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10 DE ABRIL DE 2019

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É também evidente que, na prática, o argumento que postula a «unificação» do Português como

instrumento a utilizar nos fora internacionais não procede, na medida em que não só é reconhecida por este

AO a dupla grafia, como, em termos lexicais, as diferenças que existem no seio da CPLP não permitem a

adoção de uma «língua única» (a título de exemplo, veja-se como as designações

‘autocarro’/‘machimbombo’/‘ónibus’ ilustram essa salutar diversidade lexical).

Há ainda a referir as flagrantes contradições que se revelam na conservação ou não das raízes

etimológicas dos vocábulos. Se, por um lado, o étimo é o pretexto para a manutenção de algumas consoantes

(ver, como exemplo, AO, Base II, 1, a: «por força da etimologia»), por outro a esmagadora maioria das

alterações propostas elimina, em nome da simplificação e aproximação à oralidade, essa matriz vocabular (tal

sucede, por exemplo, com a eliminação do C em ‘ator’ ou do P em ‘adoção’).

De referir também que, se o objetivo era «uniformizar», tanto as inúmeras «facultatividades» como as

indeterminações que perpassam por todo o texto do AO constituem em si mesmas a negação total do próprio

conceito de «ortografia». A dupla grafia, cavalo de batalha que o Acordo pretendia definitivamente abater, não

apenas se mantém como, pasme-se, estão no dito Acordo previstos vários casos de palavras (lexemas) em

que se introduzem duplas grafias antes inexistentes!

Uma outra particularidade que também, a par das tantas já enumeradas, ilustra a demagogia deste AO tem

a ver com a ordem sintática dos elementos nas orações/frases, particularmente as chamadas posições clíticas.

Se bem que ortografia e sintaxe sejam «ciências» distintas, num entendimento mais abrangente é lícito

relacionar essa ordenação com o conceito de escrita (mais ou menos) correta e, logo, com ortografia. Ora, o

facto é que a colocação dos pronomes oblíquos átonos é diferente no Brasil e em Portugal; enquanto o Brasil

prefere o uso da próclise (pronome antes do verbo, como em «te observar») e praticamente nunca recorre à

mesóclise (pronome colocado no meio do verbo, como em «observar-te-ei»), em Portugal esta é a fórmula

adotada e, ao invés da próclise, usa-se a ênclise («observar-te»). Sendo assim, a dualidade que se verifica

não permite um modo único de grafar os textos ou, como se pode depreender, disto resulta, numa aceção

mais lata, a vigência (também aqui) de uma dupla ortografia – o que é incompatível com um projeto que

reclama e proclama a «unificação ortográfica».

A posição cuidadosa adotada por Angola, que ainda não ratificou o AO, é um forte indício – ou mesmo a

comprovação – de que este Acordo enferma de outra deficiência: o não ser abrangente. O imediatismo e a

pressa com que foi gizado não contemplou outros «falares» ou «variantes» do Português (neste caso, o

Português que se fala e escreve em Angola) – ou, pelo menos, fê-lo de forma incompleta. Torna-se assim fácil

constatar, por conseguinte, que este é um projeto condenado ao fracasso porque, também neste caso, ele é

inconsistente. E daqui poderá advir, em última análise, uma situação caricata: Angola e Moçambique (que

também ainda não ratificou o AO) continuariam a usar o Português Europeu enquanto Portugal «adotaria»

uma putativa e inexistente «norma brasileira», através de um bizarro processo de contaminação e

descaracterização da sua matriz original.

De resto, o facto de a «uniformização ortográfica» ser uma total impossibilidade técnica está expresso no

próprio texto do Acordo Ortográfico. A respetiva Nota Explicativa (cf. «Sistema de acentuação gráfica») o diz

taxativamente:

«2.4 Avaliação estatística dos casos de dupla acentuação gráfica

Tendo em conta o levantamento estatístico que se fez na Academia das Ciências de Lisboa, com base no

já referido corpus de cerca de 110 000 palavras do vocabulário geral da língua, verificou-se que os citados

casos de dupla acentuação gráfica abrangiam aproximadamente 1,27% (cerca de 1400 palavras).

Considerando que tais casos se encontram perfeitamente delimitados, como se referiu atrás, sendo assim

possível enunciar a regra de aplicação, optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos

onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.

Temos, portanto, que no mesmo documento oficial se advoga a «unificação ortográfica», ou seja, a

eliminação da dupla grafia como objetivo primordial, mas com a «ressalva» de essa mesma dupla grafia não

apenas se manter (e não só no caso da acentuação mas também nos das chamadas consoantes mudas e no

da maiusculização) como, ainda por cima, a dupla grafia se poderá multiplicar até ao infinito, isto é, até onde

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