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24 DE AGOSTO DE 2018 3

Há alguma justificação para esta realidade? Com efeito, as remunerações dos gestores não têm relação com

o desempenho das empresas, nem em termos operacionais nem em termos da sua cotação na bolsa, como

demonstrou o levantamento feito por Pedro Curvêlo, do Jornal de Negócios. Peter Drucker, porventura a

referência mais celebrada da Gestão Moderna, defendia que o rácio entre o salário mais elevado e o salário

mais baixo de uma empresa não devia exceder os 25. Hoje, nas grandes empresas, a disparidade é muitíssimo

superior a esse leque.

A desigualdade de rendimentos combate-se por múltiplos meios. Desde logo por via fiscal (com impostos

progressivos sobre o rendimento, mas também sobre o património), mas também com políticas públicas que

garantam transferências sociais diretas (que são um mecanismo de distribuição de riqueza e de combate à

pobreza), com serviços públicos (que são uma forma de salário indireto). Combate-se, igualmente, com políticas

salariais, para as quais o aumento do salário mínimo dá um contributo, mas que dependem da capacidade que

existe de, por via da negociação e da contratação coletiva, distribuir de forma menos escandalosamente

unilateral a riqueza que as empresas produzem.

Mas os Estados, enquanto instância reguladora da economia, podem fazer mais. Por isso, a definição de

leques salariais de referência é um debate que tem vindo a ser feito em cada vez mais países. Na Suíça, por

exemplo, 100 mil cidadãos propuseram ao Parlamento, em 2011, a fixação por lei de um leque salarial máximo.

De acordo com essa proposta, ninguém deveria poder ganhar num mês mais do que outro, na mesma empresa,

ganha num ano. Com esta regra, se os membros da Administração querem ganhar mais, têm de aumentar na

mesma proporção os seus trabalhadores. O movimento ficou conhecido como o 1/12 e conseguiu que se

realizasse um referendo em novembro de 2013. Mas, com os fantasmas das deslocalizações e da redução das

receitas fiscais a serem o prato forte da campanha, a proposta não teve maioria nessa consulta popular. Em

França, a 13 de abril de 2016, foi apresentada no Parlamento uma proposta com o mesmo objetivo: definir um

rácio máximo, mas desta vez de 1/20, nos salários da mesma empresa ou grupo. Perante a pressão, a proposta

foi transformada num rácio muito maior: 1/100. Mesmo assim, de acordo com um relatório do parlamento francês,

a definição legal desse rácio de 1/100 representaria ainda uma redução de 58% nas remunerações dos gestores

das 40 maiores empresas francesas (o CAC-40). O projeto de lei, votado em maio daquele ano, acabou por ser

chumbado por apenas um voto de diferença. Mas o debate está longe de estar encerrado.

Em Portugal, a divulgação anual dos salários dos gestores das empresas do PSI-20 costuma gerar

declarações púbicas indignadas contra a desigualdade salarial. Aquando da divulgação dos dados sobre a

desigualdade salarial nas empresas do PSI-20, em maio de 2017, o Presidente da República considerou que

«Há uma tendência internacional empresas terem ordenados dos gestores que chocam flagrantemente com os

vencimentos dos trabalhadores. Esse é um problema que, no caso de Portugal, se torna mais evidente por

serem poucas empresas. Daí ser mais chocante esse panorama», defendendo que se fizesse um debate para

mudar «o que é preciso ser corrigido e como precisa ser corrigido de uma forma que tenha presente a justiça

social». No congresso do Partido Socialista, em 2016, a JS apresentou uma proposta para que o governo avance

com um rádio 1/20 nas empresas públicas. No Congresso deste ano, o líder daquela estrutura afirmou ser «um

dever moral legislar sobre as desigualdades salariais».

Também o Primeiro-Ministro António Costa, referindo-se, no passado dia 11 de agosto, às diferenças entre

o salário mais alto e o salário médio das empresas do PSI-20 (37 vezes) e dando outros exemplos (a EDP, por

exemplo), defendeu que «é fundamental as empresas alterarem radicalmente as suas políticas salariais» e que

«as empresas têm de alterar as estruturas salariais. Não é possível pagarem tanto a quem está no topo e tão

baixo a quem está nos outros escalões».

Ora, é justamente isso que pretende o Bloco de Esquerda com a apresentação deste projeto de lei: assumir

a responsabilidade de avançar com mais um instrumento para combater estas desigualdades que todos

consideram chocantes e condenáveis.

Para isso, determina-se que o Governo estabelece um «Leque salarial de referência», entendido como o

diferencial máximo entre a remuneração mais elevada e a remuneração mais baixa paga por uma mesma

entidade empregadora. Os leques salariais de referência aplicam-se ao setor público, mas também ao setor

privado, por via das relações que estabelece com Estado em termos de concursos públicos, apoios no âmbito

de políticas públicas e benefícios fiscais. Assim, as entidades empregadoras cujo leque salarial desrespeite o

leque salarial de referência definido ficam privadas do direito de participar em arrematações ou concursos

públicos, bem como de beneficiar de quaisquer benefícios ou subsídios e apoios definidos pelos programas

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