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24 DE JUNHO DE 1995

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b) Recomende a petição à Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) para conhecimento dos factos e acções a tomar e que a envie, igualmente, ao Governo pelas implicações a nível diplomático; e, finalmente, que

c) Proceda a todas as diligências que julgue pertinentes para a defesa dos citados princípios constitucionais, legais e morais.

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Questões prévias

1 — Em primeiro lugar, chamamos a atenção para o facto de que a Alta Autoridade para a Comunicação Social teve já oportunidade de se pronunciar relativamente ao objecto das duas petições. De facto, em resultado de várias queixas apresentadas junto daquele órgão, foi, em Março 1993, tomada uma deliberação, posteriormente publicada no jornal Expresso, cujas conclusões se transcrevem:

Sobre as queixas contra o Expresso, na sequência de um cartoon de António, na edição de 5 de Dezembro de 1992, em que a figura do Papa era apresentada com o preservativo no nariz, a Alta Autoridade para a Comunicação Social

a) Reconhece a existência de razões que legitimam o sentimento de que a imagem pode ser ofensiva, gratuita ou chocante aos olhos de um considerável número de pessoas, dadas as interpretações equívocas a que se presta, a eventual dificuldade em lhe atribuir um sentido crítico preciso e, ainda, a desvalorização dos especiais atributos da pessoa visada, não só como Chefe da Igreja Católica, mas também como referência espiritual geralmente respeitada;

b) Considera, no entanto, que a caricatura não ultrapassou os limites postos pela lei vigente à liberdade de imprensa, tendo em conta a projecção social e política no contexto da luta pela prevenção da sida, das posições assumidas publicamente pela igreja em relação ao uso do preservativo, o grau de intensidade e de violência socialmente aceite no debate público de ideias e de opinião opostas, o carácter específico do cartoon ou da caricatura enquanto veículo da crítica, onde os excessos são atenuados pelo humor e pelo desvirtuamento intencional da realidade, a tradição liberal que nesta matéria é apanágio das sociedades ocidentais, incluindo a portuguesa, bem como, finalmente, a dimensão universal da figura do Papa e a impossibilidade de que a caricatura ponha em causa de forma relevante a sua imagem, reputação ou credibilidade perante o cidadão comum.

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1 — O primeiro aspecto a ter em consideração prende-se com o carácter de Chefe de Estado estrangeiro que é o Papa João Paulo JJ.

A honra de um representante de Estado estrangeiro está penalmente protegida no artigo 353.° do Código Penal Português («Ofensas a representantes de Estado estrangeiros»).

Para que se verifique a incriminação é necessário que o representante se encontre em território nacional, no desempenho de funções oficiais, e ainda que a ofensa se tenha consubstanciado nestes termos, o que não foi o caso.

2 — Por outro lado, o Papa João Paulo II não é retratado em atitudes próprias do seu ministério, não parodia actos de culto, não faz referência a objectos ou símbolos religiosos.

Também aqui não parece ter sido preenchido nem o tipo legal do crime previsto no artigo 220.° nem o previsto no artigo 224.° do Código Penal Português.

3 — Pelo exposto pode concluir-se que não estamos perante o crime de abuso de liberdade de imprensa (artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 85-C/75, de 26 de Fevereiro), na medida em que só se consideram preenchidos aqueles tipos de crimes quando são praticados actos ou comportamentos lesivos de interesse jurídico penalmente protegido que se consumam pela publicação de imagens através da imprensa.

4 — No entanto, importa analisar em que medida terá sido, pela publicação da imagem, ultrapassado o exercício da liberdade de imprensa ou, se quisermos, da liberdade de expressão, violando assim o direito de imagem.

5 — A liberdade de imprensa vem consagrada no artigo 38.° da Constituição da República Portuguesa e no Decreto-Lei n.° 85-C/75, 26 de Fevereiro.

A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão. Esta, por sua vez, significa, nos termos do artigo 37.° da Constituição da República Portuguesa, que todos têm o direito de exprirnir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, sem impedimentos nem discriminações. Trata-se «do direito de não ser impedido de exprimir-se».

Por outro lado, nos termos do n.° 2 do artigo 4.° da Lei da Imprensa os limites à liberdade de imprensa decorrem, entre outros, dos impostos pela lei geral, de modo a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos.

6 — Por sua vez, o direito à imagem vem previsto no artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 79.° do Código Civil.

Nos termos das normas referidas, o direito à imagem tem um conteúdo bastante rigoroso, abrangendo o direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento.

Independentemente da função que ocupa na sociedade, quer se trate de uma personalidade pública ou anónima, o uso da imagem alheia não pode violar a «honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada» (nos termos do artigo 79.°, n.° 3, do Código Civil).

7 — Perante dois direitos fundamentais, o direito à integridade moral dos cidadãos consubstanciado no direito à imagem e à liberdade de imprensa, como componente da liberdade de expressão, haverá que encontrar-se o equilíbrio entre os mesmos.

Na colisão destes bens jurídicos, ambos de categoria constitucional, o «sacrifício» de um deles só pode decorrer da existência de uma «causa justificativa».

No entanto, esta «causa justificativa» deverá respeitar ainda o princípio da proporcionalidade e de adequação ao meio.

Se lançarmos mão do critério de proporcionalidade, talvez consigamos que o sacrifício de alguns direitos seja apenas o adequado e necessário para a realização essencial do outro.

8 — Como meio de expressão que é, a caricatura está sujeita às normas reguladoras do direito de expressão, bem como à conflitualidade entre essa liberdade e os direitos individuais.