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II SÉRIE-A — NÚMERO 71

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 2033/XIII/4.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE SEJA CRIADO UM CÓDIGO DE CONDUTA ADAPTADO À

CONVENÇÃO DE ISTAMBUL VISANDO A ADEQUADA COBERTURA NOTICIOSA DE CASOS DE

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA IMPEDINDO UM EXPECTÁVEL EFEITO CONTÁGIO

O crime de violência doméstica, tipificado no artigo 162.º do Código Penal, consubstancia um dos fenómenos

criminológicos com maior grau de incidência na sociedade portuguesa, correspondendo a uma realidade

transversal a todos os grupos sociais e faixas etárias.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna de 2017, registaram-se em todo o território nacional,

26713 ocorrências (preocupante média de 73 ocorrências/dia).

Estamos perante um crime com gravosas e profundas repercussões nos planos pessoal, familiar, profissional

e social das vítimas em causa, conjuntura que é merecedora das devidas e adequadas respostas.

Trazemos à colação uma notícia1 que dá conta do facto de terem morrido duas mulheres por semana desde

início de janeiro, vítimas de violência doméstica, às mãos de maridos, mulheres ou ex-companheiros.

A Ciência tem desenvolvido um trabalho de identificação da correlação entre os casos crescentes de

perpetração do crime de violência doméstica com a forma como os meios de comunicação social têm vindo a

difundir as notícias sobre o homicídio de mulheres em contexto de violência doméstica.

Alguns estudos internacionais têm (traz- se à colação um denominado «The effect of television news items

on intimate partner violence murders»2) demonstrado que a desadequada cobertura noticiosa de casos de

femicídio está associada a um aumento do número de mortes de mulheres vítimas de violência doméstica nos

sete dias após a difusão das notícias, verificando-se um efeito mimético (de imitação).

Esta tendência parece estar relacionada com a proliferação de mensagens assentes na impunidade dos

agressores e nas falhas do sistema.

Um recente estudo pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (doravante denominada ERC) concluiu

que existe «pouco investimento na problematização deste fenómeno social», bem como «rigor informativo» na

difusão de notícias, o que perpetua «estereótipos das relações de géneros na intimidade».

Por outro lado, identificou-se uma diminuição do número de crimes nos dias imediatamente a seguir à difusão

de notícias/reportagens sobre prevenção/intervenção no âmbito da violência doméstica.

Documentadas que estão estas relações, a abordagem mediática dos casos de femicídio deve ser feita com

especial cautela e rigor, evitando que se alimente junto das vítimas um sentimento de insegurança e de

desproteção e, junto dos agressores, por contraste, uma ideia de tolerância e legitimidade.

Em alguns países da Europa, como é o caso espanhol, foi criado um código de conduta que visa garantir a

adequada cobertura noticiosa de casos de violência de género, medida esta perfeitamente alinhada com a

Convenção de Istambul (designadamente no artigo 17.º), a qual exorta a comunicação social a definir «(...)

diretrizes e regras de autorregulação para prevenir a violência contra as mulheres e reforçar o respeito pela sua

dignidade».

O Jornal Público, de 14 de fevereiro de 2019, dá conta desta realidade onde destaca em parangonas que

«notícias sobre casos de violência doméstica incentivaram agressores», explicitando que «estudos mostram

que as notícias sobre violência doméstica, quando mal enquadradas, podem inspirar potenciais agressores e

desmotivar as vítimas a pedirem ajuda».

O jornal supra explicitado conversou com especialistas na matéria e os pareceres são unânimes nas

respetivas conclusões – «a comunicação social não está a cumprir o seu papel pedagógico e está a contribuir

para o efeito de mimetização dos crimes».

Os contextos opinativos relativos à relação entre agressor e vítima abarcam pormenores sobre ferimentos e

as armas utilizadas no cometimento dos crimes, dados estes que «não acrescentam valor informativo para a

perceção do problema social da violência doméstica», contribuindo desta forma para associar «juízos de valor

que reforçam estereótipos existentes e desculpabilizam o agressor»3. (sublinhados e negritos nossos)

1 Passível de verificação em https://www.jn.pt/nacional/videos/interior/primeira-pagina-em-60-segundos-duas-mulheres-assassinadas-por-semana-desde-janeiro-10592880.html. 2 Vives-Cases et al., 2009. 3 Vide estudo da ERC mencionado no corpo do texto.

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