, no n.º 4 do artigo 143.º, como o ato de alguém que causa ou coopera
ativamente na prática de atos necessários e diretos para provocar a morte de outra pessoa, a pedido sério,
expresso e inequívoco desta, que esteja a padecer de doença grave que conduzirá necessariamente à sua
morte ou resultará em graves sofrimentos permanentes ou difíceis de suportar. O autor do crime é punido com
a pena aplicável ao incitamento ao suicídio, tipificado no n.º 1 do mesmo artigo, ou à ajuda ao suicídio,
incriminada no n.º 2, mas especialmente atenuada e reduzida. A pena prevista no n.º 1 (incitamento) é de 4 a
8 anos de prisão, a do n.º 2 (ajuda) de 2 a 5 anos de prisão. Aplica-se pena de 6 a 10 anos de prisão se da
ajuda resultar a morte do suicida (n.º 3 do artigo 143.º).20
Com importância capital para analisar a forma como o ordenamento jurídico espanhol trata as restantes
formas de eutanásia, importa atermo-nos também à Lei n.º 41/2002, de 14 de novembro, que, constituindo
uma lei básica, regula a autonomia do paciente e os seus direitos e obrigações em matéria de informação e
documentação clínica.
Tendo como pano de fundo o princípio da dignidade do ser humano, vinca-se que o respeito pela
autonomia da vontade e privacidade da pessoa deve guiar todas as atividades destinadas a obter, usar,
guardar e transmitir informações e documentação clínica. Toda a atuação neste domínio requer, em regra, o
consentimento escrito do paciente, o qual pode recusar quaisquer tratamentos que lhe sejam sugeridos. Os
médicos e corpos clínicos são obrigados a respeitar a vontade do doente (artigo 2.º).
De entre as definições constantes do artigo 3.º, destaca-se, com relevância direta para a matéria sob
análise, a noção de “consentimento informado”: a aceitação livre, voluntária e consciente de um paciente,
two to eight years. (4) If the act under the preceding paragraph has been committed through negligence, the punishment shall be deprivation of liberty for up to three years”. 19 A lei acautela também, nesse artigo, os casos de suprimento da vontade de menores, pessoas com transtornos mentais, inabilitados e incapazes em geral. 20 Diz o seguinte o artigo 143.º, na sua versão oficial: “1 – El que induzca al suicidio de otro será castigado con la pena de prisión de cuatro a ocho años. 2 – Se impondrá la pena de prisión de dos a cinco años al que coopere con actos necesarios al suicidio de una persona. 3 – Será castigado con la pena de prisión de seis a diez años si la cooperación llegara hasta el punto de ejecutar la muerte. 4 – El que causare o cooperare activamente con actos necesarios y directos a la muerte de otro, por la petición expresa, seria e inequívoca de éste, en el caso de que la víctima sufriera una enfermedad grave que conduciría necesariamente a su muerte, o que produjera graves padecimientos permanentes y difíciles de soportar, será castigado con la pena inferior en uno o dos grados a las señaladas en los números 2 y 3 de este artículo.”
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manifestada no pleno uso das suas faculdades depois de ser posto ao corrente da informação adequada, para
que determinada atuação médica que afete a sua saúde tenha lugar.21
O consentimento é, em regra, oral, mas é obrigatório que seja prestado por escrito nos casos de
intervenção cirúrgica, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e, em geral, aplicação de
procedimentos que impliquem riscos ou inconvenientes de notória e previsível repercussão negativa sobre a
saúde do paciente (n.º 2 do artigo 8.º).
Sendo o próprio paciente o titular do direito à informação sobre os seus registos e dossiês clínicos e à
preservação da intimidade dos seus dados, os capítulos II e III da lei, compostos pelos artigo 4.º a 7.º,
dedicam-se a regular tais matérias, deixando para os artigos 8.º a 13.º (Capítulo IV) a disciplina da autonomia
da vontade do doente e para os artigos 14.º a 19.º (Capítulo V) as regras sobre a organização e o acesso às
informações constantes da documentação clínica respetiva.22
À semelhança de outras legislações analisadas, também existe a possibilidade de formulação de
testamento vital, no caso espanhol com a particularidade de o testador poder dispor sobre o destino do seu
corpo e órgãos uma vez falecido.23
Sem prejuízo do que aqui é explicado sobre o ordenamento jurídico espanhol em vigor, o portal da
Associação Derecho a Morir Dignamente dá-nos conta de já ter sido apresentada uma proposta legislativa que
preconiza a legalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, presentemente sob debate.
HOLANDA
A eutanásia e o suicídio assistido são regulados numa lei designada, em inglês, por Termination of Life
Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, nos termos da qual ambos os atos são permitidos.
O regime desta lei foi estabelecido em articulação com as secções 293 (sobre o homicídio a pedido da
vítima) e 294 (sobre o suicídio assistido) do Código Penal holandês, ficando estes adaptados em
conformidade.24
De acordo com o n.º 1 da citada secção 293, comete crime quem mata alguém a seu pedido expresso e
sério. O n.º 2 do mesmo preceito excetua a responsabilidade quando o crime é cometido por um médico que
cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da lei avulsa acima citada.
A irresponsabilização criminal do ato do médico ocorre também no caso do suicídio assistido previsto no n.º
1 da secção 294 do Código Penal, por via do disposto no n.º 2, o qual remete, mutatis mutandis, para a causa
de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 da secção 293.
Os pressupostos para a realização do ato passam por obedecer ao desejo do doente, que deve estar
consciente, num sofrimento insuportável, sem perspetivas ou esperanças de melhoras. O pedido nunca pode
provir de um familiar ou um amigo. O ato tem de resultar de solicitação do doente, reiterada e convicta, sendo
21 No texto original, lê-se o seguinte, relativamente ao conceito de “consentimento informado”: “la conformidad libre, voluntaria y consciente de un paciente, manifestada en el pleno uso de sus facultades después de recibir la información adecuada, para que tenga lugar una actuación que afecta a su salud.” Transcreve-se também a definição legal de “médico responsável”, que é a seguinte: “el profesional que tiene a su cargo coordinar la información y la asistencia sanitaria del paciente o del usuario, con el carácter de interlocutor principal del mismo en todo lo referente a su atención e información durante el proceso asistencial, sin perjuicio de las obligaciones de otros profesionales que participan en las actuaciones asistenciales.” 22 Para além da análise estrita do articulado da lei, servimo-nos ainda de respostas apresentadas pelo Parlamento espanhol no âmbito do CERDP. 23 N.º 1 do artigo 11.º, segundo o qual, no texto original: “Por el documento de instrucciones previas, una persona mayor de edad, capaz y libre, manifiesta anticipadamente su voluntad, con objeto de que ésta se cumpla en el momento en que llegue a situaciones en cuyas circunstancias no sea capaz de expresarlos personalmente, sobre los cuidados y el tratamiento de su salud o, una vez llegado el fallecimiento, sobre el destino de su cuerpo o de los órganos del mismo. El otorgante del documento puede designar, además, un representante para que, llegado el caso, sirva como interlocutor suyo con el médico o el equipo sanitario para procurar el cumplimiento de las instrucciones previas.” 24 Na versão em inglês anexada, referem as secções 293 e 294, na nova redação introduzida por tal lei, o seguinte: “Section 293 1 – Any person who terminates the life of another person at that other person’s express and earnest request, shall be liable to a term of imprisonment not exceeding twelve years or a fine of the fifth category. 2 – The offence referred to in subsection (1) shall not be punishable, if it is committed by a medical doctor who meets the requirements of due care referred to in section 2 of the Termination of Life on Request and Assisted Suicide (Review Procedures) Act [Wet Toetsing Levensbeëindiging op Verzoek en Hulp bij Zelfdoding] and who informs the municipal forensic pathologist in accordance with section 7(2) of the Burial and Cremation Act [Wet op de Lijkbezorging]. Section 294 1 –Any person who intentionally incites another person to commit suicide shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. 2 – Any person who intentionally assists in the suicide of person or provides him with the means thereto shall, if suicide follows, be liable to a term of imprisonment not exceeding three years or a fine of the fourth category. Section 293(2) shall apply mutatis mutandis.”
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a morte provocada a única saída. Mas nem sempre os doentes têm o direito a esta prática nem o médico a
obrigação de a levar a cabo.
Para respeitar os critérios exigidos na lei, o médico deve ter noção de que está a cumprir na íntegra a
vontade do doente, depois de o ter informado escrupulosamente do seu estado de saúde e ter verificado que o
doente está num estado terminal, em grande sofrimento físico e psicológico. Tem a obrigação legal de reportar
cada caso, depois de ter sido consumado, ao médico patologista municipal e ambos à Comissão de Controlo
da Eutanásia.
Todas estas condições são detalhadamente discriminadas no artigo 2.º do Termination of Life on Request
and Assisted Suicide (Review Procedures) Act, o qual, para além disso, obriga a que seja consultado pelo
menos mais um médico que, examinando o doente, confirme a verificação dessas circunstâncias.
A eutanásia é o fim de vida a pedido do doente e praticada por um médico, ministrado através de uma
substância adequada. No suicídio assistido é o doente que toma a substância fornecida pelo médico.
Se os pressupostos consignados na lei não forem cumpridos, o médico pode ser acusado da prática de um
crime, a que se aplicam penas que vão até aos 12 anos de prisão, nos casos de eutanásia, e até aos 3 anos,
nos de suicídio assistido. No entanto, o médico tem direito à objeção de consciência, no sentido de poder
recusar a prática do ato.
No caso dos doentes terminais que já tenham eutanásia agendada mas que entretanto ficam em estado de
semi-inconsciência ou inconsciência total e revelem sinais de grande sofrimento, o médico pode, ainda assim,
praticar o ato. Para estas situações em concreto, tão complicadas eticamente, o médico tem de consultar a
Royal Dutch Medical Association, a pedido do Board of Procurators General of the Public Prosecution Office e
do Healthcare Inspectorate.
Através de diretivas antecipadas, as pessoas têm a possibilidade de manifestar por escrito o seu desejo,
perante eventuais situações de doença, sobre se pretendem a eutanásia ou o suicídio assistido. O documento
deve ser claro, objetivo e sem dar origem a interpretações ambíguas da vontade do doente.
Outra situação que tem de ser objeto de manifestação antecipada de vontade diz respeito às demências.
Se não houver um documento escrito em relação a este tipo de doenças, não é permitida a eutanásia, a não
ser que se verifique que a pessoa está em sofrimento extremo, caso em que o médico pode tomar a decisão
de praticar o ato.
Mais discutível é a situação do sofrimento psicológico, à qual as autoridades holandesas ainda não
conseguem oferecer uma resposta decisiva. Têm-se suscitado muitas dúvidas, adensadas por uma decisão
judicial que julgou responsável um psiquiatra que praticara suicídio assistido numa pessoa padecendo de
doença psicológica, mas que foi dispensado de pena. A título de curiosidade, a instância disciplinar médica
competente chegou à mesma conclusão.
Os menores podem pedir a eutanásia a partir dos 12 anos com o consentimento dos pais ou dos
representantes legais. A partir dos 16 anos têm a possibilidade de tomar a decisão sozinhos, mas os pais
deverão estar envolvidos no processo. Atingidos os 18 anos de idade, passam a ter direito de a solicitar sem
autorização ou aconselhamento parental.
As pessoas têm também a possibilidade, através da utilização de um cartão com a frase “Não Ressuscite”,
que devem sempre transportar consigo, de não serem reanimadas ou ressuscitadas numa situação médica de
emergência. Este cartão deve ter o nome, idade, assinatura e fotografia da pessoa e a referência a diretivas
antecipadas da vontade que porventura existam.
Os médicos têm permissão, em situações excecionais definidas na lei25, de executar a eutanásia a recém-
nascidos e, em situações de graves anomalias detetadas no feto, praticar o aborto no termo do período de
gestação.
Por último, os cuidados paliativos devem ser prestados através de sedação, para mitigar ou diminuir o
sofrimento em fim de vida e não para matar. É admissível em doentes cuja expetativa de vida não seja
superior a duas semanas. Esta decisão é tomada pelo doente ou por parentes próximos e/ou pelos
profissionais de saúde.
É ainda de referir que só pessoas de nacionalidade holandesa podem solicitar a eutanásia e a morte
assistida.
Na Holanda são disponibilizados guias didáticos oficiais para elucidação do tema, distribuídos,
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designadamente, em estabelecimentos de saúde, um dos quais, muito completo, pode ser consultado em
http://www.bioeticanet.info/eutanasia/lleieuhol.pdf.
A página eletrónica da Royal Dutch Medical Association (KPMG), situada em http://www.knmg.nl/Over-
KNMG/About-KNMG.htm, contém as normas e procedimentos a observar pelo corpo clínico quando se apreste
a praticar o ato.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verifica-se que se encontrou em
apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), que sobre ela já
emitiu parecer, a seguinte iniciativa legislativa, conexa com a presente:
Projeto de lei n.º 418/XIII (PAN) – Regula o acesso à morte medicamente assistida
Em apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª),
encontram-se as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria conexa com a presente:
Projeto de lei n.º 773/XIII (3.ª) (BE) – “Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por
decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento
duradouro e insuportável, não é punível”, e
Projeto de lei n.º 832/XIII (3.ª) (PS) – “Procede à 47.ª alteração ao Código Penal e regula as condições
especiais para a prática de eutanásia não punível ”.
Todas estas iniciativas têm discussão e votação na generalidade agendadas para a sessão plenária de 29
de maio de 2018.
Petições
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verifica-se que esteve também em apreciação
na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a petição n.º 103/XIII (1.ª) –
Solicitam a despenalização da morte assistida, de que foi primeiro subscritor o Movimento Cívico “Direito a
morrer com dignidade”, que reuniu 8428 assinaturas, deu entrada na Assembleia da República a 26 de abril de
2016, foi objeto de relatório final da Comissão em 30 de novembro de 2016 e mereceu apreciação em Plenário
em 2 de fevereiro de 2017, estando pois arquivada.
Em apreciação na mesma Comissão encontra-se a petição n.º 250/XIII (2.ª) – Toda a Vida tem Dignidade,
de que é primeira peticionante a Federação Portuguesa pela Vida e outros 14195 subscritores, e que deu
entrada na Assembleia da República em 25 de janeiro de 2017. A Comissão constituiu, tal como fizera para a
Petição n.º 103/XIII, um grupo de trabalho que realizou audições e reuniu contributos escritos sobre a matéria,
tendo em vista a aprovação do respetivo relatório final.
V. Consultas e contributos
A Comissão promoveu, em 26 de abril de 2018, a consulta escrita das seguintes entidades institucionais:
Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior do Ministério Público, Ordem dos Advogados,
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos
Psicólogos e Ordem dos Médicos.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
25 Cujo texto pode ser verificado em http://cyber.law.harvard.edu/population/abortion/Nether.abo.htm.
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VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar eventuais encargos resultantes
da aprovação da presente iniciativa. Não obstante, a presente iniciativa legislativa parece acarretar encargos
orçamentais, designadamente ao prever a criação de uma Comissão de Avaliação pelo Governo, nos termos
do artigo 13.º, e de Comissões de Verificação, por cada área de Administração Regional de Saúde, previstas
no artigo 7.º
————
PROJETO DE LEI N.º 884/XIII (3.ª)
[ELIMINAÇÃO DO AUMENTO DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS PETROLÍFEROS (ISP)]:
Alteração do texto do projeto de lei (*)
As Portarias n.º 24-A/2016, de 11 de fevereiro, n.º 136-A/2016, de 12 de maio, n.º 291-A/2016, de 16 de
novembro de 2016, n.º 345-C/2016 de 30 de dezembro de 2016, e Portaria n.º 385-I/2017, de 29 de dezembro
vieram estabelecer um novo regime de preços a pagar por um imposto especial de consumo destinado a
tributar os produtos petrolíferos.
Em fevereiro de 2016, perante um preço do petróleo histórica e transitoriamente baixo, o governo decidiu
aumentar o Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) em 6 cêntimos. Em vez de compensar as famílias e
as empresas pelos preços elevados dos combustíveis que se tinham verificado no passado, em vez de dar
uma folga às famílias e empresas, o governo escolheu sobrecarregar os seus orçamentos, diminuindo o
rendimento disponível e a capacidade de investir na economia.
Este novo regime de tributação apareceu, surpreendentemente, ainda antes do Orçamento de Estado para
2016 e mereceu a crítica do CDS e de muitos representantes do sector. Sucede porém que hoje o petróleo já
não está com um preço baixo. Contribui para esta situação não só a subida do preço do petróleo, mas também
a enorme subida da carga fiscal sobre os combustíveis (uma das mais elevadas da europa). Por cada litro de
gasolina e de gasóleo os impostos já pesam respetivamente 62% e 55%.
Por diversas vezes o CDS já propôs a eliminação deste aumento (incluindo no último Orçamento do
Estado), algo que foi rejeitado pelas esquerdas unidas (PS, BE, PCP e PEV).
Na exposição de motivos da portaria inicial, o Governo argumentou que a alteração do preço do ISP,
dizendo que: “Ao longo dos últimos anos verificou-se uma redução significativa do valor datributação total da
gasolina e do gasóleo rodoviários, na medida em que uma das componentes de tal tributação é o IVA, que
incide proporcionalmente sobre o preço de venda ao público. Deste modo, em caso de descida do preço
desses combustíveis, há também uma redução do imposto associado; enquanto em caso de subida do preço,
verifica-se igualmente uma subida do montante total de impostos.”
Assim sendo, e ainda recorrendo à exposição de motivos daquele instrumento legal, o objetivo seria o de
alcançar “Uma maior neutralidade fiscal das variações de preço dos produtos petrolíferos…”, implicando isso
“(…) uma revisão regular dos valores de ISP, compensando neste imposto aquelas alterações verificadas no
IVA.”
Ora, a realidade veio desmentir a necessidade de manutenção das portarias que originaram o aumento da
tributação dos combustíveis. Feitas as contas, os valores ali presentes já estão muito para lá neutralidade
fiscal anunciada.
A totalidade de imposto cobrado pelo estado nos combustíveis (ISP, IVA e outros) é superior ao aumento
de ISP perspetivado pelo Governo, onde se estabelecia como valor de referência de carga fiscal, 88 cêntimos
por litro na gasolina e 61 cêntimos no gasóleo.
Também a UTAO, num estudo solicitado pelo CDS, veio dizer que: “Em termos comparáveis, a receita de
ISP em 2015 foi de 2932M€ e em 2016 de 3245M€.”. Sobre o IVA, e no mesmo estudo a UTAO diz: “A receita
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de IVA com gasolinas e gasóleo rodoviário deverá ter ascendido a cerca de 1395M€ em 2015, valor que terá
diminuído em cerca de 65M€ em 2016, para cerca de 1330M€ (-4,7%).”
Significa portanto que fomos de facto muito para lá da neutralidade fiscal, logo no ano de 2016, quando o
preço dos combustíveis estava muito mais baixo.
Para lá disto não podemos esquecer que em Portugal, segundo o Boletim 66.º da APETRO, relativo ao
terceiro trimestre de 2017, teve preços médios nos quais, “[…] comparativamente com os da média da Zona
Euro, são em média superiores em 11,2c/l para a gasolina 95, 3,2c/l para o gasóleo e iguais no caso do GPL
auto. Em relação a Espanha, os PMVP são em média superiores em 24,8c/l na gasolina 95 e 14,3c/l no
gasóleo rodoviário, e inferiores em 5,9 c/l no GPL Auto”.
Vejamos:
Junho de 2017 (Relatório mensal sobre combustíveis – ENMC)
Em junho de 2017, Portugal estava acima da média da zona euro e também acima da média da União
Europeia.
Se atendermos a dezembro de 2015, sensivelmente um mês antes da portaria de fevereiro de 2016, temos
a seguinte realidade:
Dezembro 2015 (Relatório mensal sobre combustíveis – ENMC)
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Portugal situava-se abaixo da média de preços da zona euro e também abaixo da média de preços da
União Europeia.
Entende portanto o CDS, que deve pôr-se fim a este aumento de ISP devolvendo às empresas e famílias a
possibilidade de adquirirem combustíveis a preços mais baixos.
Assim, nos termos das normas regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados do Grupo
Parlamentar do CDS-PP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei põe fim aos aumentos estabelecidos por intermédio de portaria ao valor das taxas unitárias
do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos aplicáveis no continente à gasolina sem chumbo, ao
gasóleo rodoviário e ao gasóleo colorido e marcado.
Artigo 2.º
Eliminação
É eliminada a Portaria n.º 385-I/2017, de 29 de dezembro de 2017.
Palácio de São Bento, 28 de maio de 2018.
Os Deputados do Grupo Parlamento do CDS-PP: Pedro Mota Soares — Hélder Amaral — Cecília Meireles
— Álvaro Castello-Branco — Nuno Magalhães — Assunção Cristas — Telmo Correia — João Pinho de
Almeida — António Carlos Monteiro — Ilda Araújo Novo — Filipe Anacoreta Correia — Teresa Caeiro — Vânia
Dias da Silva — Ana Rita Bessa — João Rebelo — Patrícia Fonseca — Isabel Galriça Neto — João Gonçalves
Pereira.
(*) Texto substituído a pedido do autor em 23-05-2018 [Vide DAR II Série-A n.º 116 (2018-05-18)].
————
PROJETO DE LEI N.º 887/XIII (3.ª)
TRANSPORTE NÃO URGENTE DE DOENTES
Exposição de motivos
O transporte não urgente de doentes tem estado, ao longo dos anos, sujeito a várias alterações
legislativas, espelhando as políticas de cortes e desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e
causando situações dramáticas na vida de milhares de doentes.
Os cortes efetuados, de forma generalizada, na atribuição de credenciais de transporte, aos utentes com
necessidade de se deslocarem a consultas e tratamentos, representaram mais um golpe no direito ao acesso
aos cuidados de saúde dos utentes, com graves injustiças sociais e impossibilitando a universalidade e a
acessibilidade dos serviços de saúde públicos.
A partir do momento em que as alterações realizadas passaram a garantir o pagamento do transporte de
doentes não urgentes, por parte do SNS, apenas nos casos em que, simultaneamente, se verificassem os
pressupostos da justificação clínica e da insuficiência económica, vários foram os casos denunciados pelos
próprios médicos, cujos doentes faltavam às consultas por incapacidade económica para pagar o respetivo
transporte, custos que chegaram, aliás a atingir valores bastante elevados e absolutamente incomportáveis
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para os utentes e suas famílias.
Importa salientar que o acesso aos cuidados de saúde é ainda mais escasso e difícil em regiões onde as
condições socioeconómicas das populações são inferiores e as distâncias impõem maiores dificuldades, que
acrescido da falta de transportes públicos, agravam ainda mais a situação dos utentes mais vulneráveis
economicamente.
Acresce que o encerramento de dezenas de serviços de saúde, nomeadamente ao nível das extensões e
unidades de cuidados primários, em especial nas zonas do interior do país, e a concentração de
especialidades hospitalares nos grandes centros urbanos, obriga a um grande esforço por parte dos utentes
para conseguir comparecer nas consultas que necessitam, o que aumenta as desigualdades sociais no acesso
e na utilização de cuidados de saúde.
Vários são os estudos, nacionais e internacionais, que revelam a necessidade de se removerem os
obstáculos financeiros no acesso aos cuidados de saúde no nosso país, sendo que, recentemente através do
Índice de Saúde Sustentável 2017, apresentado em março deste ano pela Universidade Nova de Lisboa
(NOVA IMS), ficamos a saber que o impacto dos custos de transporte no acesso às consultas externas é
quase o dobro dos custos das taxas moderadoras, levando mais de meio milhão de utentes a faltar às
consultas externas nos hospitais.
E se é verdade que no novo quadro parlamentar, foram já tomadas algumas medidas, como a reposição de
várias isenções ao nível do transporte de utentes ou a redução dos valores das taxas moderadoras, também é
verdade que estas melhorias são ainda insuficientes, e na perspectiva de Os Verdes, é absolutamente
indispensável proceder a uma aproximação aos preceitos constitucionais no que diz respeito ao direito à
saúde, que recorde-se, a nossa constituição inclui no elenco dos direitos fundamentais.
De modo a garantir esse direito é necessário, desde logo, reduzir as condicionantes que possam impedir os
cidadãos de aceder aos cuidados de saúde, pelo que Os Verdes consideram que em relação ao transporte de
doentes, que está a impedir muitos portugueses de aceder aos seus tratamentos, principalmente as pessoas
com mais dificuldades económicas, é fundamental o alargamento dos critérios de atribuição para maior
abrangência dos casos.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Partido Ecologista
«Os Verdes» apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei garante o transporte não urgente de doentes aos utentes do Serviço Nacional de Saúde –
SNS.
Artigo 2.º
Conceito de transporte não urgente
Entende-se por transporte não urgente, o transporte de doentes com vista a uma prestação de saúde para
qualquer serviço de saúde, seja do Serviço Nacional de Saúde, seja das entidades com acordo com o SNS,
bem como o transporte para a respetiva residência do utente após alta de internamento ou da urgência.
Artigo 3.º
Comprovação e registo
Para efeitos da presente Lei, as situações clínicas são comprovadas no momento da prescrição do
transporte por médico do Serviço Nacional de Saúde, ficando essa prescrição registada no processo do
utente.
Artigo 4.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente Lei no prazo de 60 dias após a sua entrada em vigor.
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Artigo 5.º
Revogação
É revogado o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a entrada em vigor do Orçamento do Estado que se seguir à sua
publicação.
Palácio de S. Bento, 23 de maio de 2018.
Os Deputados de Os Verdes: José Luís Ferreira — Heloísa Apolónia.
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PROJETO DE LEI N.º 888/XIII (3.ª)
PROCEDE À REPOSIÇÃO DE FREGUESIAS
Exposição de motivos
Depois do PSD e CDS-PP terem aprovado a proposta de lei do Governo anterior, que viria dar origem à Lei n.º
22/2012, de 30 de maio (Regime Jurídico da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica), e materializada
pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, a nossa democracia ficou substancialmente mais pobre.
Na verdade, apesar da designação, a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro (Reorganização administrativa do
território das freguesias), mais não veio fazer que estabelecer a extinção de freguesias, que foi aliás, o único objetivo
pretendido, ainda que não assumido, pelo Governo PSD/CDS, com esta dita reorganização administrativa.
A contestação ao processo de extinção de freguesias foi, e é, pública e notória e estendeu-se a toda a gente e
aos mais variados setores, desde logo às autarquias.
Na verdade, foram centenas e centenas os mails de cidadãos, os ofícios de Assembleias Municipais e de
Assembleias de Freguesia de todo o País que chegaram ao Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes»,
e certamente também aos restantes Grupos Parlamentares, dando conta da sua oposição à extinção de freguesias.
Por várias vezes, milhares de autarcas de todo o País, organizaram vigílias, manifestações e protestos contra
este processo de reorganização administrativa territorial autárquica.
A ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)
opuseram-se, de forma determinada, aos propósitos desta dita reorganização administrativa do Governo anterior e
dos partidos que o suportaram, PSD e CDS-PP.
Os motivos desta generalizada contestação residem sobretudo, por um lado, no facto do Governo não ter
atribuído qualquer relevância aquilo que foi a “pronúncia” das próprias autarquias sobre o assunto, e por outro lado,
porque o que esteve na origem deste processo, foram elementos estranhos à própria organização administrativa.
Com efeito, o que motivou esta dita reorganização administrativa não foram os interesses das populações, e cedo
os portugueses e os autarcas perceberam que este processo nada tinha a ver com a preocupação do Governo de
então e dos partidos que o suportaram, em melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Esta reforma foi desenhada a pensar em tudo menos nas pessoas, nos seus problemas e nas suas
preocupações. O propósito deste processo foi, exclusivamente, a redução do número de autarquias mesmo que isso
implicasse como implicou e como continua a implicar, sacrifícios e mais dificuldades na vida das populações.
Mesmo assim, contra tudo e contra todos, o Governo anterior, bem como o PSD e CDS, avançaram com o
processo de extinção de freguesias.
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E avançaram mesmo sabendo que são as freguesias, juntamente com as câmaras municipais, os órgãos de
poder que melhor investem o dinheiro dos contribuintes e os únicos que conhecem uma parte substancial da
realidade social e que, além disso, têm a capacidade para chegar de forma direta àqueles que efetivamente
contribuem para os cofres do Estado.
O Governo, o PSD e o CDS-PP, pretenderam assim poupar uns trocos, poupança ainda assim questionável, à
custa da qualidade de vida das populações e à custa do empobrecimento da nossa democracia.
E ao empobrecer a democracia, essa decisão, impede os contribuintes de terem acesso direto aos órgãos de
poder e aponta para uma gestão pública mais opaca e menos eficiente.
Em bom rigor, esta lei da extinção de freguesias, representa um inqualificável atentado à democracia, à
descentralização de poderes, ao desenvolvimento e à coesão social e territorial do País e está a fragilizar de forma
substancial a prestação dos serviços públicos às populações.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista «Os Verdes»,
apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1º.
Objeto
A presenta lei procede à reposição de freguesias extintas pela Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro.
Artigo 2.º
Reposição de freguesias
1 – Sem prejuízo do número 2 do presente artigo, são repostas as freguesias extintas pela Lei n.º 11-A/2013, de
28 de janeiro.
2 – As freguesias cujos órgãos e do respetivo município, se tenham pronunciado favoravelmente nos termos da
Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, só poderão ser repostas se esses órgãos deliberarem nesse sentido e após decisão
da Assembleia da República.
3 – As deliberações a que se refere o número anterior são tomadas em sessões expressamente convocadas para
o efeito e terão de ser comunicadas à Assembleia da República, durante os 60 dias seguintes à entrada em vigor da
presente lei.
Artigo 3.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio e a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.
Artigo 4.º
Repristinação
São repristinadas todas as normas revogadas pela Lei 22/2012, de 30 de maio.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Palácio de S. Bento, 23 de maio de 2018.
Os Deputados de Os Verdes: José Luís Ferreira — Heloísa Apolónia.
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PROPOSTA DE LEI N.º 124/XIII (3.ª)
(DETERMINA A CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DE DECRETOS-LEIS PUBLICADOS ENTRE OS ANOS DE
1975 E 1980)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª)
– «Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980», ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
A proposta de lei ora em apreço deu entrada, em 10 de abril de 2018, e foi admitida e anunciada, em 11 de
abril de 2018, e, nessa mesma data, baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias.
Em reunião de 18 de abril de 2018, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias designou o Deputado signatário do presente relatório como relator.
A iniciativa reveste a forma de proposta de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do RAR, tendo sido
aprovada em Conselho de Ministros, no dia 15 de março de 2018, ao abrigo da competência prevista na alínea
c) do n.º 1 do artigo 200.º da CRP.
A presente iniciativa legislativa cumpre os requisitos formais elencados nos n.os 1 e 2 do artigo 124.º do
RAR, uma vez que está redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu
objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos.
Por outro lado, a presente iniciativa legislativa respeita a CRP ou os seus princípios e define concretamente
o sentido das modificações a introduzir na ordem jurídica, respeitando assim os limites estabelecidos no n.º 1
do artigo 120.º do RAR.
Acerca das modificações a introduzir na ordem jurídica, a nota técnica da responsabilidade dos serviços da
Assembleia da República salienta que «esta iniciativa, quando revoga expressamente todos os diplomas que
tacitamente já se encontram revogados, inclui também os diplomas que lhes vieram a introduzir alterações» e
que a «opção do legislador neste caso concreto, tem um objetivo específico – eliminar da ordem jurídica
diplomas que já não produzem quaisquer efeitos jurídicos – o qual não contende com, nem prejudica as regras
de legística vigentes em matéria de revogação de atos, que exigem apenas que seja revogado expressamente
o ato legislativo em vigor, sem necessidade de revogar também os atos que que lhes vieram posteriormente a
introduzir alterações».
Atendendo à matéria objeto da iniciativa foi promovida a consulta escrita, em 11 de abril de 2018, dos
órgãos de Governo próprio das regiões autónomas, e cuja resposta do Governos Regionais dos Açores e da
Madeira, de 19 de abril de 2018 e de 2 de maio de 2018, respetivamente, pode ser consultada na página
eletrónica respeitante ao presente processo legislativo. Por outro lado, foi igualmente deliberado, na reunião
da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de 18 de abril de 2018, solicitar
parecer, a título de consulta facultativa, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da Magistratura, ao
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e ao Conselho Superior do Ministério Público.
Até ao momento da elaboração do presente relatório, foi recebida a resposta ao pedido de parecer
solicitado ao Conselho Superior da Magistratura, que no âmbito das suas competências disse nada ter a
«sugerir ou aditar» quanto à presente iniciativa legislativa.
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I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
A proposta de lei do Governo está inserida no âmbito das medidas elencadas no Programa do XXI Governo
Constitucional, no qual, de acordo com a nota técnica, foi consagrado como prioritário a «prossecução de uma
política legislativa orientada para a concretização do objetivo Legislar Melhor». Com efeito, no
desenvolvimento do programa «Simplex +», enquadra-se a medida «Revoga +», que visa «reduzir sistemática
e sectorialmente a quantidade de legislação produzida pelo Governo, revogando mais leis do que aquelas que
são aprovadas, por área da governação» e «proceder a um exercício de revogação sistemático de legislação
que deveria estar formalmente revogada, desde 1976».
O Governo, na exposição de motivos da iniciativa, assinala que «limpando o ordenamento jurídico de um
conjunto de disposições que já não fazem sentido nos dias de hoje, ganha-se em clareza e certeza jurídica,
permitindo aos cidadãos saber – sem qualquer margem para dúvidas – qual a legislação que se mantém
aplicável em cada momento histórico».
Assim, a proposta de lei do Governo é, segundo a mesma exposição de motivos, animada pelo «espírito
clarificador, de promoção da segurança jurídica enquanto componente essencial do princípio da proteção da
confiança, por sua vez uma âncora do Estado de Direito».
Neste contexto, o Governo refere que a presente iniciativa «constitui o primeiro passo de um programa
calendarizado, que se inicia com a determinação expressa da não-vigência de 821 diplomas desnecessários,
que na sua maioria já não são aplicados efetivamente nos dias de hoje, mas relativamente aos quais podem
suscitar-se dúvidas quanto à sua vigência atual, quer porque caíram em desuso, quer porque nunca chegaram
a ser objeto de uma revogação expressa ou de um reconhecimento oficial explícito de cessação de vigência».
Mais, a presente iniciativa, de acordo com a exposição de motivos, é aliada de outra iniciativa do Governo,
aprovada através de decreto-lei, através do qual se determina a não-vigência de diplomas da sua
competência, cujo trabalho de identificação dos diplomas a revogar resultou de um «levantamento metódico e
exaustivo», contendo a «análise individualizada e sistemática de todos os decretos-leis aprovados desde
1975, aferindo da sua vigência e utilidade normativa» e posterior confirmação pelos diversos serviços e
organismos dos Ministérios competentes.
Desse modo, o Governo entende que a metodologia adotada está sustentada num «critério prudencial ou
de cautela jurídica», cujo resultado permitirá determinar de forma expressa a não-vigência «daqueles
decretos-leis em relação aos quais existe um grau de confiança acrescido quanto à respetiva obsolescência
normativa».
Atendendo à «dimensão avassaladora da legislação já caída em desuso ou tacitamente revogada», o
Governo assinala, na referida exposição de motivos da presente iniciativa, que se optou por um «critério
simultaneamente formal e cronológico», iniciando-se a «tarefa de redução do acervo legislativo por atos
legislativos adotados pelo Governo» e pelos «anos de 1975 a 1980», o que prosseguirá em função da
calendarização estabelecida pelo Governo.
Assim, importa referir, ainda, que a presente proposta de lei, elenca do artigo 2.º ao 17.º, o conjunto de
diplomas a revogar, distribuídos por 16 áreas da governação.
Salienta-se, igualmente, conforme mencionado na nota técnica da responsabilidade dos serviços da
Assembleia da República, que o artigo 1.º da presente iniciativa explicita o objeto da iniciativa e que o seu
artigo 18.º salvaguarda a cessação da produção de efeitos já concretizada pela cessação de vigência de ato
normativo efetuada em momento anterior ao da determinação expressa de não-vigência desse mesmo ato
normativo pela presente iniciativa legislativa.
Quanto à viabilidade de por via de lei da Assembleia da República se operar a cessação de vigência de
decretos-leis, a nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República procura responder
a essa questão, aludindo que uma eventual dúvida inicial nesse sentido acaba por dissipar-se «atendendo ao
período normativo específico abrangido pela iniciativa e à realidade político-constitucional vigente à data».
Com efeito, de acordo com a referida nota técnica, os «decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e
1980, tendo sido publicados posteriormente a 1945 mas antes de 1982, ou se inserem no âmbito da
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competência exclusiva do Governo ou se inserem no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República».
A mesma nota técnica assinala que «na vigência da Constituição de 1933, o Governo adquiriu um amplo
poder legislativo que apenas viu ser timidamente limitado com a revisão constitucional de 1945, ao ser
instituída, pela primeira vez, a figura da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República», repartição de competências que foi mantida até à revisão de 1982, momento em que foi «criada a
figura da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, que viu ainda ser reforçada
a sua reserva legislativa relativa, em detrimento da competência legislativa do Governo».
Aqui chegados, a nota técnica prossegue, assinalando que «se alguma dúvida ainda subsistisse, sempre
se poderia extrair do princípio da conformidade funcional e do princípio da preeminência legislativa da
Assembleia da República, como consequência do princípio da representação democrática, fundamento para a
iniciativa nos termos propostos, optando-se por preferir o sentido mais favorável e conforme com a função
constitucional vigente».
Ainda nesta sede importa, a este respeito, mencionar o Acórdão n.º 30/87, de 28 de janeiro, do Tribunal
Constitucional, porquanto na nota técnica ao mesmo se refere a consideração de que «“não oferece qualquer
dúvida de que os partidos políticos estão, por disposição de legislação especial (Decreto-Lei n.º 595/74, de 7
de novembro) isentos de pagamento de custas judiciais, e de que o Decreto-Lei n.º 118/85 não poderia
revogar o Decreto-Lei n.º 595/74, pois que emana do Governo, que não tinha competência para produzir
legislação respeitante a partidos políticos, uma vez que para estes, de acordo com o artigo 167.º, alínea d) da
Constituição da República, tal legislação é da exclusiva competência, logo de reserva absoluta, da Assembleia
da República, que nem sequer pode conceder, sobre tal matéria, autorização legislativa ao governo”, cuja
pronúncia abona a favor da ideia de que a transferência de poder legislativo gerada não se limita à criação ex
novo de um ato normativo, estende-se também à revogação, interpretação, suspensão, modificação,
renovação, codificação ou qualquer outra intervenção legislativa posterior na matéria».
Finalmente, cumpre assinalar, ainda, conforme também referido na nota técnica, que «no que respeita ao
início de vigência, a iniciativa sub judice não contém uma norma de entrada em vigor, pelo que, caso seja
aprovada, aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que prevê que, na
falta de fixação do dia, os diplomas “entram em vigor, em todo o território nacional e estrangeiro, no 5.º dia
após a sua publicação”».
No restante, verifica-se a observância, pela presente iniciativa, do disposto no n.º 1 artigo 13.º da Lei n.º
74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto (lei formulário).
Efetuada a pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (PLC), verifica-se que não existem
iniciativas legislativas pendentes acerca da presente matéria.
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO RELATOR
O Deputado signatário do presente relatório reserva-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política
sobre a proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª) (GOV), a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do
n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. A proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª) cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no
n.º 2 do artigo 123.º, bem como no n.º 1 e n.º 2 do artigo 124.º do RAR;
2. A iniciativa legislativa encontra-se também em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 13.º da
Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto (lei formulário);
3. A iniciativa legislativa do Governo em apreço tem como desiderato a cessação de vigência de
decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980, no sentido de clarificar e de promover a segurança
jurídica enquanto componente essencial do princípio da proteção da confiança;
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4. Face ao exposto, e nada havendo a obstar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias é de parecer que a proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª) reúne os requisitos constitucionais
e regimentais para ser discutida e votada em plenário.
PARTE IV – ANEXO
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República ao abrigo do disposto no
artigo 131.º do RAR.
Palácio de S. Bento, 23 de maio de 2018.
O Deputado Relator, António Gameiro — O Presidente da Comissão, Bacelar de Vasconcelos.
Nota: O parecer foi aprovado na reunião de 23 de maio de 2018.
Nota Técnica
Proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª) (GOV)
Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980.
Data de admissão: 11 de abril de 2018.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. ANÁLISE SUCINTA DOS FACTOS, SITUAÇÕES E REALIDADES RESPEITANTES À INICIATIVA
II. APRECIAÇÃO DA CONFORMIDADE DOS REQUISITOS FORMAIS, CONSTITUCIONAIS E
REGIMENTAIS E DO CUMPRIMENTO DA LEI FORMULÁRIO
III. ENQUADRAMENTO LEGAL E DOUTRINÁRIO E ANTECEDENTES
IV. INICIATIVAS LEGISLATIVAS E PETIÇÕES PENDENTES SOBRE A MESMA MATÉRIA
V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS
VI. APRECIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DA APROVAÇÃO E DOS PREVISÍVEIS ENCARGOS COM
A SUA APLICAÇÃO
Elaborada por: Cidalina Lourenço Antunes (DAC), Rafael Silva (DAPLEN), Maria Leitão (DILP)
Data: 23 de abril de 2018.
I. Análise sucinta dos factos, situações e realidades respeitantes à iniciativa
A iniciativa em apreço insere-se no âmbito do Programa do XXI Governo Constitucional, através do qual o
Governo assumiu como prioritária a prossecução de uma política legislativa orientada para a concretização do
objetivo Legislar Melhor. É neste contexto que surge o Programa Simplex+ e no seu âmbito se desenvolve a
medida Revoga+ que visa alcançar um duplo objetivo: i) Reduzir sistemática e sectorialmente a quantidade de
legislação produzida pelo Governo, revogando mais leis do que aquelas que são aprovadas, por área da
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governação e, ii) proceder a um exercício de revogação sistemático de legislação que deveria estar
formalmente revogada, desde 1976.
O proponente da iniciativa entende que “só determinando quais os atos normativos efetivamente vigentes
poderá o decisor político legislativo proceder a uma avaliação objetiva, social e economicamente racional dos
regime jurídicos aplicáveis em cada domínio de atividade, adotando, então, as opções que mais facilmente
contribuem para a defesa do interesse público e para a promoção de uma verdadeira sociedade de bem-
estar”, pelo que, conforme resulta da exposição de motivos, manifesta ser sua vontade retirar do ordenamento
jurídico português todos os atos normativos que já não produzem efeitos jurídicos, mediante a sua revogação
expressa.
No Conselho de Ministros de 15 de março de 2018 o Governo iniciou a concretização do segundo objetivo
traçado para a medida Revoga+, por uma lado aprovando um decreto-lei que procedeu à revogação expressa
de 1149 diplomas da competência do Governo e, por outro lado, aprovando a presente proposta de lei,
apresentada à Assembleia da República no intuito de proceder à revogação expressa de 821 diplomas da sua
competência. Constata-se, porém, que a proposta de lei apenas elenca para revogação 815 diplomas.
A identificação dos diplomas a revogar resultou “de um levantamento metódico e exaustivo … de análise
individualizada e sistemática de todos os decretos-leis aprovados desde 1975, aferindo da sua vigência e
utilidade normativa…”, posteriormente submetido aos serviços e organismos dos respetivos Ministérios
abrangidos, para confirmação e validação. Segundo o proponente, a metodologia seguida permite assegurar
um elevado grau de credibilidade na obsolescência dos diplomas que a iniciativa propõe revogar
expressamente.
O Governo considera que “a identificação inequívoca das normas que já não produzem efeitos jurídicos
encerra, em si mesma, um valor de interesse público” que, aliada a uma declaração formal e inequívoca da
sua cessação de vigência, promovem a segurança no conhecimento do direito aplicável, tornando o
ordenamento jurídico mais confiável e compreensível pelo cidadão e pelas empresas.
A iniciativa pretende ainda beneficiar das vantagens do Diário da República Eletrónico, que, a ser
aprovada, permitirá que as normas revogadas sejam como tal indubitavelmente identificadas na página web
que lhes corresponde.
Referir ainda que embora numa fase inicial e atendendo à atual distribuição de competências legislativas
entre Assembleia da República e o Governo, a iniciativa possa suscitar dúvidas1 sobre a viabilidade de ser
uma lei da Assembleia da República a operar esta revogação estando em causa “a cessação de vigência de
decretos-leis” – o que só se justificaria se estivessem em causa decretos-leis aprovados no uso de autorização
legislativa –, elas dissipam-se atendendo ao período normativo específico abrangido pela iniciativa e à
realidade político-constitucional vigente à data.
Na verdade os decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980, tendo sido publicados
posteriormente a 1945 mas antes de 1982, ou se inserem no âmbito da competência exclusiva do Governo ou
se inserem no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Na vigência da Constituição de 1933, o Governo adquiriu um amplo poder legislativo que apenas viu ser
timidamente limitado com a revisão constitucional de 1945, ao ser instituída, pela primeira vez, a figura da
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
A Constituição de 1976 manteve esta repartição de competências legislativas até à sua revisão em 1982,
altura em que foi criada a figura da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República,
que viu ainda ser reforçada a sua reserva legislativa relativa, em detrimento da competência legislativa do
Governo.
Contudo, se alguma dúvida ainda subsistisse, sempre se poderia extrair do princípio da conformidade
funcional e do princípio da preeminência legislativa da Assembleia da República, como consequência do
princípio da representação democrática, fundamento para a iniciativa nos termos propostos, optando-se por
preferir o sentido mais favorável e conforme com a função constitucional vigente.
No mesmo sentido há ainda que ter em consideração o Acórdão n.º 30/87, de 28 de janeiro, do Tribunal
1 Súmula da Conferência de Líderes n.º 63, reunião de 11 de abril de 2018.
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Constitucional, nos termos do qual “…não oferece qualquer dúvida de que os partidos políticos estão, por
disposição de legislação especial (Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de novembro) isentos de pagamento de custas
judiciais, e de que o Decreto-Lei n.º 118/85 não poderia revogar o Decreto-Lei n.º 595/74, pois que emana do
Governo, que não tinha competência para produzir legislação respeitante a partidos políticos, uma vez que
para estes, de acordo com o artigo 167.º, alínea d) da Constituição da República, tal legislação é da exclusiva
competência, logo de reserva absoluta, da Assembleia da República, que nem sequer pode conceder, sobre
tal matéria, autorização legislativa ao governo”, cuja pronúncia abona a favor da ideia de que a transferência
de poder legislativo gerada não se limita à criação ex novo de um ato normativo, estende-se também à
revogação, interpretação, suspensão, modificação, renovação, codificação ou qualquer outra intervenção
legislativa posterior na matéria.
Finalmente, importa referir que a presente proposta de lei elenca nos seus artigos 2.º ao 17.º, um total de
815 diplomas a revogar, distribuídos por 16 áreas de governação, da seguinte forma:
Negócios Estrangeiros – 2 diplomas;
Presidência do Conselho de Ministros – 83 diplomas;
Finanças – 294 diplomas;
Defesa – 99 diplomas;
Justiça – 74 diplomas;
Administração Interna – 79 diplomas;
Cultura – 4 diplomas;
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – 13 diplomas;
Educação – 36 diplomas;
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – 29 diplomas;
Saúde – 4 diplomas;
Planeamento e Infraestruturas – 31 diplomas;
Economia – 45 diplomas;
Ambiente – 9 diplomas;
Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural – 8 diplomas;
Mar – 5 diplomas.
No seu artigo 1.º explicita o objeto da iniciativa, referindo que pretende “determinar a não vigência de
decretos-leis, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação efetuada pela presente lei,
estabelecendo de forma expressa que tais decretos-leis não se encontram em vigor”, e no seu artigo 18.º
salvaguarda a cessão da produção de efeitos já concretizada pela cessão de vigência de ato normativo
efetuada em momento anterior ao da determinação expressa de não vigência desse mesmo ato normativo,
pela presente iniciativa.
II. Apreciação da conformidade dos requisitos formais, constitucionais e regimentais e do
cumprimento da lei formulário
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A proposta de lei n.º 124/XIII (3.ª) foi apresentada pelo Governo, no âmbito do seu poder de iniciativa,
plasmado no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, e do artigo 118.º do
Regimento da Assembleia da República (doravante referido como Regimento).
Esta iniciativa reveste a forma de proposta de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento. Refere
ter sido aprovada em Conselho de Ministros no dia 15 de março de 2018, ao abrigo da competência prevista
na alínea c) n.º 1, do artigo 200.º da Constituição. É subscrita pelo Primeiro-Ministro, conforme disposto no n.º
2 do artigo 123.º do Regimento, e pelo Secretário de Estado e dos Assuntos Parlamentares, mas não pelos
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ministros competentes em razão da matéria, cuja subscrição é referida na citada norma regimental.
A presente iniciativa legislativa cumpre os requisitos formais elencados no n.º 1 do artigo 124.º do
Regimento, uma vez que está redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente
o seu objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos, cujos elementos são enumerados no n.º 2
da mesma disposição regimental.
O artigo 124.º do Regimento dispõe ainda, no n.º 3, que as “propostas de lei devem ser acompanhadas dos
estudos, documentos e pareceres que as tenham fundamentado”, e o Decreto-Lei n.º 274/2009, de 2 de
outubro, que regula o procedimento de consulta de entidades, públicas e privadas, realizado pelo Governo,
prevê por sua vez, nos n.os 1 e 2 do artigo 6.º, que “os atos e diplomas aprovados pelo Governo cujos projetos
tenham sido objeto de consulta direta contêm, na parte final do respetivo preâmbulo ou da exposição de
motivos, referência às entidades consultadas e ao carácter obrigatório ou facultativo das mesmas” e que“no
caso de propostas de lei, deve ser enviada cópia à Assembleia da República dos pareceres ou contributos
resultantes da consulta direta às entidades cuja consulta seja constitucional ou legalmente obrigatória e que
tenham sido emitidos no decurso do procedimento legislativo do Governo”. Porém, o Governo não juntou
quaisquer documentos à sua iniciativa, apesar de referir na exposição de motivos que foram ouvidos os órgãos
de governo próprio das regiões autónomas.
A presente iniciativa legislativa não infringe a Constituição ou os princípios nela consignados e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem jurídica, respeitando assim os limites
estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento.
Em relação à definição das modificações a introduzir na ordem jurídica, será de referir que esta iniciativa,
quando revoga expressamente todos os diplomas que tacitamente já se encontram revogados, inclui também
os diplomas que lhes vieram a introduzir alterações. A opção do legislador neste caso concreto, tem um
objetivo específico – eliminar da ordem jurídica diplomas que já não produzem quaisquer efeitos jurídicos – o
qual não contende com, nem prejudica as regras de legística vigentes em matéria de revogação de atos, que
exigem apenas que seja revogado expressamente o ato legislativo em vigor, sem necessidade de revogar
também os atos que que lhes vieram posteriormente a introduzir alterações.
A proposta de lei em apreciação deu entrada a 10 de abril de 2018. Foi admitida e baixou na generalidade
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho de S. Ex.ª o
Presidente da Assembleia da República, a 11 de abril de 2018, tendo sido neste mesmo dia anunciada em
sessão plenária.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – “Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados
entre os anos de 1975 e 1980” –traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no
n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário 2, embora em caso de
aprovação possa ser objeto de aperfeiçoamento, em sede de apreciação na especialidade ou em redação
final.
Com efeito, caso se pretenda tornar o título mais conciso, sugere-se que seja analisada em apreciação na
especialidade a possibilidade de eliminar o verbo inicial, como recomendam, sempre que possível, as regras
de legística formal 3.
Segundo as regras de legística formal, “as vicissitudes que afetem globalmente um ato normativo devem
ser identificadas no título, o que ocorre, por exemplo, em atos de suspensão ou em revogações expressas de
todo um outro ato”4. Naturalmente, esta regra não deve ser aplicada neste caso em relação a cada um dos
atos legislativos revogados; não obstante, sugerimos que a referência genérica no título à revogação de
decretos-leis publicados entre os anos de 1975 e 1980 possa ser complementada, pelo menos, com o número
2 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 3 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 200. 4 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 203.
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exato de atos legislativos que vierem a ser revogados5 (segundo o texto da proposta).
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao início de vigência, a iniciativa sub judice não contém uma norma de entrada em vigor,
pelo que, caso seja aprovada, aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de
novembro, que prevê que, na falta de fixação do dia, os diplomas “entram em vigor, em todo o território
nacional e estrangeiro, no 5.º dia após a suapublicação”.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face
da lei formulário.
III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes
Enquadramento legal nacional e antecedentes
O Programa do XXI Governo Constitucional apresenta como compromisso prioritário melhorar a qualidade
da legislação, definindo como essencial retomar mecanismos de planeamento da atividade legislativa que
visem a fixação de prioridades e a fiscalização da atividade legislativa por forma a evitar esforços inúteis ou
sem razão política ou social que os justifique, procurando garantir a implementação de um programa para a
melhoria das práticas legislativas, designadamente, atravésda revogação de leis inúteis ou desnecessárias,
fixando metas quantitativas para a redução do stock legislativo e disponibilizando versões consolidadas da
legislação estruturante. O Governo visa, assim, implementar um novo modelo de exercício das
responsabilidades governativas mais transparente, mais ágil e mais eficaz, através de um maior envolvimento
e participação dos cidadãos (…) que procure a melhoria da qualidade da produção legislativa6.
Na sequência deste objetivo e no âmbito do Programa Simplex+ de 2016, programa nacional de medidas
de simplificação da vida de cidadãos, empresas e organizações na sua relação com o Estado, foi criada a
iniciativa Revoga+. Esta tem por fim reduzir sistemática e setorialmente o stock legislativo, revogando mais leis
do que aquelas que são aprovadas, por área da governação, e procedendo a um exercício de revogação
sistemático de legislação que deveria estar formalmente revogada, desde 1976, eliminando muitos diplomas
antigos que já se encontram ultrapassados ou obsoletos mas que nunca foram expressamente revogados.
Paralelamente, o Programa Legislar Melhor, na sua vertente Legislar Menos (política de contenção
legislativa) apresenta como objetivo principal retirar do ordenamento jurídico leis que sejam consideradas
desnecessárias.
Nesta sequência, procedeu-se ao levantamento dos decretos-leis a eliminar, trabalho que foi desenvolvido,
ao longo de vários meses, por uma equipa especializada e exclusivamente dedicada a tal tarefa, no âmbito do
Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP), serviço central da administração direta do Estado,
integrado na Presidência do Conselho de Ministros. Após essa seleção, a lista foi sujeita a diversas instâncias
de validação, designadamente com os serviços e organismos dos ministérios a que as matérias diziam
respeito. O processo obedeceu a critérios prudenciais e de cautela jurídica7 dado que poderiam estar em
causa conteúdos a preservar em leis antigas que perderam razão de ser no seu conjunto. Por outro lado, esta
colaboração permitiu que a equipa do JurisAPP pudesse ser alertada para decretos que se esgotaram e que
eventualmente não tivessem ainda sido detetados8.
Neste processo, a principal preocupação é só eliminar aqueles diplomas em relação aos quais há certeza
5 Como foi feito, por exemplo, no título da Proposta de Lei n.º 40/XI/2.ª (Gov): “Procede à revogação de 433 actos legislativos no âmbito do programa SIMPLEGIS, incluindo a revogação expressa de vários decretos-leis publicados no ano de 1975, a revogação do Código Administrativo de 1936-40 e a alteração do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro e do Decreto-Lei n.º 305/2009, de 23 de Outubro” 6 Programa do XXI Governo Constitucional, págs. 45-47. 7 Vd. exposição de motivos da presente iniciativa. 8 Vd. nota à Comunicação Social.
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de que já não têm qualquer utilidade normativa, ou seja, em relação aos quais exista um grau de confiança
acrescido quanto à respetiva obsolescência normativa9.
Em 15 de março de 2018 foi concluída a primeira fase da iniciativa Revoga+ que abrange os períodos entre
1975 e 1980, e cuja apresentação segue um critério simultaneamente formal e cronológico.
A clarificação e simplificação do ordenamento jurídico é concretizada através da aprovação de um decreto-
lei, em que o Governo determina a não vigência de 1449 diplomas da sua competência. No entanto, noutros
casos, e por serem matérias que não são da sua competência, cabe à Assembleia da República proceder à
concretização dessa medida. A presente iniciativa procura, assim, determinar a não vigência de decretos-leis,
em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação a ser efetuada por lei ou decreto-lei,
estabelecer de forma clara e expressa que decretos-leis não se encontram em vigor, num total de 821
decretos-leis. Com a aprovação de ambos os diplomas clarifica-se a não vigência de 2270 diplomas.
O número de diplomas a revogar por área temática pode ser melhor percecionado no gráfico seguinte:
Segundo a nota à Comunicação Social da Presidência do Conselho de Ministros através desta "limpeza" de
diplomas legais antigos pretende-se contribuir para uma maior segurança e certeza jurídicas. A indefinição
sobre se certos decretos-leis da década de setenta, por exemplo, ainda vigoram ou não é geradora de
insegurança e instabilidade, quer para os cidadãos, quer para as empresas. Pretende-se, pois, clarificar o que
ainda está e o que já não está em vigor. Embora muito dos diplomas que agora são eliminados já não
produzissem quaisquer efeitos jurídicos, por caducidade, perda de objeto ou puro anacronismo, a verdade é
que nunca foram revogados de forma expressa, podendo suscitar dúvidas quanto à sua aplicabilidade. Para
esclarecer essas dúvidas seria necessário um trabalho muito moroso e complexo de averiguação jurídica.
Logo, o decretamento explícito e solene de que determinados diplomas legais já não vigoram reveste-se de
uma enorme utilidade em termos de simplificação legislativa. Para isso, houve que selecionar, de entre os
muitos diplomas que foram sendo aprovados e publicados ao longo dos anos, quais os que ainda têm alguma
valia normativa e quais os que, pelo decurso do tempo, deixaram de se justificar. Foi exatamente isto que se
fez através do programa Revoga+, identificando expressa e formalmente todos os diplomas que, entretanto, já
não produzem efeitos jurídicos. Só assim se torna possível saber quantas e quais as leis que vigoram no
nosso ordenamento jurídico.
Em concreto, esta medida comporta ainda a seguinte vantagem prática: doravante será possível, no Diário
da República Eletrónico (DRE), associar a cada um destes diplomas já ultrapassados a etiqueta «Revogado».
Assim, qualquer pessoa que consulte o DRE saberá, de forma clara e imediatamente percetível, que
determinado diploma já não está em vigor.
De acordo com a iniciativa Revoga+ ainda existem mais decretos-leis para eliminar, o que será feito de
forma cronológica, dando sequência ao processo agora iniciado.
9 Vd. exposição de motivos da presente iniciativa.
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Relativamente aos antecedentes cumpre mencionar que, em 2010, já tinha sido apresentada uma iniciativa
com um objetivo idêntico, também da autoria do Governo: a proposta de lei n.º 40/XI – Procede à revogação
de 433 atos legislativos no âmbito do programa SIMPLEGIS, incluindo a revogação expressa de vários
decretos-leis publicados no ano de 1975, a revogação do Código Administrativo de 1936-40 e a alteração do
Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro e do Decreto-Lei n.º 305/2009, de 23 de outubro.
A proposta de lei tinha então um âmbito mais restrito (só o ano de 1975 e dois diplomas avulsos), mas já
seguia os mesmos critérios da atual. Efetivamente, e de acordo com a exposição de motivos adotou-se um
critério cronológico para dar início à tarefa de simplificação do ordenamento jurídico. A revogação expressa a
que agora se procede incide quase exclusivamente sobre decretos-leis publicados no ano de 1975, cuja
análise revelou a sua não aplicabilidade atual, bem como a desnecessidade da respetiva regulamentação.
Com a aprovação da presente proposta de lei não fica, contudo, concluída, esta tarefa de simplificação do
ordenamento jurídico, que o XVIII Governo Constitucional irá continuar a desenvolver mediante a identificação
de outras leis que reúnam os requisitos da não aplicabilidade e desnecessidade atuais e a sua eliminação
expressa através de um diploma legal único. E acrescenta, quanto às vantagens associadas à revogação
expressa de legislação, com a aprovação da presente proposta de lei ganha-se mais certeza e clareza no
ordenamento jurídico, habilitando-o com os meios necessários para vir a responder, em cada momento e de
forma inequívoca, à questão de saber quantos e quais os diplomas que estão em vigor em Portugal.
Esta iniciativa veio a caducar em 31 de março de 2011, com o final antecipado da legislatura.
Importa também mencionar o Decreto-Lei n.º 70/2011, de 16 de junho (Declaração de Retificação n.º
25/2011, de 12 de agosto), que determina, de forma expressa, no âmbito do programa SIMPLEGIS, que certos
decretos-leis não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação
efetuada pelo presente decreto-lei. Segundo o preâmbulo procede-se a uma identificação expressa de cerca
de mais de duas centenas de atos legislativos, designadamente decretos-leis que não vigoram ou deixaram de
vigorar, clarificando-se o ordenamento jurídico. Com a concretização desta medida e de outras semelhantes,
passará a ser possível saber e dar a conhecer, com exatidão e certeza, de forma simples e através da
Internet, a informação sobre quais os diplomas que estão ou não estão em vigor. Com a aprovação do
presente decreto-lei não fica, contudo, concluída esta tarefa de simplificação do ordenamento jurídico, que o
XVIII Governo Constitucional irá continuar a desenvolver mediante a identificação de outros atos normativos
que reúnam os requisitos da não aplicabilidade e desnecessidade atuais e a sua eliminação expressa através
de novo diploma legal.
Segundo o comunicado do Conselho de Ministros de 15 de março de 2018 foram aprovados um decreto-lei
e uma proposta de lei que vêm determinar a cessação de vigência de diplomas publicados entre 1975 e 1980.
(…). Com a aprovação de ambos os diplomas, proceder-se-á a uma limpeza e simplificação do ordenamento
jurídico, eliminando 2270 diplomas do acervo legislativo, a que corresponde uma redução de cerca de 5200
páginas de Diário da República que, se impressas, pesariam 27 quilos de papel.
Concretiza-se, assim, uma medida essencial de simplificação legislativa no quadro do programa Simplex+,
que passa por clarificar a não vigência de diplomas já não aplicados nos dias de hoje, mas relativamente aos
quais nunca houve uma revogação expressa.
Sobre esta matéria pode, ainda, ser consultado o sítio do Programa Simplex+ e o documento relativo ao
Balanço da Atividade Legislativa 2017.
IV. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Iniciativas legislativas e Petições
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), à data não se encontrou qualquer
iniciativa legislativa ou petição pendente sobre matéria idêntica.
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V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias
O Presidente da Assembleia da República promoveu, a 11 de abril de 2018, a audição dos órgãos de
governo próprios das regiões autónomas, através de emissão de parecer no prazo de 20 dias, nos termos do
artigo 142.º do Regimento da Assembleia da República, e para os efeitos do n.º 2 do artigo 229.º da
Constituição.
Foi recebido até à data parecer do Governo Regional dos Açores, que pode ser consultado, juntamente
com outros que ainda possam ser enviados, no site da Assembleia da República, mais especificamente na
página eletrónica da presente iniciativa. Aquele parecer sugere que, na discussão na especialidade, se analise
a proposta de não revogar o Decreto-Lei n.º 243/78, de 19 de agosto (que transfere, para a Região Autónoma
dos Açores certas competências na área do trabalho), sem o substituir por um ato normativo que preveja
idênticas atribuições à Região, sob pena de deixar de existir base legal para a intervenção
executiva/administrativa em matéria de trabalho.
Apenas de assinalar que o proponente refere, na exposição de motivos, terem sido ouvidos os órgãos de
governo próprio das regiões autónomas no decurso do procedimento legislativo do Governo.
Consultas facultativas
Na reunião da Comissão de 18 de abril de 2018, foi deliberado solicitar parecer sobre a iniciativa às
seguintes entidades:
Ordem dos Advogados;
Conselho Superior da Magistratura;
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais; e,
Conselho Superior do Ministério Público.
A diligência foi efetuada a 19 de abril de 2018, não tendo a Comissão até à data da elaboração desta nota
técnica, recebido a pronúncia de qualquer das entidades consultadas.
VI. Apreciação das consequências da aprovação e dos previsíveis encargos com a sua aplicação
Em face da informação disponível, não é possível quantificar eventuais encargos resultantes da aprovação
da presente iniciativa, mas não parecem previsíveis em face do respetivo teor.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1251/XIII (3.ª)
(RECOMENDA AO GOVERNO A REQUALIFICAÇÃO DA EN 124 SITUADA NOS CONCELHOS DE
SILVES E PORTIMÃO)
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1544/XIII (3.ª)
(RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA, COM CARÁTER DE URGÊNCIA, À REQUALIFICAÇÃO
DA EN 124 ENTRE SILVES E PORTO DE LAGOS)
Informação da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas relativa à discussão do diploma ao
abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República
1. Dezanove Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) tomaram a iniciativa de
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apresentar o projeto de resolução (PJR) n.º 1251/XIII (3.ª) (BE), ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º
(Poderes dos Deputados) da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º (Poderes
dos Deputados) do Regimento da Assembleia da República (RAR).
2. A iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 19 de janeiro de 2018, tendo sido admitida a 23
de janeiro, data na qual baixou à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.
3. Quinze Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) tomaram a iniciativa de
apresentar o projeto de resolução (PJR) n.º 1544/XIII (3.ª) (PCP), ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo
156.º (Poderes dos Deputados) da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º
(Poderes dos Deputados) do Regimento da Assembleia da República (RAR).
4. A iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 26 de abril de 2018, tendo sido admitida a 30 de
abril, data na qual baixou à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.
5. Os projetos de resolução n.os 1251/XIII (3.ª) (BE) e 1344/XIII (3.ª) (PCP) foram objeto de discussão na
Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, em reunião de 16 de maio de 2018.
6. A discussão dos projetos de resolução n.os 1251/XIII (3.ª) (BE) e 1344/XIII (3.ª) (PCP) ocorreu nos
seguintes termos:
O Sr. Deputado Heitor de Sousa (BE) apresentou o PJR n.º 1251/XIII (3.ª) (BE), tendo realçado que nos
troços da EN124 entre Silves e porto de Lagos se encontrava um piso em enorme estado de degradação, com
buracos e lombas, faixas e circulação estreitas que não reúnem condições mínimas de segurança rodoviária e
com alguns pontos a ameaçar ruína. Considerou que esta era uma situação inaceitável para uma estrada
nacional. Afirmou que a autarquia já tinha reclamado a requalificação junto da Infraestruturas de Portugal, SA
(IP, SA), e que já tinha havido protestos populares no mesmo sentido, tendo o Governo respondido que
estavam em curso negociações que previam a transferência para a gestão direta da IP, SA, de vários lanços
integrados na subconcessão do Algarve Litoral, que incluía esta EN124. Em seu entender, concluído este
processo de transferência, era absolutamente urgente a elaboração de projetos de requalificação que vão de
encontro às necessidades e justas reclamações da população. Concluiu, dando conta dos termos resolutivos.
Por sua vez, o Sr. Deputado Paulo Sá (PCP) apresentou o PJR n.º 1544/XIII (3.ª) (PCP), tendo referido o
estado deplorável em que se encontra o troço da EN124 objeto deste projeto de resolução, o facto de não
reunir condições de segurança rodoviária e de apresentar piso irregular e perigoso, com lombas e buracos,
bem como faixas de circulação demasiado estreitas. Lembrou que as obras de requalificação daquela via
estavam previstas desde 2009, tendo sido atribuídas pelo Governo da altura a uma subconcessionária, no
âmbito de uma parceria público-privada que considerou ruinosa para o Estado. Lembrou também que as obras
não foram realizadas pela concessionária, não tendo esta cumprido o contrato de concessão; e que no âmbito
da aprovação pelo anterior Governo do PETI 3+ se iniciou a renegociação das parcerias público-privadas, que
se arrastou entre 2011 e 2015, com suspensão das obras de requalificação, aprofundando-se o estado de
degradação daquela estrada. Finalmente, prosseguiu, concluídas as renegociações desta parceria público-
privada em 2015, este troço foi transferido da subconcessionária para a IP, SA, mas até ao momento ainda
não começaram, apesar de a necessidade da sua realização ser reconhecida pelos intervenientes. Defendeu
que as obras ainda não se realizaram por opção política do anterior Governo e inação do atual. Informou que o
PCP tinha questionado o Governo sobre este assunto em abril de 2016 e este informou que tinha
conhecimento da situação da EN124, encontrando-se em estudo uma solução para a requalificação do
mencionado lanço. Até ao momento atual, reiterou, a situação não se alterou e as obras não avançaram.
Concluiu, dando conta dos termos resolutivos e referindo que há umas semanas o Governo tinha anunciado
no Algarve que ia fazer obras de emergência na EN124 e EN125, alocando para tal o valor de um milhão de
euros, metade dos quais para requalificar uma ponte, sobrando meio milhão de euros para tapar os buracos
em dezenas de quilómetros de estrada, entre os quais estes. Não discordando desta intervenção, afirmou que
a mesma não resolvia o problema aqui em discussão.
Usaram da palavra, para intervir na discussão, os Senhores Deputados Ana Passos (PS) e Cristóvão Norte
(PSD).
A Sr.ª Deputada Ana Passos (PS) reconheceu a necessidade de obras de requalificação na EN124, na
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EN125, entre Olhão e Vila Real de Santo António, e na EN396, e deu conta de que o Governo lançou
concurso público de urgência e as obras iriam começar na segunda quinzena de maio, estando prevista a sua
conclusão para o final do mês de junho. Afirmou ainda que estava disponível um milhão de euros, mas, tal
como anunciado Ministro do Planeamento e das Infraestruturas na audição nesta Comissão no dia 2 de maio,
não se destinavam a obras de “tapa buracos”, mas sim a obras mais profundas, a realizar até àquela data.
Concluiu, considerando os projetos de resolução extemporâneos, uma vez que a solução já se encontrava a
caminho.
Por sua vez, o Sr. Deputado Cristóvão Norte (PSD) afirmou que o retrato dos factos traduzido nas
iniciativas em discussão, sobretudo quanto às condições da via, era verdadeiro. Considerou também
importante dizer que o Governo tinha vindo a afirmar, ano após ano, que as obras na EN125 e outras estavam
dependentes do Visto do Tribunal de Contas e isso se tinha vindo a verificar que isso não era verdade, e que o
processo só tinha dado entrada aí em finais de 2017. O que o Governo tinha dito, em relação a esta via, era
que por força de não estar concluída a renegociação não podia intervir na via, quando afinal podia, porque
com estes remendos vai intervir na via. A verdade, reiterou, é que não era uma prioridade política do Governo
intervir na via. Referiu ainda que essa atitude se devia enquadrar num panorama mais global, designadamente
o corte de investimento público que se verificou. Lembrou, finalmente, que do pacote de um milhão de euros
apresentado pelo Governo, 500 000 € eram para uma ponte, 300 000 € para requalificação de 36 km da
EN125 e os restantes 200 000 € para estas duas empreitadas. Ora, com 200 000 € não se faz uma
intervenção profunda. Concluiu, afirmando que o PSD não pode discordar dos fundamentos destas iniciativas.
Para encerrar a discussão intervieram os autores das iniciativas.
O Sr. Deputado Paulo Sá (PCP) reafirmou que o estado de degradação desta via não é recente, já vinha do
Governo anterior, e que o problema já estava identificado desde 2009. Manifestou ainda perplexidade pela
intervenção da Deputada Ana Passos, ao considerar que os PJR eram extemporâneos por já estar prevista
uma obra que vai começar em maio e termina em junho. Rebateu esta posição, lembrando que do pacote
anunciado pelo Governo meio milhão de euros era para remodelação de uma ponte e que o meio milhão de
euros que sobrava era para requalificar mais de 38 km da EN125, a EN124 ente Silves e Porto de Lagos e a
EN396 e que essa verba não chegava para arranjar as bermas, o piso, para a sinalização dos troços previstos.
Para chegar a essa conclusão bastava ver o custo por quilómetro da requalificação que já tinha sido feita
noutros troços da EN125. A obra agora anunciada e uma obra de emergência para resolver pequenos
problemas, vai mitigar pequenos problemas mas fica a faltar a intervenção de fundo, pelo que, reiterou, o
projeto de resolução apresentado pelo PCP não era extemporâneo.
Também o Sr. Deputado Heitor de Sousa (BE) manifestou perplexidade com a conclusão da Deputada Ana
Passos e afirmou que 200 000 € chegavam apenas para um operação de cosmética em relação à
infraestrutura e mais nada. Reiterou que que uma intervenção de requalificação implicava mexer na base da
infraestrutura, nomeadamente alargamento de vias, rever os cruzamentos e a sinalização e isso não se fazia
com 200 000 €.
7. A discussão foi objeto de gravação, que pode ser consultada na página dos projetos de resolução na
Internet.
8.Realizada a sua discussão, remete-se esta Informação a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da
República, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República.
Assembleia da República, em 23 de maio de 2018.
O Presidente da Comissão, Hélder Amaral.
————
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1368/XIII (3.ª)
(EM DEFESA DE UMA LINHA FERROVIÁRIA DO OESTE INTEGRALMENTE REQUALIFICADA E COM
UM SERVIÇO DE TRANSPORTE DE QUALIDADE)
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1557/XIII (3.ª)
(PELA DEFESA DA LINHA DO OESTE GARANTINDO UM SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE DE
QUALIDADE PARA AS POPULAÇÕES)
Informação da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas relativa à discussão dos diplomas ao
abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República
1 – Dezanove Deputados do Grupo Parlamentar do BE tomaram a iniciativa de apresentar o projeto de
resolução n.º 1368/XIII (3.ª) (BE), ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º (Poderes dos Deputados) da
Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do nº 1 do artigo 4.º (Poderes dos Deputados) do
Regimento da Assembleia da República (RAR).
2 – A iniciativa deu entrada na Assembleia da República em 1 de março de 2018, tendo o projeto de
resolução sido admitido em 6 de março de 2018, sido discutido em Plenário e adiado sem votação, bem como
baixado à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas nessa mesma data.
3 – Dois Deputados do Grupo Parlamentar do PEV tomaram a iniciativa de apresentar o projeto de resolução
n.º 1557/XIII (3.ª) (PEV), ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º (Poderes dos Deputados) da
Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º (Poderes dos Deputados) do
Regimento da Assembleia da República (RAR).
4 – A iniciativa deu entrada na Assembleia da República em 27 de abril de 2018, tendo o projeto de
resolução sido admitido em 30 de abril de 2018, sido discutido em Plenário e adiado sem votação, bem como
baixado à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas nessa mesma data.
5 – A discussão dos projetos de resolução n.os 1368/XIII (3.ª) (BE) e 1557/XIII (3.ª) (PEV) ocorreu nos
seguintes termos:
O Sr. Deputado Heitor de Sousa (BE) apresentou, nos seus termos, o projeto de resolução n.º 1368/XIII
(3.ª) (BE) – "Em defesa de uma linha ferroviária do oeste integralmente requalificada e com um serviço de
transporte de qualidade", notando que houve atualização deste tema suscitado pelo estudo de impacto
ambiental sobre a intervenção no troço entre Meleças e Caldas da Rainha, que confirma que fica aquém da
qualidade desejável de transporte e que só há intervenção em 20% do percurso e com ganhos de qualidade
reduzidos, de apenas 17’ por viagem, e com 110’ em 90 km, sendo o autocarro mais rápido.
Estranhou gastar 107 milhões € para tão curta poupança de tempo.
O Sr. Deputado José Luís Ferreira (PEV) apresentou, nos seus termos, o projeto de resolução n.º 1557/XIII
(3.ª) (PEV) – " Pela defesa da Linha do Oeste garantindo um serviço público de transporte de qualidade para
as populações", referindo que acompanham a preocupação do BE e lembrando a Resolução da Assembleia
da República.
Referiu que, em fevereiro, a APA colocou o estudo de impacto ambiental em consulta pública que
considera que a redução de tempos prevista não coloca o comboio como transporte alternativo ao automóvel e
ao rodoviário na Região.
A Sr.ª Deputada Margarida Marques (PS) lembrou a Resolução da Assembleia da República, de setembro
2017, que deu origem ao estudo de impacto ambiental da Linha do Oeste, referindo que a consulta pública
acabou em 27 de março.
Referiu-se, detalhando, ao projeto de modernização da Linha do Oeste e sublinhou que este projeto tem
também a ver com segurança e impacto ambiental, o que permitiu recorrer a fundos comunitários, e disse
esperar que este comboio sirva a Região e o movimento pendular para Lisboa, acrescido pelo aumento de
residentes. Referiu, ainda, a sua experiência desta linha.
Notou a vantagem de este projeto poder voltar a ser enquadrado no próximo quadro comunitário de apoio
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para um projeto completo desta linha.
O Sr. Deputado José António Silva (PSD) enquadrou a importância da Linha do Oeste e recordou que o
Governo Sócrates, em 2011, comprometeu-se com a troika, o que condicionou a intervenção do Governo
seguinte, o que já não se justifica em 2018. Enunciou, detalhando, várias evoluções ocorridas do projeto da
Linha do Oeste.
Referiu que o atual Governo reduziu a intervenção para cerca de metade, 107 milhões €, entre Meleças e
Caldas da Rainha e vincou que o PSD entende que o Governo dê instruções à IP para que a requalificação de
todo o percurso se inicie já, conforme previsto, para 2020/23.
O Sr. Deputado Bruno Dias (PCP) apreciou os projetos de resolução, que não são a reapreciação da
anterior Resolução da Assembleia da República, de setembro 2017, mas a tomada de posição crítica quanto à
concretização feita pelo Governo e pela IP, com que concorda.
Recordou a audição do Engenheiro Nelson Oliveira, demonstrando a viabilidade da linha e sobre a intenção
de completar a ligação ferroviária a Coimbra.
Criticou a opção do Governo de falta de ligação para Norte e de redução do investimento, detalhando a
intervenção necessária, e salientou um aspeto novo, que é o transporte ferroviário, tendo, esta semana, a CP
anunciado a intenção de renunciar à ligação Caldas – Coimbra, que repudiou.
O Sr. Deputado Heitor de Sousa (BE) vincou que no debate não está apenas em causa a ligação de Caldas
da Rainha até Meleças, depois da informação do anunciado fim da Linha do Oeste, passando a linha
suburbana de Lisboa. Sublinhou a necessidade de consenso para uma linha ferroviária que circule a
100kms/hora e seja alternativa à rodovia.
6 – Os projetos de resolução n.os 1368/XIII (3.ª) (BE) e 1557/XIII (3.ª) (PEV) foram objeto de discussão na
Comissão e Economia, Inovação e Obras Públicas, em reunião de 16 de Maio de 2018, e teve registo áudio.
7 – Realizada a sua discussão, remete-se esta Informação a Sua Excelência a Presidente da Assembleia
da República, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República.
Assembleia da República, em 23 de Maio de 2018.
O Presidente da Comissão, Hélder Amaral.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1648/XIII (3.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO QUE DEFENDA OS INTERESSES NACIONAIS NO ÂMBITO DO
QUADRO FINANCEIRO PLURIANUAL 2021-2027
A Comissão Europeia apresentou, em maio de 2018, a sua proposta para o Quadro Financeiro Plurianual
(QFP) relativo ao período 2021-2027. É este o momento-chave na definição das prioridades da União
Europeia para o próximo quadro, sendo crucial o fortalecimento de um posicionamento nacional que defenda
os interesses nacionais nestas negociações orçamentais comunitárias.
As negociações do próximo QFP decorrerão em circunstâncias especiais, nomeadamente, pelas que
resultam da saída do Reino Unido da União Europeia. O Brexit implica a perda de um contribuinte significativo
para o financiamento das políticas e dos programas da União. Uma perda de financiamento que surge
precisamente num momento em que um reforço significativo do orçamento da União é visto como crucial para
concretizar uma Europa mais forte e mais ambiciosa.
A Comissão Europeia refere na sua proposta que o próximo QFP deverá alinhar melhor o financiamento
disponível com as prioridades políticas atuais da União que garantam:
– uma União Europeia Inclusiva, que protege os direitos sociais;
– uma União Europeia Inteligente, que prospera com base numa dinâmica de competitividade assente no
conhecimento e na inovação; e
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– uma União Europeia sustentável, que garanta a transição para uma economia mais eficiente, mais amiga
do ambiente e preparada para responder aos desafios colocados pelas alterações climáticas.
Neste contexto, o PSD sublinha o aprofundamento da dimensão social da União, nomeadamente, através
da plena execução do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do apoio aos jovens e à mobilidade dos cidadãos
europeus. Serão, pois, necessários recursos adequados para melhorar as oportunidades de emprego e dar
resposta aos desafios em matéria de competências.
Realizar o projeto europeu significa também continuar a combater a pobreza no seio da União Europeia, de
forma a melhorar a integração dos cidadãos em situação de maior vulnerabilidade, sejam desempregados de
longa duração, as pessoas com deficiência, ou os imigrantes.
Assim, a proteção do modelo social europeu e a resposta ao desafio demográfico que se coloca à União
Europeia constituem dimensões transversais a diversas políticas europeias, entre as quais a Política de
Coesão e a Política Agrícola Comum, que contribuem para o reforço da União Europeia enquanto garante de
uma Europa coesa em termos territoriais, económicos e sociais.
A prosperidade da União Europeia assenta essencialmente na coesão e na competitividade, através da
aposta nos fatores mais dinâmicos do desenvolvimento económico e social, como sejam a inovação e o
conhecimento, a conetividade de pessoas, bens e informação e a exploração plena das oportunidades criadas
pelo reforço da digitalização das economias e das sociedades, mas também na convergência entre os
Estados-membros, e entre as diferentes regiões europeias e dentro de cada região, devendo essas dimensões
ser centrais em todas as políticas da União, em particular na Política de Coesão, a Política Agrícola Comum, a
Política de Investigação e Inovação e a Política de Transportes.
Neste contexto, importa sublinhar o crescimento de novos desafios à atuação da União, nomeadamente a
promoção da sua segurança e defesa, face a um quadro mais dinâmico, diversificado e incerto de ameaças
internas e externas.
A União Europeia deverá assim reforçar o seu papel na gestão das fronteiras externas e na gestão dos
fluxos migratórios, bem como reforçar a sua posição externa, em articulação com os desenvolvimentos
geopolíticos mais relevantes.
As políticas estruturais devem manter o papel-chave que desempenham no reforço da convergência, da
coesão, mas também da competitividade na UE. Para tal têm que ser devidamente financiadas.
1. Política de Coesão
A Política de Coesão não pode ser usada como "variável de ajustamento" do próximo QFP, tendo em
consideração que esta política apresenta um claro valor acrescentado europeu:
– produz resultados que vão além do que seria possível com uma mobilização de esforços a nível nacional,
regional ou local;
– incentiva ações a nível nacional, regional e local, para o cumprimento de objetivos dos Tratados da UE,
que, de outro modo, não seria possível a sua concretização;
– apoia ações que só podem ser financiadas mediante a congregação de recursos a nível da UE, devido à
grandeza das suas necessidades de financiamento;
– contribui para o estabelecimento e o apoio à paz e à estabilidade na e para além da vizinhança da União.
Importa, pois, relembrar que o principal objetivo da Política de Coesão é a convergência real entre Estados-
membros e entre regiões. Perante os desequilíbrios regionais – que são uma realidade também em Portugal –
é determinante promover o desenvolvimento harmonioso das regiões da Europa. Para cumprir esse objetivo, a
Política de Coesão deve ser dotada de um nível adequado e estável de recursos.
A coesão entre países e regiões será melhor assegurada se se promover, simultaneamente, a
competitividade externa e a coesão interna da União e dos países e das regiões dos Estados-membros. A
eficácia da Política de Coesão depende de um duplo foco nas seguintes áreas:
– Promoção da competitividade através da inovação, da qualificação dos recursos humanos e da qualidade
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dos serviços públicos,
– Sustentabilidade demográfica e inclusão, numa ligação mais estreita ao Pilar Europeu dos Direitos
Sociais, dando um maior relevo à qualificação dos jovens, ao apoio ao primeiro emprego, mas também à
desertificação do território.
A Política de Coesão no próximo QFP deve continuar a ser a principal política de investimento da União
Europeia. Deverá, tal como consagrado no Tratado, promover a redução das disparidades regionais e reforçar
a convergência.
Realçamos as sinergias entre os três fundos da Política de Coesão – o Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE) e o Fundo de Coesão, e por isso
condenamos e não aceitamos a proposta da Comissão. É crucial a manutenção, em qualquer caso, do
montante financeiro, a preços correntes, da Política de Coesão no sentido de não ser inferior ao orçamento
2014-2020.
O PIBpc deve continuar a ser o principal parâmetro para a definição e afetação dos envelopes nacionais e
regionais. O PSD reitera que Portugal se deverá pugnar pela atribuição de disposições específicas na Política
de Coesão para as regiões ultraperiféricas, rurais e transfronteiriças, que são realidades que a pluralidade
regional portuguesa apresenta.
Portugal, tal como outros países europeus, enfrentam um problema acrescido que é o despovoamento do
território do interior. Neste sentido, o Governo de Portugal deverá procurar incluir como parâmetro para a
definição e afetação dos envelopes nacionais e regionais o “despovoamento territorial” que se deve traduzir
como um novo estatuto ao nível europeu que procure defender os “territórios de baixa densidade
populacional”.
A redução do envelope financeiro para a Política de Coesão em aproximadamente 7%, conforme proposta
inicial da Comissão Europeia, não serve o interesse nacional, e subverte mesmo o princípio da solidariedade
da União Europeia.
2. Política Agrícola Comum
No caso da Política Agrícola Comum (PAC), o PSD defende uma política forte e coesa cujo orçamento
global permita a manutenção de uma agricultura sustentável no espaço europeu, conferindo aos consumidores
produtos alimentares a preços justos. É neste contexto que o PSD vê com elevada preocupação a proposta da
Comissão Europeia para o próximo quadro financeiro plurianual, prevendo um corte global de 5% na PAC.
O PSD entende que para garantir estes objetivos a nível nacional, o orçamento total da PAC não pode ser
inferior ao período em curso (2014-2020). Como tal, defende a manutenção da atual estrutura entre os dois
pilares, rejeitando cofinanciamentos para o 1.º pilar e um 2.º pilar cofinanciado que assegure o essencial apoio
ao investimento.
Ao nível dos pagamentos diretos o PSD defende, a nível externo, a continuação da convergência do valor
base do pagamento base, entre Estados-membros. Internamente que o 1º pilar assegure:
a) Manutenção de um regime de pequena agricultura;
b) Manutenção da possibilidade de existirem pagamentos ligados como meio eficaz de manter a atividade
agrícola e combater o abandono agrícola;
c) Evolução do “greening” para um sistema de certificação ambiental.
Quanto ao segundo pilar, que financia a componente de desenvolvimento rural da PAC e, nesse contexto o
investimento, o PSD considera crucial continuar a promover o dinamismo do sector agrícola e do mundo rural
através de volume de financiamento comunitário igual ao do atual programa (PDR 2020).
Nem mesmo o compromisso por parte do presidente da Comissão Europeia e do Comissário para
Agricultura, de que Portugal não perderá verbas ao nível dos pagamentos diretos, tranquiliza o PSD sobre o
volume futuro de financiamento da PAC.
Em primeiro lugar porque é imprevisível o rumo das medidas de mercado (englobadas no 1.º pilar),
atualmente direcionadas para a organização da produção.
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Em segundo lugar, porque para Portugal continua a ser crucial apoiar o investimento nas suas estruturas
agrícolas, fortalecendo o desenvolvimento rural. Mais, dada a diversidade cultural e produtiva do nosso país, o
programa de desenvolvimento rural nacional precisa de ser mais diversificado do que a generalidade dos
restantes Estados-membros. Exemplo disso é o PDR apoiar medidas destinadas às florestas, ao regadio, à
produção ou ao ambiente.
Em terceiro lugar porque considerando que Portugal é o Estado-membro com maior equilíbrio entre os dois
pilares (50%/50%), um corte de 5% no Desenvolvimento rural (5% em 50%) representa em termos relativos,
uma redução muito acentuada e um dos países mais prejudicados com a diminuição de verbas da UE.
Finalmente, num cenário de alterações climáticas em que Portugal é dos países mais expostos às
consequências parece ser incompreensível que o financiamento destinado à prevenção e ao auxílio ter termos
produtivos sejam diminuídos face ao volume atual.
Perante uma eventual redução de verbas da PAC o PSD julga essencial que países como Portugal cujos
impactos das alterações climáticas se manifestam transversalmente possam recorrer a diferentes fundos
estruturais para mitigar e prevenir esses efeitos. É o caso do financiamento de estudos, de projetos e
investimentos na área das florestas ou no armazenamento de reservas de água.
À semelhança da Política de Coesão e da Politica Agrícola Comum, o PSD entende que a Economia do
Mar em toda a sua versatilidade deve manter um nível de apoio semelhante ao Quadro Financeiro Plurianual
2014-2020.
3. Regiões Ultraperiféricas
O PSD entende que deve ser dada atenção adequada aos objetivos da Estratégia definida pela Comissão
Europeia para o Desenvolvimento das Regiões Ultraperiféricas. A manutenção de um apoio equilibrado a
estas regiões nos sectores relevantes é essencial para assegurar o cumprimento do seu regime consagrado
no Tratado. As necessárias transições económicas e sociais com que as RUP se comprometeram devem
continuar a ser apoiadas pela solidariedade financeira da União, com vista ao desenvolvimento das regiões.
Por conseguinte, e não obstante os instrumentos específicos em vigor no período de programação 2014-
2020, defende-se a compensação dos sobrecustos decorrentes da situação particular das regiões
ultraperiféricas, nomeadamente no âmbito da Política de Coesão, que inclua a flexibilidade da sua adaptação à
realidade territorial destas regiões.
Assim, apoia-se a manutenção (ou de preferência o aumento) do investimento e abrangência do Programa
de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade (POSEI), defendendo a manutenção do
POSEI Agricultura e o restabelecimento do POSEI Pescas. Como tal o PSD acompanha a posição de alguns
Estados-membros, entre os quais Portugal, que pretendem que estas negociações se processem de forma
autónoma.
Graças às Regiões Ultraperiféricas, a UE dispõe do maior território marítimo do mundo e de uma enorme
reserva de recursos marinhos que confere um acesso privilegiado aos mares e oceanos e, simultaneamente,
constitui uma oportunidade com um enorme potencial de desenvolvimento para criar emprego e impulsionar a
economia azul. Neste enquadramento, as RUP devem assumir uma gestão de proximidade dos seus espaços
marítimos.
A atividade de pesca nos Açores e na Madeira, como nas outras Regiões Ultraperiféricas, desempenha um
papel fundamental na autossuficiência alimentar e baseia-se num modelo artesanal caracterizado pela ligação
com outros setores como o turismo, a cultura e as tradições das comunidades costeiras. A frota de pesca das
RUP é constituída essencialmente por embarcações que utilizam técnicas de pesca seletiva, não predadoras
dos recursos, que contribui para uma pesca sustentável. Nesse sentido o FEAMP deverá autorizar o
financiamento da construção, renovação e modernização de novas embarcações de pesca.
4. Recursos Próprios
De forma a corresponder aos novos desafios da União, bem como para não reduzir o empenho comunitário
nos pilares da coesão e da PAC, a União Europeia precisa de um limite máximo de despesas do QFP não
inferior a 1,2% do RNB da UE 27, compatível com as suas necessidades e ambição.
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O PSD concorda que o sistema de recursos próprios deve ser mais simples, justo e transparente. É neste
contexto que as eventuais divergências entre Parlamento Europeu e Comissão Europeia sobre o volume de
financiamento do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e consequentemente sobre as variações para os
respetivos Estados-membros, merecem elevada preocupação, pois apontam para o facto de Portugal poder vir
a ser um dos principais perdedores de verbas comunitárias. Este cenário é para o PSD incompreensível, face
ao passado do nosso país, ao presente e aos desafios futuros.
A União tem agora uma oportunidade única para introduzir novos recursos próprios, provenientes de novas
fontes de financiamento, seguindo também as propostas apresentadas pelo Relatório Monti.
O PSD considera que os seguintes mecanismos permitirão reforçar a receita do orçamento europeu, sendo
necessário que o Governo assegure a não-penalização dos contribuintes:
a) taxa sobre as transações financeiras
b) afetação ao orçamento da União das receitas resultantes das coimas aplicadas às empresas por
violação do direito de concorrência da União
c) afetação de parte dos lucros do Banco Central Europeu à capacidade orçamental da zona euro
d) taxação sobre plataformas transnacionais e desterritorializadas do setor digital
e) diminuição da taxa de retenção dos direitos aduaneiros
f) taxas relativas ao comércio das licenças de emissão de poluentes
Convém sublinhar neste contexto que a criação de impostos é reserva da soberania dos Estados-membros,
e que as propostas elencadas nesta seção são matéria distinta, que visa exclusivamente aumentar os
recursos próprios da União sem extravasar essa soberania – e prerrogativa – nacional. De forma a evitar
eventuais penalizações sobre os nossos contribuintes, o Governo deverá proceder a um correspondente alívio
fiscal interno.
Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, a Assembleia
da República resolve recomendar ao Governo que:
1. Defenda o reforço financeiro do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) sugerindo a contribuição
dos Estados-membros para um mínimo de 1,2%, do RNB;
a. Promova o compromisso político entre os países que mais beneficiam da Política de Coesão no sentido
de reforçar a posição negocial, evitando os cortes financeiros anunciados pela Comissão.
2. Defenda, no âmbito do próximo QFP, a manutenção dos envelopes financeiros relativamente à Política
de Coesão e à Política Agrícola Comum no sentido de não serem inferiores ao orçamento de 2014-2020;
a. No âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) proceda a negociações no sentido de assegurar que
Portugal não tenha diminuição de verbas em nenhum dos dois pilares que compõem esta política comum.
b. Nos parâmetros para a definição e afetação dos envelopes nacionais e regionais seja incluído como
critério o despovoamento do território criando o estatuto de “território de baixa densidade”.
3. Pugne, no âmbito do próximo QFP, pelo cumprimento por parte da Comissão Europeia dos objetivos da
Estratégia definida pela própria Comissão para o desenvolvimento das regiões mais frágeis, denominadas
Regiões de Convergências;
4. Inste, no âmbito do próximo QFP, pelo cumprimento por parte da Comissão Europeia dos objetivos da
Estratégia definida pela própria Comissão para o Desenvolvimento das Regiões Ultraperiféricas, no sentido de
as RUP continuarem a ser apoiadas pela solidariedade financeira da União com vista à continuação do seu
desenvolvimento, tal como consagrado no Tratado;
5. Defenda novas formas de aumentar a receita comunitária sem penalizar os contribuintes,
nomeadamente, a diminuição da taxa de retenção dos direitos aduaneiros; as multas que são cobradas aos
países que violam as regras da concorrência; a aplicação de taxas sobre as transações financeiras
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internacionais; a introdução de taxas sobre as plataformas transnacionais do setor digital; através da
passagem dos lucros do BCE para a União Europeia; e a criação de uma maior taxação sobre o comércio das
licenças de emissão de poluentes.
Palácio de São Bento, 23 de maio de 2018.
Os Deputados do PSD: Fernando Negrão — Rubina Berardo — Carlos Alberto Gonçalves — António Costa
da Silva — Duarte Filipe Marques — Luís Leite Ramos — Berta Cabral — António Lima Costa — Maurício
Marques — António Ventura — Inês Domingos — Ana Oliveira — Maria Luís Albuquerque — Sara Madruga da
Costa — Paulo Neves — Miguel Morgado — Regina Bastos — Carlos Costa Neves — Maria das Mercês
Borges.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1649/XIII (3.ª)
CONCLUSÃO DAS OBRAS, EXTINÇÃO E TRANSFERÊNCIA DO PATRIMÓNIO DA «PARQUE
ESCOLAR, EPE»
A criação da «Parque Escolar, EPE» representou a desresponsabilização de sucessivos governos perante
a gestão do edificado e recursos materiais que constituem o parque escolar português, e constituiu mais um
passo na privatização da respetiva função e gestão.
A degradação acentuada a que chegou o estado material das escolas portuguesas só é justificável pela
subalternização a que esses mesmos governos, ao longo de décadas, votaram o parque escolar. O Partido
Comunista Português sempre denunciou essa política de desresponsabilização, nas suas diversas
expressões, e tem também denunciado as formas e artifícios que foram sendo criados e/ou mantidos para
contornar a responsabilidade do governo no que toca ao parque escolar.
A manutenção e a gestão do parque escolar devem ser da estrita competência do Estado, através do
Ministério da tutela, sem prejuízo de valorizar a criação de equipas ou serviços da administração direta do
Estado que possam intervir em articulação com toda a comunidade educativa.
A existência da «Parque Escolar» é incompatível com a necessidade de racionalização da utilização dos
recursos públicos e com a necessidade de gestão e controlo público do parque escolar, bens e serviços que o
compõem. Apenas o retorno da tutela sobre o parque escolar para o Ministério da Educação pode assegurar
um controlo público e democrático desse património e a transparência da sua gestão.
Além disso, a presente proposta pretende assegurar que eventuais processos de obras em curso não
sejam interrompidos, sendo concluídos e posteriormente transferida a gestão das escolas para a tutela direta
do Ministério da Educação. Nos casos em que as obras estejam já concluídas, propõe-se a imediata
passagem para o ministério, terminando o pagamento de rendas por parte das escolas à Parque Escolar, EPE.
O PCP entende que deve ser o próprio Estado, através do Ministério da Educação, a decidir
democraticamente a estratégia para as escolas, incluindo a gestão do parque escolar e dos recursos que o
integram.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei prevê:
a) A conclusão das obras adstritas à Parque Escolar, EPE, e a transferência do seu património para a
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esfera pública.
b) Um plano de intervenção nas escolas tuteladas pelo Ministério da Educação.
Artigo 2.º
Conclusão das obras adstritas à Parque Escolar, EPE
Até ao fim do ano de 2021 são concluídas todas as obras em curso, incluindo as que estejam em fase de
projeto.
Artigo 3.º
Extinção da Parque Escolar, EPE
Após a verificação do previsto no artigo anterior inicia-se o procedimento de extinção da empresa Parque
Escolar, EPE, de acordo com a legislação aplicável, sendo transferido para o Ministério da Educação o direito
de propriedade transferido para a Parque Escolar EPE, nos termos previstos do Decreto-Lei n.º 41/2007, de 21
de fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 83/2009, de 2 de abril.
Artigo 4.º
Plano de intervenção nas escolas tuteladas pelo Ministério da Educação
1 – O Governo procede ao levantamento das necessidades de requalificação das escolas tuteladas pelo
Ministério da Educação, no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei.
2 – Após o prazo previsto no número anterior, o Governo, no prazo de seis meses, planifica a construção
ou requalificação das escolas tuteladas pelo Ministério da Educação, priorizando as que forem consideradas
urgentes.
3 – As obras de construção ou requalificação previstas no número anterior devem ser iniciadas no prazo de
18 meses.
Artigo 5.º
Norma Revogatória
Após a verificação do previsto no artigo 3.º é revogado o Decreto-Lei n.º 41/2007, de 21 de fevereiro,
alterado pelo Decreto-Lei n.º 83/2009, de 2 de abril.
Artigo 6.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do
Estado subsequente.
Assembleia da República, 24 de maio de 2018.
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita — Ângela Moreira — Paula Santos — João Oliveira — António Filipe
— Jerónimo de Sousa — Francisco Lopes — Carla Cruz — Paulo Sá — João Dias — Rita Rato — Jorge
Machado — Diana Ferreira — Miguel Tiago — Bruno Dias.
————
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1650/XIII (3.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO QUE COMBATA O AUMENTO INEXPLICÁVEL DA DESPESA COM O
SUBSÍDIO POR DOENÇA
O Estado Social como forma organizativa da sociedade que dá resposta coletiva às necessidades de cada
uma das pessoas é o alicerce da sociedade moderna europeia, e, por isso, também de Portugal.
A prestação do subsídio por doença é paradigmática e comummente aceite como muito importante e
decisiva no suporte da sociedade aos seus membros quando estão numa situação de grande fragilidade,
como é o caso da doença.
Na verdade, o subsídio por doença é essencial para compensar a perda de remuneração do trabalhador
em caso de doença e é indispensável para atenuar os efeitos adversos da mesma.
Os montantes envolvidos na proteção social na doença pelo subsistema previdencial provêm das
contribuições e quotizações da responsabilidade dos empregadores e dos próprios trabalhadores.
Garantir os direitos legalmente reconhecidos é fundamental e para tanto é preciso que se combatam
decisivamente práticas abusivas, socialmente censuráveis, que malbaratam os dinheiros públicos destinados
ao subsídio por doença e os desviam da sua finalidade social.
É essencial acautelar a proteção social a quem efetivamente necessita por se encontrar numa situação de
doença.
Mas também é necessário garantir a manutenção da justiça social, assente numa cultura de partilha de
riscos sociais e coresponsabilização, a fim de prevenir e reforçar os mecanismos efetivos de combate à fraude
na obtenção do subsídio de doença, tendo em conta os reflexos significativos de tais práticas na
sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social.
Mais, como bem referem os parceiros sociais, a manifesta falta de controlo do Governo relativamente a
esta prestação está a minar os fundamentos da Segurança Social, nomeadamente o da solidariedade, a
prejudicar a sua sustentabilidade e a criar uma injustiça manifesta.
Aliás, cumpre aqui citar o Relatório de Sustentabilidade da Segurança Social, do Relatório do Orçamento
do Estado para 2018: “continuam-se a esperar os primeiros saldos negativos do sistema previdencial a partir
de meados da década de 2020”.
Acresce, ainda, que a inépcia do Governo prejudica a economia nacional e alimenta a economia paralela,
prejudicando as empresas, através de concorrência desleal, a Segurança Social, retirando quotizações e
contribuições e depauperando-a com prestações indevidas, e o Estado em geral, que é afrontado na sua
“auctoritas” o que leva, em última análise, ao prejuízo do cidadão zeloso e cumpridor.
Em julho de 2016, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, anunciava, em comunicado,
o início de um processo extraordinário de convocatórias ao serviço de verificação de incapacidades
temporárias (controle por subsídio por doença).
Esta ação abrangia beneficiários com baixa por doença há mais de quarenta dias consecutivos que não
tivessem sido convocados, com o propósito de alcançar, de forma mais eficaz, a deteção de fraude na
obtenção do subsídio por doença, na esperança de reduzir as despesas do Estado com esta prestação social.
Dizia então o Ministério da Segurança Social, que “esta medida assume uma particular relevância e
necessidade face ao acréscimo do número de beneficiários com ‘baixa’ e da despesa associada, registado nos
anos mais recentes”.
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Por sua vez, a Secretária de Estado da Segurança Social afirmava que a situação seria corrigida ao longo
de 2016 e 2017, com uma forte redução da despesa com o subsídio por doença.
Todavia, com o passar do tempo veio a demonstrar-se uma realidade bem diferente.
Em 2016 o Governo orçamentou uma redução de 5 milhões de euros ao valor da despesa executada no
subsídio por doença no ano de 2015, prevendo uma despesa de 397,6 milhões de euros.
Porém, nesse mesmo ano, o valor gasto foi superior em 60 milhões de euros ao orçamentado, totalizando
467,5 milhões de euros, o que representa um crescimento de 16% entre 2015 e 2016, ainda que o número de
beneficiários para este período somente tenha aumentado 3,8%.
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600,0
2015 2016 2017 2018
Despesa com subsídio por doença
valor orçamentadoFonte: Orçamentos de Estado e DGO
Milhões de Euros
+125M€+28%
+42,9M€+11%
+5,8M€+1,5%
403,0
467,5
511,2
0,0
100,0
200,0
300,0
400,0
500,0
600,0
2015 2016 2017
Despesa com subsídio por doença
valor executadoFonte: Orçamentos de Estado e DGO
Milhões de Euros
+64,5M€+16%
+43,7M€+9%
O número de beneficiários do processamento do subsídio por doença, em 2016 ultrapassou os 577 mil, o
que corresponde a um aumento superior a 21 mil beneficiários.
No ano de 2017 verificou-se um novo aumento de aproximadamente 52 mil beneficiários com
processamento de subsídio por doença, comparado ao ano de 2016, ou seja, em 2017 o número de
beneficiários cresceu 9%.
Quanto a valores, no Orçamento do Estado para 2017 estava prevista uma despesa com o subsídio por
doença de 440,5 milhões de euros.
Contudo, o valor total executado foi de 511,2 milhões de euros, ou seja, a despesa com o subsídio por
doença atingiu um valor superior em 44 milhões de euros relativamente ao ano anterior (um aumento anual de
9,4%) e aumentou 71 milhões de euros em relação ao valor estimado no Orçamento do Estado, ou seja, um
crescimento de 16% relativamente ao valor previsto.
Para se ter uma ideia mais exata deste aumento anómalo na despesa com subsídio por doença (valor
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II SÉRIE-A — NÚMERO 118
108
claramente descontrolado), basta referir que, entre 2015 e 2017 a despesa cresceu mais de 108 milhões de
euros, na percentagem de 27%.
Em 2017, na apresentação do Orçamento do Estado, o Ministro Vieira da Silva reconheceu que o Governo
falhou e não alcançou os objetivos que se propôs conseguir atingir de uma forte redução da despesa com o
subsídio por doença.
Segundo afirmou o Ministro, era necessário “utilizar critérios mais finos” para combater o recurso abusivo a
esta prestação.
É incontornável a notícia – confirmada oficialmente – que entre janeiro e setembro de 2017, dos 224 796
beneficiários do subsídio por doença chamados a uma junta médica, 21,5% estavam aptos a trabalhar!
Acontece, ainda, que no presente ano de 2018, e ao contrário do que o Ministro Ministério do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social e do que a Secretária de Estado da Segurança Social se comprometeram, a
despesa com o subsídio por doença continua com um crescimento bem superior ao previsto em Orçamento do
Estado.
O número de trabalhadores com baixas médicas é o mais alto dos últimos 20 anos, apesar de hoje haver
menos trabalhadores no ativo do que em 2001. A população ativa era então em número superior à registada
em 2017. Estavam empregados 5,1 milhões de portugueses, contra os 4,8 milhões que atualmente regista o
Instituto Nacional de Estatística.
Entre 2015 e 2017, em Portugal, a população empregada aumentou em 208 mil indivíduos, ou seja, teve
um crescimento aproximado de 5%.
Em termos de remuneração média, apesar de ainda não existirem dados referentes a 2017, no período
entre 2015 e 2016, a remuneração média aumentou 1%.
Ainda que o número de beneficiários com processamento de subsídio por doença tenha aumentado em
mais de 73 mil indivíduos, o que representa um crescimento de 13%, a despesa com o subsídio por doença
aumentou em mais de 108 milhões de euros, ou seja, entre 2015 e 2017 a despesa com o subsídio por
doença teve um acréscimo de 27%.
5.041,35.116,6
4.429,44.499,5
4.548,74.605,2
4.756,6
4.000
4.200
4.400
4.600
4.800
5.000
5.200
5.400
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
PortugalPopulação empregada
População empregadaFonte: INE
Milhares de indivíduos
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109
685,0 €
843,2 €909,5 €
913,9 €924,9 €
0
200
400
600
800
1.000
1.200
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
PortugalRemuneração base média mensal
Remuneração base média mensal Fonte: Pordata
Euros
É essencial apurar as reais razões subjacentes a essas baixas médicas como primeira medida para apurar
a dimensão de eventuais abusos.
Com efeito, no Orçamento do Estado do 2018, a despesa prevista para o subsídio por doença para o
referido ano é de 565,4 milhões de euros, ou seja, um aumento 125 milhões de euros relativamente ao valor
orçamentado para o ano de 2017 (mais 28%), que corresponde a um acréscimo de 54 milhões de euros
relativamente ao valor da despesa verificado em 2017, que equivale a um agravamento da despesa em,
aproximadamente, 11%.
Atualmente, os dados mais recentes, relativos a março de 2018, mostram que existem mais 30.341
beneficiários com processamento de subsídio por doença, relativamente a período homólogo de 2017, ou seja,
um crescimento superior a 25%.
E ao nível da despesa continua a trajetória ascendente, sendo que, no 1.º trimestre de 2018, a despesa
com subsídio por doença foi superior a 20% relativamente a período homólogo.
Considerando que a despesa com o subsídio por doença continua a crescer, ainda que o controlo através
da verificação das “baixas” por doença tenha sido alegadamente aumentado face aos anos anteriores, é
urgente que se tomem medidas de gestão rigorosa, justa, equitativa e transparente de dinheiros públicos,
nomeadamente dinheiros da Segurança Social.
A dimensão deste problema tem justificado a tomada de posições sobre este assunto por parte dos
parceiros sociais, nomeadamente da CIP, da UGT e da CGTP.
É inaceitável o descontrolo que se verifica atualmente na despesa com o subsídio por doença.
Trata-se de dinheiro que é de todos os contribuintes e que deve estar disponível para quem realmente
precisa porque está numa situação de doença.
Face a esta realidade, é indispensável que o Governo intensifique o controlo, e leve a cabo políticas de
prevenção nas áreas da higiene e saúde no trabalho, e privilegie ações preventivas de sensibilização e
avaliação das condições de trabalho.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Social
Democrata apresenta o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República
Portuguesa, recomendar ao Governo que:
1. Analise a situação do inexplicável aumento da despesa com o subsídio por doença, estude as
razões desta situação e identifique as suas causas;
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II SÉRIE-A — NÚMERO 118
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2. Proceda a um controlo efetivo da atribuição desta prestação e combata decisivamente os abusos
e fraudes existentes;
3. Promova ativamente campanhas de prevenção e fiscalização que reduzam a sinistralidade
laboral e as doenças profissionais.
Palácio de S. Bento, 23 de maio de 2018.
Os Deputados do PSD: Fernando Negrão — Adão Silva — Maria Mercês Borges — Clara Marques Mendes
— Carla Barros — Álvaro Batista — Susana Lamas — Rui Cruz.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1651/XIII (3.ª)
PROPÕE MEDIDAS PARA O PLENO APROVEITAMENTO DO INVESTIMENTO NA CONSTRUÇÃO DA
LIGAÇÃO FERROVIÁRIA SINES-ELVAS (CAIA) NO ÂMBITO DO TRANSPORTE DE MERCADORIAS
Exposição de motivos
Está a iniciar-se o processo de concurso para a construção do primeiro troço da via férrea que finalmente
restabelece a ligação entre a Linha do Alentejo e a Linha do Leste, ligando agora Évora a Elvas, com a
extensão de cerca de 80 km. A anterior ligação entre aquelas duas linhas era efetuada pelo itinerário
Évora/Estremoz/Portalegre.
Esta nova ligação foi inicialmente idealizada como um troço do projeto da linha de alta velocidade, para
tráfego misto e velocidade máxima de 350 km/h, entre Lisboa e a fronteira do Caia, suspenso em 2011.
Posteriormente esta mesma ligação foi retomada, passando a integrar o Plano Ferrovia 2020 como linha
essencialmente vocacionada para mercadorias, com as características de linha de tráfego misto, preparada
para a circulação de comboios de passageiros à velocidade máxima de 250 km/h.
Pela mão do governo PSD, a política de direita impôs entre 1987 e 1990 o encerramento de importantes
troços da malha ferroviária alentejana, a saber: Évora/Reguengos, Évora/Mora, Estremoz/Portalegre e
Beja/Moura. Foi inclusivamente encerrada a ligação que até então se fazia entre a Linha do Alentejo e a Linha
do Leste, pelo itinerário acima referido, que integrava também a ligação ferroviária de Estremoz a Vila Viçosa.
Em 2012, a mesma política de direita, executada desta vez pelo governo PSD/CDS, encerrou os serviços
da Linha do Leste.
Com a luta das populações o tráfego da Linha do Leste foi recuperado parcialmente em 2015 mas só em
janeiro de 2016 as suas espectativas foram correspondidas com o retorno do transporte ferroviário de
passageiros na totalidade da linha do Leste, com frequência diária, com aprovação por unanimidade na
Assembleia da República. E a partir de 29 de agosto de 2017 a ligação diária entre o Entroncamento e Elvas
estendia-se a Badajoz.
Este é um exemplo do caminho a prosseguir para travar o despovoamento do interior, fixar as populações e
criar atratividade para o repovoamento.
A atual situação do País, os recentes acontecimentos verificados em várias dimensões da vida nacional
provam que o povo português está a pagar bem cara a fatura da política de direita, de abandono e degradação
dos serviços públicos, das empresas públicas e das funções do Estado.
A nova ligação Évora/Elvas deve por isso ser olhada como uma importante linha ferroviária para o interior
do país, com a mesma relevância que lhe é dada como troço de uma linha internacional de mercadorias. E é
sabido que por onde passam comboios internacionais de mercadorias também passam comboios nacionais de
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mercadorias.
Dá-se a circunstância, conhecida, de que a meio desta nova ligação, de 80 km de extensão, situam-se os
aglomerados urbanos da Serra d’Ossa, Redondo, Alandroal, Vila Viçosa, Borba e Estremoz com população
que carece de ser fixada e atividades económicas diversas, da agricultura à indústria das rochas ornamentais,
a desenvolver.
E, apesar disso, nenhuma das três estações técnicas, localizadas de 20 em 20 km, destinadas ao
cruzamento de comboios, que no caso dos comboios de mercadorias podem ter 750 m de extensão, está
concebida com a componente de estação para mercadorias, com capacidade e meios para operações de
carga e descarga.
Nem tão-pouco são conhecidos estudos dos impactos desta nova ligação na promoção do equilíbrio do
ordenamento do território, uma vez potenciadas com esta nova ligação entre a Linha do Alentejo e a Linha do
Leste, diversas atividades económicas.
Destacam-se designadamente a agricultura, a silvicultura, a indústria das rochas ornamentais
particularmente vocacionada para a utilização do transporte ferroviário, todas elas atividades que requerem
uma abordagem integrada da realidade local, o envolvimento de municípios e empresas da região e a sua
auscultação, por tipo de atividade, quanto à atratividade do transporte de matérias-primas e produtos
acabados pelo modo ferroviário na perspetiva atual e futura para cenários de desenvolvimento e de origem e
destino.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República,
recomendar ao Governo que adote as medidas necessárias ao pleno aproveitamento do investimento na
construção da ligação ferroviária Sines/Elvas (Caia) no âmbito do transporte de mercadorias, designadamente
considerando:
1 – a concretização do projeto de forma que permita o aproveitamento futuro da infraestrutura ferroviária
para o desenvolvimento das atividades produtivas;
2 – a concretização da solução técnica adequada à possibilidade de carga e descarga de mercadorias em
Vendas Novas, Évora e na designada zona dos mármores, abrangendo os concelhos de Alandroal, Borba,
Estremoz e Vila Viçosa, nomeadamente aproveitando o troço que atravessa o concelho de Alandroal;
3 – a definição da solução técnica adequada à possibilidade de carga e descarga de mercadorias em cada
um desses pontos tendo em consideração as exigências específicas dos sectores produtivos já instalados e a
potenciar;
4 – a definição de um plano para o desenvolvimento do transporte ferroviário de mercadorias de âmbito
regional que considere medidas de reativação, recuperação e ampliação da rede ferroviária existente;
5 – a definição de condições que permitam o aproveitamento das potencialidades existentes na região para
a construção da infraestrutura ferroviária, nomeadamente quanto à matéria-prima existente na região como a
resultante de escombreiras das pedreiras.
Assembleia da República, 23 de maio de 2018.
Os Deputados do PCP: João Oliveira — João Dias — Bruno Dias — Rita Rato — António Filipe — Paula
Santos — Francisco Lopes — Jerónimo de Sousa — Paulo Sá — Jorge Machado — Diana Ferreira — Ângela
Moreira — Carla Cruz — Miguel Tiago — Ana Mesquita.
————
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1652/XIII (3.ª)
PROPÕE MEDIDAS PARA O PLENO APROVEITAMENTO DO INVESTIMENTO NA CONSTRUÇÃO DA
LIGAÇÃO FERROVIÁRIA SINES-ELVAS (CAIA) NO ÂMBITO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
Exposição de motivos
Está a iniciar-se o processo de concurso para a construção do primeiro troço da via férrea que finalmente
restabelece a ligação entre a Linha do Alentejo e a Linha do Leste, ligando agora Évora a Elvas, com a
extensão de cerca de 80 km. A anterior ligação entre aquelas duas linhas era efetuada pelo itinerário
Évora/Estremoz/Portalegre.
Esta nova ligação foi inicialmente idealizada como um troço do projeto da linha de alta velocidade, para
tráfego misto e velocidade máxima de 350 km/h, entre Lisboa e a fronteira do Caia, suspenso em 2011.
Posteriormente esta mesma ligação foi retomada, passando a integrar o Plano Ferrovia 2020 como linha
essencialmente vocacionada para mercadorias, com as características de linha de tráfego misto, preparada
para a circulação de comboios de passageiros à velocidade máxima de 250 km/h.
Pela mão do governo PSD, a política de direita impôs entre 1987 e 1990 o encerramento de importantes
troços da malha ferroviária alentejana, a saber: Évora/Reguengos, Évora/Mora, Estremoz/Portalegre e
Beja/Moura. Foi inclusivamente encerrada a ligação que até então se fazia entre a Linha do Alentejo e a Linha
do Leste, pelo itinerário acima referido, que integrava também a ligação ferroviária de Estremoz a Vila Viçosa.
Em 2012, a mesma política de direita, executada desta vez pelo Governo PSD/CDS, encerrou os serviços
da Linha do Leste.
Com a luta das populações o tráfego da Linha do Leste foi recuperado parcialmente em 2015 mas só em
janeiro de 2016 as suas espectativas foram correspondidas com o retorno do transporte ferroviário de
passageiros na totalidade da Linha do Leste, com frequência diária, com aprovação por unanimidade na
Assembleia da República. E a partir de 29 de agosto de 2017 a ligação diária entre o Entroncamento e Elvas
estendia-se a Badajoz.
Este é um exemplo do caminho a prosseguir para travar o despovoamento do interior, fixar as populações e
criar atratividade para o repovoamento.
A atual situação do País, os recentes acontecimentos verificados em várias dimensões da vida nacional
provam que o povo português está a pagar bem cara a fatura da política de direita, de abandono e degradação
dos serviços públicos, das empresas públicas e das funções do Estado.
A nova ligação Évora/Elvas deve por isso ser olhada como uma importante linha ferroviária para o interior
do país, com a mesma relevância que lhe é dada como troço de uma linha internacional de mercadorias e de
passageiros. E é sabido que por onde passam comboios internacionais também passam comboios regionais.
Dá-se a circunstância, conhecida, de que a meio desta nova ligação, de 80 km de extensão, situam-se os
aglomerados urbanos da Serra d’Ossa, Redondo, Alandroal, Vila Viçosa, Borba e Estremoz com população
que carece de ser fixada e atividades económicas diversas, da agricultura à indústria das rochas ornamentais,
a desenvolver.
E, apesar disso, nenhuma das três estações técnicas, localizadas de 20 em 20 km, destinadas ao
cruzamento de comboios, que no caso dos comboios de mercadorias podem ter 750 m de extensão, está
concebida com a componente de estação para passageiros.
Nem tão-pouco são conhecidos estudos dos impactos desta nova ligação na promoção do equilíbrio do
ordenamento do território, uma vez potenciadas com esta nova ligação entre a Linha do Alentejo e a Linha do
Leste, diversas novas ligações regionais.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte:
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Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República,
recomendar ao Governo que adote as medidas necessárias ao pleno aproveitamento regional do investimento
na construção da ligação ferroviária Sines/Elvas (Caia) no âmbito do transporte de passageiros,
designadamente considerando:
1 – a concretização do projeto de forma que permita o imediato aproveitamento da infraestrutura para o
transporte de passageiros, designadamente considerando a possibilidade de instalação da componente de
estação de passageiros onde a sua localização se revele mais adequada à mobilidade das populações;
2 – a definição de um plano para o desenvolvimento do transporte ferroviário de passageiros de âmbito
regional de forma a proporcionar e promover o transporte ferroviário na mobilidade das populações e
considerando medidas de reativação, recuperação e ampliação da rede ferroviária existente.
Assembleia da República, 23 de maio de 2018.
Os Deputados do PCP: João Oliveira — João Dias — Bruno Dias — Rita Rato — António Filipe — Paula
Santos — Francisco Lopes — Jerónimo de Sousa — Paulo Sá — Jorge Machado — Diana Ferreira — Ângela
Moreira — Carla Cruz — Miguel Tiago — Ana Mesquita.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1653/XIII (3.ª)
REDUÇÃO DO IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS (ISP)
Os preços do gasóleo e da gasolina em Portugal estão a atingir muito elevados, dos mais elevados do
mundo.
O Governo e a Maioria das Esquerdas contribuíram significativamente para o agravamento dos preços dos
combustíveis, ao procederem a sucessivos aumentos do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) em
2016, 2017 e 2018. Se compararmos os preços médios dos combustíveis de 2018 com os de 2015, conclui-se
que: na gasolina, 68% do aumento do preço médio resulta do agravamento de impostos (9 cêntimos de
aumento do preço médio, dos quais 6 cêntimos são por aumento de impostos); no gasóleo, 75% do aumento
do preço médio resulta do agravamento de impostos (12 cêntimos de aumento do preço médio, dos quais 9
cêntimos são aumento de impostos).
Portanto, os portugueses pagam hoje preços de combustíveis mais elevados, sobretudo por causa do
aumento dos respetivos impostos decidido pelo Governo com o apoio de PS, BE e PCP.
Se é verdade que há um efeito do preço do petróleo e da variação cambial, também é verdade que a maior
contribuição veio do aumento dos impostos.
É por isso que comparando a diferença de preços entre Portugal e Espanha, e entre Portugal e a média
europeia, na atualidade face a dezembro de 2015, se verifica um agravamento da situação de Portugal.
Nestes dois anos e meio o diferencial de Portugal agravou-se: na gasolina, de mais de 17,9% para mais 20,1%
face a Espanha, e de mais 10,3% para mais 13,4% face à média europeia; no gasóleo de mais 8,7% para
mais 11,7% de diferencial de preço face a Espanha, e de menos 1,0% para mais 4,7% face à média europeia,
no gasóleo.
A sucessão de aumentos de impostos sobre os combustíveis começou em 2016, com duas pequeníssimas
e insuficientes reduções pelo meio. Na Portaria n.º 24-A/2016, de 11 de fevereiro, o Governo procedeu a um
aumento do ISP no valor de seis cêntimos, o qual, somado ao correspondente imposto sobre o valor
acrescentado (IVA), se traduziu num aumento global de cerca de 7,4 cêntimos sobre o preço do gasóleo e da
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gasolina.
Posteriormente, a Portaria n.º 345-C/2016, de 30 de dezembro, veio aumentar em dois cêntimos o ISP
sobre o gasóleo, por contrapartida de uma diminuição de igual montante do ISP sobre a gasolina. Esta
alteração, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2017, afetou a grande maioria dos portugueses – empresas e
particulares – considerando que a quantidade de gasóleo rodoviário vendido representa o quádruplo da
gasolina.
Por último, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2018, a Portaria n.º 385-I/2017, de 29 de dezembro,
procedeu à atualização em 1,4% das taxas de imposto aplicáveis ao gasóleo e à gasolina.
Todos estes acréscimos no ISP contribuíram para o aumento da carga fiscal global em Portugal para um
nível nunca antes atingido, contribuíram para uma nova austeridade, feita de impostos indiretos, que as
famílias e as empresas estão a pagar.
Desde 2016, e como resulta das estimativas quer da UTAO, quer do próprio Governo nos Relatórios dos
Orçamentos do Estado, com estes agravamentos da tributação sobre os combustíveis os portugueses
pagaram mais de 1000 milhões de euros adicionais de impostos, simplesmente por efeito do agravamento
daqueles impostos. Mais 1000 milhões de euros de austeridade encapotada e socialmente mais injusta
imposta pelo Governo e a Maioria das Esquerdas.
Por outro lado, é natural que os portugueses se sintam indignados por o Governo ter incumprido a
promessa que fez. Em 2016, aquando do primeiro aumento, o Governo prometeu que o agravamento iria ser
neutral e que estaria apenas a compensar a quebra de receita do IVA decorrente da diminuição da cotação
internacional dos combustíveis. O Governo prometeu também que, caso os preços dos combustíveis
aumentassem, reduziria então o ISP para anular o que os portugueses teriam de pagar adicionalmente (por via
do IVA).
Mas desde então – e especialmente nos últimos meses – os preços subiram consideravelmente e o
Governo quebrou a sua promessa de reduzir o ISP.
O PSD, que desde o início tem condenado os aumentos de ISP introduzidos pelo Governo, considera que a
tendência consistente de aumento do preço dos produtos petrolíferos não permite que o Governo continue a
ignorar a promessa de neutralidade fiscal feita em 2016. Assim, há que proceder de imediato à redução da
tributação sobre os combustíveis, sendo possível diminuir as taxas de ISP sem afetar a receita fiscal de 2018,
na medida em que este seja reduzido em montante idêntico ao do aumento da receita de IVA decorrente do
aumento dos preços dos produtos petrolíferos.
A proposta apresentada neste projeto de resolução pode ser implementada de imediato. É que os
aumentos do ISP foram aprovados pelo Governo através de portaria, pelo que pode e deve ser por portaria –
imediata! – que o Governo cumpre o proposto nesta Resolução.
Acresce que a proposta de redução do ISP aqui apresentada pelo PSD respeita a “lei-travão”, na medida
em que estabelece uma redução de ISP equivalente ao montante da receita adicional de IVA em
consequência do aumento do preço. Ou seja, a proposta do PSD assegura a neutralidade em termos de
receita fiscal e protege os portugueses face ao aumento do preço dos combustíveis.
Esta proposta do PSD parece ser a única que simultaneamente protege as famílias e empresas e pode ser
implementada de imediato.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PSD, propõem que a Assembleia da
República recomende ao Governo que:
1) Publique, no prazo de 10 dias, o montante estimado da receita adicional do IVA sobre os
preços dos combustíveis em 2018, comparando com a previsão dessa receita fiscal que foi
considerada na proposta do Orçamento do Estado para 2018 (entregue em outubro de 2017), tendo
em conta as variações do preço do petróleo, das taxas de câmbio EUR-USD e dos preços dos
combustíveis atuais face àqueles subjacentes à proposta do OE 2018;
2) Aprove de imediato uma portaria que reduza o imposto sobre os produtos petrolíferos num
montante estimado igual ao da receita adicional de IVA que atualmente se prevê resultar do
agravamento dos preços dos combustíveis, garantindo a neutralidade ao nível da receita fiscal;
3) Retome as revisões trimestrais do ISP, publicando simultaneamente uma atualização (a) das
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previsões de variação na receita de IVA sobre os combustíveis e (b) da portaria que estabelece as
taxas de ISP, alterando este imposto em consonância com tais variações, de modo a garantir a
neutralidade ao nível da receita fiscal.
Assembleia da República, 23 de maio de 2018.
Os Deputados do PSD: Fernando Negrão — António Leitão Amaro — Emídio Guerreiro — Duarte Pacheco
— Paulo Rios de Oliveira — Cristóvão Norte — Carlos Silva — Cristóvão Crespo — Sara Madruga da Costa —
Adão silva — Margarida Mano — António Costa Silva — Rubina Berardo — José de Matos Rosa — Margarida
Balseiro Lopes — António Ventura — Maria Manuela Tender — Jorge Paulo Oliveira — Maria das Mercês
Borges — Ulisses Pereira — Carlos Peixoto — Fernando Virgílio Macedo — Inês Domingos — Bruno Coimbra
— Clara Marques Mendes.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.