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4 | II Série B - Número: 010 | 20 de Outubro de 2007

Podemos dizer que a política do actual Governo em relação aos cuidados de saúde primários, designadamente no que toca às unidades de saúde familiares, é simultaneamente parcelar, insuficiente e capciosa.
É parcelar porque não se vislumbra como poderá ser generalizada a todos os utentes e serviços, pelo que determina a existência de dois sistemas de funcionamento dentro do SNS ao nível dos cuidados de saúde. É parcelar também porque manifestamente aponta para a predominância e quase exclusividade na prestação dos cuidados de áreas facilmente mensuráveis (e sem dúvida importantes), impondo uma redutora lógica quantitativa (quantas vezes procurando insuflar estatísticas) que desvaloriza a crescente multidisciplinaridade dos cuidados de saúde (só há médicos, enfermeiros e administrativos previstos na legislação), afastando a presença de outros especialistas médicos para além da medicina geral e familiar e assentando numa lógica de um pacote básico de cuidados, deixando muitos aspectos essenciais de fora.
É insuficiente porque não bastaria atribuir autonomia e incentivos à produção para garantir uma boa política para os cuidados de saúde primários. É que escasseiam os recursos humanos e financeiros, perduram maioritariamente as instalações desadequadas e decrépitas e faltam nelas especialidades, equipamentos e outros meios.
É capciosa porque os anunciados bons princípios escondem más intenções, como a de entregar áreas em que não se apresentam candidaturas ao sector privado ou de ceder aos novos hospitais entregues ao privado a gestão dos centros de saúde da área, numa perversão da ideia das unidades locais de saúde ou a de reduzir progressivamente os cuidados assegurados à «carteira básica de serviços», deixando gradualmente para trás o restante ou, ainda, a de impor a precariedade e a desvinculação dos profissionais em curso em toda a administração pública.
A realidade da aplicação das USF está longe de ser o sucesso geral que o Governo apregoa, sem prejuízo de bons resultados em algumas unidades, designadamente onde se conjugou a disponibilidade de profissionais, o investimento em instalações e equipamentos.
A realidade parcial não pode também ser desligada do todo em que os cuidados primários de Saúde continuam a atravessar sérias dificuldades. Os centros de saúde de origem dos profissionais vêem muitas vezes piorar as suas condições de atendimento fora das USF. Mesmo a redução parcial do número de utentes sem médico de família decorre no fundamental do aumento do número de utentes por médico.
Este decreto-lei deve por isso ser visto como integrado numa política que é um todo e que condiciona a sua aplicação. Ora, a verdade é que o Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, não pode ser analisado sem ter em conta normativos e documentos anteriores, como sejam o Despacho Normativo n.º 9/2006, de 16 de Fevereiro, alterado pelo Despacho Normativo n.º 10/2007, de 26 de Janeiro. Ora, é na Norma VII deste despacho normativo que se estabelecem os «níveis de desenvolvimento» das USF (cinco níveis no primeiro, depois três no segundo), remetendo para lista de critérios e metodologia a elaborar pela Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Ora, é precisamente aí que se encontra a explicitação que o Governo fugiu a clarificar no plano legislativo. É que o Modelo C de USF, correspondente ao anterior nível 5 de desenvolvimento, comporta a entrega ao sector privado e privado social dos cuidados primários de saúde na forma de unidades de saúde familiares, sendo esse certamente o objectivo a atingir pelo Governo em muitas áreas geográficas e populacionais completas.
Por isso o PCP apresenta esta apreciação parlamentar no sentido de desafiar o Governo e a maioria PS a alterar a legislação no sentido de promover a real alteração da política para os cuidados de saúde primários, aproveitando os princípios da descentralização, da autonomia e proximidade dos utentes que devem conduzi-la.
Para isso é preciso que a legislação preveja expressamente matérias como a proibição da privatização da gestão dos cuidados primários de saúde e das USF em particular, a garantia da inclusão da totalidade dos cuidados na «carteira básica de serviços», o aumento da multidisciplinaridade e da presença de várias especialidades e técnicos úteis a este nível, a garantia da segurança e estabilidade dos profissionais, a inclusão de normas com vista a impedir a desnatação dos centros de saúde não constituídos em USF, ou a definição do objectivo de generalizar, mesmo que progressivamente, um único modelo a todo o sector dos cuidados primários de saúde.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, que «Estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B».

Assembleia da República, 10 de Outubro de 2007.
Os Deputados do PCP: Bernardino Soares — António Filipe — Francisco Lopes — Agostinho Lopes — João Oliveira — Jorge Machado — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa — José Soeiro — Honório Novo.

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