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Quarta-feira, 1 de julho de 2015 II Série-B — Número 56
XII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2014-2015)
S U M Á R I O
X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de
Camarate:
— Relatório final.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE CAMARATE
RELATÓRIO FINAL
Deputado Relator: Pedro do Ó Ramos (PSD)
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ÍNDICE
1.Introdução ...................................................................................................................................... 3
2.Considerações iniciais .................................................................................................................. 60
3.Factos apurados ........................................................................................................................... 65
3.1.Contexto histórico .............................................................................................................. 66
3.1.1.Depoimento de Júlio Castro Caldas ................................................................................... 66
3.1.2.Depoimento de Francisco Pinto Balsemão ........................................................................ 75
3.1.3.Depoimento de Diogo Freitas do Amaral .......................................................................... 76
3.2.Fundo de Defesa Militar do Ultramar ................................................................................ 83
3.2.1.As VI e VIII Comissões de Inquérito ................................................................................... 83
3.2.2.A VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate ................................ 83
3.2.3.A X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate ................................... 85
3.3.Comércio de armas para o Irão ........................................................................................ 100
3.4.A morte de José Moreira .................................................................................................. 109
3.4.1.Morte acidental ou homicídio? ........................................................................................ 109
3.4.2.A morte de José Moreira e Elisabete Silva e sua investigação ....................................... 112
3.4.3.O inquérito disciplinar da PGR ......................................................................................... 114
3.5.Outras questões ............................................................................................................... 116
3.5.1.Outros depoimentos ........................................................................................................ 116
3.5.2.A Stasi ............................................................................................................................... 117
3.5.3.As diferentes versões sobre o dia 4 de dezembro de 1980 ............................................ 117
3.5.4.As dificuldades da X CPITC ............................................................................................... 120
4.Conclusões .................................................................................................................................. 123
4.1.As Comissões Parlamentares de Inquérito à Tragédia de Camarate .............................. 123
4.2.Considerações iniciais ...................................................................................................... 123
4.3.O Fundo de Defesa Militar do Ultramar .......................................................................... 123
4.4.A exportação de armas .................................................................................................... 124
4.5.A morte de José Moreira .................................................................................................. 124
4.6.Outros depoimentos ........................................................................................................ 125
4.7.A Stasi ............................................................................................................................... 126
4.8.As diferentes versões sobre o dia 4 de dezembro de 1980 ............................................ 126
4.9.Conclusões finais .............................................................................................................. 126
5.Recomendações.......................................................................................................................... 127
Anexos ................................................................................................................................................. 128
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1. Introdução
O Diário da Assembleia da República n.º 134, I série, de 14.07.2012, publicou a aprovação do Projeto
de Resolução n.º 411/XII (1.ª) — Constituição da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de
Camarate (PSD e CDS-PP), apresentado por Deputados do PSD e do CDS-PP, nos termos do n.º 5 do
artigo 166.º e do artigo 178.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea a) do n.º 1 do artigo
2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, alterada pela Lei n.º 126/97, de 10 de dezembro, e alterada e
republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril.
Seguidamente, a Assembleia da República, pela Resolução n.º 91/2012, publicada no Diário da
República n.º 142, série I, de 24.07.2012, deliberou constituir a referida Comissão Parlamentar de
Inquérito.
A Senhora Presidente da Assembleia da República, através do despacho n.º 50/XII, de 19.12.2012,
publicado no Diário da Assembleia da República n.º 2, II série E, de 21.12.2012, fixou em 24 o número
de membros da Comissão de Inquérito, cuja composição ficou estabelecida nos termos seguintes:
Grupos Parlamentares Efetivos Suplentes PSD 7 2 PS 5 2
CDS 2 1 PCP 2 1 BE 1 1
Pelos respetivos Grupos Parlamentares foram então indicados para integrarem a Comissão de
Inquérito os seguintes Senhores Deputados:
Grupo Parlamentar do PSD
Deputados Efetivos José Manuel Marques de Matos Rosa Miguel da Silva Santos Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Andreia Carina Machado da Silva Neto Clara Gonçalves Marques Mendes Pedro do Ó Ramos Ana Sofia Bettencourt Deputados Suplentes Luís Campos Ferreira Ulisses Pereira
Grupo Parlamentar do PS
Deputados Efetivos António Braga Fernando Jesus Inês de Medeiros Isabel Oneto
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João Paulo Pedrosa Deputados Suplentes António Ramos Preto Pedro Delgado Alves
Grupo Parlamentar do CDS-PP
Deputados Efetivos José Ribeiro e Castro Raúl de Almeida
Deputado Suplente João Gonçalves Pereira
Grupo Parlamentar do PCP
Deputados Efetivos Jorge Machado Miguel Tiago
Deputado Suplente Rita Rato
Grupo Parlamentar do BE
Deputado Efetivo Ana Drago Deputado Suplente Helena Pinto
Verificaram-se as seguintes substituições de Deputados: — Luís Campos Ferreira (PSD), por Pedro Lynce. — Ana Drago (BE), por Joana Mortágua Aos 10 dias do mês de janeiro de 2013 pelas 12.00 horas, foi conferida posse à Comissão, conforme consta da respetiva folha de registo de presenças, tendo sido eleita a Mesa, que passou a ter a seguinte constituição:
Presidente José Manuel Marques de Matos Rosa PSD
Vice-Presidente António Braga PS
Vice-Presidente Raúl de Almeida CDS-PP
Iniciados os trabalhos, a Comissão adotou o seu Regulamento interno, publicado no Diário da Assembleia da República n.º 92, II Série - B, de 02.02.2013. No âmbito do artigo 1.º do Regulamento a X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate definiu como objeto “dar continuidade à averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do
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Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012, de 24 de julho, publicada no Diário da República n.º 142 Série I, de 24/07/2012” Por Resolução da Assembleia da República n.º 110/2013, publicada no Diário da República, I série, de
19.07.2013, foi deliberado prorrogar o prazo de funcionamento da Comissão por mais 90 dias,
suspendendo-o entre 24.07.2013 e 01.10.2013.
O prazo foi posteriormente interrompido, pela Resolução da Assembleia da República n.º 153/2013,
publicada no Diário da República I série, de 17.12.2013, tendo sido retomado o seu funcionamento
em 08.04.2015.
Na prossecução dos seus trabalhos, e no âmbito do objeto do Inquérito Parlamentar, a Comissão realizou reuniões nas quais foram ouvidos os seguintes depoentes:
Ano de 2013
NOME DATA
Dr. Júlio Castro Caldas Ministro da Defesa Nacional do XIV Governo Constitucional
05-02-2013
Dr. Nuno Melo Presidente da VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate
14-02-2013
Prof. Doutor Freitas do Amaral Ministro dos Negócios Estrangeiros do VI Governo Constitucional
19-02-2013
Dr. António Lino Gonçalves Coelho,
Inspetor de Finanças Chefe 27-02-2013
Dra. Maria da Conceição Ferreira Rodrigues,
Inspetora de Finanças
Dr. Belmiro Augusto Morais Inspetor de Finanças Chefe 28-02-2013
Dra. Maria da Conceição Ferreira Rodrigues
Inspetora de Finanças
Dr. João Gomes Ex-Diretor, em 1980, do jornal “Portugal Hoje” 14.03.2013
Miguel Reis ex-jornalista do “Portugal Hoje” 16-04-2015
Frederico Duarte de Carvalho jornalista 20.03.2013
Dr.ª Isabel Duarte viüva de Celestino Amaral, jornalista, em 1980, do Jornal “Portugal Hoje”
24-04-2013
Fernando Farinha Simões 07-05-2013
Carlos Miranda 09-05-2013
Vítor Pereira ex-Inspetor da Polícia Judiciária 14-05-2013
José António dos Esteves 16-05-2013 21-05-2013
Tenente- Coronel António Lencastre Bernardo
ex-Director-Geral-Adjunto Militar da Polícia Judiciária
28-05-2013
Elza Simões Mulher de Fernando Farinha Simões 04-06-2013
Dr. Acácio José Azevedo de Brito Testemunha 06-06-2013
Tenente Coronel Lencastre Bernardo
ex-Director-Geral-Adjunto Militar da Polícia Judiciária
07-06-2013
José Esteves
Comandante António Manuel Paula Morando Penaguião
25-06-2013
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José Esteves
25-06-2013
Carlos Miranda Gonçalves
José da Cruz Marques Monteiro Ex- Inspetor Polícia Judiciária 28-06-2013
Rui Ochoa, jornalista do Jornal de Notícias 16-07-2013
Fernando Farinha Simões 17-07-2013
Comandante Carlos Alberto d’Orey Juzarte Rolo
ex administrador da fábrica Explosivos da Trafaria, entre 1978 e 1986
18-07-2013
Hernâni Santos jornalista e ex-Diretor de Informação da RTP 2 19-07-2013
Pedro Amaral Ex-inspetor da Polícia Judiciária 24-07-2013
Prof. Dr. Rui Carp Subsecretário de Estado do Orçamento do VI Governo Constitucional (1980-1981)
10-10-2013
Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão
de ex-Diretor da Explosivos da Trafaria 17-10-2013
Pedro Varanda de Castro jornalista 22-10-2013
Dr. Laureano dos Santos ex-Coordenador da Comissão Multidisciplinar de Peritos
24-10-2013
Dr. Fernando Lobo do Vale,
Peritos da Inspeção-Geral de Finanças 30-10-2013 Dr.ª Conceição Rodrigues
Dr.ª Ana Filipa Gonçalves
Diana Andringa jornalista da RTP entre 1978 e 1998 01-11-2013
Prof.Doutor Duarte Nuno Vieira Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP
05-11-2013 Prof.ª Rosa Gouveia
Dr. Joaquim Vieira jornalista 06-11-2013
General Loureiro dos Santos, Ministro da Defesa Nacional do IV Governo Constitucional
07-11-2013
Isabel Mesquita Veiga de Macedo, Secretária do Sr. Dr. Francisco Sá Carneiro, em 1980,
14-11-2013
General José Lemos Ferreira Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) entre 1 de março de 1984 e 8 de março de 1989
20-11-2013
Dr. Ribeiro Afonso
ex-Procurador-Geral Adjunto da Procuradoria-Geral da República (jubilado)
28-11-2013 Dr. João Dias Borges ex-Procurador-Geral Adjunto da Procuradoria-
Geral da República (jubilado)
Abril de 2015
NOME DATA
Dr. Fernando Lobo do Vale
Peritos da Inspeção-Geral de Finanças 07-04-2015 Dr.ª Conceição Rodrigues
Dr.ª Ana Filipa Gonçalves
Dr. Joaquim Gonçalves
Paulo Condesso Franco,
EX- Inspetores da Polícia Judiciária 07-04-2015 Herculano Lourenço Morgado
Mário Jorge Coimbra MendeS
Eduardo Dias da Costa
Farinha Simões
08-04-2015
José Esteves
Carlos Miranda
Coronel António Delfim Simões Oliveira Marques
Relatório do exame aos destroços do CESNA 421-A
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Prof. Eng.ºHenrique Botelho de Miranda Anexo 21 do Relatório do exame aos destroços do CESNA 421-A Prof. Eng.º José Cavalheiro
Coronel João Santos Fernandes Ouvido a seu pedido
Inspetor-Chefe Francisco José Guerreiro da Silva
Ex- Inspetores da Polícia Judiciária 09-04-2015
Inspetor Samuel Antunes Teixeira
António Conceição Moura Inspetor-Chefe
10-04-2015
Mário Inácio Costa Comissario
Dra. Inês Serra Lopes Jornalista
Conceição Monteiro Ex-secretária do Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro
Dr. João Múrias
14-04-2015
Dr. José Manuel Anes
Coronel António Delfim de Oliveira Marques
Relatório do exame aos destroços do CESNA 421-A
Comandante Georgino Silva Piloto aviador
Jim Hunt Eventual envolvimento de Frank Sturgis
15-04-2015 Alan Weberman Advogado
Coronel António Gaspar Correia
Vasco Robert Montez 16-04-2015
Prof. Diogo Freitas do Amaral
Tenente-Coronel José Bernardo do Canto e Castro
Membro do Conselho da Revolução 21-04-2015
Arminda Albuquerque Viúva do Piloto Mário Albuquerque
23-04-2015 Filipa de Melo e Castro Lavanchy Secretária do Ministro da Defesa Nacional Adelino Amaro da Costa
Paulo Bernardino, Ex- Inspetor da Polícia Judiciária 23-06-2015
Na sequência de pedidos formulados e por iniciativa da Comissão, no âmbito do objeto do Inquérito Parlamentar, realizou as seguintes diligências
N.º Ofício Destinatário Assunto Resposta enviada
à XCPITC Despacho do Presidente
OBS
58/2015 Dra. Inês Serra Lopes
Solicitação de colaboração no sentido de autorizar, por escrito, a TVI a disponibilizá-la à Comissão.
Envia cópia de carta remetida à RTP a conceder autorização para levantamento do sigilo profissional
T.C conhecimento aos Srs. Deputados
Enviado para conhecimento dos Srs. Deputados em 4-6-2015
57/2015 Dr. Duarte Figueiredo
Aditamento ao ofício n.º 27/XCPITC/2015, notificação, ao abrigo do nº 3 do artigo 13º da Lei nº 5/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 126/97, de 10 de dezembro, e 15/2007, de 3 de abril, para comparecer na Assembleia da República, às 16.00 horas do dia 9 de abril de 2015, a fim de ser ouvido em declarações no
Ofício devolvido por desconhecido na morada
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audição realizada a 18-6-2015 (na
sequência de contato telefónico)
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âmbito daquele Inquérito Parlamentar.
56/2015 Nuno Moreira
Aditamento ao ofício n.º 16/XCPITC/2015, notificação, ao abrigo do nº 3 do artigo 13º da Lei nº 5/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 126/97, de 10 de dezembro, e 15/2007, de 3 de abril, para comparecer na Assembleia da República, às 19.00 horas do dia 7 de abril de 2015, a fim de ser ouvido em declarações no âmbito daquele Inquérito Parlamentar.
Enviou atestado médico a confirmar incapacidade para se deslocar à XCPITC
T.C conhecimento aos Srs. Deputados
Enviado para conhecimento dos Srs. Deputados em 8-4-2015
55/2015 MENE
Aditamento ao ofício n.º 12/XCPITC/2014, no sentido de ser fornecida fotocópia do "oficio 319, de 28Nov80, da S/G do MNE e docs anexos", conforme referido no quadro constante da folha de correspondência n.º 542, entrada n.º 678, 2Dez80, bem como de cópias de todos os ofícios referidos nas folhas de correspondência 542/543 e 552/553, cujo assunto refira o embargo e/ou a exportação de armas para o Irão e para o Iraque (cujas fotocópias se anexaram).
54/2015 MDN
Aditamento ao ofício n.º 11/XCPITC/2014, no sentido de ser fornecida fotocópia do "oficio 319, de 28Nov80, da S/G do MNE e docs anexos", conforme referido no quadro constante da folha de correspondência n.º 542, entrada n.º 678, 2Dez80 , bem como de cópias de todos os ofícios referidos nas folhas de correspondência 542/543 e 552/553, cujo assunto refira o embargo e/ou a exportação de armas para o Irão e para o Iraque (cujas fotocópias se anexaram).
53/2015 MENE
Aditamento aos ofícios n.ºs 10/XCPITC/2014 e 44/XCPITC/2015, no sentido de ser fornecida informação
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sobre algum eventual embargo de comércio geral, e especificamente de material militar, para e do Iraque, durante a década de 1980, nomeadamente datas de início e levantamento, bem como informação no sentido de apurar a data de levantamento de embargo de armas ao Irão, na mesma data.
52/2015 MDN
Aditamento ao ofício n.º 9/XCPITC/2014, no sentido de ser fornecida informação sobre algum eventual embargo de comércio geral, e especificamente de material militar, para e do Iraque, durante a década de 1980, nomeadamente datas de início e levantamento, bem como informação no sentido de apurar a data de levantamento de embargo de armas ao Irão, na mesma data.
51/2015 MENE
Aditamento aos of.s n.º 05/XCPITC/2014, no sentido de saber se as diligências prioritárias levadas acabo no sentido de localizar a documentação assinalada nas alíneas b) e c) do ofício n.º 154/XCPITC/2014, de 4 de novembro de 2013, referente (a) ao levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981 e (b) à correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão - deram resultado e qual foi esse
Resposta do MENE de16-6-2015: informa que aos pedidos referidos foram já respondidos através do ofício 154/XCPITC/2013 e 05/2014 da XCPITC: “Apesar de todos os esforços desenvolvidos, não foi possível obter elementos referentes às alíneas b) e c) do of. 154: Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no
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resultado período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo)”
50/2015 Ministério da Economia
Aditamento ao ofício n.º 152/XCPITC/2013, no qual requeria que fosse fornecida indicação, pelas entidades aeroportuárias do Aeroporto da Portela, relativa a todos os movimentos (aterragens e descolagens), na noite de 4 de dezembro de 1980, entre as 18.00 horas e as 24.00 horas.
Resposta do ME: em 19-5-2015: informa que, de acordo cm conformação já enviada, não existem os registos solicitados.
T.C. Conhecimento aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado para conhecimento dos Srs. Deputados em 29-5-2015
49/2015 MENE
Aditamento ao ofício n.º 85/XCPITC/2013, no qual requeria os bons ofícios de Vossa Excelência no sentido de dirigir uma solicitação à Embaixada dos Estados Unidos da América com vista à obtenção de informação do registo de entradas e saídas de Portugal de Oliver North durante o ano de 1980.
48/2015 MENE
Aditamento aos ofícios n.ºs 170/XCPITC/2013, 171/XCPITC/2013 e 172/XCPITC/2013. A Comissão solicitou a obtenção da colaboração das embaixadas dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e da República Federal da Alemanha no sentido de procederem à investigação dos factos e situações
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alegadas por Fernando Farinha Simões.
47/2015 MENE
Aditamento ao ofício n.º 52/XCPITC/2013, no qual se solicitava ao Governo a realização de um inquérito sobre o desaparecimento de documentos, datados de 1980, relacionados com a exportação de material de guerra para ao Irão e para o Iraque
46/2015 PAR Pedido de prorrogação do prazo e suspensão dos trabalhos
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45/2015
Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares
Solicitação de cópia do relatório preliminar da Direção-Geral da Aeronáutica Civil sobre as causas da queda do avião que na noite de 4 de dezembro de 1980 transportava o Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, o Ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, e acompanhantes, apresentado na reunião do Conselho de Ministros de 11 de dezembro de 1980.
Envio do Relatório em 5-5-2015
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Entregue cópia do Relatório aos Srs.
Coordenadores
44/2015 MENE
Solicitação de envio a esta Comissão, com a possível urgência, de fotocópia do "oficio 319, de 28 de novembro de 1980, da S/G do MNE e docs anexos", conforme referido no quadro constante da folha de correspondência n.º 542, entrada n.º 678, 2Dez80 (fotocópia em anexo).
43/2015 Dr. João Múrias
Solicitação de resposta à pergunta “Lembra-se do nome do navio cuja operação junto ao Cais de Alcântara, por alturas de 1980, relatou no seu depoimento à Comissão? Como se chamava esse navio? Recorda algum outro pormenor quanto a essa embarcação e sua tripulação?”.
Não levantou of. 43/2015 da XCPITC que por estar de saída do País. Telefonou a dizer que não se recorda do nome do navio.
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42/2015 PAR Envia cópia de Deliberação da CAE aprovada pela X
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Comissão Parlamentar de Inquérito na reunião que teve lugar no dia 15 de abril de 2015, enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
41/2015 MENE
Envio da Deliberação da CAE aprovada pela X Comissão Parlamentar de Inquérito na reunião que teve lugar no dia 15 de abril de 2015, enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
40/2015 TVI
Solicitação à TVI, com urgência, do envio das imagens, gravadas em cassete da documentação entregue pelo Dr. João Miguel Múrias Bessone Mauritti, no ano de 1995, sobre a forma como se processou o acontecimento de Camarate, as reuniões preparatórias, os autores morais e materiais, o croquis do avião e todas as listas entregues, de entre outros documentos, bem como de declarações por si produzidas na mesma ocasião.
Resposta ao Of. 40/XCPITC/2015. Informa que desconhece a entrega de documentação e imagens pelo Sr. João Miguel Múrias Bessone Mauritti. RTP Invoca sigilo profissional dos jornalistas envolvidosa
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Foi dado conhecimento à RTP da autorização de levantamento do sigílio profissional dos 3 jornalistas envolvidos
39/2015
Coronel António Gaspar Correia
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
38/2015
Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Solicitação de fotocópia do cartão de identificação da Central Intelligence Agency (CIA), de que referiu ser detentor, bem como a fotocópia da dedicatória manuscrita pelo Senhor Henry Kissinger no livro que, em devido tempo, lhe ofereceu.
Resposta ao ofício 38/XCPITC/2015. Informa que o recluso Fernando Farinha Simões informou não disport dos documentos pedidos mas que os fará chegar à Comssão, logo que os obtiver. Na certidão consta a seguinte declaração do citado recluso: "à Assembleia e à Comissão. O livro de Kissinger irei fotocopiar a página da dedicatória, e
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logo que possível, fá-lo-ei chegar à X Comissão. Fernando Farinha Simões"
37/2015 MENE
Solicitação para que, através da colaboração da Embaixada dos Estados Unidos da América, seja mandada apurar, com urgência, a fidedignidade da cópia de uma carta, datada de 27 de setembro de 2013, oriunda da Central Intelligence Agency (CIA), endereçada ao Senhor Alan Weberman em resposta a uma carta de 4 de julho de 2013, contendo informação sobre os Senhores Fernando Farinha Simões e José António Esteves.
36/2015 Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral
Convocatória para audição no dia 16-4-2015
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Comparecer no dia e hora indicados
35/2015 Carlos Manuel Miranda Gonçalves
Convocatória para audição no dia 8-4-2015
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Comparecer no dia e hora indicados
34/2015 Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral
Convocatória para audição no dia 14-4-2015
Respondeu, por email, a solicitar o adiamento da audição para o dia 16-4-2015
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Audição alterada para o dia 16-4-2015
33/2015 Dr. João Múrias
Convocatória para audição no dia 14-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
32/2015 Dr. José Manuel Eanes
Convocatória para audição no dia 14-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
31/2015 Comandante Georgino Silva
Convocatória para audição no dia 14-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
30/2015 Conceição Monteiro
Convocatória para audição no dia 10-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
29/2015 Dr. João Múrias
Convocatória para audição no dia 14-4-2015
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Compareceu no dia e hora indicados
28/2015 Dra. Inês Serra Lopes
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
- - Passou para dia 10, a
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pedida da depoente
27/2015 Dr. Duarte Figueiredo
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
- -
Não compareceu no dia e hora indicados. Audição reagendada para 18-6-2015
26/2015
Agente Francisco José Guerreiro da Silva
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
25/2015
Agente António Conceição Moura
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
24/2015
Agente Samuel Antunes Teixeira
Convocatória para audição no dia 9-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
23/2015 Coronel João Santos Fernandes
Convocatória para audição no dia 8-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
22/2015 Prof. Eng. José Cavalheiro
Convocatória para audição no dia 8-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
21/2015 Prof. Henrique Botelho de Miranda
Convocatória para audição no dia 8-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
20/2015 Coronel Oliveira Marques
Convocatória para audição no dia 8-4-2015
Envia contato atualizado
-
Compareceu no dia e hora indicados
19/2015
Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Convocatória de Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves para audição no dia 8-4-2015
Informa que Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves se encontra em regime de liberdade condicional
-
Enviado of. 35/2015 a convocar para dia8-4-2015
18/2015 José Esteves Convocatória para audição no dia 8-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
17/2015
Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Convocatória de Fernando Farinha Simões para audição no dia 8-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
16/2015 Nuno Moreira Convocatória para audição no dia 7-4-2015
Informou, por telefone que
- Enviou of. a informar
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estava impossibilitado de se deslocar.
que, oportunamente, enviará atestado médico
15/2015 Inspetor Eduardo Dias da Costa
Convocatória para audição no dia 7-4-2015
Enviou of. a dar contato atualizado
-
Compareceu no dia e hora indicados
14/2015 Inspeto Mário Coimbra Mendes
Convocatória para audição no dia 7-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
13/2015 Inspetor Herculano Morgado
Convocatória para audição no dia 7-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
12/2015 Inspetor Condesso Franco
Convocatória para audição no dia 7-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
11/2015 Dr. Joaquim Gonçalves
Convocatória para audição no dia 7-4-2015
- -
Compareceu no dia e hora indicados
10/2015 IGF
Agendamento da audição dos Inspetores para o dia 7-4-2015, na sequência da apresentação do Relatório Final sobre FDMU: - Dr. Fernando Lobo do Vale (Chefe da Equipa) - Dra. Conceição Rodrigues - Dra. Ana Filipa Gonçalves
- -
Compareceram no dia e hora indicados
09/2015 PAR Informação de recomeço da atividade da XCPITC em 7-4-2015
- - -
08/2015 Testemunha n.º 2
Informação de que será agendada, oportunamente, audição perante a XCPITC
- -
Não atendeu na morada indicada
07/2015 Major Canto e Castro
Informação de que será agendada, oportunamente, audição perante a XCPITC
Informa que está disponível para respondeu à XCPITC
-
Audição realizada por videoconferência no dia 21-4-2015
06/2015 PGR
Solicitação de contato do Dr. Joaquim Gonçalves, Magistrado do Ministério Público.
Informa que o Procurador Joaquim Gonçalves encontra-se na situação de aposentado e fornece contato atualizado
-
Compareceu na audição marcada para dia7-4-2015
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05/2015 Serviço de Registo de Contribuintes
Solicitação de contato de - Maria Cecília Quintanilha, secretária da empresa de Explosivos da Trafaria em 1980; - Dr. Joaquim Gonçalves, Magistrado do Ministério Público.
Informa que Maria Cecília Quintanilha faleceu em 7-1-2007
- -
04/2015 Instituto de Segurança Social
Solicitação de contato de - Maria Cecília Quintanilha, secretária da empresa de Explosivos da Trafaria em 1980; - Dr. Joaquim Gonçalves, Magistrado do Ministério Público.
Sem contato - Falecida
03/2015 Instituto de Registos e Notariado
Solicitação de contato de - Maria Cecília Quintanilha, secretária da empresa de Explosivos da Trafaria em 1980; - Dr. Joaquim Gonçalves, Magistrado do Ministério Público.
Informa que não tem elementos sobre o solicitado
- -
02/2015 RTP Reforço do pedido do envio de imagens na sequência de Acórdão do STJ
Enviado 1 DVD com imagens não exibidas da tragédia de Camarate
-
Visualizado pelos Srs. Deputados em 3-12-2014
19/2014 Secretário do Conselho de Estado
Solicitação de encaminhamento de Perguntas por escrito ao Dr. Francisco Pinto Balsemão
Informa que o CE deliberou autorizar o depoimento por escrito
- Depoimento recebido na XCPITC
18/2014 Secretário do Conselho de Estado
Solicitação de encaminhamento de Perguntas por escrito ao Prof, Marcelo Rebelo de Sousa
Informa que o CE deliberou autorizar o depoimento por escrito
- Depoimento recebido na XCPITC
17/2014 Secretário do Conselho de Estado
Solicitação de encaminhamento de Perguntas por escrito ao General António Ramalho Eanes
Informa que o CE deliberou autorizar o depoimento por escrito
- Depoimento recebido na XCPITC
16/2014 Dr. Francisco Pinto Balsemão
Envio de lista de perguntas por escrito
- - Respondeu em 13-1-2015
15/2014 Prof. Marcelo Rebelo de Sousa
Envio de lista de perguntas por escrito
- - Respondeu em 7-1-2015
14/2014 General Ramalho Eanes
Envio de lista de perguntas por escrito
- - Respondeu em 23-01-20\5
13/2014 RTP Solicitação do envio de imagens na sequência de Acórdão do STJ
Enviado 1 DVD com imagens não exibidas da tragédia de
-
Visualizado pelos Srs. Deputados em 3-12-
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Camarate 2014
12/2014 MNE
Solicitação do envio à Comissão de fotocópia do "oficio 319, de 28Nov80, da S/G do MNE e docs anexos",
11/2014 MDN
solicitação do envio à Comissão de fotocópia do "oficio 319, de 28Nov80, da S/G do MNE e docs anexos",
10/2014 MNE Solicitação de informação sobre eventual embargo de armas ao Irão e Iraque
9/2014 MDN Solicitação de informação sobre eventual embargo de armas ao Irão e Iraque
8/2014 PJ
Solicitação dos nomes dos elementos da Direção daquele organismo de Polícia em 1980 e 1981, com especificação dos respetivos cargos”.
Envia nomes dos diretores, conforme solicitado
-
enviado aos Srs. Deputado em 03-12-2015
7/2014 M. Defesa Nacional
Cópia do of. n. 3 enviado ao MNE
- - Arquivado
6/2014 M. Assuntos Parlamentares
Cópia do of. n. 3 enviado ao MNE
- - Arquivado
5/2014 MNE
Insistir junto do MNE no sentido de apurar se as diligências que em seguida se transcrevem, deram resultado e qual foi esse resultado: “Em resposta ao pedido deste Grupo Parlamentar no sentido de se obter informações sobre o embargo da venda de armas ao Irão, decretado em 1980, levantamento do mesmo embargo em janeiro de 1981 e pedido de correspondência vária relacionada, refere-se no oficio GMENE 006123, de 2013-11-22 (que anexamos junto com o n/ofício original), que "quanto aos pedidos constantes das alíneas b) e c), informa-se que foram já promovidas diligências prioritárias no sentido de localizar a documentação assinalada no Vosso ofício, por forma a satisfazer pedidos nele constantes".
Respondeu em Resposta do MENE de 16-6-2015: informa que os pedido referidos foram já respondidos: nomeadamente ao ofício 154/XCPITC/2013 e 05/2014 da XCPITC: Apesar de todos os esforços desenvolvidos, não foi possível obter elementos referentes às alíneas b) e c) do of. 154: Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período
T.C. Aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares, que devem ter em atenção o referido no 2.º parágrafo do presente ofício.
Cópia do ofício entregue em mão aos Srs. Deputados Coordenadores no dia 8 de janeiro de 2015
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compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo);
4/2014 Conselho de Estado
Audição Dr. Francisco Pinto Balsemão.
Autorização de depoimento por escrito
3/2014 MNE
Aditamento ao n/ofício 179/XCPITC/2013, de 6 de janeiro de 2014, que remeteu as Atas das reuniões n.0 .s 16 e 31 , de 7 de maio e 17 de julho de 2013, respetivamente, nas quais estão reproduzidas as declarações do depoente Fernando Farinha Simões perante a X Comissão de Inquérito Parlamentar à Tragédia de Camarate, discriminamos abaixo as páginas que contêm as imputações referentes a cidadãos ou agentes de entidades dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e da República Federal da Alemanha
- - -
2/2014 PAR Solicitação de acesso a documentos confidenciais
- - -
182/2013
Tribunal da Relação de Lisboa – 3.ª Secção
Levantamento do segredo profissional e a entrega das imagens solicitadas, interposto pela RTP - Rádio e Televisão de Portugal, SA
O processo foi remetido pelo TRL ao STJ em 24-4-2014 STJ: Envio de Decisão sumária s/levantamento/Quebra de sigilo (Imagens RTP)
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Enviado aos Srs. Deputados Coordenadores em 22-10-2014
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181/2013
Dr. Fernando Lobo do Vale, Chefe da Equipa de Peritos do IGF
Envio do Parecer da Comissão Constitucional 36/81 e Res. 274/81 e D.L. 548/80
- -
De acordo com informação telefónica do Chefe da Equipa do IGF, o relatório ficará pronto no final do mês de março de 2014
180/2013 RTP Envio de cópia do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
RTP informa que interpôs recurso para o STJ
T.C. 1. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares 2. Solicitar à RTP as imagens, anexar ao pedido o Acórdão do TRL
2 – o Acórdão do TRL foi enviado à RTP pelos Serviços da AR (Divisão de Apoio às Comissões)
179/2013
Ministério dos Negócios Estrangeiros (Chefe de Gabinete)
Declarações de depoente (Embaixadas dos EUA, Reino Unido e Alemanha)
MNE solicita envio de uma formulação das questões que a XCPITC pretende ver esclarecidas
T.C. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Coordenadores em 21-03-2014
178/2013 Tribunal da Relação de Lisboa
Requerimento para levantamento de segredo profissional (RTP – Imagens)
TRL informa que foi emitido Acórdão para RTP entregar as imagens da queda do avião em 4-12-1980 Em 18-03-2014 o TRL informa que foi admitido recurso interposto pela RTP
T.C. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Coordenadores em 21-03-2014
177/2013 PAR Ofício a SEXA PAR a solicitar a suspensão dos trabalhos da Comissão.
- - -
176/2013 PAR
Pedido de identificação da “Testemunha nº2”, depoente na VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
Despacho de SEXA PAR a autorizar o acesso a documentação classificada
- -
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175/2013 Ministra da Justiça
Envio de cópia de ofício dirigido ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária, enviado por esta Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
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174/2013
Diretor Nacional da Polícia Judiciária
Solicitação para envio à Comissão, com urgência, de cópia dos relatórios originais dos exames histológicos subscritos pelas referidas médicas, naquela data e juntos ao Inquérito Preliminar, no dia 11 de abril de 1983.
Em 7-4-2014, a PJ enviou of. a solicitar prorrogação do prazo para envio dos exames histológicos
- -
173/2013
Juiz Presidentedo Tribunal Judicial da Comarca de Loures
Solicitação, nos termos da deliberação do plenário da Comissão, para conservação dos destroços do avião sinistrado (que transportava o Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Ministro da Defesa, Eng.º Adelino Amaro da Costa de entre outros passageiros e tripulantes) que se encontram depositados no hangar do Aeroporto de Lisboa, até ao final do funcionamento desta Comissão Parlamentar de Inquérito, que se prevê venha a ter lugar em fevereiro do próximo ano.
Resposta do Ministério da Justiça: Envia informação do Gabinete do Secretário de Estado da Cultura (SEC) sobre destino a dar aos destroços da aeronave, ficando a SEC disponível para receber a doc. relativa ao processo "Camarate" (52 volumes e 221 Apensos, excetuando os vols. 50 a 52). Quanto aos destroços,
T.C. Aos Srs.
Enviado aos Srs. Deputados
172/2013
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Declarações de Depoente Fernando Farinha Simões – Embaixada dos EUA
MNE solicita envio de uma formulação das questões que a XCPITC pretende ver esclarecidas
T.C. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Coordenadores em 21-03-2014
171/2013
Declarações de Depoente Fernando Farinha Simões – Embaixada do Reino Unido
MNE solicita envio de uma formulação das questões que a XCPITC pretende ver esclarecidas
T.C. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Coordenadores em 21-03-2014
170/2013 Declarações de Depoente Fernando Farinha Simões – Embaixada da Alemanha
MNE solicita envio de uma formulação das questões que a XCPITC pretende ver esclarecidas
T.C. aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Coordenadores em 21-03-2014
169/2013 Procurador Adjunto do Tribunal
Pedido de autorização de consulta ao Inquérito 93/83 – B
Informa que o processo está disponível para
- Enviado of. com os nomes dos
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Judicial da Comarca de Oeiras
consulta assessores dos GP
168/2013 Ministra da Justiça
Dá conhecimento que, na qualidade de Presidente da Comissão, dirigiu o Ofício nº 167/XCPITC/2013, de 13 de novembro - que se anexa - ao Exmo. Senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária.
- - -
167/2013
Diretor Nacional da Polícia Judiciária
Envio ao DNPJ de todos os documentos que integram o nosso espólio, no tocante à parte do processo que denominamos de “Caso José Moreira e Companheira” (Anexos).
Resposta ao of. 167/XCPITC/2013 que remeteu todos os docs. que integram o espólio da Comissão no tocante ao “Caso José Moreira e Companheira”: informa que se vai proceder à reavaliação da investigação da morte de José Moreira e Companheira; Em 7-4-2014, a PJ enviou of. a solicitar prorrogação do prazo para envio dos exames histológicos
-
Enviado aos Srs. Deputados Coordenadores em 6-6-2014
166/2013 Procuradora-Geral da República
Envio à PGR de todos os documentos que integram o nosso espólio, no tocante à parte do processo que denominamos de “Caso José Moreira e Companheira”. (Anexos).
Resposta ao ofício 166/XCPITC/2013 (solicitação para apreciação urgente pela Procuradoria-Geral da República, no sentido da reavaliação do “Caso José Moreira e Companheira” com a inerente determinação das diligências que se imponham e que sejam ainda possíveis de realizar, nos planos legal e
- -
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material. De igual modo, solicita-se explicação para a ocorrência de erros aparentemente tão gritantes na interpretação e avaliação dos indícios médico-legais, e de outros elementos de prova material para a explicação da morte de José Moreira e Companheira. Informa que o assuntos mereceu a melhor atenção e vai ser objeto de análise -
165/2013 Procuradora-Geral da República
Solicitação para que os. Srs. Inspetores do Ministério Público Dr. Ribeiro Afonso e Dr. João Dias Borges compareçam perante esta Comissão de Inquérito, para efeito de realização de audição, em data ainda a acordar.
Nada a opor
T.C Aos Srs. Coordenadores
Audição realizada no dia 28-11-2013
164/2013
Diretor Nacional da Polícia Judiciária
Solicitação para Agentes da Polícia Judiciária Herculano, Paulo Franco e Mário Coimbra Mendes compareçam perante a Comissão de Inquérito, para efeito de realização de audição, em data ainda a acordar.
Resposta ao ofício 164/XCPITC/2013 (solicitação para que Agentes da PJ Herculano, Paulo Franco e Mário Coimbra Mendes compareçam perante esta Comissão de Inquérito, para efeito de realização de audição, em data ainda a acordar, na sequência do registo de novos dados relativos às circunstâncias envolvidas nas mortes do Senhor José Moreira (José Manuel da Silva Moreira) e Companheira
T.C. Aos Serviços
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(Elisabete da Piedade Silva) COMUNICA QUE OS REFERIDOS AGENTES SE ENCONTRAM NA SITUAÇÃO DE APOSENTADOS E INDICA RESPETIVAS MORADAS
163/2013
Diretor Nacional da Polícia Judiciária
Solicitação para disponibilização da identificação de todos os Agentes envolvidos na investigação das mortes do Senhor José Moreira e Companheira, ocorridas em 1983, em Carnaxide.
Resposta ao ofício 163/XCPITC/2013 (solicitação para disponibilização da identificação de todos os Agentes envolvidos na investigação das mortes do Senhor José Moreira e Companheira, ocorridas em 1983, em Carnaxide). INFORMA SOBRE OS NOMES E AS MORADAS CONHECIDAS DOS AGENTES ENVOLVIDOS DA INVESTIGAÇÃO
-
Para agendamento de audições
162/2013 General José Lemos Ferreira
Solicitação de comparência d perante a Comissão Parlamentar, a fim de ser ouvido em audição, no próximo dia 20 de novembro de 2013, quarta-feira, às 15.00 horas,
- - Audição realizada
161/2013 Dra. Maria Isabel Veiga de Macedo
Solicitação de comparência perante a Comissão Parlamentar, a fim de ser ouvida em audição, no próximo dia 14 de novembro de 2013, quinta-feira, às 10.30 horas, na sala 1, no Palácio de São Bento.
- - Audição realizada
160/2013 PAR
Transcrição das atas da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
- -
Estão transcritas todas as atas das audições
159/2013 PAR Audição de depoentes através de videoconferência
DESPACHO DE SEXA PAR(243/XCPITC/2013)
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158/2013 PAR
IGF - Encargos associados à auditoria (IGF) solicitada pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
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157/2013 PAR
INMLCF - Encargos associados à reavaliação das lâminas e blocos de estudo histológico – Eng.º José Moreira e Companheira solicitada pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
- - -
156/2013
D.G. Reinserção e Serviços Prisionais
Solicitação de informação no sentido de saber da possibilidade de uma pequena delegação de parlamentares integrantes da Comissão, efetuar uma visita ao recluso em causa, Senhor Ramón Francisco Arnau Nuez.
Resposta ao of. 156/XCPITC/2013: informa que o Cidadão espanhol Ramón Francisco Arnau Nuez já não se encontra preso em Portugal e que foi entregue ao Gabinete Nacional da Interpol.
T.C. Conhecimento aos Srs.Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Deputados em 2-12-2013
155/2013 Ministro dos Assuntos Parlamentares
Pedido de informação sobre: Embargo de venda de armas ao Irão, decretado em 1980; Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo); Comunicado/Nota Oficiosa, publicada no jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980, onde é dito que o Governo não autorizou, nem iria autorizar, qualquer venda de armamento ou munições portugueses para o Irão e,
Informa que não foi possível obter elementos referentes às alíneas b) e c) do pedido da Comissão
T.C. Aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
Enviado aos Srs. Deputados em 8-1-2014
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bem assim, o processo administrativo anexo com a emissão dessa nota. É indispensável que o Governo faça localizar e enviar de imediato a esta Comissão de Inquérito a documentação em referência e, bem assim, sendo necessário, ordene rigoroso inquérito urgente quanto ao seu eventual descaminho e desaparecimento.
154/2013
Ministro dos Negócios Estrangeiros
Pedido de informação sobre: Embargo de venda de armas ao Irão, decretado em 1980; Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo); Comunicado/Nota Oficiosa, publicada no jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980, onde é dito que o Governo não autorizou, nem iria autorizar, qualquer venda de armamento ou munições portugueses para o Irão e, bem assim, o processo administrativo anexo com a emissão dessa nota. É indispensável que o Governo faça localizar e enviar de imediato a esta Comissão de Inquérito a documentação em referência e, bem assim, sendo necessário, ordene rigoroso inquérito urgente quanto ao seu eventual
Acusa a recepção do of.154/XCPITC/2013, que mereceu a melhor atenção. transmitir o seguinte: 4. Quanto ao pedido de documentação constante da alínea a), remete-se para o ofício enviado pelo Gabinete do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros à X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, com n. 0 003153, de 24 de junho de 2013, que se junta em anexo; 5. Quanto aos pedidos constantes das alíneas b) e c), informa-se que foram já promovidas diligências prioritárias no sentido de localizar a documentação assinalada no Vosso ofício, por forma a satisfazer os pedidos nele
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 2-12-2013
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descaminho e desaparecimento.
constantes; 6. A documentação solicitada em d) segue em anexo ao presente ofício.
153/2013 Ministro da Defesa Nacional
Pedido de informação sobre: Embargo de venda de armas ao Irão, decretado em 1980; Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo); Comunicado/Nota Oficiosa, publicada no jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980, onde é dito que o Governo não autorizou, nem iria autorizar, qualquer venda de armamento ou munições portugueses para o Irão e, bem assim, o processo administrativo anexo com a emissão dessa nota. É indispensável que o Governo faça localizar e enviar de imediato a esta Comissão de Inquérito a documentação em referência e, bem assim, sendo necessário, ordene rigoroso inquérito urgente quanto ao seu eventual descaminho e desaparecimento.
Resposta of.153/XCPITC/2013: informa que não foram encontrados documentos sobre: Embargo de venda de armas ao Irão, decretado em 1980; Levantamento do embargo de venda de armas ao Irão, decidido em janeiro de 1981; Correspondência mencionada na Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981, com o número de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980 (página 218), e 42, de 22 de janeiro de 1981 (página 223), assim como a correspondência envolvendo MDN, CEMGFA/DNA e MNE/SG sobre comércio de material militar com o Irão (em anexo); Comunicado/Nota Oficiosa, publicada no jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de
Enviado aos Srs. Deputados em 2-12-2013
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1980, onde é dito que o Governo não autorizou, nem iria autorizar, qualquer venda de armamento ou munições portugueses para o Irão e, bem assim, o processo administrativo anexo com a emissão dessa nota. É indispensável que o Governo faça localizar e enviar de imediato a esta Comissão de Inquérito a documentação em referência e, bem assim, sendo necessário, ordene rigoroso inquérito urgente quanto ao seu eventual descaminho e desaparecimento.
152/2013 Ministro da Economia
Pedido de indicação pelas entidades aeroportuárias do Aeroporto da Portela, relativa a todos os movimentos (aterragens e descolagens), na noite de 4 de dezembro de 1980, entre as 18.00 horas e as 24.00 horas desse mesmo dia.
Informa que não existem registos com a informação dos movimentos solicitados
Enviado aos Srs. Deputados em 11-09-2013
151/2013
Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses
Audição do Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira e da Sra. Prof. Doutora Rosa Henriques de Gouveia, de acordo com o estabelecido telefonicamente, no próximo dia 5 de novembro de 2013, terça-feira, às 10.30 horas, no Palácio de São Bento, em Lisboa.
- -
audição realizada na data indicada
150/2013 Procuradora Adjunta
Resposta ao pedido de informação sobre morada de José Esteves
- - -
149/2013
Presidente do Tribunal de Relação de Lisboa
Requerimento para levantamento de segredo profissional
Resposta ao of. 149/XCPITC/2013: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
T.C. 1 – Aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentare
-
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para que a RTP entregue à XCPITC as imagens em bruto solicitadas com quebra de sigilo profissional.
s; Solicite-se à RTP as imagens, anexar ao pedido o presente Acordão.
148/2013 Inspetor-Geral de Finanças
Solicitação para ouvir em declarações a equipa de peritos constituída para a auditoria final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar para, no seguimento do processo de credenciação mencionado no ofício dessa Inspeção-Geral – 2095 – 15-07-2013 - Proc. 2013\154\A5\938, para informação sobre o ponto de situação do referido processo.
-
Audição agendada para 30-10-2013
147/2013
Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista
Solicitação para que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista examine os referidos documentos no sentido de avaliar a possibilidade de serem disponibilizados aos membros da Comissão Parlamentar, para consulta
Resposta ao of. 147/XCPITC/2013: Informa que é entendimento do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) que, relativamente aos textos publicados e assinados pelo jornalista já falecido, Dr. Celestino Amaral, não se coloca qualquer questão, porquanto são do domínio público
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 6-11-2013
146/2013 Dr. Carlos Macedo
Convocatória para o Dr. Carlos Macedo prestar depoimento perante esta Comissão Parlamentar de Inquérito no dia 18 de outubro de 2013, às 15,00 horas
confirmada - Cancelada
145/2013
Diretora-Geral do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações
Convocatória para o Dr. Rui Carp prestar depoimento perante esta Comissão Parlamentar de Inquérito no dia 10 de outubro de 2013, às 18,30 horas
confirmada -
Audição antecipada para as 17h00
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Internacionais
144/2013 Comandante Alpoim Calvão
Convocatória para audição de V. Exa., se possível, no dia 17 de outubro de 2013, quinta-feira, às 18.00 horas, no Palácio de São Bento, em Lisboa.
confirmada -
Audição realizada na data indicada
143/2013 Eng.º Pedro Varanda e Castro
Convocatória para audição no dia 15 de outubro de 2013, terça-feira, às 16.00 horas, no Palácio de São Bento, em Lisboa, para o que foi estabelecido contato prévio.
confirmada -
Audição adiada para 22-10-2013
142/2013 Comandante Alpoim Calvão
Convocatória para audição no dia 8 de outubro de 2013, terça-feira, às 10.30 horas,
confirmada - Alterada para 17-10-2013
141/2013 MAI
Pedido de contato do cidadão de nacionalidade americana William Hasselberg (que, em tempo, exerceu funções na Embaixada dos Estados Unidos da América, em Lisboa).
140/2013 MNE
Pedido de contato do cidadão de nacionalidade americana William Hasselberg (que, em tempo, exerceu funções na Embaixada dos Estados Unidos da América, em Lisboa).
Resposta ao of. 140/XCPITC/2013: informa que não será possível às autoridades americanas facultarem informação sobre o paradeiro de cidadãos norte-americanos.
T.C. Aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
139/2013 Hernâni Santos
Pedido de envio aos membros da Comissão a cópia da entrevista que tinha realizado, em 1975, em Madrid, ao Senhor Comandante Alpoim Calvão, sendo que a mesma tinha sido publicada pelo “Jornal”, com o título “Irei comer as rabanadas a Portugal”, na sequência da audição de 19-7-2013
138/2013 Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira
Reforço para que proceda a uma reavaliação e reanálise das lâminas e blocos do estudo histológico efetuado aquando das autópsias do Eng.º José Moreira e companheira, a fim de produzir uma explicação clara e fundamentada para os preocupantes resultados
Envio do estudo histológico (resposta aos ofs. 108/XPITC/2013 e 138/XPITC/2013
T.C. - cópia aos Srs. Deputados e Familiares das Vítimas - Aos Serviços para pagamento
enviado aos Srs. Deputados em 17-20-2013
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obtidos em 1983.
137 DG Reinserção e Serviços Prisionais
Pedido de informação urgente sobre a situação do Senhor RAMÓN-FRANCISCO ARNAU DE LA NUEZ, cidadão das Canárias, portador do Bilhete de Identidade espanhol – D.N.I. nº 42.828.266,
Resposta ao of. 137/XCPITC/2013: informa sobre a situção do recluso Ramon Arnau Nuez
-
136/2013
Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares
Reforço de pedido efetuado através do n.of. 52/XCPITC/2013: inexistência e ou desaparecimento de informação sobre exportação de material de guerra para o Irão e para o Iraque
135/2013 Ministra da Justiça
Reforço - Aditamento ao n.of. 124/XCPITC/2013: reitera-se pedido de informação sobre listagem de visitantes aos reclusos Carlos M.T. Miranda, no EPCoimbra e Fernando Farinha Simões, em Vale de Judeus.
Resposta ao of. 135/XCPITC/2013: - Identificação da listagem de visitantes ao recluso Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves, aquando da sua estadia no Estabelecimento Prisional de Coimbra, apesar de o mesmo ter sido encerrado em 2009 (de acordo com Ofício N.º 7648/DSEMPL, de 21-05-2013, dirigido ao Exmo. Senhor Chefe de Gabinete de Sua Excelência a Ministra da Justiça). - Identificação da listagem de visitantes ao recluso Fernando Farinha Simões, aquando da sua estadia no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus.
EM 1-10-2013, O MJ informou que o pedido foi reencaminhado à DGRSP -
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134/2013 Dr. Luís Fontoura
Envio de questionário
Resposta telefónica em 20-09-2013, informando que se encontra hospitalizado, há meses, mas que responderá ao solicitado pela Comissão, logo que obtenha alta hospitalar.
falecido
133/2013 Fernando Farinha Simões
Devolução de fotografias enviadas à X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate.
-
Comunicar a receção das fotos aos Srs. Deputados
-
132/2013 Caixa Geral de Aposentações
Pedido de indicação da morada do Ten.Coronel Canto e Castro, ou de outro contacto disponível na CGA
Envia informação sobre morada Tenente-Coronel Canto e Castro:
T.C. Para conhecimento aos Srs. Deputdos na PRIMEIRA REUNIÃO DA COMISSÃo
-
131/2013
Instituto da Mobilidade e dos Transportes
Pedido de indicação da morada do Ten.Coronel Canto e Castro, ou de outro contacto disponível no Instituto
Envia morada do Tenente-Coronel Canto e Castro
T.C. Para conhecimento aos Srs. Deputdos na PRIMEIRA REUNIÃO DA COMISSÃO
-
130/2013
Instituto dos Registos e do Notariado
Pedido de indicação da morada do Ten.Coronel Canto e Castro, ou de outro contacto disponível no Instituto dos Registos e do Notariado
Envia informação sobre morada Tenente-Coronel Canto e Castro
T.C. Para conhecimento aos Srs. Deputdos
-
129/2013 Inspeção-Geral de Finanças
Alteração da audição dos Inspetores de 23 para 24-04-2013
- -
Audição realizada em 24-07-2013
128/2013 Dr. Luís Fontoura
Para se pronunciar sobre as declarações do jornalista Miguel Reis na audição que tee lugar em 16-04-2013
- - falecido
127/2013 Pedro Varanda de Castro
Convocatória para audição em 24-7-2013, às 10h30
Encontra-se no estrangeiro não tendo, ainda, data para regresso
-
e-mail de resposta enviada aos Srs. Deputados em 24-07-2013
126/2013 Inspetor Pedro Amaral
Convocatória para audição no próximo dia 24-07-2013.
- - audição realizada
125/2013 Diretora da Unidade de
Pedido de informação sobre o contato do Inspetor Pedro
Informa que o Sr. Assessor de
- Audição efetuada
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Recursos Humanos e Relações Públicas Dra. Ilda Pação Polícia Judiciária
Amaral, a fim de prestar depoimento perante esta Comissão, no próximo dia 24 de julho de 2013, quarta-feira, às 10.30 horas, no Palácio de São Bento, em Lisboa. No caso de não lhe ser possível comparecer na data indicada, queira informar-nos da sua disponibilidade para reunir com a Comissão até ao final da próxima semana.
Investigação Criminal, Dr. Pedro Maria Santos e Silva de Amaral encontra-se na situação de aposentado, desde 01/06/2006, tendo esta Unidade tentado contatá-lo através do telemóvel, diligência esta que não obteve sucesso; a morada existente nesta Unidade, à data da Aposentação do Sr. Assessor de Investigação Criminal é a seguinte: Rua da Eira Velha, n.º 15 – R/C – 2795-076 LINDA-A-VELHA.
em 24-07-2013
124/2013 Ministra da Justiça
Para solicitação junto da Direção-Geral dos Serviços Prisionais a identificação da listagem de visitantes ao recluso Carlos Miranda aquando da sua estadia no estabelecimento regional de Coimbra (apesar de o mesmo haver sido encerrado em 2009, é do entendimento dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS que o registo solicitado terá de existir)
Informa que o assunto foi reencaminhado para a D.G. de Reinserção e Serviços Prisionais
Aos Srs. Deputados Enviado em 24-07-2013
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123/2013 Polícia Judiciária
Solicitação para envio a esta Comissão, com urgência, cópia de toda a documentação confidencial que, segundo essa instituição se “encontra depositada na arrecadação desta Polícia, através da guia de depósito L5-n.º20 inserida nos autos no 9.º volume, fls. 2143”.
Envia cópia de “Documentação Confidencial – Procº Camarate”
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122/2013
Tribunal Judicial da Comarca de Loures
Envio a esta Comissão, com urgência, cópia de todo o processo relativo ao processo de Camarate, designadamente ao processo onde consta a
Em 25-07-2013. Resposta ao Of. 122/XCPITC/2013: informa que o assunto foi reencaminhado
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Enviado aos Srs.
Deputados em 26-07-
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investigação à queda, em Camarate, do avião que transportava o Primeiro-Ministro, o Dr. Francisco Sá Carneiro, o Ministro da Defesa, Eng.º Adelino Amaro da Costa entre outros passageiros e tripulantes.
para conhecimento e apreciação à Mmª Juíza titular do processo. Esclarece que está em concordância com a posição que a referida juíza vier a tomar. Resposta da juíza em 31-07-2013: (Juízes Criminais e de Pequena Instância Criminal de Loures)informa que os presentes autos são compostos de 52 vol. E de mais 221 vol. De Apensos. o:
121/2013 Rui Ochôa
Solicitação de cópias de fotografias tiradas no dia 4-12-1980, no local do acidente de Camarate
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120/2013 Ministro da Defesa Nacional
Solicitação da disponibilização da morada, em Londres, do Major José Bernardo do Canto e Castro e informação sobre a existência de mandato judicial nacional ou internacional relativa à mesma pessoa.
Informa que após consultado o EMFA, o Tenente-Coronel José Bernardo do Canto e Castro se encontra na reforma desde 31-12-1992, desconhecendo-se a sua atual morada e qualquer mandato judicial nacional ou internacional
T.C. 1-Aos Srs. Deputados; 2-Solicitar à CG pensões se o Tenent-Coronel recebe pensão e …
Envio aos Srs. Deputados em 19-07-2013
119/2013 Ministra da Justiça
Solicitação da disponibilização da morada, em Londres, do Major José Bernardo do Canto e Castro e informação sobre a existência de mandato judicial nacional ou internacional relativa à mesma pessoa.
Informa que os ofs. foram reenviados ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária. PJ informa sobre localização e mandato de detenção (entrada 197) - 13-08-2013-entrada 205: PJ :informa sobre
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T.C. Aos Srs.
Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 11.09.2013
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existência de pendência de mandato de detenção nacional relativo ao Major Canto e Castro
118/2013
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Solicitação da disponibilização da morada, em Londres, do Major José Bernardo do Canto e Castro e informação sobre a existência de mandato judicial nacional ou internacional relativa à mesma pessoa.
Informa que foi enviado of. à nossa Embaixada em Londres, com conhecimento à D.G. dos Assuntos e Comunidades Portuguesas: Em 23-09-2013: informa que o cidadão José Bernardo do Canto e Castro tem pendentes mandatos de captura Europeu e internacional
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117/2013
D.G. de Reinserção e Serviços Prisionais
Pedido para que seja providenciada a presença de Fernando Farinha Simões para prestar depoimento, à porta fechada, perante esta Comissão, no próximo dia 17 de julho de 2013, no Palácio de São Bento, em Lisboa, municiado de documentação que for entendida como relevante.
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Audição realizada em 17-07-2013
116/2013 Inspetor-geral de Finanças
Informação sobre a prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão e a suspensão deste prazo no período compreendido entre 24 de julho e 1 de outubro de 2013. Na sequência do presente no ofício 63/XCPITC/2013, de 07-05-2013, e respetivo anexo, cumpre solicitar esclarecimento sobre os constrangimentos que podem provocar na auditoria final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU) que se encontra a ser realizada pelos peritos designados pela Inspeção- Geral de Finanças e ainda sobre o ponto de situação da referida auditoria.
Resposta ao Of. 116/XCOPITC/2013: informa que a equipa foi credenciada pelo EMGFA na semana de 15-07-2013, tendo já começado os seus trabalhos.
T.C. 1 Cópia aos Srs. deputados; 2- Notificar os Srs Inspetores para audição urgente
Audição agendada para 23-07-2013
115/2013 Secretário do Solicitação para que se Resposta aos of.s -
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Conselho de Estado
submeta o assunto ao Conselho de Estado, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do seu Regimento, no sentido de deliberar acerca da necessária autorização para que o Senhor General, enquanto membro do Conselho, possa prestar depoimento perante a Comissão de Inquérito, numa reunião a agendar proximamente, e que terá lugar no Palácio de São Bento, em Lisboa.
114/XCPITC/2013 e 115/XCPITC/2013: solicitação de autorização para prestação de depoimento, por escrito, dos Senhores Conselheiros de Estado General António Ramalho Eanes e Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
114/2013 Secretário do Conselho de Estado
Solicitação para que se submeta o assunto ao Conselho de Estado, no sentido de deliberar acerca da necessária autorização para que o Senhor General, enquanto membro do Conselho, possa prestar depoimento perante a Comissão de Inquérito, numa reunião a agendar proximamente, e que terá lugar no Palácio de São Bento, em Lisboa.
Resposta aos of.s 114/XCPITC/2013 e 115/XCPITC/2013: solicitação de autorização para prestação de depoimento, por escrito, dos Senhores Conselheiros de Estado General António Ramalho Eanes e Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.
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113/2013 Ministro da Economia e do Emprego
Solicitação para que, com urgência, seja fornecida indicação relativa aos movimentos (aterragens e descolagens) no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no dia 4 de dezembro de 1980, entre as 09.00 horas e as 23.00 horas.
Informa que não existem registos de movimentos (aterragens e descolagens) (aterragens e descolagens) no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no dia 4 de dezembro de 1980, entre as 09.00 horas e as 23.00 horas.
T.C. Comunicar aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares
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112/2013 Ministro da Administração Interna
Solicitação para que sejam requeridas, com urgência, junto da Polícia Judiciária as declarações das várias testemunhas inquiridas no âmbito da investigação da morte do Eng.º José Moreira, ocorrida em 1983.
Acusa a receção do of. 112/XCPITC/2013: solicitação de declarações de testemunhas, no âmbito da investigação da morte do Eng.º José Moreira e solicita que o
T.C. Aos Srs. Deputados Enviado aos Srs. Deputados em 31-07-2013
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mesmo seja remetido ao Ministério da Justiça por se tratar de matéria da competência daquele Ministério.
111/2013 Ministra da Justiça
Solicitação para que sejam requeridas, com urgência, junto da Polícia Judiciária as declarações das várias testemunhas inquiridas no âmbito da investigação da morte do Eng.º José Moreira, ocorrida em 1983.
informa que os ofs. foram reenviados ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária. Reitera informação através de of. (entrada 197) - 13-08-2013 -entrada 205/XCPITC/2013: PJ: reitera informação s/devolução do Processo ao Tribunal da Comarca de Oeiras e
Enviado aos Srs. Deputados em 11.09.2013
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110/2013 Ministro da Defesa Nacional
Solicitação para que seja remetida a esta Comissão a listagem completa dos membros do gabinete do ex-Ministro da Defesa, Eng.º Adelino Amaro da Costa, procedendo, se necessário, á consulta da folha salarial dos respetivos membros do gabinete.
Informa que o MDN não é detentor da informação solicitada (listagem completa dos membros do Gabinete do ex-Ministro da Defesa, Eng. Adelino Amaro da Costa
T.C. Aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 16-07-2013
109/2013 Ministra da Justiça
Solicitação, com urgência, junto da Polícia Judiciária identificação de dois agentes mencionados pelo Senhor José António dos Santos Esteves (em audição realizada perante esta Comissão de Inquérito) como tendo assistido a uma reunião que este teve na Polícia Judiciária, em 1980, com os nomes de Agente Modesto e de Agente Paulo. Mais foi requerida que, no caso de haver mais do que
informa que o ofs. Foram reenviados ao Diretor Nacional da Polícia Judiciária. - 13-08-2013 -entrada 205/XCPITC/2013: PJ: envia informações sobre os "Agente Modesto" e "Agente Paulo.
T.C. Aos Srs. Deputados
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um Agente Paulo, ou conhecido por Agente Paulo, a indicação de todos os agentes que possuem o referido nome (no princípio, no meio, ou no fim do nome).
Informação sobre “Agente Paulo” e “Agente Modesto”
108/2013 Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira
Solicitação para que proceda a uma reavaliação e reanálise das lâminas e blocos do estudo histológico efetuado aquando das autópsias do Eng.º José Moreira e companheira, a fim de produzir uma explicação clara e fundamentada para os preocupantes resultados obtidos em 1983.
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107/2013 XCPITC Pedido de prorrogação do prazo e suspensão dos trabalhos da XCPITC
Despacho de SEXA PAR
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RAR 110/2013, de 5-7-2013
106/2013 Inspetor Marques Monteiro
Convocatória para prestação de depoimento perante a Comissão, no dia 28-06-2013, às 14h00.
Acareação realizada na data pretendida i
105/2013 O requerente
Convocatória para prestação de depoimento perante a Comissão, no dia 27-06-2013, às 18h00.
Acareação realizada na data pretendida
104/2013 José dos Santos Esteves
Convocatória para acareação com o Sr. Carlos Miranda Gonçalves, no dia 25-06-2013, às 10h30.
idem
103/2013
Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Solicitação para que providencie a presença do Sr. Carlos Miranda Gonçalves para acareação com o Sr. José Esteves, no dia 25-06-2013, às 10h30.
- -
Acareação realizada na data pretendida
102/2013 General Ramalho Eanes
Aditamento à Convocatória dirigida ao Senhor General Ramalho Eanes para depor perante a XCPITC (alteração do articulado)
- - -
101/2013 General Ramalho Eanes
Convocatória dirigida ao Senhor General Ramalho Eanes para depor perante a XCPITC
- - Sem efeito
100/2013
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Solicitação para que seja requerido aos arquivos da polícia secreta da antiga RDA, a STASI, qualquer informação relacionada com
Informa que foi enviada Nota Verbal para a Emb. da Alemanha em
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a tragédia de Camarate para envio a esta Comissão de Inquérito. Para o efeito, anexou-se um documento, em língua alemã, nele constando os contatos relativos ao destinatário, no qual é solicitada informação sobre os referidos arquivos. De igual forma, anexa-se a tradução do documento para a língua portuguesa.
Lisboa, com conhecimento à nossa Embaixada em Berlim; Em 16-09-2013: Resposta do MNE e Emb. da Alemanha ao of. 100/XCPITC/2013: envia comunicação da Emb. da Alemanha sobre pedido aos arquivos da polícia secreta da antiga RDA, a STASI, qualquer informação relacionada com a tragédia de Camarate para envio a esta Comissão de Inquérito.
99/2013
Presidente do Conselho de Administração da RTP
Solicitação à RTP para envio das peças jornalísticas de 4 de dezembro de 1980, não editadas, bem como todas as imagens recolhidas no local do acidente e não editadas, sobre a queda do avião que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro Dr. Francisco Sá Carneiro e o Ministro da Defesa Eng.º Adelino Amaro da Costa.
Invoca os artºs 38, n.2 b)da CRP e 11º do Estatuto do Jornalista
98/2013 Ministra da Justiça
Solicitação para que seja requerido junto da Polícia Judiciária certidão de óbito, bem como relatório final sobre a morte de José Manuel Silva Moreira e do Agente Militão, para efeito de envio a esta Comissão de Inquérito
Informa que o pedido da XCPITC foi reencaminhado ao Diretor Nacional da PJ
T.C. cópia aos Srs. Coordenadores Cópia do doc. entregue aos Srs. Coordenadores na reunião de
Resposta ao of. 98 recebida em 16-07-2013 e enviada aos Srs. Coordenadores na mesma data.
97/2013 Ministra da Justiça
Solicitação para que seja requerido junto da Polícia Judiciária cópia de todo o processo relativo a Camarate, para efeito de envio a esta Comissão de Inquérito
Informa que o pedido da XCPITC foi reencaminhado ao Diretor Nacional da PJ
T.C. cópia aos Srs. Coordenadores Cópia do doc. entregue aos Srs. Coordenadores na reunião de 18.6.2013;
Resposta ao of. 97 recebida em 16-07-2013 e enviada aos Srs. Coordenadores na
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mesma data.
96/2013 Ministra da Justiça
Solicitação de que seja perguntado à Polícia Judiciária se tem na sua posse, e onde, a pasta de cabedal e o seu conteúdo, encontrados na noite de 4 de dezembro de 1980 nos destroços do avião que caiu em Camarate e que transportava o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa Nacional. A pasta, de fole e de cor castanha, que continha documentos vários.
Informa que o pedido da XCPITC foi reencaminhado ao Diretor Nacional da PJ: respondeu
T.C. cópia aos Srs. Coordenadores Cópia do doc. entregue aos Srs. Coordenadores na reunião de 18.6.2013
Resposta ao of. 96 recebida em 16-07-2013 e enviada aos Srs. Coordenadores na mesma data.
95/2013
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Solicitar que seja requerido junto da Hemeroteca Nacional toda a informação relativa a atentados bombistas, raptos e assassinatos entre 1978 e 1981 para efeito de remessa a esta Comissão de Inquérito.
Cópias de recortes dos jornais enviados
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Entregue às assessorias dos GP
94/2013
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Solicitar seja requerido junto da EUROPOL o paradeiro do cidadão Sinan Lee Rodrigues para efeito de remessa a esta Comissão de Inquérito.
Informa que foi enviado of. para a D.G. da Política de Justiça; Em 23.09.2013 informa sobre o paradeiro de Sinan L. Rodrigues, no Reino Unido
93/2013 Ministro da Defesa Nacional
Solicitação que seja remetida a esta Comissão a listagem completa dos membros do gabinete do ex-Ministro da Defesa, Eng.º Adelino Amaro da Costa.
Informa que a SG do MDN não é detentora da informação solicitada.
T.C. Aos Srs. Coordenadores
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
92/2013 Ministra da Justiça
Solicitar seja requerido à Polícia Judiciária - para efeito de envio a esta Comissão - o processo n.º 93-B/83 (aberto na sequência da investigação da morte do Eng. José Manuel Moreira e sua acompanhante, ocorrida em 4 de janeiro de 1983), requisitado por esta Polícia, em 10.08.1995, ao Tribunal Judicial de Oeiras.
Informa que o pedido da XCPITC foi reencaminhado ao Diretor Nacional da PJ. Respondido que respondeu em 16-07-2013)
T.C. cópia aos Srs. Coordenadores
Enviado aos Srs. Coordenadores em 16-07-2013
91/2013 MNE Entradas e saídas de Henry Kissinger – reitera o pedido
Resposta aos of.ºs 26/XCPITC/2013 e
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs.
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no ofício 26/XCPITC/2013 91/XCPITC/2013: informa que devido a ausência de sistemas informáticos de dados de entradas e saídas do estrangeiro, não foi possível confirmar a existência. De entradas e saídas de estrangeiros.
Deputados em 25-6-2013 (e-mail)
90/2013 José Esteves Acareação entre Tenente-Coronel Lencastre Bernardo e José Esteves
- -
Acareação realizada em 7-6-2013
89/2013
Tenente-Coronel Lencastre Bernardo
Acareação entre Tenente-Coronel Lencastre Bernardo e José Esteves
- -
Acareação realizada em 7-6-2013
88/2013 Dr. Acácio Brito
Convocação do Dr. Acácio Brito
- -
Audição realizada em 6-6-2013
87/2013 Sra. D. Elza Simões
Convocação da Sra. D. Elza Simões no dia 4-6-2013
- - 4-6-2013
86/2013 SEXA PAR Encargos associados à deslocação de convocados pela XCPITC
Autorizado em 31.05.2013 - -
85/2013
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Ofício ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros no sentido de disponibilizar à Comissão, através da Embaixada dos EUA, o registo de entradas e saídas de Portugal de Oliver North, durante o ano de 1980.
Informa que foi efetuado o pedido de informação (Nota verbal para a Bem. dos EUA em Lisboa, com conhecimento à nossa Emb. em Washington
84/2013 Ministro da Administração Interna (SEF)
Ofício ao MAI no sentido de disponibilizar à Comissão, através do SEF, o registo de entradas e saídas de Portugal de Oliver North, durante o ano de 1980.
Resposta do MAI (através da SEAPI): informa que nos registos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nada consta sobre o registo de entradas e saídas de Portugal de Oliver North, durante o ano de 1980.
- Enviado aos Srs. Deputados
83/2013
Tenente-Coronel António Lencastre Bernardo
Audição do Tenente-Coronel António Lencastre Bernardo.
- -
Audição realizada em 28-01-2013
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82/2013 Administração da RTP
Of. a solicitar envio à Comissão cópia das gravações das entrevistas concedidas pelos Senhores Fernando Farinha Simões e José Esteves à Jornalista, Sra Dra. Sandra Felgueiras, no âmbito do programa “Sexta às 9”, sobre o assunto objeto desta Comissão Parlamentar.
Resposta ao of. 82/XCPITC/2013: solicitação cópias de gravações das entrevistas concedidas pelos Senhores Fernando Farinha Simões e José António dos Santos Esteves à jornalista Sandra Felgueiras: informa que tendo em conta as inúmeras contradições que resultaram dessas entrevistas bem como de todos os fatos recolhidos, foi determinado não emitir o programa que, nem tão pouco chegou a ser editado.
Informação enviada aos Srs. Coordenadores dos GP, conforme despacho do Presidente da Comissão, de 8-7-2013
81/2013 José Esteves
Convocatória a José Esteves para continuação de depoimento no dia 21-05-2013
- -
Audição efetuada em 21-05-2013
80/2013
IDD – Industria de Desmilitarização e Defesa, SA
idem
Informa que a IDD iniciou a sua atividade em 1997, pelo que não tendo conhecimento do assunto, não tem nada a declarar.
T.C. Conhecimento aos Srs. Deputados
Distribuição aos Srs. Deputados em 30-5-2013
79/2013
Montagrex – Optagrex – Sociedade Portuguesa de Importações e Exportações, Lda
Idem
Informa que a empresa iniciou a sua atividade em 22-10-2013, pelo que as perguntas feitas no of. 79/XCPITC/2013, ficam prejudicadas.
T.C. Conhecimento aos Srs. Deputados
Distribuição aos Srs. Deputados em 30-5-2013
78/2013 A.Paukner Lda.
Idem Desconhecido na morada
77/2013
Browning Viana – Fábrica de Armas e Artigos de Desporto, SA
Idem
Informa que a empresa nunca fabricou, afinou ou vendeu armas de guerra
T.C. Conhecimento aos Srs. Deputados
Distribuição aos Srs. Deputados em 30-5-2013
76/2013 OGFE – Idem Responde às
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Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento
perguntas efetuadas sobre venda de material militar
75/2013
OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal
Idem
informa que não tem quais transações respeitantes à venda de material militar, que possam ter ocorrido no períodos indicados.
74/2013
COMETNA Companhia Metalúrgica Nacional, SA
Pedido de envio de informação sobre: a esta Comissão as seguintes informações: Para que países a COMETNA vendeu material militar, entre o início de 1979 e 1984? Que militares portugueses participaram, entre 1978 e 1987, nos contactos entre a Vossa empresa e os clientes finais, nas vendas de material militar? Em 1980 receberam do Governo Português alguma indicação para suspenderem a venda de material militar para algum País? Houve alguma interrupção na venda de material militar, em 1980, para algum País? Quem autorizava e como se processava legalmente o comércio de material militar?
Ofício devolvido: desconhecimento da existência da empresa no endereço destinatário (ver of.
- -
73/2013
Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira (Instituto Medicina Legal)
Pedido de envio de cópia do relatório das autópsias efetuadas ao Senhor Eng. José Moreira e à sua companheira, elaborado pelo Senhor Dr. Fernando Fonseca, bem como as análises histológicas de ambos.
Envia cópia do relatório da autópsia de José Manuel Silva Moreira e de Elisabete da Piedade Silva
T.C. Aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares e Peticionários
Enviado em 31-5-2013
72/2013 Dr. Laureano Santos
Solicitação de envio de sugestões de linhas de investigação (aspetos técnicos da tragédia de Camarate, relacionados com
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a aeronave).
71/2013
Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras
Pedido para autorizada a confiança do processo n.º 93-B/83 (aberto na sequência da investigação da morte do Eng. José Manuel Moreira e sua acompanhante, ocorrida em 4 de janeiro de 1983).
Informa que o processo n.º 93/83-B (aberto na sequência da investigação da morte do Eng. José Manuel Moreira e sua companhante, ocorrida em 4 de janeiro de 1983),foi requisitado pela Polícia Judiciária em 10-08-95, não tendo regressado ao arquivo daquele Tribunal. Pelo of. 180 de 11-11-2013, informa que o Inu´qrito já se encontra disponível
-
T.C. Conhecimento
aos Srs. Deputados
(ver of. 92/XCPITC/2013, 04-06-2013, ao MJ _____________ Enviado of. 169/XCPITC/2013 a pedir autorização de consulta ao Inquérito 93/83 – B, pelos assessores dos GP
70/2013 Jim Hunt Envio de questionário sobre Frank Sturgies
- T.C. Distribuir aos Srs. Deputados
Dado conhecimento aos Srs. Deputado em 20-11-2013 e enviado of.
69/2013 José dos Santos Esteves
Convocatória para audição do Sr. José Esteves no dia 16-05-2013
- -
Audição realizada em 16-05-2013
68/2013 Victor Pereira Convocatória para audição do Sr. Victor Pereira no dia 14-05-2013
- -
Audição realizada em 14-05-2013
67/2013
Diretor de Reinserção e Serviços Prisionais
Comunicação de antecipação da hora da audição de Carlos Miranda Gonçalves, das 18h00, para as 17H00.
Contato telefónico da Dra. Carolina Oliveira a informar que há greve dos Guardas Prisionais no dia 9-5-2013, termina às 17h00. Sugere que se mantenha as
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18h00.
66/2013 Dra. Isabel Duarte
Pedido de autorização para consulta do espólio do jornalista Celestino Amaral.
Recorte de imprensa e documentos entregues em 11-06-2013. Entregues à guarda do AHP
T.C. Cópia dos recortes dos Jornais aos Srs. Deputados. T.C. Informar os Srs. Coordenadores que podem consultar as fichas de trabalhos do jornalista Celestino Amaral.
65/2013 Diretor do Semanário Expresso
Pedido para disponibilizar a esta Comissão, cópias de todos os textos publicados e assinados pelo jornalista Celestino Amaral durante o ano de 1980 3 primeiro trimestre de 1981.
Envio de cartão de cumprimentos com recortes sobre as “FP 25”
T.C. Distribuir aos Srs. Deputtados
Distribuído em 17-05-2013
64/2013
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Pedido para disponibilizar a esta Comissão, através da Hemeroteca Municipal de Lisboa, cópias de todas as notícias dos jornais diários nacionais JORNAL DE NOTÍCIAS e PORTUGAL HOJE, cujo tema seja o sequestro do barco pesqueiro "Rio Vouga" pela Frente Polisário e assuntos relacionados e/ou consequentes, nomeadamente a República Árabe Saharaui Democrática e o seu reconhecimento internacional, no período de maio a dezembro de 1980, inclusive.
Informa que o pedido foi encaminhado para o Gabinete da Sra. Vereadora Catarina Vaz Pinto, responsável pela Cultura. Cópia de recortes de jornais enviado à Comissão.
T.C. aos Serviços. T.C. cópia aos Srs. Deputados
Cópias das notícias entregues aos Assessores dos Grupos Parlamentares. Mais notícias entregue em 3-7-2013.
63/2013
Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares
Solicitação de auditoria final Ao FDMU; averiguar se existe relação ou movimento entre o FDMU e a exportação de armas ocorridas no período entre 1974 e a efetiva liquidação ou últimos movimentos dos saldos do FDMU.
Informa que o of. foi encaminhado para os Srs. Ministros das Finanças e da Defesa Nacional; Em 20-05-2014: Envia cópia do of. n. 598 do Gabinete da Ministra das Finanças relativo à Auditoria final
T.C. Conhecimento aos Srs. Deputados. Distribuição aos Srs. Deputados em 30-5-2013
Em 24-06-2013, os serviços foram informados pela IGF de que: 1 – foi já nomeada uma equipa da Inspeção-Geral de Finanças
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ao FDMU (resposta ao of. 63/XCPITC/2013)
para realizar a auditoria; 2 – está a decorrer o respetivo processo de credenciação, na sequência do contato efetuado pela Inspeção-Geral de Finanças junto do CEMGFA.
62/2013 Ministro da Economia e do Emprego
Solicitação de informação sobre a existência de uma companhia de aviação denominada "African Air Charters", que operava em finais da década de 70, inícios de 80, e, em caso afirmativo, quando foi fundada; Se a referida companhia operou em Portugal entre janeiro de 1980 e dezembro de 1981 e, caso existam registos de movimentos no espaço aéreo e aeroportos/aeródromos/bases portuguesas de aeronaves desta empresa, seja disponibilizado a esta Comissão o acesso/cópia desses registos.
Comunica que o pedido expresso no ofício da XCPITC foi encaminhado ao Eurocontrol e às Empresas NAV-Portugal e Ana-Aeroportos para pedido de informação. Em 24-07-2013, a S.E. das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, através do INAC e ANA, Informa, através do INAC e ANA, que a companhia aérea African Air Charters não se encontra referenciada no Documento ICAO 8585 – “Designators for Aircraft Operating Agencies, Aeronautical Authorities and Services” nas edições de 1978 a 1983. EUROCONTROL E
T.C. Aos Srs. Deputados
-
Enviado aos Srs. Deputados em 31-05-2013 -
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NAVE Comunica que, na sequência do pedido de informações solicitado à EUROCONTROL e NAV Portugal, não possuem registos históricos de movimentos de aeronaves operadas, entre 1980-1981, pela African Air ChartersE
61/2013
Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Solicitação da presença de Carlos Gonçalves para prestar depoimento no próximo dia 9 de maio de 2013, às 18.00 horas,
- - Depoimento efetuado
60/2013
Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Solicitação da presença de Farinha Simões para prestar depoimento no próximo dia 7 de maio de 2013, às 10.30 horas,
Depoimento efetuado
59/2013 Prof. Freitas do Amaral
Agradecer pelo envio do “Estudo da legislação nacional sobre a exportação de armas, desde a década de 70”.
- - -
58/2013 Ministra da Justiça
Solicitação no sentido de fazer chegar à Comissão, através da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, cópia do registo de visitas ao recluso Fernando Farinha Simões, no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.
Informa que o pedido foi encaminhado para a DG de Reinserção e Serviços Prisionais;
T.C. aos Srs Deputados da Comissão Distribuído aos Srs. Deputados em 15-5-2013.
Respondido em 16-07-2013 e enviado aos Srs. deputados na mesma data
57/2013 Ministra da Justiça
Solicitação de cópia do registo de visitas ao recluso Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves, portador do BI n.º 2992461, no Estabelecimento Prisional de Coimbra.
Informa que o pedido foi encaminhado para a DG de Reinserção e Serviços Prisionais
T.C. aos Srs Deputados da Comissão Distribuído aos Srs. Deputados em 15-5-2013
Respondido em 16-07-2013 e enviado aos Srs. deputados na mesma data
56/2013 Dr. Filipe Mimoso de Freitas
Informação de que a carta dirigida à Comissão Parlamentar, foi recebida e reencaminhada para conhecimento dos membros que integram a Comissão.
- - -
55/2013 Dra. Isabel Duarte
Confirmação da audição agendada para 18-04-2013.
- - -
54/2013 Dr. Miguel Reis
Confirmação da audição agendada para 16-04-2013.
- - -
53/2013 MDN Solicitação de nota Envia nota T.C. aos Distribuído
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biográfica do General Fernando Pinto de Resende, Comandante da 2.ª Região Aérea de Angola no início da década de 60.
biográfica Coordenadores dos G.P.
aos Srs. Deputados em 15-5-2013
52/2013 SEPCM
Oficiar o governo no sentido da realização de um inquérito sobre o desaparecimento dos documentos solicitados pela Comissão ao Governo e EMGFA (cópias de vários ofícios datados de 1980, relacionados com a exportação de material de guerra para o Irão e para o Iraque, por diversas vezes mencionados nos Relatórios da Inspeção-Geral de Finanças de Auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA e do FDMU).
51/2013 MNE
Pedido registo de entradas e saídas de Portugal de Frank Anthony Sturgis (cujo nome verdadeiro será Frank Angelo Fiorini), entre 1977 e 1981.
Informa que nos registos do SEF nada consta sobre o cidadão Frank Anthony Sturgis
T.C. aos Srs Deputados da Comissão
Distribuído aos Srs. Deputados em 15-5-2013
50/2013 MAI
Pedido registo de entradas e saídas de Portugal de Frank Anthony Sturgis (cujo nome verdadeiro será Frank Angelo Fiorini), entre 1977 e 1981.
Informa que nos registos do SEF nada consta sobre o cidadão Frank Anthony Sturgis
T.C. aos Srs Deputados da Comissão
Distribuído aos Srs. Deputados em 15-5-2013
49/2013 MDN
Pedido de documentação relativa a eventuais movimentos de um navio de nome “Sheersburg”, ou “Cherbourg”, ou “Cherburg”, ou “Scheersberg A”, no Porto de Setúbal, incluindo o manifesto de carga e a confirmação das datas e horas exatas de entrada e saída do navio, durante o último semestre de 1980; ou, na mesma data, de movimentos de navios registados no porto de Cherbourg.
Informa que, após consulta ao acervo documental da Capitania do Porto de Setúbal, verificou-se a inexistência da informação pretendida.
T.C. aos Srs Coordenadores
Distribuído aos Srs. Deputados em 2-5-2013
48/2013 MAMAOT
Pedido de informação, através do Centro de Controlo de Tráfego Marítimo (CCTM), sobre toda a documentação relativa aos movimentos do
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navio “Malvern Prince”, desde a entrada no Porto de Setúbal e até à saída, incluindo o manifesto de carga e a confirmação das datas e horas exatas de entrada e saída do navio;
47/2013 MDN
Agradecimento pelo acolhimento recebido pela delegação parlamentar, nas reuniões que tiveram lugar no Ministério da Defesa Nacional e na unidade militar situada em Paço de Arcos, aquando da visita da Comissão (Fundo de Defesa Militar do Ultramar).
- - -
46/2013 MDN
Solicitação ao MDN de cópia autêntica do ofício referido no quadro a páginas 47 do relatório da Inspeção-Geral de Finanças de Auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA do período de 1974 a 1981, cujo teor é a exportação de material de guerra para o Irão, nomeadamente: . ofício proveniente do MDN-Gabinete do Ministro de 2 de dezembro de 1980, acompanhado do ofício 319, de 28 de novembro de 1980 da S/G do MNE e documentos anexos;
-
- Requerimento repetido
45/2013 MENE
Solicitação ao MNE de cópia autêntica do ofício referido no quadro a páginas 47 do relatório da Inspeção-Geral de Finanças de Auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA do período de 1974 a 1981, cujo teor é a exportação de material de guerra para o Irão, nomeadamente: . ofício proveniente do MDN-Gabinete do Ministro de 2 de dezembro de 1980, acompanhado do ofício 319, de 28 de novembro de 1980 da S/G do MNE e documentos anexos;
Informa que não foram localizados no Arquivo Histórico do MENE os documentos solicitados naquelas comunicações
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
44/2013 TC
Pedido de cópia do expediente relativo ao Parecer da Comissão Constitucional n.º 36/81,
Informa que nos arquivos existentes no TC, provenientes da
T.C. Conhecimento aos Srs. Coordenadore
Enviado aos Srs. Deputados
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relativo ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, do Conselho da Revolução.
Comissão Constitucional, apenas se encontram os Pareceres n.º 1/76 a 20/77 (anos 1976-1977), bem como os Acórdãos n.º 101 a 369 (anos 1978-1981) e que, para além do que se encontra publicado no vol. 17 dos Pareceres da Comissão Constitucional, não se encontra naquele Tribunal qq documentação relativa ao processo em causa.
s dos Grupos Parlamentares
43/2013 MDN
Pedido de informação sobre: 1.) Se existia, ou não, antes da publicação da Portaria n.º 660/81, um Diretor Nacional de Armamento e/ou uma Direção Nacional de Armamento (nomeadamente durante o ano de 1980); 2.) Existindo um Diretor Nacional de Armamento, mas não uma Direção Nacional de Armamento, a quem reportava hierarquicamente esse Diretor e quais as funções que lhe estavam atribuídas; 3.) Existindo um Diretor Nacional de Armamento, quem desempenhou essa função durante os anos de 1980 e 1981 (até à publicação da Portaria n.º 660/81).
Informa que não existe nos arquivos da SG do MDN qq doc identificado pela Comissão no of. em referência. Relativamente à DG Armamento e Infraestruturas de Defesa, informa que os docs mencionados, devido à sua quantidade considerável, encontram-se disponíveis para consulta, por peritos credenciados.
T.C. 1 – Comunicar aos Srs. Coordenadores dos Grupos Parlamentares a receção deste ofício. 2-Informar que os docs se encontram para consulta nos Serviços.
42/2013 MDN
Pedido de cópia autêntica dos seguintes docs.: . ofício proveniente do MDN-Gab. do Ministro, n.º de registo no livro 690, data de registo no livro 9 dez. 80, teor “Exportação de material de guerra para o Iraque. Fotocópia dos ofícios números SG 321 e 322,
Informa que não existe qualquer documento identificado no ofício nos arquivos do GEMGFA, da DG de Armamento e Infraestruturas de Defesa e da
T.C. Informar os Grupos Parlamentares Peticionários
Enviado aos Srs. Deputados em 5-4-2013
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ambos de 4 de dezembro de 1980, do MNE”; . ofício proveniente do MDN-Gab. do Ministro, n.º de registo no livro 33, data de registo no livro 19 jan. 81, teor “Adido Militar no Iraque. Fotocópia do ofício n.º SG 303/10 nov. 80, do MNE, solicitando a informação tida por mais conveniente quanto ao exposto no seu n.º 2”.
Secretaria-Geral do MDN
41/2013 MENE
Pedido de cópia autêntica dos seguintes docs.: . ofício proveniente do MDN-Gab. do Ministro, n.º de registo no livro 690, data de registo no livro 9 dez. 80, teor “Exportação de material de guerra para o Iraque. Fotocópia dos ofícios números SG 321 e 322, ambos de 4 de dezembro de 1980, do MNE”; . ofício proveniente do MDN-Gab. do Ministro, n.º de registo no livro 33, data de registo no livro 19 jan. 81, teor “Adido Militar no Iraque. Fotocópia do ofício n.º SG 303/10 nov. 80, do MNE, solicitando a informação tida por mais conveniente quanto ao exposto no seu n.º 2”.
Informa que não foram localizados no Arquivo Histórico ddo MENE os documentos solicitados naquelas comunicações
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
40/2013 SEAPI
Solicitação de cópia dos seguintes documentos: . Despacho Conjunto, do Ministério das Finanças e do Plano do VI Governo Constitucional e CEMGFA, sem data e assinado apenas pelo ministro das Finanças e do Plano; . Comunicado para os órgãos de comunicação social emitido pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, sem data, assinatura ou qualquer referência quanto à sua expedição e/ou publicação. Deduz-se do respetivo teor que o referido Comunicado deve ter sido elaborado ou em 18 de novembro de 1980 (data da publicação do
Envia documento com as questões solicitadas
T.C. Conhecimento aos Grupos Parlamentares
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Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, que no mesmo é mencionado), ou nos dias imediatamente seguintes. Não é também possível, por esta cópia, saber se o Comunicado chegou efetivamente a ser emitido.
39/2013 MEF
Solicitação de cópia dos seguintes documentos: . Despacho Conjunto, do Ministério das Finanças e do Plano do VI Governo Constitucional e CEMGFA, sem data e assinado apenas pelo ministro das Finanças e do Plano; . Comunicado para os órgãos de comunicação social emitido pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, sem data, assinatura ou qualquer referência quanto à sua expedição e/ou publicação. Deduz-se do respetivo teor que o referido Comunicado deve ter sido elaborado ou em 18 de novembro de 1980 (data da publicação do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, que no mesmo é mencionado), ou nos dias imediatamente seguintes. Não é também possível, por esta cópia, saber se o Comunicado chegou efetivamente a ser emitido.
Envia cópia do Despacho Conjunto
T.C. Conhecimento aos Srs. Deputados.
38/2013 MENE
Solicitar autorização de consulta de todo o processo administrativo, incluindo correspondência associada, recebida e enviada, informações internas e/ou recebidas de terceiros, a montante e a jusante do envio da referida "Nota Oficiosa dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional”, datada de 11 de novembro de 1980;
Informa que não foram localizados no Arquivo Histórico do MENE os documentos solicitados naquelas comunicações
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
37-A/2013 Ministro de Estado e das Finanças
Idem
Informa que os registos relativos ao ano de 1980 foram destruídos de acordo com o
T.C. Distribuir aos Srs. Deputados
Distribuido aos Srs. Deputados em 17-5-2013
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Regulamento Arquivístico em vigor.
37/2013 MEE
Pedido ao Ministério da Economia de documentação relativa a eventuais movimentos de um navio de nome “Sheersburg”, ou “Cherbourg”, ou “Cherburg”, ou “Scheersberg A”, no Porto de Setúbal, incluindo o manifesto de carga e a confirmação das datas e horas exatas de entrada e saída do navio, durante o último semestre de 1980; ou, na mesma data, de movimentos de navios registados no porto de Cherbourg.
Remete em anexo a informação disponível relativa ao piloto Pedro Bastos e ao navio “Malvern Prince”.
Respondido (ver of. 28)
36/2013
Pedido ao MDN de cópias de registos relacionados com exportação de material de guerra para o Iraque e Irão.
CONFIDENCIAL
T.C. 1-Comunicar aos Coordenadores dos Grupos Parlamentares e recepção deste ofício; 2 –informar que os mesmos se encontram para consulta nos Serviços
35/2013 MDN
Solicitação de cópia de todos as autorizações relativos à exportação de armas entre 1978 e 1982 para países terceiros, especificando, caso a cópia omita essas informações, qual o local de destino, data e forma de transporte, a identificação do autor do respetivo despacho e, as suas funções, bem como a(s) empresa(s) dinamizadora(s) do negócio.
CONFIDENCIAL idem
34/2013 CEMGFA
Solicitação ao EMGFA de cópia de todos os pareceres relativos à exportação de armas entre 1978 e 1982 para países terceiros, especificando, caso a cópia omita essas informações, qual o local de destino, data e forma de transporte, a identificação do autor do respetivo despacho e, as
CONFIDENCIAL
T.C. 1-Comunicar aos Coordenadores dos Grupos Parlamentares e recepção deste ofício; 2 –informar que os mesmos se
-
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suas funções, bem como a(s) empresa(s) dinamizadora(s) do negócio.
encontram para consulta nos Serviços
33/2013 MENE
Solicitação de cópia de todos os pareceres relativos à exportação de armas entre 1978 e 1982 para países terceiros, especificando, caso a cópia omita essas informações, qual o local de destino, data e forma de transporte, a identificação do autor do respetivo despacho e, as suas funções, bem como a(s) empresa(s) dinamizadora(s) do negócio.
Informa que não foram localizados no Arquivo Histórico ddo MENE os documentos solicitados naquelas comunicações
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
32/2013
MDN
Solicitação de informação relativa à incorporação de quaisquer valores oriundos do Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU) nas Contas do Estado, tais como o saldo final do FDMU, designadamente a transferência de 551.694.902$87 à data do encerramento do Fundo.
Em 24-06-2013, os serviços foram informados pela IGF de que: 1 – foi já nomeada uma equipa da Inspeção-Geral de Finanças para realizar a auditoria; 2 – está a decorrer o respetivo processo de credenciação, na sequência do contato efetuado pela Inspeção-Geral de Finanças junto do CEMGFA.
31/2013 Frederico Duarte de Carvalho
Audição do Jornalista Frederico Duarte de Carvalho
-
Audição agendada para 20-3-2013
30/2013 João Joaquim Gomes
Audição do Jornalista João Joaquim Gomes
-
Audição agendada para 14-3-2013
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29/2013 MDN
Pedido de cópia autêntica dos ofícios referidos no quadro a páginas 47 do relatório da Auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA do período de 1974 a 1981, cujo teor é a exportação de material de guerra para o Irão, nomeadamente: Ofício proveniente do MDN-Gabinete do Ministro de 2 de dezembro de 1980, acompanhado do ofício 319 de 28 de novembro de 1980 da S/G do MNE e documentos anexos; Ofício proveniente do EMGFA-Gab. Dir. Nac. Armamento de 5 de dezembro de 1980; Ofício proveniente do EMGFA-Gab. Dir. Nac. Armamento de 22 de janeiro de 1981 (remetido no CEMGFA ao Tenente Coronel António Ferreira Rodrigues de Areia), acompanhado de fotocópias das notas nº 1, 105/DNA – 111/DNA – 1743/DD e 185/DB.
Não existe qualquer documento identificado no ofício n.º 29/XCPITC/2013 nos arquivos EMGFA, da DGArmamento e Infraestruturas de Defesa e na SG do Ministério
- -
28/2013 MEE
Pedido de informação, através da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, SA, sobre: Toda a documentação relativa aos movimentos do navio “Malvern Prince”, desde a entrada no Porto de Setúbal e até à saída, incluindo o manifesto de carga e a confirmação das datas e horas exatas de entrada e saída do navio; Nos mesmos termos e sentido, solicita-se informação relativamente ao CCTM – Centro de Controlo de Tráfego Marítimo e à Capitania do Porto de Setúbal.
Remete em anexo a informação disponível relativa ao piloto Pedro Bastos e ao navio “Malvern Prince”.
T.C. aos Grupos Parlamentares
-
27/2013
MEE
Pedido de informação, através da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, SA,
Informa que, após consulta ao acervo documental da Capitania do
- -
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nomeadamente o Departamento/Direção de Pilotagem, sobre a localização do piloto Senhor Bastos, responsável pela saída do navio “Malvern Prince”, no dia 10 de novembro de 1980, às 23h30, com destino a Ashdod (Israel), com carga descrita como “Mat. Perigosa”. Contudo, de acordo com o Diário nº 18 de 23-V-80 a 11-VII-81, também do Porto de Setúbal, a saída do “Malvern Prince” estaria confirmada para o dia 9 de novembro, às 22h45.
Porto de Setúbal, verificou-se a inexistência da informação pretendida.
26/2013 MNE
Pedido informação, através do controlo de fronteiras, sobre o registo de entradas e saídas de Henry Kissinger nos meses de outubro e novembro de 1980 e respetivas datas. Of. 97/XCPITC/2013, a reiterar o pedido de informação.
Resposta aos of.ºs 26/XCPITC/2013 e 91/XCPITC/2013: informa que devido a ausência de sistemas informáticos de dados de entradas e saídas do estrangeiro, não foi possível confirmar a existência. De entradas e saídas de estrangeiros.
T.C. aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25-6-2013 (e-mail)
25/2013 MDN
Sobre a agenda do Ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, nos períodos compreendidos entre 15 de setembro e 15 de outubro de 1980 e 1 de novembro e 4 de dezembro de 1980.
Não existe qualquer documento identificado no ofício n.º 25/XCPITC/2013 no arquivo da Secretaria-geral do Ministério
T.C. Aos Srs. Deputados requerentes.
-
24/2013 Prof. Dr. Freitas do Amaral
Pedido de estudo (pro bono) da legislação nacional sobre a exportação de armas, desde a década de 70, venho, ao abrigo do nº 3 do artigo 13º da Lei nº 5/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 126/97, de 10 de dezembro, e 15/2007, de 3 de abril, solicitar e agradecer a elaboração do mencionado estudo, com incidência, especificamente, no período correspondente
Aceita pedido de colaboração e dá o para de 2 a 3 semanas para entrega do estudo. Estudo entregue em 12.4.2013
T.C. Distribuir aos Srs. Deputados
Distribuido aos Srs. Deputado EM 12-4-2013
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aos anos de 1980 e 1981
23/2013 MDN
Pedido de informação sobre a identificação dos responsáveis, em 1980, da Direção Nacional de Armamento e da DILOG, incluindo outros quadros militares que integrassem, à data (ano de 1980), estes organismos.
Remete cópias dos ofícos n.ºs 558 e 578/GC-G, do Gab do CEKGFA
- -
22/2013 MNE
Pedido: Se no final de 1980 houve algum embargo de venda de armas ao Irão e ao Iraque e, em caso afirmativo, em que circunstâncias foi declarado; Se na mesma altura existia algum embargo comercial ao Irão, originado pela revolução naquele país e pela denominada crise dos reféns norte-americanos detidos em Teerão; Se este(s) embargo(s), a existir(em), foi(ram) levantado(s) em 29 de janeiro de 1980, como e em que termos.
Resposta ao of. 22/XCPITC/2013: informa que foi decidida, pelo Conselho de Ministros, a proibição das " importações do Irão e as exportações de produtos portugueses para aquele país; o transporte de produtos embargados por outras nações em barcos nacionais; o embarque de produtos embargados em embarcações iranianas; transações financeiras e participação de empresas portuguesas em projetos industriais iranianos". Esta resolução teve como fundamento a detenção de pessoal diplomático americano pelas autoridades iranianas.
T.C. Aos Srs. Deputados
Enviado aos Srs. Deputados em 25.6.2013
21/2013 MDN
Pedido de informação sobre o registo dos movimentos de aterragens e descolagens de aeronaves na Base Aérea do Montijo, no período compreendido entre 1 de outubro e 31 de dezembro
Não existe qualquer documento identificado no ofício n.º 21/XCPITC/2013 no arquivo da
Cópia aos Grupos Parlamentares requerentes
Entregue aos Coordenadores dos GP do PSD e do CDS-PP na
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de 1980.
Secretaria-geral do EMGFA
reunião de 14-02-2013
20/2013 Ministro da Economia e do Emprego
Solicitação, através da NAV Portugal, E.P.E. – Navegação Aérea de Portugal, ou de outros organismos que atuem ou atuassem no controlo e gestão do espaço aéreo fazer chegar a esta Comissão:
19/2013 MDN
Solicitação ao Ministério da Defesa Nacional do contato do Sr. António de Sousa, Controlador de Tráfego Aéreo
Não existe qualquer documento identificado no ofício n.º 12/XCPITC/2013 no arquivo do EMFA
- -
18/2013 PAR
Solicitação dos bons ofícios a SEXA PAR no sentido de mandar providenciar o transporte para a deslocação dos membros desta Comissão, a partir da Assembleia da República, para efeito de consulta ao acervo relativo ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU) que consta do Arquivo de Defesa Nacional
Autorizado - -
17/2013 Ministério de Defesa Nacional
Ministério de Defesa Nacional para Visita da Comissão ao FDMU
Informa que Delegação da Comissão será acompanhada pela Dra. Ana Miguel Santos. Envio posterior de CD com documentação do FDMU
-
Distribuídos aos Srs. Deputados da Comissão em 28.02.2013
16/2013
Presidente do CA da NAV, Eng. Luís Coimbra
Pedido de contacto do Senhor António de Sousa (Filho do Senhor Alfredo de Sousa), Controlador de Tráfego Aéreo,
Informa que não existe na empresa qualquer trabalhador com o nome indicado, na situação no ativo, reformado ou aposentado.
Para conhecimento dos Senhores Deputados
Enviado por email no dia 19.03.2013
15/2013 Diretor de Informação da Agência Lusa
Of ao Diretor de Informação da Agência Lusa com vista a fornecer a esta Comissão a cópia autentica da Nota Oficiosa oriunda dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional, publicada no
Lusa: envia copia de docs. retirados da edição de 12.11.1980 do jornal “Portugal Hoje”
Para conhecimento dos Senhores Deputados
-
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Jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980, na sequência de uma notícia referida no mesmo jornal, na véspera, intitulada “Armas portuguesas para o Irão?” e que integrará os arquivos da ex-ANOP.
14/2013 Ministro de Estado e das Finanças
Of. ao Ministro de Estado e das Finanças para audição dos Peritos que foram responsáveis pela Peritagem do Fundo de Defesa Militar do Ultramar do período de 1974 a 1981, efetuada no quadro de funcionamento da VIII Comissão Parlamentar de Inquérito, Senhores Drs. Belmiro Augusto Morais (Inspetor de Finanças Chefe) e Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de Finanças Superior) para, no âmbito daquela auditoria, depor perante esta Comissão Parlamentar de Inquérito, no próximo dia 28 de fevereiro, às 18.00 horas.
Autorização concedida através do of. 1150 do MEF em 22.02.2013
Aos Serviços para os devidos efeitos
Audições realizadas em 27 e 28. de fev. 2013
13/2013 Ministro de Estado e das Finanças
Solicitação de cópias de 3 ofícios mencionados no Relatório relativo à Auditoria às Contas do GEMGFA (anos de 1974/1981) elaborada pelos peritos da Inspeção-Geral de Finanças, em julho de 2004.
Informa que os ofícios mencionados não foram localizados.
T.C. Aos Srs. Deputados dos Grupos Parlamentares requerentes.
-
12 /2013
CEMGFA
Solicitação de cópias de 3 ofícios mencionados no Relatório relativo à Auditoria às Contas do GEMGFA (anos de 1974/1981)elaborada pelos peritos da Inspeção-Geral de Finanças, em julho de 2004.
Informa que não existe qualquer documento identificado no ofício em referência.
- -
11/2013 SEAPI
Solicitação de cópias de 3 ofícios mencionados no Relatório relativo à Auditoria às Contas do GEMGFA (anos de 1974/1981) elaborada pelos peritos da Inspeção-Geral de Finanças, em julho de 2004.
Ministério das Finanças: envia 3 fotocópias das folhas dos referidos livros.
Aos Srs. Deputado dos Grupos Parlamentares requerentes
Enviado, por email em 15.03.2013
10/2013 Dr. Fernando Paula Brito
Pedido de cópia autentica da Nota Oficiosa oriunda dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional, publicada no
Informa que a LUSA não tem cópia dos docs. pretendidos. Envia 2 docs da
- Entregue na reunião 14-2-2013
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Jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980.
ex-ANOP retirados da edição de 12-11-1980.
9/2013 SEAPI
Pedido de a solicitação à Secretaria de Estado da PCM informar a Comissão da existência de algum registo central das Notas Oficiosas emitidas e a localização e o envio da cópia do processo relativo à Nota Oficiosa publicada no Jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980.
SEAPI:SEPCM: Envio de cópias de documentação sobre a Nota Oficiosa
Aos Srs. Deputados dos Grupos Parlamentares Requerentes
Distribuídos aos Srs. Deputados da Comissão em 28.02.2013
8/2013 SEAPI
Pedido de a solicitação aos MNE e MDN para envio à Comissão da cópia autentica da Nota Oficiosa publicada no Jornal “Portugal Hoje”, de 12 de novembro de 1980.
Remete fotocópia da Nota Oficiosa
Aos Srs. Deputados dos Grupos Parlamentares Requerentes
Distribuídos aos Srs. Deputados da Comissão em 28.02.2013
7/2013 Prof. Dr. Freitas do Amaral
Confirmação de agendamento de audição para 19.02.2013
- -
Audição realizada em 19.02.2013
6/2013 Dr. Luís Coimbra – NAV Portugal
Solicitação de contato de familiar do co-piloto Alfredo Sousa
Informa não ter a NAV registo de qualquer trabalhador com a referência apresentada no of. da XCPITC
Aos serviços para os devidos efeitos
Arquivado
5/2013 PAR Envio do Regulamento da Comissão para publicação em DAR
Despacho do Gab. de SEXA PAR de 1-2-2013: ao G. SG para os devidos efeitos. C/c DSATS
Arquivar Arquivado
4/2013 Dr. Júlio Castro Caldas
Confirmação de agendamento de audiência para 05.02.2013
- -
Audição realizada em 05-02-2013
3/2013 Dr. Nuno Melo Confirmação de agendamento de audiência para 14.02.2013
- - -
2/2013 PAR
Deslocação para os serviços de apoio à Comissão do espólio da IX Comissão Parlamentar de Inquérito
Documentação enviada
- -
1/2013
PAR
Comunicação da constituição da Mesa da Comissão e designação de relatores dos Grupos Parlamentares
- - Arquivo
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2. Considerações iniciais
A X CPITC inscreveu-se na continuação da IX CPITC, que viu os seus trabalhos interrompidos pouco
depois de os haver iniciado, em virtude da dissolução da Assembleia da República que pôs termo
antecipadamente à XI Legislatura. Essa mesma continuidade era recomendada pelas conclusões
aprovadas – «VII. Deixar a recomendação à próxima XII Legislatura no sentido de retomar, prosseguir
e concluir os trabalhos ora abruptamente interrompidos». –, o que viria a ser acolhido pela Resolução
da Assembleia da República n.º 91/2012 que, em 13 de Julho de 2012, determinou a constituição desta
comissão.
A décima Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate ocorre na sequência daquele
que vem sendo um trabalho exaustivo por parte da Assembleia da República nas últimas três décadas.
Não poderia iniciar a Comissão nem o relatório, sem antes reiterar os principais factos apurados pelas
Comissões de Inquérito, designadamente a renovação das conclusões e, em particular, as das V, VI e
VIII Comissões de Inquérito.
A presente X CPITC não se debruçou exaustivamente sobre questões técnicas nem sequer sobre a
discussão acidente vs. atentado: dá-se por concluído e provado de forma inequívoca, na senda das
últimas Comissões, que se tratou de um atentado. Não se tendo apurado nada de novo neste campo,
a X CPITC não deixou de ouvir dois depoimentos que, de forma categórica, reiteram que a queda do
Cessna que levava, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa, se deveu a um atentado.
Reproduzem-se, assim, as principais conclusões das últimas Comissões de Inquérito, bem como um
breve resumo dos depoimentos de José Cavalheiro e Henrique Botelho de Miranda na presente CPI.
As conclusões da V Comissão de Inquérito (1995)
«1 - De acordo com a matéria probatória apurada pela V CPIAC, e depois de analisada toda a
documentação relativa às audições efetuadas e diligências periciais empreendidas, esta
Comissão salienta, antes de mais, o facto de se terem, pela primeira vez, reunido elementos
que, pelo seu alcance probatório, ultrapassaram os resultados até agora conseguidos por
outras instâncias oficiais, permitindo-lhe considerar provados os seguintes factos:
a) Existência de um incêndio em voo na aeronave Cessna, logo após a descolagem e na rota
ascendente;
b) Libertação, em pleno voo, de um rasto de fragmentos queimados provenientes do seu
interior;
c) Existência de partículas metálicas (óxido de ferro) apontadas como provenientes de aço não
temperado na zona dos calcâneos do piloto Jorge Albuquerque;
d) Ausência de fraturas e de traumatismos internos potencialmente mortais e perecimento das
vítimas;
e) Deteção de sulfato de bário em zonas do cockpit do avião sinistrado;
f) Verificação confirmada de novas substâncias explosivas na análise das amostras 1 e 2 do
fragmento 7: nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno;
g) Comprovação, através de análises químicas realizadas por peritos nacionais, e
posteriormente confirmadas em laboratórios estrangeiros, de que os produtos retirados do
fragmento 7 apresentam uma constituição químico-mineralógica idêntica à das peças de
fuselagem da aeronave sinistrada.
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2 - Os factos atrás referidos permitem estabelecer a presunção de que o despenhamento da
aeronave foi causado por um engenho explosivo, que visou a eliminação física de pessoas,
tendo constituído, por isso, ação criminosa».
As conclusões da VI Comissão de Inquérito (1999)
Considerando toda a matéria probatória apurada pela VI Comissão Parlamentar de Inquérito
ao Desastre de Camarate e após analisar toda a documentação relativa às audições efetuadas
e diligências periciais empreendidas, esta Comissão de Inquérito Parlamentar:
1) Confirma todas as conclusões da V Comissão de Inquérito, nomeadamente a presunção de
que o despenhamento da aeronave foi causado por um engenho explosivo que visou a
eliminação física de pessoas, tendo constituído, por isso, ação criminosa;
2) Considera verificada a existência de substâncias explosivas na análise das amostras 1 e 2 do
fragmento 7, nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno, e colheu depoimentos que
contrariam a tese da contaminação;
3) Considera verificada a existência de mais corpos estranhos no corpo do Ministro da Defesa,
Amaro da Costa, que, segundo parecer de peritos, apresentam características conformes à
deflagração de um engenho explosivo, consistente com outros indícios no mesmo sentido;
4) Colheu novos pareceres que corroboraram a verificação de corpos estranhos de densidade
metálica detetados nos pés do piloto Jorge Albuquerque não constituídos pela liga de alumínio
da aeronave, mas por um outro material com constituição próxima de óxido de ferro, o que
também é consistente com a deflagração de um engenho explosivo;
5) Recolheu novos testemunhos que corroboraram denúncias anteriores já existentes no
processo e reforçam a importância de estabelecer definitivamente, em tribunal, seguindo-se o
processo legalmente adequado, as responsabilidades criminais que ao caso caibam,
designadamente as aventadas quanto a José António dos Santos Esteves e Sinan Lee
Rodrigues;
6) Considera imprescindível que, ante todos estes factos, o processo judicial siga o seu curso,
designadamente até julgamento, por forma que, em contraditório e com todas as garantias
de acusação e de defesa, se faça luz plena sobre todos os factos de Camarate, vindo o tribunal
a decidir em definitivo;
7) Recomenda uma investigação profunda a todo o arquivo do Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, que era usado discricionariamente, sem qualquer controlo, efetuando despesas que
por lei lhe estavam vedadas, existindo vários depoimentos que o associam ao móbil de um
eventual atentado em Camarate.
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As conclusões da VIII Comissão de Inquérito (2004)
1. —(…) Confirma todas as conclusões a que a VI Comissão Parlamentar de Inquérito chegou,
nomeadamente, “a presunção de que o despenhamento da aeronave foi causado por um
engenho explosivo que visou a eliminação física de pessoas, tendo constituído, por isso, ação
criminosa.”
- Considera provada a existência de um incêndio a bordo da aeronave antes do
despenhamento.
- Considera comprovada a presença de elementos químicos, potássio e chumbo, também
detetados nos materiais que foram sujeitos a ensaios explosivos com granada incendiária de
fósforo.
- Considera comprovado que o fragmento nº 7, no qual se detetaram a existência de
substâncias explosivas (nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno), pertenceu ao lado
esquerdo superior da fuselagem, entre a 1ª e a 2ª janelas a contar da parte anterior da cabina
da aeronave CESSNA 421 A, de matrícula YV-314-P.
- Recolheu novos pareceres (baseados em perícias científicas) que comprovam o alojamento
de pequenas partículas nos tecidos moles do corpo do piloto Jorge Albuquerque e do Eng.º.
Adelino Amaro da Costa, cuja configuração e dispersão resulta da deflagração de um engenho
explosivo.
- Assume as conclusões parcelares e a conclusão final do Relatório da Comissão
Multidisciplinar de Peritos que foi constituída. Reproduzimos aqui a referida conclusão final:
“Por todo o exposto neste Relatório, a Comissão Multidisciplinar de Peritos entende que a
explicação plausível para o despenhamento da aeronave YV-314-P se encontra, não em razões
acidentais, mas sim no rebentamento – e correspondentes consequências – de um engenho
explosivo que incapacitou a aeronave e/ou os seus tripulantes de condução de voo, uma vez
que não só não se encontra qualquer indício que permita filiar tal rebentamento em qualquer
anomalia dos equipamentos de bordo, como se consegue compatibilizar todo um conjunto de
indícios reveladores de ter sido essa a causa adequada e necessária ao despenhamento.”.
- Recomenda que, ulteriormente, sejam ouvidos os peritos internacionais que foram
designados para integrar a Comissão Multidisciplinar de Peritos, que só não foram
atempadamente ouvidos, em virtude da anunciada dissolução da Assembleia da República.
- Considera comprovado que o Fundo de Defesa Militar do Ultramar continuava a ser utilizado
de forma irregular, apresentando movimentos não relevados contabilisticamente,
discrepâncias muito significativas entre saldos reais e valores orçamentados, detetando-se que
valores relevantes estiveram à guarda de terceiros sem qualquer justificação, revelando,
ainda, utilização abusiva das suas disponibilidades.
- Considera comprovado que o Eng.º Adelino Amaro da Costa estava particularmente atento
às operações de venda de armamento que envolvia o Estado português, tendo vetado várias
operações (vendas à Indonésia, à Guatemala e à Argentina) e tendo pedido, a 2 de Dezembro
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de 1980, esclarecimentos adicionais acerca da venda de armas ao Irão (operações que se
verificaram a 9 de Dezembro de 1980 e a 22 de Janeiro de 1981).
- Recomenda que seja efetuado um aprofundamento da investigação acerca das operações de
comércio de armamento que tivesse envolvido o Estado português ou empresas portuguesas.
- Colheu novos depoimentos que corroboram denúncias anteriores, relacionando o cidadão
Sinan Lee Rodrigues com a queda da aeronave em Camarate, pelo que recomenda o
apuramento das eventuais responsabilidades desta pessoa na queda do CESSNA.
- Considera imprescindível, para salvaguarda da dignidade do estado português, que os factos
relativos à queda do CESSNA em 4 de Dezembro de 1980 sejam apurados em julgamento que
aprecie a ação criminosa que se encontra indiciada.
Depoimento de José Cavalheiro e Henrique Botelho de Miranda
No dia 8 de abril de 2015 foram ouvidos Henrique Botelho de Miranda, professor e investigador na
área de minas envolvido nos trabalhos da VIII Comissão de Inquérito, designadamente na Comissão
Multidisciplinar de Peritos e José Cavalheiro, professor doutorado em engenharia metalúrgica.
Do depoimento aos dois professores ficou claro, uma vez mais, o caráter inequívoco da queda do
Cessna a 4 de dezembro – o avião caiu devido a um atentado. O reiterar destas conclusões ficou
latente nos depoimentos dos professores já mencionados.
De acordo com Henrique Botelho de Miranda tratou-se, de facto, de um atentado:
«Portanto, indo à pergunta do Sr. Deputado, querer inferir, do que se detetou em termos de
explosivos, e apenas disso, a existência inequívoca de uma carga, sobretudo com as
características x é impossível. Agora, agarrando nas peças todas do puzzle, então podemos
afirmar que houve aqui uma carga explosiva, não muito grande, mas de grande intensidade
nos seus efeitos e que induziu o despenhamento da aeronave. E devo dizer que, em termos de
conceção, independentemente de juízos de valor ou éticos, isto foi feito com extrema
habilidade, foi feito por um profissional (…).
A minha convicção, Sr. Deputado, é a de que, efetivamente, isto foi um atentado e muito
ardilosamente implementado. Já agora, creio que não se perde nada em referir que quando
aderi a participar nos trabalhos da Comissão Multidisciplinar de Peritos, o fiz com uma
relutância muito grande1».
Sobre o mesmo tema, José Cavalheiro referiu ser indesmentível ter-se tratado de um atentado:
«Creio que o Sr. Deputado terá feito distribuir um relatório-síntese que eu produzi há uns anos,
porque, uma vez que, como o meu colega acaba de dizer, a Comissão teve de terminar os seus
trabalhos de forma muito acelerada, o relatório final foi feito sob uma enorme pressão, eu,
posteriormente, tive acesso à totalidade dos relatórios e fiz um relatório síntese, no qual me parece
perfeitamente indesmentível ter havido ali, de facto, uma situação de atentado (…).
11 Nota do relator: Henrique Botelho de Miranda estava convencido, no momento anterior ao início da sua colaboração na Comissão Multidisciplinar de Peritos, que Camarate se havia tratado de um acidente.
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E nesse relatório-síntese tive o cuidado de fazer uma tabela em que digo quais são as provas
essenciais, vestígios que, por si só, cada um deles seria suficiente para concluirmos fortemente no
sentido de uma explosão a bordo, mas, depois, todos eles encaixam no tal puzzle que o meu colega
acaba de referir».
Assim, não tendo sido objeto primordial de inquérito pela presente Comissão, ficou mais uma vez
demonstrado, por professores especialistas em minas e metalurgia, que a queda do avião a 4 de
dezembro se deveu a um atentado.
Ainda como nota introdutória ao relatório, e remetendo para as declarações de José Cavalheiro,
importa referir o incómodo sentido pelo professor doutorado em engenharia metalúrgica com a
condução da investigação ao atentado de Camarate por parte do Ministério Público:
«Portanto, perante tudo isto, mais uma vez, remeto para a forma como o inquérito foi feito.
O que me disse, na altura, o técnico da Judiciária com quem falei,(…) …. Conheci esse senhor,
por mera circunstância, num curso de MIG (metal inert gas) para eletrónica de varrimento e,
na altura em que ofereci os meus préstimos, chamemos-lhe assim, ao Procurador-Geral da
República, mandei com conhecimento ao Laboratório Científico da Polícia Judiciária. E, mais
tarde, quando descobri que, finalmente, não estavam a ser utilizados os nossos serviços e quis
saber o que se passava telefonei para esse senhor e, apesar de eu ter um relatório de receção
do fax a dizer «Laboratório Científico da Polícia Judiciária de Lisboa, ok», o que significava que
tinha sido recebido, ele disse-me, ao telefone, que não tinha recebido absolutamente nada.
Foi, para mim, uma surpresa muito grande.
Mais tarde, na sequência da tal presença no TIC (Tribunal de Instrução Criminal) (isso também
está relatado, pelo que agora não vou entrar em pormenores), o que se verifica é que fui falar
com o Dr. José Anes e ele veio dizer-me que tinha sido fortissimamente pressionado e,
inclusivamente, acusado de ter andado a plantar provas falsas, que eram nomeadamente
esses vestígios químicos sobre a situação.
Portanto, o Ministério Público comportou-se de uma forma completamente inaudita, digna de
uma «república das bananas», não só por, sistematicamente, combater todos os depoimentos
das testemunhas visuais, que existem ao longo do processo, como por ter reações no sentido
de tentar desmontar a posição dos nossos colegas do Técnico que analisaram os vestígios, e,
para isso, ele pôs em causa a metodologia da Polícia Judiciária.
Portanto, todo o processo é verdadeiramente vergonhoso, e o que se passou comigo e as
conclusões que ele extraiu do meu depoimento no TIC, que são de uma falsidade absoluta,
levaram-me a apresentar queixa contra ele. A quem? Ao Conselho Superior do Ministério
Público, ou seja, a tal arbitragem que é constituída pelo presidente da direção do clube. O
resultado disso foi que o processo foi arquivado.
Portanto, há uma obstrução sistemática e este só é um caso complicado porque desde a
primeira hora foi feita uma anti-investigação.
No caso de investigação, falou-se aqui, por exemplo, do caso do Concorde, em que houve uma
chapinha que foi encontrada, que não fazia sentido, porque não era daquele avião e concluiu-
se: a) «foi isto que atirou o avião abaixo». E havia uma chapinha. Mas aqui não há uma
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chapinha, há um monte de sucata, há uma quantidade de coisas enormes. Foi sempre negado
o acesso aos destroços; só nessa comissão é que houve um grupo de peritos que teve acesso
aos destroços.
Quando trabalhei para a V Comissão (já não sei, uma dessas comissões…) pedi explicitamente
para ter acesso aos destroços e foi-me negado. Inclusivamente, há um relatório do RARDE
(Royal Armament Research and Development Establishment), onde aparecem outra vez
partículas microscópicas de alumínio — portanto, é mais numa comprovação, neste caso, por
uma fonte externa, e eles não deram o devido valor ao aspeto dimensional das partículas. Sei
que as próprias famílias tiveram uma luta judicial para terem acesso a esse relatório, porque
houve até o obstáculo de apresentar um relatório técnico sobre os vestígios.
Relativamente ao trabalho da PGR, José Cavalheiro sintetiza afirmando que houve lugar a uma
falsificação dos métodos com o objetivo de construir uma narrativa:
Para além disso — e podem ler, porque estão lá os factos — dei queixa, em tempo útil, desses
factos nos organismos respetivos, ou seja, no Provedor de Justiça e no Conselho Superior do
Ministério Público. E o que se verifica, face aos meus depoimentos, é que há um
comportamento, ao longo de todo o processo, por parte do mesmo agente do Ministério
Público que acompanhou todo o processo de Camarate — concretamente, para não haver
confusões, o Procurador Boaventura Marques da Costa —, o que se verifica, repito — e acho
que isto deve ficar em ata —, é que há uma falsificação completa da metodologia e das
conclusões que ele tira, passo a passo, do processo. E esse senhor teve a distinta «lata» de
construir uma narrativa, como agora se diz, em torno de hipóteses que não tinham qualquer
sustentabilidade e às quais, na altura, por ingenuidade, aderi, que era a hipótese de os tais
bombeiros terem cortado os cabos e de isso ter provocado o aparecimento de esquírolas, que,
depois, apareciam estranhamente no pé do piloto e que, depois, veio a descobrir-se, por baixo,
na zona onde aparece o tal orifício em que se deu a explosão.
(…)
Portanto, isso é uma falsificação. Esse senhor cometeu um perjúrio completo e eu apresentei
queixa dele.
3. Factos apurados
A criação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate teve como origem
quer a prevista continuidade das averiguações iniciadas pela anterior IX CPITC, quer as declarações de
Fernando Farinha Simões relativamente aos confessos perpetradores do atentado que vitimou, entre
outros, o Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro e o Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, a
4 de dezembro de 1980.
Para além dos depoimentos dos confessos agentes envolvidos no atentado, os trabalhos da CPI
incidiram sobre os seus diversos e possíveis móbeis, bem como outras questões: i) foram
aprofundadas a peritagem ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU), bem como a auditoria às
contas do Gabinete do CEMGFA, ambas elaboradas no âmbito da VIII Comissão de Inquérito à Tragédia
de Camarate, mas que haviam tido como limite temporal o ano de 1980 – este trabalho viria a ser
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realizado pela Inspeção Geral das Finanças, tendo sido designado como “Auditoria Final ao Fundo de
Defesa Militar do Ultramar”; ii) foi também averiguada a possibilidade de a exportação de armas para
o Irão em 1980, e sobretudo a preocupação manifestada pelo Governo de então sobre o tema, terem
sido um dos possíveis motivos para o atentado de 4 de dezembro de 1980; iii) levou-se a cabo uma
investigação à origem da morte de José Moreira nas vésperas do seu depoimento na I Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, em 1983; iv) foram ouvidos inúmeros depoimentos,
dos quais se destacam o de Diana Andringa e Isabel Veiga de Macedo; vii) foram ainda ouvidos os
confessos perpetradores do atentado, levando o presente relator a efetuar um balanço das suas
versões relativas ao dia 4 de dezembro de 1980; viii) foram ouvidas entidades políticas e militares que,
em função dos cargos políticos que à época exerciam, poderiam contribuir para o esclarecimento dos
factos; ix) por último, foram sentidas algumas dificuldades no decorrer dos trabalhos da CPI, as quais
se encontram descritas no capítulo seguinte.
3.1. Contexto histórico
3.1.1. Depoimento de Júlio Castro Caldas
Procurou a presente Comissão de Inquérito averiguar o contexto em que à época dos factos se
processava a venda de armamento em Portugal – em particular porque à data de 4 de dezembro de
1980 vigorava um embargo comercial ao Irão –, qual a verdadeira finalidade das verbas existentes do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar e quem eram, então, os seus responsáveis, e ainda em que
medida estas situações poderiam de alguma forma estar relacionadas com a morte do Primeiro-
Ministro, do Ministro da Defesa Nacional e demais ocupantes do avião.
Nesse sentido, foi particularmente esclarecedora a audição de Júlio Castro Caldas, amigo pessoal de
Adelino Amaro da Costa, presidente do Grupo Parlamentar do PSD, à data dos factos e que em 1999
assumiu a pasta da Defesa.
Este depoimento teve como ponto de partida uma conversa havida, no Parlamento, entre o então
ministro da Defesa e o Júlio Castro Caldas, quando este era presidente do grupo parlamentar do PSD,
entre outubro e novembro de 1980 2 3.
Sobre o teor desse encontro, relatou:
«O que Adelino Amaro da Costa conversou comigo nessa altura foi sobre a complexidade da
delimitação dessas competências entre o que seria área efetivamente militar e área da
competência do Ministério da Defesa Nacional. Uma das questões que foi abordada nessa
conversa, obviamente, foi a capacidade exportadora do material de guerra que Portugal tinha
na altura e, no fundo, a utilização, nessa exportação, de excedentes de guerra. O Fundo não
foi objeto de conversa, pelo que nada poderei adiantar sobre essa matéria, porque não tenho
inclusivamente nenhuma indicação precisa sobre as conjeturas que se podem apresentar sobre
2 Recorde-se que as eleições legislativas haviam ocorrido em 5 de outubro de 1980, com vitória da Aliança Democrática, que integrava o PSD, o CDS e o PPM. 3 Neste sentido, afirmou: “Confirmo que efetivamente tinha uma relação de amizade com Adelino Amaro da Costa desde o tempo do liceu, conhecia-o bem, e que, depois de ele ter exercido funções como Ministro da Defesa, falei uma única vez com ele sobre as funções que desempenhava no Ministério da Defesa”.
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esta questão. Nunca indaguei. Em relação aos modelos de atuação e tutela do Ministério da
Defesa sobre a atividade exportadora de material militar, tive de me preocupar
posteriormente, quando desempenhei funções como Ministro da Defesa. E, portanto, sobre
isto terei alguma ideia que possa transmitir aos Srs. Deputados. A preocupação que Adelino
Amaro da Costa me revelou era sobretudo por dificuldade na obtenção de informação
fidedigna sobre os mecanismos, sobre as sociedades que existiam, sobre a capacidade de
tutela que, inclusivamente, o Ministério da Defesa tinha sobre a indústria militar que
funcionava nessa altura».
E mais adiante acrescentou:
«Na altura, no decurso desta conversa, o que foi analisado foi a complexidade do próprio tema
e o melindre que existia numa situação de indefinição de competências, sobre quem competia
a tutela”. E esclareceu: “Havia, portanto, uma indefinição legislativa e técnica sobre se seriam
as chefias militares a continuar a tutelar parte de matéria, inclusivamente, os depósitos de
material militar com excedentes de guerra, ou se seria o Ministério de Defesa a entidade
competente para tutelar as empresas privadas que operavam no sector, e havia muitas
empresas privadas a operar no sector. Havia uma indefinição sobre se a competência para a
execução de embargos internacionais ao tráfico de armas seria do Ministério da Defesa, se os
excedentes de guerra poderiam ser exportados sem censura para teatros de guerra e
operações que estavam em curso, designadamente teatros de guerra africanos e a guerra
Irão/Iraque».
Questionado se a situação de indefinição abrangia quem detinha a tutela de segurar o embargo de
armas, que estava definido internacionalmente e com o qual o País estava comprometido,
respondeu:
«Julgo que no conteúdo dessa conversa existia essa preocupação. É óbvio que o embargo (…)
teria de ser executado pelo Governo português, e, portanto, competiria ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros assegurar o cumprimento dessas orientações do direito internacional.
Mas o certo é que a fronteira do que era lícito e do que era ilícito não estaria muito clara».
Questionado sobre a quem, no plano institucional, o então ministro da Defesa terá colocado essa
questão, o Júlio Castro Caldas contextualizou o momento que então se vivia da seguinte forma:
«Os sistemas de informações que existiam na altura eram sistemas militares e tinham
contaminação política óbvia, com enorme suspeição das ligações que existiam nos sistemas
militares com o anterior sistema de informações que conhecíamos, que, chamemo-lo pelo
nome, era a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). Portanto, no fundo, havia um
esforço de descontaminação dessa influência, visto que estavam em curso a acusação e
julgamento dos agentes da antiga PIDE e esse esforço era um esforço militar, pois eram
julgados em tribunais militares. Para que [se reconheça] como as estruturas militares são
resilientes às transformações, basta dizer que foi no meu Ministério, 30 anos depois, que se
acabou com o serviço militar obrigatório, que se elaborou o Código de Justiça Militar, que se
regulamentou o Regulamento de Disciplina Militar e que se estabeleceram as competências
específicas que cabiam à Polícia Judiciária Militar. Portanto, na altura poder-se-ia discutir, se,
porventura, não tivesse havido uma declaração política do Governo de que consideravam a
ocorrência um acidente. E esta declaração, de que consideravam a ocorrência um acidente, é
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o primeiro ato imponderado de contaminação política porque desmotiva completamente a
investigação de qualquer esforço de polícia, seja ela a Polícia Judiciária Militar, seja ela a
Polícia Judiciária. Portanto, essa primeira contaminação política da investigação tornou, numa
República que tinha uma fragilidade institucional organizativa notória no domínio do exercício
do poder judicial — lembro os Srs. Deputados de que o poder judicial praticamente está
intocado desde que se redigiu o capítulo sobre o poder judicial na Constituição da forma como
foi —, para o Governo, uma enorme dificuldade em lidar com duas das instituições mais
resilientes às transformações, ou seja, o poder judicial e o sistema militar. E, portanto, não sou
abelha para poder saber se, no Conselho de Ministro presidido pelo Dr. Sá Carneiro, isso teria
sido abordado, admito que sim, é previsível que sim. É previsível, designadamente, que o Prof.
Freitas do Amaral, que teve sempre uma grande preocupação com estas questões e que foi o
autor da primeira lei de defesa nacional, se tivesse contrastado com as dificuldades que o
Ministro da Defesa teria, dificuldades essas que na altura eram muito grandes, muito fortes.
Só um homem com a coragem de Adelino Amaro da Costa é que poderia ter assumido com a
eficácia com que assumiu a função de Ministro da Defesa num momento tão adverso e tão
difícil como era o de fazer a passagem dos poderes do Conselho da Revolução para os poderes
de um governo».
Solicitado a esclarecer o sentido da sua afirmação, feita na declaração de voto sobre o relatório da I
Comissão Parlamentar de Inquérito, em que participou, segundo a que «houve resistência de
algumas entidades ao trabalho da Comissão», afirmou:
«O que posso dizer é que a primeira resistência foi uma resiliência àquilo que se poderia
considerar competência investigatória do Parlamento, porque a competência investigatória
do Parlamento surgia, pela primeira vez, com o poder autónomo em relação ao poder judicial.
E, portanto, a resistência era àquilo a que se poderá chamar «sistema judiciário», que entendia
que o Parlamento e a função investigatória de uma comissão parlamentar de inquérito não…
(…) Portugal é um país de competências de prerrogativas das respetivas competências e de
choque entre poderes. E, portanto, o interesse e ordem pública do trabalho de uma comissão
de investigação não era bem reconhecido e era considerada como «lá vem mais uma
politiquice!», uma politiquice dos políticos interferirem com quem tem competência para
efetivamente desempenhar com tecnicidade as suas funções. Esta foi a primeira resistência.
Depois a própria resistência política dentro da própria maioria, que exigia uma necessidade de
pacificação política, por forma a não irem aparecendo interferências de carácter objetivo que
impedissem a pacificação necessária àquilo que depois se considerou o trabalho parlamentar
de revisão constitucional. E, portanto, isto também foi considerado, dentro da própria maioria,
como uma resistência passiva ao interesse do desenvolvimento do trabalho investigatório
dessa Comissão. A contaminação política veio também depois, por não ter sido possível ter
uma visão totalmente asséptica acerca da causalidade necessária ao evento danoso, porque
se começaram a fazer imputações de ordem política entre a esquerda e a direita. E a primeira
resistência que aparece é de toda a componente parlamentar de esquerda interpretar o
funcionamento da Comissão como uma bola de arremesso contra a própria esquerda. Não nos
podemos esquecer da violência que existiu nos anos anteriores a 1980 entre aquilo a que se
poderá chamar a «esquerda» e a «direita» no chamado «Verão quente». A Polícia Judiciária
colocada fortemente em crise pela própria forma como os Deputados da Comissão iam
fazendo o interrogatório dos agentes responsáveis pela investigação, que, hoje, visto à
distância, reconheço que a verbalização da crítica no confronto desses agentes de investigação
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foi muito violenta, muito crítica, ressentiu-se, o que é natural, e também efetuou uma recusa.
(…) Perguntar-me-ão: não houve abordagem de nenhuma faceta militar? Não houve! A
Comissão de Inquérito não abordou nenhuma factualidade que pudesse estar relacionada com
o exercício do poder militar, e isto significa a complexidade que existia de um Parlamento que
pretendia fazer uma afirmação de natureza civil nas estruturas constitucionais do Estado».
Solicitado a esclarecer o que entendia por «contaminação política da investigação», respondeu:
«Clarificando e contextualizando a minha afirmação, a contaminação política é a partir do
momento em que o poder político — e quando digo «poder político» digo «governo» — declara
perentoriamente que se tratou de um acidente e que esta declaração, de que se tratou de um
acidente, tem como função o objetivo político de pacificação da sociedade portuguesa em
torno deste evento. Lembremo-nos de que se tornava necessário votar e eleger um novo
Parlamento e que, portanto, o intuito político que os governantes tiveram foi o de
efetivamente fazer esta declaração como se fosse uma espécie de acalmação, uma acalmação
social para que a tragédia não pudesse ser interpretada como uma arma de arremesso contra
quem quer que fosse. Esta é a contaminação política em primeira linha que debilitou
enormemente o poder investigatório, que, na altura, foi atribuído à Polícia Judiciária? A
resposta é simples: um dos inspetores, em desabafo, aqui, no Parlamento, disse «então, se o
governo já disse que era acidente, por que é que nós temos de investigar?!» Esta perplexidade
atravessou a Polícia Judiciária. A segunda contaminação foi ser objeto de arma de arremesso
entre a esquerda e a direita, e foi-o por várias vezes em diversas situações. A tragédia foi objeto
de arma de arremesso na comunicação social, na suspeição na imputação de culpas às
pessoas. Portanto, não é impunemente que 30 anos depois continuamos a discutir este
assunto».
Questionado se ouviu Adelino Amaro da Costa referir que estava preocupado com a questão do
tráfico de armas, respondeu:
«(…) foi aqui, no Parlamento, que tive essa conversa com ele. Mais tarde, vim, por exercício de
funções, a reconhecer como é complexa essa função de homologar um endossement de
armamento, e, portanto, a compreender como é que seria possível 20 anos antes pretender
interferir nessas questões que, inclusivamente, estavam a coberto de regras de segredo de
Estado e de segredo militar, onde, portanto, as pessoas que intervinham neste tipo de
atividades tinham uma grande garantia de reserva e de segredo sobre todas estas operações.
Não nos podemos esquecer de que o armamento só se exporta para sítios onde há guerra.
Logo, se é para abastecer uma das partes beligerantes, obviamente que tudo deve ser feito
com enorme secretismo sob risco de as operações se poderem gorar, de o inimigo poder
descobrir, de poder ser sabotado o esforço de fornecimento de armamento. Por outro lado,
Portugal, nesta matéria, tinha experiência praticamente nula, visto que todo o esforço de
guerra português era orientado pelos fabricos nacionais e os fabricos nacionais para uma
guerra tipo clássico. A importação de armamento era quando se tornava necessário dotar
aeronaves, adquirir aeronaves, adquirir equipamento mais sofisticado e as pessoas que
estavam ligadas à importação estavam sob todas as regras de secretismo, de secretismo
NATO, designadamente — o secretismo NATO era efetivamente assegurado com eficiência e
profissionalismo —, mas, depois, passaram à exportação. Relativamente a alguns excedentes
de guerra, fui eu próprio que acabei por os destruir e não posso deixar de trazer à vossa
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memória o que foi o debate aqui sobre a instalação de uma indústria que estava vocacionada
para destruir uns milhões de minas pessoais que existiam. Na altura não se percebeu que
Portugal pudesse dispor deste esquipamento, de minas pessoais altamente letais, altamente
proibidas pelas convenções de guerra, e que foram destruídas no equipamento que durante o
meu mandato foi construído. O Amaro da Costa teria tido essa conversa comigo exatamente
porque não era fácil, e não era fácil com o poder militar que existia na altura e com as ligações
que existiam às empresas privadas que operavam no sector de importação e exportação de
armamento, estabelecer o exercício de uma tutela, esforço que ele fez e que me asseverou
estar a fazer».
Questionado, perante o facto de, tendo também exercido as funções de ministro da Defesa, se
poderia esclarecer a Comissão sobre o circuito dos carregamentos de armamento, nomeadamente
para o Irão/Iraque, quando decorria o embargo internacional, respondeu:
«Hoje, as pistas investigatórias estarão confrontadas com o desaparecimento de toda a
materialidade — e quando digo «desaparecimento de toda a materialidade» quero significar
«materialidade documental» — e, parte dessas operações, porventura, até não teria cobertura
documental na forma como os conhecimentos de carga necessários para desembaraçar um
navio num porto pudessem existir. Mas, se efetivamente na altura tivéssemos tido a
capacidade para investigar os conhecimentos de carga que existiriam no desembaraço de
embarcações de transporte no porto de Setúbal e no porto de Lisboa, porventura, teríamos
encontrado documentação que nos fornecesse pistas sobre esta matéria. O que posso dizer é
que em algumas das pistas, das quais tive conhecimento por acesso a outros processos
criminais, processos criminais estes que tentavam furar o embargo de armamento, o
armamento (carga clandestina) que seria exportado, no conhecimento de carga, era
normalmente identificado como material agrícola e o material agrícola não era objeto de
qualquer restrição ao conhecimento de carga e ao desembarque. O percurso de transporte,
que ainda hoje se utiliza — repito, Srs. Deputados, ainda hoje se utiliza, esta é a informação
que, obviamente, ao longo de toda a minha vida, venho tentando reconhecer e perceber —,
continua a ser o Líbano. A Síria continua a ser abastecida através do Líbano e, portanto, com
a guerra civil na Síria — neste momento, com os embargos todos —, continua a ter tráfego
clandestino de armamento para ambos os beligerantes. Repito, «para ambos os beligerantes»,
e isto também é muito complicado, porque o fornecimento de equipamento a um dos lados
dos beligerantes também é feito, porventura, a coberto de operações encobertas de serviços
especiais de diversas nações, e já estamos a falar não de serviços no âmbito de uma orientação
NATO mas de serviços específicos que passaram a ter objetivos políticos individuais e
autónomos. E não é por acaso que hoje descobrimos que a própria França toma a iniciativa de
desencadear uma operação militar autonomamente, com os seus próprios serviços e
capacidades. A minha convicção é a de que, a coberto de exportações portuguesas, foi
efetuado envio clandestino de equipamento militar para o Líbano e, depois, as forças da Síria,
que atuavam no Líbano na altura, terão feito chegar o armamento aos respetivos
beligerantes».
Solicitado a esclarecer se, quando falava de envio clandestino, os carregamentos passavam por
Lisboa e Setúbal, eram só de material português (os excedentes de guerra, como referiu) ou se os
nossos portos também serviam para transbordo de outros equipamentos ou outros materiais
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militares com outras origens e que iam juntos no mesmo carregamento e se havia alguma notícia
deste tipo de operações de tráfego de armas internacional com outras origens, respondeu:
«Só posso referir conjeturas, porque, de outra maneira, se calhar, também não estaria vivo. É
óbvio que depois apareceu o relatório, que, na gíria, é conhecido das pessoas que lidam em
torno deste tema por October Surprise. October Surprise— o relatório que contem algumas
menções ou disclosures de material considerado secreto pelos Estados Unidos da América —
permite conjeturar a existência de um link. A conjetura da existência de um link passa também
por informações, que vieram sendo obtidas por investigações jornalísticas, de que terá havido
uma negociação, intermediada pelos serviços secretos franceses, de libertação dos reféns, a
qual estaria para ser consumada a troco do fornecimento de material considerado
imprescindível para a força aérea iraniana — e não nos podemos esquecer que o Xá da Pérsia
era um dos maiores adquirentes de material de guerra americano e que os aviões, com a
atrição da guerra, necessitavam de refitting, que o Irão não estaria com capacidade para
efetuar. E, relativamente a este material — utilizo a linguagem «material» como sendo
material de serviços de informações —, sempre tive esperança de que pudesse ser libertado
do segredo militar dos Estados Unidos da América passados 30 anos. Porventura, ainda não
foi, mas a menção e a conjetura que se faz no October Surprise é a de que haveria uma
convenção secreta de entrega de alguns sobresselentes à força aérea iraniana e de que, a troco
dessa negociação, negociação intermediada pelos franceses, os reféns seriam libertados a
tempo da eleição americana, que veio a eleger o Presidente Reagan».
Questionado se a conversa que teve com o ministro da Defesa estava de alguma forma relacionada
com o facto de, em 11 de novembro de 1980, o jornal Portugal Hoje ter feito manchete com um
alegado carregamento de armas para o Irão, que foi desmentido no próprio dia, segundo a imprensa,
com uma nota do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
respondeu:
«Agora que me fala nesse assunto, admito que tenha sido na sequência dessa informação que
isso tenha vindo a propósito na conversa com o Adelino Amaro da Costa. Não tenho memória
de que tenha sido essa notícia que tenha despoletado a necessidade da conversa ou a
necessidade da troca de informações».
Solicitado a esclarecer se na conversa que teve com Adelino Amaro da Costa foram abordadas as
efetivas proibições, que já teriam sido feitas, à exportação de armas, nomeadamente as já citadas,
para a Guatemala e Indonésia, as relações, não necessariamente com o October Surprise, mas com a
famosa Lisbon Connection, e ainda se podia referir quais as individualidades que, em seu entender,
terão tido importância na direção quer das empresas privadas quer, sobretudo, das empresas públicas
que em 1980 asseguravam o comércio de material militar, nomeadamente a COMETNA, Explosivos da
Trafaria e algumas das empresas privadas, respondeu:
«Quanto ao relatório da Lisbon Connection, não o li, não o conheço, não sou capaz de emitir
uma opinião sobre ele. Existia, de certeza que existia, uma Lisbon Connection. De certeza que
existia uma Lisbon Connection! (…) Portugal era um País, portanto, sem autoridade do Estado,
com limitada capacidade policial e investigatória na altura e, portanto, permeável a todo o
tipo de operações clandestinas e encobertas, logo útil à utilização da pista portuguesa.
Pergunta-me se era feito com utilização de serviços especiais israelitas, com certeza que sim,
porque, em grande parte do aprovisionamento das diversas intervenções militares que
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ocorreram no Líbano, a interferência de serviços secretos israelitas era uma constante. Se
foram estes serviços secretos que montaram operações de exportação ilegais em Portugal não
sou capaz de o dizer, não faço a mínima ideia, não tenho indicação de nomes, não tenho
suspeitas, só posso fazer uma conjetura, a de que Portugal, nos anos 80, era, de certeza, um
País fácil para montar operações encobertas».
Solicitado a esclarecer – após ter referido a EXTRA (Explosivos da Trafaria) e a COMETNA como
empresas que atuavam no comércio de armas – a que entidade militar estas empresas privadas e
públicas reportavam e se este era um domínio em que outros militares, a título individual, no ativo
ou na reserva, atuavam com frequência, respondeu:
«Começo por responder à última pergunta: militares na reserva. Não sei qual era a
percentagem que atuava nesta esfera de atividade, mas era usual, era usual serem militares
na reserva os interessados neste tipo de operações. O despacho homologatório da constituição
de empresas com esse objeto estava numa primeira fase, ainda que não regulamentada, nas
chefias militares que tinham competência para homologar, ou não, a constituição de
empresas, com critérios de discricionariedade, critérios estes que ainda hoje se mantêm, e não
havia uma unidade, tanto quanto me apercebo e sob pena de poder estar a cometer um erro,
de tramitação da homologação. Ou seja, se me pergunta se era o Chefe do Estado-Maior do
Exército (CEME) que, ao tempo, tinha competência homologatória do pacto social de uma
dessas sociedades ou se era um representante delegado do Conselho da Revolução quem tinha
a competência para homologar os estatutos de uma dessas sociedades, a resposta que lhe
dou, da minha memória e do que conheço das regulamentações estatutárias do Conselho da
Revolução, é que havia competência delegada num vogal do Conselho da Revolução para a
homologação das empresas que operavam no sector. Competência para a homologação
estatutária e critérios de discricionariedade em relação à identidade dos sócios dessas
sociedades, designadamente a exigência dos certificados de registo criminal, das folhas de
serviço militar, de um conjunto de outras informações, e, quase se poderia dizer, que eram
critérios de discricionariedade e de idoneidade parecidos com os do Banco de Portugal sobre
os banqueiros, com todas as falhas que isso pode comportar da ironia do que hoje aqui
discutimos. Mas a informação que eu detenho é a de que depois da operação propriamente
dita, homologado o estatuto, homologada a operação com aquilo a que na gíria se chama o
endossement do armamento, que era uma apreciação política sobre o destinatário final, é que
os tropeções acontecem. Os tropeções acontecem porque o destinatário final pode não ser o
efetivo — se é no paraíso fiscal, não é de certeza o efetivo — e existe necessidade de serviços
de informação com utilização de material com classificação de «secreto», ou seja, considerado
absolutamente inviolável no topo da classificação de segurança, para se indagar se a empresa
final que está na Nicarágua, em Porto Rico ou na América Latina é o destinatário final do
endossement ou se daí vai para outro sítio, cujo despacho já não é do ministro português mas,
porventura, do ministro do destinatário final que o poderá reencaminhar noutro sentido, e era
isto que acontecia. Existe obviamente neste tipo de operações uma enorme hipocrisia,
porquanto todas as potências ocidentais fabricantes de material de guerra têm serviços de
informação para informarem os respetivos ministros do destinatário final, apesar de haver
pelo caminho empresas interpostas que dizem que não é assim. Portanto, se o Deputado
Ribeiro e Castro me pede para dizer quais eram as empresas privadas que operavam em
Portugal nessa altura não sou capaz de identificar com rigor algumas delas. Mas, se
porventura, esta Comissão tiver interesse em escrutinar as empresas que neste momento
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operam neste sector, elas estão matriculadas na Conservatória do Registo Comercial, têm um
CAE (classificação das atividades económicas) específico, que classifica o seu objeto, e muitas
delas têm vida útil muito antiga, algumas com mais de 50 anos. Algumas destas empresas
operam há muito tempo em Portugal e legitimamente, com operações perfeitamente válidas
e escrutinadas. Por que é que Portugal era um país apetecível para este tipo de operações?
Porque tinha enormes excedentes de guerra. A venda de material que estava em excesso era
essencial a operações lucrativas, e não falo só de armas ligeiras, apesar de até nestas haver
excedentes de guerra, mas, sobretudo, de excedentes de guerra de artilharia, com algumas
situações, aliás, inacreditáveis, como a de haver excedentes de guerra de 1945 em paióis
militares e que, como ninguém consegue tirá-los de lá atenta a instabilidade dos explosivos,
ainda lá estão».
Questionado sobre o facto de, quando ministro da Defesa, não ter encontrado os despachos
relativos a venda de armamento à data de 1980, apesar de os ter procurado, respondeu:
«A minha perplexidade adveio de não haver arquivo organizado por forma a que um dia os
historiadores o possam consultar, no que diz respeito ao domínio empresarial propriamente
dito, da maneira como me foram apresentados os balanços e contas dessas duas sociedades,
como foram encerradas, como foram liquidadas, etc. Na residência do Ministro da Defesa
existia de facto um arquivo, se é que assim se pode chamar à documentação que lá se
encontrava, onde era praticamente impossível a um leigo em matéria arquivista e sobretudo
a um ministro em exercício de funções fazer uma pesquisa operacional eficiente a toda essa
documentação que se encontrava no Forte de São Julião da Barra. Não creio que essa
documentação hoje possa ser localizada, sendo que a obrigação de transferir para os arquivos
nacionais a documentação dos Ministérios também é uma bela oportunidade para extraviar
documentação. E, portanto, a busca que eu fiz foi por voluntarismo individual, com descrição,
sem diligências de incumbir alguém para que a fizesse, mas aproveitando sempre as
oportunidades de a tentar fazer, para saber onde efetivamente estaria a documentação que
permitisse saber como é que, na altura, o Ministro Amaro da Costa dava o despacho de
homologação no endossement de armamento. Nunca consegui ver nenhum despacho de
Adelino Amaro da Costa. Eu fiz vários despachos de homologação de endossement de
armamento. Sei como se fazem».
Instado a esclarecer se na conversa com Adelino Amaro da Costa, quando lhe transmitiu a
preocupação relativa ao bloqueio da informação ao Ministério da Defesa, no que respeita à indústria
do armamento e do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, foram referidos alguns nomes, afirmou:
«Esclareço que a matéria do Fundo não foi objeto de conversa. Sobre esta matéria, não tive
qualquer discussão, nem qualquer troca de impressões. A força de bloqueio, obviamente, tem
os nomes do Conselho da Revolução e alguns desses nomes do Conselho da Revolução são
conhecidos, não vale a pena estarmos a verbalizar os nomes conhecidos. Havia alianças, feitas
na altura, com vogais do Conselho da Revolução que seriam favoráveis ao desenvolvimento
constitucional que a AD propunha, e também havia vogais que não eram. Portanto, é evidente
que havia um combate político nesse momento entre as forças civilistas e havia algumas
alianças, também com o Partido Socialista, para que efetivamente fosse introduzida uma
parlamentarização institucional no modelo constitucional e de funcionamento, e é daqui que
surgem as maiorias que se conseguiram obter nessa altura para se chegar à revisão
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constitucional. Agora, se me perguntar, objetivamente, se era o Almirante x ou o Almirante y
ou se era o General y ou o General z não sou capaz de lho dizer, a minha memória já não me
diz nada. Não sou capaz de identificar se o Eng.º Amaro da Costa me definiu como inimigo
principal da sua ação governativa Fulano ou… A resistência era sistémica, de organização e de
grupo, de fechamento, designadamente, havendo necessidade de dizer que a disciplina militar
impunha que se respondesse primeiro ao chefe militar e depois ao ministro».
Questionado sobre o poder militar que estaria a perturbar o Governo e a comentar se havia uma
espécie de controlo efetivo de tudo o que tinha a ver com Forças Armadas, Polícia Judiciária,
Serviços Secretos militares, Polícia de Segurança Pública, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a
própria Guarda Fiscal, entre outros, respondeu:
«Por estranho que pareça há um episódio entre mim e o General Ramalho Eanes numa altura
em que eu não concordei com a sua deliberação em mandar um militar para a Polícia Judiciária
e disse-lhe mesmo: «Parece-me mesmo a decisão mais desacertada que alguma vez se possa
fazer!», e abriu-se até uma certa controversa por esta maneira um pouco frontal com que eu
disse isto, isto numa fase em que efetivamente havia uma preocupação de controlo de todas
essas autoridades policiais. Pediu-me um comentário. A DINFO era, obviamente, talvez a mais
eficiente de todas elas, mas havia, inclusivamente, serviços militares que funcionavam, que
existiam na prática mas não existiam na realidade. Posso referir um exemplo: a DIMIL (Divisão
de Informações Militares). A DIMIL era uma organização militar de informações militares que
não havia em nenhum organigrama do Ministério, mas, no entanto, era o sistema de
informações mais eficaz que pude encontrar no meu Ministério. Portanto, antes da revisão
constitucional, essa rede existia obviamente e eu fui crítico relativamente a ela».
Sobre o facto de o FDMU não ter sido abordado na conversa que manteve com Adelino Amaro da
Costa, esclareceu:
«Por que é que não discuti com ele a questão do famoso Fundo? Por duas razões: sabendo ele
muito bem das relações que eu tinha tido durante o «Verão quente» com o Grupo dos Nove e
da relação que eu tinha com o General Ramalho Eanes e sabendo eu que ele tinha participado
em grande parte das operações do 25 de novembro com o conhecimento específico e pessoal
de ter tido envolvimento, eu nunca iria aceitar uma conversa que porventura pudesse assacar
uma responsabilidade ao General Ramalho Eanes do quer que fosse no que dissesse respeito
a esse Fundo de Defesa Militar do Ultramar. E, portanto, nunca falei com ele sobre isso, mas
propositadamente não quis que isso fosse objeto de conversa, porque poderia estragar
inclusivamente as nossas relações. Logo, nunca a tive. Perguntam-me se vim mais tarde a
procurar o destino dos fundos e se ainda existem saldos — penso que é esta a preocupação
dos Srs. Deputados. Ora bem, eu penso que foi o Prof. Cavaco Silva quem ficou encarregue de
efetuar essa compatibilização dos saldos do Fundo e integrá-los na organização do Ministério
das Finanças, visto que não fazia sentido absolutamente algum a Chefia do Estado-Maior das
Forças Armadas poder continuar a dispor de um «saco azul», porque o Fundo funcionava como
um «saco azul», tanto quanto me pude aperceber, para financiar operações encobertas,
algumas destas operações o Estado português fez. E, mais tarde, como Ministro, vim a ter o
relato vivo do pessoal que participou em operações encobertas, como seja o financiamento do
Savimbi. O Savimbi durante muito tempo foi financiado pelas Forças Armadas portuguesas, e
a maneira que as Forças Armadas tinham para o fazer só poderia ser através de instituições
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semelhantes a este Fundo. A ideia que tenho é a de que, do orçamento do Ministério da Defesa,
esse Fundo desapareceu e foi de alguma forma…»
3.1.2. Depoimento de Francisco Pinto Balsemão
No contexto supra referido, foi remetido um conjunto de questões a Francisco Pinto Balsemão, que à
data dos factos era Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro e que assumiu o cargo de Primeiro-Ministro
em janeiro de 1981. Dada a sua qualidade de Conselheiro de Estado, respondeu por escrito.
Questionado sobre que informação tinha relativa ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, quando
desempenhou o cargo de Primeiro-Ministro – independentemente de à data não se associar tal Fundo
a Camarate, respondeu:
«Não tinha informação sobre o Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU). Note-se que o
FDMU era gerido pelo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, conforme consta de um
esclarecimento do General António Ramalho Eanes, publicado no Diário de Notícias de 29 de
novembro de 2010 (ver Anexo 1- A) e foi extinto pelo Decreto-Lei do Conselho da Revolução n°
548/80 de 18 de novembro de 1980 (ver Anexo 1-8), antes, portanto, de eu tomar posse como
Primeiro-Ministro, em 9 de janeiro de 1981».
Questionado sobre como acompanhou o então Ministro da Defesa, Diogo Freitas do Amaral [quando
Francisco Pinto Balsemão era Primeiro-Ministro] o alegado tráfico de armas, respondeu:
«Não me recordo de ter recebido qualquer comunicação oficial sobre o assunto. Recordo-me,
sim, de ter aparecido no jornal Tal e Qual de 1 de junho de 1984, um título garrafal em que eu,
o Professor Freitas do Amaral e o meu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor André
Gonçalves Pereira, eramos acusados de termos ganho dinheiro com a venda de armas (ver
Anexo 2 - A) Intentei um processo por difamação contra esse jornal, o qual foi condenado a
uma indemnização de 2.500 contos (ver sentença - Anexo 2 - 8). Esclareço que este montante
foi integralmente entregue a uma instituição de solidariedade social, tal como tem sucedido
com outros montantes recebidos em consequência de sentenças proferidas em processos que,
por motivos semelhantes, me vi forçado a intentar. Relatei este triste episódio à VIII Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, conforme consta da respetiva Ata (ver
Anexo 3 - página 35)».
O anexo 2-B que acompanha a resposta de Francisco Pinto Balsemão consiste num acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 28.05.1992, relativo ao proc. N.º 81.783, em que é Autor Francisco
José Pereira Pinto Balsemão e Réus José Rocha Vieira e a empresa Repórteres Associados, Lda. O
objeto do processo é o conteúdo de uma notícia publicada na edição de 1 de junho de 1984 no jornal
“Tal & Qual”, que apresenta na primeira página, sob as fotografias de Freitas do Amaral, André
Gonçalves Pereira e Francisco Balsemão, o seguinte título: “Eles alinharam num truque sujo para
vender armas ao Iraque” e, em subtítulo “Mas o atual Governo também fecha os olhos ao trânsito de
armas para o Irão, enquanto vende munições aos dois países”.
No interior dessa edição, sob o título “Portugal suja as mãos na guerra Irão-Iraque”, pode ler-se:
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«Graças a uma jogada suja apadrinhada pelo Governo que Pinto Balsemão chefiava em 1981,
as tropas iraquianas dispõem de sofisticados equipamentos de visão noturna na sua guerra
contra o Irão de «ayatollah» Khomeini. São óculos e binóculos que permitem ver quase
claramente durante a noite. Foram enviados da Holanda para Lisboa ao longo dos dois últimos
anos, a pretexto de se destinarem às Forças Armadas Portuguesas (conforme declaração
assinada pelo punho do Diretor Nacional de Armamento), mas seguiram para o Iraque. E o
negócio, que atingiu um valor global de 65 milhões de dólares (cerca de dois milhões e meio
de contos ao câmbio atual), só parou em Dezembro último porque um deputado ecologista
irlandês levantou a lebre no Parlamento da sua terra».
Entre a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, refere-se no referido acórdão que “Foi
efetuada uma importação de aparelhagem ótica referida a fls. 103, 104, e 105 a 111 pela Direção
Nacional de Armamento através da firma portuguesa Optagrex – Importações e Exportações, Lda.,
sendo que tal aparelhagem foi, posteriormente, reexportada para o Iraque. Tal operação foi efetuada,
tendo por base documentos assinados pelo Diretor Geral do Armamento, General Costa Álvares,
através da firma portuguesa Optagrex – Importações e Exportações, Lda, sendo que tal referido
material foi importado com destino ao uso exclusivo das Forças Armadas Portuguesas e veio a ser
reexportado para o Iraque”.
Refira-se, como aliás o próprio acórdão o salienta, o que estava em causa não era a veracidade do
negócio em si, mas o envolvimento do autor nesse negócio. Nesse sentido, o acórdão sublinha “que,
em verdade, se é exato que os RR. Lograram provar que se verificou uma reexportação de material de
natureza militar para o Iraque – e isso não mereceu crítica ou mesmo contestação do A. – o certo é
que o que estava em causa nesta ação é na notícia, não era essa veracidade, mas o envolvimento do
A. nessa operação”. Sobre esta questão – refira-se também – o tribunal considerou ser “evidente que
os RR. Não lograram provar – e esse era um seu ónus – que o facto fosse verdadeiro e exato”.
Na resposta às questões colocadas pela Comissão, Francisco Pinto Balsemão disse não se recordar se
alguma vez Diogo Freitas do Amaral lhe fez referência aos dossiers que encontrou no Ministério da
Defesa, referindo que entre a morte de Francisco Sá Carneiro, a 4 de dezembro de 1980, e a tomada
de posse, a 9 de janeiro de 1981, do VII Governo Constitucional, a que presidiu, o cargo de Primeiro-
Ministro foi exercido pelo Vice-Primeiro-Ministro do VI Governo Constitucional, Diogo Freitas do
Amaral, e que, no VII Governo Constitucional, o Ministro da Defesa nacional era Luís de Azevedo
Coutinho.
3.1.3. Depoimento de Diogo Freitas do Amaral
À data dos factos, Diogo Freitas do Amaral era Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios
Estrangeiros, assumindo a função de Primeiro-Ministro interino após o dia 4 de dezembro de 1980 e
até à posse do VII Governo Constitucional, presidido por Francisco Pinto Balsemão. Com o
desaparecimento de Adelino Amaro da Costa, e não tendo sido nomeado novo Ministro da Defesa, a
pasta ficou com o Primeiro-Ministro interino.
Questionado sobre quem do Governo assumiu a responsabilidade de ir ao gabinete de Adelino Amaro
da Costa ver os documentos que estavam em cima da sua secretária, na medida em que ao sair para
o comício do Porto, seria de esperar que regressasse no dia seguinte – em particular porque o Ministro
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da Defesa, no dia 2 de Dezembro, tinha dirigido um ofício ao gabinete do Estado-Maior General das
Forças Armadas a solicitar que informasse com urgência o que entendesse por conveniente sobre a
venda de armas para o Irão – respondeu:
«Tanto quanto me recordo, quando o Conselho de Ministros reuniu depois da notícia do
acidente, por volta das 10h ou 11h da noite, e tomou as primeiras decisões sobre o que havia
a fazer, ficou entendido que, nos termos da Constituição, eu assumia temporariamente as
funções de Primeiro-Ministro interino, por ser Vice-Primeiro-Ministro, que delegava a maior
parte das responsabilidades do Ministério dos Negócios Estrangeiros no então Secretário de
Estado dos Negócios Estrangeiros, que era o Sr. Eng.º Luís Azevedo Coutinho; e quanto às
funções de Ministro da Defesa Nacional, não me recordo de elas terem sido atribuídas
especificadamente a qualquer membro do governo mas, no termos da Constituição, se não
houvesse ninguém para substituir o Eng.º Adelino Amaro da Costa, e creio que não havia
Secretário de Estado da Defesa nessa altura, essa responsabilidade acabava por ser de quem
fosse Primeiro-Ministro. Devo dizer que não me ocorreu, tal era o choque em que me
encontrava naquele dia pela morte de pessoas tão próximas e tao amigas, não me ocorreu
que, na qualidade de substituto do Ministro da Defesa, deveria ir ao seu gabinete e não fui.
Passei a ir todos os dias ao gabinete do Primeiro-Ministro, na residência oficial de S. Bento,
onde fui, aliás, impecavelmente apoiado pelas pessoas que pertenciam ao gabinete do Dr. Sá
Carneiro, também ia um dia ou dois por semana ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde
mantinha o meu gabinete, mas de facto nunca fui ao gabinete do ministro Adelino Amaro da
Costa. Suponho, mas não posso jurar que foi assim, que quem se encarregou de reunir os
documentos que o Eng.º Amaro da Costa porventura tivesse no seu gabinete ou nalguma pasta
que tivesse ficado no gabinete, suponho que terá sido o seu chefe de gabinete à época, que eu
conheci muito bem, Hugo Rocha».
Questionado se nessas funções não recebeu qualquer dossier ou documento urgente, nomeadamente
relativo à NATO, que merecesse despacho urgente, respondeu:
«Não recebi nenhuma lista de dossiers nem recebi nenhum conjunto de dossiers. Recordo que
o Ministério da Defesa nessa altura tinha um serviço de apoio muito pequeno e um Movimento
de papéis e de burocracia muito, muito limitado. É muito possível que algumas matérias,
designadamente relativas à Nato, ou outras, tivessem vindo a despacho durante aqueles 30
dias em que eu estive nessa função interina, mas não me recordo de que alguma fosse de
grande importância, porque relativamente a todo esse período, a minha memória já não
regista todos os pormenores, mas as coisas importantes normalmente recordo-me. Recordo-
me das conversas que tive com o Ministro dos Transportes por causa da comissão de inquérito
que decorria na aeronáutica civil, recordo-me da conversa que tive com o Ministro-Adjunto,
Dr. Francisco Pinto Balsemão que ficou a ser o principal representante do PSD na coligação.
Tenho quase a certeza, ou pelo menos não me lembro, que não recebi uma lista concreta de
assuntos pendentes, ou de assuntos em marcha, e nomeadamente, não tomei conhecimento
nessa altura – só muito mais tarde, numa das vindas a estas comissões -, é que tomei
conhecimento desse ofício do Eng.º Adelino Amaro da Costa para o Estado-Maior General. Isso
quer dizer que durante esses 30 dias não fiz nenhuma insistência junto do Estado-Maior
General, não me apercebi ou não me foi comunicado que houvesse qualquer matéria urgente
e como realmente eu sabia que o ministério tinha pouco expediente e pouco despacho, não
senti essa curiosidade».
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Questionado se houve alguma diligência do Governo no sentido de questionar as autoridades sobre a
possibilidade de terem sido encontrados nos destroços do avião documentos de que o Primeiro-
Ministro ou o Ministro da Defesa fossem portadores, que fossem confidenciais e cuja
confidencialidade fosse necessário garantir, respondeu:
«A mim não me foi comunicado nada. A própria existência da mala, só vim a sabê-la muito
mais tarde, não sei se através da imprensa ou, mais tarde, numa das comissões parlamentares
de inquérito. Parto do princípio de que como a Polícia Judiciária esteve no local, terá sido ela a
tomar conta de quaisquer documentos ou pastas ou objetos desse tipo, mas de facto na altura
não nos foi referido nada».
Questionado pelo facto de, no livro de que é autor sobre Camarate, referir que o Ministro da Defesa
tinha suspeitas fundadas que havia irregularidades no funcionamento do FDMU e, conforme também
ali escreveu, desconhecia o decreto-lei que extinguia este Fundo, e tendo em conta que no dia 12 de
novembro o Governo tinha feito uma nota oficiosa a propósito da notícia do jornal Portugal Hoje,
sobre a venda de armas para o Irão, por que razão não sentiu a preocupação de ver o que se passa
com o funcionamento do referido Fundo, sabendo do vazio criado com o desaparecimento do Ministro
da Defesa, respondeu:
«Creio que de facto foi isso que aconteceu. A minha explicação é esta: nem eu, nem nenhum
dos outros membros do governo, nem nenhum dos chefes de gabinete, tinha qualquer
experiência duma situação análoga ou parecida com aquela. Ficamos todos em estado de
choque e vivemos aqueles 30 dias até à formação e tomada de posse do VII governo
Constitucional, presidido pelo Dr. Francisco Pinto Balsemão, ficamos numa situação anómala.
Para uns de grande sofrimento, para outros era de grande mágoa, para outros era de total
desorientação, porque ninguém sabia se a Aliança Democrática ia continuar ou não, quem ia
ser o próximo primeiro-ministro, ninguém sabia se a coligação tinha condições para continuar
ou não, ninguém sabia, refiro-me agora aos ministros em concreto e aos secretários de Estado
se a sua experiência ia acabar. (…) Acresce que, como Ministro dos Negócios Estrangeiros e em
substituição da Defesa Nacional, vivi também horas muito angustiadas, em contato
permanente com o Sr. Presidente da Republica, porque chegavam-me notícias através da
NATO de uma iminente invasão soviética da Polónia, onde o sindicato Solidariedade tinha
tomado o poder ou ganho eleições, já não me recordo, onde o General Jaruzelski tinha acabado
de impor o estado de sítio ou estava na iminência de o fazer e onde no Pacto de Varsóvia se
discutia se se invadia a Polonia ou não. (…) Esta notícia (…) também ocupou uma grande parte
do meu espírito, do espírito do Sr. Presidente da República e das autoridades militares».
Mais esclareceu:
«O país todo, ou pelo menos grande parte dele, viveu também momentos de grande angústia.
Para uns, sobretudo de dor pela morte do Dr. Sá Carneiro e do Eng.º Amaro da Costa, para
outros de apreensão legítima sobre o que poderia resultar daquilo tudo. Não tenho dúvidas
em afirmar que na área do PS e do PCP se pode ter temido que em consequência do que se
tinha passado, viesse a haver um retrocesso no processo democrático português e
eventualmente uma intervenção militar que pusesse fim os suspendesse a vigência da
democracia. (…) Agimos [Governo] sempre na convicção de que as instituições estavam a
funcionar e fariam o seu dever. E se houve matéria que devesse ser levada ao conhecimento
dos ministros ou do primeiro-ministro, ela seria levado ao conhecimento deles. Nalguns alguns
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casos foi. Lembro-me de o Ministro dos Transportes, no segundo ou no terceiro dia, me ter
pedido uma audiência urgente, e ter posto o seguinte problema: a embaixada dos Estados
Unidos transmitia a oferta do governo norte-americano de peritos especializados em acidentes
aeronáuticos para vir a Portugal participar no inquérito que está a decorrer através da
comissão nomeada pelo ministro dos Transportes”. Concluíram que “uma vez que este
inquérito é obrigatório pela lei portuguesa” e “uma vez que essa comissão ainda não chegou
ao fim dos seus trabalhos, não parece adequado chamar especialistas estrangeiros e mete-los
à força nessa comissão».
Questionado se não se questionou sobre os motivos da queda do avião quando, uma semana depois
de 4 de dezembro lhe é levado um telegrama do Embaixador de Londres, no qual se coloca a
possibilidade de ter havido um atentado, e se, nessa altura, não chamou pelo menos o chefe de
gabinete do Ministro da Defesa, ou não deu instruções no sentido de ter acesso aos documentos que
estavam no gabinete do Eng.º Amaro da Costa, cujas preocupações sobre o FDMU conhecia, e atento
o contexto que então se vivia – o projeto de revisão constitucional tinha dado entrada em setembro
de 1980, havia a necessidade extinção do conselho da revolução, que era delicada –, sendo que o
próprio Prof. Doutor Freitas do Amaral, no seu livro sobre Camarate, considerou a questão do FDMU
como a questão fundamental, respondeu:
«Não tenho essa interpretação. Creio que durante aqueles primeiros dias e depois durante
período seguinte não houve nenhuma dúvida relativamente á transição para o período
subsequente à extinção do Conselho da Revolução, até porque já havia posições públicas
conhecidas, desde pelo menos 1980, de que tanto o PSD, como o CDS, como o Partido Socialista
apoiavam a extinção do Conselho da Revolução e a subordinação das forças armadas ao poder
político civil democrático. Essa questão, pelo que me diz respeito, nunca aflorou nessa matéria,
nem era ainda uma questão urgente porque quem foi ministro da Defesa Nacional no primeiro
governo do Dr. Balsemão, entre Janeiro e Julho ou agosto de 1981, foi um dirigente do CDS, o
Eng. Luís Azevedo Coutinho, que tinha sido meu secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros no governo do Dr. Sá Carneiro e que foi para Ministro da Defesa, sucedendo ao
Eng.º Amaro da Costa. Ele na altura nunca me falou nesses seis ou sete meses destes
problemas. O que ele me falava era que tipo de lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas
é que nós devíamos preparar para apresentar na altura própria. E chegou a mostrar-me um
anteprojeto sobre o qual fiz comentários, que ele depois mandou reelaborar e que me serviu
de base para quando fui Ministro da Defesa, a partir de Setembro, no segundo governo do Dr.
Balsemão, no VIII governo constitucional, pudesse redigir pelo meu punho a proposta de lei,
nos termos que são conhecidos. O que fiz quando recebi o telegrama de londres – e está escrito
nesse livro - foi chamar o secretário-geral do Ministério dos Negóciosque era, à época, o mais
alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros (…) que tinha funções diplomáticas,
era o chefe da diplomacia portuguesa (…) portanto, eu chamei-o e disse-lhe “leve
imediatamente o telegrama, com o meu despacho, ao diretor da Polícia Judiciária”. A minha
preocupação, institucional, foi de, tendo recebido aquele telegrama, enviá-lo à entidade que,
por lei, tinha de investigar o que se tinha passado, e, sobretudo, se tinha havido algum crime
ou não. Confesso que nunca me ocorreu saber se havia documentos, ou não, no gabinete do
Eng.º Amaro da Costa, nunca me ocorreu. Admito, mas já não me lembro, admito que o chefe
do gabinete do Eng.º Amaro da Costa tenha vindo falar comigo nesse período de 30 dias,
admito que sim, é quase natural, é quase certo que terá vindo, mas tanto quanto a minha
memória recorda, ele não me disse nada, nem me entregou nada, e portanto eu só posso
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concluir que ou não havia nada no gabinete do Eng.º Amaro da Costa, relevante, ou ele enviou
diretamente para a Polícia Judiciária, que a mim não me entregou nada, nem me disse que
tinha descoberto isto ou aquilo, ou aqueloutro. Só queria explicar mais uma coisa: o que eu
sabia, à época, é que apenas o Eng.º Amaro da Costa, porque ele mo disse, andava a investigar
o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e tinha encontrado aquilo que lhe pareciam
irregularidades no funcionamento desse Fundo, mas eu não sabia mais nada do que isso. Eu
só vim a saber, pelo Relatório da VIII Comissão Parlamentar de Inquérito, é que eu vim a saber
que havia uma contabilidade paralela e que, ao lado da contabilidade oficial, por onde
passavam umas dezenas de milhares de contos, havia uma contabilidade não oficial por onde
passavam milhões de contos. Eu só vim a saber isso pelo Relatório da VIII Comissão
Parlamentar de Inquérito, e por isso é que dei tanta importância, no meu livro, a essa questão.
Que diabo: se a contabilidade oficial só fala dumas dezenas de milhares de contos, e se há uma
contabilidade paralela, ilegal, clandestina, em que se movimentam milhões, este deve ser o
ponto principal a investigar. (….) Não sei se foi investigado, se não; não sei se se chegou a
alguma conclusão, ou não, mas se havia de facto alguma coisa de grave, era essa. Pelo menos
essa. Podiam haver mais algumas. Mas essa era, com certeza, uma questão muito grave. Só
que eu na altura não sabia (…) não me ocorreu que a chave do problema, problema esse que
eu não conhecia nestes detalhes (….) pudesse estar em documentos que tivessem ficado no
gabinete do Eng.º Amaro da Costa».
Interpelado sobre o ter-se questionado à data quanto à possibilidade de atentado, e de qual seria o
seu motivo, respondeu:
«(…) é evidente que sim. Creio que não houve uma única pessoa neste País (…) que não se
tivesse questionado (…). Fiz [uma análise política da situação] e partilhei-a com, pelo menos,
com o Dr. Francisco Pinto Balsemão, que era, como disse, o Ministro mais, de mais hierarquia,
que representava o PSD naquele Governo, e viria a ser o Primeiro-Ministro seguinte, quer com
o Senhor Presidente da República, quer com dois ou três dirigentes do meu partido. Bom, devo
dizer que na altura as nossas informações eram praticamente nulas (…) e a primeira convicção
que tivemos foi a de que, se foi atentado, era contra o Dr. Sá Carneiro, e tinha a ver com o
entusiasmo que levou a que nas segundas eleições que ele disputou tivesse obtido mais uns
milhares de votos – passou, salvo erro, de 45 para 47.5% dos votos, e, portanto, a primeira
interpretação, se foi atentado, deve ter sido para o Dr. Sá Carneiro, para travar este
movimento (…) se houve atentado, foi contra o Dr. Sá Carneiro, e foi por razões políticas (…) o
Dr. Sá Carneiro estava eleito, ele e a Coligação, por mais quatro anos, e portanto isto foi a
nossa primeira interpretação. Admito que noutros quadrantes, designadamente nos
quadrantes na esquerda portuguesa, tenha havido outras interpretações. A primeira, a nossa,
foi essa. E só muito mais tarde, bastante mais tarde, é que se começou a afastar esta hipótese,
e a focar as atenções na hipótese do atentado ter sido contra o Eng.º Adelino Amaro da Costa.
E só aí é que se fez a ligação com as investigações que ele andava a fazer sobre o Fundo de
Defesa [Militar] do Ultramar e as suas irregularidades, as quais nós não sabíamos quais eram.
Mas houve um momento, não sei agora precisar – V.Exas sabem com certeza –, houve um
momento em que uma das Comissões Parlamentares de Inquérito disse ‘isto não deve ter sido
contra o Dr. Sá Carneiro, isto deve ter sido contra o Eng.º Amaro da Costa’. E só a partir daí é
que se começou a dar atenção ao que é que podia ter motivado um atentado daqueles contra
o Eng.º Amaro da Costa, Ministro da Defesa. Mas essa, essa noção foi muito, muito posterior
àqueles primeiros momentos, muito posterior. A convicção generalizada era de que ou foi
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acidente, e então não foi contra ninguém, ou foi atentado, e foi contra o Dr. Sá Carneiro, que
era o líder da Aliança Democrática, e que tinha consigo quase metade do País, enfim, e mais
de metade dos Deputados da Assembleia da República. E portanto essa foi a primeira
convicção, que durou bastante tempo».
Acrescentou ainda o seguinte:
«(…) eu admito que algumas pessoas, ou muitas, tenham feito essa transferência de possível
objeto do atentado do Dr. Sá Carneiro para o Eng.º Amaro da Costa com muita rapidez. Eu
confesso que não fiz com essa rapidez toda. Só muito mais tarde é que me convenci que, com
base em dados apurados nas diferentes Comissões Parlamentares de Inquérito, que, de facto,
provavelmente, teria sido para o Eng.º Amaro da Costa. O facto de o Dr. Sá Carneiro não andar
com aquele avião em regra, daquele avião ser um avião que transportava em regra o Eng.º
Amaro da Costa naquela campanha, e também o General Soares Carneiro, e da questão das
investigações ao Fundo, isso não nos fez pensar logo que o atentado fosse para o Eng.º Amaro
da Costa, estava tudo em aberto. Podia ter sido para o Dr. Sá Carneiro, como líder indiscutido
da AD; podia ter sido para o General Soares Carneiro, que também andou naquele avião em
várias deslocações da sua campanha, o que faria com que as Eleições Presidenciais tivessem
de voltar atrás, porque, segundo a nossa lei, se morre um candidato presidencial no decurso
da campanha, a campanha volta ao princípio, e há um prazo para que as forças que
apresentaram ou apoiaram aquele candidato possam apresentar outro, o que é, aliás,
perfeitamente razoável. Portanto, estava tudo em aberto (…) a minha lembrança, mas posso
estar enganado, é de que a concentração das probabilidades na figura do Eng.º Amaro da
Costa foi bastante posterior».
Relativamente à revisão constitucional, e ao novo enquadramento das Forças Armadas, Diogo Freitas
do Amaral refere que as declarações feitas na X CPITC reproduzem, no essencial, o que havia dito
numa entrevista à RTP 1:
«(…) fiz declarações no sentido de garantir às Forças Armadas Portuguesas, e aos partidos
políticos que, porventura, desconfiassem das intenções do Governo, que a extinção do
Conselho da Revolução e a subordinação das Forças Armadas ao poder civil não implicaria
qualquer partidarização ou qualquer politização das Forças Armadas. E dei garantias
expressas nessa entrevista, pela qual, aliás, fui muito felicitado, quer por políticos civis, quer
por chefes militares, e que efetivamente representou, na tranquilização das Forças Armadas
e, atrevo-me a dizer, de uma parte significativa do Conselho da Revolução, quanto ao que
estava a ser preparado, quer em matéria de revisão constitucional, quer em matéria de Lei de
Defesa Nacional e das Forças Armadas. A revisão constitucional, se bem me recordo, foi
aprovada em setembro, Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas em novembro. Mas,
tudo foi preparado em conjunto. Eu não retiro nada no que terei dito nessa passagem perante
a Comissão [Parlamentar de Inquérito], agora gostaria de esclarecer que quanto eu digo que,
por causa do objetivo estratégico da revisão constitucional e da Lei de Defesa [Nacional e das
Forças Armadas] não se queria gerar atritos com o Estado-Maior General das Forças Armadas,
era verdade e mantenho. Que por isso não devia dar excessiva importância a pequenas coisas,
era verdade, e mantenho. Mas nessas pequenas coisas não estava incluída, obviamente, a
investigação sobre Camarate. Eu gostava de recordar que (…) só em 1981 é que o Governo
recebeu o relatório da Comissão nomeada no âmbito da aeronáutica civil, e só bastante mais
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tarde é que recebeu o primeiro relatório da Polícia Judiciária, e só depois disso, verificando-se
a contradição insanável entre as conclusões da Comissão nomeada no âmbito da aeronáutica
civil e as conclusões da Polícia Judiciária é que o Senhor Procurador-Geral da República chegou
à conclusão que devia abrir um inquérito público, aberto a todos os cidadãos, para
contribuírem com mais informações, se as tivessem, para o esclarecimento daquele problema
que parecia insolúvel. Porque a comissão de engenheiros da aeronáutica civil concluía que
tinha sido um crime, e a comissão de juristas, ou, melhor, o grupo de juristas da Procuradoria-
Geral da República concluía que tinha sido uma avaria técnica. Portanto, os técnicos
aeronáuticos diziam que era crime, os técnicos criminais diziam que era avaria técnica. Isto
não fazia qualquer sentido, isto era uma esquizofrenia do Estado Português. Na altura a
solução que o Senhor Procurador-Geral da República, que era quem tinha competência para
conduzir o processo da investigação, adotou foi a da abertura do inquérito público. Nessa
altura ainda não se sabia nada sobre quais eram as tais irregularidades que podia haver no
Fundo de Defesa [Militar] do Ultramar. Só foram reveladas, tanto quanto me recordo, pela VIII
Comissão Parlamentar de Inquérito; não se sabia nada que tivesse a ver com a Guerra Irão –
Iraque, não se sabia de todo que podia haver problemas com exportação e importação de
armas para essa Guerra ou para outros, e portanto (…) ainda se andava a apalpar o terreno.
Havia muito poucos factos e muito poucos documentos e muito poucas peritagens. Não se
sabia praticamente nada; só muito mais tarde é que se veio a saber alguma coisa. E portanto
eu creio que não seria justo acusar as pessoas que entre 1980 e 1982 desempenharam funções
governativas, ou mesmo aquelas, que as desempenharam, até 1985/86, não terem ido à
procura de pormenores, porque ninguém sabia pormenores, ninguém sabia de nada».
No que se refere aos documentos que estariam no gabinete do Ministro da Defesa, afirmou:
«(…) como já disse, eu não sei, nem nunca soube, se havia ou não havia documentos relevantes no
gabinete do Senhor Ministro da Defesa, Eng.º Amaro da Costa. Mas parto do princípio de que se
havia, o chefe de gabinete dele, que aliás era amigo e se mostrou ser amigo fiel durante muitos
anos, até morrer, com certeza que lhes deu o destino que entendeu dever dar; a mim não me
entregou nada, mas alguma cosia terá feito. Se não fez, é porque não havia lá documentos
relevantes, ou porque eles ficaram destruídos com o incêndio do avião em Camarate. Há no
entanto uma coisa que eu gostaria de estranhar, que é o seguinte: se o Ministro da Defesa envia
um ofício urgente dois dias antes de morrer para o Estado-Maior General das Forças Armadas, é
perfeitamente natural que ele em dois dias não tenha tido tempo de comunicar ao Primeiro-
Ministro ou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros que tinha enviado esse ofício. E eu pergunto: e
o Estado-Maior General das Forças Armadas, alguma vez respondeu? É que eu não sei (…) e se não
respondeu, então é muito mais grave. Muito grave do que nós não sabermos, à época, se o Eng.º
Amaro da Costa, tinha enviado ou não um ofício urgente e muito ao Estado-Maior General das
Forças Armadas, é que o Estado-Maior General não tenha respondido, a ele ou ao Ministro
seguinte. Isso é que eu acho que era muito importante averiguar. Eu, pessoalmente, não sei. E
nunca ouvi dizer se houve resposta ou não houve (…) e se não houve, acho, de facto, muito grave».
Mais respondeu que «(…) naqueles dias, até eu sair, porque eu não fiquei, como é do conhecimento
público, eu não fiz parte do VII Governo Constitucional, portanto eu saí no dia em que tomou posse
esse VII Governo. Até aí não houve qualquer resposta. A minha dúvida é se essa resposta veio mais
tarde para o Ministro seguinte, ou para os Ministros seguintes, ou se nunca veio, porque se nunca
veio, então aí temos mais um elemento muito grave a juntar a este processo».
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3.2. Fundo de Defesa Militar do Ultramar
O Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi criado em 1937, tendo como desígnio satisfazer encargos
originados pelas forças militares portuguesas no Ultramar: «a sua utilização tinha como base a
construção de planos e orçamentos submetidos à apreciação e aprovação do Ministro do Ultramar e
do Presidente do Conselho (até 1974) e, posteriormente, pelo Chefe de Estado Maior General das
Forças Armadas»4.
O FDMU permaneceu ativo findas as operações militares no Ultramar, sendo formalmente extinto em
1980, através do Decreto-Lei n.º 548/80 de 18 de novembro. As seguintes secções resumem os factos
apurados na VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate na sequência da
peritagem ao FDMU e auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA elaboradas pela Inspeção Geral
das Finanças, bem como os resultados da auditoria final ao FDMU apurados pela Inspeção Geral das
Finanças, efetuada a pedido da X CPITC.
3.2.1. As VI e VIII Comissões de Inquérito
Como supra se referiu no Ponto 2.Considerações iniciais, o Ponto 7 das Conclusões da VI Comissão
de Inquérito (1999) recomenda «uma investigação profunda a todo o arquivo do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, que era usado discricionariamente, sem qualquer controlo, efetuando despesas
que por lei lhe estavam vedadas, existindo vários depoimentos que o associam ao móbil de um
eventual atentado em Camarate».
Por seu turno, a VIII Comissão de Inquérito (2004), nas suas Conclusões, considerou «comprovado que
o Fundo de Defesa Militar do Ultramar continuava a ser utilizado de forma irregular, apresentando
movimentos não relevados contabilisticamente, discrepâncias muito significativas entre saldos reais e
valores orçamentados, detetando-se que valores relevantes estiveram à guarda de terceiros sem
qualquer justificação, revelando, ainda, utilização abusiva das suas disponibilidades», tal como
considerou também «comprovado que o Eng.º Adelino Amaro da Costa estava particularmente atento
às operações de venda de armamento que envolvia o Estado português, tendo vetado várias operações
(vendas à Indonésia, à Guatemala e à Argentina) e tendo pedido, a 2 de dezembro de 1980,
esclarecimentos adicionais acerca da venda de armas ao Irão (operações que se verificaram a 9 de
dezembro de 1980 e a 22 de janeiro de 1981)». E recomendou que fosse «efetuado um
aprofundamento da investigação acerca das operações de comércio de armamento que tivesse
envolvido o Estado português ou empresas portuguesas».
3.2.2. A VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate
Na sequência da recolha de diversos depoimentos foi veiculada a possibilidade de a existência do
referido fundo público criado para despesas militares decorrentes da intervenção portuguesa no
4 Cf. Relatório da VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate
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Ultramar ser um dos possíveis motivos para o atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro
e o Ministro da Defesa a 4 de dezembro de 1980.
A existência de uma eventual ligação viria a ser confirmada por Diogo Freitas do Amaral, ao declarar
«ter sido informado pelo Eng.º Amaro da Costa da investigação que este estaria a conduzir, com o
intuito de saber a razão pela qual o referido Fundo ainda não tinha sido extinto, que verbas
movimentava, quem o geria e se era fiscalizada»5.
Foi a VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate que solicitou à Inspeção-Geral
das Finanças, pela primeira vez, uma peritagem ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar com o
propósito de estabelecer eventuais ligações ao atentado da noite de 4 de dezembro de 1980. A
peritagem dos inspetores da IGF viria a dar origem a uma auditoria às contas do gabinete do Chefe de
Estado-Maior General das Forças Armadas, de forma a aprofundar a investigação inicial, tal como
deliberado pela referida CPI:
«Aferir da existência de contas e outros valores, no todo ou em parte, em nome do Fundo,
movimentos efetuados, pessoas e entidades que os realizaram, irregularidades ou ilegalidades
nos procedimentos e outros elementos considerados pertinentes».
Os resultados da peritagem ao FDMU
O relatório final da IGF (relatório n.º 807/2004) apurou «diversas discrepâncias contabilísticas e a
existência de contas bancárias não relevadas na contabilidade do Gabinete do CEMGFA. Ficaram,
também, estabelecidas as ligações financeiras entre o Gabinete e o FDMU, evidenciadas pelas
transferências entre contas e pela gestão das mesmas»6.
Tomando por base o relatório da peritagem apresentado pela IGF à VIII CPITC e o relatório final da
mencionada Comissão, os principais factos apurados foram os seguintes:
i) «Existem factos que apontam para a existência de, pelo menos, duas contas bancárias no
Banco de Angola, cujo titular era o FDMU, mas que funcionavam à margem da sua
contabilidade, uma vez que o seu movimento não era aí relevado contabilisticamente.
ii) A conta à ordem do FDMU no Banco de Angola/UBP apresenta sistematicamente saldos
bastante elevados e não há evidência da cobrança de, nem da contabilização dos respetivos
juros, nos anos de 1975, 1977 e 1980.
iii) Do mesmo modo, através da comparação dos saldos indicados nos planos/orçamentos de
1974 e 1976 e nos registos contabilísticos desses anos, com referência a 1 de janeiro, sobressai,
no que respeita às contas de meios monetários, que esses saldos, apesar de, em regra,
conferirem, apresentam, no ano de 1975, uma divergência de 187.034.001$20, no caso da
conta do banco de Angola.
iv) Foram ainda percecionadas situações em que disponibilidades do FDMU permaneceram à
ordem de terceiros durante alguns anos, desconhecendo-se, porém, por falta de elementos, a
aplicação que lhes foi dada, nesse espaço de tempo.
v) Por sua vez, as despesas pagas pelo FDMU, através da sua conta no Banco de Angola/UBP e
da Agência Militar/Centro Financeiro do Exército, nem sempre se mostram devidamente
documentadas, de modo a sabermos em que finalidades foram aplicadas as verbas do Fundo.
5 Idem 6 Ibidem
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vi) O FDMU foi ainda utilizado no pagamento de despesas, cujas finalidades não se inseriam nos
seus objetivos (…)»
Os resultados da auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA
Para além das conclusões decorrentes da peritagem supramencionadas, o relatório da auditoria da
IGF às contas do Gabinete do CEMGFA, entre 1974 e 1981, apresentado à VIII Comissão de Inquérito
à Tragédia de Camarate, apurou ainda factos relevantes no registo de entrada de correspondência
classificada junto do EMGFA, designadamente quanto à exportação de material de guerra: com
especial incidência nos anos de 1978, 1979 e 1980, o EMGFA funcionaria como caixa de correio entre
o Ministério da Defesa Nacional, a Direção de Logística e o Diretor Nacional de Armamento. De acordo
com o documento, a exportação de armamento competia, antes do 25 de abril de 1974, ao Ministro
da Defesa Nacional, havendo, nalguns casos, a necessidade de uma autorização do Conselho de
Ministros, de acordo com o Decreto-Lei n.º 39397, de 22 de outubro de 1953; as mesmas
competências, após a Revolução de Abril, foram delegadas ao CEMGFA, «sendo imprescindível a
elaboração de um parecer do Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a conveniência das
transações (Decreto-Lei n.º 400/74, de 29 de agosto). Em 1980, o Eng. Adelino Amaro da Costa e o
Prof. Freitas do Amaral fizeram aprovar um Decreto-Lei (371/80, de 11 de setembro) que veio reforçar
a capacidade de intervenção nestas matérias, por parte do Ministro da Defesa»7.
Para além destes factos, através da análise do livro de registo de correspondência entrada no CEMGFA
a IGF apurou ainda que, previamente à publicação do Decreto-Lei 371/80 de 11 de setembro, que
reforçava a capacidade de intervenção do Ministro da Defesa na autorização da exportação de
material de guerra, Adelino Amaro da Costa estava a adotar uma postura de intervenção ativa nesta
matéria, caracterizada por pedidos adicionais de informação sobre transações em concreto, e pela sua
proibição, designadamente nos casos da Argentina, Guatemala e Indonésia. De acordo com o relatório
da Comissão, a última ação do Ministro da Defesa «passou por uma solicitação de elementos
acrescidos (2 de dezembro de 1980) acerca da exportação de armas para o Irão». Esse negócio
ocorreu, no entanto, cinco dias após atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro e o
Ministro da Defesa, nomeadamente a 9 de dezembro de 1980.
3.2.3. A X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate
A X CPITC deu continuidade ao trabalho encetado pelas Comissões anteriores, tendo deliberado
proceder a um aprofundamento da peritagem e auditoria supramencionadas: no início dos trabalhos
da Comissão, foi ouvida a equipa da IGF responsável pela peritagem e auditoria; mais tarde, a mesma
equipa, e com substituição de alguns membros, foi incumbida da realização de nova auditoria; para
finalizar, a X CPITC ouviu novamente os inspetores.
Dos depoimentos iniciais dos inspetores da IGF
Nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2013 foram ouvidos, em sede de Comissão, o inspetor-chefe da IGF,
António Lino Gonçalves e a inspetora de finanças superior, Maria da Conceição Ferreira Rodrigues. O
7 Cf. Relatório da VIII Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate
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objetivo da audição foi o de fazer um ponto de situação sobre os trabalhos de peritagem ao FDMU e
auditoria às contas do CEMGFA, assim como deliberados pela VIII CPITC.
Maria da Conceição Ferreira Rodrigues resumiu, no seu depoimento, as questões que estiveram
subjacentes à elaboração da peritagem e auditoria da seguinte forma:
«Mas a situação que realmente não é explicada é existir um Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, que vinha de 1974, que continha dinheiros, que teve contas que foram reconstituídas
até 1981, essas contas eram do Centro Financeiro do Exército e uma dessas contas do Banco
de Angola, e haver relações entre essas contas e outras contas que não estavam espelhadas
na contabilidade do dito Fundo de Defesa Militar do Ultramar, é haver saídas de dinheiro da
conta que estava espelhada nas contas do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, dinheiro que
esteve fora do Fundo durante períodos longos e que nós não sabemos onde é que esse dinheiro
foi aplicado. Como disse o meu colega, e muito bem, nós realmente não sabemos, porque não
verificámos.
Podemos pensar: «Bom, saiu desta conta e onde é que esteve? Durante este tempo, esteve a
financiar o quê?» Nós não podemos dizer, porque não conseguimos saber. O que sabemos é
que houve dinheiro que esteve fora do Fundo durante muito tempo e que depois voltou a
entrar, quando, em 1980 ou 1981, agora não sei, foi realmente extinto o Fundo. Nesta altura,
houve dinheiro que entrou, que veio de outras contas. Houve uma conta, por exemplo, que nos
foi referida neste exame às contas do CEMGFA, com uma determinada importância e essa
importância entrou na conta oficial do Fundo aquando da extinção.
Agora, coloca-se a questão: então, e durante aquele tempo todo, o dinheiro que esteve fora
do Fundo, este e outro que nós relatamos aqui como factos de importâncias que estiveram
fora, este a financiar o quê? Nós não podemos dizer se foi material de guerra ou o que foi.
Esteve fora! A financiar o quê…![?]
Alguém poderá explicar, penso eu, até porque as contas até 1977 estão aprovadas. Depois
deixam de estar, mas há uma aprovação final que, no fundo, avaliza tudo o que está para trás,
porque reconstituímos tudo desde um pedacinho antes de 1973.
Portanto, nós tomámos os saldos desde 1973 e fomos por aí fora até ao final, e há uma conta
em que conseguimos percecionar ter havido saídas para uma outra conta, que não estava ali
relevada e que esteve fora, para além de outras que, depois, também aqui relatamos (não sei
agora em que página está, mas há aqui uma situação que nos foi referida aquando das
declarações, sei que há uma situação desse género), e que em 1980 este dinheiro entrou para
o Fundo oficial. A questão é: antes, aonde é que este dinheiro esteve a ser aplicado [,] o
dinheiro que esteve fora das contas oficiais que reconstituímos? Havia outras contas que não
estavam espelhadas nas demonstrações financeiras do Fundo, e o dinheiro dessas contas era
para quê? E quando esteve fora do que, supostamente, era controlado na altura? Embora as
contas de 1978 a 1980 não estivessem aprovadas, no fim aquilo foi tudo oficializado. Portanto,
o que estava fora… Era isto que nós realmente gostaríamos de ver explicado. Alguém poderá
explicar.
Depois, no fim do nosso relatórios, colocamos algumas questões que eventualmente podem
ser esclarecidas ou…
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Mas é isto, no fundo: nós vimos que havia dinheiro fora do Fundo, que saiu e que esteve, ou
não, a financiar qualquer coisa, não sabemos o quê. Pode ter estado aplicado noutros bancos,
não sabemos. Sabemos que esteve fora e que depois voltou».
Os principais temas e dúvidas abordados na audição poder-se-iam resumir em quatro pontos: i)
ligação entre o FDMU e o CEMGFA, bem como a relação entre o FDMU e a exportação de armas; ii)
datas em que foi enviado material de guerra para o Irão; iii) existência de contas oficiosas na esfera
do FDMU; iv) saldo final do fundo, bem como a sua reintegração e extinção.
i) Ligação entre o FDMU e o CEMGFA, bem como a relação entre o FDMU e a exportação de
material de guerra
No que diz respeito à ligação entre a peritagem ao FDMU e a auditoria às contas do EMGFA, Maria da
Conceição Ferreira Rodrigues afirmou, em Comissão, que o segundo trabalho foi um resultado do
primeiro:
«Este segundo trabalho resultou do nosso primeiro. Nós, no primeiro trabalho, fizemos
realmente uma reconstituição das contas do Fundo. O Fundo estava legalizado entre aspas,
tinha contas, as contas estavam aprovadas em alguns anos, em 1977, e depois, em 1978, 1979
e 1980, deixaram de estar. Fizemos a reconstituição das contas do Fundo e verificámos que
havia contas movimentadas pelo Fundo que não constavam das contas oficiais e que esses
fundos poderiam estar a ser aplicados em situações diversas. E era isto que pretendíamos
averiguar.
Portanto, quando foi iniciado este trabalho, o objetivo era: «porquê o Estado-Maior? E isto
porque, realmente, da análise que foi feita às contas do Fundo, havia movimentos de saída e
de relação de verbas entradas e saídas da conta oficial que tinham ligações com o Estado-
Maior-General das Forças Armadas, concretamente com o Gabinete. Daí o exame às contas
do Gabinete».
Relativamente à ligação entre o FDMU, o EMGFA e a exportação do material de guerra, António Lino
Gonçalves Coelho declarou existirem fluxos financeiros relacionados com empresas de armamento:
«Reforçando um pouco o que a minha colega disse, da análise que já tínhamos feito
inicialmente ao FDMU, existiam fluxos financeiros entre o FDMU e o Chefe de Estado-Maior-
General das Forças Armadas.
Por outro lado, quando estávamos a analisar as contas financeiras, digamos assim, do EMGFA,
verificámos que havia lá fluxos financeiros que se destinavam especificamente a financiar as
empresas de armamento (isto consta dos documentos), designadamente, subsídios e coisas
que o valha.
Logo, como estávamos a analisar precisamente esses fluxos financeiros e dados com que esses
fluxos financeiros estavam relacionados, pelo menos alguns, com a parte militar — aliás, todos
estes fundos já vêm do tempo da guerra do Ultramar, todos eles estavam relacionados com a
guerra e, portanto, com a parte militar —, consideramos poder ser relevante esta associação
de ideias, na medida em que algum deste dinheiro, como verificámos, estava relacionado com
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parte das empresas de armamento e outros dinheiros tinham saído destas contas bancárias,
andaram por algures, não sei por onde, e, depois, mais tarde, regressaram a estas contas
bancárias».
ii) Exportação de armas
De acordo com a auditoria às contas do CEMGFA e a análise do livro de correspondência classificada
recebida no Gabinete do EMGFA no ano de 1980, constatou-se que, nesse ano, o Ministro da Defesa
solicitou «esclarecimentos adicionais e noutros [casos] não terá mesmo autorizado algumas das
intencionais exportações de armas. De facto, em Abril de 1980 não terá autorizado a exportação para
a Guatemala e para a Argentina e em agosto do mesmo ano para a Indonésia. Ainda em 2 de Dezembro
de 1980 o Gabinete do Ministro da Defesa Nacional terá solicitado ao Gabinete do EMGFA que se
dignasse informar com urgência o que entendesse por conveniente sobre a exportação de material de
guerra para o Irão. Apesar disto, tudo leva a crer que terá seguido material de guerra para o Irão, uma
vez que o referido livro do registo de correspondência classificada contém, em 9 de dezembro de 1980,
uma comunicação ao EMGFA – Direção Nacional de Armamento, alusiva à exportação de material de
guerra para o Irão. E também posteriormente, em 26 de janeiro de 1981, o mesmo livro indica
correspondência datada de 22 de janeiro de 1981 proveniente do EMGFA – Direção Nacional de
Armamento igualmente alusiva à exportação de material de guerra para o Irão (…)». Estes mesmos
factos foram corroborados na audição aos inspetores da IGF de 27 de fevereiro.
iii) Existência de contas oficiosas na esfera do FDMU
Tal como já mencionado nas conclusões apresentadas no relatório da VIII CPITC, apurou-se a
existência de duas contas bancárias que funcionavam à margem da contabilidade do FDMU, embora
fosse o referido fundo o titular dessas contas.
«Existem factos que apontam para a existência de, pelo menos, duas contas bancárias no Banco
de Angola, cujo titular era o FDMU, mas que funcionavam à margem da sua contabilidade, uma
vez que o seu movimento não era aí relevado contabilisticamente. (…). A conta à ordem do FDMU
no Banco de Angola/UBP apresenta sistematicamente saldos bastante elevados e não há evidência
da cobrança de, nem da contabilização dos respetivos juros, nos anos de 1975, 1977 e 1980 (…).
Do mesmo modo, através da comparação dos saldos indicados nos planos/orçamentos de 1974 e
1976 e nos registos contabilísticos desses anos, com referência a 1 de janeiro, sobressai, no que
respeita às contas de meios monetários, que esses saldos, apesar de, em regra, conferirem,
apresentam, no ano de 1975, uma divergência de 187.034.001$20, no caso da conta do banco de
Angola».
iv) Saldo final do fundo, bem como a sua reintegração e extinção
Na referida audição, levantaram-se dúvidas quanto à concreta extinção do FDMU e sua integração no
Orçamento do Estado, designadamente através da intervenção do Sr. Deputado Miguel Santos:
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«Eu acho que o Fundo não está extinto, sinceramente, legalmente. Isto porque o decreto-lei
de 1980, no seu preâmbulo, diz que não há razões para continuar a existir um fundo de defesa
militar do Ultramar, mas, na parte dispositiva, não decreta a extinção do Fundo. Faz outra
coisa completamente diferente, diz que a gestão do Fundo passa a ser do Conselho
Administrativo do CEMGFA, diz que a autorização do Fundo passa a ser do CEMGFA, diz que
os saldos transitam de ano para ano. Chega-se ao final do ano, há um saldo, ele transita. E,
mais do que isto, diz que todos os anos tem de ser aprovado um plano de emprego das verbas
do Fundo. Portanto, isto é tudo menos extinguir o Fundo, isto é fazer com que ele perdure».
De acordo com o Decreto-Lei 548/80, de 18 de novembro, visto e aprovado em Conselho de
Revolução, houve lugar a uma deliberação que extinguia o FDMU sem, no entanto, se concretizar
quanto à sua operacionalização. Adicionalmente, pairou a dúvida sobre a efetiva consolidação do
saldo final do FDMU – cerca de 551 milhões de escudos, nas contas do Estado. Estas duas dúvidas
originariam, mais tarde, uma deliberação da X CPITC no sentido de aprofundar os dois relatórios da
IGF, designadamente no sentido do alargamento do espectro temporal de análise, designadamente
após o ano de 1981, data última de referência das já mencionadas peritagem e auditoria, tal como
afirmado por Maria da Conceição Ferreira Rodrigues:
«O Fundo existia com a guerra do Ultramar e aquele dinheiro foi-se lá mantendo, com
pagamentos e recebimentos, as tais saídas e entradas e comunicação com outras contas e
dinheiros fora por um tal período de tempo e que, depois, voltaram a entrar, e digo «voltaram
a entrar», porque algumas dessas verbas entraram precisamente nessa altura, para a
prestação de contas. E nós não analisamos o que aconteceu a esse dinheiro, até porque isso já
era depois de 1980, e nós parámos em 1980. Fomos até à extinção do Fundo. Daí para a frente
já não fomos ver qual foi a aplicação dada ao dinheiro, que destino teve».
Foi ainda referida a transferência do saldo final do FDMU para um fundo privativo do EMGFA, que
mais tarde viria a ser objeto de análise por parte da IGF.
Da auditoria final ao FDMU
A X CPITC deliberou solicitar nova auditoria ao FDMU para esclarecimento cabal de todas as dúvidas
surgidas na sequência dos anteriores relatórios. O trabalho viria a ser coordenado por Fernando Lobo
do Vale, Maria da Conceição Ferreira, Ana Filipa Gonçalves e Mário Lehmann, tendo como objetivos:
i) averiguar se o FDMU foi encerrado; ii) apurar a gestão dos seus saldos; iii) esclarecer os movimentos
entre o FDMU e o Gabinete do CEMGFA; iv) clarificar o papel do CREEFA na gestão do FDMU; v)
analisar a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro; vi)
averiguar a existência de relações entre o FDMU e a exportação de armas.
i) Encerramento do FDMU
No que diz respeito ao encerramento do FDMU, a auditoria refere que, «na sequência da publicação
do Decreto-Lei n.º 548/80, o FDMU sob esta designação e com o objetivo e as finalidades a que se
destinava à data da sua criação foi encerrado, tendo o saldo dele resultante passado a ser gerido num
Fundo privativo do Conselho de Administração do EMGFA». O relatório da auditoria final ao FDMU
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refere ainda que, pese embora a extinção do referido fundo, «foram praticados atos, em 1981,
correspondentes à regularização de processos que se encontravam, a essa data, ainda em curso, e em
1982 e anos seguintes, aqui porém, já no âmbito do Fundo privativo criado no EMGFA».
ii) Saldos do FDMU e do Fundo privativo
O saldo do FDMU em 1980 e apurado pela IGF atingia os cerca de 510 milhões de escudos8. Após a
extinção do Fundo, foram ainda praticados atos, em 1981, e segundo a auditoria final ao FDMU,
«correspondentes à regularização de processos que se encontravam, a essa data, ainda em curso»,
sendo que no ano de 1982 e anos seguintes foram praticados outros atos com recurso ao montante
transferido do FDMU para o Fundo privativo criado no EMGFA.
De facto, e de acordo com os resultados da auditoria final ao FDMU, o fundo privativo criado no
EMGFA que recebeu o saldo de 510 milhões de euros do extinto FDMU, continuou ativo até 1993, ano
em que integrou o orçamento do EMGFA. O saldo final existente em 1993 atingia os 29 milhões de
escudos. A auditoria levada a cabo pelo IGF incidiu, assim, também sobre os fluxos de saída do fundo
privativo do EMGFA, designadamente fluxos que justificassem um decréscimo do saldo inicial de 510
milhões de escudos, face ao saldo final, no ano de 1993, de 299 milhões de escudos.
De acordo com o depoimento dos inspetores da IGF do dia 7 de abril de 2015, o fundo privativo do
EMGFA é um sucedâneo do FDMU:
«Podemos dizer que é um novo fundo, com outras regras, mas, no fundo, é o sucedâneo, pois
para esse fundo privativo do Estado-Maior foram transferidas as verbas que existiam (…).
Podemos concluir, dentro dessa interpretação, a de utilização de um fundo isolado, embora
com outro nome, com diretrizes diferentes em termos de utilização, derivado, portanto, do
Decreto-Lei n.º 548/80, que, na prática, foi um novo fundo alimentado por um fundo anterior».
Os inspetores do IGF acrescentaram ainda que o fundo privativo do EMGFA não recebeu qualquer
dotação orçamental:
«Não, não recebeu verbas!»
Foi ainda afirmado, na mesma audição, que o fundo privativo apenas se destinou a cobrir despesas:
«O Fundo de Defesa Militar do Ultramar era um fundo que ia tendo receitas. Tinha despesas, tinha
gastos, mas tinha receitas. O fundo privativo passou apenas a gastar o dinheiro que, no fundo, era
o saldo do fundo anterior».
Por último, refira-se outro dos factos apurados pela auditoria ao FDMU, designadamente a existência
da transferência do saldo final do FDMU para o EMGFA em 18 de julho de 1981, tendo a sua
incorporação nas contas desta entidade ocorrido a partir de 1982, tal como afirmou a inspetora das
Finanças, Maria da Conceição Ferreira Rodrigues:
8 O que equivalerá, grosso modo, a cerca de 27 milhões de euros nos dias de hoje, de acordo com o conversor disponível em www.pordata.pt 9 O que equivalerá, grosso modo, a cerca de 245 mil euros nos dias de hoje, de acordo com o referido conversor.
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«Em 1981, o saldo foi transferido, mas, depois, só foi integrado nas contas do EMGFA em 1982.
Portanto, há ali um período em que o dinheiro esteve parado. Não sabemos o que foi feito!
Pode ter sido aplicado em muita coisa, mas não sabemos em quê! É isto que queremos dizer».
Movimentos entre o FDMU e o Gabinete do CEMGFA
Segundo o relatório apresentado em Comissão, os inspetores do IGF referiram que entre 1982 e 1992
foram apresentadas as contas anuais de gerência do Fundo, não havendo, após 1988, qualquer
referência à realização de qualquer despesa. Relativamente às despesas efetuadas entre 1982 e 1988,
a auditoria final destacou alguns movimentos, designadamente:
Transferência de 117 milhões de escudos em 1982 e de 8 milhões de escudos em 1986 para
«fundos autónomos pertencentes a entidades dos ramos das Forças Armadas»;
Transferência de 25 milhões de escudos em 1982 para o Estado-Maior do Exército;
Pagamento de construções e grandes reparações, por parte do EMGFA, no montante de cerca
de 19 milhões de escudos em 1982 e de 2 milhões de escudos em 1986.
Foi igualmente referido ter sido impossível corroborar a veracidade da ocorrência destas operações:
«Para confirmarmos a realização das aquisições/obras por parte das unidades, contactámos
os serviços competentes da Força Aérea e do Exército, não tendo contudo sido localizada
informação que permitisse a mesma confirmação».
Durante a audição aos inspetores da IGF, de 7 de abril de 2015, foi perguntado se seria possível
corroborar a concretização das despesas em obras e reparações, tendo a resposta dos inspetores sido
negativa:
«Mas, se foi efetivamente [adjudicada a obras e reparações], não conseguimos saber (…). Sr.
Deputado, posso acrescentar que mesmo no arquivo, em Santa Clara, da Divisão de Obras, que é
um arquivo que está extremamente bem organizado, esses edifícios não constavam como tendo
tido obras nessas alturas. E não estamos a dizer que não constavam por terem sido retirados,
porque, normalmente, eram edifícios que não estavam sequer nessa divisão de arquitetura e obra
de engenharia (…).Temos as contas bancárias que suportavam estes movimentos, e fez-se a
reconciliação bancária. Foi o que se fez. Portanto, temos a informação de que este dinheiro saiu
realmente da conta bancária».
Relevando novamente a não corroboração das despesas através da análise de faturas e contratos de
adjudicação de empreitada, os inspetores reforçaram essa ideia ao longo de toda a audição:
«Diz que o dinheiro foi utilizado para a construção de um pavilhão gimnodesportivo. Agora, se esse
pavilhão foi, efetivamente, construído? Calculamos que sim, mas não há nenhum processo de
concurso, faturas de fornecedores… No fundo, os únicos elementos que obtivemos foi junto do
Estado-Maior, onde estavam apenas alguns lançamentos, não era propriamente dito todo o
processo de obra, de utilização direta do dinheiro (…). Nós temos aqui a entidade que recebeu a
obra. Nós temos aqui a entidade que recebeu a obra. Temos aqui, mas de forma genérica. Ou seja,
não há nenhum documento específico, através do qual consigamos dizer: «Olhe, foi por aqui…!
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Fez-se aquela obra…! Está aqui todo o processo!», e pronto, justifica realmente que aquilo foi feito.
Não, isso não!».
No que diz respeito às transferências de fundos, questionados sobre quem tinha a competência para
autorizar esses movimentos, os inspetores afirmaram, baseados em depoimentos, o seguinte:
«(…) quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro era o Chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas, mas quem movimentava era o Conselho Administrativo do EMGFA (…). O que ele
[António Augusto Gaspar Correia] diz aqui é que quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro
– está nesta ata que estou a ler – era o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, mas
quem movimentava era o Conselho».
No entanto, não foi encontrada evidência sobre a aprovação de contas do fundo privativo por parte
do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e sua subsequente submissão ao Ministro das
Finanças:
«Reafirmando o que o Sr. Deputado disse, nos moldes em que existia, o FDMU foi extinto e o saldo
passou para o fundo privativo. As contas do fundo privativo deveriam ser aprovadas pelo Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas e submetidas ao Ministro das Finanças. Nós não
encontrámos evidência disso».
iii) Clarificação do papel do CREEFA na gestão do FDMU
Foi igualmente solicitado que a auditoria final ao FDMU apurasse o papel da CREEFA na gestão do
Fundo. A CREEFA havia sido criada pelo Decreto-Lei n.º 48 368 de 4 de maio de 1968, diploma que
autorizava o «Governo a abrir créditos destinados à defesa nacional para o reequipamento
extraordinário» dos dois ramos das Forças Armadas – o Exército e a Força Aérea.
O resultado trazido a lume pelo relatório demonstrou que, nos anos de 1975 e 1976 houve lugar a
saídas de dinheiro da conta do FDMU no Banco de Angola com destino ao CA do EMGFA, tendo o
mesmo valor – 4 milhões de escudos, sido depositado na conta da Comissão de Reequipamento
Extraordinário do Exército e da Força Aérea (CREEFA). Essa mesma informação viria a ser confirmada
na audição aos inspetores do IGF, de 7 de abril de 2015:
«Portanto, houve transferências do FDMU para uma conta do CREEFA/Conselho Administrativo do
Estado-Maior. Nós questionámos, mas ninguém soube exatamente responder, e questionámos
porque há documentação que diz que o dinheiro foi para ali para ser depositado na Fazenda
Nacional. A questão é esta: então, por que é que o dinheiro saiu de uma conta do FDMU, no Banco
de Angola, foi para uma conta da CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das
Forças Armadas para ser depositado no Tesouro?! Esta foi a questão que se colocou. Realmente,
há cerca de 4 milhões de escudos que vieram da conta do FDMU, no Banco de Angola, entraram
na conta da CREEFA e, supostamente, foram depositados no… Foram, ou não, porque, depois,
também é muito difícil verificar se os movimentos se concretizaram, ou não, no 7.º Bairro Fiscal,
ou nas contas do Tesouro, já que as datas não eram coincidentes. Aquilo era uma molhada de
papéis em caixas e nós não conseguíamos ver uma sequência. Não aconteceu neste mês, mas, sei
lá, poderia ter acontecido no mês seguinte, ou dois meses depois, nós não podemos dizer. Ou se
consegue encontrar ali que foi, realmente, depositado nos cofres do Tesouro ou, se não, não
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sabemos. No fim, conseguimos ver que houve um saldo da CREEFA, de cerca de 3 milhões de
escudos, que foi depositado nas contas do Tesouro, mas isto já foi em 1983 e, portanto, não
sabemos muito bem a sequência dos movimentos, enfim…».
Os inspetores do IGF pronunciaram-se ainda sobre a CREEFA e as suas contas, designadamente a
origem das suas receitas e o destino das suas despesas. Importa, assim, transcrever em detalhe as
palavras de Maria da Conceição Ferreira Rodrigues, inspetora da IGF, sobre a matéria. Nelas, é
afirmado que as contas da CREEFA eram confusas, que havia erros de terminologia e que a origem das
receitas se situava em duas fontes: saque sobre a Fazenda Nacional e anulação de processos de
armamento aprovados antes do 25 de abril de 1974. Paralelamente, foram também documentadas
despesas, designadamente despesas com a Explosivos da Trafaria e Oficinas Gerais de Fardamento e
Equipamento:
«As contas da CREEFA eram uma situação muito confusa. Nós juntámos ao nosso relatório
alguns anos, para se perceber. Assim, olhando, não se percebe nada, mas, depois de analisado,
chega-se a alguma conclusão. Nós também juntámos os mapas com os resumos das contas da
CREEFA.
No nosso relatório, apresentamos um exemplo para um período, que é o período de 1980… Em
relação à CREEFA, para já, damos a ideia de movimento, que é cerca de 8 milhões de contos,
desde 1974 a 1984. Damos a ideia destes movimentos, na página 31, e, depois, também
apresentamos um mapa para termos a ideia do valor que foi gasto em cada um dos anos.
Em relação às contas da CREEFA, que era, concretamente, o que estava a perguntar-me, de
onde vinha o dinheiro e para onde ia, temos aqui, na folha 60, um mapa um tanto esquisito
mas que, analisado, chega a alguma conclusão. Portanto, se olharmos, temos logo, na
primeira linha… Temos sempre aqui a designação de «Fundos», porque concluímos que isto
era um outro fundo CREEFA e que era alimentado de alguma maneira. E como? Por exemplo,
se olharmos, neste período, podemos ver que há aqui uma forma de alimento, que é «Avisos
de pagamento que referem números de autorizações de pagamento. São saques do
CA/EMGFA sobre a Direção-Geral da Contabilidade Pública». Ou seja, o CA/EMGFA sacava
valores sobre a Contabilidade Pública e, neste período, o valor era de 21 milhões de escudos!
Portanto, isto seria uma forma de alimentar o fundo (parece-me), porque, depois, se
confrontarmos isto com o material de guerra, que está à frente, no quadro seguinte, e vemos
como é que era autorizado, com o funcionamento da CREEFA, chegamos também a essas
conclusões.
Neste período, já temos aqui uma forma de alimentar o Fundo (Fundo 05-02), que é a dos
saques sobre o Tesouro.
Depois, temos aqui uma outra forma de alimentação, que é a segunda: «Receita do Fundo
Devedores/Credores». E o que era isto? Isto era dinheiro resultante de processos de
armamento que estavam aprovados, e que vinham aprovados de antes do 25 de Abril de 1974,
e que, a certa altura, eram anulados e o dinheiro era descativado. Este dinheiro voltava a
alimentar o Fundo. Por exemplo, neste mês, temos aqui: «Entrega no CA/EMGFA, pela
FNMAL,…», é a Fábrica Nacional de Munições e Armas Ligeiras, salvo erro, «… resultante da
devolução de um valor correspondente a (…)» um qualquer material de guerra.
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Portanto, são duas formas de alimentar o Fundo.
Mas temos também, neste período, despesas do Fundo. E que despesas são essas? Se formos
à página 61, que é a seguinte, no mapa a seguir, vemos como é que, neste período, o Fundo
foi gasto. E temos várias coisas, como, por exemplo, a Explosivos da Trafaria, as Oficinas Gerais
de Fardamento e Equipamento, tudo isto que está aqui relacionado, por aqui fora, totaliza os
10 milhões de escudos. Portanto, isto seria aquilo que está aqui indicado como despesa do
Fundo 05-02. Ou seja, o Fundo era alimentado através da Direção-Geral da Contabilidade
Pública, também dos cancelamentos de situações de material de guerra e, depois, eram pagas
estas despesas.
Se fizermos a diferença entre estes valores que constituem o alimento do Fundo e as saídas,
apuramos um saldo de 10 788 791$ que não está aqui revelado, mas é a diferença entre estes
dois tipos de receita do Fundo, de devedores e de credores, e de despesa.
Portanto, fica-se com a ideia de que neste mês entrou mais dinheiro do que aquele que foi
gasto; o que foi gasto foi desta forma e, agora, surge aqui uma terminologia extremamente
confusa, mas que está ligada com isto, penso que seja apenas uma questão de terminologia.
Ou seja, temos uma conta da CREEFA, onde é possível confirmar que estes 22 milhões —a soma
do que veio deste Fundo 05-02 com os devedores e credores — foram depositados nessa conta,
foram passados cheques sobre a mesma conta destes 10 milhões, e, portanto, isto foi feito na
conta. A terminologia é que é estranha, porque eles chamam «Resumo da receita do Fundo
Depósitos à Ordem». Ora, esta receita de Fundo Depósitos à Ordem é precisamente o valor
dos pagamentos. Portanto, isto não faz sentido em termos de terminologia, porque é
exatamente o contrário ao que estamos habituados a ouvir. «Resumo da receita» é
precisamente o dinheiro que saiu do banco e que corresponde à despesa; «Resumo da despesa
do Fundo Depósitos à Ordem» são os 22 milhões; «Receita do Fundo» foi precisamente o
dinheiro que entrou na conta e que corresponde aos saques sobre o Tesouro e às
descativações, ou seja, à anulação de encomendas de material de guerra.
De facto, por este exemplo podemos ver já algumas das formas de como este Fundo CREEFA
era alimentado: saques sobre o Tesouro e descativações, ou seja, anulações de encomendas
de material de guerra que não foi fornecido e, portanto, o dinheiro entrou. É isto».
Ainda sobre o mesmo tema, nomeadamente sobre as possíveis ligações entre a CREEFA, o EMGFA e o
FDMU, os inspetores afirmaram haver alguma ubiquidade na medida em que certas pessoas
desempenhavam um papel na CREEFA e, simultaneamente, no Conselho Administrativo do EMGFA:
«Isto já vinha do antigamente. O Conselho Administrativo do EMGFA elaborava, trimestralmente,
contas e apresentava-as à CREEFA. E há aqui uma pessoa, o António Augusto Gaspar Correia, que,
simultaneamente, faz parte do Conselho Administrativo do EMGFA e da CREEFA, ou não. Quer
dizer, está ligado, porque faz as contas da CREEFA, assina as contas da CREEFA, mas, depois, tem
aqui uma dualidade. Portanto, há aqui uma certa confusão entre a CREEFA e o Conselho
Administrativo. Mas, no Relatório, temos, de certo modo, a explicação disto, através do material
de guerra, que se aborda mais à frente».
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Por último, a auditoria final ao FDMU concluiu que a CREEFA continuou a autorizar aquisições de
material militar após o 25 de abril de 1974, bem como o facto das faturas representativas de
transações de material de guerra não cumprirem com os requisitos legais mínimos exigidos:
«Esta abordagem, sobre a questão colocada pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à
Tragédia de Camarate no sentido de clarificar o papel da CREEFA na gestão do FDMU ou dos
valores a ele correspondentes, conduziu-nos a localizar processos relativos à aquisição de
material de guerra, em que a despesa havia sido aprovada antes de 25/abr/74 e que se
“arrastaram” no tempo até 1984”.
Algumas das faturas correspondentes ao material de guerra fornecido no referido intervalo de
tempo (1974-1984) apresentavam particularidades tais como uma fatura datada com o dia
zero do mês zero do ano zero que indica no rosto que o material (espingardas automáticas G3)
foi fornecido em 30/nov/80 e entregue no mesmo ano sem referir o dia e o mês, enquanto que
a COMPAE/DSM veio a declarar no verso da mesma fatura receção com data de 25/jun/81.
Estas particularidades revestem-se de contornos pouco ortodoxos, sem prejuízo de poderem
ter a sua explicação num enquadramento de deficiências organizativas e funcionais num
contexto de transição e consolidação de estruturas.
Nos casos em que o material de guerra acabou por não ser fornecido as verbas foram
desativadas e reverteram, nalguns casos, para uma reserva à ordem do EMGFA ou do
CEMGFA.
No exercício das suas competências, já no pós-25 de abril de 1974, a CREEFA continuou a
autorizar aquisições de material militar através de pedidos de autorização de despesa dirigidos
ao seu presidente, designadamente importações.
Os créditos concedidos afetos ao financiamento de importações de armamento eram, em caso
de rescisão dos contratos, repostos na Fazenda Nacional vindo a acrescer ao saldo disponível
do crédito especial aberto através do DL n.º 115/74, de 207mar/74. As verbas repostas eram
depositadas na Tesouraria da Fazenda Pública do 7.º Bairro Fiscal de Lisboa, constituíam
reforço do PAE/73, e ficavam sujeitas a novos saques».
iv) Análise da declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de
novembro
De acordo com a auditoria final ao FDMU, a «não declaração de inconstitucionalidade do DL n.º 548/80
decorrente de parecer não vinculativo da Comissão Constitucional e de uma resolução do Conselho da
Revolução não suscita, por si só questões ou suspeitas que diretamente a relacionem com a ocorrência
de deficiências contabilísticas relatadas pela IGF ou mesmo eventual desvio de finalidades de afetação
do FDMU».
Sobre este tema importa recordar os factos mais relevantes sinalizados pela inspeção da IGF:
«Em síntese, o então Primeiro-Ministro [Francisco Sá Carneiro]– no que foi acompanhado pelo
presidente da Assembleia da República, a solicitação de um grupo de deputados da maioria
parlamentar – suscitou a declaração de inconstitucionalidade de um decreto-lei da iniciativa
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do Conselho da Revolução que dispunha sobre o património do FDMU [Decreto-Lei 548/80 de
18 de novembro].
Sustentava o Primeiro-Ministro que o Conselho da Revolução havia legislado para além da sua
competência legislativa, invadindo a do Governo e da Assembleia da República no âmbito da
afetação de recursos financeiros – o saldo do FDMU – que, sendo do Estado, não cabia à
jurisdição militar regular.
Embora dividida – como decorre dos vários votos de vencido e diferentes posições sobre a
(in)constitucionalidade das normas do articulado do diploma – a Comissão Constitucional veio
dar razão ao Governo e ao grupo parlamentar impetrantes mas como decorre do teor da
Resolução n.º 247/81, o Conselho da Revolução decidiu a seu próprio favor, não acolhendo o
parecer da Comissão e não declarando a inconstitucionalidade do diploma sindicado.
Daqui que se possa concluir ser manifesto que um dos pontos críticos do sistema de fiscalização
da constitucionalidade consagrado na primeira versão da Lei Fundamental ser a de que podia
ocorrer, como se reconhecerá, sem esforço, ter sucedido, que o Conselho da Revolução
decidisse em causa própria.
Ainda assim, o funcionamento do sistema de fiscalização constitucional corporizado, no caso
concreto, pelo pedido de apreciação da constitucionalidade formulado pelo Conselho da
Revolução, pela emissão de parecer (não vinculativo da Comissão Constitucional) e a adoção
por aquele órgão de uma resolução de não declaração da inconstitucionalidade do DL n.º
548/80, não suscita, por si só, questões ou mesmo suspeitas que possam associar tal decisão
à ocorrência das deficiências e irregularidades relatadas nos anteriores dois relatórios de
auditoria elaborados pela IGF por reporte à documentação recolhida e outras diligências
oportunamente desencadeadas.
De notar, aliás, que o âmbito temporal das mesmas ocorrências abrangia já um período
anterior ao ano de 1980, ano da aprovação do DL n.º 548/80, afigurando-se, salvo melhor
entendimento, ilegítimo retirar de um diploma que se propunha extinguir um determinado
Fundo – e que acabou por vigorar alguns anos mais – a origem ou enquadramento jurídico
apto ao manuseamento ou utilização indevida de verbas, no sentido de à revelia das
finalidades a que se encontravam adstritas.
O DL n.º 548/80 continha normas sobre a gestão orçamental do saldo do FDMU, confiada a
um CA/EMGFA, a elaboração por este conselho de orçamento privativo anual objeto de visto
pelo membro do Governo responsável pelas finanças e sobre afetação de verbas que devia
obedecer a um plano designado “plano de emprego” elaborado anualmente pelo CEMGFA, em
suma, uma série de mecanismos que permitia uma margem de controlo da execução das
despesas respetivas».
v) Averiguação da existência de relações entre o FDMU e a exportação de armas.
Na sequência do apurado pela peritagem da IGF ao FDMU, nomeadamente i) do apuramento da
existência de diversos pagamentos, em 1977, 1980 e 1981, através da Agência Militar e conta do
FDMU na União de Bancos à Fábrica Braço de Prata, resultantes da liquidação de «encargos referentes
à montagem da linha de fabrico de granadas foguete», ii) da deteção da «assunção de encargos,pelo
FDMU, respeitantes à venda de granadas OBUS à RFA» em 1979 e iii) da identificação de uma
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encomenda de material militar pelo FDMU, em 1977, o relatório da auditoria final ao FDMU conclui
que «a gestão das exportações de armas, nomeadamente, quanto à sua disponibilização temporal era
articulada, de forma íntima, entre as Forças Armadas e os seus fornecedores».
Concluída a apresentação dos resultados da auditoria final ao FDMU, os inspetores da IGF afirmam
não ver utilidade em futuras diligências, pois estas não seriam suscetíveis «de permitir a obtenção de
outros elementos que trouxessem valor acrescentado ao objetivo último pretendido, não garantindo,
pois, uma alteração relevante ao teor das conclusões agora retiradas». De acordo com os diversos
depoimentos dos inspetores das IGF, o falecimento de um considerável número de pessoas
relacionadas com o então EMGFA, bem como com a gestão do FDMU, o inevitável correr dos anos e
a ausência de documentação de suporte foram obstáculos relevantes ao apuramento dos factos.
De outros depoimentos
Optando por depor por escrito, Ramalho Eanes respondeu a um conjunto de questões levantadas
pelos diferentes grupos parlamentares.
Pronunciando-se sobre a finalidade do FDMU, o ex-Presidente da República afirmou que o FDMU
esgotou a sua finalidade após o 25 de abril, pese embora houvesse situações, designadamente a
situação de Timor, que pudessem justificar a sua continuidade até ao momento em que se extinguiu:
«Esgotada a sua finalidade, procedeu-se à extinção do FDMU, passando os saldos disponíveis
do MDN para o Estado-Maior General das Forças Armadas».
Relativamente ao saldo e à sua utilização, Ramalho Eanes referiu que o saldo apenas se destinou a
despesas complementares do orçamento corrente do EMGFA:
«Esse saldo manteve-se constante, tendo apenas sido utilizado em despesas nacionais
complementares do orçamento do EMGFA, uma vez que foi necessário liquidar despesas
assumidas, que não tinham cabimento no orçamento do EMGFA, com insuficiências orçamentais.
Os saldos residuais foram, depois, integrados no Orçamento do Estado, nas respetivas rubricas de
receita».
No entanto, e de acordo com a auditoria final ao FDMU, o saldo não se manteve constante: o valor
inicial do fundo privativo atingia os 510 millhões de escudos, em 1981, e 29 milhões de escudos, em
1993.
O General afirmou ainda, em nota introdutória, o seguinte:
«Nunca tais saldos foram utilizados em negócios de armamento (ou em negócios de qualquer
outra natureza)
Sempre o EMGFA cumpriu os normativos orçamentais, em respeito da lei, da conformidade
legal e da regularidade financeira».
Importa aqui referir, uma vez mais, o resultado do trabalho dos inspetores da IGF, decorrente da VIII
e X Comissões de Inquérito à Tragédia de Camarate, que, quanto à regularidade financeira do FDMU
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apurou não terem sido cumpridos os requisitos de regularidade financeira relativamente ao FDMU,
na medida em que as contas anuais do fundo não foram aprovadas pelo CEMGFA, General Ramalho
Eanes, nos anos de 1978, 1979 e 1980 e, quanto ao envolvimento do FDMU na comercialização de
armas, referiu o seguinte:
«No que concerne à matéria das relações entre o FDMU e a exportação de armas, importa
recordar que no relatório da IGF n.º 1007/2003 da Peritagem ao FDMU se registou a
verificação, em 1977, 1980 e 1981, de diversos pagamentos através da Agência Militar e conta
do FDMU na União de Bancos à FMBP [Fábrica Militar Braço de Prata], resultantes da
liquidação de encargos referentes à montagem da linha de fabrico de granadas foguete (…).
Ainda no mesmo relatório, e para o ano de 1979, foi também detetada a assunção de
encargos, pelo FDMU, respeitantes à venda de granadas “OBUS” à RFA (…).
Já no âmbito das diligências promovidas com vista a identificar potenciais relações entre a
CREEFA e o FDMU, constatámos igualmente a intervenção desta última entidade, em 1977,
numa encomenda de material militar.
Numa apreciação conjunta, afigura-se-nos que a gestão das exportações de armas,
nomeadamente, quanto à sua disponibilização temporal era articulada, de forma íntima, entre
as Forças Armadas e os seus fornecedores».
O apuramento destes factos torna, pois, inconsistentes as declarações do General Ramalho Eanes.
Em forma de resumo, o ex-Presidente da República afirmou:
«O FDMU transitou para o EMGFA no momento em que estava em fase final o processo de
descolonização e, consequentemente, deixava de ter sentido a finalidade da sua criação (é
verdade que se mantinha, com já se referiu, a questão de Timor), a exemplo de outros fundos
militares que visavam o reforço financeiro da guerra.
Os movimentos contabilísticos efetuados configuram o tipo de procedimentos genéricos
seguidos pelos comandos das forças terrestres que, no regresso dos teatros de operações
(Guiné, Angola e Moçambique), procederam à regularização financeira entre as diferentes
unidades militares envolvidas e as entidades bancárias que as apoiavam, por forma a poderem
encerrar as contas com o mínimo de saldo por reconciliar».
Ramalho Eanes refutou ainda a possibilidade de o FDMU ter permanecido ativo após a sua extinção,
sinalizando um conjunto de argumentos atestando o término do fundo, dos quais se destacam os mais
relevantes:
Há um diploma legal que extingue o FDMU, o Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro (…);
Há um recibo, assinado pelo Conselho Administrativo do EMGFA, em que declara ter recebido
o “saldo apurado no final do ano económico de 1980 relativo ao encerramento do FDMU” (…);
Declara o Conselho Administrativo do EMGFA, no documento referido no n.º 2, anterior, que
a verba recebida do FDMU “irá constituir Receita do Orçamento Privativo do EMGFA a
organizar” (…);
O orçamento privativo do EMGFA é legalmente estabelecido em 1982, pelo Decreto-Lei n.º
282/82, de 22 de agosto (…);
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Posteriormente, o Ministério das Finanças (Direção-Geral do Orçamento) consigna, aos
serviços do EMGFA, receita com base no Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro e no
Decreto-Lei n.º 282/82, de 22 de agosto (…).
Relativamente à responsabilidade institucional pelo FDMU, Ramalho Eanes afirmou ser essa uma das
funções do CEMGFA. No entanto, a gestão financeira cabia à Divisão de Administração e Finanças:
«Como se pode constatar pelo organigrama do EMGFA, a gestão financeira do Fundo era da
competência da Divisão de Administração e Finanças (DIAF), que dependia do Departamento
de Planeamento e Finanças (DPI), hierarquicamente dependente do vice-CEMGFA ou, não
existindo este, do oficial general coordenador mais antigo (…). Não dependia, pois, o FDMU do
gabinete do CEMGFA. Destes dependiam, direta e funcionalmente, a Divisão de Relações
Públicas (DIRP) e a Divisão de Informações (DINFO).
Anualmente eram apresentados ao CEMGFA:
O Plano e o orçamento, do FDMU, para o ano seguinte;
O relatório de gestão financeira do FDMU, do ano anterior, para “aposição de visto”.
No que diz respeito a este tema, Ramalho Eanes admitiu, em resposta aos deputados da X CPITC, que
houve dois planos e orçamentos do FDMU que não foram assinados pelo CEMGFA por lapso:
«Dois planos e orçamentos do FDMU há que não têm a assinatura aprobatória do CEMGFA, e
deviam tê-la. O mesmo acontece com alguns relatórios de gestão financeira, que não têm a
aposição do visto. A responsabilidade institucional deste facto cabe ao CEMGFA e só a ele».
No entanto, o ex-Presidente explica o lapso pelas seguintes razões:
«A pressão de múltiplas solicitações do CEMGFA (também Presidente da República e
Presidente do Conselho da Revolução) com relevantes matérias sujeitas permanentemente ao
seu cuidado;
Não ter havido (que me recorde), nem do vice-CEMGFA nem do oficial coordenador nem do
DIAF, a perceção atempada desse lapso e, portanto, a necessidade de o corrigir;
Serem os dois documentos formalmente importantes, é certo, mas sem relevância operacional
(um reportava-se à gestão financeira do Fundo, outro à previsão de receitas e despesas
referentes ao Exército, Armada e Força Aérea e às comissões de extinção dos Comandos
militares de Angola e Moçambique e do Comando Territorial independente da Guiné-Bissau».
Relativamente ao saldo do fundo, Ramalho Eanes afirmou o seguinte:
«Na sequência do disposto no Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, a Divisão
de Administração Financeira, órgão do EMGFA que geria o FDMU, fez entrega ao Conselho
Administrativo do EMGFA, em Julho de 1981, do saldo existente, no montante de 51.315.768$70».
O ex-Presidente afirmou ainda não conhecer a existência de outras contas associadas ao FDMU,
tituladas por terceiros ou desconhecidos, tal como havia sido apurado pelo primeiro trabalho dos
inspetores da IGF.
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Por último, o General afirmou ainda não se recordar do parecer da Comissão Constitucional que
declarava, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 548/80
de 18 de novembro.
Como nota final, e no seguimento dos depoimentos a Freitas do Amaral, Vice-Primeiro Ministro no
Governo de Sá Carneiro e no Governo de Francisco Pinto Balsemão, onde também assumiria a pasta
da Defesa, conclui-se que o próprio havia assumido a extinção do fundo, não tendo procedido a
nenhuma démarche com ele relacionada:
«Enquanto Ministro da Defesa Nacional, não tive conhecimento de rigorosamente nada, nem
em matéria de planos ou programas, nem em matéria de orçamentos, receitas ou despesas,
em relação ao Fundo.
Perguntar-me-ão: porquê? Talvez por ter ficado convencido de que o Fundo estava extinto.
Não sei! Mas, sobretudo, e é bom recordar, porque no tempo em que fui Ministro da Defesa,
isto é de setembro de 1981 a dezembro de 1982, as Forças Armadas continuavam em regime de autogestão. E o Estado-Maior-General das Forças Armadas dependia diretamente do
Presidente da República ou, a partir da eleição presidencial de 1980, do Chefe de Estado-
Maior-General, uma vez que, por acordo com o Partido Socialista, o General Eanes aceitou não
acumular, no seu segundo mandato, as funções de Presidente da República com as de Chefe
de Estado-Maior e nomear um Chefe de Estado-Maior, que foi, salvo erro, o General Melo
Egídio, recentemente falecido.
Portanto, o Ministro da Defesa não tinha rigorosamente nada a ver com o Estado-Maior-
General das Forças Armadas ou com as Forças Armadas. Era uma figura um pouco sui generis
que se criou em 1974 para manter as ligações com a NATO mas que não tinha quaisquer
poderes sobre as Forças Armadas».
3.3. Comércio de armas para o Irão
De alguma forma relacionada com a investigação ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar e às contas
do Gabinete do CEMGFA, a investigação ao comércio de armas para o Irão no ano de 1980
desempenhou, de igual forma, um papel preponderante nos trabalhos da CPI.
Relatos do envio de material militar para o Irão ultrapassaram as fronteiras nacionais: na sequência
da tomada da embaixada norte-americana em Teerão e consequente tomada de reféns por parte de
forças iranianas associadas ao novo regime teocrático, foi sendo veiculado por alguma imprensa que
a negociação da libertação dos reféns norte-americanos foi essencial para a vitória da candidatura
Reagan/Bush nas eleições do final desse ano. Subsiste a tese, ainda por provar, que teria havido lugar
a um acordo entre o Ayatollah Khomeini e a candidatura republicana, designadamente através de
George Bush e Henry Kissinger, para a manutenção dos reféns até algum tempo após as eleições nos
EUA, de forma a prejudicar a candidatura do então Presidente Jimmy Carter. De acordo com alguns
desses relatos, essa negociação foi tida no Luxemburgo e em Paris, onde altos responsáveis iranianos
e Bush se teriam encontrado em segredo.
O papel referido por alguns como tendo sido o de Portugal cingiu-se a servir de plataforma para o
envio de material militar para o Irão, algo que estava proibido pela comunidade internacional e pelo
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entendimento do Governo português: de acordo com informação enviada à X CPITC pelo Ministério
dos Negócios Estrangeiros, a 18 de abril de 1980 foi decidido um embargo comercial geral e de
quaisquer transações financeiras com o Irão, decorrente da situação dos reféns, em Teerão. Esta
decisão do dia 18 de abril de 1980 do Conselho de Ministros antecedeu a publicação em Diário da
República do referido embargo, que ocorreria a 21 de abril do mesmo ano. Tentou-se ainda apurar a
data de cessação do referido embargo, não se tendo chegado à conclusão quanto à data precisa. É,
no entanto, legítimo estimar-se que o final do embargo tenha ocorrido no final do mês de janeiro de
1981, mais concretamente a dia 26, à semelhança de outros países europeus.
A plataforma portuguesa passaria não só pela exportação direta de armamento, mas também como
hub para o transbordo de material militar para o Irão, designadamente através de Israel.
De facto, a já mencionada auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA identificou remessas de
material militar para o país em questão, facto que estava sujeito, naquela altura, a embargo.
Identificadas algumas empresas possivelmente envolvidas na comercialização de armamento, foi
determinante o depoimento do Comandante Alpoim Calvão, que relatou factos reveladores da
existência de exportação de material militar para o Irão, mais tarde corroborados por Vasco Montez
e pelo Coronel Oliveira Marques.
De acordo com a auditoria às contas do Gabinete do CEMGFA do período entre 1974 e 1981, através
da análise do livro de correspondência do Gabinete do CEMGFA foi possível apurar a existência de
exportação de armas para diversos países. Importa, assim, recordar o texto da auditoria:
«De toda a documentação analisada no EMGFA parece-nos de realçar alguma da informação
contida nos livros do registo das entradas da correspondência classificada recebida no
Gabinete do CEMGFA, particularmente nos anos de 1979, 1980 e 1981 (…).
De facto, o conteúdo dos referidos livros leva a concluir que é notória, neste período, a
exportação de armas para diversos países.
Efetivamente, quer o Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, quer a Direção de Logística do
EMGFA (DILOG) e também o Diretor Nacional de Armamento (DNA), comunicam
frequentemente ao Gabinete do EMGFA a exportação de material de guerra para diversos
países.
Parece resultar da leitura dos registos insertos no livro do registo da correspondência
classificada recebida no Gabinete do EMGFA no ano de 1980 que, neste ano, o Ministro da
Defesa nalguns casos terá pedido esclarecimentos adicionais e noutros não terá mesmo
autorizado algumas das intencionais exportações de armas.
De facto, em abril de 1980 não terá autorizado a exportação para a Guatemala e para a
Argentina e em agosto do mesmo ano para a Indonésia.
Ainda em 2 de dezembro de 1980 [dois dias antes do atentado], o Gabinete do Ministro da
Defesa Nacional terá solicitado ao Gabinete do EMGFA que se dignasse informar com urgência
o que entendesse por conveniente sobre a exportação de material de guerra para o Irão.
Apesar disto, tudo leva a crer que terá seguido material de guerra para o Irão uma vez que o
referido livro de registo de correspondência classificada contém, em 9 de dezembro de 1980
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[cinco dias após o atentado], uma comunicação do EMGFA – Direção Nacional de Armamento,
alusiva à exportação de material de guerra para o Irão (p/ conhecimento).
E também posteriormente, em 26 de janeiro de 1981, o mesmo livro indica correspondência
datada de 22 de janeiro de 1981 proveniente do EMGFA – Direção Nacional de Armamento
igualmente alusiva à exportação de material de guerra para o Irão (…)».
De acordo com o depoimento do General Ramalho Eanes, nunca o EMGFA, sob sua liderança ou
durante os anos em que foi Presidente da República, procedeu à compra e venda de material de
guerra. O ex-Presidente recordou os procedimentos habituais seguidos no processo de
comercialização de armas com o exterior:
«Conheço, apenas, os procedimentos específicos adotados para a venda de armas e munições dos
estabelecimentos fabris militares tutelados pelo Exército (e não pelo Estado-Maior General das
Forças Armadas), e que eram só:
Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras (FNMAL)
Fábrica Militar Braço de Prata (FMBP)
Dispunham estes estabelecimentos de autonomia administrativa e financeira.
As vendas de armas que estes estabelecimentos fabris se propunham efetuar eram sempre
submetidas a autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) (por razões de possíveis
efeitos na política externa).
Eram aqueles pedidos de autorização veiculados para o MNE, através do Estado-Maior General
das Forças Armadas (EMGFA), pois, só através deste, os Ramos – Exército, Armada e Força Aérea
– se podiam, então, corresponder com o Governo.
E mesmo estes dois estabelecimentos fabris militares passaram para a tutela do Governo a 31 de
outubro de 1980 (Decreto-Lei n.º 571-A/80, de 31 de outubro).
Todos os outros estabelecimentos fabris de material de guerra eram tutelados por entidades
governamentais:
Assim, o Governo tutelava:
1. Através do Ministério da Defesa Nacional (MDN):
A Sociedade Portuguesa de Explosivos (SPE)
A Explosivos da Trafaria (EXTRA)
2. Através do Ministério da Indústria e Tecnologia:
A Fundição e Construções Mecânicas de Oeiras (FCMO)
A COMETNA – Companhia Metalúrgica Nacional.
Enquanto CEMGFA ou Presidente da República não tive ou teve o EMGFA qualquer papel, quer na
venda ou compra de armamento, quer na sua importação ou re-exportação.
A legislação relativa ao comércio de material de guerra foi alvo de alterações em 1980, com a entrada
em vigor do Decreto-Lei n.º 371/80, de 11 de setembro, cujo preâmbulo afirma o seguinte:
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«Torna-se necessário a reformulação da legislação aplicável à exportação de material de guerra e
munições e à importação de matéria-prima e outras mercadorias para a produção do mesmo
material. Em particular, carecem de profunda atualização as normas contidas nos Decretos-Leis
n.º 39 397, de 22 de outubro de 1953 e n.º 40 239, de 6 de julho de 1955».
O diploma aplica-se à produção nacional de material de guerra e munições encomendados por países
estrangeiros, à exportação ou reexportação de material de guerra e munições e à importação de
matéria-prima e outras mercadorias para a produção, por empresas nacionais, de material de guerra,
munições e equipamentos militares encomendados pelas Forças Armadas ou pelas outras forças
militares e militarizadas de Portugal.
Adicionalmente o artigo 2.º estabelece as competências do Ministro da Defesa e do Ministro dos
Negócios Estrangeiros nesta matéria.
Assim, passa o Ministro da Defesa Nacional a deter as seguintes competências:
a) «Estabelecer, por acordo com os departamentos competentes de governos estrangeiros, a
aceitação de encomendas de material de guerra e munições para execução pela indústria
nacional de armamento;
b) Autorizar as empresas nacionais a aceitar encomendas da natureza das mencionadas na
alínea anterior com destino a países estrangeiros ou a promover a exportação ou
reexportação de material de guerra e munições;
c) Sancionar a exportação de material de guerra e munições alienados pelas Forças Armadas e
pelas outras forças militares e militarizadas;
d) Emitir as autorizações previstas no artigo 3.º do presente diploma;
e) Promover a fiscalização prevista no artigo 6.º e a credenciação prevista no artigo 7.º do
presente diploma».
Acrescem às competências do Ministro da Defesa Nacional as seguintes competências por parte do
Ministro dos Negócios Estrangeiros:
«Compete ao Ministro dos Negócios Estrangeiros emitir parecer sobre a conveniência das
operações mencionadas nas alíneas a) a c) do número anterior, do ponto de vista da política
externa».
A incidência dos trabalhos da CPI na questão da exportação de armas, em concreto na exportação de
armas para o Irão tem origem numa notícia do diário Portugal Hoje, publicada a 11 de novembro de
1980, que originou uma nota oficiosa do Governo a propósito do tema.
Diz a notícia do diário:
«Andam por aí observadores diplomáticos de orelha no ar a ver se sabem alguma coisa sobre
os destinos precisos e concretos das armas que Portugal vende ao estrangeiro. Consta que
Lisboa tem feito fornecimentos de munições ao Irão, com o qual se disse que Portugal tinha
cortado relações comerciais com grande escarcéu».
No final do artigo, são colocadas seis questões em forma de apelo público:
1. Israel era antes da queda do Xá do Irão um dos grandes fornecedores de armamento a
esse país. Alguns negociantes envolvidos no negócio terão tentado manter a posição no
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mercado depois da vitória de Khomeiny colocando Portugal de permeio. Houve ou não
contactos, através de gente inglesa, com o Governo português, designadamente no
sentido de obter participações nas nossas empresas de material de guerra,
designadamente dos Explosivos da Trafaria?
2. É verdade ou boato que sobre a matéria existem diversos pareceres, eventualmente um
do ministro Pinto Balsemão?
3. A quem foram fornecidas (especificamente) armas portuguesas ou outras adquiridas por
entidades portuguesas depois de janeiro de 1980?
4. Que há de verdade com a passagem em Portugal de aviões da companhia “African Air
Charters”?
5. Que aviões estranhos à Força Aérea aterraram no último mês na base do Montijo e que
aterragens estão previstas para o mês em curso?
O artigo motivou uma nota oficiosa conjunta do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, cujo teor foi reproduzido pelo diário Portugal Hoje, no dia 12 de novembro de
1980, um dia após a publicação do artigo “Armas Portuguesas para o Irão?”.
De acordo com o relatado nesse dia pelo jornal, a nota oficiosa do Governo foi citada na íntegra:
«Relativamente a várias questões colocadas na edição de hoje do Portugal Hoje acerca de ma
hipotética venda de armamento português ao Irão, informa-se o seguinte:
a) O Governo não autorizou, nem vai autorizar, qualquer venda de armamento ou
munições ao Irão.
b) O Governo não autorizou, nem vai autorizar, o trânsito em aeroportos portugueses de
aviões militares de qualquer procedência transportando armamento ou munições com
destino ao Irão.
c) Nenhuma entidade estrangeira tomou, ou irá tomar, participações na sociedade
portuguesa de explosivos.
Nestes temos carecem totalmente de fundamento os receios avançados pelo Portugal Hoje.
Aproveita-se para esclarecer que, a haver qualquer inflexão na atitude portuguesa
relativamente ao conflito entre o Iraque e o Irão, no domínio do material de defesa, ela nunca
poderia ser favorável a este último país, tendo em conta a posição portuguesa perante o Irão
decorrente do aprisionamento de reféns americanos».
Na sequência da nota oficiosa o diário Portugal Hoje escreveu o seguinte:
«Do que se trata é, bem diferente, de saber se foram armas portuguesas para o Irão, mesmo
que por interposta pessoa. Ninguém vende armas sem saber para onde elas vão…
(…)
Também não perguntámos se o Governo autorizou ou não a utilização de aeroportos nacionais
para trânsitos de armamento em direção ao Irão. A confirmarem-se os elementos de que
dispomos os fornecimentos sairiam de Portugal com rumo a um terceiro Estado. E é
precisamente por isso que, para averiguar a veracidade de uma informação recente,
perguntámos “que aviões estranhos à FA aterraram no último mês na base do Montijo, e que
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aterragens estão previstas para o mês em curso”. Depois de termos levantado a lebre
gostaríamos de saber que aviões nessas condições aterraram ou aterrarão nos outros
aeroportos militares.
O Governo diz na sua nota que não autorizou “aviões militares de qualquer procedência
transportando armas ou munições com destino ao Irão”. Isso nunca esteve em causa. Até
porque segundo as nossas informações as munições seriam transportadas num avião (em
aviões) civil, eventualmente da African Air Charters e no plano de voo não constariam como
destino aeródromos do Irão.
Também não perguntámos se alguma entidade estrangeira tomou ou irá tomar participações
na Sociedade Portuguesa de Explosivos. Os interesses estrangeiros podem muito bem ser
acautelados por entidades nacionais.
O que pretendíamos (…) era saber se interesses estrangeiros, designadamente israelitas, não
forma foram objeto de conversações relacionadas com a indústria portuguesa de armamentos
e munições. E mais: se sobre o assunto existem ou não diversos pareceres “eventualmente um
do ministro Pinto Balsemão” tendo em conta, designadamente, o interesse de explorar o
mercado iraniano».
A razão pela qual se citam ambos os artigos do Portugal Hoje praticamente na íntegra prende-se,
precisamente, com o facto de o decorrer dos trabalhos da CPI ter confirmado alguns dos
acontecimentos relatados pelo diário, designadamente a exportação de material militar para o Irão,
no ano de 1980, por interposição de um terceiro estado. Para além do que resultou do apuramento
da auditoria da IGF às contas do Gabinete do EMGFA – que confirmam a expedição de material militar
para o Irão cinco dias após a morte do Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa – alguns dos
pormenores citados pelo Portugal Hoje foram revelados pelo Comandante Alpoim Calvão, cujo
depoimento de seguida se disseca.
De acordo com o Comandante, a Explosivos da Trafaria dedicava-se ao fabrico de explosivos e tinha
presentes, nos órgãos sociais, personalidades como o General Fernando Pinto de Resende, os
Engenheiros Diogo da Fonseca e Carlos Pardal, para além de um representante de um sócio espanhol,
cujo nome Alpoim Calvão não recordou:
«Quero lembrar-me do nome dele, mas só me recordo de ele ter sido ministro da saúde no tempo
do regime anterior… Falta-me um, mas não me lembro quem é».
Relativamente à atividade da empresa o Comandante afirmou o seguinte:
«A atividade da empresa era, essencialmente, o fabrico de explosivos. Foi criada para isso e, mais
tarde, para corresponder às necessidades das Forças Armadas e porque o Estado assim o entendeu
— deu o impulso necessário para isso —, começou a dedicar-se ao fabrico de munições das quais
a empresa fazia a fase final, o chamado lapping-loading, assembling and packing, ou seja,
carregar, montar e embalar. Aquilo era, digamos, uma extensão final da linha de montagem das
munições. Recebíamos matérias-primas do exterior, eram trabalhadas lá, fazia-se os
carregamentos e depois ou eram entregues às Forças Armadas Portuguesas ou eram vendidas
para o exterior».
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Confirmada a exportação de armas e munições, Alpoim Calvão foi questionado sobre o destino da
exportação:
«Devo dizer-lhe que, do que me lembro, exportámos para a Síria, para o Iraque, não diretamente
mas através de uma sociedade que havia, que era a COMETNA. Exportámos para a Rodésia, se
não me engano, e também para o Irão exportámos».
Sobre o papel da Cometna, foi afirmado o seguinte:
«A COMETNA era uma empresa que fazia invólucros metálicos para bombas de aviação. Eles é que
tinham os contratos mas pediam-nos que fizéssemos a parte final, e nós entregávamos os
invólucros metálicos, carregávamos e devolvíamos à COMETNA, que exportava. Até houve a
coincidência, a certa altura, de existirem duas empresas em que o Estado português tinha
interesse: uma exportava para o Irão e outra para o Iraque».
Após estes dados introdutórios, o Comandante foi questionado sobre o seu papel na angariação de
clientes estrangeiros, designadamente na sequência do que havia sido afirmado em Comissão por
Juzarte Rolo – que Alpoim Calvão era a pessoa que mais negócios conseguia trazer para a empresa.
Alpoim Calvão confirmou esse papel fundamental para países como a Síria, Rodésia e Irão, mas não
para o Iraque:
«Relativamente ao Iraque, não. Como digo, o Iraque era mais para a COMETNA e para a SPEL, que
era a Sociedade Portuguesa de Explosivos. Para o Irão é verdade, consegui algumas aberturas para
esse país, como, aliás, para a Síria e para a Rodésia».
De seguida, o Comandante foi questionado sobre se alguma vez enviou armas para o Irão através de
Israel. A questão e a sua sequência tomaram a seguinte forma:
À questão “Alguma vez enviaram armas para o Irão através de Israel?” o Comandante Alpoim Calvão
respondeu:
«Não. Israel é que enviou para o Irão através de nós.
(…)
O que é que se passou? Como é óbvio, a nossa indústria de armamento era muito limitada. Por
conseguinte, para comprar metálicos, para comprar… Nós, por exemplo, não fazíamos
munições de artilharia de calibre 155, tínhamos de comprar os metálicos no exterior. E quem
se prontificou a vender metálicos, sabendo perfeitamente para onde ia, foi Israel, ou seja,
foram as Indústrias Militares de Israel, o IMI».
Sobre os procedimentos para a exportação do material de guerra, o Comandante descreveu-a como
dependendo sempre da autorização do Governo português:
«Primeiro, obtínhamos um contrato, ou uma promessa de contrato, ou coisa que o valha, e,
depois, tínhamos de pôr o problema à Direção-Geral de Armamento, que pertencia ao
Ministério da Defesa Nacional. O Ministério da Defesa Nacional perguntava, normalmente, ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros o que achava do negócio, se era interessante ou não, o
Ministério dos Negócios Estrangeiros por norma dava uma resposta de «nem sim, nem não»,
e era, depois, o Ministério da Defesa que tinha de tomar a decisão final.
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Como, de facto, as fábricas de armamento pertenciam ao Ministério da Defesa, e só nós, por
exemplo, tínhamos 600 trabalhadores, era preciso pagar os salários ao fim do mês».
Relativamente ao embargo de comercialização de armas para o Irão, Alpoim Calvão afirmou não só
nunca ter sido avisado por parte do Governo como ter tido sempre autorização do Ministério da
Defesa para exportar armamento:
«Eu podia saber, porque leio os jornais, mas nunca recebi uma comunicação, digamos, formal
da Direção-Geral de Armamento, ou coisa que o valha, a dizer que não se podiam exportar
armas para aqui, para ali e para acolá! Foi sempre caso a caso!
(…)
Todas as vendas que fizemos foram sempre autorizadas pelo Ministério da Defesa»
Alpoim Calvão confirmou igualmente um aumento da faturação da empresa Explosivos da Trafaria, tal
como havia sido veiculado por Juzarte Rolo. De acordo com o comandante, chegou a haver um ano,
ou 1980 ou 1981 em que foram vendidos cerca de 7 milhões de contos (35 milhões de euros) de
armamento. Paralelamente foi confirmada a importância do Irão e do Iraque para este acréscimo de
faturação: em 1980, com o ano já a decorrer, Lisboa recebeu uma missão de ambos os países que
vinham comprar armamento, muito possivelmente numa altura em que o embargo comercial ao Irão
já estaria em vigor.
Questionado sobre a exportação concreta para países como a Síria e o Irão, Alpoim Calvão recordou
um episódio, ocorrido em 1980, em que foram transbordadas munições de um avião de Israel para
um avião do Irão, no aeroporto de Lisboa. No entanto, para além desse episódio, apenas após 1981
foi comercializado material bélico para o Irão:
«Creio que tenham sido vendidos alguns canhões sem recuo, por conseguinte, material não
explosivo, que vieram, aliás, de Israel e passaram pelo aeroporto de Lisboa para um avião da
Iran Air, que veio a Lisboa buscá-los para o destino final. Era, como digo, material inerte. Eram
uns 100 canhões sem recuo (já não me lembro de quanto custavam na altura, mas talvez uns
20 000 dólares/cada ou coisa que o valha) que fizeram o transbordo aqui, mas vieram de Israel,
fizeram o transbordo aqui e foram vendidos para lá. Veio um avião da Iran Air,
propositadamente, buscá-los cá.
(…)
Por conseguinte, estou a dizer-lhe, na realidade, o que se passou. Tenho a certeza de que
munições só foram vendidas… É que demoram muito tempo a…! É preciso comprar as
matérias-primas, os metais, enfim, comprar tudo e, depois, é preciso o ato de carregar e ainda
é preciso inspecionar, e vinham cá os inspetores iranianos. Os inspetores vinham cá inspecionar
e entravam pela porta normal, não vinham às escondidas, nem vinham disfarçados! Entravam
pela porta normal, iam às fábricas, viam e aceitavam, ou não, pois podiam recusar! Podiam
não aceitar. Dessa vez sabiam perfeitamente, por exemplo, que os metálicos vinham de Israel.
Sabiam perfeitamente! Nós não fabricávamos aqueles metálicos. Os metálicos 155 ou 203
vinham de Israel. Só nos lembrámos de comprar uma forja para isso quando já não havia
necessidade, e a forja ficou para lá, na INDEP, como mais uma prova da inépcia do
planeamento. Bom, mas isso é outra coisa!
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Agora, o que posso dizer é que os inspetores entravam, viam, iam assistir aos
embarques…!Quer coisa mais às claras e mais legal do que isto?! Eu não sei!
(…)
Tenho quase a certeza, mas, enfim, não posso garantir-lhe, que nunca vendemos, diretamente,
nada para o Irão, a não ser a partir de 1981. A única coisa de que me lembro antes de 1981 é
da partida de 100 canhões sem recuo, que vieram de Israel para cá e que cá se fez o transbordo
para a Iran Air, que também entrou legalmente, poisou legalmente no aeroporto e levou-os!
Era uma coisa que eles procuravam e que não conseguiam arranjar, e o que talvez despoletou
a grande cadeia de negócios que eles fizeram connosco foi o facto de termos resolvido um
pequeno problema que eles tinham!».
Quanto à preocupação do Governo com o tema da exportação de armas, Alpoim Calvão afirmou haver
um controlo rigoroso dos procedimentos, tanto burocráticos como logísticos, mas que não se
recordava haver uma preocupação específica, por parte do Governo, sobre a exportação ilícita de
armas, que o próprio afirma desconhecer existir em Portugal:
«Até pela apertada legislação que havia, via-se que o Ministério da Defesa tinha essa
preocupação. A legislação era bastante apertada e exigia muitas licenças.
Por exemplo, para o transporte de munições da fábrica Explosivos da Trafaria para Setúbal,
que era o porto de embarque normal, exigia-se escoltas policiais, exigia-se regras de
segurança, batedores à frente, o porto fechava praticamente… Era uma logística importante
e complicada!
(…)
Repare, eu, para poder ser administrador da Explosivos da Trafaria, tive de passar na
Autoridade Nacional de Segurança e de ser aceite pela Direção-Geral de Armamento. Não
havia razão para não passar pela Autoridade Nacional de Segurança, que era muito exigente.
Enfim, faziam imensas perguntas, tais como se tinha alguma vez visitado um país de Leste, se
tinha não sei quantos e tal…! Havia um certo cuidado nessas coisas.
Do ponto de vista técnico, até estávamos debaixo da alçada de uma entidade que era a
Comissão de Explosivos, e já não me lembro se pertencia ao Ministério da Administração
Interna ou ao Ministério da Defesa, mas uma das principais funções que eles tinham era
verificar a nossa capacidade técnica, verificar como eram feitos os carregamentos, se as
medidas de segurança eram tomadas… Isto tanto para a parte de explosivos militares, como
para a parte de explosivos civis, para fins civis, como pedreiras, etc. Aliás, acho que essas
funções agora até são feitas pela Polícia de Segurança Pública, mas não tenho a certeza; já se
passaram muitos anos!
No que diz respeito ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, Alpoim Calvão afirmou ter ouvido falar
do fundo, mas sem lhe atribuir demasiada relevância, tendo também declarado nunca ter recebido,
enquanto representante da Explosivos da Trafaria nenhum pagamento através do FDMU:
«De relevante? Não achei nada relevante. Sabe que eu sou muito cauteloso quanto às notícias.
Faço sempre o recorte das notícias, ainda hoje, as classifico. Ainda hoje classifico as notícias:
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se uma coisa é muito disparatada, qual é o… Desculpe-me falar disto, que é uma coisinha ao
lado, mas as notícias classificam-se conforme as origens e a verosimilhança e só depois de
haver muitas notícias juntas é que se pode fazer o recorte delas, e é daí que sai a informação.
A informação é uma série de recortes de várias notícias que, depois, se vê se tem alguma
substância, ou não.
Nessa altura, a essas notícias, eu não ligava, nem ligo importância nenhuma».
3.4. A morte de José Moreira
Uma das questões abordadas pela CPI foi a morte tida como acidental de José Moreira e Elisabete
Silva, em janeiro de 1983, precisamente antes de ser prestado depoimento na primeira CPI por parte
de José Moreira, proprietário de um avião que havia colocado ao serviço da campanha presidencial
de Soares Carneiro e que terá chegado a financiar, a expensas próprias, uma investigação particular
ao sucedido em Camarate. José Moreira e Elisabete Silva foram encontrados mortos num
apartamento de Carnaxide no início de 1983, tendo a causa da sua morte sido devida, de acordo com
a Polícia Judiciária, à inalação acidental de monóxido de carbono. Face às dúvidas existentes entre
deputados, familiares das vítimas do atentado de Camarate e seus representantes, decidiu a X CPITC
proceder a diligências no sentido de averiguar a natureza da morte de José Moreira e Elisabete Silva.
Os dois objetivos desta abordagem prendiam-se i) com a confirmação ou não da tese de morte
acidental e, ii) caso comprovada morte por homicídio, estabelecer uma relação entre esse facto e o
atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa em 1980.
Nesse sentido, foi solicitado ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra uma nova análise dos tecidos
para confirmação da tese de morte acidental.
Paralelamente foram ouvidos na CPI os agentes policiais envolvidos na investigação, bem como dois
procuradores-gerais adjuntos autores de um inquérito disciplinar à investigação da morte de José
Moreira e Elisabete Silva.
3.4.1. Morte acidental ou homicídio?
No dia 5 de novembro de 2013 foram ouvidos em sede de Comissão o Professor Doutor Duarte Nuno
Vieira, Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e a
Professora Doutora Rosa Henriques de Gouveia sobre as causas da morte de José Moreira e Elisabete
Silva.
Em forma de nota introdutória, Duarte Nuno Vieira afirmou o seguinte:
«O Instituto foi de facto solicitado por esta Comissão para fazer uma reavaliação dos estudos
histológicos efetuados há cerca de 30 anos na sequência de autópsias que foram concretizadas
em 1983 a duas vítimas que, em princípio, teriam falecido na sequência de uma intoxicação
por monóxido de carbono. Demorámos algum tempo a dar resposta, porque tivemos de
encontrar os blocos iniciais das amostras que tinham sido colhidas nessa altura e que,
felizmente, estavam arquivadas, embora a lei até permita que o Instituto, dois anos depois de
ter feito os estudos, possa destruir as amostras, caso os tribunais não deem indicações para
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que essas amostras sejam preservadas. Felizmente, mantínhamos este espólio e, portanto,
depois de alguns meses de procura nos arquivos foi possível detetar os blocos originais.
Esses blocos foram de novo processados, foram de novo estudados pela Professora Rosa
Gouveia, que é uma das nossas anatomopatologistas que exerce funções na sede e delegação
do centro do Instituto Nacional de Medicina Legal, e foram feitas novas preparações. Foram
estudados e, portanto, foi emitido o relatório, que terão recebido com as conclusões possíveis,
do que é possível extrair destas novas análises».
Afirmando não competir à medicina legal nem às autópsias fazer um diagnóstico diferencial entre
homicídio, suicídio e acidente, Duarte Nuno Vieira revelou, no entanto, a existência de algumas
indicações relevantes decorrentes do resultado da autópsia.
Relativamente à causa da morte, foi corroborada a inalação de monóxido de carbono como tendo sido
o vetor fundamental para o falecimento de José Moreira e Elisabete Silva:
«A morte foi seguramente devido a intoxicação por monóxido de carbono porque as autópsias
estão bem feitas, estão completas e têm sinais inequívocos de uma intoxicação por monóxido de
carbono, nomeadamente um aspeto muito característico, que quase permite fazer o diagnóstico,
que é a cor carminada dos cadáveres e isso resulta de facto da enorme quantidade de
carboxihemoglobina que está presente no sangue e que dá essa coloração muito típica aos corpos
das pessoas que morrem intoxicadas por esta substância».
No entanto, elementos houve que geraram alguma perplexidade aos técnicos do Instituto de Medicina
Legal aquando da reanálise aos tecidos:
«Mostrou também alguns elementos que criam alguma perplexidade, nomeadamente uma rotura
dos alvéolos pulmonares, que agora pudemos constatar de novo, e que não faz minimamente
parte do quadro habitual de uma intoxicação por monóxido de carbono. Aliás, o diagnóstico da
intoxicação por monóxido de carbono é quase um diagnóstico de exclusão, ao excluirmos outras
causas de morte e ao detetarmos essas colorações típicas no corpo e, depois, as concentrações
laboratoriais, em laboratório, que justificam de facto uma morte pelo produto. De resto, não
deixam mais nada de específico, ou tendem a não deixar mais nada de específico».
Descrita parte do quadro com que se deparou, Duarte Nuno Vieira caracterizou uma intoxicação por
monóxido de carbono da seguinte forma:
«Dizer-vos também que a morte por monóxido de carbono tem alguma ubiquidade; isto é, os níveis
mortais de carboxihemoglobina variam um bocadinho de pessoa para pessoa, naturalmente
dependem do estado de saúde anterior da pessoa, dependem das suas características físicas,
dependem da concentração no ambiente. Um cidadão normal pode começar a ter sintomas por
uma intoxicação por monóxido de carbono a partir dos 2 - 20%, mas, normalmente, a partir dos
10-20% é quando eles se tornam mais nítidos, e teores de carboxihemoglobina acima dos 60% já
são necessariamente mortais. A morte ocorre porque deixa de haver aporte de oxigénio aos
tecidos, a carboxihemoglobina tem uma afinidade pela hemoglobina 250 vezes superior à do
oxigénio. E, portanto, a hemoglobina em vez de transportar oxigénio para os tecidos passa a
transportar este agente químico, os tecidos deixam de ser suficientemente oxigenados e a pessoa
morre asfixiada por assim dizer, porque não tem um aporte de oxigénio suficiente».
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O contexto de uma habitual intoxicação por monóxido de carbono varia, no entanto, de pessoa para
pessoa, o que fez os técnicos do Instituto de Medicina legal questionar a simultaneidade da morte de
José Moreira e Elisabete Silva:
«Mas, como eu vos dizia, a velocidade a que esta morte pode ocorrer vai, naturalmente, variar de
pessoa para pessoa, e desde logo uma das coisas que me suscitou alguma perplexidade neste caso
concreto foi o facto de as duas pessoas aparecerem mortas ao mesmo tempo, como se o produto
tivesse feito a mesma ação nas duas pessoas em simultâneo, o que não é normal. Porque são
pessoas com características físicas totalmente diferentes esperar-se-ia que o produto tivesse
também níveis de atuações diferentes, que um deles tivesse falecido primeiro e o outro um
bocadinho mais tarde ou até se tivesse apercebido de que alguma coisa não estaria bem ao ver a
outra pessoa perder a consciência».
Em suma, para além da morte simultânea, a análise aos tecidos de José Moreira evidenciou uma rutura
dos alvéolos pulmonares, facto que os técnicos do Instituto de Medicina Legal afirmam de forma
perentória. Segundo Duarte Nuno Vieira, esta só pode ocorrer em duas situações:
«(…) nas asfixias mecânicas, quando resultam de uma oclusão das vias respiratórias para abafar
gritos ou para tentar matar a pessoa, tapando a boca e o nariz com as mãos, onde os esforços
respiratórios levam de facto a que os alvéolos pulmonares se possam romper; nos afogamentos,
porque a pessoa, primeiro, sustém a respiração e, depois, quando já não consegue mais, faz uma
inspiração forçada, a água entra de jacto nos pulmões e rebenta com os alvéolos pulmonares; ou
quando alguma substância é instilada de forma forçada através das vias respiratórias».
Excluída a possibilidade de afogamento, Duarte Nuno Vieira enuncia as duas possibilidades para a
morte de José Moreira:
«Se terá sido por uma oclusão do orifício respiratório, não podemos dizer se foi ou não, não temos
esses elementos, nem na altura foi feita alguma dissecção, pelo menos não está escrito no relatório
da autópsia, que eventualmente seria justificada se essa hipótese se tem perspetivado de início,
que era retirar a pele para ver — porque às vezes não ficam nestas situações aspetos a nível
externo mas podem ficar internamente e vê-se quando se rebate e quando se retira a pele da
cabeça — por debaixo as infiltrações sanguíneas e os sinais que poderiam revelar esse tipo de
situação. Agora, pode, realmente, tratar-se de uma administração forçada deste tipo de
substância química, que acaba por ser indiscutivelmente o que causou a morte».
Questionado sobre a elevada quantidade de monóxido de carbono, Duarte Nuno Vieira confirmou o
inusitado facto, mas foi menos perentório quanto às conclusões que daí poderiam resultar, na medida
em que «as análises toxicológicas e as metodologias utilizadas não eram tão sensíveis como hoje em
dia». Afirma ainda o facto de, no entanto, estas duas possibilidades não pressuporem inconsistências
com o resultado apurado das autópsias: a causa da morte de José Moreira e Elisabete Silva foi
intoxicação por monóxido de carbono. A este resultado, bem como à rutura dos alvéolos pulmonares,
deveria ter correspondido uma linha de investigação consistente, com apuramento de novos dados,
designadamente os resultados dos exames histológicos que não terão sido disponibilizados ao médico
tanatologista, Fernando Fonseca.
«Os exames histológicos, de facto, na altura, tanto quanto me lembro, não foram totalmente
considerados pelas autópsias. Mas, repito, não tenho o conhecimento exato de como é que as
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coisas se passaram na altura, estou a falar apenas daquilo a que tive acesso, da documentação
que nos foi facultada. O perito da altura era até um bom perito, pois as autópsias estão bem-
feitas, estão detalhadas e bem descritas, contrariamente às autópsias de outras vítimas no
caso Camarate que tive, anteriormente, ocasião de apreciar e que tinham algumas
insuficiências e deficiências. As autópsias destas duas vítimas estão bem elaboradas e estão
completas, estão muito bem executadas.
Agora, não sei se o perito teve os relatórios da histologia antes de concluir essas autópsias,
deveria ter tido, mas penso que, depois, nas declarações que tive ocasião de ler e que ele
prestou na altura, ele manifestou a sua surpresa quando constatou a rutura dos alvéolos
pulmonares, face ao quadro e às conclusões que tinha exarado».
Relativamente ao trabalho efetuado na perícia aos cadáveres, Duarte Nuno Vieira afirmou que teria
concluído da mesma forma, mas que poderia ter eventualmente sinalizado, em local próprio no
relatório, a falta de consistência da rutura dos alvéolos pulmonares com a tese de morte acidental:
«De qualquer forma, deixe-me dizer-lhe que, obviamente, em termos de conclusão da autópsia e
em termos da causa de morte, eu teria concluído na mesma, se estivesse na pele desse perito, que
não conheci pessoalmente, mas do qual tenho as melhores informações e que, na altura,
trabalhava no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, por monóxido de carbono. Agora o que não
teria era deixado de assinalar no relatório da autópsia, nomeadamente no capítulo «Discussão»,
que havia dados e, designadamente do ponto de vista histológico, que suscitavam alguma
perplexidade e que vinham colocar problemas e inquietações quanto à forma como esse monóxido
de carbono teria entrado naquele organismo. Isto porque aquela rutura dos alvéolos pulmonares
não é minimamente consistente com uma situação de intoxicação acidental por monóxido de
carbono, faz, repito, pensar ou numa administração forçada ou numa oclusão das vias
respiratórias, que é normalmente o quadro que leva a este tipo de rutura».
Por último, importa fazer uma breve referência ao facto de o corpo de José Moreira ter apresentado
algumas escoriações nos joelhos e no ombro esquerdo, para além de um desvio do septo e hemorragia
nasal.
3.4.2. A morte de José Moreira e Elisabete Silva e sua investigação
No dia 5 de janeiro de 1983 foram encontrados os corpos de José Moreira e Elisabete Silva, num
apartamento em Carnaxide. Na sequência do alarme dado pela porteira, dois elementos da GNR ter-
se-ão dirigido ao apartamento, seguindo-se-lhes elementos do Ministério Público de Oeiras,
elementos da Delegação de Saúde, dois agentes da Direção de Combate ao Crime e Banditismo e dois
agentes da 2ª secção do departamento de homicídios da Polícia Judiciária.
Os dois agentes da 2ª secção do departamento de homicídios da Polícia Judiciária que se deslocaram
ao local foram Mário Jorge Coimbra Mendes e Paulo Franco. Nessa altura foi difundida a ideia de que
se haveria tratado de morte por intoxicação, uma vez que haveria indicações de algum cheiro a gás.
No entanto, de acordo com o agente Herculano Morgado, também da 2ª secção e mais tarde
incumbido de investigar o ocorrido, a quantidade de gás não seria letal:
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«Sinceramente, não sei se mais tarde foi ventilada a questão — como já referi aqui — do
esquentador, mas eu não sou técnico de esquentadores, não senti nenhum cheiro brutal, mas
também… O que é que nós esperávamos? Esperávamos que aquilo fosse analisado por um
perito de esquentadores, que seria a diligência subsequente, e que dissesse, preto no branco,
depois de fazer ensaios, se era ou não um problema do esquentador».
Ficou também patente nos depoimentos aos agentes Paulo Franco e Herculano Morgado não ter sido
diligenciada uma adequada proteção do apartamento. Ambos os agentes respondiam perante
Eduardo Dias Costa, responsável por ambas a 2ª e 3ª secção de homicídios da PJ.
No dia 13 de janeiro do mesmo ano é atribuída ao agente Herculano a investigação do processo. Nesse
mesmo dia, o agente deslocou-se ao apartamento de Carnaxide acompanhado de três engenheiros –
dois da empresa ESSO Gás, Lda., e o terceiro da Associação Portuguesa de Gases de Petróleo
Liquefeitos. Nessa visita ao apartamento conclui-se o seguinte, de acordo com o relatório resultante
da investigação disciplinar da PGR aos procedimentos da PJ e do Instituto de Medicina Legal:
«(…) tanto o esquentador como o fogão estavam a queimar normalmente e não havia rutura
quer nas bilhas quer nos tubos de ligação aos referidos aparelhos (…), não se notando qualquer
fuga de gás».
Cinco dias mais tarde, no dia 18 de janeiro de 1983, uma nova inspeção ao local, nomeadamente ao
esquentador que se encontrava no apartamento, elaborada por técnicas do Instituto Ricardo Jorge,
apurou o deficiente queimar do aparelho, tendo os valores de concentração de gás no apartamento
atingido cerca de 110 ppm. Este valor foi apurado na casa de banho ao fim de uma hora e meio de
funcionamento. De acordo com o despacho da Procuradoria já mencionado, a este valor
correspondem possíveis sintomas de tonturas e dores de cabeça – a dose mortal será superior às 1000
ppm. As referidas técnicas foram acompanhadas, nesse dia, pelos agentes Herculano Morgado e Paulo
Franco.
Tal como já foi mencionado, as vítimas haviam sido encontradas inanimadas, tendo a causa da sua
morte se devido à inalação de monóxido de carbono, facto comprovado no relatório da autópsia
realizada pelo médico tanatologista Fernando Fonseca, datado de 19 de janeiro de 1983.
Paralelamente às autópsias foram realizados exames histológicos aos cadáveres, cujo resultado terá
sido entregue em mão ao agente Herculano no dia 11 de abril do mesmo ano. Os referidos resultados
indicavam, já em 1983, a rutura dos alvéolos pulmonares das vítimas, não tendo esse facto sido
transmitido ao médico tanatologista Fernando Fonseca, de acordo com declarações suas.
No dia 29 de abril é apresentado, pelo agente Herculano Morgado, o relatório que sustenta a tese de
morte acidental de José Moreira e Elisabete Silva, relatório validado por Eduardo Dias Costa e
remetido por este ao Ministério Público.
O agente Herculano Morgado afirma não se recordar de ter visto os resultados do exame histológico,
afirmando que, caso o tivesse feito, teria procedido a outras diligências:
«(…), mas não me recordo de ter lido isso, esse relatório histológico. Não me recordo de ter
recebido nada a seguir ao relatório da autópsia.
(…)
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Quer dizer, se eu visse, se eu lesse isso, claro que fazia! Nunca me poupei a esforços na questão
de investigar! Não me recordo de nesse exame se dizer que rebentaram os pulmões».
Assim, apesar de ter recebido os resultados dos exames histológicos a 11 de abril de 1983, não foi
considerado esse facto no despacho de arquivamento produzido pela Polícia Judiciária dezoito dias
mais tarde.
3.4.3. O inquérito disciplinar da PGR
No dia 28 de novembro de 2013 foram ouvidos, em sede de Comissão, os procuradores-gerais
adjuntos João Dias Borges e José Ribeiro Afonso.
Ambos os procuradores estiveram envolvidos na elaboração de um inquérito disciplinar da PGR sobre
a atuação da Polícia Judiciária e o Instituto de Medicina Legal. O mencionado inquérito ocorreu na
sequência das deficiências apontadas à investigação pela V Comissão Eventual de Inquérito ao
Acidente de Camarate.
O objetivo do inquérito foi, assim, o de apurar responsabilidades disciplinares ao Instituto de Medicina
Legal (João Dias Borges) e à atuação da PJ (a cargo de José Ribeiro Afonso). O resultado do mesmo,
validado pelo Procurador-Geral da República de então, Dr. Cunha Rodrigues, concluiu não ter sido
cometida nenhuma infração disciplinar. Corria o ano de 1992.
O relatório que resultou da referida investigação disciplinar confirmou o facto de os resultados dos
exames histológicos aos tecidos de José Moreira e Elisabete Silva apenas terem sido concluídos a 7 de
abril de 1983.
Os deputados da X CPITC demonstraram alguma estranheza pelo facto de os resultados do exame
histológicos, mencionados no relatório da PGR, não terem precipitado a reabertura do processo.
Sobre esse tema, o procurador João Dias Borges afirmou o seguinte:
«Como o Sr. Deputado sabe, a reabertura de um qualquer processo criminal tem um
procedimento próprio. Quando se está a fazer uma averiguação sobre a responsabilidade
disciplinar, essa questão passa ao lado do respetivo inquiridor. Eu, pelo menos, não sabia que
elementos estavam no respetivo processo-crime, que provavelmente existiu, mas houve um
processo de inquérito na altura. Aliás, não sei se já era inquérito ou se era instrução
preparatória, já não me recordo bem, mas houve um processo que foi aberto. Ora, todos esses
elementos a serem carreados era para lá, e nós estávamos a fazer um inquérito sobre a
responsabilidade disciplinar e não propriamente a fazer uma averiguação ou uma avaliação
do modo de decisão sobre aquele processo-crime».
Para além de se manterem separadas as áreas disciplinares e processuais, o referido procurador
menciona, no relatório, as contradições entre os diversos relatórios, para no final concluir o seguinte:
«As causas da morte mostram-se corretamente determinadas, em termos médico-legais, não
sendo adequado atribuir aos exames médico-legais qualquer correlação para se considerar que a
explicação da morte de José Moreira e companheira resultam inconsistente».
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Para a elaboração do relatório da PGR foram também tidas em contas as palavras do médico
tanatologista à III CEIAC, em 1986, que, entre outras afirmações, disse o seguinte:
«No sangue do cadáver foi revelada a presença de carboxihemoglobina atingindo a saturação
de 85%, bastante mais elevada que a considerada limite mortal. (…) há monóxido de carbono
a mais nas vítimas, (…) o monóxido de carbono é um gás leve, inodoro insípido, que sobe e que
o facto de ter descido, atingindo uma concentração dessas, é muito estranho».
Apesar destas dúvidas levantadas por Fernando Fonseca, o procurador, após análise dos factos e desse
depoimento, afirma não haver fundamento para se excluir a tese de morte acidental, como o
demonstram os seguintes pontos retirados do relatório da PGR:
«As percentagens de monóxido de carbono encontradas no Eng.º José Moreira e
companheira, não são suscetíveis de alterar as conclusões médico-legais levadas aos
relatórios autópticos, não sendo fundamento para, a partir delas, se poder concluir pela
morte acidental ou não».
«Nem o Dr. Fernando da Fonseca declarou que a morte poderia ter sido provocada por
introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse uma máscara para
anestesia, nem essa hipótese (…) tem o mínimo de fundamento em dados objetivos».
«E o que resulta apurado é que nem a testemunha referiu tal, nem elementos há, sequer,
a indiciar que a morte tenha sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no
nariz e na boca [nota do relator: este excerto consta do relatório da PGR, analisando as
declarações do médico tanatologista, Fernando Fonseca, à III CEIAC, em 1986. Nessas
declarações, Fernando Fonseca afirma o seguinte: «Se houvesse ruturas, haveria a mesma
coisa que há, por exemplo, nos afogados, ou seja, pequenas hemorragias justamente pelo
rebentamento dos alvéolos pulmonares. (…) devo dizer que essa pressão provocaria o
rebentamento dos alvéolos e, se as vítimas estavam vivas, provocava hemorragia. Em
suma, o relatório da PGR menciona parte das respostas de Fernando Fonseca à CEIAC,
mas não evidencia aquilo que foi referido sobre a rutura dos alvéolos pulmonares]».
Paralelamente, no relatório da PGR, são afirmados dois factos contraditórios, designadamente o
acesso e a falta de acesso aos resultados do exame histológico por parte do médico tanatologista –
são analisadas as declarações em que Fernando Fonseca afirma não se recordar de ter visto os
resultados, e simultaneamente é feita a seguinte dedução:
«Certo é que os relatórios dos exames histológicos deverão ter passado pelo perito tanatologista,
como era prática, e de tal modo que este teve oportunidade de os verificar».
O inquérito disciplinar da PGR confirmou ainda, e uma vez mais, que o resultado dos exames
histológicos havia sido entregue, em mão, ao agente Herculano.
O relatório da PGR foi discutido com o Vice-Procurador-Geral Dias Bravo e com o Procurador-Geral da
República, José Narciso Cunha Rodrigues e não resultou no apuramento de qualquer responsabilidade
disciplinar por parte dos elementos da PJ e Instituto de Medicina Legal envolvidos. De referir ainda
que foram ouvidos pelos procuradores os seguintes elementos da PJ: Paulo Bernardino, Lourenço
Martins, Marques Monteiro, Herculano Morgado, Mário Jorge Mendes e Artur Mendes Pinto, este
último da GNR. Eduardo Dias Costa, superior hierárquico de Herculano Morgado na 2ª secção de
homicídios da PJ, não foi ouvido.
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3.5. Outras questões
Para além das três principais áreas de incidência dos trabalhos supramencionadas, designadamente o
FDMU, a exportação de armas para o Irão e a morte de José Moreira, a X CPITC efetuou ainda
diligências junto dos antigos serviços secretos da República Democrática Alemã – a Stasi, no sentido
de aferir a existência de eventuais referências ao atentado de Camarate no vasto espólio documental
existente na cidade de Berlim.
Foram também ouvidas em sede de Comissão os confessos perpetradores do atentado,
designadamente Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda, bem como outros
indivíduos apontados por estes como tendo tido ligações ao atentado de Camarate.
Por último, foram sentidas algumas dificuldades pela X CPITC na prossecução dos seus trabalhos,
designadamente aquelas criadas pela RTP na cedência de imagens, bem como a renitência de algumas
embaixadas em ceder informação ao Parlamento, factos mencionados neste capítulo.
3.5.1. Outros depoimentos
Importa ainda referir alguns factos revelados pela primeira vez na presente Comissão de Inquérito ao
longo dos seus trabalhos.
Entre os factos mais relevantes, encontram-se aqueles trazidos ao Parlamento por Isabel Mesquita
Veiga de Macedo, secretária pessoal do então Primeiro-Ministro, Francisco Sá Carneiro.
Apesar de nunca ter sido formalmente ouvida em instâncias judiciais, a secretária de Sá Carneiro
revelou que a decisão de ir ao Porto foi tomada «uns dias antes», sendo a marcação do voo de Sá
Carneiro na TAP uma medida de back-up –procedimento habitual – caso as condições meteorológicas
fossem más. A ideia inicial era a de recorrer ao Cessna disponibilizado pela RAR, semelhante ao avião
que seria alvo de atentado, em Camarate. No entanto, a convite do Ministro da Defesa, Sá Carneiro
acabaria por prescindir do avião da RAR (que entretanto havia rumado a Lisboa), embarcando no voo
fatal. Um facto relevante do mencionado depoimento está relacionado com a desmarcação da viagem
de Sá Carneiro no voo da TAP: contrariamente à versão de Conceição Monteiro, assessora do Primeiro-
Ministro, e reiterada também na presente Comissão, Isabel Mesquita Veiga de Macedo afirmou
perentoriamente ter sido a pessoa que cancelou o voo da TAP, pouco antes do fecho do check-in.
Relevante para os trabalhos da Comissão foi também o depoimento de Diana Andringa, jornalista da
RTP.
De acordo com a jornalista, foram três as equipas da RTP a deslocar-se ao local: a primeira equipa
integrava o jornalista Henrique Garcia, a segunda, a equipa de filmagem onde seguiu Diana Andringa,
acompanhada de Margarida Marante, a terceira equipa era liderada por Joaquim Furtado. Ao chegar
ao local, a jornalista recorda-se de terem sido captadas imagens e de ter realizado um mínimo de cinco
entrevistas. O trabalho de Diana Andringa viria a passar no Jornal da Uma do dia 5 de dezembro de
1980, mas não no Jornal da Noite do mesmo dia. Estranhando o facto, a jornalista acabaria por tentar
encontrar imagens captadas pela sua equipa, não as tendo nunca conseguido encontrar – foi
mencionada a possibilidade de terem desaparecido ou de terem sido utilizadas para novas gravações.
No entanto, Diana Andringa mostrou-se convencida, na comissão, existirem ainda os brutos das
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imagens que havia captado, ao contrário do que acreditava ter ocorrido em relação às peças montadas
e aos brutos das entrevistas. Para além do trabalho recolhido no local pela equipa de Diana Andringa,
outras imagens haviam sido recolhidas, tanto por Henrique Garcia, desconhecendo ainda os
tripulantes do avião, como por Joaquim Furtado.
Por último, importa dar uma breve nota a um documento escrito pelo piloto Luís Garção e entregue à
Comissão10, reiterando a enorme perícia demonstrada pelo piloto Jorge Albuquerque aquando do
atentado de Camarate, designadamente ao tentar manter o avião sob controlo, em condições
extremamente difíceis. A importância do referido testemunho esclarece, uma vez mais, possíveis
dúvidas que tenham surgido, nomeadamente durante a investigação, sobre o piloto.
3.5.2. A Stasi
A X CPITC deliberou enviar aos arquivos da antiga polícia secreta da República Democrática Alemã – a
Stasi – um pedido de informação relativo a alguma referência existente no seu espólio ao atentado de
Camarate. A razão para o pedido prendeu-se com o facto de, ao longo dos anos e das distintas
Comissões Parlamentares de Inquérito, ter sido veiculada a possibilidade do conhecimento da Stasi
sobre pormenores do atentado.
No entanto, a resposta proveniente da Alemanha foi negativa, não tendo sido encontrada qualquer
informação relevante.
3.5.3. As diferentes versões sobre o dia 4 de dezembro de 1980
Havendo sido as declarações de Fernando Farinha Simões um dos fundamentos para a constituição
de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, importa fazer refletir, de
forma objetiva, as confissões entregues por Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda
à X CPITC, bem como as suas declarações em sede de Comissão relativamente à preparação e
perpetração do atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa.
Uma vez que as declarações foram proferidas em distintas sessões com múltiplas divergências, optou-
se por colocar os elementos comuns aos diversos depoimentos, numa narrativa sem excertos, não
sem antes fazer a ressalva da marcada animosidade, incoerência e bipolar postura dos depoentes,
reiterando o facto de se tratar de uma versão muito discutível dos eventos11.
Versão resumida dos depoimentos de Fernando Farinha Simões, José Esteves, Carlos Miranda, Elza
Simões e Victor Pereira
Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda ter-se-ão conhecido em Luanda, antes de
1974, aquando do serviço militar. A partir de 1975 terão participado nos CODECO (significando
“Comandos Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental”), organização destinada a defender, se
necessário por via de guerrilha e com recurso a atos de violência, os “valores do Mundo Ocidental”,
10Cf. anexo 16 11 A este propósito, a maioria dos representantes dos familiares das vítimas subscreveu uma declaração conjunta, tal como consta do anexo 15.
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segundo a sua própria definição. Entre 1974 e 1976, Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos
Miranda terão participado na referida rede bombista.
Fernando Farinha Simões terá, alegadamente, trabalhado para a CIA a partir de 1975, sendo Frank
Carlucci o seu interlocutor de referência.
Entre setembro e outubro de 1980, Fernando Simões terá solicitado a José Esteves a sua colaboração
numa operação concreta, necessária por haver no seio da AD elementos que estariam a criar
problemas ao transporte de armas. Fernando Simões refere que esta operação terá sido paga e
mandada executar pela CIA. Terá também informado Carlos Miranda da operação, indicando que nela
participaria Lee Rodrigues, solicitando-lhe apoio a José Esteves no fabrico de um engenho explosivo
para esta operação. Carlos Miranda terá aceitado, tendo ficado vários dias a trabalhar neste engenho
em casa de José Esteves.
Alegadamente entre setembro e novembro de 1980, Farinha Simões terá tido diversas reuniões no
Hotel Sheraton, em Lisboa, com Gary Van Dyk, dos serviços secretos sul-africanos, mas que também
colaborava com a CIA e com americanos dos serviços secretos, entre os quais Frank Sturgis.
No início de novembro de 1980, Farinha Simões terá convidado José Esteves a participar numa reunião
num barco fundeado em Cascais, onde se encontram cerca de oito pessoas, entre as quais Lee
Rodrigues, Frank Sturgis e mais quatro cidadãos americanos. Terá sido referido ser necessário
organizar uma operação para breve, em Lisboa, para o derrube de um pequeno avião. Para esse fim
Frank Sturgis terá entregado 200.000 USD a José Esteves, referindo que os mesmos deveriam ser
utilizados no fabrico de uma bomba.
Ainda nesse mês, José Esteves e Farinha Simões terão ido ao Hotel Altis, em Lisboa, onde Juanita
Valderrama, mulher do Major Canto e Castro, lhes teria entregado um embrulho com material para o
fabrico de uma bomba para ser utilizada no atentado em preparação. José Esteves terá levado o
referido material para sua casa na Rua Elias Garcia n.º 111, no Cacém, onde terá fabricado um engenho
explosivo. No apartamento terão sido frequentes as visitas de Farinha Simões e Carlos Miranda.
João Pedro Dias, que se dedicava a pequenos furtos, terá conseguido, a pedido de Fernando Simões,
furtar o cartão de Miguel Wahnon, funcionário da TAP, de modo a permitir a entrada no aeroporto a
José Esteves. Terá ainda sido obtida uma farda de piloto para Sinan Lee Rodrigues
Cerca do dia 1 de dezembro, terá ocorrido uma reunião num palácio conhecido como o Palácio
Roquete, em Lisboa, que, sendo normalmente frequentado por retornados, oferecia condições para
que esta reunião se realizasse de forma discreta. Terão participado Farinha Simões, José Esteves, o
Major Canto e Castro, Carlos Miranda e Sinan Lee Rodrigues. O Major Canto e Castro, ouvido pela
Comissão via teleconferência, negou perentoriamente conhecer qualquer um dos alegados agentes
envolvidos no atentado de Camarate. Fernando Simões terá revelado que a operação ocorreria dentro
de dias e que o alvo seria o Eng.º Adelino Amaro da Costa, que estaria a realizar uma investigação
sobre o tráfico de armas em Portugal. A referida operação teria como objetivo a proteção dos
beneficiários do referido negócio com armamento. É referido por Farinha Simões que Lee Rodrigues
tinha sido contratado para esta operação para colocar o engenho explosivo fabricado por José Esteves.
Na tarde do dia 4 de dezembro José Esteves ter-se-á dirigido de carro com Farinha Simões para o
aeroporto da Portela, onde se terão encontrado com Lee Rodrigues, a quem é entregue o engenho
produzido por José Esteves. Farinha Simões ter-se-á ainda encontrado com Frank Sturgis no
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aeroporto, de onde terá contactado William Hasselberg, que trabalharia na embaixada dos EUA em
Lisboa e que terá colaborado na operação.
Quando, já depois das 20 horas, o avião Cessna descola, Frank Sturgis e Farinha Simões estariam no
final da pista, do lado de fora do aeroporto, perto de uma carrinha Ford Transit que usariam para seu
transporte pessoal. Uns segundos após descolagem do avião, Frank Sturgis terá acionado um controle
remoto que terá feito explodir a bomba colocada por Lee Rodrigues na parte inferior do avião,
provocando a sua queda em Camarate. Pela forma como deflagrou, esta bomba poderá não ter sido,
contudo, aquela fabricada por José Esteves e Carlos Miranda, mas outra, mais sofisticada,
alegadamente fornecida pela CIA a Farinha Simões.
José Esteves deixaria o aeroporto encontrando-se com Farinha Simões e com Elsa Simões no
cabeleireiro “Baeta”, no centro comercial de Alvalade, onde esta trabalhava. Daí terão seguido para a
casa de Farinha Simões, em Odivelas, onde terão visto as notícias da queda do avião. José Esteves terá
sido surpreendido, uma vez que desconhecia que Sá Carneiro ia no avião. Depois de ver as notícias na
TV, José Esteves terá feito alguns telefonemas para o Tenente-Coronel Lencastre Bernardo, com quem
se encontraria mais tarde. Lencastre Bernardo terá referido a José Esteves para ficar descansado não
só porque a investigação da queda do avião não teria consequências para ele, mas também porque o
engenho que José Esteves fabricou não teria sido utilizado na operação, e não podia, portanto, ter
sido a causa da queda do avião. O Tenente-Coronel Lencastre Bernardo repudiou, em sede de
Comissão, todas as afirmações relacionando-o com José Esteves e Fernando Farinha Simões.
Em 1981 ou 1982, Melo Alves, que trabalhava com a Polícia Judiciária e que conhecia José Esteves
desde há vários anos, haverá telefonado a José Esteves, colocando-o em contacto com um agente da
PJ que, mais tarde, José Esteves identificaria como Victor Pereira. José Esteves terá revelado alguns
pormenores do atentado de Camarate, pedindo em troca a sua ajuda jurídica. Terá também contado
ter participado ativamente no atentado de Camarate, perguntando qual a possibilidade de não ser
acusado pelo ato, caso se mostrasse arrependido e confessasse. A conversa não teve seguimento,
uma vez que José Esteves não se terá identificado ao telefone.
Em 1985, resultado de muito ruído em torno do tema Camarate, José Esteves terá ido para o Brasil,
contando com uma ajuda de 750 contos que lhe é entregue por Farinha Simões, ajuda alegadamente
obtida junto da embaixada dos EUA.
Ainda nesse ano, Farinha Simões é preso por tráfico de drogas e colocado na prisão de Sintra, onde se
terá encontrado com Victor Pereira, agora recluso. Alegadamente ter-lhe-á confessado haver
participado no atentado de Camarate, juntamente com José Esteves. Um ano mais tarde, com
eventual ajuda de elementos da CIA, Farinha Simões consegue fugir da prisão em Sintra, viajando de
seguida para o Brasil, onde se encontra frequentemente com José Esteves. Aí, Farinha Simões ter-lhe-
á contado, pela primeira vez, que sabia que Sá Carneiro estaria a bordo do avião, tendo a operação
sido aprovada pela CIA, através de Frank Carlucci.
Em 1994 Farinha Simões regressa a Portugal. Em 1995 é novamente preso, acusado de tráfico de
droga. Nesse mesmo ano, José Esteves também regressa a Portugal.
Enquanto reclusos em Portugal, tanto Fernando Farinha Simões, em 1995, como Carlos Miranda, em
1998, terão recebido visitas de procuradores do Ministério Público ou de agentes da Polícia Judiciária,
tendo-lhes sido proposta ajuda caso se mantivessem em silêncio quanto ao atentado de Camarate.
José Esteves, em 1996, terá também sido contactado pela Polícia Judiciária no mesmo sentido. Os
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contactos feitos com Farinha Simões e José Esteves terão sido realizados pelo procurador do
Ministério Público, Fernando Vaz Ventura.
É convicção declarada de três dos depoentes que Camarate foi um crime organizado pela CIA, com a
colaboração do Major Bernardo Canto e Castro, com o objetivo de eliminar pessoas ligadas à Aliança
Democrática, nomeadamente o Eng.º Adelino Amaro da Costa, que estavam a dificultar, em Portugal,
o tráfico e a exportação de armas. Como já acima referido, o Major Canto e Castro, ouvido pela
Comissão via teleconferência, negou perentoriamente qualquer envolvimento no atentado de
Camarate, bem como conhecer qualquer um dos alegados agentes.
Sobre o tema da CIA foram ainda ouvidos Alan Weberman, autor do livro Golpe na América: a CIA e o
assassinato de JFK e Jim Hunt, sobrinho de Frank Sturgis. Ambos os americanos colocam Sturgis na
esfera da CIA, embora formalmente exterior a esta, facto mencionado anteriormente por Farinha
Simões. A CIA, em resposta à X CPITC, desmentiu formalmente a possibilidade de Frank Sturgis ter
trabalhado para a agência.
É opinião unânime de Farinha Simões, José Esteves, Elza Simões, Carlos Miranda e Victor Pereira que,
três deles, Fernando Farinha Simões e José Esteves participaram no atentado de Camarate como seus
autores materiais, embora em graus distintos.
Estes depoentes consideram também que tanto a Polícia Judiciária como a Procuradoria-Geral da
República nunca quiseram investigar a queda do avião, intimidando qualquer pessoa que defendesse
a tese do atentado, ocultando assim provas que apontassem para um atentado.
3.5.4. As dificuldades da X CPITC
Ao longo dos trabalhos da Comissão foram evidenciadas algumas dificuldades na prossecução dos
trabalhos. Algumas dessas dificuldades tiveram origem na ocultação deliberada de informação por
parte de diversas entidades, outras houve que decorreram do inexorável passar do tempo, com a
consequente perda de referências e memória relativamente aos factos ocorridos há cerca de 34 anos.
Nalguns casos, a passagem do tempo serviu também de confortável alibi para a omissão de
informação.
3.5.4.1. MNE/MDN/EMGFA
Apesar de vários esforços e insistências, não foi possível localizar nem junto do EMGFA, nem junto do
MDN, nem junto do MNE, determinada correspondência muito relevante, mencionada na Auditoria
às Contas do Gabinete do CEMGFA, no período compreendido entre os anos de 1974 a 1981 – esta
auditoria foi efectuada pela IGF em paralelo e no contexto das averiguações sobre o FDMU.
Essa correspondência vem identificada no livro de registo de correspondência do gabinete do
CEMGFA, correspondendo-lhe os números de entrada 677 e 678, de 2 e 9 de dezembro de 1980, e 42,
de 22 de janeiro de 1981 – e foi relevada pelos auditores. Todos estes três conjuntos de documentos
vêm identificados como respeitando “EXPORTAÇÃO DE MATERIAL DE GUERRA PARA O IRÃO”,
constando aparentemente, segundo os verbetes no livro citado, de ofícios cruzados entre aqueles três
organismos, bem como as notas e informações de serviço pertinentes, entre outros anexos.
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Esse expediente oficial , cuja importância foi transmitida já à VIII CPITC, em 2004, nunca, porém, foi
encontrado, não existindo, aparentemente, mais do que as menções constantes do aludido livro de
registo de correspondência.
A X CPITC deplorou o desaparecimento e a impossibilidade de análise desta importante
documentação, fundamental para aclarar plenamente o seu sentido e conteúdo, sobretudo quando a
correspondência ocorre em datas do maior interesse para o esclarecimento do atentado: 2 e 9 de
dezembro de 1980 e 22 de janeiro de 1981. E estranha o seu simultâneo desaparecimento – e de
qualquer cópia – dos arquivos de todos os três organismos (EMGFA, MDN e MNE), incluindo o ofício
n.º 319 da SG/MNE de 28 de novembro de 1980.
O grupo parlamentar requerente, o CDS, requereu, na mesma oportunidade, que o Governo
procedesse a “rigoroso inquérito urgente quanto ao seu eventual descaminho e desaparecimento”. É
o que caberá agora efectuar, quando se confirma, infelizmente, segundo as últimas informações
oficiais recebidas, que “apesar de todos os esforços desenvolvidos, não foi possível obter elementos
referentes às alíneas b) e c) do ofício 154/ XCPITC/2013”.
3.5.4.2. RTP
Na sequência do depoimento de Diana Andringa, a X CPITC deliberou, sustentada na autorização da
mencionada jornalista em dispor do seu arquivo referente à queda do Cessna, requerer à RTP as
imagens em bruto captadas na noite de 4 de dezembro, designadamente aquelas recolhidas em
Camarate. De acordo com o requerimento apresentado, foi solicitado o «envio das peças jornalísticas
de 4 de dezembro de 1980, não editadas, bem como todas as imagens recolhidas no local do acidente
e não editadas».
Para além de ter alegado a liberdade de imprensa e a ausência de obrigação de revelação das fontes
de informação, a empresa pública recorreu à Justiça, alegando a prescrição do crime ocorrido nos céus
de Camarate.
Havendo perdido o processo no Tribunal da Relação de Lisboa, que deu razão à CPI [«relevância das
imagens inéditas», «respeito pela decisão do parlamento de constituir a comissão de inquérito»,
«fontes documentais e não fontes pessoais» de informação»], a empresa pública recorreu ao Supremo
Tribunal de Justiça, tendo, por essas razões, sido deliberada a suspensão dos trabalhos da Comissão.
O Supremo Tribunal de Justiça deliberou em favor dos quesitos da X CPITC, tendo a RTP enviado um
conjunto de gravações manifestamente insuficiente face àquilo que é público ter sido mostrado em
televisão, naquela noite. O conjunto de imagens rececionado acabou por não corresponder às
expectativas da Comissão, na medida em que não poderão corresponder às filmagens recolhidas,
naquela noite, em Camarate. É possível ver, no Youtube, imagens captadas pelos repórteres da RTP
que não foram enviadas à CPI.
3.5.4.3. Embaixadas
Na sequência dos trabalhos da CPI, designadamente das audições que efetuou a Farinha Simões, foi
deliberado um conjunto de requerimentos destinados às embaixadas dos EUA, Reino Unido e
República Federal da Alemanha, no sentido de conseguir alguma informação que corroborasse ou
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desmentisse as acusações trazidas por este a nacionais ou mesmo a autoridades dos referidos países.
Relativamente à embaixada dos Estados Unidos da América em Lisboa, foi solicitada a informação se
Oliver North havia estado em Portugal em 1980, bem como o paradeiro de William Hasselberg, que
terá trabalhado na embaixada nesse ano. Nenhuma resposta nem qualquer informação foram
prestadas à Comissão Parlamentar de Inquérito.
3.5.4.4. Testemunha número dois
Na oitava Comissão Parlamentar de Inquérito foi ouvida uma testemunha, conhecida como
testemunha número dois, que veio depor ao abrigo do regime jurídico para proteção de testemunhas.
A referida testemunha, cujo trabalho teria passado pela Explosivos da Trafaria, afirmou ter visto, na
referida empresa, um relatório do Ministério da Defesa Nacional sobre o tráfico de armas, tendo
também ouvido o General Pinto de Resende afirmar que o assunto era grave e que alguma coisa teria
que ser feita. Estas palavras foram proferidas a 16 de outubro de 1980. A testemunha afirmou também
ter-se deparado, nas instalações da Explosivos da Trafaria, com Lee Rodrigues e José Esteves.
Por ir de encontro a relatos públicos e abordados também na presente Comissão, afigurava-se
relevante ouvir novamente a testemunha número dois, designadamente aceder a um documento que
a mesma teria entregado no Supremo Tribunal de Justiça relativo ao tráfico de armas em Portugal,
nomeadamente no ano de 1985.
A X CPITC não conseguiu, todavia, contactar a testemunha número dois, frustrando-se as inúmeras
tentativas e diligências nesse sentido.
3.5.4.5. Tempo e Memória
Importa ainda tecer uma breve consideração sobre factos evidenciados durante a presente Comissão
de Inquérito.
Volvidos mais de trinta anos sobre o atentado de Camarate, é natural e compreensível que a memória
sobre os factos ocorridos seja parca ou mesmo inexistente. No entanto, foi notório nos trabalhos da
presente Comissão a existência de três tipos de depoimentos: os depoimentos daqueles que de tudo
se recordavam, os depoimentos dos que de pouco se recordavam e os depoimentos daqueles que de
tudo se tinham esquecido.
Considerando que as três posturas são compreensíveis dada a amplitude do horizonte temporal, não
é nem foi legítima a postura de muitos depoentes que, não se recordando, nada fizeram para estudar
sobre o tema – mesmo quando, por exemplo, havia relatórios feitos por si mesmos sobre os eventos,
como não é legítima a evidente desresponsabilização de alguns depoentes por atos por si praticados
com o argumento de que já passou muito tempo.
Infelizmente, o tempo, aliado à falta de vontade, poderão acabar por não permitir um esclarecimento
inequívoco do que ocorreu na noite de 4 de dezembro de 1980.
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4. Conclusões
4.1. As Comissões Parlamentares de Inquérito à Tragédia de Camarate
I. A CPI dá como reproduzidas as conclusões das anteriores comissões designadamente as da V,
VI e VIII Comissões Parlamentares de Inquérito à Tragédia de Camarate.
4.2. Considerações iniciais
II. Apesar dos trabalhos da presente CPI não terem incidido primordialmente sobre os
pormenores técnicos do atentado, dos depoimentos dos Professores José Cavalheiro e
Henrique Botelho de Miranda se conclui e reitera, uma vez mais, ter-se devido a um atentado
a queda do Cessna na noite de 4 de dezembro de 1980.
4.3. O Fundo de Defesa Militar do Ultramar
III. O FDMU, destinado a satisfazer encargos originados pelas forças militares portuguesas no
Ultramar, continuou a operar após o final da guerra do Ultramar.
IV. As contas anuais do FDMU não foram aprovadas nos anos de 1978, 1979 e 1980 pelo CEMGFA,
General Ramalho Eanes.
V. O Decreto-Lei 548/80 de 18 de novembro refere a extinção formal do FDMU, mas não o
extingue materialmente, tendo ocorrido a prática de atos que se encontravam em curso após
a entrada em vigor do referido diploma.
VI. Apesar de extinto formalmente, o saldo do FDMU não integrou as contas gerais do Estado,
tendo sido transferido para um fundo privativo criado no EMGFA, que dele dispôs até 1993.
VII. É possível dizer-se que o FDMU apenas foi extinto, do ponto de vista material, em 1993.
VIII. O saldo final do FDMU, coincidente com o saldo inicial do fundo privativo do EMGFA, atingiu
cerca de 510 milhões de escudos, valor que, aos dias de hoje, corresponderia a cerca de 27
milhões de euros.
IX. O saldo final do fundo privativo do EMGFA atingiu cerca de 29 milhões de escudos, no ano de
1993, que aos dias de hoje corresponderia a cerca de 25 mil euros.
X. A resposta do General Ramalho Eanes às questões efetuadas pelos deputados da X CPITC
apresentou algumas inconsistências face aos factos apurados pela auditoria ao FDMU levada
a cabo pela IGF, designadamente quanto ao cumprimento da regularidade financeira do
fundo.
XI. Entre 1982 e 1992 foram apresentadas as contas anuais de gerência do fundo privativo do
EMGFA, tendo-se verificados gastos não documentados com obras e construções, entre
outros.
XII. Entre 1982 e 1988 existem referências a despesas com origem no fundo privativo do EMGFA.
Destas despesas destacam-se transferências para fundos autónomos pertencentes a
entidades dos ramos das Forças Armadas (117 milhões de escudos em 1982 e 8 milhões de
escudos em 1986), para o Estado-Maior do Exército (25 milhões de escudos em 1982), bem
como despesas com construções e grandes reparações, por parte do EMGFA (19 milhões de
escudos em 1982 e 2 milhões de escudos em 1986).
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XIII. Não foi possível corroborar documentalmente a veracidade das despesas em obras e
reparações por parte do EMGFA.
XIV. O Conselho da Revolução tomou a decisão, a seu próprio favor e em dissonância com parecer
não vinculativo da Comissão Constitucional relativo ao artigo 3.º do DL 548/80, de 18 de
novembro, de não declarar a inconstitucionalidade deste diploma legal por si mesmo
elaborado e aprovado.
XV. Nos termos deste DL 548/80, de 18 de novembro, o Conselho da Revolução procedeu à
extinção do FDMU, transferindo o seu saldo para um fundo privativo gerido pelo Conselho de
Administração do EMGFA.
XVI. Não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre o FDMU e o atentado de Camarate.
4.4. A exportação de armas
XVII. Em finais de 1980, a exportação de armas necessitava de aprovação por parte do Governo,
designadamente por parte do Ministro da Defesa e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
XVIII. Habitualmente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não se pronunciaria em favor ou em
contra a exportação de armamento, remetendo essa decisão para o Ministro da Defesa.
XIX. O Governo liderado por Francisco Sá Carneiro pediu esclarecimentos adicionais relativamente
à exportação de armas para países como a Guatemala, Argentina e Indonésia.
XX. Houve lugar ao transbordo de munições de um avião israelita para um avião da Iran Air, no
aeroporto da Portela, no ano de 1980.
XXI. Essa ocorrência poderá ter estado na origem da notícia publicada no diário Portugal Hoje,
intitulada “Armas Portuguesas para o Irão”.
XXII. Na sequência dessa notícia, o Governo português emitiu uma nota conjunta afirmando que
não autorizou nem autorizaria a exportação de armas para o Irão.
XXIII. Confirmou-se, igualmente, que vigorou a partir de 21 de abril de 1980 um embargo comercial
ao Irão, que incluiria armamento, e que terá vigorado até janeiro de 1981, altura em que
outros países europeus levantam o referido embargo.
XXIV. Alpoim Calvão, chamado à CPI pelo seu papel na empresa Explosivos da Trafaria, afirmou ter
ocorrido o transbordo de munições já referido. Confirmou igualmente ter havido lugar à
exportação legal de armas para o Irão, no ano de 1981.
XXV. Adelino Amaro da Costa pediu esclarecimentos adicionais sobre a expedição de armas para o
Irão, dois dias antes do atentado.
XXVI. Da análise à entrada de correspondência no Gabinete do CEMGFA, é possível apurar a
expedição de armas para o Irão a 9 de dezembro de 1980, cinco dias após o atentado.
XXVII. Foi também possível apurar o envio de material militar para o Irão no dia 26 de janeiro de
1981.
4.5. A morte de José Moreira
XXVIII. José Moreira e Elisabete Silva foram encontrados sem vida no dia 5 de janeiro de 1983, tendo
a causa da morte sido por inalação de monóxido de carbono.
XXIX. Estava agendado o depoimento de José Moreira na I Comissão de Inquérito à Tragédia de
Camarate, depoimento que acabou por não ocorrer.
XXX. A morte de José Moreira e Elisabete Silva foi dada como acidental pela Polícia Judiciária.
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XXXI. A análise dos tecidos, elaborada a solicitação da X CPITC por Nuno Duarte Vieira e Rosa
Henriques Vieira, do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, acabaria por evidenciar
ruturas nos alvéolos pulmonares de José Moreira e Elisabete Silva.
XXXII. A rutura dos alvéolos pulmonares, em situações de morte por monóxido de carbono, resulta
de duas situações: afogamento ou asfixia mecânica.
XXXIII. Excluída a possibilidade de afogamento, a explicação para a rutura dos alvéolos pulmonares
de José Moreira reside apenas e só numa situação de asfixia mecânica.
XXXIV. A disposição dos corpos, bem como algumas marcas encontradas nos cadáveres e a virtual
impossibilidade de os elevados níveis de monóxido de carbono advirem do esquentador,
indicam que não se terá tratado de suicídio.
XXXV. Acrescendo a este facto os elevados níveis de carboxihemoglobina, a simultaneidade da morte
de José Moreira e Elisabete Silva, a elevada probabilidade de, mesmo estando todas as
torneiras de gás abertas, não haver níveis de monóxido de carbono suficientes que justifiquem
os valores encontrados nas vítimas, conclui-se que a morte de José Moreira e Elisabete Silva
não só não foi acidental, como terá sido provocada por terceiros.
XXXVI. A autópsia de ambos os cadáveres, elaborada pelo médico tanatologista Fernando Fonseca, e
cujo relatório foi apresentado a 19 de janeiro de 1983, terá sido bem realizada.
XXXVII. Caso tivesse havido cruzamento da referida informação com os resultados dos exames
histológicos, que demonstravam rutura dos alvéolos pulmonares e que só viriam a ser juntos
ao processo a 11 de abril de 1983, teria sido possível excluir, já em 1983 e com elevado grau
de probabilidade, a tese de morte acidental.
XXXVIII. Ao médico tanatologista não terão sido disponibilizados os resultados dos exames
histológicos, facto cuja responsabilidade se atribui à Polícia Judiciária.
XXXIX. A investigação da Polícia Judiciária falhou na investigação às causas da morte de José Moreira,
designadamente ao não ter em consideração elementos relevantes do exame histológico aos
tecidos das vítimas.
XL. A investigação disciplinar conduzida pela PGR não identificou falhas relevantes na atuação da
Polícia Judiciária e Instituto de Medicina Legal.
XLI. A investigação disciplinar produziu um relatório que omite, de forma gritante, factos
relevantes que poderiam não só confirmar uma deficiente atuação por parte da Polícia
Judiciária como resultar na possibilidade de exclusão da tese de morte acidental de José
Moreira e Elisabete Silva.
XLII. Pelo relatório se conclui que esta omissão terá sido deliberada, tendo tido, como único
objetivo, a corroboração da tese inicial aventada pela Polícia Judiciária.
XLIII. A investigação disciplinar e os seus resultados terão tido o aval do então Procurador-Geral da
República, Cunha Rodrigues.
4.6. Outros depoimentos
XLIV. Foi confirmado o desaparecimento do espólio da RTP das imagens captadas pela equipa que
integrava a jornalista Diana Andringa na noite de quatro de dezembro, em Camarate.
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4.7. A Stasi
XLV. AS autoridades alemães responderam que não lhes foi possível encontrar, nos arquivos da
antiga polícia secreta da República Democrática Alemã, qualquer dado referente ao atentado
que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa.
4.8. As diferentes versões sobre o dia 4 de dezembro de 1980
XLVI. Não é possível retirar dos depoimentos dos confessos perpetradores do atentado de
Camarate, designadamente Fernando Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda qualquer
elemento coerente, inequívoco e irrefutável que permita um melhor esclarecimento do
ocorrido a 4 de dezembro de 1980.
XLVII. O direito ao bom nome das pessoas envolvidas nas acusações dos confessos perpetradores
leva a CPI a afirmar que as sucessivas declarações de Farinha Simões e José Esteves são,
sobretudo, uma versão incoerente e não comprovada dos trágicos acontecimentos que
conduziriam à tragédia de Camarate, podendo relevar apenas para atribuição das suas
próprias responsabilidades, e não quanto a terceiros, uma vez que carecem de outros
elementos objetivos de suporte, confirmação e prova.
4.9. Conclusões finais
XLVIII. A queda do avião em Camarate, na noite de 4 de dezembro, deveu-se a um atentado.
XLIX. O Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi formalmente extinto, mas permaneceu ativo sob a
forma de um fundo privativo até 1993, tendo sido utilizados cerca de 481 milhões de escudos
neste período sem qualquer escrutínio. O saldo inicial do fundo privativo, em 1981, e
calculado aos dias de hoje, equivaleria a cerca de 30 milhões de euros. O saldo final, em 1993,
corresponderia a cerca de 25 mil euros.
L. Foram confirmados o transbordo de armas para o Irão em 1980 e a exportação de armas para
o mesmo país, pelo menos, em 1980 e 1981, mesmo após o corte de relações comerciais com
o Irão e com a inexistência de autorização de exportação de armamento por parte do Ministro
da Defesa.
LI. Ficou provada a preocupação do Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, face às
irregularidades no funcionamento do Fundo de Defesa Militar do Ultramar e quanto ao
possível tráfico de armamento em Portugal.
LII. Os Governos liderados quer por Diogo Freitas do Amaral quer por Francisco Pinto Balsemão
não tomaram as diligências necessárias no sentido de dar seguimento às preocupações
manifestadas por Adelino Amaro da Costa.
LIII. A expedição de material militar para o Irão, nos anos de 1980 e 1981, vem referida na auditoria
da IGF às contas do Gabinete do EMGFA, designadamente como tendo ocorrido a 9 de
dezembro de 1980 e a 26 de janeiro de 1981.
LIV. Foi evidenciado que José Moreira e Elisabete Silva foram assassinados no início de janeiro de
1983.
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LV. Embora seja equacionável que o motivo para o duplo homicídio esteja relacionado com as
revelações que José Moreira havia afirmado ir produzir no seu futuro depoimento em sede de
Comissão Parlamentar de Inquérito, não foi possível estabelecer um nexo de causalidade
entre a sua morte e o atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro e o Ministro da
Defesa.
LVI. A atuação da Polícia Judiciária na investigação à morte de José Moreira e Elisabete Silva foi
deficiente e apresentou lacunas inequívocas, sendo difícil crer que se tenha devido, apenas, a
eventuais descuidos.
LVII. A atuação da Procuradoria-Geral da República, designadamente no inquérito disciplinar de
1992 à atuação da Polícia Judiciária e Instituto de Medicina Legal no caso da morte de José
Moreira e Elisabete Silva foi, também ela, deficitária, com gritantes e evidentes lacunas, sendo
igualmente difícil crer que se tenha devido, apenas, a eventuais descuidos.
5. Recomendações
Finda a décima Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate e passados trinta e quatro
anos sobre o atentado que vitimou, entre outros, o Primeiro-Ministro, Francisco Sá Carneiro e o
Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, o presente relatório vem recomendar à Assembleia da
República a criação de um arquivo sobre Camarate, digitalizado, contendo todo o espólio documental
relativo ao atentado e posterior colocação de todo o acervo no sítio oficial do Parlamento.
De igual forma, considera-se importante recomendar ao Governo proceder à salvaguarda documental
do acervo do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, cuja importância histórica será aferida com maior
distanciamento temporal.
Paralelamente, considera a X CPITC ser da maior relevância que o Governo determine a abertura de
um rigoroso inquérito que permita esclarecer cabalmente o desaparecimento dos arquivos de EMGFA,
MDN e MNE da correspondência oficial cruzada entre estes três organismos com referência a
exportação de material de guerra para o Irão, nas datas de 2 e 9 de dezembro de 1980 e 22 de janeiro
de 1981. Esta correspondência foi identificada pela IGF no livro de registo de correspondência do
Gabinete do EMGFA, havendo notícia oficial de que terão desaparecido todos os respetivos originais
e quaisquer cópias, incluindo dos respetivos anexos.
Assembleia da República, 23 de junho de 2015,
O Deputado Relator, Pedro do Ó Ramos.
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Anexos
A este relatório, pese embora a recomendação final, importa anexar um conjunto de documentos que
se consideram essenciais para compreender o tema.
Assim, anexam-se ao relatório:
Sobre o FDMU
1. Auditoria Final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU)
2. Atas dos depoimentos dos inspetores da IGF
Sobre a Exportação de Material Militar
3. Ata do depoimento do Comandante Alpoim Calvão
4. Notícia do diário Portugal Hoje, intitulada “Armas Portuguesas para o Irão”
5. Nota oficiosa do Governo de Sá Carneiro sobre a notícia do Portugal Hoje
6. Relatório da Auditoria às Contas do Gabinete do CEMGFA do período de 1974 a 1981 (págs.
46/56 e 47/56)
Sobre a Morte de José Moreira
7. Inquérito Disciplinar da PGR à atuação da Polícia Judiciária e Instituto de Medicina Legal no
âmbito da investigação à morte de José Moreira
8. Ata do depoimento de Duarte Nuno Vieira, então Presidente do Instituto de Medicina Legal
9. Ata do depoimento do agente Herculano Morgado
10. Ata dos depoimentos dos procuradores João Dias Borges e José Ribeiro Afonso
11. Relatório dos exames histológicos a José Moreira
Sobre a RTP
12. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
13. Ata do depoimento de Diana Andringa
Sobre o Atentado de Camarate
14. Ata de José Cavalheiro e Henrique Botelho de Miranda
Sobre as audições aos confessos perpetradores do atentado de Camarate
15. Declaração dos representantes dos familiares das vítimas, de 24 de junho de 2013
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SUA REFERÊNCIA SUA COMUNICAÇÃO DE NOSSA REFERÊNCIA W: 2908
ASSUNTO:
ENT.: 2386 PROC. No:
X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate. Auditoria final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU).
Rosa
DATA Z0/0512014
Encarrega-me a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade de junto enviar, para os devidos efeitos, cópia do ofício n. o 598, de 20 de maio, oriundo do Gabinete da Senhora Ministra de Estado e das Finanças, relativo ao assunto mencionado em epígrafe.
Com os melhores cumprimentos,
A Chefe do Gabinete
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REFERÊNCIA NOSSA REFERÊNCIA ENT.: 2224/2014 PROC. 08.06
Assunto: Comissão Parlamentar de à de Camarate. Auditoria final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU).
Exma. Senhora,
Encarrega-me S. E a Ministra de Estado e das Finanças de enviar a V. Exa fotocópia do Relatório n° 548/2014, da Inspeção-Geral de Finanças, sobre o assunto referenciado em epígrafe, no qual exarou o despacho n. 0 99/14/MEF, do seguinte teor:
"Concordo. 19.05.2014 a) Maria Luís Albuquerque"
Com os melhores cumprimentos,
A Chefe do Gabinete
Cristina Sofia Dias
C/c: MPAP, MDN, IGF
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Concordo com o presente Relatório, o qual evidencia o resultado da auditoria solicitada à IGF pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, sendo de assinalar que, apesar do tempo ~ decorrido desde os acontecimentos ter prejudicado significativamente a ação, foi, na generalidade, possível obter informação que permite responder aos objetivos definidos, conforme se conclui no ponto 5
À consideração superior. IGF, 11 de abril de 2014
RELATÓRIO: N° 548/2014 Proc.o N° 2013/163/M1/938
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ragéd
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Concordo com o presente c qual evidencia o resultado da auditoria solicitada à IGF pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à de
sendo de assinalar que, apesar do tempo decorrido desde os acontecimentos ter significativamente a possível obter que permite aos objetivos definidos, conforme se conclui no ponto 5.
À rm"l<;LrlPirrir'"'" IGF, 11 de abri! de 2014
RElATÓRIO: N° 548/2014 Proc.o NO 2013/163/Ml/938
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Assembleia da !..>r-t:>C!rlonrl::> e dos Assuntos
Parlamentares que, ""''""'".'" fosse realizada uma auditoria final ao Fundo de Defesa fv'lilitar do Ultramar atentOS OS nni'1Plr)::>C: que estão conferidos comissões parlamentares de
A ação pretende o esclarecimento de todas as dúvidas surgidas na sequência das anteriores auditorias realizadas pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), bem como das audições decorridas no âmbito dos trabalhos da Comissão de Inquérito, designadamente: (1) Averiguar se o FDMU foi encerrado; (2) Apurar como foí realizada a gestão dos seus saldos; (3) Esclarecer os "movimentos suspeitos~~ entre o FDMU e o CEMGFA; (4) Clarificar o papel da CREEFA na gestão do FDMU; (5) Analisar a declaração de inconstitucionalidade do DL n.o 548/80; (6) Averiguar a existência de relações entre o FDMU e a exportação de armas.
Tendo em conta as evidências obtidas/ efetuada a respetiva análise e avaliação, os principais aspetos a relevar desta ação são os seguintes:
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de despesa/ não montante áe 29
contos.
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verbas foram reserva à
Os créditos concedidos afetos financiamento de armamento eram, em caso de rescisão dos contrntos, repostos Fazenda Nacional vindo a acrescer ao sa!do crédito
a novos saques.
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se
de cHversos pagamentos através da de Bancos à
referentes à montagem da e 15
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CONDICIONAUSMOS
REAliZADAS
ESTADO~MAIOR-GENERAl DAS FU!<"-"'"'" '"''''"'''""""'"'" 3.2. DA DEFESA NACIONAl
3.3. E AÉREA .......................................................... ., ................... 17
3.4. PRESTADAS .............................................. ., ........ u ..................... 19
4. RESUlTADOS DA ................................................................................. 20
4. L ENCERRAMENTO DO fDMU
4.2. GESTÃO DOS SAlDOS REMANESCENTES DO FDMU
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i:.i. ·~~f;~MG~~ CA/$fiiJN•
DGCP DGMG Dl:A.f
DIE
DL
Administrativo
Conselho Administrativo
SA
Comissão do Plano de Aquisições do
Comissão do Plano de Aquisições da Força Aérea Comissão para a Regularização e Extinção das Contas das Regiões fvtiiitares e Comandos Territoriais Independentes do Ultramar Comissão de Reequipamento do Exército e da Força Aérea Direção de do
Direção da Arma de Engenharia
Direção de Finanças do Exército
Direção-Geral da Contabilidade
Geral de Material de Guerra
Divisão de Financeira
Direção de Infraestruturas do
Decreto-Lei
Direção de Serviços de Armamento
Direção de Serviços de Intendência
Direção de Serviços de Material
Estado-Maior-General das Forças Armadas
Fundo de Defesa MiHtar do Ultramar
Fábrica Militar de Braço de Prata Fundo Privativo do Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas General Quartel Mestre Inspeção-Gera! de Finanças
de Material Fabril
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Parlamentares que, auditoria final ao Fundo de legalmente conferidos
130 da Lei n.o de com as de 10/dez e 15/2007 de 03/abr.
fosse realizada uma atentos os poderes que
nomeadamente n.o 3 do introduzidas pelas Leis n.os
Em 14/mar/2014, a X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate remeteu à Inspeção-Geral de Finanças, dois documentos: o Parecer n.0 36/81 da Comissão Constitucional -Competência legislativa do Conselho da Revolução - Organização e funcionamento das Forças Armadas e a Resolução n.o 274/81 do Conselho da Revolução sobre o Decreto-Lei n.o 548/801 de 18 de novembro, referidos na mendonada solicitação.
1.2.
Como solicitado pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate, esta teve como finalidade o esclarecimento de todas as dúvidas subsistentes surgidas
na sequência das anteriores auditorias realizadas pela Inspeção-Geral de Finanças (relatórios n.os 1007/2003 e 807/2004), bem como das decorridas no âmbito dos trabalhos da Comissão de Inquérito, designadamente:
• Averiguar se o FDMU foi (efetivamente) encerrado1 uma vez que n,.,,,,r-;::, atos praticados após a data oficiai da sua extinção;
.. Apurar como foi realizada a gestão dos saldos remanescentes do FDMU;
• Esclarecer os movímentos suspeitos que envolvem as contas do FD!Y1U e do CEMGFA2
entre 1974 e a liquidação definitiva do Fundo ou dos seus saidos;
.. Clarificar o papel da Comissão de Reequipamento Extraordinário do Exército e da Força Aérea (CREEFA) na gestão do FDMU ou dos valores a ele correspondentes;
.. Analisar a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei (DL) n. 0 548/80, de 18/nov, do Conselho da Revolução! que determina a extinção do FDMUi
"Averiguar a existência de relações e/ou movimentos entre o FDMU e a exportação de armas ocorridas entre 1974 e a liquidação efetiva deste Fundo.
Que se insere no grupo ele ações não planeadas a concretizar por esta
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versados assuntos
r"''"'rr,nr'"' anteriormente elaborados.
reveste a natureza de uma auditoria financeira limitada e incidiu sobretudo sobre e documentos do FDMU e do Conselho Administrativo do
das Forças Armadas (CA/EMGFA), e foi realizada nas da IGF e de diversas entidades do Ministério da Defesa, nomeadamente do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) e Arquivo da Defesa Nacional (ADN). Em termos temporais o trabalho incidiu, em particular, no período compreendido entre o ano de 1974 e o momento da liquidação efetiva do FDMU com especial saliência nos anos que imediatamente antecederam esta extinção e os anos subsequentes.
1.4. METODOLOGIA f PROCEDIMENTOS
o desenvolvimento da auditoria foram os que constam, genericamente, das alíneas seguintes:
Pianeamento da
" Leitura e análise da documentação relevante para o planeamento designadamente} o DL n. 0 548/80 e parecer n.o bem como a associada à CREEFA;
"Reunião com o CEfvtGFA para apresentar os a equipa de inspeção;
previstos para a bem como
"Reunião com diversos colaboradores CEMGFA no sentido de identificarmos a documentação que esta entidade dispõe relativa à temática em análise;
"Avaliação prévia do risco;
• Preparação da lista de elementos a solicitar no CEMGFA;
"Recolha de elementos em formato digital/papel relacionados com os objetivos da auditoria;
• Preparação do plano da ação e do programa de trabalho.
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da CREEFA na do FDMU ou dos valores a os como deles e se e quando o
nas contas
• Analise do DL n, 0 548/80, de 18/nov1 do Conselho da Revolução, abrangendo em particular, os antecedentes! o sistema jurídico-constitucional de fiscallzaÇão da constitucionalidade e a problemática inerente ao pedido de declaração da sua inconstitucionalidade e eventuais efeitos da não declaração de inconstitucionalidade pelo Conselho da Revolução;
"Apuramento de eventuais relações entre o FDMU e a exportação de armas ocorridas no período entre 1974 e a efetiva liquidação do Fundo (ou últimos movimentos}.
do sendo composto pelo presente documento e correspondentes anexos que constituem o VOLUME 1 e pelos VOLUMES 2 e 3, onde foram compilados respetivamente os autos de incluindo os anexos e diversos elementos relativos à CREEFA.
CONDICIONAUSMOS
Este documento relata de forma integrada as ação, bem como os resultados alcançados, nomeadamente, se foi possível obter algum progresso no conjunto da informação disponível e, em caso afirmativo, quais os avanços conseguidos, por cotejo com o repositório factual e informativo reunido no âmbito das duas auditorias anteriormente realizadas pela IGF.
De facto, e como já mencionado nos relatórios precedentes, dado o tempo já decorrido desde a verificação dos acontecimentos, ficou lnviabílizada a obtenção de multa informação relevante, quer documental, quer a que os intervenientes no processo nos poderiam fornecer para esclarecimento de dúvidas e omissões.
Estes intervenientes nem sempre são identificáveis e quando o foram, já haviam em muitos casos falecido em razão do tempo decorrido, pelo que acabámos por não poder ouvir em dedarações muitas das pessoas selecionadas para o efeito.
Dos intervenientes, dos quais, apesar de tudo, foi possível recolher depoimento, constata-se mesma se/
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fator que
convenientes.
esta realizada ter com a classificada em diversos graus
consulta foi de processo de crE~dE:nc:íac:ao -emissão de 3 credenciais que, nos termos do regime gera! da classificação de documentos, obrigava, entre outros, à assunção do compromisso de não revelar publicamente respetivo teor, com todas as consequêndas e implicações que tal comp,romisso acarreta.
No que concerne a dificuldades ou limitações na disponibiHzação de suporte documenta! imputadas à antiguidade dos factos sindlcados, é de salientar o pedido realizado junto da Caixa-Geral de Depósitos, SA (CGD), no sentido da obtenção dos extratos das contas bancárias movimentadas e/ou abertas em nome do EMGFA, do gabinete do EMGFA, e CNEMGFA relativos aos anos de 1980 a 19871 pedido que teve como resultado o envio de extratos somente a do final de 1982 para duas contas (0150 029176 832 e 0697 207722 232). Ademais, estes documentos apresentavam desconformidades ao nível dos saldos, nomeadamente, em finais de 1984, existindo inconsistências entre os movimentos listados e os saldos apurados nessa data que foram, posteriormente, explicadas pela instituição como estando relacionadas com problema informático que impediu a listagem da totalidade das operações certamente por motivos relacionados com a antiguidade dos dados - o sucedido poderá, inciusivamente1 pôr em causa a fiabilidade dos restantes elementos recebidos.
ainda, enviado a nosso pedido pela CGD o extrato da conta 0697 335440 832 que está relacionada com a CREEFA, mas cuja titularidade a instituição bancária desconhece, não dispondo, segundo nos informou, de qualquer documento contendo ou confirmando tal identificação.
Apesar dos esforços despendidos a nível de consulta da documentação existente no EMGFA, nem sempre foi possível obter junto desta entidade os esclarecimentos que se revelaram essenciais à compreensão Integral dos elementos analisados, poís, dado o tempo entretanto decorrido desde a ocorrência dos factos, os respetivos intervenientes já não se encontravam ao serviço e os atuais colaboradores, em gera!, não dispunham de memória histórica sobre a mesma factua!idade - desde logo, em virtude de não se encontrarem ainda em funções no EMGFA na altura dos acontecimentos.
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a
constitui acervo Fundo não se encontrava
Nos casos em que se mostrou fundamental diversos ramos das forças armadas
foi bem-sucedida por diversos motivos.
diversa tratada na sua totalidade.
junto dos esta nem
Em algumas situações a informação pretendida, quando localizada, encontrava-se em diversos arquivos sediados em edifícios distintos, nem sempre dependentes da mesma unidade orgânica e geralmente sem uma organização que obedecesse a uma ordem cronológica ou temática que se pudesse considerar dificultando portanto~ sobremaneira[ a consulta e respetiva análise. Noutros casos, não foi possível localizar a informação pretendida ou constatou-se que a mesma terá sido destruída, conforme se descreve no ponto 3.3.
De referir também que relativamente a duas das questões colocadas pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate (quais sejamr o esclarecimento dos "movimentos suspeitos;/ que envolvem as contas do FDMU e do CEMGFA entre o ano de 1974 e a data de liquidação do Fundo e averiguar a existência de relações e/ou movimentos entre o FDMU e a exportação de armas ocorridas entre 1974 e a liquidação efetiva do Fundo) - desde logo, também em razão dos condicionalismos antes mencionados e já aflorados nos anteriores relatórios, pese embora a dimensão da amostra objeto de potencial interesse ou relevância para o aprofundamento do alcance das mesmas questões e o tempo e esforço empreendido na respetiva análise, não foi tão pouco possível obter elementos/informações que conduzissem a avanços significativos ao nível do esclarecimento inequívoco de aspetos duvidosos ainda subsistentes[ por cotejo com o já antes relatado nas duas ações anteriores.
REAliZADAS
No âmbito da presente ação foram realizadas, entre outras, as seguintes diligências:
Iniciámos as diligências junto do EMGFA, tendo para o efeito sido consultados os arquivos da direção financeira, bem como os arquivos do CA/CEMGFA, nomeadamente, as contas de gerência do Estado-Maior e, em concreto, do "Fundo Privativo" do Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas (FP/CA/EMGFA) respeitantes aos anos de 1982 a 1993.
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à os um de cerca de 1000 caixas que, à data de conclusão das
se constatou que tinham sído de tratamento a de uma lista identificar o de cada caixa.
Não obstante e por se tratar de um arquivo não totalmente tratado, nem sempre a descrição arrolada do conteúdo das caixas traduzia exatamente o que se encontrava no interior das mesmas.
Desta forma, processos relativos a pagamentos a pessoal "coexistiam" com outros relativos à aquisição de artigos de expediente e a compras de sobressalentes e de material de guerra.
Começámos numa primeira fase por selecíonar pastas com a indicação de conterem elementos relativos aos anos mais recentes (1980 e 1984) e1 posteriormente, analisámos também o conteúdo de outras nas quais se encontravam elementos re!atívos ao período compreendido entre 1974 e 1980, com o objetivo de perceber, desde logo, a proveniência do dinheiro que a CREEFA geria e que aplicação lhe era a partir de
Após termos compilado alguns elementos cuja interpretação se revelava bastante entendemos ouvir em declarações algumas pessoas que, através do exame da
documentação, se verificou terem tido intervenção neste processo, como referído no ponto 3.4.
Numa segunda fase efetuámos recolha de mais elementos, em especial, documentos diversos e processos relativos à aquisição de material de guerra.
Quanto aos arquivos do FDMU, estes são constituídos pela documentação já consultada em anteriores ações no arquivo do Forte de São Ju!ião da Barra, pelo que não foram contemplados no âmbito da presente ação porque se trataria de uma repetição de trabalhos.
No sentido de confirmarmos a realização de algumas despesas que terão sido efetuadas com dinheiros do FP/CA/EMGFA, ou seja, com o saldo remanescente do fDMU, através
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estes
dos pretendidos; em face desta dificuldade, tivemos oportunidade de solicitar os mesmos por escrito de resposta foi também no sentido da impossibilidade de obtenção de tal informação;
• Direção de Finanças do Exército (DFin), que se encontra na dependência do Comando de logística, onde nos foi esclarecido que a última organização ao arquivo da direção foi efetuada em 2011, tendo os documentos anteriores a 1990 sido destruídos ou entregues no Arquivo Geral do Exército (AGE), excetuados os que integravam algumas pastas pendentes dado que nesta última entidade (AGE) não existiam condições físicas para receber os mesmos.
Paralelamente foi-nos entregue um documento relativo ao arquivo primário da bem como um CD (com o inventário do mesmo arquivo), nos quais se encontra
indicada a documentação existente no atual arquivo da quais os documentos enviados e a enviar para o bem como quais os que foram destruidos, estes últimos complementados com os respetivos autos de destruição,
Da análise efetuada a estes elementos, não resultaram indícios que nestes arquivos se encontrem os documentos relevantes, o que confirma, a informação dada por esta divisão de que após uma breve consulta aos seus arquivos atuais não existiriam nesta direção os elementos procurados,
Adicionalmente foi-nos esclarecido, que dado pretender-se informação referente a investimento/aquisições, tal documentação poderia encontrar-se na Direção de Infraestruturas ou na Direção de Aquisições, pelo que visltámos estas entidades:
.. Direção de Aquisições do Exército (DA), que se encontra igualmente na dependência do Comando de Logística, tendo-nos sido referido que nas instalações da DA não existem tais documentos; não obstante, efetuámos uma visita aos arquivos das antigas Direção de Serviços de Intendência (DSI) e Direção de Serviços de Material (DSM) - núcleos aos quais estariam na altura cometidas as funções de aquisições de material e realização de investimentos -
da Aérea referentes
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se encontram apenas '-'a't-v~:::;:;, realizadas ao em
por se encontrarem e com necessidade de documental permaneceu nestas
Foi-nos informado existir no departamento em apreço um arquivo primário um intermédio na Pontinha) e o histórico (transferido para
No entanto, foi-nos esclarecido, que em virtude de a informação pretendida respeitar a obras em edifícios que constituem património do Exército, existiria no arquivo primário referência à realização destas obras se as mesmas tivessem ocorrido com intervenção ou iniciativa desta divisão.
Todavia 1 após consulta da lista das obras efetuadas nos edifícios em causa 1 das mesmas não constam as procuradasr possivelmente por terem sido efetuadas através do EMGFA.
Não obstante1 realizou-se ainda, posteriormente, uma deslocação aos arquivos da Pontinha no sentido de se verificar a documentação aí existente, não tendo também aqui sido encontrada a informação mencionada.
No sentido do esclarecimento de algumas situações, nomeadamente relacionadas com a CREEFA foram ouvidas em auto de declarações as seguintes pessoas, cujos autos se juntam no VOLUME 2: '"Senhor Coronel Antônio Augusto Gaspar Correia Presidente do CNEMGFA desde 01/abr/1976 a 20/nov/1993;
• Senhor Capitão Henrique Joaquim Serrano t>'lira 1 na qualidade de responsável pela contabilidade da CREEFA1 nos anos de 1981 e 1982;
• Senhor Coronel do SAM (Serviço de Administração Militar) João da Silva Antunes Nogueira, na qualidade de chefe da contabilidade do CA/EMGFA, que já desempenhava estas funções na Secretaria-Geral da Defesa Nacional (SGDN) e dai transitou para o EMGFA, onde esteve até 1983/84 e também como membro do CA/EMGFA;
• Senhor Superintendente-Chefe José da Cunha Salvado membro da CREEFA.
A realização dos autos de declarações envolveu a elaboração prévia de um guião pormenorizado contendo, em particular, diferentes tipos de questões a esclarecer pelos ··
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conta em sede das a dos factos que por
e esclarecimento dos mesmos, é de salientar que a idade rondava os oitenta anos,
dificuldades físicas e cognoscitivas da maioria dos ouvidos.
Desta forma e em geral, o resultado destas declarações evidenciou-se incondusivo e muito pouco esclarecedor, dada a distância temporal a que nos encontramos dos factos que se pretendia esclarecer, apesar de ser evidente e ter sido prolongada no tempo a intervenção destes Oficiais das Forças Armadas na elaboração e movimentação de elementos de suporte financeiros relativos à CREEFA.
Conforme se dá conta no desenvolvimento de cada um dos aspetos focados no presente relatório, a generalidade das declarações prestadas foi no sentido de os intervenientes "nada saberem" e de "nada se lembrarem".
Neste contexto, sopesada a informação obtida com recurso quer ao universo dos eiementos documentais consultados e recolhidos - parte deles classificados e não passíveis de divulgação salvo processo de desclassificação - quer o teor materialmente irrelevante dos esclarecimentos prestados pelos intervenientes sobrevivos, é nossa convicção que o eventual prolongamento da presente ação com o desenvolvimento de mais diligências, bem como com a anáiise de mais documentação não permitiria a obtenção de informação reforçada com valor acrescentado ao objetivo último em causa e também não alteraria substancialmente o teor das conclusões agora retiradas.
4. RESUlTADOS DA
Os pontos que se seguem reproduzem os resultados das verificações e analises empreendidas no âmbito da presente ação, assumindo-se como regra e principio orientador, a adoção de uma perspetiva rigorosa, isenta e objetiva dos factos recolhidos, ainda que, de uma leitura de documentos vários - v.g. classificados- não raras vezes de materialidade ou explicação menos ortodoxa pudesse resultar um convite a incursões ou caminhos mais de carácter para especulativo que de estrita objetividade. Essa não é, no entanto, a finalidade do trabalho de que fomos incumbidos, optando-se por descrever ou relevar os factos objetlvados com base nos elementos documentais recolhidos, neles e apenas neles assentando as conclusões e esclarecimentos que da respetiva análise se podem extrair.
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saldo do FDMU que viesse ser anualmente um
Plano.
Este indu ir outras receitas de natureza eventual que legalmente lhe fossem consignadas e as despesas a realizar em conta do referido orçamento deveriam obedecer ao plano de emprego a aprovar anualmente pelo CEMGFA e considerariam, exclusivamente, as seguintes áreas:
.. Obras de caráter imprevisível e urgente, necessárias às forças armadas;
• Estudos de armamento e de equipamento destinados ao reequipamento militar;
" Aquisição de protótipos destinados a fins mílitares e bem subsequente desenvolvimento;
" Apoio à investigação de interesse militar.
o seu
O citado DL n. 0 548/80 surgiu na sequêncía do despacho de 10/jan/80, do então CEMGFA, Senhor General Ramalho Eanes, que ordenou ao EMGFA, através da Divisão de Planeamento Financeiro/ a elaboração dos estudos necessários com vista a possibilitarem um novo enquadramento legai necessário à reutilização dos fundos, considerando que cessaram as necessidades previstas no n.o 1 do artigo 110 do DL n.o 448/72, de e atendendo a que se tornava necessário encarar, desde então, a possibiiidade de consignar os fundos eventualmente existentes à atualizadas.
A informação 34/AF/81 da DIAF, antes cítadar obteve, em 11/fev/81, o despacho de concordância do CEMGFA, a qual indica que o montante a transferir para o CA/EMGFA seria de 551 694 902$87 (arredondado para 551 694 902$90) 1 correspondente ao somatório da verba de 510 315 768$67 com a importância de 41 379 134$204, destinada à reguíarização de processos ainda em curso no âmbito do FDMU.
4 Esta verba deveria ser escriturada pelo CA/CEMGFA no fundo "devedores e credores" em conta a constituir para o efeito e cuja movimentação só poderia ser efetuada exclusivamente através de indicações pontuais a transmitir pela DIAF à medida que fosse necessário realizar, por determinação superior, liquidações para processos em curso e até à sua completa extinção.
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Abr-81
Mai-81
Jun-81
Jul-81
conforme descrito na
terem sido relativos aos da IGF n.o
2 742 438$ 20 Diferença de preço relativa a 8 máquinas criptográficas Cmemorandum" de 11/mar/81 do DIAF)
750 922s.a.o Conta corrente relativa à obra de construção do · · gimnodesportívo da Escola Prática de Cavalaria
540 OOO$OO·Tranche final do estudo conceptua! de facilidades ;habitacionais e sociais para os militares em serviço nas FA
Total 4 109 860$60
Em 17/ago/81, o CA/EMGFA, através do Presidente Senhor Coronel SAM António Augusto Gaspar Correia, confirmou o recebimento das verbas antes mencionadas, tendo sido emitidos os respetivos recibos.
Deste modo, parece-nos que o nomeadamente sob esta designação e com as finalidades que tinha, descritas no re!atór!o da IGF relativo à análise das contas deste Fundo (relatório n. 0 1007/2003), foi factualmente extinto, tendo o seu saldo passado a ser gerido num Fundo privativo sob gestão do CA/EMGFA (FP/CA/EMGFA}, conforme se detalhou anteriormente.
Quanto ao facto de existirem atos praticados após a data da sua extinção, se considerarmos que esta é a data do DL n.o 548/80 (18/nov/1980), foram efetivamente praticados atos no ano de 1981 (indicados no ponto anterior), que como referido correspondem à regularização de processos que se encontravam ainda em curso no âmbito do FDMU e no ano de 1982 e seguintes, porém já no âmbito do FP/CA/EMGFA (como se vê com mais detalhe no ponto seguinte). De salientar que como a transferência dos referidos valores do FDi"lU para o EMGFA se verificou em 1981 (18/ju!) e a respetiva incorporação nas contas desta entidade só ocorreu em 1982 e 1986, conforme descrito no ponto seguinte, desconhecemos onde esteve a ser aplicado o dinheiro neste período.
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transitado inicialmente para este Fundo o FDMU 315 arredondado para
referido.
no
no final de
Em 1993 o saldo existente relativo ao FP/CA/EMGFA, no montante de 29 081 757$50 foi integrado no orçamento do deixando de existir o Fundo em causa
aparentemente na sequência de recebidas no sentido de, em prole da transparência, serem restringidos ao mínimo o número de fundos, bem como os montantes a eles afetos.
2. L 1 Gestão do saldo do
Anualmente/ e até 1992 (inclusive), foram apresentadas as contas de gerência do Fundo em causa 1 com as despesas efetuadas detalhadas por rubricas orçamentais, as quais se resumem no quadro abaixo, em escudos (vd. detalhe anual no ANEXO I a fls. 55)·
- . -
Deslocações compensação de encargos {CDD. 14.00) Bens duradouros- construções e grandes reparações (CDD. 19.00) Bens duradouros- material militar de defesa e segurança (CDD. 20.01) Bens duradouros- material milítar de aquartelamento e alojamento (CDD. 20.02) Aquisição de serviços não especificados (CDD. 3:1.00} Transferências- setor público fundos autónomos (COD. 38.02)
Unidades e estabelecimentos Drgãos Militares Unidades e estabelecimentos Força Aérea
Transferências- setor público serviços autónomos (CDD. 38.03) Despesas de capital investimentos na habitação (CDD. 46.00)
Total ,
439.840,00
54.487.782,00
74.194.0:14,50
2.292.430,00
3.508.142,00
158.973.800,00
3.000.000,00
32.260.000,00
:11.1.715.000,00
8.329.800,00
Seguidamente e com base na análise realizada aos elementos constantes das contas de gerência do FP/CA/EMGFA que nos foram facultadas, apresentam-se os respetívos saldos anuais relativos ao período decorrido entre 1982 e 1988 (em escudos), cujo detalhe por documento, quando possível (1982 e 1986), se efetua nos ANEXOS H e UI, a fls. 56 e 57, respetívamente:
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1982
1984
1986 22 208 1987 1988 1 124 352,00
1988, não existe à rearização de qualquer no do FP/CA/EMGFA, tendo em 1993 a verba existente sido integrada nas contas do EMGFA, peío que relativamente a esse montante de 29 081 não é possível ter qualquer detalhe sobre a aplicação que lhe foi dada.
Também, para as despesas efetuadas no período de 1982 a 1988, somente para os anos de 1982 e 1986 foi encontrado o detalhe por documento (com identificação do mesmo) e da aplicação que lhe foi dada, os quais se apresentam nos Anexos antes mencionados. Para os restantes anos, nos arquivos das referidas contas de gerência, somente se encontravam as relações dos montantes gastos, sem identificação quer do número de documento, quer da aplicação do valor. Para o ano de 1985 nem sequer foram localizadas quaisquer contas de gerência, apurando-se por diferença dos saldos do ano anterior e seguinte os gastos do ano.
Efetivamente, o financeiro do Coronel Armíndo Manuel Elias Barroso de Sampaio, os documentos de suporte às contas de gerência terão sido
existindo apenas os relativos aos anos de 1982 e 1986 referentes à conta de gerência do FP/CA/EMGFA, não nos tendo sido explicada a razão de tal divergência de arquivamento da informação.
As despesas efetuadas nos anos de 1982 e 1986 (anos em que é possível determinar a utilização das verbas para além da sua descríminação pelas rubricas orçamentais) foram aplicadas da seguinte forma:
• Utilização do montante total de 18 817 154$50 em 1982 e de 2 012 265$50 em 1986 por parte do EMGFA - Comissão executiva de obras militares extraordinárias (CEOME) para construções e grandes reparações, ou seja, esta parte do dinheiro foi utí!izada por
5 Montante que apresenta uma divergência de -14$00 face ao total dos documentos/ que desprezámos dada a sua irrelevância, tendo considerando o saldo apresentado pela conta de nPrPnr'"
6 Valor apurado por diferença dos saldos do ano de 1984 e 1986, dado não terem sido localizados os referentes à conta de npr,pnr'"
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Comando e Administrativo da indicada (8 294 800$00); • Transferência de 25 000 000$00 em 1982 para o também para obras;
• Aquisição em 1986 por parte do CA/EMGFA de material mWtar de defesa e segurança (325 965$00) e de um trator (18 323$00). No sentido de confirmarmos a realização das aquisições/obras por parte das unidades em causa, efetuámos contados quer com a Força Aérea/ quer com os diversos departamentos do Exército7 1 entidades para as quais foram transferidas verbas no valor de 46 294 800$008 e 97 122 692$009 , respetivamente (vd. detalhe nos ANEXO IV eANEXO V, a fls. 58 e 59), não tendo contudo sido possível localizar, nos arquivos observados, informação que permitisse a concretização do objetivo mencionado.
269
A verba comprometida no valor de 37 269 273$60 ficou consignada ao pagamento das seguintes despesas:
Requisitos de comunicação de EMGFA
Adaptação e construção de instalações para o Museu M!!itar do Porto Construção de 4 pavfihões gimnodesportivos da EPI, EPC e CIMS St. Margarida Construção de um pavilhão glmnodesportivo para o RC Extremoz
Exército-aquisição de material de transmissões para "Chaímite"
484 902$50 10 044 000$00
16 284 403$60
10 000 000$00 455 967$50
7 Direção de Finanças (DFin), Direção de Aquísíções (DA) e Direção de Infraestruturas (DIE), dependentes do Comando da Logística do Exército.
8 Sendo 38 000 000$00 em 1982 e 8 294 800$00 em 1986. 9 Valor transferido em 1982.
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Pavilhão gimnodesportivo da EPA 7 800 000$00 •· Total . 15 071174$60
O saldo resultante, 22 198 099$00, acrescido de juros de depósitos à ordem de 10 784$, ou seja 22 208 883$00, foi transferido para o FP/CA/EMGFA em 07/ago/1986, conforme informação n. 0 118/Af/86 da Divisão de Administração Financeira do EMGFA, que propõe que tal verba acresça ao saldo existente, após elaboração do necessário orçamento suplementar.
dos saldos do nos extratos bancários
Como mencionado anteriormente, pretendemos confirmar, nomeadamente, os saldos do FP/CA/EMGFA dos montantes existentes em depósitos tendo para o efeito sido solicitados tais extratos junto da CGD. No ta! tarefa encontrava-se à partida dificultada facto de este Fundo não ter uma conta autónoma, estando as suas depositadas em contas bancárias (duas) desta ínstituição10 juntamente com outros dois fundos sob gestão do EMGFA (Fundo Privativo dos Serviços do EMGFA e Fundo Privativo da Comissão Executiva de Obras Ml!itares Extraordinárias) e com as próprias verbas do orçamento desta entidade, pese embora fossem elaboradas contas de gerêncra para cada um dos fundos e para as contas do EMGFA,
Acresce, que como também já referido, apenas foi possível obter de parte daquela instituição financeira elementos a partir de finais de 1982,
No entanto, foi possível condulr que no final dos anos disponibilizados (1982 a 1987) os saldos existentes em depósitos à ordem na CGD são muito inferiores aos que resultam da soma dos valores das contas de gerência dos fundos sob gerência do EMGFA e das contas desta entidade que se encontrariam depositados em bancos naquelas datas, como se resume de seguida (em escudos):
10
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{;) ~ão foi nbserlildo "",'''""'"""' Em 1984 (pont~ emtaíões extratos pela data inronfi)rmídades
que as atas anuais de encerramento da gerência de cada um dos anos para valores em depósitos à ordem no conjunto das duas contas bancárias em consonância com os montantes resultantes da soma das quantias em banco de cada um dos fundos e das contas do Efv'!GFA, o que se nos afigura desde logo uma desconformídade, pois efetivamente o saldo em banco não seria esse, como antes citado.
Aliás, nas pastas das contas de gerência de aiguns anos observámos listagens de conciliação entre os montantes efetivos em depósitos à ordem em 31/dez e os considerados nas contas de o que confirma o anteriormente referido1 parecendo-nos que as atas deveriam espelhar esta realidade, ou seja, a divergência de valores entre o saldo de depósitos à ordem em 31/dez e o saldo respeitante à gerência do ano em causa.
Analisadas tais listagens; quando disponíveis, conclui-se imensidão de operações a emitidos mas levantados apenas no ano
e a crédito que são exemplo depósitos realizados no ano seguinte mas respeitantes à gerência do ano em questão). Não foi sobre a regularidade dessas nomeadamente respeita aos movimentos a crédito, 11 dado já não existirem os documentos de suporte às mesmas operações, pese embora estas se confirmem nos extratos bancários quando estes existem.
As pessoas ouvidas em auto de declarações, quando questionadas sobre esta situação mencionaram, em geral, não saber a razão da mesma.
Depósitos efetuados no ano seguinte respeltantes gerência do ano anterior de montantes avultados.
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efetuar-se-ia de acordo com os da
Estes créditos seriam inscritos no orçamento de Encargos Gerais da Nação, em artigo independente sob a designação "Reequipamento extraordinário do exército e da Aeronáutica". Os planos de aquisição, cuja execução estaria a cargo da COMPAE e da COMPAFA seriam supervisionados peia CREEFA, e submetidos à aprovação do Ministro da Defesa NacionaL
Os Conselhos Administrativos do Ministério do e da Secretaria de Estado da Aeronáutica12 seriam providos com os meios financeiros necessários ao pagamento dos fornecimentos realizados, competindo-lhes o pagamento das despesas efetuadas e a apresentação das respetívas contas à CREEFA.
Esta comissão elaboraria até 15/abr de cada ano o relatório da ação exercida e parecer sobre as contas que lhe fossem submetendo-os a visto dos Ministros da Defesa Nacional e das considerando-se estas formalidades legitimadas para todos os efeitos.
O DL n. 0 113/70, de 18/mar, fixou c:n.juc>c limite para os anos de 1971 e 1972, tendo autorizado o Governo a contrair encargos até ao montante de milhões de contos para continuação do reequipamento extraordinário do Exército e da Aérea naqueles anos.
Pelo DL n.o 306/70, de 02/jul foi dada nova redação às alíneas c) e d) do artigo 3° e ao artigo so do DL n.o 48 368, passando o Conselho Administrativo do Secretariado-Gera! da Defesa Nacional (CA/SGDN) a ser habilitado com os meios financeiros necessários ao pagamento dos fornecimentos reaiizados. Competia-lhe também o pagamento dos encargos com o reequlpamento extraordinário do Exército e da Força Aérea, bem como a apresentação das respetívas contas à CREEFA.
Pela Circular nol, de 16/jul/19701 desta comissão, são dadas a conhecer as normas a observar na execução dos Planos de Aquisição do Exército nos anos de 1968/ 1969 e
Tendo-lhes sucedido o Conselho Administrativo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional e posteriormente
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eventual sempre que não fosse a sua emitir parecer sobre as
dos concursos realizados.
À CREEFA competia fixar as condições a que deviam obedecer a elaboração dos cadernos de encargos e os concursos para adjudicação, nomeadamente no que se referisse a regime de pagamentos, promover as adjudicações tendo em conta as disposições legais sobre despesas públicas, submetendo à apreciação do Ministro das Finanças, depois de obtida a concordância do Ministro da Defesa Nacional, as que envolvessem a dispensa daquelas disposições.
Competia-lhe também habilitar, em tempo oportuno, os conselhos administrativos mencionados com os meios financeiros necessários ao pagamento dos fornecimentos realizados, bem como, promover a remessa de cópias ou fotocópias de todos os contratos de aquisição efetuados às respetivas repartições da Direção-Geral da Contabílídade Pública (DGCP). No ADN localizámos a informação n° 128/AF/77, de 27/out, elaborada pelo SGDN/CREEFA e assinada pelo seu presidente Brigadeiro J. Rodrigues de Carvalho e que relata sobre a situação da CREEFA em 1977. De acordo com esta informação, a comissão não dispunha de qualquer plano exequívei para 1978 e 1979, encontrando-se praticamente a encerrar os processos resultantes de planos aprovados anteriormente, em conta de créditos concedidos para a sua cobertura (VOLUME Não obstante, sobre a mesma Informação veio a ser exarado um despacho do Senhor General Ramalho Eanes, na qualidade de CEMGFA, autorizando o plano de despesas apresentado para o ano de 1978.
Nos anos de 1980, 1981 e 1982 e com extensão mesmo até 19841 !oca!izámos inúmeros recibos de valores significativos traduzindo pagamentos de serviços, bens duradouros e bens não duradouros efetuados a inúmeras empresas, tendo como principais destinatários a COMPAFA (DSI/FA) e a COMPAE (DSM). Esta situação radica no facto de se tratar de processos que tiveram a sua origem em 1973 e anos anteriores, arrastando-se no tempo e vindo a ter o seu termo entre 1974 e 1984.
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CREEFA foi extinta terem cessado as
mesmo diploma a dependência que funcionava a ao CA/SGDN, competindo-lhe ainda existentes.
com efeitos dado que deram origem à sua criação, tendo sido instituída
da nas mesmas condições de do CA/EMGFA que havia sucedido
especialmente promover o encerramento dos processos
O saldo final, no valor de 3 140 782$00, da conta com o número 0697 335440 832 da CGD, do CA/EMGFA-Piano de Aquisições que era utilizada para movimentar entradas e saldas de dinheiro da CREEFA, foi depositado em jun/1984, na Tesouraria da Fazenda Pública do 70 Bairro Fiscal de Lisboa.
À data de 30/jun/84, os valores acumulados dos movimentos realizados desde 19681 constantes dos mapas resumo (VOLUME 3), foram os seguintes:
CREEFA
Trimestralmente, o CA/EMGFA enviava à CREEFA mapas com a síntese da posição das contas desta comissão, contendo, desde 1968, os valores acumulados da despesa autorizada e dos montantes sacados e liquidados até à data, bem como os valores a sacar e a liquidar, dando ainda conhecimento da posição da conta na CGD antes indicada (VOLUME 3). Os valores autorizados, sacados e liquidados, indicados nos referidos mapas-síntese das contas da CREEFA são referentes, em cada um dos anos, aos Pianos de Aquisição do Exército (PAE) e Planos de Aquisição da Força Aérea (PAFA), existindo dentro destes planos de Aquisições uma subdivisão dos valores atribuídos às diversas COMPAE e COMPAFA.
A partir dos referidos mapas-síntese construímos o quadro abaixo que evidencia, em termos acumulados, os valores autorizados1 sacados e liquidados pela CREEFA, no período compreendído entre 30/abr/1974 e 30/jun/1984 tendo sido selecionado o período compreendido entre a data mais próxima a 25/abr/1974 e a data em que o sa!dç
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Elaborámos adicionalmente o quadro seguinte por diferença entre os valores autorizados sacados e liquidados, em cada ano, e os que estavam registados no ano imediatamente anterior. A diferença, corresponde aos valores autorizados/ sacados e liquidados em cada um dos anos, desde 30/abr/1974 a 30/jun/1984, conforme se apresenta (o valor indicado à data de 31/dez/75 refere-se ao período compreendido entre 30/abr/74 e 31/dez/75):
Conclui-se que, entre 30/abr/1974 e 30/jun/1984, foi autorizada despesa no montante de 1 688 516 465,301 sacado o montante de 2 826 587 876$30 e efetuados pagamentos no valor de 2 920 243 537,30, informando-nos sobre os montantes movimentados pela CREEFA no período pós 25/abr.
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CREEFA constam do
em auto de a este constam do ANEXO VIII a fls. 62, e VOLUME 2.
conta da CREEFA EMGFA
A conta na CGD com o número 0697 335440 832, do CA/EMGFA-Plano de Aquisições, era utilizada para movimentar entradas e saídas de dinheiro da CREEFA, como mencionado. Em 1975 o CA/SGDN passou a designar-se Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CA/EMGFA) e nesta data solicitou à CGD que a referida conta passasse a vigorar com o nome de Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas-Plano de Aquisições.
SoHdtámos, à instituição bancária acima referida cop1a dos extratos daquela conta, tendo-nos sido remetidos movimentos desde finais de 1982 e até 1984 (ano da extinção da comissão em causa), porém não foi possível confirmar junto da daquela instituição bancária a titularidade da referida conta, como já antes referido (VOLUME 3).
levantamentos conta CREEFA EMGfA
A conta bancária antes indicada era alimentada por depósitos suportados com talões de depósito assinados pelos chefes de contabilidade CREEFA.
O Capitão Henrique Joaquím Serrano Mira, que ouvimos em declarações, assinou sempre os talões e os cheques sobre esta conta nos anos de 1981 e 1982, bem como os documentos de síntese relacionados com os movimentos da mesma.
Apesar disso, declarou na sua audição que não sabia qual era a proveniência do dinheiro depositado, mas que os depósitos não eram feitos em numerário, tendo ainda referido ter exercido as funções denominadas como "Fecha Processos" limitando-se a cumprir as orientações superiores que lhe eram determinadas.
Por outro lado, a conta foí utilizada para efetuar pagamentos a diversas empresas resultantes de fornecimentos tais como obras de construção civil, artigos de economato, sobressalentes e material de guerra, os quais, feitos por cheque, encontram-se justificados com recibos emitidos pelas empresas fornecedoras. Também observámos pagamentos a pessoal, aquisição de moeda estrangeira e depósitos na Tesouraria da Fazenda Pública.
Em final 3 na
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boletins de assinaturas identificam o das pessoas autorizadas 1975 e 1984
continham como menos duas das assinaturas mencionadas no boletim.
A pessoa que se apuou ter assinado mais cheques sobre esta conta fo! o de que veio a ser em 1979 Capitão Henrique Joaquim Serrano Mira.
A partir de dez/1980 os cheques passaram a ser assínados pelo Alferes Manuel João Sovela Canto. Estes oficiais das Forças Armadas efetuavam também depósitos na conta bancária e assinaram documentos relacionados com os movimentos financeiros da CREEFA.
Os boletins de assinaturas também indicavam elementos do CA/EMGFA, como sejam o Presidente do CA/Efv'IGFA Coronel do SAM Antônio Augusto Gaspar Correia, o Chefe da Contabilidade do CA/EMGFA Coronel do SAM João da Silva Antunes Nogueira e o membro do Secretariado da CREEFA Superintendente-Chefe José da Cunha Salvado (VOLUME 3). No ANEXO X a fls. 65 evidenciam-se os testemunhos referentes a este assunto das pessoas ouvidas, salientando-se as declarações prestadas pelo Chefe da Contabilidade do CA/EMGFA Coronel do SAM João da Silva Antunes Nogueira, que admitiu que o documento contendo assinaturas dos adjuntos possa "ter a ver com uma forma de com as referidas assinaturas se poder contornar a obrigatoriedade de os elementos do CA/EMGFA terem conhecimento de algumas matérias.
Na reconstituição das contas do FDMU (relatório no 1007/2003 da IGF), haviam sido identificadas, nos anos de 1975 e 19761 saídas da conta do FDMU no Banco de Angola (Conta n° 20 00 01 01, cliente 12373/1), para o CA/EMGFA-Piano de Aquisições, designadamente os seguintes valores:
33í87
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No ANEXO XI a fls. sintetizamos o que disseram os Oficiais das ouvidos em sobre as citadas do FDMU para a CREEFA, salientando-se que o Presidente do que assinou estas na audição, afirmou não se recordar da razão porque isto aconteceu.
De destacar, ainda, que todos os oficiais das Forças Armadas, intervenientes em assuntos financeiros relacionados com o CA/EMGFA e com a CREEFA, que foram ouvidos em declarações! referiram não saber ou não se recordar de qual a ligação da CREEFA com o CA/EMGFA, com o Gabinete do EMGFA e com o FDMU1 com exceção de um deles (membro do Secretariado da que declarou que, tanto quanto sabia, não havia qualquer ligação da CREEFA com o FDMU.
Exceto aos montantes atrás referidos que constituem saídas do FDMU para a conta da CREEFA também não detetámos evidências claras de que esta comissão tenha tido algum papel na gestão do FDMU ou dos valores a ele correspondentes.
os elementos arquivados com a designação de Contas de CREEFA revelaram-se manifestamente insuficientes para percecionar o funcionamento desta comissão, nomeadamente! em termos da proveniência do dinheiro que utilizava e dos pagamentos que efetuava com esse salvo quanto ao referido no ponto seguinte.
Face à questão colocada pela X Comissão de Inquérito à Tragédia de Camarate a apreciação Integrada dos aspetos relativos à CREEFA tomou inevitável a abordagem da matéria respeitante à utilização de verbas deste Fundo no âmbito da comercíaHzação de armamento.
Neste sentido o esforço desenvolvido em vfsta do aclaramento desta matéria efetuada que foi a análise da esparsa documentação recolhida não obteve resultados satisfatórios com a audição dos Oficiais das Forças Armadas intervenientes nos processos. A título de exemplo refira-se que um dos referidos oficiais, que em 1981 e 1982 assinou as contas da CREEFA e movimentou a conta na CGD com o número 0697 335440 832, do Conselho Administrativo do EMGFA-P!ano de Aquisições (conta da CREEFA), declarou ter-se limitado a apor a sua assinatura na documentação que lhe era
não em que termos e para
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de abril mas e fornecimento material de guerra,
arrastamento sucedeu relativamente a se "arrastou" por encomendas colocadas Estabelecimentos Fabrís do mas
com
" Processos relativos a com material de guerra, que foram aprovadas depois de 25 de abril de
" Processos relacionados com importações;
.. Situações relacionadas com a exportação de material de guerra.
1974
Neste ponto destacamos situações referentes a processos de despesas aprovadas antes de 25/abr/1974 mas cuja concretização, em termos da faturação e fornecimento do material de guerra, se arrastou por vários anos até 1984 (ANEXO XII a fls. 68 e VOLUME 3), o que sucedeu relativamente a encomendas colocadas nos estabelecimentos fabris do Ministério do Exército mas também com empresas privadas.
De seguida vamos explicar como é que nestes casos havía sido aprovada a despesa 1 a razão pela qual as situações se prolongaram no tempo, as particularidades apresentadas por alguns dos documentos observados, designadamente/ as discrepâncias entre a data das faturas, a data das guias de entrega do material de guerra no DGMG e as datas da receção do material no mesmo Depósito.
Complementarmente, damos conta do destino das verbas descativadas, para os casos em que o fornecimento do material acabou por não se concretizar.
, COMO ERA APROVADA A DESPESA
Muitas das faturas e recibos reiativos a despesas com o fornecimento de material de guerra que ocorreu entre os anos de 1974 e 1984 referem-se a processos de aquisição que tiveram o seu início e aprovação em 1973 (e até em anos anteriores) e que se prolongaram no tempo.
No que se refere ao Exército, antes de 25/abr/1974, a DSM (COMPAE/DSM) elaborava uma informação identificando o material de guerra que era necessário adquirir e um pedido de autorização de despesa. Estes obtinham a aprovação do General QMG e eram apresentados à CREEFA. Esta apreciava sobre a legalidade e cabimento da verba correspondente ao material a adquirir (a financiar pelo PAE/73 - Verbas do Plano de
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Tendo corno base o fornecedores de
que guerra (FMBP1 Nacional de
(FNMAL), de Oeiras, Explosivos da Trafaria, faturas e entregando armamento no DGMG, decorrente de ::.•~ua•-u~::;:, referido período que decorreu entre os anos próximos de 1973 e 1984.
os
foram emitindo originadas no
Pode pois concluir-se que os fornecimentos objeto de análise muito embora houvessem sido aprovados em momento anterior a 25 de abril de 1974 vieram a prolongar-se no tempo bem até ao ano de 1984.
';- PORQUÊ O PROLONGAMENTO DO PROCESSO DE FORNECIMENTO
Entre 1974 e 1984, o CA/EMGFA ia oficiando a COMPAE/DSM e dando nota do valor das faturas que se encontravam por liquidar, relativo a encomendas aprovadas, e questionando sobre a razão de tal facto, uma vez que era necessário proceder-se à extinção do saldo afeto à respetiva aquisição - Poderia significar ou que a aquisição se
consumado ou, em alternativa, que tal não se havia verificado havendo então lugar à descativação da verba correspondente ao saldo em causa.
Da correspondência trocada entre diversos serviços da estrutura mi!itar1 como sejam a COMPAE/DSM, a Direção do Serviço de Material-Repartição de Armas e Munições, os Estabelecimentos Fabris Militares a CREEFA e o CA/EMGFA e nalguns casos o General QMG e a evidenciaram-se justificações para esta situação que transcrevemos por entendermos que ajudam a contextualizar estes factos. Assim:
"Com data de 24 de Setembro de 1979, um ofício da FMBP dirigido ao Chefe da Repartição de Armas e Munições/Direção do Serviço de Material {RAM/DSM}, com conhecimento ao presidente da CREEFA e ao Presidente do CA/CREEFA/EMGFA, informa que a FMBP não procedeu na devida altura à entrega no OGMG das 2958 espingardas automáticas G3 já inspecionadas pela Insp. Mat. Fab./DSM, em virtude das mesmas terem sido desviadas para satisfação de encomendas de exportação." Confrontar processo 6121/DSM/73- número 15, VOLUME 3.
"Em 3 de de 1979 a Direção do Serviço de Material - Repartição de Armas e solicitou CREEFA prazo de 823 529
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encomenda CGD com o
- Confrontar processo
à na
em
"Em faltava ainda fornecer 18 432 granadas morteiro 81 mm AZ1 a do de Material-Repartição de Armas e Munições enviou à CREEFA um oficio submetendo à consideração uma alteração do preço unitário para 1 600$00 e uma redução da quantidade em falta de 18 432 para 7660 unidades (Sobre este assunto, com data de 24/out/1978, a FMBP enviou um ofício ao Chefe da Repartição de Armamento e Munições explicando as razões das alterações solicitadas, as quals obtiveram, no Exército, a concordância do General QMG e foram comunicadas pela DSM à CREEFA)."- Confrontar processo 6121/DSM/73 número 12, VOLUME 3. Em contrapartida as razões apresentadas, pela FMBP1 são diferentes consoante nos situemos no período antes e pós 1974: - Confrontar processo 6121/DSM/73 - número
VOLUME 3.
Antes de 19741 são apresentadas como justificação as distorções havidas aos planeamentos de aquisições devidas às dadas ao fabrico de de caHbres sendo a linha de forjamento existente comum, o que impunha, consoante a prioridade em causa a introdução do fabrico de umas outras a que se associavam as dificuldades técnicas sentidas FMBP que provocavam alterações sensíveis nos planeamentos da produção, o que consequentemente tinha como resultado atrasos nos prazos de entrega das encomendas;
No período pós 1974 apresentadas como justificação as dificuldades conjunturais resultantes dos acontecimentos ocorridos, tais como: Uma redução drástica das encomendas por parte do Exército que criou à FMBP dificuldades de sobrevivência, pelo que aquere Estabelecimento Fabril se viu forçado a canalizar todos os seus esforços na conquista do mercado internacional o que necessariamente teve efeitos retardatários nos prazos de entrega das encomendas da COMPAE;
Num determinado caso concreto o facto de ter decorrido um período de tempo entre a data da 1a entrega e a mais recente considerada{ no qual efetivamente houve alteração nos preços dos fatores de produção (elevação nos custos salariais, das matérias primas, da taxa de juro e da taxa de câmbio) e agravamento dos custos dos subcontratantes.
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que não voltem a
Em suma parece de concluir estas e outras deficiências a nível e de funcionamento sem que no entanto
se pudesse evidenciar situações indiciadoras de comportamentos irregulares ou ilícitos.
> AS FATURAS EMITIDAS Algumas das faturas que observámos, cuja aquisição do material de guerra foi autorizada antes de 25/abr/1974 e entrega e faturação terá ocorrido, como dissemos entre 1975 e 19841 apresentam algumas particularidades que, a título exemplificativo,
Sendo certo que, de uma leitura preliminar das mesmas e na generalidade, não resulta matéria que as relacione diretamente com algum procedimento menos lícito podendo
explicar-se num enquadramento de deficiências organizatlvas e funcionais num contexto de transição e consolídação de estruturas - a verdade é que chama a atenção, desde as particularidades que de seguida se
i) A fatura com o no 839 emitida pela FMBP e relativa ao fornecimento de 1000 espingardas automáticas G3, no valor de 3 341 000$00, tem como data o dia zero do mês zero do ano zero. No entanto, o rosto da mesma indica que a mercadoria foi fornecida em 30/nov/1980 e entregue no mesmo ano, sem referir o dia e o mês. A
declarou no verso da fatura que a mercadoria foi rececionada em 25/jun/1981. ii) A fatura no 77, relativa ao fornecimento de 1000 espingardas automáticas G3, foi emitida pela FMBP em 17/mar/1981 e indica no rosto que a mercadoria foi fornecida em 12/jan/1981 e a guia de entrega tem a data 27/jan/1981. A COMPAE/DSM declarou no verso da fatura que a mercadoria foi rececionada em 27/abr/1981;
iii) A Fábrica Nacional de Munições e Armas Ligeiras emitiu uma fatura, datada de 17/fev/81, dirigida à COI\1PAE/DSM, no valor de 1 400 000$00 relativa a um fornecimento de 823 529 cartuchos 9 mm M/970, a qual tem no verso a indicação de que as mercadorias foram entregues em 10/dez/1981.
Outras situações chamam a atenção se compararmos as datas em que as faturas foram as datas do material DGMG das
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descativados. deveria reverter para
Noutros casos ficaria na mesma noutros ainda não era aplicação para o valor descativado.
4.3.6.2 25 de de
No exercício das suas competências/ já no pós 25 de abril de 1974, a CREEFA continuou a autorizar aquisições de material militar através de pedidos de autorização de realização de despesa dirigidos ao respet1vo presidente - Nas diligências desenvolvidas foram detetados dois processos de aquisição de armamento.
Um dos processos/ de que juntamos maior detalhe no a fls. 84 e no VOLUME 3, refere-se à aquisição de equipamento para neutralização de engenhos explosivos - 5 Remotely Robot Vehicle, Hunting S.A.S. e ao seu transporte de Londres para BristoL
Da leitura destes processos resulta que existiam outras situações em que a despesa era efetuada nos mesmos moldes.
4.3.6.3 Descativações resultantes do cancelamento de importações Verificámos alguns casos, relacionados com importações a fls. 86 e VOLUME
que "trazem alguma luz" sobre a aplicação que era dada, pela CREEFA a um financiamento denominado Crédito Especial no valor de 565 320 000$00 concedido pelo DL n. 0 115/74, de 20/mar/74, pois esses casos esclarecem sobre o destino das verbas repostas sempre que tivessem sido canceladas as aquisições a que as mesmas se destinavam.
Os créditos concedidos afetos ao financiamento de importações de armamento eram, em casos de rescisão dos contratos/ repostos na Fazenda Nacional vindo a acrescer ao saído dísponive! do crédito especial aberto através do mencionado.
Para tanto, as verbas repostas eram depositadas na Tesouraria da Fazenda Pública do 70 Bairro Fiscal de Lisboa, constituíam reforço do PAE/73, e ficavam sujeitas a novos saques.
As circunstâncias que vimos de enunciar em particular no que toca à prev1sao de "dotações" sob a forma de crédito especial previstas em diploma especifico - vg Decreto-Lei 115/74, o facto de o regime de realização da despesa e consequentemente da afetação da correspondente verba/receita autorizada pelo Presidente da CREEFA e o facto
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que a
concedidos neste (VOLUME
uma da 1 a Delegação da DGCP refere que feita uma análise ao movimento de verbas efetuado no período de 1968 a afigura-se ter havido um excesso sobre o total dos p!afonds concedidos no mesmo período, uma vez que, segundo a mesma entidade, este total é de 10 500 000 000$00, enquanto os levantamentos se cifram em 11 296 914 359$70, conforme se pormenoriza no ANEXO IX a fls. 64.
Nesta discordâncía está em causa o valor de 565 320 000$00 (DL n.o 115/74, de 20/mar/1974 Crédito Especial) e o valor de 451 604 963$80 resultante de importâncias repostas na Fazenda Nacional pelo CA/EMGFA até 1977, que este conselho entendia que constituam reforço às verbas autorizadas, opinião não seria partilhada pela DGCP.
Do conteúdo da citada correspondência/ resulta não se verificar uniformidade de entendimento entre o CA/EMGFA e a DGCP quanto aos p!afonds aprovados e aos quantitativos levantados pela CREEFA até ao ano de 1977.
De facto1 a Contabilidade Pública questionou o va!or dos fundos levantados pela CREEFA, no período de 1968 a 1977, considerando ter havido um excesso sobre o total dos p!afonds concedidos neste período.
A discordância entre o CA/EMGFA e a Direção Geral da ContabHidade Pública quanto aos aprovados e aos quantitativos levantados CREEFA até ao ano de 1977
abrangia o valor resultante de importâncias repostas na Fazenda Nacional pelo CA/EMGFA até 1977, que o CA/EMGFA entendia que constituíam reforço às verbas autorizadas, enquanto a Direção-Geral da Contabilidade Pública não partilhava da mesma opinião.
Anafisámos também dois processos da CREEFA, classificados, que contêm elementos relacionados com a exportação de material de guerra. No entanto1 tendo em conta o facto de os mesmos conterem documentos com menções secreto e muito secreto encontramo-nos impedidos de revelar o seu conteúdo.
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Face ao de forma e e legalmente cometidas a esta deve entender-se não caber
no teor do pedido que os auditores se sobre o dos e uv:>ll,.<;c;:, jurídicas defendidos Comissão Constitucional e respetivos membros no parecer em causa - incluindo as formuladas nas declarações de voto de vencido.
Assim, parecer da IGF incide sobre o enquadramento da apreciação da constitucionalidade pela Comissão Constitucional, em particular, os aspetos atinentes à criação e vigência do FDMU, o que passa pela consideração da envolvente histórica -antecedentes legislativos/ evolução das finalidades de afetação das verbas do Fundo -motivos para a aprovação do DL n.o 548/80 e a fundamentação para a sujeição a apreciação da constitucionalidade do diploma, que veio a confluir no Parecer n.o 36/81, da Comissão Constitucional e na Resolução n.o 274/81, do Conselho da Revolução.
A delimitação efetuada do objeto do presente parecer não obsta a que, em sede de apreciação, se dê conta de alguns aspetos - de resto, "objetiváveis" - no âmbito do processo de sujeição a fiscalização da constitucionalidade do condicionantes verificadas.
controvertido e das
Em síntese, o então Primeiro-Ministro no que foi acompanhado pelo presidente da Assemb!eia da República, a soHcítação de um grupo de deputados da maioria parlamentar - suscitou a declaração de inconstitucionalidade de um decreto-lei da iniciativa do Conselho da Revolução que dispunha sobre o património do FDMU.
Sustentava o Primeiro-Ministro que o Conselho da Revolução havia legislado para além da sua competência legislativa, invadindo a do Governo e da Assembieia da República no âmbito da afetação de recursos financeiros - o saído do FDMU - que, sendo do Estado, não cabia à "jurisdição" mt!itar regular. Embora dividida - como decorre dos vários votos de vencido e diferentes posições sobre a (in)constitucionaiídade das normas do articulado do diploma - a Comissão Constitucional veio dar razão ao Governo e ao grupo parlamentar impetrantes mas como decorre do teor da Resolução n.o 274/81, o Conselho da Revolução decidiu a seu próprio favor, não acolhendo o parecer da Comissão e não declarando a inconstitucionalidade do diploma síndicado.
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da inconstitucionalidade do questões ou mesmo suspeitas que possam associar
e relatadas nos anteriores dois de auditoria elaborados IGF por à recolhida e
outras diligências oportunamente desencadeadas.
De notar, aliás, que o âmbito temporal das mesmas ocorrências abrangia já um período anterior ao ano de 1980, ano da aprovação do DL n.o 548/80, afigurando-se, salvo melhor entendimento, ílegítimo retirar de um diploma que se propunha extinguir um determinado Fundo - e que acabou por vigorar alguns anos mais - a origem ou enquadramento jurídico apto ao manuseamento ou utilização indevída de verbas, no sentido de à revelia das finalidades a que se encontravam adstritas.
O DL n. 0 548/80 continha normas sobre a gestão orçamenta! do saldo do FDMU, confiada a um CA/EMGFA, a elaboração por este conselho de orçamento privativo anual objeto de visto pelo membro Governo responsável pelas finanças e sobre afetação de verbas que devia obedecer a um plano designado "plano de emprego" a elaborado anualmente
CEMGFA, em suma, uma série de mecanismos que uma margem de controlo da execução das despesas respetivas.
MOVIMENTOS ENTRE O FDMU
Passamos a evidenciar o que foi possível apurar no decurso da recolha de elementos de suporte e da respetiva apreciação integrada quanto a material de guerra e sua comercialização num período de tempo que situamos entre 1974 e 1980, ano em que se deu o evento de Camarate, e anteriormente à aprovação do Decreto-Lei n° 548/80, que se destinava à "extinção e reafectação do saldo do FDMU". Em bom rigor a transferência do saldo do Fundo apenas veio a ocorrer já no decurso do ano de 1981 13• Neste contexto importa recordar que no relatório da IGF 1007/2003 da Peritagem ao FDMU se registou a verificação, em 1977, 1980 e 1981, de diversos pagamentos através da Agência Militar e conta do FDMU na União de Bancos à FMBP resultantes da liquidação
13 No contexto da investigação, então promovida pe!o Ministro da Defesa, sobre a uti!ízação de verbas do FDMU
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numa encomenda de material militar.
entre as Armadas e os seus fornecedores.
4.6. ASPHOS GERAIS SOBRE VENDA DE MATERIAl EX,Cft)EI'HA DAS FORÇAS ARMADAS
Da informação 228/AF/77, de 20/jul do EMGFA (DAF/administração), relativa à venda de material de guerra desnecessário Forças Armadas conclui-se que o Ministério das Finanças advogava, nesta a necessidade de revogar o DL n.o 271/76, de 12/abr1 por o conteúdo jurídico do mesmo se encontrar em desacordo com as leis da Contabilidade pública em vigor (VOLUME Esta informação refere que a DAF sempre deu o seu parecer técnico no sentido de que o
da venda de material de guerra desnecessário Armadas deveria reverter a favor da Fazenda Nacional por tal procedimento ser o coincidente com a disciplína legal vigente, pelo que foi totalmente estranha a publicação do DL mencionado admitindo que, efetivamente, se a revogação do
Concluí-se que, anteriormente à publicação do citado Decreto-Lei, a pos1çao do (Adminístração) sobre esta matéria era numa fase inicial coincidente com a
do Estado-Maior da Aeronáutica e a do Estado-Maior da Força Aérea mas o Estado-Maior do Exército insistia em que, embora as verbas resultantes da venda de material de guerra dessem entrada na Fazenda Nacional poderiam ficar contabllizadas no Ministério das Finanças para fazerem face a eventuais aquisições de material de guerra, ne,ce:;sa à reestruturação do Exército.
Posteriormente o Estado-Maior da Aeronáutica veio solicitar um esquema semelhante ao proposto por aquele ramo das forças armadas no respeitante aos seus materiais excedentários.
Teve também a DAF entretanto conhecimento do envio para o GAB/CEMGFA, pela 4a Divisão, de um projeto de Decreto-Lei e Portaria cujos textos coincidiam com a opinião da DAF vertida nos pareceres técnicos que havia elaborado.
Informação elaborada pelo Tenente Coronel SAt-1 José Cunha Salvado, que não se encontra assinada.
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transmitindo-o à de S. CEMGFA de
apesar de a DAF constatou a do DL que o Ministério das Finanças estava a pôr em causa.
Somente em 1989 o art0 6° do DL n.o 48/89, de 22/fev, veio revogar os DL nos 38962, de 24/out, e 271/76, de 12/abr1 os quais abordavam a questão do destino do material excedentárlo das Forças Armadas.
O diploma mais antigo abrangia os ramos do da Marinha e da Aeronáutica autorizando os respetívos Ministérios a alienarem o material de guerra ou naval, munições e equipamentos militares não necessários à mobilização das forças armadas nem adstritos às obrigações Internacionais assumidas Governo à época.
Também o DL n.0 271/76, embora na limitada da Força Aérea/ íncídia sobre a alienação de material não necessário! no caso! material aéreo, munições e equipamentos
à mobilização das Forças Armadas nem cattvos (afetos, reservados) às obrigações internacionais assumidas pelo Estado. O DL no 48/89, de 22/fev, como aliás decorre do seu texto veio rever a da alienação daquele agora prevendo um regime aplicável aos três ramos das Forças Armadas - Armada,
Aérea e Exército, termos em que revoga os anteriores diplomas citado.
Face ao exposto e de acordo com a análise efetuada, conclui-se o seguinte:
A presente ação foi sollcitada pela X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate e pretende o esclarecimento de todas as dúvidas surgidas na sequência das anteriores auditorias realizadas pela IGF (relatórios n. 0 s 1007/2003 e 807/2004)! bem como das audições decorridas no âmbito dos trabalhos da Comissão de Inquérito, designadamente: (1) Averiguar se o FDMU foi encerrado; (2) Apurar como foi realizada a gestão dos seus saldos; (3) Esclarecer os "movimentos suspeitos" entre o FDMU e o CEMGFA; (4) Clarificar o papel da CREEFA na gestão do FDMU; (5) Analisar a declaração de inconstitucionalidade do DL n.o 548/80; (6) Averiguar a existência de
entre o FDMU e a de armas.
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deciarantes e a factos.
esclarecimento de que os intervenientes e omissões.
processo fornecer para
De referir que relativamente a duas das colocadas Comissão Parlamentar (esclarecer os "movimentos entre o FDMU e o CEMGFA e averiguar a existência de relações entre o fDMU e a exportação de armas), pelos condicionalismos antes mencionados e referidos nos relatórios anteriores, não nos foi possível obter elementos adicionais e/ou informações que constituam avanços significativos face ao já antes relatado.
5.1. ENCERRAMENTO 00 fOMU
O FDMU, sob esta designação e com as que tinha {vd. relatório n. 0 1007/2003) foi extinto, tendo o seu saldo passado a ser gerido num Fundo privativo sob gestão do CA/EMGFA. Quanto a existirem atos praticados após a sua extinção (18/nov/1980), há
de que foram efetivamente praticados atos no ano de 1981, que correspondem à regularização de processos que se encontravam/ ainda, em curso. No ano de 1982 e seguintes, os atos praticados foram-no no âmbito do Fundo privativo criado no EMGFA, conforme descrito no ponto 4.1. Salienta-se que dado a transferência dos valores do Fundo para o EMGFA ter ocorrido em 1981 ( e a respetiva incorporação nas contas desta entidade somente ter sido efetuada em 1982, não foi possível apurar, pelo que desconhecemos onde e em que termos esteve a ser aplicado o dinheiro neste período.
Entre os anos de 1982 e 1992 foram elaborados, anualmente, os orçamentos do FP/CA/EMGFA, tendo transitado para este Fundo o saldo de 510 315 769$00, apurado no final de 1980, no âmbito do FDMU. Em 1993 o saldo existente relativo a este Fundo, no valor de 29 081 757$50, foi integrado no orçamento do EMGFA. A partir de 1982, anualmente, e até 1992 (inclusive), foram apresentadas as contas de gerência do Fundo em causa, com as despesas detalhadas por rubricas orçamentais. Após 1988, não exis~s;~ê"
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para 18 817
1986 para fundos a entidades dos ramos armadas
Estado-Maior do bem como a em 1982 e de 2 012 265$50 em 1986 por
e conforme descrito no
em 1982
confirmarmos a rea!ização das aquisições/obras por 4.2.1. No sentido de
das unidades em causa, efetuámos contactos quer com a Força Aérea, quer com o Exército, não tendo contudo sido possível localizar, nos arquivos observados, informação que permitisse a concretização de tal objetivo, conforme descrito no ponto 4.2.1. Existia, ainda, uma verba comprometida no valor de 37 269 273$60 que ficou consignada à regularízação de processos em curso no âmbito do FDMU, sendo que parte desse montante totalízando 15 071 174$00, terá sido utilizado entre 16/jun/1981 e 07/ago/1986 tendo o restante (22 198 099$00), acrescido de juros de 10 784$ (22 208 883$00), sido transferido para o FP/CA/EMGFA em 07/ago/1986, acrescendo ao saldo existente, após elaboração do necessário orçamento suplementar (ponto 4.2.2). Como descrito no ponto pretendemos ainda confirmar os saldos do FP/CA/EMGFA
dos montantes existentes em depósitos solicitados tais da CGD. Esta
tendo para o efeito sido à partida dificuitada pelo facto do
Fundo não ter uma conta bancária autónoma, revelou-se mais complicada poís apenas foi possível obter elementos de parte da instituição financeira a partir de finais de 1982.
contudo, possível concluir que no fina! dos anos disponibilizados (1982 a 1987) os saldos existentes em depósitos à ordem na CGD são muito inferiores aos que resultam da soma dos valores das contas de gerência dos fundos sob gestão do EMGFA e das contas desta entidade que se encontrariam depositado em bancos naquelas datas, em resultado de movimentos de conciliação, constantes de listagens, entre os montantes efetivos em depósitos à ordem em 31/dez e os considerados nas respetívas contas de gerência.
Estas listagens/ quando disponíveis, são constituídas por muitas operações a débito e a crédito, não sendo possível concluir sobre o tipo de situações que lhe estão subjacentes, dado já não existirem os respetivos documentos de suporte, pese embora se confirmem tais operações nos extratos bancários quando estes existem.
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e destinava-se aos anos de 1968 e 1969.
Os Conselhos Administrativos do Ministério do e da Secretaria de Estado da Aeronáutica 15 seriam providos com os meios financeiros necessários ao pagamento dos fornecimentos realizados, competindo-lhes o pagamento das despesas efetuadas e a apresentação das respetivas contas à CREEFA.
Esta Comissão elaboraria, até 15/abr de cada ano, o relatório da ação exercida e parecer sobre as contas que lhe fossem presentes, submetendo-os a visto dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, considerando-se, após estas formalidades, legitimadas para todos os efeitos.
O DL n.o 113/70, de 18/mar, fixou aquele !imite para os anos de 1971 e 19721 tendo autorizado o Governo a contrair encargos até ao montante de milhões de contos para continuação do reequipamento extraordinário do Exército e da Força Aérea naqueles anos.
Pelo DL n.o 306/70, de foi dada nova redação às alíneas e d) do artigo 30 e ao so do DL n.o 48 368, passando o Conselho Administrativo do Secretariado-Geral
da Defesa Nacional (CA/SGDN) a ser habilitado com os meios financeíros necessários ao pagamento dos fornecimentos realizados. Competia-lhe também o pagamento dos encargos com o reequipamento extraordinário do apresentação das respetivas contas à CREEFA.
e da Força bem como a
Pela Circular n°1, de 16/jul/19701 desta Comissão, são dadas a conhecer as normas a observar na execução dos Planos de Aquisição do Exército nos anos de 1968, 1969 e 1970, por força do DL n.o 306/70 e das novas instruções para a execução do DL n.o 48 368.
As COMPAE e COMPAFA tinham por missão determinar as características de ordem técnica do material a adquirir, elaborar os cadernos de encargos referentes às aquisições a realizar e promover a abertura dos procedimentos concursais para as aquisições
15 Tendo-lhes sucedido o Conselho Administrativo do Secretariado-Gera! da Defesa Naciona! e posteriormente o CA/El''lGFA.
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e os concursos
promover as sobre de:spE~sa obtida a
públicas, submetendo à "'"'"'"""'.'"'r·:. do Ministro da Defesa
disposições.
dos cadernos
depois de as que envolvessem a
Competia-lhe também habilitar, em tempo os conselhos administrativos mencionados com os meios financeiros necessários ao pagamento dos fornecimentos realizados, bem como, promover a remessa de cópias ou fotocópias de todos os contratos de aquisição efetuados às respetivas repartições da Direção-Gerai da Contabilidade Pública {DGCP). Face à questão colocada X Comissão de à Tragédia de Camarate, a apreciação integrada dos aspetos relativos à CREEFA tornou inevitável a abordagem da matéria respeítante à utilização de verbas deste Fundo, no âmbito da comercialização de armamento.
Os elementos arquivados com a designação de "Contas de CREEFA" revelaram-se manifestamente insuficientes para perceclonar o funcionamento desta Comissão em termos da proveniência do dinheiro que utilizava e dos pagamentos que eram efetuados com esse dinheiro.
Pese embora o esforço desenvolvido em vista do aclaramento desta matéria, efetuada que foi a análise da esparsa documentação não se obtiveram melhores resultados com a audição dos Oficiais das Forças Armadas intervenientes nos processos. A título de exempio refira-se que um dos referidos oficiais, que em 1981 e 1982 assinou as contas da CREEFA e movimentou a conta na Caixa Gera! de Depósitos com o número 0697 335440 832, do Conselho Administrativo do EMGFA-Piano de Aquisições (conta da CREEFA), declarou ter-se !imitado a apor a sua assinatura na documentação que lhe era apresentada para despacho, não conseguindo explicar em que termos e para quê.
No entanto, locaiizámos no arquivo da Defesa Nacional alguns processos relativos à CREEFA, de cujo conteúdo damos nota no respetivo ponto deste relatório, sendo que concedemos particular atenção a situações relacionadas com material de guerra, que subdividimos nos seguintes tipos:
• Processos relativos a despesas que foram aprovadas antes de 25 de abril de 1974 mas concretização, em termos da faturação e fornecimento do material de guerra,
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Comissão de à de Camarate clarificar o da CREEFA na gestão do FDMU ou dos valores a ele
conduziu-nos a localizar processos relativos à aquisição de material de guerra, em que a havia sido antes de 25/abr/74 e que se "arrastaram~~ no tempo até 1984.
Algumas das faturas correspondentes ao material de guerra fornecido no referido intervalo de tempo (1974 - 1984) apresentavam particularidades tais como uma fatura datada com o dia zero do mês zero do ano zero que indica no rosto que o material (espingardas automáticas G3) foi fornecido em 30/nov/80 e entregue no mesmo ano sem referir o dia e o mês, enquanto que a COiV!PAE/DSM veio a declarar no verso da mesma fatura a com data de 25/jun/81. Estas particularidades[ revestindo-se de contornos pouco ortodoxos1 podem ter a sua explicação num enquadramento de deficiências organizativas e funcionais num contexto de transição e consolidação de estruturas.
Nos casos em que o material de guerra acabou por não ser fornecido as verbas foram descativadas e r.::::ator-rc•·::. CEMGFA.
nalguns casos, para uma reserva à ordem do EMGFA ou do
No exercício das suas competências, já no pós 25 de abríl de 1974, a CREEFA continuou a autorizar aquisições de material militar, através de pedídos de autorização de despesa dirigidos ao seu presidente, designadamente importações.
Os créditos concedidos afetos ao financiamento de importações de armamento eram, em caso de rescisão dos contratos! repostos na Fazenda Nacional, vindo a acrescer ao saldo disponível do crédito especial aberto através do DL no 115/74, de 20/mar/74. As verbas repostas eram depositadas na Tesouraria da Fazenda Pública do 7° Bairro Fiscal de Lisboa[ constituíam reforço do PAE/73, e permitiam novos saques. Na reconstituição das contas do FDMU aquando da elaboração do relatório n° 1007/2003 da IGF, haviam sido identificadas, nos anos de 1975 e 1976, saídas da conta daquele Fundo no Banco de Angola, para o CA/EMGFA-P!ano de Aquisições, no total de 4 601 280$00. Verificou-se agora, que estes valores constituíram depósitos na conta da CGD da CREEFA. Os oficiais das Forças Armadas, intervenientes em assuntos financeiros
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elementos sob manifestamente insuficientes para nomeadamente em termos da
a ele Efetivamente, os de Contas da CREEFA revelaram-se
percecionar o funcionamento desta Comissão, do dinheiro que utilizava e dos pagamentos
que efetuava com esse exceto à conclusão da existência de um "Fundo CREEFA"/ resultante das importâncias repostas na Fazenda Nacional, em virtude de terem sido canceladas as aquisições a que se destinavam, que constituíam reforço às verbas autorizadas pelos DL n. 0 s 218/73 e 115/74, que eram utilizadas peia CREEFA.
5.4. INCONSTITUCIONAliDADE DO DL N. 0
Face ao carácter de alguma forma indeterminado do pedido e das atribuições e competências legalmente cometidas a esta Inspeção-Geral1 deve entender-se não caber no teor do pedido que os auditores se pronunciem sobre o mérito dos argumentos e posições jurídicas defendidos pela Comissão Constitucional e respetivos membros, pelo que a ava!lação da IGF incidiu sobre o enquadramento da apreciação da constitucionalidade pela Comissão, em os aspetos atinentes à criação e vigência do FDMU, designadamente os motivos para a aprovação do DL n.o 548/80 e a fundamentação para a sujeição à apreciação da constitucionalidade do diploma, que veio a confluir no Parecer n.o 36/81, da Comissão Constitucional e na Resolução n.o 274/81, do Conselho da Revolução.
que uma das fragíHdades do sistema de fiscafização da constituciona!ídade consagrado na primeira versão da Lei Fundamental, decorre de que o Conselho da Revolução podia decidir em causa própria. Todavia, o funcionamento do sistema de fiscalização corporizado, pelo pedldo de apreciação da constitucionalidade formulado pelo Conselho da Revolução, pefa emissão de parecer (não vinculativo da Comissão Constitucional) e a adoção por aquele órgão de uma resolução de não declaração da inconstitucionalidade do DL n.o 548/80, não suscita questões ou mesmo suspeitas que possam associar tal decisão à ocorrência das deficiências e irregularidades relatadas nos anteriores dois relatórios de auditoria elaborados pela IGF por reporte à documentação recolhida e outras diligências oportunamente desencadeadas.
De notar, a!iás1 que o âmbito temporal das mesmas ocorrências abrangia já um período anterior ao ano de 1980, ano da aprovação do afigurando-se, salvo melhor/
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devia obedecer a um , elaborado anualmente Chefe do Estado-f"laior-General das em suma, uma de
mecanismos no âmbito de um estrito uma margem de controlo da
DE ARMAS
Neste contexto, importa recordar que no relatório da IGF n. o 1007/2003 da Peritagem ao FDMU se registou a verificação/ em 1980 e 1981, de diversos pagamentos através da Agência Militar e conta do FDi"'U na União de Bancos à HIIBP resultantes da liquidação de encargos referentes à montagem da linha de fabrico de granadas foguete (Folhas 80, 108 e 115 do citado relatório). Ainda no mesmo relatório, e para o ano de 1979, foi também detetada a assunção de encargos, pelo FDMU, respeítantes à venda de granadas "OBUS" à RFA (Folhas 98 do referido relatório da IGF).
no das diligências com vista a identificar a CREEFA e o FDMU, constatamos igualmente a 1977, numa encomenda de material militar.
em
Numa apreciação conjunta, afigura-se-nos que a gestão das exportações de armas, nomeadamente à sua disponibilização temporal, era artículada 1 de forma íntima, entre as Forças Armadas e os seus fornecedores.
NOTA
Em síntese, é nossa convicção que um hipotético prolongamento da ação em apreço, com a consequente concretização de mais di!igências, não seria suscetível de permitir a obtenção de outros elementos que trouxessem valor acrescentado ao objetivo último pretendido, não garantindo, pois, uma alteração relevante ao teor das conclusões agora retiradas.
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de em 31 de março de 2014
Os
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I DETAlHE POR RUBRICA DAS DESPESAS REALIZADAS NO
- DETALHE POR DOCUMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS NO
.AN'EXIO UI- DETALHE POR DOCUMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS NO ÂMBITO DO ''~~"-LA.;:!~ REALIZADAS DO
REAliZADAS DO
EMGFA PARA A
EMGFA PARA O
MOVIMENTOS FINANCEIROS JAN .A MAR DE 1980
- FORNECEDORES E DA DESPESA DO FUNDO
- RESUMO DOS AUTOS DE ~...."""'1'\'-M.v RELATIVAMENTE A CONTAS DA
E A DGCP
RESUMO DOS AUTOS .... ""''""""''""""'RELATIVAMENTE À CONTA RESUMO DOS DE "-"-'R"""'"""""" REL.ATIVAMENTE
PROCESSOS DESPESA AUTORIZADA ANTES DE
-PROCESSOS RELATIVOS A DESPESA AUTORIZADA
-PROCESSOS R.E.lATIVOS A RESULTANTES DO CANCELAMENTO
KM~~"\U DA IGF N. 0 173 2013
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SENHOR CORONEL AUGUSTO GASPAR CORREIA
SENHOR JOAQUIM SERRANO MIRA -·"'·""·""'"·~UI- SENHOR CORONEL DO SAI\'1 DA SILVA ANTUNES NOGUEIRA
SENHOR SUPERINTENOENTE~CHEFE DA CUNHA SALVADO
fORNECEDORES CREEFA
COM AS CONTAS DA CREEFA-
COM AS CONTAS DA CREEfA
,..,.,.1<::,.,,..w IV- CONTAS DA CREEFA 1980
~CONTAS DA CREEFA 1981
-CONTAS DA CREEFA 1982
-CONTAS DA CREEFA 1983
- CONTAS DA CREEFA 1984
MOVIMENTAVA CONTA DA CREEFA
DO FDMU PARA A CREEFA
GERAIS SOBRE VENDA DE MATERIAL
ENTRE O E A DGCP
A
77 SITUAÇÃO DA CREEFA EM OUTUBRO tlf"LncA~uXlV- PROCESSOS RELATIVOS À COMPRA DE MATERIAL DE GUERRA ANEXO XV- f'\~C!F'ATTU
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ANEXO DeTAlHE POR RUBRICA ORÇAMENTAl DAS DESPESAS REAliZADAS NO
Deslocações- compensação de encargos ( COD. 14.00) Bens duradouros- construções e grandes reparações (COD. Bens duradouros- material militar de defesa e segurança (COD. Bens duradouros- material mílitar de aquartelamento e alojamento (COD. Aquisição de serviços não especificados (COD. 31,00) Transferências- setor público fundos autônomos (COD. 38.02)
Unidades e estabelecimentos- Orgãos Militares
Unidades e estabelecimentos Força Aérea Transferências- setor público serviços autônomos (COD. 38.03) Despesas de capital- investimentos na habitação (COD. 46.00)
60.888.039,00; u .. :JOU.\JJ.V1.lV
28.129.000,00
27.550.000,00!
86.715.000,00
o valor de 1982 indu i uma verba de 2 722 692$00, que constituirá uma transferência para oCA do Campo de Tiro de Alcochete e que como tal pensamos
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ANEXOU DETAlHE POR DOCUMENTO DAS DESPESAS EFETUADAS NO
CA Centro ~'Jlitar de Educação física Equitação e DesportosiMafra) CA Departamento de Finanças do exercito CAdo Glmpode tiro de Altochete CA Escola Prátí:a de transmissões CA Estado Maior da Armada CA Manutenção ~~litar CA Regimento de engenharia de Espinho CA serviços sodais das forças armadas CA serviços sociais das forças armadas EMGfHEOME fMGfA-CEOME EMGFA • CEOME EMGfA • CEOME EMGFA·CEOME EMGFA-CEOME EMGFA-CEOME EMGFA-CEOME EMGfA- CEOMf EMGFA-CEOME EMGfA • CEOME EMGf A· C fOME EMGfA-CfOME EMGfA · CEOME CA do htado Maior do exéróto CA do Estado Maior do exército
Tramf fransf Transf Transf Transf Tramf Transf Tramf
RV97C'º51 Rl'976011 RV97túSJ
f.1069 U97l
1'1 f.25/Sl
L 17-B/82 UI-A/81 f.l&·A/81 f.19/8l
f.l&B/81 l'l 1'1
lran1f Tramf
4.000.000,00 Construção de piso para Instalar no pavílhlo desportivo 15.000.000,00 Comtruçlo de pavilhãrJ desportivo ao regimento de infantaria de romJr 2.122.691,00 Tapete betuminoso na estrada principal da zona vedada no CTA 3.900.000,00 11 fase de instalaç~o do sistema de renova{ãrl e tratamento de águas e fase da cobertura da piscina 9.815.000,00 Aquisição de camião com atrelado para instrução itinerante
!3500.000,00 Obras de remodelação e ampliação da tminha e benefidaçio lntNiores da mme mias l.OOO.COO,OO Terraplanagem para amplia1lo do aeródromo de Sei a
2S.COO.OOO,OO Constrvçlode complexos sociais dos SSfA 7.000.000,00 Aquisição de prédio urbano e e prédios nistícos coníiguos às instalações da lar dos Veteranos mílitarmm Runa
531.365,00 [labo•a1&odo programa base do edifício téwito e de direção e comamdo de tampo de tiro de alcochete 638.819,00 Elabora;â!lestudo prévio do edrrido t€cnko e de direção e comamdode campo de tiro de almrhete 14SJll,OO Elaboração projeto de execução do edifício técniw e de direção e comamdo de campo de tiro de ak()(hete
2.lll.177,00 rorn~dmeoto e montagem de eltrutura pré-fabrícada leve para eStola electromeranica de Paço d'arr:os 1.931.43),00. fornecimento e montagem de estrutura pré-fabricada I e Vil para escola electrometanica de Paço d' arcos
l01.584,00.fornedmento e montagem de estrutura pre·fabricalla leve para escola electromecankade Paçod'arcos 1.391550,00 ümpe1ne pinturas exteriores no edifício EMGf,\ U2&6'J\l,00Jimpm e pinturas exteriores no edifício EMGfA 1.8JI.ll0,00limpm e pinturas exteriores no edilitio lMGfA 1.701.!50.00 Umpm e pintwos exteriores no edifício EMGfA
851.950,00 limpm e plnturamteriores no edifício EMGFA 1A47.811,1l0 límpme pinturas exteriores no edfficío EMGFA
338Sl1,SO limpme pinturas exteriores no edíficln EMGfA 10R!ltl7,00 fornecimento e montagem de estrutura prHabritada leve para esrola elertromecanirade Paço d'arcos
10000.000,00 Melhoria de Instalações militares 15.000.000,00 Obras em estabelecimentosmilí!ares
1ransf 28.000.000,00 Aquisição de equipamentosportateís de VHf/FM Transf lO 000.00:1,00 Obras na base aérea n! S· monte real
fP de Expediente, adminislfilção, fiscalinçlode obras
Desp. CEMGFA llNov81· nata 917/Af/fll (P! 1/()f;Jl/al da DlAF) Desp. General Adjunto Of/CEM!ífA de 24Set82 Oesp. CEMGFA 12Nov81 • no1a 919/ AF/82 de lSNov81 da DiAf /P e 0./EMGf A
tOesp. CEMGfA 12Nov81- nota9l1/Af/8l (P! 2/0025/81 d~ l8NovSllla DIA f)
)Oesp. CEMGFA 12Nov81· nota 931/AP/82 (P91./()f;.ú4/8l de 18Nov81 da DIAF)
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do Estado Maior General das Forças Armadas
do Estado Maior General das Forças Armadas
do Estado Maior General das Forças Armadas
do Estado Maior General das Forças Armadas
CA do Estado Maior General das Forças Armadas
CA do Estado Maior General das Forças Armadus
Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea
Comando logístico e Administrativo da Força Aérea (CLAFA)
Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea
Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea
Comando Logístico e Administrativo da Força Aérea (CLAFA)
Guia
Transf
Transf
Transf
Transf
DAS DESPESAS EFETUADAS NO
/Construção de um edíficio para preparação de 1.491.035}001 N
imuniçoes para ensaios no campo de tiro de Alcochete
55.243,SO!percentagem para o FPEAFO t ' v• '' 325.965,00)Compra de material de defesa e segurança a Paris 18.323,00;Aquisição de tractor
i Importância para fazerface a danos materiais no 2.500.000,00icomando Aéreo dos Açores (Base Aérea nl! 4)
\temporal de 15/16 fev !Aquisição de ...
1.500.000,00; nº 4 . !Apetrechamento duma pista de treino tático para
324,800,00t , N !Utlllzaçao do equipamento MILES !Obras de melhoramento no terminal do Aerodromo de
2.5oo.ooo,oo, • I \transito n2 1 EMFA
Corresponde a despesas de expediente, administração e fiscalização de obras que constituem receita do FPEAFO (FP /CEOME). FP de Expediente, de obras
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7866/CA 22-12-1982
7647/CA 15-12-1982
4295/0/CA 17-06-1986
4293/0/CA 17-06-1986
5630/0/CA 24-07-1986
9123/0/CA 31·10-1986
ANEXO IV 1'\n. .•• u'\.;:;J REALIZADAS DO PARA
Repartição de administração da , .. _ . . 28 oooooooo.d' - d . d 1 t d' . :Aqu1s1çaodeeqwpamentosportate1s _ . . , ' 1recçao o serv1ço e n en ene~a e , I
. . , iC1e VHF FM contab11fdade da Força Aerea Repartição de administração da
10.000.000,00 direcção do serviço de Intendência e 1 Obras na base aérea n2 5 monte real contabilidade da Forca Aérea
Comando Logístico e Administrativo 2.500.000,00 ' ( ) da Força Aerea CLAFA
00 O . Comando Logístico e Administrativo
1.500.0 J o. ( ;da Força Aérea CLAFA)
,materiais no comando Aéreo dos !Açores (Base Aérea nº 4)-}15/16 fev !Aquisição de
324.800,00 Comando Logístico e Administrativo i . da Força Aérea (CLAFA) itát1co para utilização do
jdo CA Açores/BA nº 4 \Apetrechamento duma pista de treino
!MILES
2 00 O Comando Logístico e Administrativo Obras de melhoramento no terminal
.500.0 I o d ' (C ) d d ' . a Forca Aerea LAFA o Aero romo de trans1to n!l rlrn in ktr::ithu"\
Aquisição de material da área do CPA
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6059/CA
8462/CA
7963/CA
7647/CA
7646/CA
6790/CA
09-11-1982
30-12-1982
30-12-1982
ANEXO REALIZADAS DO FP/CA/EMGFA PARA O
2.722.692,00,CA do campo de tiro de Alcochete Tapete betuminoso na estrada principal da zona vedada no CTA Construção de pavílhão
15.000.000,00. CA Departamento de Finanças do exercito . d . f . d regimento e 1n antana e tomar
c:ni"\t"'ti\1(') ao
Terraplanagem para ampliação do 1.000.000,00 CA Regimento de de Espinho .
'aerodromo de Seia ·Obras de remodelação e da
29-12-1982 13.500.000,00 CA Militar e beneficíação interiores da 'messe caxias
22-12-1982 CA Centro Militar de Educação Física
4.000.000,00 . N D EqUitaçao e esportos
16-12-1982 25.000.000,00 CA serviços sociais das armadas
16-12-1982 7.000.000,00 CA serviços sociais das armadas
31-12-1982 3.900.000,00 CA Escola Prática de transmissões
10.000.000,00 Estado Maior do exército
:construção de piso para instalar desportivo
tConstrução de complexos sociais dos SSFA Aquisição de prédio urbano e e rústicos contíguos as instalações da Lar
Veteranos molitares em Runa fase de instalação do sistema de
renovação e tratamento de águas e fase
Obras em estabelecimentos militares
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DE
Valores em escudos "~ " j' ~~ "' ~ -;. & ?
"~ DeSignaÇão , : , Valor , Suporte dos Valores
Resumo da Receita do Fundo 05- 02
PAE/73
Resumo da Receita do Fundo DEV/CREDORES
Resumo da Despesa do Fundo 05- 02
Resumo da despesa do Fundo Depósitos à Ordem
683.750,00
10.552.
'
Avisos de pagamento que referem números de autorizações de pagamento.
I São saques do CA/EMGFA sobre a Direção-Geral da Contabilidade Pública.
Entrega no CA/EMGFA, pe!a FNMAL, resultante da devolução de um valor correspondente a 525.962 cart. 9 mm m/970. (encomenda com a referência
conta do
Recibos e outros documentos justificativos de pagamentos efetuados no quãdro seguinte, os fornecedores e os destinatários da despesa) Depósitos na conta do CA/EMGFA Plano de
na Caixa Geral dos Depósitos.
(Saques do CA/EMGFA sobre a Direção-Geral da Contabilidade Pública adicionados do valor devolvido pela FNMAL, decorrente de uma encomenda de material de guerra
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Valores em escudos
CA/EMGFA
CA/EMGFA
CA/EMGFA
Os documentos relativos a situações de aquisição de bens duradouros e não duradouros e de prestação de serviços, sugerem ter por suporte Planos de Aquisição do Exército (PAE) e Planos de Aquísição da
Aérea
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na de no SGDN e transitou daí para onde esteve
,,,,.._,, .M. com para movimentar a conta bancária CREEFA a partir de mas que nunca assinou
da nos anos de sobre a mesma conta neste
Superintendente-Chefe José da Cunha Salvado, na qualidade de membro da CREEFA/Secretariado, com poderes para movimentar a conta bancária da CREEFA mas que nunca assinou cheques.
Resultado das
Coronel Antônio Augusto Gaspar Correia (Presidente do CA/EMGFA), exerceu funções no CA/EMGFA desde 01/abr/1976 a 20/nov/1983. Enviava trimestralmente à CREEFA a síntese das contas desta comissão, bem como a posição da conta na CGD com o número 0697 335440 do CA/EMGFA-Piano de Aquisições (conta da CREEFA).
no SGDN e transitou daí para o c!'lc::ll '"'· Também membro do com poderes para movimentar a conta bancária da CREEFA a de 29/dez/1980 mas que nunca assinou cheques.
Presume que as despesas seriam aprovadas pelo Presidente da CREEFA ou o CEMGFA;
Nos casos em que as despesas tiveram a ver com a aquisição de armamento não havia do CA/EMGFA, mas que havia da Direção Nacíona! de Armamento ou CREEFA;
Quanto à proveniência do dinheiro depositado referiu que seria através de guias de requisição à DGCP- 1a Delegação e que os depósitos não eram feitos em dinheiro, como mencionado no ANEXO X; As contas da CREEFA não estavam integradas no Orçamento do EMGFA;
Confrontado com o facto de o Presidente do CA/EMGFA Coronel SAM Antônio Augusto Gaspar Correia enviar à CREEFA as contas desta Comissão e a posição da conta na CGD com o número 335440-8 respondeu não saber o que é que significam no quadro-resumo da situação das contas da CREEFA, os PAE'S, os valores autorizados, sacados e !íquidados e o valor dos saldos a sacar e a liquidar. Contudo, declarou que, onde está referido o CA/EMGFA deverá ser entendido como sendo o CA/CREEFA;
O CA/EMGFA não tinha qualquer intervenção na gestão dos Fundos em poder das Regiões Mí!itares
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Superintendente-Chefe José da Cunha membro da esta conta bancária mas que nunca assinou cheques.
Nunca foí membro do CA/EMGFA;
com poderes para movimentar
De facto não havia um CA legalmente constituído e fez parte do Secretariado da CREEFA. As suas consistiam em analísar os diversos processos de aquisição de materiais indispensáveis ao
Exército e à Força Aérea (podiam ir de materiais para o de saúde, fardamento, obras e material de guerra,
A sua responsabilidade cingia-se fundamentalmente a manter um controlo das verbas destinadas ao fundonamento da CREEFA e dos saldos que ia havendo em relação aos processos enviados pelas diversas COfi.1PAE e COMPAFA. Além da análise da legalidade desses mesmos processos;
Os processos iam a despacho do chefe do serviço da CREEFA, Brigadeiro Macedo de Magalhães e que posteriormente os apresentava à aprovação da Direção da CREEFA;
da CREEFA, tanto quanto se recorda, faziam o Senhores Almirante Leitão como o Dr. José Luís Sapateiro como Voga! e o Dr. Luís Bívar sendo que em relação a este
último não tem a mínima certeza. Ainda, o Chefe do Secretariado da Brigadeiro Macedo de Magalhães, mais tarde substituído pelo Brigadeiro Rodrigues de
Não havia, na CREEFA, o cargo de chefe da contabHidade;
ao facto de a conta bancária não ser mencionada nas atas do CNEMGFA e também não ser transmitido ao Tribunal de Contas o valor do seu saldo, declarou que o que tinha existência lega! era o CA/EMGFA e que esta conta era uma conta para a CREEFA movimentar sob a "capa" do CA/EMGFA. Não se recorda de ter, alguma vez, movimentado esta conta;
Desconhecia porque é que esta conta não era mencionada nas atas do CA/EMGFA e também porque não era transmitido ao Tribunal de Contas o seu saldo;
Quanto à despesa paga através desta conta, referiu não fazer ídeia de quem a aprovava mas pensar que seria realizada pelas COMPAE e que podia ser relativa a contratos anteriores que se foram concluindo ao longo do tempo continuando a funcionar o sistema que vinha sendo seguido;
Quanto à proveniência do dinheiro depositado e ao facto de os depósitos serem, ou não, feitos em numerário, referiu julgar tratar-se de saques feitos junto da Delegação (Repartição) da Contabilidade Pública à medida das necessidades militares. Desconhece totalmente como eram feitos estes
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ANEXO DGCP
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Correia na de Presidente do nn.r~,,-,, para movimentar esta conta bancária mas que nunca assinou
Coronel do SAM João da Silva Antunes na qualidade de chefe da contabilidade do que estas funções no SGDN e transitou dai para o onde esteve
até 1983 ou 1984 e também membro do CNEMGFAr com para movimentar esta conta bancária a partir de 29/dez/1980 mas que nunca assinou cheques;
.. Capitão Henrique Joaquim Serrano Mira1 responsável da contabilidade da CREEFA, nos anos de 1981 e 1982 e que foi a única pessoa a assinar os cheques passados sobre esta conta neste período;
" Superintendente-Chefe José da Cunha Salvado, na qualidade de membro da CREEFA/Secretaríado, com poderes para movimentar esta conta bancária mas que nunca assinou cheques.
Resultado das audições:
Coronel António Augusto Gaspar Correia, Presidente do CA/EMGFA (1976/1993), com poderes para movimentar a conta bancária mas que nunca assinou cheques. Enviava trimestralmente à CREEFA o Balancete das contas desta comissão e a posição desta conta bancária na CGD.
Não sabia porque é que esta conta bancária não era mencionada nas atas do CA/Ef'4GFA e porque não era transmitido ao Tribunal de Contas o valor do seu
desempenhava estas funções no SGDN e transitou daí para o Erv1GFA, onde esteve até 1983 ou 1984. Também membro do com poderes para movimentar esta conta bancária a partir de 29/dez/1980 mas que nunca assinou cheques.
Não movimentou esta conta porque a mesma não pertencia ao CA/EMGFA;
Em relação ao documento entregue na CGD com as assinaturas dos órgãos do CA/EMGFA e onde também constam dois adjuntos, Augusto de Pinho e Henrique Mira que pertencem à CREEFA, admite que a razão de o Presidente e o Chefe da Contabílidade do CA/EMGFA terem assinado foi porque poderiam vir a receber cheques da CREEFA e eram necessárias as suas assinaturas para que a CGD pudesse confirmar futuros movimentos, mas pagamentos não efetuavam, Os documentos com que foi confrontado não estavam assinados por membros do CA/EMGFA mas sim pelos adjuntos atrás citados; Admitiu que o documento contendo assinaturas dos adjuntos possa ter a ver com uma forma de as referidas assinaturas poderem contornar a obrigatoriedade de os elementos do CA/EMGFA terem
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nos anos de
Referiu que não era Chefe da Contabilidade da CREEFA mas sim do da CREEFA e exercia as denominadas como "Fecha Processos", limitando-se a superiores que lhe eram como mencionado no ANEXO
Não sabia porque é que esta conta não era mencionada nas atas do e porque não era transmitido ao Tribunal de Contas o valor do seu
Não sabia qual era a mas declarou que os não eram
Superintendente-Chefe José da Cunha Salvado1 membro da CREEFA, com poderes para movimentar esta conta bancária mas que nunca assinou cheoues.
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saído da conta bancária do deu transferido
CREEFA e não foi diretamente transferido DAf/EMGFA do
Não se recordava de EMGFA e o
Gabinete do
Coronel do SAM João da Silva Antunes Nogueira, chefe da contabilidade do CA/EMGFA, que desempenhava estas funções no SGDN e transitou dai para o EMGFP.., onde esteve até 1983 ou 1984 e também membro do CA/EMGFA.
Questionado sobre porque tiveram os vaiares transferidos do CA/DSA/ME para o FDMU de passar pela CREEFA e não foram diretamente transferidos pelo DAF/EMGFA do FDMU para os Cofres do Tesouro respondeu que este assunto não passou pelo
Não sabia a ligação da CREEFA com a CRECUL, com o o Gabinete do EMGFA e o
Superintendente-chefe José da Cunha Salvado, membro do Secretariado da CREEFA. Nunca foi membro do CA/EMGFA ou do Gabinete do EMGFA.
Questionado sobre pOíque tiveram os valores transferidos do CA/DSA/ME para o FDMU de passar pela CREEFA e não foram diretamente transferidas pelo DAF/EMGFA do FDMU para os Cofres do Tesouro referiu que desconhecia esta matéria mas admitiu que, face ao entendimento suscitável pela em causa, deverá ter sido uma aprovada a nível
Capitão Henrique Joaquim Serrano Mira, 1981 e 1982.
da contabilidade da CREEFA, nos anos de
Questionado sobre porque tiveram os valores transferidos do CA/DSA/ME para o FDMU de passar pela CREEFA e não foram diretamente transferidas pelo DAF/EMGFA do FDMU para os Cofres do Tesouro respondeu que não sabia;
da CREEFA com a o Gabinete do EMGFA e o
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Processo Número 15 VOLUME 3
Este processo trata das seguintes situações relativas à aquisição de material de guerra:
a) 17 958 ESP.AUT. G-3 7,62 mm M/963 e respetivos acessórios 38 630 explosivas para morteiro 60 mm e/espoleta AZ DM 111 A2
a) Material a adquirir: 17 958 ESP.AUT. G-3 7,62 mm M/963 e respetivos acessórios Esta aquisição teve o seu início em 1973 com uma informação elaborada pela COMPAE/DSM na quai é apresentada, por esta COMPAE, a necessidade de adquirir, à FMBP, o material em epígrafe, no montante de 59 997 676$00 (informação no 201AC1/73- ? 0 212.063/11.1.73). Conforme consta na proposta da FMBP (n° 010A144 (1)), este material destinava-se à COMPAE/DSMl e deveria ser entregue no DG~v1G, com início no 20 semestre de 19751 ao ritmo de 2000 por mês.
A COMPAE/DSMl elaborou um pedido de autorização de despesa, para o valor de 59 997 676$00, a financiar pelo PAE/73 (Rubrica - DIV. - I -Armamento no 1 Esp. Aut. G-3 e Acessóríos). Destinava-se este material a satisfazer as necessidades do Exército - Execução do PAE/73}. O SGDN/CREEFA emitiu, em 13/dez/1973, um documento (5068/AF/73) informando que1 por despachos de Suas Excelências os Mínistros da Defesa Nacional e das Finanças, de 28/nov/1973 e 30/nov/1973, respetivamente, foi autorizada a aquisição de 17 958 ESP.AUT. G-3 7,62 mm M/963, no valor de 59 997 676$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito. De acordo com este documento:
• O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida importância de 59 997 676$00, mencionando na respetiva de fundos o número deste documento;
" Os pagamentos seriam efetuados CA/SGDN em face do original da fatura a receber, através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a deciaração de o material ter sido recebido;
" O duplicado da fatura deveria ser enviado pela referida COMPAE, diretamente à CREEFA,
Relativamente a esta encomenda foram, entretanto, emitidas, pela FMBP, nos anos de 1975, 1976 e 1977, faturas totalízando o valor de 50 115 000$00 contendo, cada uma, declaração em como o material foi recebido no DGMG. Estas faturas foram enviadas pelo Ministério do Exército (C0f'.1PAE/DSM1) à CREEFA, para pagamento.
Com data de 30/nov/1978, um ofício do CA/H'lGFA dirigido à COMPAE/DSM, dá nota de que, nesta data, ainda se encontra por liquidar à FMBP a quantia de 9 882 678$00 relativa a esta encomenda, pelo que solicitam o envio das faturas correspondentes a este valor ou, o que for tido por conveniente, uma vez que tem de proceder-se à extinção deste saldo. Com o mesmo conteúdo foi emitido um outro ofício, à data de 17/abr/1979, em que a situação se mantinha. Nesta informação o CA/EMGFA solicita à
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Em o voltou a enviar um ofício à com as mesmas anteriores porquanto, nesta a situação mantinha-se. entretanto, emitidas três faturas no total de 9 882 678$00, relativas ao material em falta.
Em relação a essas faturas realçamos as seguintes particularidades:
30-11-1980 1980 25-06-1981 01-07-1981
12-01-1981 27-01-1981 27-01-1981 13-05-1981 20-05-1981
29-05-1981 02-06-1981 08·07-1981 24-07-
" Foram enviadas à CREEFA pelo Estado-Maior do Exército (DSM/RAM) e não pelo Estado-Maior do Exército (COMPAE/DSMl), como havia acontecido em relação a todas as outras faturas enviadas nos anos
" A fatura da FMPP com o no 839 apresenta como data o dia zero do mês zero do ano zero mas o rosto da mesma indica que a mercadoria foi fornecida em 30/nov/1980 e entregue no ano de 1980, sem referir o dia e o mês;
.. A COMPAE/DSM declarou no verso da fatura que a mercadoria foi rececionada em 25/jun/1981; • A fatura no 77 foi emitida pela FMBP em 17/mar/19811 mas o rosto da mesma indica que a mercadoria
foi fornecida em 12/jan/1981 e a guia de entrega tem a data 27/jan/1981. A COMPAE/DSM dedarou no verso da fatura que a mercadoria foi rececíonada em 27/abr/1981.
Em relação a esta fatura foram localizados dois recibos, um com a data de 13/mai/1981 que suporta o pagamento feito à FMBP através da conta na CGD com o número 0697 335440 832 1 do CA/EMGFA-Plano de Aquisições ("conta bancária da CREEFA"), e outro com a data de 20/mai/1981, este devolvido à CREEFA/EMGFA pelaRAM, por entenderem que para aí terá sido enviada por lapso (a fatura com o n.0 77 tem uma indicação manual no sentido de que terá sido substituída por outra com o número 854, que é também o número deste recibo).
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este material destinava-se à '-'-'"'11- Ml'-1 semestre de 1974, um lote de 10 000
de para o valor de 797 a - no 3 Granadas para Destinava-se este
material a satisfazer as necessidades do Exército.
O SGDN/CREEFA em um documento (5110/AF/73) informando que, por despachos de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, de 28/nov/1973 e 30/nov/1973, respetivamente, foi autorízada a aquisição de 38 630 granadas explosivas, no montante de 19 797 875$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito. De acordo com este documento:
.. O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida importância de 19 797 875$00, mencionando na respetiva requisição de fundos o número deste documento;
"Os pagamentos seriam efetuados pelo C!VSGDN em face do original da fatura a receber, através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a declaração de o material ter sido recebido;
"O duplicado da fatura deveria ser enviado pela referida COMPAE, diretamente à CREEFA.
Em 03/mar/1976 do teor de um oficio, enviado pela COIVIPAE/DSM à conclui-se que esta aquisição foi cancelada e descativada a importância de 19 797 875$00 1 relativa ao PAE/73-Dív. V -Munições N° 3 - Granadas para Morteiro.
Este cancelamento e descativação resultou de um referido despacho de 02/ago/1974. S. Exa. o Senhor General Chefe do EMGFA suportado por estudo efetuado pela 4a REP/EME sobre as aquisições cuja
não interessavam face à situação político mllitar
Este processo tem a indicação de ter sído em 22/jul/1981, com um valor de 19 797 875500. Neste caso, não há qualquer sobre o destino do va!or descativado.
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Conforme consta na da COMPAE/DSM1 e deveria ser entregue no em tivesse em 1974 pagamento deveria ser feito restante contra entrega de munições).
este material destinava-se à se o pagamento total da encomenda
da encomenda e o
A COMPAE/DSM 1 elaborou um pedido de autorização para o CA/SGDN efetuar a despesa de 1 400 000$00, a financiar pelo PAE/73 {Rubrica - DIV. - V - Munições no 1 - Munições para armas Hgeiras e metralhadoras). Destinava-se este material a satisfazer as necessidades do Exército mediante o Plano de emprego das verbas atribuídas à DSM.
O SGDN/CREEFA emitiu, em 04/abr/1974, um documento (878/AF/74) informando que, por despachos de Suas Excelências os Mínístros da Defesa Nacional e das Finanças, ambos de 15/fev/1974, foi autorizada a aquisição de munições 9 mm, no valor de 1 400 000$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito.
De acordo com este documento .
.. O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida respetíva requisição de fundos o número deste documento;
de 1 400 000$00, mencionando na
" Os pagamentos seriam efetuados CA/SGDN em face do da fatura a através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a declaração de o material ter sido recebido;
• O dupiicado da fatura deveria ser enviado peia referida COMPAE, diretamente à CREEFA.
Esta situação, à semelhança do que aconteceu com muitas outras, arrastou-se até 1981. Efetivamente, em 03/jul/1979 a DSM/RAM soí!citou à CREEFA a prorrogação do prazo de entrega para dez/1980. Sobre este pedido está uma informação referindo que, mais uma vez, os Estabelecimentos Fabris não cumpriram as condições contratuais. A prorrogação de prazo para dez/1980 foi autorizada por despacho do Exmo. Brigadeiro da CREEFA, a titulo exceciona!. Este despacho autorizou também o cancelamento de parte de uma outra encomenda, no valor de 683 750$00, tendo a RAM so!icttado que este estabeíecímento Fabril proceda ao depósito no CA/CREEFA da importância de 683 750$00. Verificou-se que este valor foi depositado na conta na CGD com o número 0697 335440 832, do CNEMGFA-P!ano de Aquisições ("conta bancária da CREEFA"). Com data de 04/nov/1984, através de oficio, a CREEFA, veio solicitar à COMPAE/DSM que interceda junto da FNMAL no sentido de proceder à entrega dos materiais encomendados ou, em caso de impossibilidade,
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através de Dn)c<:oE:u à entrega total da Pnrnmf>rm
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Este processo trata das
420 METRALHADORAS HK 21 e cano int. cromado 149 Beneficiamento de 20 morteiros 81 mm
em 10 e
O SGDN/CREEFA emitiu, em 26/dez/1973, dois documentos e 5180/AF/73} informando que, por despachos de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacional e das de 09/dez/1973 e 12/dez/1973, respetivamente, foi autorizada a colocação de encomendas de material de guerra na FMBP no montante de 16 454 263$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito. De acordo com este documento:
.. O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida de 16454 mencionando na respetiva requisição de fundos o número deste documento;
.. Os pagamentos seriam efetuados pelo CA/SGDN em face do original da fatura a """r"'n.., .. através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a declaração de o material ter sido
• O duplicado da fatura deveria ser enviado pela referida diretamente à CREEFA.
Material a adquirir: 420 METRALHADORAS HK 21 alça e cano int. cromado
Esta aquísíção teve o seu início em 1973 com uma informação elaborada COMPAE/DSMl na qual é apresentada, por esta COMPAE, a necessidade de adquirir, à o material em no montante de 4 149 584$00 ( informação n° 205AC1/73 P0213.023/20. A COMPAE/DSMl elaborou um pedido de autorização para o efetuar a despesa de 149 684$00, a financiar DIV. - I - Armamento no 2 - l\1et. acessórios e outras metralhadoras). A FMBP tomou a seu cargo, em 03/dez/1973, a satisfação desta encomenda, com um prazo de entrega até jun/1975 e a COMPAE/DSM1 enviou a confirmação da encomenda ao CA/SGDN acompanhada de um ofício cujo assunto é a "Liquidação de encomendas, por adiantamento, colocadas nos Estabelecimentos Fabris do Ministério do Exército, por conta do PAE/73."
Em abr/1975 uma informação da COMPAE/DSM1 dá nota de que, para satisfazer diretivas superiores, de acordo com um despacho de 26/out/1974, do Exmo. QMG esta encomenda fo! anulada e por despacho da CREEFA foi autorizada a descativação desta quantia que fica na seguinte situação:
DfV. -I- Armamento no 2- Acessórios e outras metralhadoras.
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Material a 150 000 Minas
Esta aquisição teve seu início em 1973 com uma por esta a necessidade de
409)1 à FMBP. A COMPAE/DSM1 elaborou um pedido de autorização para o CA/SGDN efetuar a despesa de 11 970 000$00, a financiar pelo PAE/73 - DIV, - IV -Expios!vos N° 2 - Minas e seus acessórios). Com data de 26/nov/1976, um ofício da COMPAE/DSM, dirigido ao Presidente do CA/EMGFA (com conhecimento ao presidente da informa que a fatura correspondente ao valor de 10 485 720$00 não pode ser remetida porque as minas correspondentes a esse valor apenas serão entregues pela FMBP a partir deste mês, a um ritmo de 20 000 minas por mês.
Em 27/jan/1978 a CREEFA questionou a COMPAE/DSM sobre quais os motivos justificativos do atraso de entrega do material em causa, quando a proposta da FMBP indicava como seu início o 2° semestre de 1974 a um ritmo de 20 000 minas por mês e sem que tenha sido solicitada a prorrogação de tal prazo. Esta encomenda havia sido previamente fiquidada.
Em 30/nov/1978 o CA/EMGFA solicitou à COMPAE/DSM o envio das faturas no valor de 9 875 250$00, verba esta ainda não nesta ou informado o que fosse tido por conveniente/ uma vez que tinha de à extinção deste saldo.
Em 22/dez/1978, a RAM/DSM enviou um ofício ao Senhor Presidente da (com conhecimento ao Presidente do CA/EMGFA) justificando que o prazo desta encomenda encontra-se largamente ultrapassado por díversas causas entre as ressaltam as dificuldades contratuais surgidas com a firma licenciadora (PRB/BELGA) e os acontecimentos políticos ocorridos nos últimos anos. A COMPAE/DSM colocou à FMBP a hipótese de cancelamento desta encomenda, mas isto implicaria para o Estabelecimento Fabril em causa pesadas indemnizações devidas à quebra de contratos entretanto estabelecidos com firmas fornecedoras de matérias-primas tais como a Royalty (firma BELGA PRB), a HEKO, a HOFSTETTER e a SPE.
As entregas foram então autorizadas pelo General QMG e sancionadas pelo Presidente da CREEFA, com a condição de serem feitas até setembro de 1979, inclusive.
Em 17/abr/1979 o CA/EMGFA voltou a soífdtar à COMPAE/DSM a remessa das faturas do remanescente nesta data, no valor de 8 864 184$00, ou informado o que fosse tido por conveniente, uma vez que tinham de proceder à extinção deste saldo.
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~"'" ~ ~-" ~ - ~~o;"' -=- ~ « ~+ ""' ;: P'A'"'~~ -w 0% z s ~- '; '*"'~"""~ ~:;- '~ ~ - ~- m """' ~"' " N"? da fat~fã- ~ , Data MaterJal fornéddo : Valor '
~ "' " " > "
176 16-12-74 8500 minas 484 2so$oo 1 3103
4155 minas
Total 9 805 425$00
Em mar/1980 a RAMs informou a CREEFA que face às existências de minas no DGMG (cerca de 500 000) é parecer da COMPAE/DSM que se proponha o cancelamento de parte da encomenda em falta, no valor de 3 756 385$00, beneficiando-se, assim, a Fazenda Nacional neste montante, o que foi autorizado CREEFA por despacho de 28/abr/80 e comunicado ao CA/EMGFA.
Foi efetuada a seguinte descativação. (Referente ao cativo
DIV. VI Explosivos
NO 2 Mínas, disparadores e seus acessórios
á ordem do CEMGFA.
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3 000 elaborou
a financiar
necessidade
~ DIV.
é
CA/SGDN efetuar de NO para Armas
Ligeiras e Metralhadoras), para satisfazer as necessidades do Exército mediante o de emprego das verbas atribuídas à DSM. f>.. FNfv'lAL tomou a seu cargo, em a desta encomenda.
O SGDN/CREEFA em um documento (863/Af/74) informando que, por despachos de Suas Excelências os f"iin!stros da Defesa Nacional e das de 13/fev/1974 e 15/fev/1974, foi autorizada a de 1 200 000 cartuchos de salva 7,62, no valor de 3 000 000$00,
De acordo com este documento:
• O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida respetiva de fundos o número deste
" Os pagamentos seriam efetuados CA/SGDN em face do através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a de o material ter sido
diretamente à CREEFA.
FNMAL faturou este material em e a fatura no verso, a recebido em
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à FMBP de PRB 415
montante de COMPAE/DSM elaborou
e 6 em), para satisfazer as necessidades do Exército mediante o verbas atribuídas à DSr-1.
A CREEFA emitiu parecer sobre esta no que se refere a cobertura
anti oess•oal
de Granadas G.
de emprego das
e cabimento, e submeteu o assunto à concordância de Sua Excelência o Ministm da Defesa Nacional e à apreciação de Sua Excelência o Ministro das Finanças. O SGDN/CREEFA emitiu, em 05/mar/1974, um documento (887/AF/74) informando que, por despachos de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, respetivamente de
de 10 000 granadas foguete e
antí carro 89 17 310 000$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito. De acordo com este documento:
no valor de
"O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida importância de 3 000 000$00, de fundos o número deste
" Os pagamentos seriam efetuados em face do através da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a de o material ter sido recebido;
" O duplicado da fatura deveria ser enviado referida COMPAE/DSM, diretamente à CREEFA.
Em 16/jun/1975 a COMPAE/DSM enviou à CREEFA uma fatura da FMBP 102 de referente a 4 897 granadas explosivas anti carm, anti pessoal, de 89 m/m
de 8 476 707$00. Em 26/nov/1976, a COMPAE/DSM1 informou o CA./EMGFA que não pode ser enviada a fatura correspondente à importância de 8 833 293$00, porque as munições correspondentes a este valor apenas serão entregues pela Ff\1BP durante o 1D trimestre de 1977.
Um ofício da DSM/RAM, datado de 17/abr/1978, dirigido ao presidente da CREEFA informa que, em reunião havida com a FI\1BP, na presença do General QMG, foi anulada a parte da encomenda ainda não entregue.
Isto, foi sancionado pela CRREFA que autorizou a descativação da quantia de 8 833 293$00 da seguinte rubrica constante do PAE/73:
DIV. V- MUNIÇÕES 4 - Granadas para ordem do CEMGFA,
8, 9 e 6 em, no valor de 8 833 293$00, valor que ficará à
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montante de eiaborou
18 167 a financiar
para - DIV. -V
efetuar 3 - Granadas
de morteiro 81
para satisfazer as necessidades do Ministério do Exércrto.
A CREEFA emitiu parecer sobre esta e cabimento, e submeteu o assunto à concordância de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional e à de Sua Excelência o Ministro das Finanças.
O SGDN/CREEFA emitiu, em 24/jan/1974, um documento (284/AF/74) informando que, por despachos de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, respetívamente de 21/nov/1973 e 26/nov/19731 foi autorizado efetuar a aquisição de 27 320 granadas explosivas p/ mort. 81 mm n/968 c/ espoleta, no valor de 18 167 800$00, valor este que inclui o atrás citado.
De acordo com este documento:
• O CNSGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida de 18 167 800$007 mencionando na respetiva de fundos o número deste documento;
.. Os pagamentos seriam efetuados CA/SGDN em face do da fatura a receber, através de o material ter sido recebido; da COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a
•O da fatura deveria ser enviado pela referida COMPAE/DSM1 diretamente à CREEFA. Em foi enviada1 COMPAE/DSM à uma fatura da FMBP 175 de
no valor de 5 910 520$00, relativa ao fornecímento de 8 888 granadas explosivas cf
Em 05/mai/19781 quando faltava ainda fornecer 18 432 unidades, a DSM/RAM enviou à CREEFA um ofício submetendo à consideração uma alteração do preço unitário para 1 600$00 e uma redução da quantidade em falta de 18 432 para 7 660 unidades.
Numa informação, datada de 15/mai/1978, a CREEFA, apesar de considerar óbvio que desde o início de 19751 até esta data, se verificou um forte incremento do custo dos fatores de produção/ sobretudo da mão-de-obra, a dilatação do prazo de entrega nunca foi justificado, parecendo não ser da responsabilidade da compradora. Além disto1 não é dado qualquer parecer técnico suscetível de explicar três anos de atraso nas entregas, ou quais quer indicações que permitissem entender um custo unitário 2,7 vezes maior. Também não é dada qualquer indicação sobre o interesse em substituir 18 432 granadas por 7 660, naturalmente muito relativo porque função exclusiva do novo preço.
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da~ ~ As
e foram comunicadas DSt•1 à CREEFA~
razões são diferentes consoante 74.
Maís uma vez as transcrevemos por "trazerem !uz" sobre as razões de arrastamento na entrega do material de guerra, por parte dos estabelecimentos Fabris do Ministério do Exército.
Assim:
• Antes de 1974, as distorções havidas aos planeamentos de aquisições devidas às prioridades dadas ao fabrico de munições 60mm e 10,5m (a linha de forjamento existente é comum ás munições 60mm 81cm e 10,5mm) aliadas às dificuldades sentidas pela FMBP provocavam alterações sensíveis nos planeamentos da produção, o que consequentemente teve como resultado atrasos nos prazos de entrega das encomendas;
"No período pós 74, as dificuldades conjunturais resultantes dos acontecimentos ocorridos, tais como: Uma redução drástica das encomendas por parte do Exército que criou à FMBP dificuldades de sobrevivência, pelo que aquele estabelecimento fabril se viu forçado a canaiízar todos os seus esforços na conquista do mercado internacional o que necessariamente teve efeitos retardatários nos prazos de entrega das encomendas da COMPAE;
Entre a data da 1 a e efetivamente houve 1r,,,..,,.,.,... nos preços dos fatores de produção (elevação nos custos das matérias primas/ da
taxa de e da taxa de e agravamento dos custos dos subcontratantes no carregador de munição e do fabricante de espoletas). De o exarado sobre a informação da CREEFA 4/AF/79 de transcreve:
"Trata-se dum facto já consumado, como tai, só há que o sancionar, por, a nível do certo~
que se
tudo estar
Lamenta-se apenas que o assunto não tenha sido exposto à CREEFA antes de ser efetuado. Deve ser solicitada a melhor atenção da COMPAE/DSM para o esperando-se que srtuações idênticas não voltem a surgir.
Descatíve-se a importância remanescente.
Em 2/FEV I /79
Assinatura de pessoa que não identrficámos"
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Substituída
A CREEFA acabou por:
"A título ex(:ecwn sancionar o acordado no Exército, que já havia sido executado; "Descatívar o valor de 1 280$00, a reverter para a reserva do EMGFA.
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elaborou um a financiar PAE/73
para - DIV, -H-NO
para satisfazer as necessidades do Exército.
efetuar a de e sobressalentes de
A CREEFA emitiu parecer sobre esta situação, no que se refere a cobertura legal e cabimento, e submeteu o assunto à concordância de Sua Excelência o Mínistro da Defesa Nacional e à apreciação de Sua Excelência o Ministro das Finanças.
O SGDN/CREEFA emitiu, em 08/mar/1974, um documento (945/AF/74) informando que, por despachos de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacional e das respetlvamente de 13/fev/1974 e 15/fev/1974, foi autorizado efetuar a aquisição de sobressalentes para Espingarda G-3 e HK-21 c/ dispensa de concurso e contrato escrito.
De acordo com este documento:
" O CNSGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referída rP
de 3 391 505$80, mencionando na
" Os pagamentos seriam efetuados pelo CA/SGDN em face do original da fatura a COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a declaração de o material ter sido recebido;
,. O duplicado da fatura deveria ser enviado pela referida COMPAE/DSM, diretamente à CREEFA.
Em síntese foram emitidas as seguintes faturas relativas a esta encomenda:
através da
ft0 da Data Valor Mercadoria fornecida Datada Observações fatura ~rec~!> I 178 16/12/74 I ! J i I 2543 31/12/75 I I f
1446 08706/76 I
I 2228 08/10/76
~ ~ M ~·
235 282$40 l sobressalentes para espingardas aut. G-3
451 702$90 1 So~ressafentes para I espmgardas aut. G-3 I Manufatura de
71 100$00 i sobressalentes para espingardas aut. G-3
I 4 000 coronhas c/ apoio p/ 284 400$00 f o parafuso do amortecedor
1 para esp aut. G-3
' '• ' '
1 25/jun775 l I
;
I i I 13/04/76 I ! I I I 07/10/76 I I J I I
26/10/76
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145 11/07/75 Manufatura de
652 064$00 sobressalentes para espingardas aut. G-3
Total 2 849 163$80 ·
06/12/77 recebido 2,5 anos após a emissão da
fatura
Ainda em 23/jul/1980 o CA/EMGFA enviou um ofício à COMPAE/DSM informando que ainda se encontra por liquidar, à FMBF, o valor de 542 342$00 pelo que solicitam que sejam remetidas as faturas do remanescente indicado, ou informação do que for tido por conveniente, uma vez que tem de proceder-se à extinção deste saldo e, caso não haja qualquer fatura a liquidar, deverá ser proposta à CREEFA a respetíva descativação.
a DSM/RAM solicitou à FMBP o fornecimento dos sobressalentes, em falta, no vaíor de 542 334$00.
Foram emitidas, então, as seguintes faturas:
Estas faturas foram pagas em outubro e dezembro de 19801 pela conta na CGD com o número 0697 335440 832, do CA/EMGFA-P!ano de Aquisições -"conta bancária da CREEFA". (em relação ao último pagamento, no valor de 152 334$00, localizamos 2 recibos}. Para a diferença de 8$00, foi sugerida a respetiva descatívação (em 10/dez/1980 Assessor com assinatura não identificada).
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Oeiras
em M/946
Esta teve o seu início em 1974.
SGDN/CREEFA em um documento informando que, por de Suas Excelências os Ministros da Defesa Nacionaí e das de 13/fev/1974 e
foi autorizada a aquisição, por ajuste de 18 000 corpos de explosivas para peça 1 no valor de 37 749 600$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito.
De acordo com este documento:
• O CA/SGDN deveria sacar da Fazenda Nacional a referida de 3 000 000$00, mencionando na respetiva requisição de fundos o número deste documento;
• Os pagamentos seriam efetuados pelo CA/SGDN em face do original da fatura a COMPAE/DSM, devidamente conferida e com a declaração de o material ter sido recebido;
"O duplicado da fatura deveria ser enviado pela referida diretamente à CREEFA.
Este processo prolongou-se até 1980.
através da
Em 26/out/79 foram faturadas pela "Fundição de Oeiras" ao Ministério do Exército -de morteiro 120 mm Dm 11 A 4, no valor de 19 266 134$00 n°
4828 granadas e em 24/abr/80 foi
anulado deste valor em 391
Por despacho do ,.,,_,,"'""'""'',."' da CREEFA de 20/out/80 foi determinado que se prclcede::;se à descativação do remanescente, ou da importância de 18 874 800$00. De acordo com uma informação da datada de e ao a importância a descatrvar deveria ser na Fazenda Nacional, com a maior brevídade vir a ser concedida para o futuro ano económico.
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Este processo teve a sua com a
Uma informação da DAE/Repartição de elaborada com data de e cujo foi aprovado pelo General QMG dá nota da necessidade de adquirir equipamento para neutralização de engenhos explosivos. Por este motivo deslocou-se em fev/1977 a Londres uma equipa constituída pelo 1° Tenente Ferdínando Simões do Centro de Instrução de Minas e Contra Medidas - CIMCM Armada e pelo Capitão Engenheiro Pereira da FMBP tendo como missão escolher o equipamento mais apropriado.
Como fonte de financiamento é mencionado um saldo existente na CREEFA de cerca de 3 800 contos e saldos descativados dos PAE com despesamentos da competência de Sua Exa. General Chefe do EMGFA.
Para concretizar esta compra a COMPAE/DAE enviou ao Presidente da CREEFA um pedido de autorização de despesa (PAD no 2/ENEE) com data de 20/abr/1977, solicitando a importância de 3 914 742$00 para aquisição à firma inglesa SAS R & D Services, Lda de Londres através do adido militar em Londres (A.O.R.S. Queiroz Coronel PiL Av.) 5 Remotely Control!ed Vehide-Hunting-SAS Hunter e seus acessórios destinados a equipas para neutralização de engenhos explosivos. Este Pedido de autorização refere que o Orçamento que vai financiar esta aquisição é o PSAIRM -Verba concedida pelo oficio n° 1057/AF/75, P0 6122/1/75 de 28/ago/1975 e a para esta aquisição é a informação n° 9/M de 22/mar/1977, aprovada pelo General QMG. A verba necessária será posta, pela CREEFA, à disposição do Adido Milítar e Aeronáutico em Londres para liquidar a encomenda.
É solicitado à CREEFA que a cobertura necessária à aquisição seja feita a partir das descatívações creditadas na rubrica em reserva à ordem do CEMGFA". A informação da datada de 16/mai/1977, (44/AF/77 - 6122764/DAE/73-S) dá nota dos seguintes factos relativos ao financiamento desta aquisição: existiria um saldo disponível autorizado por despacho de 27/ago/1975 do General Adjunto do CEMGFA no valor de 3 796 621$20 mas, como o valor desta aquisição é de US$100 378 (cem mil trezentos e setenta e orto mil dólares) que ao câmbio estimado de 39$00 corresponderiam ao total de 3 914 742$00, ou seja, um valor superior em 118 120$00 a CREEFA submeteu à consideração superior que este valor fosse utilizado a partir do saldo de cerca de 75 000 000$00 de disponibHídades à ordem do CEMGFA. O EMGFA/CREEFA emitiu, em 26/mai/1977, um documento (356/AF/77) informando que, por despachos de 22/mai/1977, da CREEFA, a COMPAE/DAE foi autorizada a adquirir 5 Remotely Contro!led Robot Vehide Hunting-SAS Hunter, no montante de 3 914 742$00, com dispensa de concurso e sem contrato escrito.
De acordo com este documento:
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as
do CEMGFA.
à CREEFA.
das Idêntica a outras efetuadas nos
indústria nacionaL Trata-se de está autorizado por despacho de
da referida importância para o Adido Mííítar e da Embaixada de Portugal em Londres foi feita pelo CA/EMGFA. O valor transferido (cheque n° 13130) foi de 3 857 827$70 {US$100 378,00), inferior em 56 914$30 ao valor despendido. Por isto, o CA/EMGFA solicitou à COMPAE/DAE que propusesse à CREEFA a descativação deste valor a fim de se poder encerrar este processo. A CREEFA informou que a importância foi descatívada e passou ao Fundo "Disponibilidades à ordem do CEMGFA".
A Portuguese Embassy, Office of the Milítary Attaché informou, em 28/nov/1987, que o preço para o fornecimento do equipamento "Hunter" acordado com a firma SAS R & D Services ltd., era para entrega FOB Londres.
O transporte do material de Londres (aquisição na modalidade FOB Londres) para Lulsgate (Bristol) acarretou despesas extras, no valor de 6 000$00, que foram consideradas da responsabilidade das autoridades portuguesas e vieram a ser posteriormente debitadas e também financiadas pelo PSAIRM
concedida pelo ofício no 1057/AF/75, po 6122/1/75 de 28/AG/75). Esta despesa é idêntica a outras efetuadas nos mesmos moldes para evitar Portugal, utHizando via FAP.
com o transporte de Inglaterra para
da COMPAE/DAE, com vista à isenção de direitos alfandegários ao Presidente da datada de 02/dez/1977, refere que o material foi desa!fandegado através da Direção do
de Transportes porque foi transportado para Lisboa, com exceção de uns componentes do "standard equipment~, em aviões militares.
O referido equipamento, então em falta, cujo atraso se ficou a dever a dificuldades na obtenção da autorização de exportação, em Londres, foi enviado através da TAP para a DAE.
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- Req. Fundos no
Solícito de portanto,
sacada dos Cofres Gerais da
no 1885
considerar que esta ore'vlsios durante o corrente ano"
OUT /75 - O EMGFA-DAF solicita ao CA/EMGFA/CREEFA
ASSUNTO: Reposição de Fundos na Fazenda Nacional
"Informa-se que, por despacho de 22/10/75, Sua Excelência o General Adjunto do CEMGFA dignou-se concordar com o parecer desta DAF de que a verba de 31 896 649$70, remanescente do crédito de 31 896 649$70, remanescente do crédito de 565 320 000$00, concedido pelo Decreto-lei n° deve ser reposta na Fazenda Nacional, com indicação à 1a Delegação da D.G.C.P. de que deverá ficar cativa
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Proc.0
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INFORMAÇÃO: N.0 1732/2013 Proc.o N.o 2013/154/ AS/938
l.OBJECTO
Na sequência de requerimento oportunamente apresentado ao abrigo do estabelecido no artigo 13.o, n.os 2 e 3 do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares constante da Lei n. 0 5/93, de 1 de março/ com as alterações introduzidas pela Lei n. 0 126/97, de 10 de
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bem como das de
nomeadamente sobre Parecer n. o f)e de inconstitucíonalidade do Decreto-Lei n. o 548/80, de 18 de nfTI?IQITJ do Conselho da que determina a do FDMU. Tendo-nos sido cometido concretizar a referida tarefa e pese embora o carácter genérico do âmbito do pedido formulado1 como adiante se arguirá, procede-se nos pontos subsequentes ao enquadramento normativo da matéria em análise, a que se seguirá uma breve apreciação. 2.ENQUADRAMENTO 2.1. Nota preliminar Como decorre do ponto antecedente, foi solicitado aos auditores designados para a da "auditoria final" ao FDMU que, designadamente, se pronunciassem sobre o Parecer .0 36/81, de 24 de novembro de 1981, da Comissão Constitucional, relativo ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.o 548/80, de 18 novembro, do Conselho da Revolução, diploma em cujo preâmbulo se enquadrava e sustentava a necessidade de extinção do FDMU 1• Face ao carácter de alguma forma impreciso do pedido crê-se essencial, desde já, em primeira análise e em face das atribuições e competências legalmente cometidas a esta Inspeção-Gerai, salientar que não deverá caber, naturalmente, no teor do pedido que os auditores procedam a uma análise do mérito dos argumentos e posições jurídicas defendidos pela Comissão Constitucional e respetivos membros no parecer em causa, incluindo as formuladas nas declarações de voto de vencido (e, em último casor da decisão do Conselho da Revolução que se lhe segue 1 vertida na Resolução n. 0 274/81, de 16 de dezembro, do Conselho da Revolução, publicada no jornal oficial em 31 de dezembro de 1981). 1 Intuito que, como melhor se verá adiante, não tem correspondência expressa no teor do respetivo artículado. 1 DE JULHO DE 2015______________________________________________________________________________________________________________ 225
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acabaria redundar
Estas reservas não obstam a que, em sede de se conta de aspetos de - no âmbito do processo de sujeição a fiscalização da
constitucionalidade do diploma controvertido e das condicionantes verificadas.
Neste contexto, o enquadramento da matéria em apreço incidirá, primeiramente, sobre aspetos atinentes à criação e vigência do FDMU, o que passará pela consideração da envolvente histórica - antecedentes legislativos, evolução das finalidades de afetação das verbas do Fundo - motivos para a aprovação do Decreto-Lei n.o 548/80 e a sujeição a apreciação da constitucionalidade do diploma, que veio a confluir no Parecer n. 0 36/81, da Comissão Constitucional e na Resolução n.o 274/81, de 16 de dezembro, do Conselho da Revolução, pubHcada no jornal oficial em 31 de dezembro de 1981, a qual, precedida do antedito parecer, não se pronuncia pela inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.o 548/80.
2.2. Antecedentes normativos
2.2.1. O artigo 1.0 do Decreto n.o 26 2031 de de janeiro de 19362, velo estabelecer que todas as verbas inscritas nas tabelas de despesa dos orçamentos das (ex) colónias desde o ano de 1934-35, destinadas à aquisição e material de guerra que, no fim do respetivo ano económico, não tenham sido despendidas, total ou parciaimente, serão liquidadas e levantadas para serem depositadas em uma conta de operações de tesouraria com a rubrica «Fundo para aquisição de material de guerra».
Nos termos do artigo 2.o do diploma em apreço, no referido Fundo seriam registadas as verbas resultantes da taxa militar, bem como quaisquer outras que, em virtude de disposições legais, devessem ter o mesmo fim.
Ainda de acordo com o mesmo normativo, as lmportâncias deposítadas nos termos referidos, não podem ter aplicação diferente daquela que a mencionada rubrica de
De acordo com o texto preambular, referia-se, designadamente, haver toda a "vantagem em dispensar a observância rigorosa das regras normais da liquidação das verbas orçamentaís destinadas à aquisição de material de guerra nas cotónias/ dadas as circunstâncias especiais que concorrem nestas aquisições""
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anterior livres de encargos do das tabelas de
no de cada ano
Do ponto de vista das da sua utilízação1 que o Fundo podia ser aplicado em obras de aquisições de material de guerra, instalações fabris militares, mecânicos e aparelhos de transmissões e quaisquer ''outras despesas de carácter militar que a defesa das colônias reclame e sejam autorizadas'.
Por último, cometia-se ao Ministro das Colônias a competência exclusiva para a autorização das despesas que se devessem liquidar pelo Fundo, cabendo aos governos coloniais ou, quando estivesse em causa mais de uma colônia, a Direção Geral Militar do t.ilinístério das Colônias, a iniciativa das propostas sobre a sua aplicação (cfr. artigos 40.o, 41.o e 42.
2.2.3. Já o Decreto 30 1 de 8 de Dezembro de 19394 veio, de inciso constante do artígo determinar, expressamente, que os denominados "fundos de defesa militar das passassem a constituir um fundo comum a todas as colônias, denominando-se "Fundo de Defesa f'-1Hitar do Império Colonial" e administrado pelo Ministro das Colônias - o saldo existente dos fundos existentes seria transferido para o fundo comum.
O regime previa a remessa mensal por cada colónia para o Ministério das Colónias de uma conta das receitas cobradas para o Fundo no mês antecedente, incluindo os respetivos saldos de abertura e encerramento.
Concomitantemente, procedia-se à criação de um imposto denominado "imposto de
3Estabelecia diversos preceitos acerca da organização dos orçamentos coloniais e liquidação das respetivas receitas e despesas e aprovava com alterações os orçamentos para todas as colônias para o ano de 1938. 4 Diploma que correspondía materialmente ao referido na nota anterior, aprovando os orçamentos coloniais para o ano de 1940.
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estabeleceu
sua vez, o Decreto-Lei de de Maio de relevando no seu natureza receitas e o modo como estas eram na
necessidades urgentes das armadas no ultramar, considerou justificado que se desse ao Ministro da Defesa Nacionai a liberdade de planeadas as despesas a fossem formalidades a cumprir.
suficiente para que, uma vez ao mfnimo indispensável as
Nestes termos, por via do seu artigo único, estabeleceu-se que as despesas a efetuar pelo Fundo1 criado pelos Decretos n.os 28263 e 30117 e alterado pelo Decreto-Lei n.o 42192, de 25 de março de 1959, ficassem isentas do visto do Tribunal de Contas.
2.2.5. O Decreto-Lei n. o 448/72, de 13 de novembro, introduziu/ na generalidade, alterações normas reguladoras das despesas com a defesa nacional e, em particular, interveio no sentido de reunir e atualizar num único diploma as normas relativas ao FDMU que se encontravam dispersas em vista de uma melhor administração de "certas necessidades das forças armadas destacadas no Ultramar que possam beneficiar daquele Fundo".
Neste relevavam como aspetos essenciais do consolidado do Fundo - até ao ano de 1980 - vertidos nos artigos 11. o e segs.:
.. Constituíam objetivos do FDI\1U satisfazer, no todo ou em parte, encargos com obras e com a aquisição de equipamento de qualquer natureza para as forças que atuassem no ultramar e ainda quaísquer outras despesas com elas relacionadas ou de manifesta utilidade para a sua atuação6 ;
5 O imposto com uma taxa de 1%, incidia, genericamente, sobre os vencimentos dos funcionários públicos residentes em cada colónia, acima de um determinado limite Híquido anua! e rendimentos produzidos nas colónias ou dela provenientes ou recebidos, resultantes de proventos ou lucros advenientes do exercício de qualquer atividade comercia!1 industrial, serviços ou profissional {empregados que não fossem funcionários públicos), bem como juros, prémios, ou outros lucros, igualmente para proventos acima de um limite mínimo anual por contribuinte 6 Sem prejuízo, ainda, da manutenção da possíbi!idade de, nos casos em que as conveniências da defesa do ultramar assim o impusessem ou aconselhassem, o fvHnistro da Defesa Nacional, com a concordância do Ministm do Ultramar, no âmbito da contratação dos empréstimos necessários para ocorrer às despesas a realizar, poder dar como garantia de amortização e juros, se os houvesse, a receita do FDMU; tais empréstimos poderiam revestir a forma de adiantamentos pelo Tesouro, desde que para ta! fosse dada anuência do Ministro das Finanças (em termos análogos aos previstos no artigo 9.o do Decreto-Lei n.o 42192).
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da venda de material de natureza dos diferentes ramos das armadas no ultramar dado como e sem interesse para o
de multas no Ultramar no âmbito da jurisdição militar, a de abonos de pe:ssc1a lndemnizações e restituições à Fazenda
Nacional com nos ramos das forças armadas no ultramar e ainda o produto de quaisquer receitas avulsas ou eventuais realizadas pelas forças armadas no ultramar que não tivessem legalmente destino diferente.
O saldo do Fundo apurado em cada ano transitava automaticamente para o mesmo Fundo no ano seguinte.
Para além de de controlo - conta corrente das receitas arrecadadas e despesas imputadas ao Fundo, a remeter ao Departamento da Defesa Nacional, previsão da elaboração de saldos de abertura e encerramento - a cargo dos servíços provinciais de finanças e dos comandos das forças terrestres, do ponto de vista da operacíonalização do Fundo
A descrição dos encargos em anualmente Ministro da Defesa Nacional e visados pelo Ministro do
a aprovar por
Presidente do Conselho de depois de para efeito da elaboração dos correspondentes
oc!-.::u-nn do Ministro da Defesa Nacional;
., A aprovação dos contratos e a autorização de despesas a por conta dos créditos atribuídos pelo FDMU independentemente do seu montante cabiam na competência do Ministro da Defesa Nacional;
., Ao Ministro da Defesa Nacional era cometido! igualmente1 homologar, por despacho, as contas prestadas sobre a aplicação dada às verbas atribuídas pelo FDMU.
Nos termos e ao abrigo do artigo 17.o do Decreto-Lei n.o 448/72 em apreço, a Portaria n.o 696/72, de 29 de Novembro veio aprovar as instruções gerais para a execução
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FDMU
2.3. com documental recolhida da Fundo de Defesa Militar Ultramar", resultados constam
do 6 do Financeiro do FDMU referente ao ano Frade -entretanto falecido- na qualidade de Adjunto do "tendo cessado todas as circunstâncias que levaram à criação do FDMU a sua manutenção, à data actua!, encontra somente justificação na necessidade de regularização de créditos que a ele se ligam, prevendo-se que num futuro próximo, haverá necessidade de se proceder à sua extinção, promovendo-se destino adequado do saldo final."
Na sequência, por despacho datado de 10 de janeiro de 1980, o então Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, General Ramalho Eanes, considerando encontrarem-se terminadas as necessidades previstas no n.o 1 do artigo 11.0 do Decreto-Lei n.o 448/72, de 13 de Novembro e perante a necessidade de encarar a possibilidade de consignar "os fundos" eventualmente existentes à satisfação de necessidades prementes e atualizadas, determinou ao Estado-Maior-General das Forças Armadas, "com a oportunidade e a urgência que as circunstâncias aconselhem", que diíigenciasse no sentido da elaboração e apresentação dos estudos necessários a um novo enquadramento legai da reutilização dos fundos em causa ..
2.3.2. Assim, o Decreto-Lei n. 0 548/80, de 18 de Novembro, da iníciatíva do Conselho da Revolução9 , partiu da constatação de que tinham deixado de exlstií as circunstâncias que levaram à criação do FDMU, da necessidade de regularização, então ainda em curso, de algumas operações e situações a ele ligadas e, ainda, a da extinção do próprio Fundo, considerou ser de promover destino adequado ao seu saldo final, desde que em obediência aos princípios enformadores da sua anterior utilização.
7 Genericamente incidentes sobre arrecadação das receitas, autorização e realização das despesas, levantamento das verbas a afetar, prestação de contas, etc. 8 Junto a fls. 219 e segs. como documento anexo ao antedíto Relatório. 9 Nos termos do sistema polftico-constítuclona! plasmado no articulado originário da Constituição de 1976, na qualidade de um dos órgãos de soberania a par do Presidente da República, da Assembleia da República, do Governo e dos Tribunais, com funções de Conselho do Presidente da República e de garante do regular funcionamento das instituições democráticas, de garante do cumprimento áa Constituição e da fidelidade ao espírito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril de 1974, o Conselho da Revolução era também um órgão político e legislativo predominantemente em matéria militar, do qual constituía competência legislativa exclusiva fazer fels e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas; a definição dos crimes, penÇJs e medidas de segurança e processo criminal militares; a organização, competência e estatuto dos magistrados dos tribunais militares, a sua organização e funcionamento e a elaboração do seu regimento interno e a organização e funcionamento da Comissão Constitucional (cfr. artigos 142.o e segs. da versão originária da Constituição de 1976)}.
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Para tanto que conselho de elaborasse anualmente a aprovar a submeter a visto do membro do Governo responsável pelas finanças, orçamento privativo no n.o 2) para além do saldo do podiam ainda ser consideradas outras receitas de natureza eventual que legalmente fossem consignadas ao mesmo orçamento.
Em obediência aos princípios preambulares definidos, o artigo 3. 0 dispunha que as despesas a realizar pressupunham o seu enquadramento num plano de emprego anualmente aprovado pelo Chefe de Estado-t-'laior-General, que contemplava como áreas de afetação exclusivas, a) Obras de carácter imprevisível e urgente necessárias às forças armadas, b) Estudos de armamento e de equipamento destinados ao reequipamento mí!itar, c) Apetrechamento de unidades e estabelecimentos militares, por proposta dos respetívos Chefes dos Estados-Maiores, d) Aquisição de protótipos destinados a fins militares e, bem assim, o seu subsequente desenvolvimento e, por último, e) Apoio à investigação de interesse militar.
O salde de de cada ano económico transitava integralmente para o ano seguinte n.o
2.3.3. Como decorre do teor do normativo que vimos de descrever, não há em bom rigor dispositivo legal que expressamente proceda à extinção do Fundo, nem à previsão de um prazo limite para tal efeito, antes parecendo acolher-se, independentemente da falta de denominação, uma nova realidade (ainda que transitória) sucedânea do mesmo Fundo, envolvendo uma alteração das regras de gestão financeira, a previsão de outras eventuais fontes de receita legalmente consignadas para além do saldo do FDMU - desde logo face às novas circunstâncias existentes em virtude do fim dos anteriores compromissos militares - e a explicitação das finalidades de afetação que continuaram, aliás, genericamente ligadas a matérias atinentes à esfera e interesse militar - "em obediência, porém, aos princípios enformadores da sua anterior utilização."
10 Na decorrência do regime aprovado pelo Decreto-lei n.o 400/74, de 29 de Agosto, regime pelo qual se deu tradução a uma autonomia das forças armadas face ao poder político civil no que respeitava a assuntos da sua esfera que anteriormente se encontrava atribuídos ao Ministro da Defesa Nacional e a outras áreas govemativas.
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Nesta diretriz referindo "a necessidade de se nrt"1rl'>ru:.w do referido destino UUÇ'-fUU ao seu saldo final" acaba por encontrar no articulado insuficiente ou quiçá, de facto, diversa sendo de questionar se no contexto da do articulado se, em
se encontrava já suficientemente amadurecida a opção político-legislativa que conduziu à feitura do diploma em apreço.
Não foi, no entanto, possível resolver essas dúvidas quer junto dos depoentes ouvidos no âmbito das diligências instrutórias realizadas na auditoria, na qualidade de responsáveis administrativos na hierarquia mí!itar ~ em virtude de os mesmos já de idades avançadas invocarem por via de regra, o desconhecimento ou esquecimento - quer mesmo dos acervos documentais consultados.
De todo o modo, não pode deixar de se salientar, salvo melhor parecer, a deficiente técnica legislativa utilizada, mormente, no que concerne relações de convivência entre a disciplina aprovada e a constante do anterior diploma vigente em matéria de regulação do Fundo - o Decreto-Lei n.o 448/72 que sistematizou as respetivas normas, regulamentado pela Portaria n.o 696/72.
Desde logo, quanto à questão de não ter havido uma revogação ab rogante ou sequer derrogante expressa das disposições anteriores daquele diploma remetendo o intérprete aplicador para a necessidade de arrolar as disposições contrárias à nova disciplina para efeito de sobre elas por uma sua revogação note-se que o Decreto-Lei n. 0 548/80 assumia igual valor hierárquico ao do Decreto-Lei n. 0 448/72.
Na verdade e concretamente quanto a um dos aspetos decisivos em matéria de controlo da legalidade financeira, a sujeição das despesas a realizar a visto do Tribuna! de Contas que se encontrava anteriormente resolvido no sentido da sua dispensa, deixa de merecer consagração expressa, o que face às normas legais atributivas de competência e da não presunção da existêncía desta, por reporte ao princípio da legalidade, acarretaria a eliminação da dispensa de vísto do Tribunal de Contas.
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por iniciativa ou a do Presidente da a constitucionalidade de diplomas, antes de serem
da inconstitucionalidade por artigo 277,
sobre ou assinados
Velar pela emissão das medidas necessárias ao cumprimento das normas constitucionais, podendo para o efeito formular recomendações (fiscalização da Ínconsmucíonalídade por artigo 2 79, o);
Apreciar a constitucionalidade de quaisquer diplomas publicados e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 2810 (fiscalização abstrata sucessíva da inconstitucionaüdade por ação, artigo, 280. O);
No desempenho destas funções! o Conselho da Revolução carecia sempre de solicitar o parecer, de natureza meramente consultiva, da Comissão Constitucional.
Nos termos 281.0 da e
estabelecia o 1 que a Conselho da Revolução
inconstitucionalidade de quaisquer normas, solicitação do Presidente da Presidente da da República, do Primeiro-Ministro,
de Justiça, do Procurador-Geral da República ou, nos casos previstos no 2 do artigo 229.o, das assemb!eias das regiões autónomas; por via do disposto no n. 0 2 o mesmo Conselho poderá declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma norma se a Comissão Constitucional a tiver julgado inconstitucional em três casos concretos, ou num só, se se tratar de inconstitucionalidade orgânica ou formal, sem ofensa dos casos julgados.
Nos termos do artigo 283.0 (Comissão Constitucional), junto do Conselho da Revolução funcionava a Comissão Constitucional composta por:
As referéncías doravante efetuadas a normas da Constituição, entendem-se feitas ao articulado da versão originária da Constituição de 1976.
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cidadão
Um cidadão de reconhecido da
Dois cidadãos de reconhecido mérito Conselho da sendo um deles jurista de comprovada competência.
Os membros da Comissão Constitucional exerciam o cargo por quatro anos, eram independentes e inamovíveis e 1 quando no exercício de funções jurisdicionais, gozavam de garantias de imparcialidade e da garantia de irresponsabilidade própria dos juízes.
Nos termos do artigo 284.0 (Competência), competia à Comissão Constitucional, Dar obrigatoriamente parecer sobre a constitucionalidade dos diplomas que houvessem de ser apreciados pelo Conselho da Revolução, nos termos do artigo 277.o e n.o 1 do artigo 281 b) Dar obrigatoriamente parecer sobre a existência de violação das normas constitucionais por omissão, nos termos e para os efeitos do artigo 279.c e c) Julgar as questões de inconstitucionalidade que lhe fossem submetidas, nos termos do artigo 282. 0 .
Por via do disposto no artigo a organização, o funcionamento e o proc;esso Comissão Constitucional eram regulados pelo Conselho da Revolução.
3. ANÁLISE
3.1. Da questão da apreciação da constitucionalidade do Decreto n. 0 548/80, de 18 de Novembro.
3.1.1. Ao abrigo do n.0 1 do artigo 281.o da Constituição, foi oportunamente suscitada pelo então Primeiro-Minístro12 ao Conselho da Revolução a declaração de inconstitucionalidade, com fundamento em inconstituciona!ídade orgânica, do Decreto-lei n. 0 548/80, de 18 de novembro, emanado daquele Conselho, por violação da alínea a) do n.o 1 do artigo 148.o da Constituição.
Em síntese, foram arguidos os seguintes argumentos:
12 Pedido igualmente apresentado pelo Presidente da Assembleia da República, deferindo solicitação nesse sentido do grupo parlamentar do Partido do Centro Democrático e SociaL
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o saldo do Fundo um nem um se considerar aplicável regime constante do Decreto-Lei n.o 400/741 em particular o estabelecido no n. 0 1 do 11.0 e no artigo 17.o , constatação que levava à conclusão de que o saldo do Fundo não havia passado para a dependência do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas;
• Desta sorte, não podia sustentar-se que deixassem de ser aplicáveis ao caso as normas constantes v.g. dos artigos 14.o e 1s.o. do Decreto-lei n.o 448/721 de 13 de Novembro14, que colocavam o então FDMU na dependência do então Presidente do Conselho de f·1inístros e do Ministro da Defesa NacionaL
• De qualquer modo, nunca competiria ao Conselho da Revolução legislar sobre a gestão orçamental do FDMU ou do seu saldo.
Idênticos argumentos foram pelo mencionado grupo parlamentar Partido do Centro Democrático e Social que, em todo o caso, adita ainda, no essencial, o entendimento segundo o qual a competência legislativa do Conselho da Revolução e dos Chefes de Estado-Maior (dos ramos das forças armadas) era de natureza exceciona!, sendo assim da competência do Governo legislar sobre toda a matéria não abrangida por
outra
3.1.2. vamos doravante transcrever as diferentes etapas da abordagem jurídica e parecer final formulado Comissão Constitucional que obteve vencimento embora com vários votos de vencido a uma ou outra das apreciações feitas às disposições integrantes do decreto-lei objeto de fiscalização da constitucionalidade.
13 O artigo. 17.o previa que "Sem prejuízo do disposto na parte fína! do n. 0 2 do artigo 11.0 , ficam na dependência do CEMGFA os organismos que dependiam directamente do titular do departamento da Defesa Nacional, com excepção da Cruz Vermelha Portuguesa e da Liga dos Combatentes."; por seu turno, o n. 0 2 do artigo 11.0 dispunha que "Por portaria do CEMGFA serão integrados no EMGFA os organismos do antigo Secretariado-Gera! da Defesa Nacional, que, em conformidade com o disposto neste diploma, devem subsistir, e, bem assim, qualquer dos organismos que dependiam directamente do titular do departamento da Defesa NacionaL". 14 ar. subponto 2.2A supra.
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conceito
regulam a sua competência do Conselho da definição de de outros competência entre estes últimos;
a
normas que procedessem à soberania ou repartição de
" desta forma, o Conselho da Revolução não poderia dispor de competência para editar a norma constante do n.o 3 do Decreto-Lei n.0 548/80, ou seja, regulamentar a liquidação do FDMU ·e dar destino ao respetivo saldo; com efeito, o saldo a apurar tinha deixado de se encontrar afeto à sua anterior finalidade -cobertura de despesas que entretanto deixaram de ter lugar, a despesa militar do ultramar no seu conjunto - passando, assim, a ser um recurso financeiro pendente de reafectação a outras necessidades públicas, definição que que extravasava do âmbito da regulação da organização interna das Forças Armadas.
Em sentido díferente e no que concerne às demais normas do diploma sindicado, constituiu entendimento prevalecente na Comissão Constitucional que tais normas correspondiam ao desenvolvimento dos princípios plasmados já anteriormente nas Leis n.o s 3/74 e 4/74 e por força do remetido artigo 17.0 do Decreto-Lei n.0 400/74; tratavam as mesmas de prosseguir a autonomização da legislação e da administração militares, com o antecedente ali concretizado da transferência da responsabilidade de gestão do FDMU para a dependência do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas - neste conjunto de dispositivos do diploma fiscalizado compreendem-se o artigo 1.0 ), que cometia ao conselho administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas16 as funções de apoio administrativo-financeiro ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas no âmbito da gestão do saldo do Fundo que viesse a ser aprovado no final do ano económico então em curso e o artigo 2.o, n.o 1 que previa que aquele conselho de apoio elaborasse anualmente um orçamento privativo a aprovar pelo Chefe de Estado-Maior-Generaf1 a submeter a visto do membro do Governo responsável pelas finanças, orçamento privativo no qual, pelo artigo 2.c, n.o 2, para além do saldo do
15 O artigo 148.0 , n.0 1, alínea a) (Competência em matéria militar), estabelecia que, na qualidade de órgão político e legislativo em matéria militar, competia ao Conselho da Revolução fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcfonamento e a discipiína das Forças Armadas. 16 Na decorrência do regime aprovado pelo supramencionado Decreto-Lei n.o 400/74, de 29 de Agosto, regime pelo qual se deu tradução a uma autonomia das forças armadas face ao poder político civil no que respeitava a assuntos da sua esfera que anteriormente se encontravam atribuídos ao Ministro da Defesa Nacional e a outras áreas governativas.
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ao facto de Decreto-Lei prever a a visto do anual do do Fundo pelo Ministro das e do poderia consubstanciar uma ilegítima atribuição pelo Conselho da Revolução, enquanto
de a um outro órgão de a Comissão Constitucional iimitou-se a considerar que tal previsão se enquadrava enquanto forma normal de controlo dos fundos financeiros autónomos (Decreto-Lei n.o 264/78, de 30 de Agosto, artigo 8.0 , n. 0 2 e 3 e de acordo com um princípio gerai de gestão financeira vigente na área militar (artlgo 7.o, n. 0 1, alínea do Decreto-Lei n.o 400/74).
Tendo presentes os argumentos atrás sinteticamente explanados, a Comissão Constitucional expressou parecer ao Conselho da Revolução no sentido de este não declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1.0 e 2.o do Decreto-Lei n.o 548/80 e de declarar, com força obrigatória gerai a inconstitucionalidade do artigo 3. 0 deste último, por violação dos prindpios emergentes dos artigos 108.o (Orçamento) n.os 1 e 21 148.o n. 0 1 {Competência em matéria militar {do Conselho da Revolução)), 164. 0 , alínea d) (Competência política e legislativa da Assemb!eia da República) e 201.0, n.0 1 (Competência legislativa do todos da Constituição.
3.1.3. Ao abrigo do disposto na alínea do artigo 146.o (Competência (do Conselho da Revolução} como garante do cumprimento da Constituição) e no n.o 1 do artigo 281.0 (Declaração de inconstitucionalidade) da Constituição, o Conselho da Revolução a solicitação do Presidente da Assembleía da República e do Primeiro-Ministro, precedendo parecer da Comissão Constitucional, resolve, pois, não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei n.o 548/80.
3.2. Breves apreciações genéricas sobre o sistema de fiscalização da constitucionalidade
3.2.1. É genericamente reconhecida na doutrina constitucional que o sistema de garantia da Constituição de 1976, em particular de fiscalização da constitucionalidade{ era na sua versão originária ainda um sistema "embrionário", decorrente de uma determinada composição de interesses e refletindo preocupações atinentes{ do ·ponto de vista político, à necessidade de consolidação do regime e instauração da norma!ídade democrática.
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de Abril de legislativo.
O Conselho da era composto Presidente da República e por diferentes entidades militares (o Chefe e Vice-Chefe do Estado-Maior-General Forças Armadas, os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, o Primeiro-Minístro1 quando fosse militar, e catorze oficiais, sendo oito do Exércit01 três da Força Aérea e três da Armada/ designados pelos respetivos ramos das Forças Armadas).
Era assim um órgão político-militar que representava o Movimento das Forças Armadas na organização do Estado.
Nas suas funções de garante do cumprimento da Constituição, competia ao Conselho da Revolução pronunciar-se, por iniciativa própria ou a solicitação do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas, antes de serem promulgados ou assinados (fiscalização preventiva da inconstitucionalidade por ação), velar pela emissão das medidas necessárias ao das normas rnr,Cr!Tl podendo para o efeíto formular recomendações da incqnstitudona!idade por omissão), apreciar a constitucionaHdade de quaisquer diplomas publicados e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281 o (fiscalização abstrata sucessiva da inconstitucionalidade por ação).
No exerdcío das suas funções de o Conselho da carecia sempre de solicitar o parecer, obrigatório mas de natureza não vinculativa, da Comissão Constitucional.
A Comissão Constitucional foi o primeiro órgão espedfico de garantia da Constituição, instituído apenas para esse efeito, e a sua composição era análoga à composição corrente dos tribunais constitucionais existentes.
Era um órgão presidido por um membro do Conselho da Revolução1 por este designado! que dispunha de voto de qualidade, e por mais oito membros, tendo quatro de ser juízes de carreira (um designado pelo Supremo Tribunal de Justiça e três pelo Conselho Superior de tJ!agistratura, dos quais um seria juiz de tribunal de segunda instância e dois juízes de
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Não se constitucional,
Em porque auxiliares de outro
Em segundo porque! mesmo tribunal com em matéria de inconstitucionalidade (fiscalização não estava investida de um exclusivo e de decidir em última instância sobre a inconstitucionalidade de normas jurídicas.
Nos casos de fiscalização sucessiva abstrata, como o que incidiu sobre o diploma de extinção do FDMU1 a da inconstitucionalidade cabia de facto e de jure ao Conselho da Revolução, depols de ouvido o parecer da Comissão Constitucional.
Assim, em síntese, o Prímeiro-fvJlnistro - no que foi acompanhado pelo presidente da Assembleía da República! a solicitação de um grupo de deputados da maioria17 - suscitou a declaração de inconstitucionalidade de um decreto-lei da iniciativa do próprio Conselho da Revolução que dispunha sobre o património do extinto FDMU.
Como se referiu supra, sustentava o em que o Conselho da para da sua legislativa, invadindo a do Governo e da
Assemb!eia da República no âmbito da afetação de recursos financeiros - o saldo do FDfV!U - sendo do Estado, não cabia à "jurisdição/f militar regular.
Embora dividida - como decorre dos vários votos de vencido e díferentes posições sobre a (in)constitucíonalidade das normas do articulado do diploma - a Comissão Constitucional veio dar razão ao Governo e ao grupo parlamentar impetrantes.
como decorre do teor da Resolução n.o 274/81, o Conselho da Revolução decidiu a seu próprio favor, não acolhendo o parecer da Comissão e não declarando a inconstitucionalidade do diploma sindicado.
Daqui que se possa concluir, nesta ótica, ser manifesto que um dos pontos críticos do sistema de fiscalização da constitucionalidade consagrado na primeira versão da Lei
11 Composta pelos partidos integrados na Aliança Democrática.
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todo funciona menta sistema de
Comissão da
não questões mesmo que possam associar tal decisão à das deficiências e irregularidades relatadas nos anteriores dois relatórios de auditoria elaborados pela IGF por reporte à recolhida e outras diligências oportunamente desencadeadas.
Na verdade, de notar que o âmbito temporal das mesmas ocorrências abrangia já um período anterior ao ano de 19801 ano da emissão do Decreto-lei n.o 548/80, sendo, salvo melhor entendimento, ilegítimo retirar de um diploma que se propunha extinguir um determinado Fundo - e que acabou por vigorar alguns anos mais - fosse a origem ou enquadramento jurídico apto ao manuseamento ou utilização indevida de verbas, à revelia das finalidades a que se encontravam adstritas.
De resto e salvo melhor opinião, o Decreto-Lei n.o 548/80 continha normas sobre gestão orçamental do saldo do FDMU, confiada a um conselho administrativo do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, sobre a elaboração por este conselho de orçamento privativo anual objeto de visto pelo membro do Governo responsável pelas finanças e sobre a afetação de verbas que devia obedecer a um designado "piano de emprego" elaborado anualmente pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em suma, uma série de mecanismos aptos ao controlo da execução das despesas respetivas18•
Refira-se, aliás, que já no âmbito temporal da elaboração do presente parecer, foram desencadeadas diligências que passaram pela recolha de depoimentos orais junto de alguns oficiais responsáveis ao tempo da vigência do FDMU, dos quais resultou, na generalidade, invocação do esquecimento das circunstâncias efetivas de funcionamento do apoio e controlo administrativo - não tendo, por Isso, sido possível apurar da origem das insuficiências ou fragilidades do sistema, sendo certo que o mesmo possuía enquadramento jurídico vigente e funcionava no estrito âmbito da hierarquia e disciplina militar.
A título de curiosídade, como se referiu supra a propósito do histórico legislativo do FDMU, a vontade po!itíca ditou em certos momentos que se atuasse no sentido da simplificação das formalidades inerentes à utilização das verbas do FDMU, o que passou, v.g. pela subtração a visto do Tribuna! de Contas.
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à de foi solicitada a de uma Fundo de Defesa Militar do Ultramar
por FDMU ou por no sentido ver esclarecidas todas as em consequência da anterior auditoria realizada pela IGF, bem como das
decorridas no dos trabalhos desta Comissão de Inquérito, nomeadamente Pedir que os auditores se pronunciem sobre o Parecer n.o de 24 de novembro de 1981, da Comissão Constitucional, relativo ao pedido de declaração de ínconstítucionaiidade do Decreto-Lei n.o 548/80, de 18 de novembro, emanado do Conselho da Revolução, que determina a extinção do FDMU"; 4.2. Face ao carácter de alguma forma indeterminado do pedido e das atribuições e competências legalmente cometidas a esta Inspeção-Geral, deve entender-se não caber no teor do pedido que os auditores se pronunciem sobre o mérito dos argumentos e posições jurídicas defendidos pela Comissão Constitucional e respetivos membros no parecer em causa - incluindo as formuladas nas declarações de voto de vencido; 4.3. Assim, o parecer incide sobre o enquadramento da apreciação da constitucionalidade pela Comissão Constitucional, em particular, os aspetos atinentes à criação e vigência do FDMU, o que passa pela consideração da envolvente histórica -antecedentes legislativos, evolução das finaHdades de afetação das verbas do Fundo -motivos para a aprovação do Decreto-Lei n.o 548/80 e a fundamentação para a sujeição a apreciação da constitucionalidade do diploma, que veio a confluir no Parecer n.0 36/81 1 da Comissão Constitucional e na Resolução n.o 274/81, do Conselho da Revolução. 4.4. A delimitação efetuada do do parecer não obsta a que, em sede de apreciação, se dê conta de alguns aspetos - de resto, "objetiváveis" no âmbito do processo de sujeição a flscaiização da constitucionalidade do diploma controvertido e das condicionantes verificadas. 4.5. Em síntese, o então Primeiro-!vtinístro - no que foi acompanhado pelo presidente da Assembleia da República, a solicitação de um grupo de deputados da maioria parlamentar- suscitou a declaração de inconstitucionalidade de um decreto-lei da iniciativa do Conselho da Revolução que dispunha sobre o património do FDMU. 4.6. Sustentava o Primeiro-Ministro que o Conselho da Revolução havia legislado para além da sua competência legislativa, invadindo a do Governo e a da Assembleia da República no âmbito da afetação de recursos financeiros - o saído do FDMU - que, sendo do Estado, não cabia à "jurisdição" militar regular.
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ocorrer, como se
decidisse em causa o funcionamento sistema de
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da inconstitucionalidade do não questões ou mesmo que possam associar tal decisão à ocorrência das e irregularidades relatadas nos anteríores dois relatórios de auditoria eíaborados pela IGF por reporte à recolhida e outras desencadeadas. 4.10. De notar/ aliás, que o âmbito das mesmas um período anterior ao ano de 1980, ano da do Decreto-Lei n.o 548/80, afigurando-se, salvo melhor de um diploma que se propunha extinguir um determinado Fundo e que acabou por anos mais -a ou apto ao manuseamento indevida de
à revelia das finalidades a que se encontravam adstritas. 4.11. O Decreto-Lei n.0 548/80 continha normas sobre a orçamental do saldo do
confiada a um conselho administrativo do Chefe de Estado-Maior-General das sobre a elaboração por este conselho de
de visto membro do Governo responsável pelas de verbas que devia obedecer a um plano designado "plano anualmente pelo Chefe do Estado-Maior-General das série de mecanismos que no âmbito de um estrito de COntrOlO da eXeCUÇãO daS deSpi:!Sê!S r'~cr•or!
À consideração
em 27 de dezembro de 2013
anual
em suma, uma
uma margem
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Palácio de São 2013
Ribeiro e Castro
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
27 DE fEvEREIRO DE 2013
(6.ª REUNIÃO)
ORDEM DE TRAbALhOS:
1. AUDIçÃO DOS PERITOS RESPONSávEIS PELA AUDITORIA ÀS CONTAS DO GAbINETE DO CEMGfA (ANOS 1974/1981), EfETUADA NO QUADRO DE fUNCIONAMENTO DA 8.ª COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE CAMARATE:
— DR. ANTóNIO LINO GONçALvES COELhO, INSPETOR DE fINANçAS ChEfE — DR.ª MARIA DA CONCEIçÃO fERREIRA RODRIGUES, INSPETORA DE fINANçAS SUPERIOR.;
2. OUTROS ASSUNTOS.
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SUMáRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 18
horas e 16 minutos.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho (Inspetor de Finanças
Chefe) e a Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de
Finanças Superior), na qualidade de peritos responsáveis pela auditoria às
constas do Gabinete do Chefe de Estado-Maior-General das Forças
Armadas (CEMGFA), no período compreendido entre os anos 1974 e
1981, efetuada durante a 8.ª Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia
de Camarate, responderam aos Srs. Deputados Miguel Santos (PSD), Inês
de Medeiros (PS), José Ribeiro e Castro (CDS-PP), Duarte Pacheco (PSD),
Isabel Oneto (PS) e Jorge Machado (PCP) e também ao Sr. Representante
dos Familiares das Vítimas Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 20 horas e 37 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Srs. Deputados, declaro
aberta a reunião.
Eram 18 horas e 16 minutos.
Começo por dar as boas-vindas e agradecer a presença dos depoentes
do Dr. António Lino Gonçalves Coelho, Inspetor de Finanças Chefe, e a
Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues, Inspetora de Finanças
Superior.
A Comissão de inquérito «(…) tem por objeto dar continuidade à
averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de
dezembro de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro, Francisco Sá
Carneiro, do Ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, e dos
seus acompanhantes (…), nos termos do disposto na Resolução da
Assembleia da República n.º 91/2012.»
Perguntei aos Srs. Inspetores se queriam que esta audição fosse à
porta aberta ou à porta fechada, não colocaram qualquer questão sobre esta
situação.
Também já perguntei se queriam fazer uma intervenção inicial, mas
acharam que não valeria a pena.
Expliquei que, na primeira ronda, seriam 5 minutos para as perguntas
e respetivas respostas, por grupo parlamentar e por representante dos
familiares das vítimas, na segunda ronda, seriam 3 minutos para as
perguntas por grupo parlamentar e representantes dos familiares das
vítimas e para as respetivas respostas e, na terceira ronda, seriam 2 minutos
para as perguntas, sendo a resposta dada no final, em conjunto, a todas as
perguntas.
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Srs. Deputados, como o Grupo Parlamentar do Partido Comunista
não está de momento representado, que era a quem cabia dar início às
perguntas, dou a palavra ao Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, muito boa tarde.
Sr.ª e Sr. Inspetores sejam muito bem-vindos a esta Comissão de
Inquérito. Acreditem que li toda a documentação que produziram com
muito interesse e com o máximo de profundidade possível, se bem que é
uma quantidade muito grande de documentos, sobretudo anexos.
Mas, antes de mais, quero dar-vos os parabéns pelo trabalho
realizado, porque transparece claramente da documentação que é um
trabalho sério e honesto.
Vou colocar algumas questões para as quais solicito a resposta e
eventuais comentários livres que queiram produzir, e vou fazê-lo de uma
forma muito rápida por uma questão de tempo.
Começo pela questão da exportação do armamento e material militar.
Parece-me que havia aqui uma contraposição entre aquilo que era o
poder militar, que até determinada altura geria o processo de exportação de
armamento, concentrando na figura do CEMGFA (Chefe de Estado-Maior-
General das Forças Armadas) as autorizações para que essa exportação
ocorresse, e o poder político, sobretudo a partir do momento em que o
Conselho de Ministros, em 1980, aprova uma legislação, um decreto-lei
que transfere a competência para autorização das exportações para o
Ministro da Defesa com parecer do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
De qualquer forma, a 5 de dezembro de 1980, acontece um facto, que
vem mencionado no relatório que produziram sobre o CEMGFA, que é
uma dada informação oriunda do Gabinete do EMGFA (Estado-Maior-
General das Forças Armadas), transpondo para o Diretor Nacional de
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Armamento a competência para autorizar essas exportações, sobrepondo-
se, no fundo, ao regime legal que existe.
Como não consegui encontrar esse documento, pergunto: qual é a
forma legal que esse documento assume e quem é que confere esse tipo de
autorização, que, em termos legais, é bastante falível, parece-me?
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria
da Conceição Ferreira Rodrigues
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de
Finanças Superior): — Sr. Presidente, muito obrigada.
Penso que o documento a que o Sr. Deputado se refere nós
mencionámos no relatório e foi retirado de um livro de registo de
correspondência. Está mencionado, mas não conseguimos localizar esse
documento nas pesquisas que fizemos nas várias pastas, quer no Forte de
São Julião da Barra, quer no Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Não sei se era exatamente esta a questão, também fiquei com alguma
dúvida sobre se era exatamente isto…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É esse documento que transfere essa
competência… (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar
as palavras finais do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Que
transfere… Estou a responder em relação a três ofícios que nós
mencionámos aqui, a fls. 47 do relatório, onde realmente… Pois, é o ofício
n.º 319… Será isto? A fls. 47 do relatório, temos um ofício proveniente do
Ministério da Defesa, do Gabinete do Ministro, com data de 2 de dezembro
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de 1980, que estava realmente com este número de registo, que é o 678,
cujo teor estava mencionado nesse livro. Nós anexámos ao trabalho alguns
anos, um ou dois anos, pelo menos, para dar mais robustez à fidedignidade
do livro, e mencionámos estes três faxes especificamente, porque têm a ver
com a data do atentado. O atentado ocorreu no dia 4 de dezembro e
tínhamos este ofício, com data de 2 de dezembro, a dizer: «Exportação de
material de guerra para o Irão. Remete fotocópia do ofício 319, de 28 de
Nov. de 1980 (…) do Ministério dos Negócios Estrangeiros e documentos
anexos. Solicita que se digne informar com urgência o que o EMGFA fôr
tido por conveniente». Dá a impressão de que havia aqui uma preocupação
por parte do Ministro da Defesa de saber… Esta exportação de material
para o Irão como? E porquê? Não sei…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Essa é uma outra questão, que
também lá irei.
Diz respeito à informação com data de 5 de dezembro de 1980, o dia
seguinte ao do atentado, proveniente do Gabinete Adjunto do
EMGFA/DPL (está na pág. 47 do relatório), referindo que «(…) a partir de
5 de dezembro de 1980 todos os assuntos relacionados com a exportação de
material de guerra passam a ser tratados com o Gabinete de Director
Nacional de Armamento». Isto em contraposição com o Decreto-Lei n.º
361/80, que transfere a competência par ao Ministro da Defesa com parecer
do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não está
em sintonia com a lei.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho (Inspetor de Finanças
Chefe): — Srs. Deputados, eu estive a coordenar este trabalho, mas a
execução no terreno foi essencialmente feito pela Dr.ª Conceição, embora,
com a minha supervisão, e também atuei no terreno.
Quando fizemos este trabalho já tivemos grandes dificuldades,
porque a análise passou-se em 2004 e os factos tinham ocorrido em 1980,
ou, melhor, o que estivemos a analisar foi de 1973 até 1981/82. Portanto, já
por aqui tínhamos uma grande dificuldade.
Por outro lado, a documentação que analisámos foi
fundamentalmente o registo da correspondência e foi neste registo de
correspondência que analisámos a sequência de factos e os relacionámos.
Todavia, à correspondência em si, que estava mencionada nesse
livro, nós não tivemos acesso ou porque já não existia ou porque já estava
no Forte de São Julião da Barra, e, portanto, o que registámos foi o que
estava escrito no livro e que, em princípio, corresponderia à verdade.
Portanto, aquilo é apenas uma informação. À falta de outra informação, nós
registamos aquela!
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Agora, ao expediente que conduziu a essa alteração procedimental
nós não tivemos acesso. É isto que o Sr. Deputado pretendia, mas, de facto,
nós não tivemos acesso.
Entretanto, nós, no relatório, também damos algumas pistas para
análises subsequentes, inclusivamente, em relação a pessoas que
intervinham diretamente nesta matéria, e essas pessoas é que poderão
explicar melhor ou é que terão elementos mais assertivos para tornar isto
mais claro, ao fim e ao cabo.
Em relação à questão, nós não temos…
Agora, que o livro de correspondência dizia isto, dizia. Tanto quanto
nos lembramos agora, porque, conforme já referimos, já passaram uns
anos.
Não sei se a Dr.ª Conceição quer dizer mais alguma coisa.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Realmente
essa informação resulta de um livro… Aos ofícios que as suportavam, não
tivemos acesso.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Coloquei esta questão, porque isto
tem um encadeamento.
A exportação de material de guerra para a Guatemala e Argentina
não é autorizada pelo Ministro da Defesa em abril de 1980.
Em agosto, o Ministro da Defesa não autoriza a exportação de
material de guerra para a Indonésia, e escusado será lembrar o problema de
Timor-Leste que estava bem latente.
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A 2 de dezembro (o atentado dá-se a 4), o Ministro de Defesa pede
esclarecimentos ao CEMGFA sobre uma proposta de exportação de
material de guerra para o Irão.
No dia 4, dá-se o atentado.
No dia 5, há esta informação para o Diretor Nacional de Armamento,
que diz (e é por isto que eu perguntava pelo original): «a partir de agora é o
senhor quem vai tratar disto», à margem de um diploma legal do Conselho
de Ministro e promulgado pelo Presidente da República.
Depois, há aqui um outro encadeamento, porque, efetivamente, no
dia 9 de dezembro, acontece uma exportação de material de guerra para o
Irão e, no dia 26 de janeiro de 1981, acontece uma outra exportação de
material de guerra para o Irão.
Perante este o encadeamento, pergunto se, relativamente aos pedidos
de esclarecimento do Ministro da Defesa ao CEMGFA sobre o material de
guerra para o Irão, que é no dia 2 de dezembro, encontraram algum registo
da resposta que tenha sido obtida.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não
houve. Em relação a isto, foi tudo o que consegui encontrar. Não encontrei
justificação, ou seja, resposta à questão de exportar ou não.
Resulta daqui: «exportar porquê? Como?». Também penso que estas
exportações estavam interditas na altura. Havia vários países para os quais
não era possível exportar, e o Irão seria um deles. E penso que o Ministro
da Defesa estaria precisamente a questionar: «digam lá, expliquem lá o que
é isto!» À resposta não cheguei, não consegui encontrá-la nos papéis que
analisei e que estavam lá em caixas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado Miguel Santos.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, sobre essas exportações de
material de guerra para o Irão, conseguiram descobrir quem é que as
autorizou efetivamente? Quais foram as empresas que venderam o material
de guerra?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
conseguimos, porque não temos mais informação. Não, não conseguimos!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Coloco uma outra questão.
Fazendo uma auditoria sobre o Fundo de Defesa Militar do Ultramar
(FDMU) e sobre o CEMGFA, por que é que inseriram a questão da
exportação de material de guerra neste relatório? Qual é a relação que
existe entre a exportação de material de guerra e o Fundo de Defesa Militar
do Ultramar?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Antes de
iniciar o trabalho, li diversas coisas sobre o assunto e uma das situações
que se punha era o Fundo e a exportação de material de guerra e, portanto,
pensei que tivesse interesse uma análise deste tipo.
Este segundo trabalho resultou do nosso primeiro. Nós, no primeiro
trabalho, fizemos realmente uma reconstituição das contas do Fundo. O
Fundo estava legalizado entre aspas, tinha contas, as contas estavam
aprovadas em alguns anos, em 1977, e depois, em 1978, 1979 e 1980,
deixaram de estar. Fizemos a reconstituição das contas do Fundo e
verificámos que havia contas movimentadas pelo Fundo que não
constavam das contas oficiais e que esses fundos poderiam estar a ser
aplicados em situações diversas. E era isto que pretendíamos averiguar.
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Portanto, quando foi iniciado este trabalho, o objetivo era: «porquê o
Estado-Maior? E isto porque, realmente, da análise que foi feita às contas
do Fundo, havia movimentos de saída e de relação de verbas entradas e
saídas da conta oficial que tinham ligações com o Estado-Maior-General
das Forças Armadas, concretamente com o Gabinete. Daí o exame às
contas do Gabinete.
Não sei se era esta a questão…
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Reforçando um
pouco o que a minha colega disse, da análise que já tínhamos feito
inicialmente ao FDMU, existiam fluxos financeiros entre o FDMU e o
Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Por outro lado, quando estávamos a analisar as contas financeiras,
digamos assim, do EMGFA, verificámos que havia lá fluxos financeiros
que se destinavam especificamente a financiar as empresas de armamento
(isto consta dos documentos), designadamente, subsídios e coisas que o
valha.
Logo, como estávamos a analisar precisamente esses fluxos
financeiros e dados com que esses fluxos financeiros estavam relacionados,
pelo menos alguns, com a parte militar — aliás, todos estes fundos já vêm
do tempo da guerra do ultramar, todos eles estavam relacionados com a
guerra e, portanto, com a parte limitar —, consideramos poder ser relevante
esta associação de ideias, na medida em que algum deste dinheiro, como
verificámos, estava relacionado com parte das empresas de armamento e
outros dinheiros tinham saído destas contas bancárias, andaram por algures,
não sei por onde, e, depois, mais tarde, regressaram a estas contas
bancárias.
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Portanto, este é um vazio que nós propomos que seja averiguado por
quem de direito, porque, se o dinheiro andou fora das contas, certamente
alguém sabe o que ele andou a fazer. Esta correlação que aqui enfatizamos,
que pusemos em evidência, resultou precisamente desta situação, em que
parte destes fundos era para assuntos militares, e isto sabemos, estava
escrito, enfim, nos elementos consultados. A razão foi esta, não foi
qualquer outra razão.
Agora, se existe alguma relação, ou não, ou se existe outra relação
qualquer, como é óbvio, desconhecemos. Isto são factos. Apenas nos
limitámos a relatar factos. Fazer juízos de valor, não fazemos. Não
podemos fazer, nem sabemos, nem temos competência para isso.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Nós vemos esta audição com muita
expectativa exatamente por serem factos, porque há sempre lapsos de
memória, há considerações, há opiniões, mas aqui não, temos a
documentação toda plasmada no relatório e com os anexos que comprovam
as afirmações.
Portanto, depreendo das suas palavras que se pode estabelecer uma
relação de fluxos financeiros do Fundo de Defesa Militar do Ultramar para
empresas fabris militares portuguesas e para a exportação de material de
guerra.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Eu não tirava essa
conclusão. Nós sabemos que há fluxos financeiros que tiveram como
destino empresas de armamento e até com subsídios. Algures diz-se que
foram concedidos subsídios. Mais, a lei até refere que as empresas que
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exportem, quer privadas, quer públicas, terão acesso a crédito para essa
atividade. Portanto, há aí uma…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Exato!
Portanto, isso faz parte dos elementos que consultámos.
Agora, tirar outras conclusões… Isso, nós não podemos fazer, porque
não sabemos.
Mas a Dr.ª Conceição é que esteve no terreno mais…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Só quero
dizer uma coisa: independentemente desses fundos que o meu colega falou,
dos subsídios para a aquisição do material de guerra, tudo isso é…
Mas a situação que realmente não é explicada é existir um Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, que vinha de 1974, que continha dinheiros, que
teve contas que foram reconstituídas até 1981, essas contas eram do Centro
Financeiro do Exército e uma dessas contas do Banco de Angola, e haver
relações entre essas contas e outras contas que não estavam espelhadas na
contabilidade do dito Fundo de Defesa Militar do Ultramar, é haver saídas
de dinheiro da conta que estava espelhada nas contas do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, dinheiro que esteve fora do Fundo durante períodos
longos e que nós não sabemos onde é que esse dinheiro foi aplicado. Como
disse o meu colega, e muito bem, nós realmente não sabemos, porque não
verificámos.
Podemos pensar: «Bom, saiu desta conta e onde é que esteve?
Durante este tempo, esteve a financiar o quê?» Nós não podemos dizer,
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porque não conseguimos saber. O que sabemos é que houve dinheiro que
esteve fora do Fundo durante muito tempo e que depois voltou a entrar,
quando, em 1980 ou 1981, agora não sei, foi realmente extinto o Fundo.
Nesta altura, houve dinheiro que entrou, que veio de outras contas. Houve
uma conta, por exemplo, que nos foi referida neste exame às contas do
CEMGFA, com uma determinada importância e essa importância entrou na
conta oficial do Fundo aquando da extinção.
Agora, coloca-se a questão: então, e durante aquele tempo todo, o
dinheiro que esteve fora do Fundo, este e outro que nós relatamos aqui
como factos de importâncias que estiveram fora, este a financiar o quê?
Nós não podemos dizer se foi material de guerra ou o que foi. Esteve fora!
A financiar o quê…!
Alguém poderá explicar, penso eu, até porque as contas até 1977
estão aprovadas. Depois deixam de estar, mas há uma aprovação final que,
no fundo, avaliza tudo o que está para trás, porque reconstituímos tudo
desde um pedacinho antes de 1973.
Portanto, nós tomámos os saldos desde 1973 e fomos por aí fora até
ao final, e há uma conta em que conseguimos percecionar ter havido saídas
para uma outra conta, que não estava ali relevada e que esteve fora, para
além de outras que, depois, também aqui relatamos (não sei agora em que
página está, mas há aqui uma situação que nos foi referida aquando das
declarações, sei que há uma situação desse género), e que em 1980 este
dinheiro entrou para o Fundo oficial. A questão é: antes, aonde é que este
dinheiro esteve a ser aplicado o dinheiro que esteve fora das contas oficiais
que reconstituímos? Havia outras contas que não estavam espelhadas nas
demonstrações financeiras do Fundo, e o dinheiro dessas contas era para
quê? E quando esteve fora do que, supostamente, era controlado na altura?
Embora as contas de 1978 a 1980 não estivessem aprovadas, no fim aquilo
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foi tudo oficializado. Portanto, o que estava fora… Era isto que nós
realmente gostaríamos de ver explicado. Alguém poderá explicar.
Depois, no fim do nosso relatórios, colocamos algumas questões que
eventualmente podem ser esclarecidas ou…
Mas é isto, no fundo: nós vimos que havia dinheiro fora do Fundo,
que saiu e que esteve, ou não, a financiar qualquer coisa, não sabemos o
quê. Pode ter estado aplicado noutros bancos, não sabemos. Sabemos que
esteve fora e que depois voltou.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Eu gostava ainda de falar na questão
do Fundo, mas o tempo é muito limitado.
Mas, para além da exportação de armas, há uma outra questão, que já
referiram no relatório, que são os chamados «subsídios a estabelecimentos
fabris militares» e, inclusive, os Srs. Inspetores fazem um elenco das
indústrias fabris que estão relacionadas.
Pergunto: essas indústrias fabris são todas públicas ou também são
privadas? Os subsídios eram autorizados pelo CEMGFA? Em 1976, essas
empresas foram subsidiadas em 395 milhões de escudos. Qual é o
enquadramento legal disto? Em 1976, estar a financiar indústria de
armamento quando já não havia guerra, qual é o enquadramento que isto
exige?
Sobre o Fundo, para terminar, vou começar pelo fim, porque, de
facto, o tempo não dá para mais, as outras questões terão de ficar para as
outras rondas.
Em 1981, quando, supostamente, é extinto em termos legais — mas
esta é uma outra história, relativamente à qual também tenho muitas
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dúvidas —, está aqui registado, o Fundo tinha um saldo de 551 milhões de
escudos, que foram transferidos para o fundo privativo do CEMGFA (está
aqui), e, inclusive, existe um recibo assinado pelo Conselho Administrativo
do CEMGFA a declarar ter recebido trinta e tal milhões, não existe é
relativo ao dos outros milhões.
Sobre estes 551 milhões, que, digamos, é o saldo final, o saldo
último que conseguimos perceber, pergunto: este dinheiro, que foi para o
fundo privativo do CEMGFA, integrou a Conta Geral do Estado de 1981?
Onde está este dinheiro efetivamente? Ou seja, com a extinção do Fundo,
as contas foram saldadas? O saldo transitou para onde? Foi integrado na
Conta Geral do Estado? Qual foi o destino final destes 551 milhões, que,
pressupõe-se, sejam aqueles que foram refletidos contabilisticamente,
porque nunca saberemos quais os que não foram refletidos
contabilisticamente, para além de que aquilo é um cruzamento das
transferências que existe, nomeadamente das contas do Banco de Angola.
Nunca saberemos se haveria mais.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esse
dinheiro não sei… Isto não faz parte deste relatório, faz parte do relatório
que fiz em coordenação com o outro colega, mas, realmente, no fim, não
sabemos se isso fazia parte das duas contas ou não. Mas acho que não!
Todo esse dinheiro resulta do saldo do Fundo.
Como eu disse há pouco, as contas foram reconstituídas desde 1973
até essa data e, no final, esse era o saldo que existia e que foi transferido —
eu agora não encontro isso nesse relatório…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pronto,
isso estará mencionado no outro relatório e penso que não faria parte do
Orçamento do Estado.
O Fundo existia com a guerra do ultramar e aquele dinheiro foi-se lá
mantendo, com pagamentos e recebimentos, as tais saídas e entradas e
comunicação com outras contas e dinheiros fora por um tal período de
tempo e que, depois, voltaram a entrar, e digo «voltaram a entrar», porque
algumas dessas verbas entraram precisamente nessa altura, para a prestação
de contas. E nós não analisamos o que aconteceu a esse dinheiro, até
porque isso já era depois de 1980, e nós parámos em 1980. Fomos até à
extinção do Fundo. Daí para a frente já não fomos ver qual foi a aplicação
dada ao dinheiro, que destino teve.
O Sr. Presidente: — Há uma primeira parte da pergunta do Sr.
Deputado, que, se quiser repetir, é a questão das empresas…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A primeira parte tem a ver com o
facto de, nomeadamente em 1976, terem sido 395 milhões os subsídios
concedidos a estabelecimentos da indústria militar, que vêm aqui
mencionados. Os senhores mencionam esses estabelecimentos e, inclusive,
dizem que valeria a pena tentar ir-se um bocadinho mais longe a fim de se
saber quem eram essas pessoas, se era tudo indústria pública ou se era
também indústria privada, quem autorizou, se foi o CEMGFA, e qual foi o
sentido de, em 1976, se estar a dar subsídios — não estamos a falar de
pagamentos, não se trata de pagamento de material fornecido ao Exército,
estamos a falar de subsídios a uma indústria de armamento em 1976.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. António Lino Gonçalves
Coelho.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Em concreto,
também não podemos responder-lhe, porque, por um lado, já decorreu
muito tempo e, por outro, a nossa análise não se focava essencialmente
nesse aspeto.
Todavia, não podemos esquecer, como também se diz no relatório,
que a nossa indústria de armamento, não obstante a guerra do ultramar ter
acabado, continuou a laborar normalmente. E, portanto, precisava de
fundos. De modo que estes fariam parte desse pacote de fundos para essas
empresas, mas, em concreto, não podemos responder-lhe.
Daí se ter colocado a questão, segundo os elementos que foram
compulsados, da exportação dessa produção nacional, mas não podemos
responder-lhe em concreto, até porque nós também não tínhamos
elementos disponíveis que pudessem… Na altura, talvez, se essa questão
tivesse sido colocada… Mas nós não conseguimos ouvir todas as pessoas
envolvidas no sentido de esclarecer os Srs. Deputados, e este é um dos
aspetos que também sugerimos que se desenvolva posteriormente à nossa
intervenção.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu penso
que esses fundos faziam parte da Conta Geral do Estado e é exatamente
como o colega disse, o objetivo era este: manter as empresas de armamento
a laborar da mesma maneira ou semelhante à que estava antes da guerra ter
acabado.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, muito obrigado,
começo por cumprimentar os Srs. Inspetores da Inspeção-Geral de
Finanças e agradecer a vossa presença aqui, tal como o trabalho que já
realizaram.
Acho que é importante começarmos por um pequeno
enquadramento, até para se perceber por que é que estamos aqui hoje a
conversar com os senhores.
O objetivo desta Comissão de Inquérito é, de facto, apurar as
eventuais razões de um atentado, de um eventual atentado. No fundo, a
premissa inicial com que esta nova comissão de inquérito parte é a de que
um atentado estaria na origem da tragédia de Camarate. Neste sentido, é
evidente que, neste relatório, o Fundo de Defesa Militar do Ultramar tem
aparecido como sendo um dos possíveis motivos ou causas desse atentado.
E, portanto, compete-nos agora, em grande parte, tentar encontrar o nexo
de causalidade entre as eventuais operações de tráfico de armas, o Fundo de
Defesa Militar do Ultramar e o próprio acidente. E até podemos chegar à
conclusão que houve tráfico de armas, exportação ilegal de armas para o
Irão ou para outros destinos, mas que isto nada tem a ver com o acidente de
Camarate, ou o contrário. Então, aí far-se-ia um esclarecimento global e
perceber-se-ia que «sim senhor, estava aqui uma relação»!
Como já foi referido aqui pelo meu colega Deputado do PSD, há de
facto uma questão que nos interpela muito, que é seguinte: como é que a
competência de dar autorização à exportação de material de guerra, que
tinha voltado para a esfera política, no dia seguinte ao do acidente, por um
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ofício, tanto quanto se percebe, volta para a esfera militar? E, desde então,
nunca mais ninguém se interrogou sobre esta clara violação de um texto
legal, que estipulava que esta autorização era da competência do Ministro e
não das Forças Armadas?
Portanto, não só é estranho este ofício, como é estranho alguém ficar
autorizado a fazer esse ofício. Como é que ele tem valor legal e, sobretudo,
como é que nunca mais ninguém se interroga sobre este desprezo pelo
decreto-lei que tinha alterado estas competências?
Mas há outras questões que, de facto, aqui, no vosso relatório — e o
tempo corre —, lançam a suspeita. Somos confrontados com informações,
que são importantes, de movimentos de dinheiro, sabemos que entram e
que saem, mas isto nunca chega a ser uma verdadeira auditoria, porque não
sabemos quem movimentou o dinheiro, nem de onde vem, nem para onde
vai, não se consegue verificar a origem e o destino deste dinheiro, o que é,
penso eu, mas os senhores saberão melhor do que eu, obrigação de uma
verdadeira auditoria.
Portanto, as perguntas que tenho para fazer têm a ver com as próprias
dificuldades que tiveram e que, aliás, estão esplanadas no vosso relatório.
A certa altura dizem que só tiveram acesso a 51 de um universo de
aproximadamente 80 pastas arquivadas.
Eu gostaria de saber se a estas pastas que faltam, cerca de 29, não
tiveram acesso porque não estavam lá, porque não tiveram tempo, porque
não… Existem? Não existem? Estão só referenciadas? O que é que
aconteceu?
Dizem também, logo no início do relatório, que algumas das contas
bancárias do Banco de Angola, cujo titular era o Fundo, eram,
aparentemente, geridas pelo Chefe de Gabinete do Estado-Maior-General
das Forças Armadas, Chefe de Gabinete este que, logo a seguir, diz que não
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se lembra de gerir qualquer fundo. Aliás, são vários a dizer isto, nem o
Chefe de Gabinete, nem o Adjunto do Gabinete, ninguém se lembra de
gerir este Fundo, mas as coisas também lá estão!
Depois, surgem outros dados: todas as pessoas ouvidas declararam
desconhecer estas contas. Portanto, as próprias pessoas que ouviram não
têm conhecimento das contas, incluindo o Presidente e o Chefe da
Contabilidade do Conselho Administrativo do Fundo. Pode ler-se: «Apesar
disso, apercebemo-nos, através de um documento localizado no Forte de
São Julião da Barra, que a: rubrica ‘Gastos confidenciais ou reservados’ era
destinada ao Gabinete do CEMGFA e seria ‘sacada’ pelo Conselho
Administrativo do EMGFA». Será que ainda se lembram, para nos
esclarecer um bocadinho melhor o que aqui está, porque também nos
levanta dúvidas?
No livro de registos aparece também um Centro de Documentação
Internacional: «(…) uma situação relativa ao congelamento de contas
bancárias do extinto Centro de Documentação Internacional». E também
aqui o Chefe de Gabinete, que, penso, é o mesmo, questionado, «(…) no
sentido de esclarecer a origem e o destino destas contas tendo respondido
apenas que: ‘Se recordava da existência daquele Centro e tinha ideia de ter
sido um organismo de pouca duração ao qual não se lembrava de ter dado
qualquer colaboração.’»
Perante esta nuvem de coisas que não se sabe, e aqui espero honrar a
Inspeção-Geral de Finanças, até nos medos que ela representa muitas vezes
para algumas pessoas — diz-se, inclusivamente, que até o que a polícia não
consegue verificar as Finanças conseguem, pois conseguem averiguar tudo
—, peço aos Srs. Inspetores que nos ajudem. Digam-nos que diligências
podemos fazer? De que forma é que podemos tentar encontrar o rasto deste
dinheiro de modo a saber o que são estas contas, de onde vem este
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dinheiro, para onde foi, quem autorizou, como é que entrou, como é que
saiu, a que se destinava. Ou seja, de modo a saber mais do que os senhores
agora fizeram. Já disseram que talvez fosse bom ouvir mais pessoas. Mas
há mais pistas por onde possamos procurar para descobrir o chamado
«rasto do dinheiro»? É que de alguma forma é isto, porque estamos de
facto numa grande nebulosa, para já.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. António Coelho.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Bom, o que diz de
facto é verdade. A análise não atingiu, digamos, aquela informação que
gostaríamos de ter atingido. E também é bom recordar que algumas das
contas que acabámos por detetar eram contas que não existiam em termos
legais. Portanto, nós, no meio de toda aquela documentação, que eram
muitas pastas — eu estive na segunda parte, não estive na primeira, foi na
primeira que estiveram em São Julião da Barra —, no meio daquele enorme
mar de papéis, conseguimos ir apanhando algumas coisas e, depois, juntar
as pontas, como se costuma dizer, para aquilo ter alguma lógica. Daí, por
exemplo, os extratos bancários dessas contas que não existiam em termos
oficiais. Nós conseguimos, no meio de todos aqueles papéis, um ou outro
extrato e, depois, fomos juntando as pontas, e daí sabermos que aquelas
contas existiam, mas não existiam nas contas do FDMU, que eram as
contas oficiais.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço desculpa, mas como é que é
possível?!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Exatamente!
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Havia contas oficiais e contas oficiosas, não oficiais.
Relativamente às contas não oficiais que conseguimos encontrar
através da documentação — e penso que uma única, porque alguém disse,
uma das testemunhas referiu essa conta —, e que eram movimentadas no
âmbito do CEMGFA, as pessoas que foram ouvidas e que eventualmente
poderiam saber dessas contas disseram que não se recordavam, não sabiam,
nunca tinham ouvido falar daquilo. Isto é o que resulta dos autos de
declarações, houve, inclusivamente, alguém que disse: «Ah, isso era tratado
por um coronel que já faleceu». Portanto, o falecido é que sabia! Isto eram
contas que não eram oficiais.
Por outro lado, fizemos diligências junto do banco para onde foram
transferidas essas contas no sentido de obter os extratos completos, com o
histórico de todo o movimento, que era para podermos fazer uma análise.
Mas também já não foi possível ao banco fornecer esta informação,
alegando que já tinham destruído a documentação, porque já tinha passado
o prazo legal de conservação dessa documentação.
De modo que esta auditoria foi, praticamente, feita com base, por um
lado, em testemunhos e, por outro, na análise de um grande manancial de
documentação um pouco dispersa, a não ser o tal registo de
correspondência, que era cronológico, e por isso pudemos fazer uma
análise das situações, dos factos, mas uma análise informativa, porque,
depois, não tínhamos o documento de substrato a essa informação.
Portanto, o nosso trabalho foi baseado fundamentalmente nos
testemunhos, ou, melhor, na falta deles, uma vez que ninguém se lembrava,
ou nunca tinham visto, nunca tinham ouvido falar. E daí termos proposto
— e estou, mais uma vez, a repetir-me — que fossem feitas diligências.
Podem perguntar: então, por que é que não fizeram as diligências?
Havia prazos, e penso que este segundo relatório até coincidiu com uma
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altura em que a Assembleia foi dissolvida e tivemos de encerrar
imediatamente o relatório com os elementos que tínhamos. Portanto, em
função disto, nós também não fomos mais além. Não quer dizer que, se a
Assembleia não tivesse sido dissolvida, tivéssemos ido muito mais além,
mas, seguramente, teríamos ouvido mais pessoas, designadamente
testemunhas que já se tinham disponibilizado para serem ouvidas, alguns
generais, por escrito e que depois acabaram por não ser, mas nós pusemo-
los no relatório.
Logo, o nosso relatório também teve este condicionalismo, este
segundo relatório, dado que o primeiro relatório, em que amanhã, em
princípio, um dos autores virá cá, teve mais tempo para analisar.
O nosso trabalho teve estas restrições, esta grande restrição, a falta
de meios e, depois, tivemos de o fazer com o que tínhamos.
Não sei se a Dr.ª Conceição quer…
O Sr. Presidente: — Faça favor, Dr.ª Conceição.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Tudo isto
começou com o primeiro relatório, onde realmente houve uma série de
dificuldades.
Selecionámos algumas pastas, com as pastas que selecionamos
realmente conseguimos reconstituir as demonstrações financeiras, mas falta
muita documentação. Havia algumas descrições, tudo aquilo… Ficou bem
claro que havia duas contas no FDMU oficial, que era o Centro Financeiro
do Exército e a tal conta do Banco de Angola. E, depois, em todo aquele
conjunto de documentação, que foi passado documento a documento,
encontrámos outras contas. Por exemplo, encontrámos um bocadinho de
uma outra conta, que também dizia FDMU, com um outro número; várias
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contas e, por exemplo, uma delas até articulava com a conta que estava nas
demonstrações financeiras oficiais. Ou seja, havia entradas de dinheiro,
transferências da outra conta que estava fora das demonstrações financeiras
oficiais, e esse dinheiro entrava nas contas oficiais.
Pedimos ao banco os extratos bancários, que já não foram
fornecidos, o resto daqueles movimentos também não existia… Às tantas
ficou escondido este bocadinho! Que sorte! Consigo ver que este dinheiro
estava numa conta fora e que entrou nesta conta oficial das contas! Mas
aquilo era um bocadinho, que estava ali por acaso. Havia mais
movimentos, e o resto das contas não existia.
Portanto, aquilo foi um bocado a construção de peças, estou a referir-
me ao outro relatório.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O que é isso das 50 pastas, das 80
pastas…?!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso é
referido no relatório anterior. Realmente, selecionámos as pastas com um
critério qualquer que agora não me lembro.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Isso está no relatório
anterior!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está no
relatório anterior! Isso faz parte do relatório anterior.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras da oradora.)
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foram
selecionados.
Enfim, para este trabalho de que estamos aqui a falar concretamente,
fomos ao sótão do Estado-Maior e disseram-nos: «estas são todas as pastas
do Fundo. Aqui estão!». Trouxemo-las e analisei documento a documento
para ver até que ponto… O objetivo era realmente encontrar o resto dessas
contas bancárias. O que eu queria encontrar ali era os extratos, os restos dos
extratos, alguma documentação relacionada, e, para isso, passei documento
a documento, mas não encontrei. Então, pensei: «há aqui imensa gente
relacionada com o Estado-Maior, vou retirar todos os nomes possíveis
destas pessoas, para depois as ouvir em declarações e pôr-lhes questões
sobre as contas», e muitas das questões tinham surgido aquando do
primeiro relatório. Então, se não é possível obter documentação, porque
não a encontramos, vou perguntar. Eu levava os bocadinhos das contas e
confrontava as pessoas com isso, dizendo: olhe, esta conta…
Estava a olhar para, por exemplo, a fls. 22 do relatório e vejo aqui a
tal conta no valor de 21 milhões de escudos, e há um Sr. Coronel Florêncio
José de Almeida que disse: «Mas havia uma outra conta, no…». Quando o
Fundo foi extinto, este valor entrou nas contas oficiais do Fundo, faz parte
desse valor,…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quinhentos mil!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … dos 500
000 de que o Sr. Deputado já falou há bocado, e foi depois transferido.
Portanto, este valor estava numa outra conta, não sei o que é que
estava a financiar. Estava ali e, naquele momento, foi transferido.
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Eu, na primeira reconstituição das contas que fiz, reconstituí as
contas de uma forma, digamos, global e detetei que, na conta oficial do
Fundo, este valor tinha entrado, mas não sabia a proveniência. Portanto,
quando depois ouvi esta pessoa em declaração, ela forneceu mais esta
informação, dizendo: «Olhe, isso…!» Pronto, é o que está aqui na fls. 22,
«(…) tinha a designação 201/409 601-Gabinete do General Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas e apresentava, em 31 de
Outubro de 1980, um saldo de 21 404 070$10 que foi entregue, nesta data,
no FDMU — Fundo de Defesa Militar do Ultramar.» Como eu tinha
reconstituído as contas, eu tinha visto que tinha lá entrado esta verba
precisamente em 1980. Agora, onde é que esta verba esteve antes e de onde
veio…? Não sei! Por acaso, nestas declarações, ele disse: «Olhe, havia
mais esta conta…», quando o confrontei com as outras contas. Foi isto.
Não havia hipótese.
Eu, quando consegui ver uma conta, para além da conta oficial, pus
até a hipótese de ter ficado ali por esquecimento ou, então, estava ali para
justificar apenas aquele movimento. Mas quem deixou ali aquele
bocadinho retirou o resto ou, então, estava arquivado noutras pastas, vá lá
saber-se!
Em São Julião da Barra, há uma montanha de arquivos e nós
pegamos nas pastas que estavam ali, seladas, com uma determinada ligação
com o Fundo, mas poderia haver mais.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Aquele é o arquivo
classificado!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Aquele era
o arquivo classificado. Havia mais coisas que não estavam sequer
classificadas e nós não mexemos nessas.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada, mas peço-lhe que
seja breve.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Vou ser muito breve, Sr.
Presidente.
Eu já percebi as dificuldades que tiveram e o que conseguiram
apurar, percebi isto pelo relatório.
Voltando a mergulhar nos papéis ou levando mais avante esta
pesquisa, justamente sobre os arquivos de São Julião da Barra, e estou a
pensar nas 29 pastas que faltam, pergunto se se consegue obter mais
informações, ou não. Esta era uma das perguntas.
A outra pergunta, e faço-a porque estou com técnicos das finanças,
tem a ver com a dúvida de saber se o Fundo continua, ou não, a existir. Esta
dúvida foi levantada aqui na última audição. Quer dizer, já ninguém sabe se
o Fundo existe, ou não.
Peço o vosso comentário, como técnicos das finanças. Acham que é
possível não se saber se ainda existe o famoso Fundo, que tinha como
competências justamente gerir verbas para a compra e venda de
armamento? E não estamos a falar de uma pequena transação comercial,
nem de uma pequena conta bancária.
Já agora, enquanto técnicos, podem garantir-nos que este Fundo não
existe ou, então, podem dizer-se que ainda existe?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Dr.ª Conceição Rodrigues.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Em 1980,
o Fundo foi extinto.
Como o Sr. Deputado referiu há bocado, o dinheiro foi entregue,
agora de cor não sei, mas sei que foi transferido o Fundo Privativo do
CEMGFA e, nesse momento, as nossas análises terminaram. Aquele
dinheiro foi entregue no Fundo Privativo do CEMGFA e, daí para a frente,
nós não fizemos mais análises.
Agora, se calhar, daí para a frente os documentos estão no Forte de
São Julião da Barra, mas nós não analisámos os documentos daí para a
frente. Analisámos os documentos desde 1973, que foi para reconstituir as
contas um bocadinho antes, até ao final, até à extinção do Fundo,…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Até quando?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Até 1980,
até à aprovação, assinada e avalizada, dessa extinção e desse valor.
Agora, como é que foi aplicado esse valor daí para a frente? Aí
parámos! Parámos as análises. Acabou e agora daí para a frente não
sabemos do dinheiro.
O que é que reconstituímos? O percurso até aí: as entradas, as saídas,
a ligação com outras contas, para além das que estavam evidenciadas nessa
dita conta, cujo saldo, depois, foi transferido, para o Fundo, inclusivamente
este Centro Financeiro do Exército, que também lá tinha algum dinheiro,
nessa altura, foi transferido para o Fundo. Há outros dinheiros que na altura
foram transferidos para o Fundo, para esse montante de 500 euros… não
sei bem, esse montante…
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — 500 milhões de escudos!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … para o
montante de 500 milhões de escudos! E ficámos por aí.
Agora, como é que foi daí para a frente… Se existe?! Se não existe?!
Como é que foi aplicado?! Aí, não tocámos. As nossas análises pararam aí.
Quer dizer, daqui para a frente nós não vimos nenhuma documentação.
Portanto, saber o que aconteceu no passado, a minha sensibilidade… mas
realmente não sei o que poderia trazer mais de acréscimo. Agora, também
já não consigo, só lendo o relatório, dizer qual foi o nosso critério de
seleção, mas, amanhã, também estará cá a pessoa que coordenou o outro
trabalho, porque neste trabalho de que estamos a falar, no do CEMGFA, foi
líquido… Ou seja, fomos ao Estado-Maior e eles disseram-nos: «O que
temos do Fundo é isto!», trouxemos tudo para baixo, que inclui este livro
de registo de correspondência, e analisámos tudo, documento a documento.
Quanto ao Forte, aí é que fizemos a tal seleção, mas foi com o outro
colega. A ideia que tenho é que deveria haver muito mais coisas a partir de
1980, mas isso é para a justificação posterior, antes… Aquilo é um mundo!
Não consigo saber se naquele conjunto de papéis… Neste momento, por
exemplo, algumas das coisas que não estavam catalogadas já deverão estar,
porque estava lá uma pessoa a catalogar e pode já haver mais alguma
informação organizada. Não sei, sinceramente, mas também gostaria que a
pessoa que lá estava, que vive uma realidade diferente, emitisse opinião.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, em nome
do CDS, quero agradecer a presença dos Srs. Inspetores, o trabalho que
fizeram em 2004 e também a disponibilidade para, passados alguns anos,
nos ajudarem a retomar o fio desta meada.
Temos duas audições, uma hoje e outra amanhã, a de amanhã será
mais sobre o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e a de hoje é sobre as
contas do EMGFA.
Pergunto: qual é a conexão entre este relatório e o outro, do FDMU?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Conceição Rodrigues.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Este
relatório surgiu como resultado do outro e das tais contas. Ou seja, como
verificámos que na conta bancária que estava nas demonstrações
financeiras oficiais do Fundo havia movimentos com o Gabinete e que
também havia outras contas que nos afiguravam ser movimentadas pelo
Gabinete, então, o objetivo era reconstituir essas contas para ver o tipo de
movimentos, para que eram utilizadas… A ideia era, no fundo,
complementar o outro trabalho e ver se ali haveria o resto, passo a
expressão, das contas, o resto que era a parte principal, porque, como disse,
só encontrei uns bocadinhos, que nos fizeram sentir que haveria realmente
outras contas que não estavam nas demonstrações financeiras oficiais. Mas
o objetivo era completar essa informação. Era isto.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Portanto, o estudo da
documentação do Gabinete do CEMGFA ajudaria a clarificar a
movimentação do Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Exatamente!
Verificámos haver algumas contas como até estando fora das contas
oficiais e afigurou-se-nos serem movimentadas pelo Gabinete e, talvez, aí
conseguíssemos encontrar, então, o resto da contabilidade, os extratos
bancários, documentação que nos permitisse ter uma ideia do que aquelas
contas movimentavam. Era este o objetivo.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — A segunda pergunta é se
encontraram evidência de os meios financeiros do Fundo de Defesa Militar
do Ultramar terem sido usados em operações de comércio e exportações de
armas, nomeadamente no ano de 1980. Tenho ideia de que há registo de
correspondência, mas gostava de saber se têm ideia, ou pelo menos a
suspeita, de terem encontrado registos de movimentações financeiras que,
de alguma forma, possam ter tido a ver com operações de comércio e
exportação de armas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não
temos essa ideia!
Há diversos movimentos em que ficámos com muitas dúvidas, mas
também estão aqui relatados, porque, em concreto, não conseguimos saber
para que serviram.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O objeto do nosso
interesse na audição de hoje centra-se justamente na correspondência que já
foi referida e que tem a ver com o comércio e exportação de armas para o
Irão. E, portanto, já disseram, em resposta ao Sr. Deputado Miguel Santos,
que não encontraram propriamente a correspondência. Não tiveram a
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oportunidade de estudar e analisar essa correspondência, quer a de 2 de
dezembro, quer a de 5, quer, mais tarde, a de janeiro de 1981, mas apenas o
registo de correspondência. É assim?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É, sim!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Vou pedir-lhe que se
recorde de um aspeto.
Lendo o relatório, fiquei com a ideia de que a correspondência a que
aqui fazem alusão, com data de 5 de dezembro, e que teria a ver com a
transferência da competência da DILOG para a DNA (Direção Nacional de
Armamento) era o mesmo ofício de 5 de dezembro de exportação de armas
para o Irão. Agora, analisando as cópias do registo de correspondência,
verifico que não. De facto, o registo de 5 de dezembro é suspeito, uma vez
que menciona, no dia a seguir ao atentado, uma operação de exportação de
armas para o Irão, mas não se sabe o que essa correspondência diz, é um
ofício para conhecimento do Diretor Nacional de Armamento. Sabemos
que é o registo 687 «Exportação de material de guerra para o Irão»,
proveniente do EMGFA para o Gabinete do Diretor Nacional de
Armamento, para conhecimento, não sabemos mais, e não encontro no
livro de registo de correspondência nada sobre este ofício, sobre a tal
transferência de competência entre a DILOG e a DNA, que os Srs.
Inspetores detalham com algum pormenor no vosso relatório, quer na parte
introdutória, quer quando fazem o registo de correspondência. Pergunto:
aonde está esse registo? Quanto a esse ofício, leram-no? Pergunto porque
há menção extensa no texto do relatório do que seria o seu conteúdo.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Também
não sei se consigo responder.
Da pág. 47, o que deduzo é que isto foi a partir do livro de registo de
correspondência…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas lá não está!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
está…!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não sei, eu posso levar-
lho, se quiser…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O livro de
registo de correspondência é enorme, mas eu tenho cópia…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sim, mas nestas datas, 5
de dezembro não aparece aqui.
Portanto, aparentemente, este ofício é outro, não é o mesmo, pensei
que fosse o mesmo, mas verifico agora que não é o mesmo e não está no
livro de registo de correspondência, pelo menos nestas folhas eu não o
encontrei, e como têm aqui, digamos, uma descrição mais sumarenta,
perdoem-me a expressão, do que será o seu conteúdo, admiti que o
tivessem lido.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Da leitura
que estou a fazer aqui, deduzo que foi a partir do livro, porque se diz: «De
facto, o livro de registo da correspondência não classificada entrada no
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EMGFA contém, com data de 5 de Dezembro de 1980 e proveniência do
Gabinete Adjunto do EMGFA/DPL, uma informação referindo que a partir
de 5 de Dezembro de 1980 todos os assuntos relacionados com a
exportação de material de guerra passam a ser tratados com o Gabinete do
Director Nacional de Armamento». Da leitura disto, deduzo que foi a partir
do livro, mas só procurando melhor.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Inspetora, peço-lhe
que, depois, com tempo, possa verificar, porque de facto eu não encontrei.
Pode estar noutra página do livro de registo, mas interessava-nos poder
estudar este caso específico.
Fazendo aqui uma leitura rápida do livro de registo de
correspondência, encontrei, também no mesmo período, menção a eventual
exportação de armas para o Iraque. Portanto, há o registo n.º 657, do
EMGFA para o Gabinete do Diretor Nacional de Armamento, de 24 de
novembro de 1980, que diz assim: «Exportação de material de guerra para
o Iraque. Ref. (…) de 20 Nov 80. Informa que não são fabricados em
Portugal artilharia e munições de 155 mm, nem tal material existe em
depósito para venda». Depois, temos o registo anterior ao do Irão, o registo
677, também do Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, que diz o
seguinte: «Exportação de material de guerra para o Iraque. Remete
fotocópia de uma comunicação recebida da nossa embaixada em Bangkok.
Solicita que informe com urgência o que ao EMGFA se oferece sobre o
conteúdo do ofício n.º (…) de 11 de Nov. de 1980 do Ministro da Defesa
Nacional». Aparentemente, não encontrei sequência deste processo.
Há ainda o registo 690, de 9 de dezembro, já depois do desastre, do
Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, que diz o seguinte: «Exportação
de material de guerra para o Iraque. Fotocópia dos ofícios números SG 321
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e 322, ambos de 4 de Dezembro de 1980, do Ministério dos Negócios
Estrangeiros». Presumo que sejam informações da Secretaria-Geral do
Ministério dos Negócios Estrangeiros semelhantes a uma que é mencionada
aqui, a de 2 de dezembro, relativamente ao Irão. Portanto, imagino que a
doutrina…, mas, enfim, só relativamente a esta exportação.
Pergunto: por que é que relevaram as exportações para o Irão e não
para o Iraque no vosso relatório? Qual foi a razão?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — N altura, o
País exportava realmente material de guerra e havia zonas que estavam
interditas e outras não. Tanto quanto me lembro neste momento, o Iraque
não seria uma zona interdita, enquanto que o Irão era. Por isso, eu
relacionei o Irão e não o Iraque. Havia outros países para os quais, nessa
altura, também não era possível exportar armas, mas eu penso que o Iraque
era um dos que se podia, e, por isso, só relacionei o Irão.
Já agora, gostava de retificar uma coisa, em relação a armamento.
Através das contas, na primeira reconstituição das contas, cujo relatório
iremos tratar amanhã, verificámos algumas situações em que são
mencionadas algumas empresas de armamento. Só vendo melhor o
relatório, mas há alguma exportação de material. Isto vem no outro
relatório, não neste que é relativo às contas do Gabinete; vem no relatório
da peritagem do próprio Fundo.
Algumas relações…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Creio que os anexos são
comuns.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Estou a
referir-me ao relatório do Fundo propriamente dito.
Há aqui descrição mais detalhada da despesa, porque realmente o
outro relatório, onde, enfim, há algumas situações… Agora, se estas
situações já vinham anteriormente ao 25 de Abril e se, depois, tiveram de
concretizar-se, ou não… Há aqui umas listas de despesa, que nós fizemos, e
que realmente contêm…
Por exemplo, aqui na pág. 67 dos anexos, temos: «Encargos
derivados da venda de granadas», isto é em 1976. Estas são despesas que
foram feitas através do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, mas isto em
relação às contas que reconstituímos. Ou seja, são despesas feitas a partir
da tal conta no Banco de Angola e do Centro Financeiro do Exército, onde
a despesa estava relacionada, e aqui, sim, nós temos suporte. E há vários
suportes do próprio Fundo de Defesa Militar do Ultramar, não das contas
que funcionavam à margem dele, porque aqui, realmente, não conseguimos
ver a que se destinavam.
Mas, relativamente ao próprio Fundo, há aqui imensa relação de
despesa e alguma desta despesa tem a ver com material de guerra. Temos,
por exemplo, vários cheques para o Conselho Administrativo do Estado-
Maior… Daí a relação destas contas e de, depois, termos ido tentar
esclarecer melhor no Gabinete.
Portanto, há aqui realmente muita coisa que era feita a partir do
Fundo, e algumas destas coisas podemos, amanhã, com o meu colega, que
é jurista, ver melhor, mas não era o objetivo do Fundo, e há realmente
também aqui algumas situações de material de guerra.
Eu tinha ideia de ter visto aqui a Explosivos da Trafaria, mas
agora… Talvez amanhã… Mas isto através do Fundo, das contas que nós
reconstituímos, não das outras que estavam à margem dele.
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O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Por último, quanto a
empresas e a indivíduos, há aqui algumas menções, nomeadamente a várias
operações, mas, neste teatro com o Iraque, há aparentemente operações que
não se concretizaram.
Há também uma referência, que está no livro de registo de
correspondência, a uma denúncia da Embaixada do Paquistão relativa ao
uso de meios fraudulentos pelas firmas Honos e Defex na exportação de
material de guerra. Mas, relativamente a estas operações para o Irão, que
terão tido algum desenvolvimento, não se encontra nenhuma menção a
indivíduos ou a empresas que estivessem ligados a elas.
Têm alguma ideia de que tenham encontrado?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Se não teria indicado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Teria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado, Sr. Presidente. Vou
começar por fazer duas perguntas muito simples.
Em relação às contas que existiam no Banco de Angola e que
funcionavam à margem da contabilidade, deduzo que não se conseguiu
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perceber quem as geria, se era diretamente o Chefe de Estado-Maior-
General das Forças Armadas ou se era o Gabinete.
Os senhores dizem que o Gabinete, aparentemente, geria a conta do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar, mas, em relação às contas que
estavam fora da contabilidade, não se percebe quem as geria. Verdade?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim!
Embora elas tivessem a indicação do FDMU…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exatamente, mas nunca se percebeu
quem as geria.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Uma coisa
é certa, pelo menos numa delas, a que relacionamos aqui, houve fundos que
foram transferidos para a conta oficial.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Claro!
Agora, quanto à gestão das contas que estavam fora da contabilidade,
nunca se percebeu quem a fazia?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não! Mas,
havendo relações entre uma conta oficial, e esta, sim, tem-se ideia de quem
geria, e outras, havendo transferência de movimentos…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Deduz-se.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu não sei
se se deduz. Mas quem geria a conta principal, talvez possa esclarecer que
movimentos eram aqueles que vinham de outra conta. Talvez possam dizer
quem as geria, a que se referiam, por que é que aquelas contas estavam fora
das contas oficiais. Daí terem sido transferidas verbas para a conta oficial.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
Ainda quanto às saídas de dinheiro do Banco de Angola, da chamada
«conta do cliente n.º 1», que é, digamos, a conta do Fundo, com a indicação
expressa «plano de aquisições», depreendo que também nunca conseguiram
detetar que aquisições foram estas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exatamente!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São essas
relações que nós, no nosso relatório,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem, não se consegue perceber.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Temos
aqui algumas descrições, mas essa aí, do plano de aquisições, nós não…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
Confesso que limitei-me a ler o vosso relatório, e, portanto, aquilo
que agora vou dizer tem a ver com a base legal, que é citada pelo vosso
relatório.
Os poderes de intervenção na alienação de material de guerra são
passados do Conselho de Ministros e do Secretariado da Defesa Nacional,
que vinham de 1953, pelo Decreto-Lei n.º 400/74, de 29 de agosto, para o
Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Há depois aquela portaria, a 10 de março de 1975, que transfere o
Secretariado de Defesa Nacional para o Estado-Maior-General das Forças
Armadas e, digamos, o quadro legal que, a partir de 1974, existe para a
intervenção na alienação de material de guerra é exclusivo, ou parece-me
ser, de acordo com as leis que citam, do Estado-Maior-General das Forças
Armadas. Este quadro vem a ser alterado em 1980, segundo o que os
senhores dizem, por um decreto-lei, que começa por ser aprovado em maio
em Conselho de Ministros, que só é publicado em setembro e que entra em
vigor em novembro, decreto-lei este que devolve ao Ministro da Defesa as
competências para autorizar e fiscalizar o comércio de armamento e até
para credenciar as empresas.
A minha dúvida surge pelo seguinte: se o quadro legal era este, o
Ministro da Defesa, em abril e em agosto, proíbe exportações de armas
com base que quadro legal? Esta questão já aqui foi citada duas vezes e
parece-me, aliás, bastante importante para aquilo que a Comissão está a
tentar perceber.
De facto, agora, ao ser confrontado com o quadro legal que os
senhores apresentam e que, para mim, é muito claro, fico com a dúvida,
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porque, aparentemente, só a partir de 10 de novembro é que as
competências do Ministro da Defesa permitiriam a fiscalização, a
proibição, a autorização, etc. Não sei se querem comentar…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu acho
que há, no auto de declarações que fizemos, alguém que refere esse
assunto. Tenho ideia de haver uma pessoa, que ouvimos em declarações,
que refere esse assunto, mas não consigo…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não se preocupe, porque é uma
questão que deixo em aberto para também a própria Comissão pensar um
bocadinho nela.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu acho
que há alguém que falou disso, alguém que ouvi e que escrevi, mas…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra apenas
para dar uma ajuda.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Na pág. 10 do relatório do
CEMGFA, na alínea t), onde os Srs. Inspetores fazem todo o historial que
aqui é referido, o enquadramento legal, diz-se: «Mas, já anteriormente o
Ministro da Defesa Nacional vinha tendo intervenção nesta matéria, pois
parece resultar da leitura dos registos insertos no livro do registo da
correspondência classificada recebida no Gabinete do EMGFA no ano de
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1980·que, neste ano, o Ministro da Defesa nalguns casos terá pedido
esclarecimentos adicionais e noutros não terá mesmo autorizado algumas
das intencionais exportações de armas.»
Portanto, o Ministro vinha ingerindo…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Vinha,
vinha!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … mesmo antes do diploma de 80,
que lhe dava a competência legal, entrar em vigor.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Era exatamente essa a minha dúvida.
Como é que antes de 10 de novembro, há essa proibição?
Os senhores afirmam no ponto 6.2 do vosso relatório, pág. 43, e já
aqui foi citado, que o Gabinete do Chefe de Estado-Maior-General das
Forças Armadas «(…) recebeu principalmente nos anos de 1979, 1980 e
1981, muita correspondência relativa à comercialização de material de
guerra». Esta vossa afirmação consta da pág. 43.
Mas o Sr. General Aurélio Trindade (pág. 48) afirma que o Gabinete
era uma simples «caixa de correio» e que nada tinha a ver, nem intervinha
por forma nenhuma, com essa comercialização.
Podem esclarece-me sobre esta aparente… Ou seja, a sensação que
tinham era a de que era só a «caixa de correio» para este enorme volume de
correspondência relativa à comercialização de material de guerra? Ou, de
facto, havia uma intervenção que o Sr. General, provavelmente, não se
lembrava?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso aí, só
perguntando ao próprio…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ao próprio Sr. General.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … o que é
que ele entendia por «caixa de correio». Eu não posso… Não tenho essa
sensibilidade para dizer se realmente era só passagem, e está registado no
livro, ou se havia alguma intervenção. Mas eu não tenho dados.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem. Passo às duas últimas
perguntas.
O Sr. Coronel do SAM João da Silva Antunes Nogueira fala de duas
coisas (págs. 16 e 17)…
O Sr. Presidente: — Peço desculpa pela interrupção, mas quero
pedir um favor: quando referirem páginas, para ser mais fácil a consulta,
fazemos uma pequena pausa, para que nos possamos situar.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Com certeza, Sr. Presidente.
Na pág. 16, este Sr. Coronel diz: «Os gastos confidenciais ou
reservados eram pagos através de um PAD efectuado por duodécimos e
autorizado pelo CEMGFA. (…) Para todas as despesas no Conselho
Administrativo, que fossem feitas para além da competência dos seus
membros, eram elaborados PAD submetidos ao General Chefe de Estado-
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Maior-General das Forças Armadas que tinha a competência máxima para
autorizar as despesas, com base nas justificações apresentadas». Estamos a
falar de gastos confidenciais ou reservados.
Na pág. 17, fala-se sobre os subsídios aos estabelecimentos fabris
militares, e diz-se: «Era a DIAF que organizava o processo e indicava o
estabelecimento Fabril ao qual deveria ser atribuído o subsídio. O processo
era submetido a despacho do CEMGFA e era este que sancionava a
despesa».
Ou seja, há despesas confidenciais e reservadas, há subsídios
claramente assumidos a estabelecimentos fabris militares e tudo indica que
era o Sr. General Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas a
última instância da autorização e de aprovação. É assim? Li bem?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Sr. Dr. Luís Rocha, peço-lhe mais rapidez.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, estou a tentar ser…
O Sr. Presidente: — Os tempos estão iguais, porque eu tenho estado
aqui a registar o…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem, Sr. Presidente, vou ser
muito rápido a formular duas perguntas.
Referem que o Sr. Coronel Dias Frade acabou por não poder ser
ouvido. Lembra-se porquê? O Coronel Dias Frade tinha a vantagem, pelo
que percebi do vosso relatório, de vir desde 1975, praticamente, a
acompanhar toda esta história.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Penso que
ele tinha falecido…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem! Perguntei porque, como
não expressam o falecimento, fiquei sem perceber.
Última pergunta: o relatório apresenta várias sugestões de questões a
colocar ao Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, que,
deduzo, é Ramalho Eanes,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — … e citam que ele se disponibilizou
para responder, embora por escrito,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim!
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — … mas que não chegou a responder a
nada.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
respondeu, porque não chegámos a colocar as questões,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … porque,
entretanto, por causa da situação…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — São estas as questões que, no fundo,
vão sugerindo e que, depois, fazem o apanhado final.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São as
questões a que, pensamos, talvez o Sr. General pudesse esclarecer. Mas não
chegámos a colocar essas questões.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Embora tenha havido a
disponibilidade dele para responder por escrito?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à segunda ronda.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Inspetores,
também agradeço todo o vosso trabalho em 2004 e a disponibilidade para
estarem connosco, passados já alguns anos sobre a conclusão do mesmo.
Têm, sem dúvida alguma, informações relevantes para todos nós, e eu
tenho algumas questões concretas para colocar, algumas delas são
confirmações daquilo que nos apresentam nos relatórios.
Dizem no vosso relatório, e gostaria que mo confirmassem, logo na
pág. 5, por exemplo, que o Conselho Administrativo do Estado-Maior-
General das Forças Armadas não movimentava qualquer conta no Banco de
Angola ou no União de Bancos Portugueses.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. António Coelho.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Conforme podem
ver, as primeiras folhas são o sumário executivo, são um resumo, digamos,
do relatório.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas aqui
pode haver falha de alguma informação para se perceber o que se está a
dizer, mas, depois, no texto explica-se melhor.
Penso que isto que aqui está deduz-se de declarações que foram
prestadas por alguém, e essas declarações…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras da oradora.)
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O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Exatamente! Diz
exatamente isso: «Sr. Coronel do SAM João da Silva Antunes (…)
declarou…», isto faz parte do auto de declarações que estará adiante. Até é
uma citação, nós aqui apenas citamos.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Correto, mas eu estou a querer
questionar.
Os senhores comprovaram que o Estado-Maior-General das Forças
Armadas não movimentava qualquer conta no Banco de Angola.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não! Nós
não comprovámos!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Nós não sabemos,
porque não tivemos acesso às contas bancárias, apenas a pequenos extratos,
digamos assim, dos extratos da conta, passo a redundância.
Portanto, nós, inclusivamente, pedimos informação ao Banco, que
nos disse que já não tinha documentos. Gostaríamos de saber quem é que
estava autorizado a movimentar a conta, por exemplo, mas não temos esta
informação.
Agora, para o nosso trabalho, à falta de elementos, fomos por vias
alternativas, o testemunho pessoal das entidades que estiveram envolvidas
neste processo e o que eles declararam foi isto. Falta-nos a confirmação,
que é o trabalho do auditor, mas a confirmação não veio.
Tentámos, pedimos ao Banco, só que não veio.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Portanto, não com base
documental mas com base em depoimentos, concluíram que o Conselho
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não administrava qualquer conta no Banco de Angola, contas estas que, no
entanto, existiam e com movimentos acentuados.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Vamos lá a ver:
verificámos que o Conselho movimentaria ou movimentava as contas
oficiais, as legais. Sobre todas as outras contas que detetámos, que também
eram movimentadas por alguém, perguntámos às pessoas que estiveram
envolvidas neste processo e todas elas nos disseram que não sabiam, que já
não se lembravam. Enfim, como eu já disse há pouco, nunca tinham ouvido
falar nisto! Inclusivamente esta disse que «Para todas as despesas no
Conselho Administrativo, que fossem feitas para além da competência dos
seus membros, eram elaborados pedidos de autorização de despesas
submetidos ao General…».
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — O Sr. Inspetor está a confirmar
aquilo que eu disse. Ou seja, não com base em documentos mas com base
em depoimentos retiraram a conclusão de que as contas existiam, ponto!, e
que não eram contas que fossem movimentadas de forma oficial, porque
não estavam registadas no Banco de Angola ou no União de Bancos
Portugueses.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Claro!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — A segunda questão tem a ver com
o facto de durante este tempo serem atribuídos subsídios a
estabelecimentos fabris militares.
Pergunto: subsídios com base em que critério? Conseguiram
identificar a base de contrapartidas, se assim podemos dizer?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
conseguimos identificar. Os subsídios foram retirados a partir da Conta
Geral do Estado. Verificámos que havia subsídios a partir da Conta Geral
do Estado. Agora, com que critérios eram atribuídos e a quem, não temos
ideia.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Simultaneamente eram atribuídos
subsídios a empresas fabris, tendo por base um processo com um despacho
do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas não
identificados.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso está
na própria lei.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Terceira pergunta: havendo verbas,
que eram transferidas para as outras contas, conseguiram identificar o
objetivo por que essas verbas estavam a ser transferidas para contas
paralelas? Em algum registo está identificado o fim a que se destinavam as
verbas que saíam das contas oficiais para, pelos vistos, as contas paralelas?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — No
relatório que fizemos em primeiro lugar, penso que havia algumas saídas
de dinheiro que estavam identificadas, tipo «Oficinas Gerais de
Fardamento». Mas isto tenho de memória, em relação ao relatório anterior.
Agora, em relação às outras contas paralelas, foram encontrados
registos de transferências dessas contas paralelas para a própria conta
oficial, o que significa que o dinheiro estaria fora, de alguma maneira.
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Uma das questões que vos deixou
a pensar foi a conta no Banco de Angola, a conta denunciada. Vocês
ficaram com dúvidas sobre a origem e o destino dos seus valores até 11 de
novembro de 1980, quando o seu saldo foi transferido para a conta do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
Se pudessem, gostaria que elaborassem um pouco sobre essa dúvida,
essa vossa suspeita, visto que ela aparece como fundamental no vosso
relatório. Portanto, vocês têm esta dúvida, esta suspeita.
Podem fundamentar um pouco mais?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sobre a
aplicação dos dinheiros dessa conta?
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sobre a dúvida que pode… (Por
não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras finais do
orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais da
oradora.) … aplicação dos dinheiros da conta pelo facto de haver dinheiros
fora da conta, que nós sabíamos qual era o destino, em que é que estavam a
ser aplicados.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Nem a origem do mesmo?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Se o
dinheiro estava fora da conta era suposto ter saído do Fundo…
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Não fui que escrevi, foram os
senhores!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Estou a ler uma frase vossa. Os
senhores dizem abertamente: «Qual a origem e o destino dos seus valores
até 11 de Novembro de 1980, quando o seu saldo final foi transferido para
o Fundo de Defesa Militar do Ultramar no Banco de Angola…». É uma
dúvida vossa.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Ora bem, essa
dúvida resultava do facto de a conta não ser legal, não ser oficial. Não é
não ser legal, é não ser oficial.
Como era uma conta não oficial não havia registo nenhum sobre os
fluxos relacionados com a mesma. Daí a nossa curiosidade em saber, como
auditores, a razão de ser da conta, por um lado, e a razão de ser dos seus
movimentos, por outro lado, e colocarmos no relatório essa questão para
ser esclarecida. Nós não conseguimos esclarecê-la, mas a Dr.ª Conceição…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Exatamente! Não estávamos situados no mesmo universo, esta é outra
situação.
Para além das contas que tínhamos detetado no primeiro exame, das
declarações que nos foram prestadas, resultou uma nova conta, agora
denunciada — o «agora denunciada» quer dizer que neste relatório houve
alguém que disse «olhem, há aqui mais esta conta!» —, que tinha o valor
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de 21 milhões de escudos, uma coisa assim, um valor que tinha entrado nas
contas oficiais do Fundo aquando da dita transferência em 1980.
Portanto, este dinheiro veio de algures e foi uma conta que nos foi
denunciada.
Ou seja, quando fiz a reconstituição das contas, pensei: «Agora, o
Fundo foi extinto e houve aqui vários dinheiros que estavam noutros lados
e que entraram para apurar o dito saldo», e nesses valores estavam os 21
milhões de escudos. Este valor veio de onde? Não sei de onde veio! Mas,
depois, quando estive a ouvir as pessoas em declarações, há uma das
pessoas que me referiu: «Olhe, havia esta conta com o exato valor de…»,
eu acho que a pessoa até diz de onde isto vem.
Mas isto era para esclarecer que dinheiro era este — estou a referir-
me aos 21 milhões de escudos.
Quanto à «a conta agora denunciada», talvez não seja muito claro
qual era a conta denunciada, mas esta conta foi a que surgiu em resultado
das declarações e que não conhecíamos antes. Tínhamos visto que tinha
entrado aquele dinheiro, mas não se sabia… E disseram-nos: «Olha, há
outra conta…», onde estava também este dinheiro.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Isso dá a ideia de que se tivessem
tido mais tempo mais contas encontravam.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Poderia
acontecer.
Poderia acontecer, embora neste caso eu tinha detetado a entrada do
dinheiro na conta do Fundo, mas, realmente, não sabia de onde tinha vindo.
Este dinheiro veio de algures! Está aqui uma entrada para apurar o dito
saldo de quinhentos e tal… o saldo final.
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Porém, houve alguém que disse: «Olhe, há aqui esta conta!», e o
valor era exato, a pessoa trazia o valor exato ao tostão, na altura.
Portanto, este valor esteve algures, não sei aonde. Nas declarações,
nos autos de declarações, isto está referido.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Duarte Pacheco, peço-lhe que
faça a última pergunta.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Eu acho extremamente interessante
que, do resultado do vosso trabalho, os senhores tenham identificado
muitas questões relevantes, contas paralelas às contas oficiais,
transferências de verbas de um lado para o outro não justificáveis, mas,
simultaneamente, talvez pelos anos já terem passado, etc., verifico que não
foi possível identificar todas as personalidades, todas as pessoas que
mexiam nas contas, as pessoas que as movimentavam, o seu objetivo, etc.
E isto é extremamente pertinente, de tal modo que são os próprios
inspetores a deixarem no relatório questões pendentes, nomeadamente, por
que é que os relatórios financeiros relativos aos anos de 1978, 1979 e 1980
do Fundo de Defesa Militar do Ultramar não foram aprovados?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim! Mas
vamos lá a ver: temos elementos concretos, temos as contas, que estão
aprovadas até ao ano tal, e, depois, há aquelas contas que… Aquilo encaixa
tudo, até ao final, com as entradas e as saídas. Fizemos a reconstituição e,
no final, há a aprovação pela mesma pessoa que aprovou antes, mas
aqueles três anos não estão aprovados. Portanto, só a própria pessoa é que
poderá realmente…
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas era precisamente isso o que eu
ia dizer.
Os senhores transcrevem, factualmente, que há anos em que os
relatórios não foram aprovados, que há aplicações de verbas que se
encontram fora da conta, que as contas do Banco de Angola foram
movimentadas à margem de qualquer conta oficial, que os cheques
passados relativos à conta do Fundo de Defesa Militar do Ultramar de
Angola não estão relevados contabilisticamente. Portanto, são n questões!
Como é que as despesas com as forças militares extraordinárias no
ultramar, em 1976 e 1977, continuavam a ser utilizadas ou como é que não
se consegue perceber quem é que geria as contas bancárias no extinto
Centro de Documentação Internacional.
Portanto, deixam-nos muita informação que nos deixa muitas
dúvidas mas que nos permite retirar uma conclusão: há muita coisa a
explicar no âmbito destas verbas de muitos milhões de euros durante os
anos 70 e princípios dos anos 80.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Inspetor.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — De facto, é como diz.
Também nós sentimos a necessidade de analisar esses aspetos só que não
conseguimos, umas vezes porque o trabalho teve de acabar de repente,
subitamente, com a dissolução da Assembleia, e outras vezes porque já
tinha passado muito tempo e as testemunhas, digamos (foi o que sentimos),
também não tinham assim grande apetência para colaborar na descoberta
desta… Mas isto é um feeling, não são factos, digo-o porque ninguém se
lembrava, a pessoa que tinha morrido é que realmente sabia tudo. Enfim,
conjugando todos estes…
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Por outro lado, sobre a existência destas contas sigilosas, não
podemos esquecer de que tínhamos acabado de sair de um período de
guerra e que, portanto, temos de contextualizar a situação. Toda a análise
terá de ser feita, sob pena de se não compreender bem a situação, dentro do
contexto da altura, isto também deverá pesar na análise da situação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Começo por cumprimentar o Sr.
Presidente e os Srs. Inspetores.
Os senhores referem que o vosso trabalho tem por base 51 pastas de
um universo de cerca de 80 pastas arquivadas.
Pergunto: em vosso entender, poderia ou deveria ser também
analisada a documentação existente nas restantes pastas?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Penso que
é melhor responder a essa questão amanhã, com o outro meu colega que
colaborou no trabalho, porque este trabalho em si, como eu já disse, foi
feito com toda a documentação que existia no Estado-Maior que foi posta à
nossa disposição. Não sabemos se havia mais, provavelmente havia mais,
mas deram-nos aquela e disseram: «Está aí! É essa!». Se há mais, não
sabemos onde está.
Agora, isto aconteceu no Forte de São Julião da Barra e o melhor,
talvez,…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Chegaram a elaborar uma lista das
pessoas a ouvir mas que não chegaram a ser ouvidas?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Isso está no
relatório!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não encontrei.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Penso que está num
dos anexos, porque ainda hoje estive a ver isso. Há um anexo que diz quais
as pessoas que deveriam ser ouvidas. Geralmente, era o General Ramalho
Eanes e outros coronéis e generais…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pág. 78
dos anexos… Temos um índice dos anexos e nele temos: «Pessoas a ouvir
e que já foram ouvidas em declarações e seus respectivos contactos», págs.
64 a 78.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Muito obrigada.
Por último, existe referência de que, em novembro de 1980, o então
Ministro das Finanças mandou efetuar uma investigação ao Fundo de
Defesa Militar do Ultramar. Têm alguma indicação de que esta
investigação tenha sido feita no âmbito do Ministério das Finanças?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não temos
ideia.
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O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Peço desculpa, Sr.ª
Deputada. Pode concretizar melhor a pergunta?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Existe a referência de que terá havido
um despacho do então Ministro das Finanças, em novembro de 1980, a
mandar efetuar uma investigação ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
Pergunto se têm alguma informação ou alguma indicação que possa
indiciar de que esta investigação tenha sido efetivamente realizada e
iniciada. Têm alguma indicação sobre esta matéria?
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Vamos lá a ver: nós,
como metodologia, sempre que fazemos um trabalho, vamos verificar se
existem antecedentes no serviço. Como este aspeto não é referido neste
relatório é porque nós não tivemos na altura conhecimento e mantém-se.
Portanto, nós não sabemos se foi por uma outra entidade qualquer. Lá pelo
serviço de certeza absoluta que não foi, porque, se tivesse sido, não
poderíamos falhar, mas se foi por uma outra entidade qualquer, isso não
sabemos. Lá pelo nosso serviço, não!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — À data quem é que teria capacidade
para o fazer? Evidentemente, podem não saber, mas pergunto se têm ideia
de, à data, a ser feito, quem, além das finanças, teria capacidade para o
fazer.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Por aquilo que é do
meu conhecimento, trabalhos de auditoria ou assim deste género eram
sempre incumbidos à Inspeção-Geral de Finanças e, inclusivamente, por
vezes, formavam-se equipas multidisciplinares com outros serviços,
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designadamente a Direcção-Geral dos Impostos e também a Polícia
Judiciária. A ter sido feito, a probabilidade de não ser feito pelo nosso
serviço era diminuta, de acordo com aquilo que eu sei.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, em
primeiro lugar, quero dizer que, entretanto, encontrei o outro livro de
registo de correspondência onde está o tal outro ofício mencionado. E, de
facto, é outro ofício, não é o mesmo, ao contrário do que deduzíamos. É
uma folha separada, é uma folha solta que está no meio destes anexos e
que, de facto, tem esses elementos que constam do vosso relatório,
mencionando uma transferência da competência da DILOG para a DNA no
âmbito do EMGFA, mas só poderemos aprofundar na posse desses textos.
Pergunto, desde já: não foi ouvido nenhum responsável da Direção
Nacional de Armamento neste período, nem da DILOG?
Da DILOG, vi, na consulta do processo, que poderia interessar ouvir
o General Arménio Nuno Ramires de Oliveira, que foi o responsável da
DILOG no período a seguir a outubro de 1980, segundo o que aqui está
mencionado, mas este invocou a prerrogativa do Código de Processo Civil,
pelo que, depois, não se concretizou. Não sei se ainda vamos, ou não, a
tempo de o ouvir.
Da Direção Nacional de Armamento não consta aqui nenhuma
identificação, nem do seu responsável nem de qualquer quadro. Porquê?
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Têm alguma ideia? Tiveram dificuldades em identificar os responsáveis da
Direção Nacional de Armamento?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Provavelmente, não consegui identificar na altura. Não consegui identificar
o responsável pela DNA, na altura. Não sei se ainda será possível, mas se
não está… Todas as pessoas que eu encontrei nos papéis eu relacionei.
Agora, ao não relacionar…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Bom, imagino que o
Chefe de Estado-Maior-General… Imagino que os superiores saberão
quem pertencia aos quadros, mas esta é uma diligência que teremos de
fazer, se quisermos, para percebermos melhor estes aspetos.
A segunda questão tem a ver com um crédito mencionado no vosso
relatório e, depois, há também documentos. Sobre este crédito de 1 milhão
de contos, fazem várias perguntas a várias pessoas. É um crédito para a
RPA. RPA é República Popular de Angola? Era um crédito concedido pelo
FDMU? Isto tem a ver com o ponto 6.1 do relatório.
Já agora, 1 milhão de contos hoje seria quanto? Cinco milhões de
euros em reconversão direta…
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Poderia repetir a
referência ao relatório?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Ponto 6.1 do relatório.
«6.1. Crédito de 1 000 000 de contos a conceder à RPA» — está na pág.
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A estranheza é por ser concedido pelo CEMGFA, aparentemente, no
FDMU não é claro e por um montante que, creio, é muito elevado, se bem
me recordo do que valia 1 milhão de contos em 1978.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — De acordo com o
próprio relatório diz-se: «Este assunto terá a ver com a documentação·de
que·se junta cópia a fls. 291 a 296 dos anexos.» Agora, nesta revisão que
fiz, não fui ver, não considerei isto muito relevante, por isso não fui
confirmar. Mas, da leitura que fiz, interiorizei, à distância, que isto era
República Popular de Angola. Isto foi o que eu interiorizei agora, ao ler
nem se me colocou outra dúvida.
Em todo o caso, nas fls. 291 a 296 está lá com certeza.
Enfim, o que dizemos é que seria útil esclarecer este movimento com
vista a melhor percecionar a atividade desenvolvida pelo Gabinete do
Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e a sua articulação
com a DILOG.
Este é um aspeto que consideramos útil.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Uma vez que vão
passados alguns anos sobre 2004, sugeriam um conjunto de diligências que
nunca puderam ser feitas. Reafirmam se são as diligências hoje, à distância,
que seriam úteis fazer? Refiro-me às recomendações que estão na parte
final do vosso relatório, nas duas últimas folhas, no ponto «Questões a
colocar».
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim. Na altura,
consideramos que estas diligências subsequentes teriam utilidade para
melhor percecionarmos como é que tudo isto funcionava, designadamente
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no aspeto financeiro quer das contas legais quer das que estavam fora da
legalidade. Enfim, da leitura que fizemos nestes últimos dias, dos contactos
que tive com a minha colega, consideramos que estas diligências, se não
todas, pelo menos algumas, poderão ser úteis para a descoberta da verdade.
Enfim, quanto mais tempo passar, a eficácia não será tão grande, mas penso
que sim.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Se tiver interesse para o
âmbito desta Comissão esclarecer em definitivo a questão do fecho das
contas do FDMU e também das contas do Gabinete do CEMGFA neste
período, uma vez que estão coenvolvidas, qual seria o organismo
competente para fazer isto a esta distância temporal, uma vez que estão
decorridos mais de 30 anos sobre os factos? A IGF ou o Tribunal de
Contas? Quer dizer, se tivermos de fazer as diligências que pediram, qual é
o organismo que nos pode esclarecer como é que fechou, quais eram os
saldos, para onde foram os saldos, se está encerrado, uma vez que têm
surgido dúvidas, cujo interesse e relevância nós não sabemos. Se tiverem
interesse, a quem deveríamos endereçar este pedido?
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Bom, de acordo com
as competências dos vários organismos e do meu conhecimento, enfim, sou
da opinião, e atendendo à Lei Orgânica da IGF, que a IGF será uma das
entidades melhor colocada para poder dar resposta a essas questões. Isto de
acordo com o meu conhecimento.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado. Nada
mais tenho a perguntar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Gostaria de obter uma opinião sobre o despacho do Ministério das
Finanças, que, penso, foi citado pela Sr.ª Deputada e que eu tenho aqui. É
um despacho sem data e que diz: «Considerado que, através do Decreto-Lei
n.º 548/80, de 18 de Novembro, passa a ser cometida ao conselho
administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas a gestão do
saldo que vier a ser apurado, (…)
Determina-se que:
1. A Inspecção-Geral de Finanças proceda, no âmbito das atribuições
que lhe são cometidas (…), a uma inspecção ao Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, com vista a:
a) determinar os valores ativos e passivos do Fundo, (…)», analisar a
movimentação das respetivas contas nos últimos cinco anos, o que
significava precisamente de 1975 a 1980.
«A Inspecção-Geral de Finanças deverá apresentar, no prazo de 30
dias a contar da data do presente despacho, um relatório de progresso
contendo os elementos informativos (…).
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A Direcção-Geral da Contabilidade Pública, através da 1.ª
Delegação, deverá prestar, com carácter de prioridade, toda a colaboração
que lhe for solicitada pela Inspecção-Geral de Finanças.
Lisboa,». Não tem data, tem a assinatura do Ministro das Finanças e
do Plano, Prof. Cavaco Silva, mas não tem a assinatura do Chefe de
Estado-Maior-General das Forças Armadas, pois trata-se de um despacho
conjunto.
Pergunto se tiveram conhecimento deste despacho. Devo dizer que
interpretei que esta inspeção nunca foi feita, nem sequer depois retomada.
Pergunto se têm conhecimento disto.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Eu não tenho
conhecimento desse despacho e a minha colega também me está a
transmitir que não.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Está aqui! Diz: «Ministério das
Finanças e do Plano…»
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim, mas está em
algum anexo, ou não?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não, não.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Obtiveram.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Foi obtido. É simples de obter. Está no
blogue EPHEMERA do José Pacheco Pereira, nos papéis da Conceição
Monteiro sobre o Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
Está lá este despacho conjunto que tem a assinatura (aliás, como fiz a
fotocópia a cores, tem a assinatura a azul) do Ministro da altura, mas não
tem a assinatura do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas e,
por consequência, é um despacho que não terá tido seguimento, nem
cumprimento.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à terceira
ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, os Srs. Inspetores
imaginam neste período e pela pesquisa que fizeram que mais alguém
movimentasse o Fundo que não fosse o CEMGFA e, a partir de
determinada altura, o Conselho de Administração do CEMGFA?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não temos
ideia. Não podemos imaginar. Talvez o melhor fosse questionar o próprio
que era suposto movimentar…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Digo isto porque o vosso trabalho é
bastante aturado e eu tenho aqui movimentações de milhões de escudos de
umas para as outras contas, devidamente relevadas.
Têm aqui um auto de declarações do Presidente do Conselho de
Administração do CEMGFA, que foi a pessoa que esteve em funções de 1
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de abril de 1976 a 20 de novembro de 1993, e tudo terá passado por ali,
onde, a determinada altura, os Srs. Inspetores até perguntam sobre os
projetos dos Awacs, ao que ele responde que não tem qualquer ideia sobre
esse assunto. Mas verifico aqui uma ordem de transferência de 2 300 050$
do Conselho Administrativo do EMGFA, relativa à liquidação da
contribuição de Portugal no projeto financeiro Awacs, e que está assinada
pelos três membros do Conselho Administrativo do CEMGFA, e uma
destas assinaturas, visualmente, não confere com as declarações. Não sei se
chegaram a confrontar o Sr. Presidente na altura sobre esta discrepância.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu não
tenho ideia, mas esse movimento é-me perfeitamente claro, porque,
realmente, esse dinheiro saiu do Fundo de Defesa Militar do Ultramar e
depois voltou a entrar. Foi um dos tais dinheiros que esteve fora com esse
objetivo, mas, depois, quando foi a prestação de contas, voltou a aparecer,
voltou a entrar no Fundo. Ou seja, esse dinheiro saiu do Fundo legal com
esse objetivo, não sei se é esse o documento que o Sr. Deputado tem aí…
No entanto, depois, quando foi a prestação de contas… Não sei se foi
exatamente nessa altura, sei que esse dinheiro voltou a entrar. Foi um dos
tais dinheiros que saiu e que voltou a entrar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tenho aqui muitos registos, que os
senhores juntaram, com diversos movimentos ao longo dos anos, diversos
montantes, bastante elevados alguns, e, de facto, é tudo cheques do
Conselho de Administração do EMGFA ou CEMGFA. Por exemplo, a
título um bocado caricato, está aqui registado uma compra à Livraria
Morais Editores, SARL, de 100 000 exemplares da agenda Camões Diário,
que é a ordem de pagamento 1/77, por 900 000$, e na ordem de pagamento
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5/77, quatro ordens a seguir, num período temporal muito curto, compram
mais 100 000 exemplares das agendas Camões Diário à Livraria Morais
Editores, mas agora o preço é de 1 800 000$, é o dobro, o que significa que
uma agenda, numa determinada altura, custou 9$ e, passadas quatro ordens
de pagamento, passou a custar o dobro 18$.
Portanto, isto são tudo aplicações do Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, que, pelos documentos,…
O Sr. Presidente: — Era a inflação!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Era a inflação rápida!
E, pelos documentos que aqui juntam, tiveram diversíssimas
aplicações. De qualquer das formas, constam aqui também extratos
bancários para todos os gostos, de facto, mas há aqui, num apanhado, que
os senhores fazem, dos saldos do Fundo, uma coisa engraçada: os saldos do
Fundo estão sempre a crescer.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Ao longo
dos anos!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, o Fundo, a 1 de janeiro de
1975, tinha 230 milhões de escudos e foi sempre a crescer até 31 de
dezembro de 1980, que tinha 566 milhões de escudos. Ou seja, isto aqui é
dinheiro que vinha e que ia, que saía e que entrava…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu penso
que esse dinheiro vinha das províncias ultramarinas. Penso que analisámos
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e chegámos à conclusão de que as entradas… Estamos a falar do relatório
de amanhã, mas…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, está aqui neste relatório!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Exatamente.
Já foi dito aqui que esse Fundo herdou os saldos existentes noutras
contas que estavam fora do sistema.
Por um lado, o dinheiro dessas outras contas ao serem encerradas foi
transferido — e ainda há pouco falamos em 21 000 euros… — para a conta
legal; por outro lado, também não podemos esquecer que as taxas de juro,
nessa altura, e parte desse dinheiro estava em depósitos a prazo, eram entre
20% e 30%.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em cinco anos, mais do que
duplicou!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim! Em cinco anos,
se for uma aplicação, mais do que duplica, porque as taxas de juro andavam
entre 20 e 30%.
Mas, há pouco, estive a analisar isso, também fiz esse raciocínio e
cheguei a esta conclusão, mas penso que tem mais outra explicação.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Devo dizer
que os juros… Realmente, nós não identificámos a entrada de juros, esse
dinheiro não…
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não são juros. Está aqui nos anexos
dinheiro que entrou das contas paralelas, não relevadas
contabilisticamente,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim!
Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … ilegais, fantasma… Foi dinheiro
que entrou. Há juros creditados, mas há muitos milhões de escudos que
estão aqui, 88 milhões, que vinham de contas paralelas.
De qualquer das formas, sobre um outro documento que juntam, eu
queria perceber por que é que o juntam, qual é a interpretação que fazem. É
o facto de, na Conta Geral do Estado de 1976, existir uma despesa prevista
com forças militares extraordinárias — prevista, não, porque foi gasta — e,
em 1977, na Conta Geral do Estado, volta a aparecer outra vez uma despesa
com forças militares extraordinárias. Isto aparece em 1976 e em 1977,
quando já não há guerra! Os senhores juntaram isto aqui e eu não consegui
perceber qual é o encadeamento disto.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foram
movimentos que nós detetámos e colocámos aí.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Talvez eu possa
esclarecer.
A ideia de fazermos a ligação entre o Orçamento Geral do Estado ou
a Conta Geral do Estado e este Fundo era exatamente para verificarmos até
que ponto haveria aí um encadeamento entre as contas.
Foi mais uma curiosidade de auditor.
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Portanto, queríamos saber se o dinheiro estava a alimentar este
Fundo, se estava registado na Conta Geral do Estado, se havia aí uma
lógica de fluxo financeiro de um para o outro e vice-versa. Isto foi apenas
uma curiosidade, tanto quanto me recordo.
Aliás, quando este trabalho foi feito foi, inclusivamente, pedida
informação à Contabilidade Pública, à, salvo erro, Direção-Geral da
Contabilidade Pública, que acabaram por não responder.
Mas a nossa ideia, tanto quanto me recordo, e ainda há pouco estive
a refletir sobre isto, quando estávamos a preparar-nos para esta audição, o
objetivo era ver qual era o encadeamento entre uma conta do FDMU e a
Conta Geral do Estado, que é, enfim, a conta que representa os fluxos
financeiros da Nação.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Só para terminar, Sr. Presidente.
Esse encadeamento, voltando à minha questão inicial da primeira
ronda, não foi feito relativamente ao tal suposto saldo final do Fundo, aos
561 milhões que se integrou depois na Conta Geral do Estado.
Agora, mesmo para terminar, deixe-me dizer-lhe que isto é uma
coisa que vai ter de ser apurada, naturalmente, e já agora também deixo a
informação de que, por uma simples pesquisa na internet, verifiquei que o
arquivo da Defesa Nacional tem um guia de fundos, não é só o Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, há mais dois fundos. Informa-nos também que
o arquivo do Fundo de Defesa Militar do Ultramar já não está em São
Julião da Barra, foi transferido provisoriamente para o ADN no CME, em
Paços de Arcos, em junho de 2008, que tem 205 caixas e que data de 1949
a 1986. Portanto, deve ter documentos relativos a movimentos do Fundo
desde a sua existência até 1986, pelo menos, e isto leva-nos àquilo que
também são as sugestões que os Srs. Inspetores deixaram, e muito bem, e
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que têm a ver com pessoas que não ouviram, devido à interrupção abrupta
do trabalho em função da queda da legislatura, e com a necessidade de
prosseguir este trabalho.
Mesmo para terminar, no relatório, afirmam que foram ainda
percecionadas situações em que disponibilidades do Fundo permaneceram
à ordem de terceiros durante alguns anos, desconhecendo-se, porém, por
falta de elementos, a aplicação que lhes foi dada nesse espaço de tempo.
Como é que identificaram e detetaram que terceiros… Imagino que deve
ter havido movimentos bancários de contas de terceiros para as contas do
Fundo ou, eventualmente, das contas do Fundo para contas de terceiros.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Dr.ª Conceição Rodrigues.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
Desenvolvi aquela conta de que falámos há pouco, dos 21 milhões de
escudos, e que foi referida quando nós ouvidos determinadas pessoas.
Há outras situações: havia 60 milhões de escudos, que eu acho que
também estavam nas Oficinas Gerais de Fardamento e que depois
entraram; havia realmente dinheiro que estava na Região Militar de Angola
e também na de Moçambique; havia várias situações — isto está no
relatório de amanhã — e, em 1980, quando foi a extinção do Fundo, esse
dinheiro entrou para os tais 500 milhões… não sei bem… de escudos que o
Sr. Deputado referiu há pedaço.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Só uma questão…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esse
dinheiro estava fora do Fundo. Nós não sabemos quem o aplicava.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Só uma questão, este é o meu
entendimento, não sei se tem esta ideia.
Eu acho que o Fundo não está extinto, sinceramente, legalmente. Isto
porque o decreto-lei de 1980, no seu preâmbulo, diz que não há razões para
continuar a existir um fundo de defesa militar do ultramar, mas, na parte
dispositiva, não decreta a extinção do Fundo. Faz outra coisa
completamente diferente, diz que a gestão do Fundo passa a ser do
Conselho Administrativo do CEMGFA, diz que a autorização do Fundo
passa a ser do CEMGFA, diz que os saldos transitam de ano para ano.
Chega-se ao final do ano, há um saldo, ele transita. E, mais do que isto, diz
que todos os anos tem de ser aprovado um plano de emprego das verbas do
Fundo.
Portanto, isto é tudo menos extinguir o Fundo, isto é fazer com que
ele perdure.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sr. Deputado, talvez
essa questão possa ser colocada amanhã ao meu colega que esteve a
coordenar esse trabalho, por um lado, e, por outro, como ele é jurista, terá,
por isso, sensibilidade…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Isto é o aspeto legal… (Por não ter
falado ao microfone, não foi possível registar as palavras finais do
orador.)
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim, é pertinente! A
questão é muito pertinente, mas eu não sei responder-lhe e penso que a Dr.ª
Conceição também não…
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — A partir
dessa data não fizemos qualquer análise.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.
Presidente. Não vou propriamente fazer uma pergunta, é apenas para cruzar
a audição de hoje com a comunicação que, hoje, nos foi distribuída e que
vem do Estado-Maior-General das Forças Armadas e que diz o seguinte:
«(…) este Estado-Maior-General não dispõe de dados sobre a atividade que
o Diretor Nacional de Armamento terá desempenhado antes de 1982 (…) a
propósito do ‘tratamento e tramitação das exportações do material militar
no período de 1976 a 1981’ e, especialmente ‘no tocante a exportação de
armas para o Irão e o Iraque’, expõe que o Estado-Maior-General das
Forças Armadas não tinha intervenção nessas matérias, a que os ofícios
identificados no ofício em referência respeitarão.
(…) os arquivos do Estado-Maior-General das Forças Armadas se
encontram à inteira disposição da X Comissão Parlamentar de Inquérito à
Tragédia de Camarate e dos Peritos que vierem a ser designados, (…)», e
esta última é a boa notícia. Depois junta a resposta que já tinha dado à 9.ª
Comissão, aliás em resposta a um requerimento que eu próprio tinha
apresentado nessa altura e que vai no mesmo sentido.
Ora, isto contrasta flagrantemente com a constatação que é feita
neste relatório da Inspeção-Geral de Finanças e que nós discutimos, em que
é manifesto que, quanto mais não fosse como «caixa de correio», como o
General Trindade declarou, o Estado-Maior-General das Forças Armadas
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intervinha nestas matérias. Como não analisámos a correspondência, não
sabemos o que é que exatamente fazia. Sabemos o que a lei dizia ao tempo,
e não há dúvidas de que até à lei de 1980, que entrou em vigor no dia 10 de
novembro, não sabemos exatamente em que termos é que, desde dias após
o 25 de Abril, essa competência competia ao Estado-Maior-General das
Forças Armadas, e assim se manteve até, digamos, à normalização da
administração civil e militar a seguir à lei de defesa de 1982, mas até lá,
estava neste território.
E, portanto, eu creio que é de facto indispensável, Sr. Presidente, que
obtenhamos o mais rapidamente possível a identificação do Diretor
Nacional de Armamento neste período, no âmbito do EMGFA, é
indispensável, para que possamos ponderar…, assim como de outros
quadros, uma vez que pode ser que o diretor não esteja vivo, porque, enfim,
passaram muitos anos. Mas pode haver militares, mais novos, de outra
patente que na altura trabalhavam na Direção Nacional de Armamento e
que nos possam esclarecer.
Creio que isto é indispensável, como também será indispensável
usarmos da abertura que aqui é expressa, e que eu agradeço, para nos
deslocarmos aos arquivos do Estado-Maior-General das Forças Armadas,
estejam eles onde estiverem, para localizarmos documentos desta
importância.
Para os trabalhos desta Comissão, reputamos da maior importância
podermos entrar na posse de toda a correspondência que tem a ver com o
comércio de armas para o Iraque, para o Irão e respetivos processos
administrativos que se encontram devidamente identificados neste relatório
da Inspeção-Geral de Finanças, com base nos livros de registo de
correspondência do próprio Gabinete do CEMGFA e dos seus adjuntos, e
assim esclarecer este mistério da transferência de competência a 5 de
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dezembro entre a DILOG e a DNA, ambos organismos no âmbito do
EMGFA.
Portanto, é isto que eu concluo, cruzando os depoimentos dos Srs.
Inspetores com a correspondência que também hoje nos chegou do
Gabinete do CEMGFA.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, também não é para
concretamente colocar uma questão.
Creio que valia a pena tentar saber se o despacho assinado pelo então
Ministro das Finanças seguiu, ou não, para recolha da assinatura do Estado-
Maior-General das Forças Armadas. Ou seja, no fundo, saber se ele chegou
a sair do Gabinete do então Ministro das Finanças e ficou numa qualquer
secretária no Estado-Maior-General das Forças Armadas, ou se não chegou
a sair do Gabinete do Ministro, ou se, provavelmente, ficou parado no
Conselho de Ministros.
A questão que, para mim, releva de todo este relatório e para a qual
gostaria de obter o vosso comentário é assim: com a vossa experiência, é
ou não óbvio que todas as pessoas que movimentavam as contas legais
tinham conhecimento das contas fantasmas, das contas não oficiais? Ou
seja, dada a vossa experiência, alguma vez seria possível que quem
movimentava e tinha a responsabilidade de movimentar as contas oficiais
não conhecesse em profundidade o que estava nas contas não oficiais?!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu não
invocaria aqui a nossa experiência mas um facto detetado, que é a entrada
de verbas dessas outras contas na conta oficial.
Portanto, ao entrar aquele dinheiro, quem gere a conta,
provavelmente, não poderá questionar de onde vem o dinheiro, mas é um
facto. Nós temos aqui no relatório saídas, a fls. 19, são 88 milhões de
escudos, de uma conta não integrada nas demonstrações financeiras do
Fundo e entradas na conta integrada das demonstrações financeiras do
Fundo.
Ora, quem gere a conta do Fundo terá, provavelmente, perante uma
entrada de 88 milhões de escudos, na altura, alguma ideia de onde o
dinheiro veio.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Isso está aonde?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está na
pág. 19!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não é referenciada essa verba, não está
referenciada a origem, nem, muitas vezes, o destino da saída do dinheiro.
Certo?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A minha questão é: se houvesse
necessidade de ocultar esses movimentos, não faria sentido estarem numa
única conta não oficial?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, faria.
A conta não oficial não seria analisada nunca! Quanto muito, ao ser
analisada a conta oficial, questionar-se-ia estes montantes.
Como eu disse há bocadinho, estes montantes foram uns pedacinhos
da conta que indicava estas transferências que, por sua vez, coincidiam com
as entradas no outro local. Como eu estava a reconstituir a contabilidade
identifiquei, mas era um pedacinho da conta, porque tudo o resto não se
sabe onde está, nem os extratos bancários que a apoiavam, nem todo o resto
do movimento contabilístico. Aquele bocadinho é que estava a apoiar… A
pessoa fica a saber que aquela entrada na conta veio de uma outra conta,
que a conta era aquela, outra…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Que não está contabilizado!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas qual
era o movimento que era feito na conta fora do Fundo? Nós não sabemos.
Nós não vimos a totalidade da conta. Não sei se estou a ser clara…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sim, sim!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Tenho a
conta e vejo que há aqui umas entradas. Ok! E por acaso, não sei se porque
se esqueceram ou se porque havia ali uma necessidade de justificar como é
que entram 88 milhões de escudos na conta, estava ali o extrato de uma
outra conta, que não oficial, com esta saída, que, por sua vez, foram
entradas na conta.
Portanto, eu sei que o que entrou nesta conta oficial, os 88 milhões
de escudos, veio de uma outra conta (está lá indicada) também referenciada
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com o FDMU, mas saber que movimentos eram feitos, não sei! Até porque
toda a outra conta não estava lá. Claro que quem quisesse ocultar os
movimentos das contas fazia exatamente isso, não a punha lá. Mas, se a
conta também estava fora do Fundo, não fazia sentido estar ali, nem era o
objetivo. Quanto muito aquele pedacinho que eu encontrei visava justificar:
«olha, este dinheiro veio da outra conta!»
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Só mais uma questão.
Com a vossa experiência de auditores, como é que interpretam estes
factos?
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Está a referir-se ao
facto da existência de contas paralelas?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Estou a referir-me ao relatório que
produziram.
Se tivessem que interpretar o que escreveram, se tivessem que
justificar, no sentido de «nós estamos a tentar reconstituir um pedaço da
história do passado», com base nos elementos que recolheram, se vos fosse
pedido uma interpretação dos factos recolhidos, qual era a vossa
interpretação?
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Isso é difícil de
responder. Os factos falam por si, por um lado.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Nem sempre!
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O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim, mas, por um
lado, os factos falam por si e, por outro, como eu já referi, tudo isto tem de
ser contextualizado.
A realidade é que existiam contas que não eram legais, isto é, dentro
do sistema. Agora, talvez em termos, digamos, políticos, sobre a razão de
ser e a necessidade dessas contas, não nos podemos pronunciar. Mas estou
convicto de que elas existiram, há provas disso, eram do conhecimento das
instâncias superiores e tinham uma razão de ser. Enfim, dentro do bom
senso, penso que tudo isso é verdade.
Agora, por que é que, acabada a guerra, as contas não foram extintas
imediatamente? A isto já não posso responder, já não tenho sensibilidade
para isso, apenas para relatar factos, e nada mais.
O Sr. Presidente: — Para uma última questão, faça favor, Sr.ª
Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras da oradora.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não sei o
que hei de acrescentar mais, é uma opinião pessoal, mas não sei,
realmente…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras da oradora.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São
estranhos! Não consigo dizer mais nada com rigor.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados,
peço desculpa aos Srs. Inspetores aqui presentes, mas estive noutros
trabalhos parlamentares até agora, pelo que só consegui assistir à vossa
intervenção a partir de agora.
Portanto, peço desde já desculpa se a pergunta que irei fazer já tiver
sido, de alguma forma, respondida a outros Srs. Deputados.
Percebi que há aqui algumas preocupações relativamente ao uso do
Fundo — como é que ele era usado, por quem era usado e para que é que
ele era usado. Já aqui foi avançada alguma informação: era para o
financiamento e compra de armas a serem fornecidas ao Irão e ao Iraque,
foi dada nota noutra audição de que serviu para financiar a UNITA antes de
depois da guerra colonial.
A minha pergunta é a montante. Isto é, temos um Fundo que tem
saídas. Relativamente às entradas, quem é que alimentava o Fundo? Do
vosso trabalho, que foi meritório e circunstanciado, dadas as restrições
temporais que já aqui foram referidas e que condicionaram o vosso
trabalho, foi possível determinar todas as fontes de financiamento que
alimentavam o Fundo? Isto é, já referiram o Orçamento do Estado, já
referiram outras contas que, entretanto, foram integradas, mas ficou para
vocês claro todas as fontes de financiamento ou ficou alguma coisa por
descobrir, relativamente ao dinheiro que entrava e que, pelos vistos, levou
ao seu crescimento enquanto montante?
Esta é a única pergunta que quero colocar.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Dr. António Coelho.
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O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Vou dar a minha
opinião e, depois, a minha colega completará a resposta.
Tanto quanto me recordo, e já lá vão muitos anos, foi-me dito por um
dos responsáveis que ouvimos e que nos assessorou quando estávamos lá a
fazer o nosso trabalho que este Fundo de Defesa Militar do Ultramar era
alimentado (isto é do que me recordo) por contribuições de entidades,
presumo que empresas, que laboravam nas então províncias ultramarinas.
Esta é a ideia que eu tinha.
Havia essas entidades/empresas que tinham uma quotização para
esse Fundo, que, ao fim e ao cabo, alimentava a guerra.
Portanto, à distância, é disto que me recordo.
O Sr. Presidente: — Penso que isso está escrito num dos vossos
relatórios…
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — No outro relatório
talvez, neste aqui não, porque este relatório foi no que eu intervim; o outro
apenas li para fazer ponte com este, li mas não foi agora, foi na altura, há
uns anos, 8 ou 9 anos.
Portanto, o que eu ouvi dizer à pessoa que nos esteve a assessorar era
que havia de haver uma lei qualquer regional que obrigava as empresas a
contribuírem para este Fundo. Era este Fundo que depois… Lembro-me
disto, mas a Dr.ª Conceição, certamente, terá mais alguma coisa a dizer.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Na
reconstituição das contas que fizemos identificámos alguns fundos que
foram entrando.
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Não consigo dizer de cor, mas da Região Militar de Angola, havia
dinheiros, na posse de quem não sei, que foram entrando no Fundo, isto
depois do 25 de Abril. Antes do 25 de Abril, era exatamente aquilo que o
meu colega acabou de dizer, das receitas das províncias ultramarinas que
também iam alimentando o Fundo.
Depois do 25 de Abril, havia verbas que também deveriam ter essa
proveniência e que foram entrando no Fundo. Mas, se analisarmos aqui a
reconstituição de todos os anos, podemos ficar com uma ideia.
Portanto, o que basicamente tenho de memória é isto: este dinheiro
estava noutro lado e foi sendo transferido para aqui, e poderia, realmente,
ter aquela proveniência original, os ditos impostos pagos nas províncias
ultramarinas, mas não estavam ainda integrados nesta conta bancária.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Aproveito para dizer que as receitas
do Fundo, até 1974, estão no relatório do Fundo de Defesa Militar do
Ultramar. Vinham todas do ultramar e não eram, fundamentalmente, de
empresas mas, sim, de uma série de taxas que o Estado português cobrava
para defesa, para progresso, para manutenção do ultramar. As receitas
vinham praticamente todas daí! A partir de 1974/75, de onde elas vêm, nós
não sabemos. A partir daqui é que nós não sabemos aonde é que há receita.
Agora, há o decreto-lei de 1972 que especifica as receitas todas.
Quero fazer a seguinte pergunta: no vosso relatório, quando se fala (e
hoje já aqui foi muito falado) da muita correspondência relativa à
comercialização do material de guerra, são enunciados os vários
organismos do EMGFA que trocavam essa correspondência: DPL
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(Depósito de Material e Logística), DILOG, DPF, DIAF e Direção
Nacional de Armamento (DNA). É, aliás, referido que o Gabinete do
Ministro de Defesa Nacional, a DILOG e a DNA, comunicavam
frequentemente ao Chefe de Estado-Maior-General a exportação de
material de guerra para diversos países.
Foi-nos hoje distribuída esta informação que vem, penso, do Estado-
Maior-General das Forças Armadas e, para minha grande surpresa, é aqui
afirmado que o cargo de Diretor Nacional de Armamento foi criado pela
Portaria n.º 660/81. Ou seja, até 1981 não havia o cargo de Diretor
Nacional de Armamento? E o Estado-Maior-General das Forças Armadas
produz uma informação destas, sendo que os senhores referem tão
abundantemente a existência da DNA, com tanta correspondência trocada
até 1980? Não sei se querem…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A informação diz que foi criada a 5 de
agosto de 1981.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sim, mas nós
analisamos a documentação até 1981. Já não posso recordar exatamente em
que termos é que isso…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas a
DNA aparecia antes…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Recordam-se, pelo menos, daquela
célebre informação de 5 de dezembro de 1980…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — … que volta a conferir ao Diretor
Nacional de Armamento…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — E há outras!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Há outras até 4 de dezembro de 1980.
Curiosamente, o Chefe de Estado-Maior-General das Forças
Armadas, nesta informação, não é a de agora, é a de 2011, diz que o DNA
só foi criado em 1981.
Não sei se querem comentar.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não está
em sintonia com o que aqui se vislumbra.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Está aqui a informação.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, mas
não está em sintonia com o que aqui se vislumbra.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Era isto só o que eu queria ouvir!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Sobre isto, eu,
pessoalmente, nada tenho a comentar, apenas quero referir que esse é um
aspeto que poderá ser aprofundado, porque, realmente, por aquilo que me
diz há aqui alguma incoerência. Mas não é difícil saber quando é que o
DNA foi criado…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Claro!
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Há histórico sobre
isso. É uma questão de confirmação.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O espanto é vir aqui citada uma
portaria.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegamos ao fim da nossa
audição.
Muito obrigado a todos.
O Sr. Dr. António Lino Gonçalves Coelho: — Muito obrigado
também nós e estaremos sempre disponíveis para o que for necessário,
dentro das nossas modestas possibilidades.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
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Eram 20 horas e 37 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
28 DE fEvEREIRO DE 2013
(7.ª REUNIÃO)
ORDEM DE TRAbALhOS:
1. AUDIçÃO DOS PERITOS QUE fORAM RESPONSávEIS PELA PERITAGEM DO fUNDO DE DEfESA MILITAR DO ULTRAMAR (ANOS DE 1974/1981), EfETUADA NO QUADRO DE fUNCIONAMENTO DA 8.ª COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE CAMARATE:
— DR. bELMIRO AUGUSTO MORAIS, INSPETOR DE fINANçAS ChEfE — DR.ª MARIA DA CONCEIçÃO fERREIRA RODRIGUES, INSPETORA DE fINANçAS SUPERIOR.
2. OUTROS ASSUNTOS.
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2
SUMáRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 18
horas e 30 minutos.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto Morais (Inspetor de Finanças Chefe) e a
Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de Finanças
Superior), na qualidade de peritos responsáveis pela peritagem ao Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, no período compreendido entre 1974 e 1981,
efetuada durante a 8.ª Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de
Camarate, responderam, além do Sr. Presidente, aos Srs. Deputados Pedro
do Ó Ramos (PSD), Isabel Oneto (PS), José Ribeiro e Castro (CDS-PP),
Miguel Santos e Ana Sofia Bettencourt (PSD) e também aos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Dr. Luís Filipe Rocha e Dr.
Alexandre Patrício Gouveia.
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 21 horas e 12 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Muito boa tarde, Srs.
Deputados e Srs. Representantes dos Familiares das Vítimas, declaro aberta
a reunião.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Começo por agradecer aos depoentes, Dr. Belmiro Augusto de
Morais, Inspetor de Finanças Chefe, e Dr.ª Maria da Conceição Ferreira
Rodrigues, Inspetora de Finanças Superior, a sua vinda a esta Comissão.
Devo dizer que a audição destes Srs. Inspetores da Inspeção-Geral de
Finanças é por terem sido os responsáveis pela peritagem ao Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, no período de 1974 a 1981, efetuada no quadro
do funcionamento da 8.ª Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de
Camarate.
Comunico, mais uma vez, que «A Comissão de Inquérito
Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal das
causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a
morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…).»
Srs. Inspetores, é normal as reuniões decorrerem à porta aberta, em
que os Srs. Jornalistas e demais pessoas estão a assistir, mas poderá ser à
porta fechada se assim o entenderem.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais (Inspetor de Finanças Chefe):
— Não tenho nada contra!
O Sr. Presidente: — Não têm qualquer oposição, muito bem.
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Dou conhecimento de que, na primeira ronda, são 5 minutos para as
perguntas e respetivas respostas, por grupo parlamentar e por representante
dos familiares das vítimas, na segunda ronda, 3 minutos para as perguntas
por grupo parlamentar e representantes dos familiares das vítimas e para as
respetivas respostas e, na terceira ronda, 2 minutos para as perguntas, sendo
a resposta dada no final, em conjunto, a todas as perguntas.
É normal fazer-se uma intervenção de introdução, mas, se os Srs.
Deputados mo permitem, eu faria a primeira pergunta aos Srs. Inspetores.
Assim, pergunto: o que é que foi pedido à Inspeção-Geral de
Finanças no âmbito deste trabalho? Quais foram as orientações dadas pela
Inspeção-Geral de Finanças a este grupo de trabalho de auditoria ao Fundo
de Defesa Militar do Ultramar?
Esta é a minha primeira pergunta, antes de passar a palavra aos Srs.
Deputados.
Faça favor, Sr. Dr. Belmiro Morais.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — A Comissão, quando
solicitou a nossa intervenção, em relação a esta matéria, e vou reproduzir
porque tenho aqui o documento que elaborámos na altura, na sequência da
peritagem realizada, disse o seguinte: «(…) ‘pretendia-se aferir da
existência de contas e outros valores, no todo ou em parte, em nome do
Fundo, movimentos efectuados, pessoas e entidades que os realizaram,
irregularidades ou ilegalidades nos procedimentos e outros elementos
considerados pertinentes’, uma vez que uma das teses da tragédia de
Camarate apontava para a existência de um atentado relacionado
porventura com a utilização irregular do mencionado Fundo.» Portanto, foi
tendo em conta este contexto e este quadro que procedemos à análise da
documentação relacionada com o Fundo — quero dizer que, quando falo
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«Fundo», refiro-me ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, pelo que vou
prescindir de estar sempre a fazer a referência por extenso.
Ou seja, nós procurámos responder a estas preocupações, também
manifestadas pelas famílias das vítimas da tragédia, que, aliás, na altura,
também nos apresentaram um memorando com algum tipo de
preocupações relacionadas com esta matéria.
Em termos da metodologia, e, portanto, antes de iniciarmos o nosso
trabalho e tendo presente este quadro, eu e a minha colega fomos ao Forte
de São Julião da Barra, onde estava todo o acervo documental relacionado
com o Fundo, e deparámo-nos com um vasto conjunto de pastas de
documentação, das quais umas tinham referência ao Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, outras tinham outro tipo de indicações e também
faziam referência aos respetivos anos.
Então, a partir de um registo informático, que tinha uma
identificação mínima do conteúdo de cada uma das pastas, selecionámos
todas as pastas que tinham uma referência ao Fundo de Defesa Militar do
Ultramar e de 1973 em diante. A partir daqui todo o nosso trabalho
consistiu em analisar o conteúdo de cada uma destas pastas e verificámos
que muitas delas tinham documentação respeitante a anos muito antigos.
Apesar de terem a referência do ano de 1974, tinham, por exemplo,
documentos de mil novecentos e trinta e tal, 1940, que nada tinham a ver
com a matéria que estávamos a analisar.
Portanto, tendo em conta isto, admitimos que documentos
relacionados com o Fundo possam estar nas outras pastas, devido à forma
como estavam organizadas, pois os documentos estavam misturados sem
qualquer sequência e critério.
A análise que fizemos foi neste contexto e com todas estas
limitações. Procurámos reconstituir as contas do Fundo, porque havia uns
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orçamentos, uns relatórios financeiros, umas prestações de contas
relacionadas com o Fundo. O nosso trabalho foi tentar reconstituí-lo, para
ver até que ponto é que os relatórios estavam devidamente fundamentados,
para ver se, de facto, havia algum elemento, algum dado, que nos pudesse
ajudar em função do objetivo que foi definido. E, na sequência disto — e
foi um trabalho muito moroso, muito exaustivo, porque havia muitos
elementos que nos faltavam —, tentámos reconstituir mais ou menos as
contas tal como elas estavam, até porque, por exemplo, havia anos em que
não havia planos/orçamentos, havia outros em que não havia relatórios
financeiros, e tentámos suprir estas insuficiências para, pelo menos,
retirarmos alguma conclusão.
Em relação às conclusões, depois, posso falar mais em particular,
mas, para já, não acho pertinente.
O Sr. Presidente: — Percebi que havia uma série de pastas,…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
O Sr. Presidente: — … poderiam ser, por exemplo, 10 e, por
amostragem, verificaram 5…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não. As pastas…
Quantas eram, Dr.ª Conceição?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de
Finanças Superior): — Não tenho ideia do número de pastas.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Mas eram para aí umas
90 pastas grandes, daquelas pastas de arquivo, daquelas que…
O Sr. António Braga (PS): — No relatório dizem que eram 88…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Oitenta e oito é o que se
diz no relatório…
O Sr. António Braga (PS): — … e que analisaram 53!
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim. Ou seja, dessas
pastas, nós selecionámos aquelas que tinham a indicação de que continham
documentos relacionados com o Fundo e que eram respeitantes a anos
posteriores a 1973. Portanto, tudo o que era anterior pusemos de lado, quer
em função do ano, quer pelo facto de também não terem referência ao
Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Hoje, com a nossa rotação, o grupo parlamentar a iniciar as
perguntas seria o Bloco de Esquerda, mas, como não se encontra presente,
dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do PSD.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e
Srs. Representantes dos Familiares das Vítimas, começo por agradecer aos
Srs. Inspetores a sua presença nesta Comissão e o trabalho que efetuaram,
meritório, sem dúvida, para a condução destes trabalhos e, na altura, dos da
8.ª Comissão.
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Vou tentar ser o mais objetivo possível até porque o tempo corre
muito depressa.
Na lógica de pergunta/resposta, gostaria de começar pelo seguinte:
hoje mesmo os serviços de apoio à Comissão receberam uma nota oficiosa
dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional remetida
pelo atual Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativamente a uma
notícia de que teria havido uma eventual venda de armas ao Irão. Esta
referência é feita no relatório não do Fundo mas do CEMGFA, que
abordámos ontem, e nela diz-se que não autorizou, nem vai autorizar, essa
venda de armas.
Gostaria de saber se sabem alguma coisa relativamente a isto.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Em relação à primeira
peritagem, ou seja, à do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, nos
elementos que analisámos, não encontrámos qualquer referência à compra
ou venda de armas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não.
Encontrámos, mas não para o Irão! Há referências de despesas…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — A Dr.ª Conceição vai
responder.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Em
relação à venda de armas para o Irão, realmente não encontrámos nada,
mas há documentos de despesa relacionados com material de armamento.
Se analisarmos o relatório ao longo dos vários anos, verificámos que há
algumas situações de fundos saídos, quer do Banco, quer da agência
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financeira, quer de outros meios monetários, para pagamentos de situações
relacionadas com armas, que poderiam ser situações já espelhadas nas
contas anteriormente ao 25 de Abril, mas foram-se mantendo e cujos
pagamentos até foram feitos mais tarde.
Não sei se agora consigo referenciar, mas havia… Se olharmos para
cada um dos anos e para os mapas, verificamos que há realmente algumas
situações relacionadas com material militar.
Há muita coisa que não se consegue identificar, como, por exemplo,
o destino das saídas. Mas referência a irem para o Irão não há nenhuma
indicação expressa, mas há relacionadas com a Fábrica de Braço de Prata,
se não estou em erro, e há outras situações relacionadas com a produção de
armas. Se lermos o relatório verificamos isso na reconstituição das contas,
mas não identificámos nada relacionado com material…
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, no relatório
mencionam que descobriram vários documentos relativamente à venda de
armas, mas, relativamente ao Irão, não mencionam. Portanto, não têm
conhecimento desta matéria.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pode
haver, mas não está identificável!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tiveram acesso a documentos
classificados? Ou seja, precisaram, eventualmente, de verificar documentos
que estariam classificados? Pediram a sua desclassificação, pediram acesso
aos mesmos, ou não?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Documentos classificados, confidenciais, em relação a esses anos,… Não
sei se já não teriam perdido o carácter de confidencialidade. Mas, daquilo
que pedimos, não nos foi dito que não seria fornecido por ser confidencial.
O que não obtivemos foi por não haver, ou por não existir, ou porque
não sabiam. Agora, com essa justificação, nunca nos foi…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Posso complementar,
referindo que grande parte daqueles dossiers, onde estava arquivada a
documentação, ainda estava lacrada, tivemos de os deslacrar para podermos
aceder aos documentos. Agora, se eram classificados… Tenho ideia de que
havia lá alguns documentos que tinham o carimbo do «Confidencial»…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E esses não consultaram.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Esses consultámos.
Tenho ideia de haver, na documentação que estava nas pastas, documentos
que realmente tinham «Reservado» ou «Confidencial», mas nós
consultámo-los naturalmente, não tivemos qualquer limitação à análise
dessa documentação. Isso só aconteceu relativamente a cópias, porque só
podíamos tirar cópias com autorização superior, mas também não houve
qualquer problema em termos de documentação do nosso processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No dia 5 de agosto de 1981, foi
publicada uma portaria do Conselho da Revolução que cria o cargo de
diretor nacional de armamento (DNA) e os Srs. Inspetores mencionam no
relatório que existe uma informação com data de 5 de dezembro de 1980,
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proveniente do Gabinete-Adjunto do EMGFA, no sentido de todos os
assuntos relacionados com a exportação de material de guerra passarem a
ser tratados com o Gabinete do Diretor Nacional de Armamento, que seria
criado em agosto do ano seguinte.
Enfim, há aqui esta confusão que eu gostaria, se pudessem, que me
explicassem.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O Sr.
Deputado está a referir uma situação que relatamos no relatório de ontem, e
eu, que depois estive a pesquisar um bocado mais, vi que juntámos ao
relatório autos de declarações de diversas pessoas, onde realmente é
referida a existência do diretor nacional de armamento. Por acaso, até tomei
aqui umas notas sobre isso.
Por exemplo, o Sr. General José Alberto Loureiro dos Santos, no
auto de declarações, diz que despachava com o diretor nacional de
armamento. Se conseguir encontrar aqui até poderei ler, só não sei é se
preferem consultar depois…
Mais à frente, penso que é o Aurélio Manuel Trindade ou o Florêncio
José de Almeida, fala-se em Direção de Armamento…
Convinha que fossem lidos todos estes autos de declarações,
nomeadamente o do General Loureiro dos Santos, porque ele realmente
fala…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Ai é?!
Muito bem, então vou tentar.
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Pausa.
Nós fizemos autos de declarações a diversas pessoas, que foram
identificadas nos arquivos do Estado-Maior-General das Forças Armadas,
pessoas que se relacionavam com o Gabinete. De toda aquela pesquisa de
papéis, tirámos indicação dessas pessoas e uma delas foi precisamente o Sr.
General José Alberto Loureiro dos Santos.
Por exemplo, foram feitas várias questões — questões que me
tinham surgido no primeiro relatório que fizemos, questões que estavam
por esclarecer e foram surgindo outras que foram elencadas —, tais como:
qual o período em que exerceu as funções (não sei se isto interessa ler)?
Quais as funções que lhe competiam enquanto Vice-Chefe do Estado-
Maior-General das Forças Armadas? Declarou que «Enquanto Vice-
CEMGFA exercia as funções que lhe fossem delegadas pelo CEMGFA, de
quem era o primeiro conselheiro. A sua principal tarefa era proceder à
reorganização das Forças Armadas, razão da sua nomeação.
No exercício das funções que lhe estavam delegadas despachava com
os Oficiais Generais que dependiam directamente do CEMGFA e que
incluíam o Director Nacional de Armamento.» — isto está no ponto 2 deste
relatório.
Quando é que ele exerceu funções? Enquanto Vice-CEMGFA, foi de
abril de 1977 a outubro do mesmo ano e, como Ministro da Defesa, foi de
outubro de 1978 até ao princípio de janeiro de 1980. Portanto, não estava
no período do atentado, não chegou lá.
Foi o primeiro Vice-CEMGFA nomeado depois do 25 de Abril e foi
substituído pelo Almirante Souto Cruz.
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Como Ministro da Defesa substituiu o General Firmino Miguel e foi
substituído pelo Eng.º Amaro da Costa. Penso que este auto é muito
importante.
Depois há, mais à frente, um outro que também refere…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, a confusão é essa, até
atendendo ao período em que o Sr. General exerceu funções, que termina,
salvo erro, em janeiro de 1980. A verdade é que a portaria que cria o diretor
nacional de armamento é de agosto de 1981. Daí a confusão e a
perplexidade que nos causou o existir esta referência. Percebi que ela existe
de facto por referência a testemunhos, a pessoas que inquiriram.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim. Aliás,
há, mais à frente, uma pessoa que diz que não havia uma direção nacional
de armamento mas, sim, um diretor de armamento. Há, portanto, um diretor
que é referido várias vezes…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa portaria diz: «Cria na
dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas o
cargo de director nacional de armamento». Isto em 1981!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas, pelos
vistos, tudo isto se passa anteriormente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente!
Passo a outras questões concretas.
Na pág. 6, na alínea j), para início de conversa: «Apesar das
conclusões acabadas de referir (…), importa ter presente, (…), as seguintes
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situações que põem em causa a fiabilidade e integridade das contas do
FDMU.» Gostaria que nos pudessem falar destas mesmas supostas
contradições e falta de fiabilidade deste Fundo.
Na subalínea j1) mencionam que uma das contas que existiam no
Banco de Angola, cujo titular era o Fundo e que funcionavam à margem da
contabilidade, era gerida, aparentemente, pelo Gabinete do Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Pergunto: porquê «aparentemente»? O que é que sabem
relativamente a estas contas?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Nós, na reconstituição
das contas do Fundo, verificámos todos os movimentos que estavam
registados nessas contas, que ocorriam através de uma conta bancária, que
era do Banco de Angola. Esta conta, inicialmente, tinha número, mas,
depois, foi reclassificada para um número diferente, quando o Banco de
Angola passou a União de Bancos Portugueses. Ou seja, todos os
movimentos, em termos de fluxos monetários, eram processados por essa
conta e também através da conta da Agência Militar. Também era uma
conta da Agência Militar.
Todas as outras contas que aparecem no Fundo eram contas das
relações, em termos de direitos e obrigações, cujos fluxos financeiros eram
depois refletidos nessas duas contas, na conta da Agência Militar e na conta
do Banco de Angola.
O Fundo, que era o cliente 12 373, tinha várias contas em nome
desse cliente; a conta que estava a ser utilizada, portanto, na… Em relação
às contas que analisámos do Fundo, todos os movimentos eram relevados
na conta 20 0101.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na conta-mãe!
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Na conta-mãe.
Depois, havia outras contas referenciadas ao mesmo cliente mas que
tinham outro dígito final, era o 3, o 4… Encontrámos a 1, a 2, a 3 e a 4.
Havia transferências dessas contas para a conta-mãe, havia entradas e
saídas.
Ou seja, nós conseguimos reconstituir os movimentos da conta-mãe,
tudo o que saía dessa conta para as outras contas, mas não sabemos para
onde ia esse dinheiro. Por isso é que dizemos, no relatório, que existem
factos que apontam no sentido de haver pelo menos duas contas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas admitem poder existir
mais.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Admitimos que possam
existir mais contas, pois nós não sabemos…
Quer dizer, através da reconstituição das contas do Banco de Angola,
reconstituímos as entradas e as saídas. Portanto, penso que não haveria
outras contas a serem destinatárias de transferências que tivessem como
origem essa conta, porque conseguimos reconstituir todas as entradas e
saídas de fundos. Portanto, o que aparece é não só estas contas que
identificámos, a servirem de suporte a esta conta, através da transferência
de dinheiros, mas a saída de fundos, cuja finalidade não conseguimos
determinar.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Se o Sr.
Presidente me der licença…
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O Sr. Presidente: — Faça favor.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … eu
gostaria de acrescentar mais uma coisa.
Há o Centro Financeiro do Exército e há a conta que o meu colega
estava a falar.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Para além
disso, havia fundos em poder da Região Militar de Angola, da Região
Militar de Moçambique, que, supostamente, mas não se percebe muito
bem, estariam a ser geridos por uma CRECUL (Comissão para a
Regularização e Extinção das Contas das Regiões Militares e Comandos
Territoriais Independentes do Ultramar), um organismo criado para gerir
esses fundos.
Ora bem, havia indicações, desde o início das nossas análises, 1974,
de que havia dinheiros nessas contas e que esses dinheiros estiveram lá
durante todo o período das nossas análises. Algum desse dinheiro, que
estava lá no início, apenas foi transferido para esta conta do Fundo no final,
em 1980, quando o Fundo foi, supostamente, extinto.
Ou seja, havia dinheiro que era recolhido pelas províncias
ultramarinas e que não estaria nessa conta mas, sim, nas Regiões Militares
de Angola,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não havia províncias
ultramarinas!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas havia
uma CRECUL, a que fazemos referência…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Uma
CRECUL que geria este dinheiro. Agora, este dinheiro, durante o período
das nossas análises, esteve fora do Fundo. Uma parte dele foi entrando,
havia um saldo que transitou mais ou menos na altura do 25 de Abril. Esse
saldo manteve-se nessas contas e, mais ou menos a meio do período das
nossas análises, a meio de 1976, foi transferido para aquela conta uma
parte, mas houve outra parte que se manteve até ao fim, até 1980. Ora, esse
dinheiro estava fora e nós não fazemos ideia de quem o geria.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Era a CRECUL!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Era a
CRECUL, mas quem eram os representantes da CRECUL? Como é que
estava a ser utilizado?
Portanto, este dinheiro também fazia parte do Fundo, embora não
estivesse nessa conta.
Agora, como conta bancária, era esta, e havia indicação de entradas
de outras contas bancárias, supostamente, geridas pelo Gabinete, porque
também há umas indicações de que essas contas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — «Supostamente»!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, e, por
isso, é que, depois, fomos fazer o segundo trabalho, para tentar identificar
se no Gabinete existiam ou não essas contas, e, nesse segundo trabalho, que
vimos aqui ontem, identificámos mais uma outra conta gerida pelo
Gabinete, cujo saldo foi transferido, em 1980, para a conta do Fundo.
Quando vamos ver o último ano da nossa reconstituição, vemos o
que entrou: há um saldo residual, que, acho, era da Região Militar de
Moçambique; há um encontro de contas com a Região Militar da Guiné; e
há um saldo de 32 milhões de escudos, aproximadamente, que é transferido
para a conta do Fundo e que, depois, enquadra os tais quinhentos e tal
milhões de escudos, que é o saldo final de que falámos ontem.
Portanto, estão ali realmente essas transferências… Havia dinheiro
fora, mas não sabemos que aplicação estava a ser dada a esse dinheiro.
Ainda vou referir mais um caso. Por exemplo, 60 milhões de escudos
tinha sido o empréstimo às Oficinas Gerais de Fardamento. Este dinheiro
esteve fora do Fundo. Há um contrato, que também consta dos nossos
anexos, e, realmente, esse dinheiro estaria fora até que alguém,
supostamente o Gabinete, dissesse que o dinheiro era obrigatoriamente
entregue. Não havia um prazo de entrega, mas quando fossem notificados
para o entregarem seriam obrigados a fazê-lo, e isto aconteceu em 1980,
quando realmente se decidiu encerrar o Fundo. Então, esse dinheiro
apareceu no saldo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Posso só complementar?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — De qualquer modo, essas
situações estavam relevadas nas contas do Fundo. Ou seja, essas situações,
esse empréstimo constava das contas do Fundo, aquele saldo das contas, a
relação devedor/credor, o saldo nomeadamente com a Região Militar de
Moçambique, de Angola e da Guiné, etc., estavam refletidos nas contas do
Fundo.
Agora, por exemplo, a Região Militar de Moçambique tinha lá um
saldo de 48 milhões, etc., e nós não sabemos o que é que durante esse
período estava a ser feito com esse dinheiro, o que é que foi feito desse
dinheiro, o que sabemos é que, depois, aquando do encerramento do Fundo,
essa verba foi reintegrada no Fundo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sobre essa matéria quero fazer
uma pergunta muito concreta: quando as verbas saíam do Fundo, quando
estavam fora, em todos os casos que conseguiram apurar, elas regressavam
e coincidiam os valores?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Bom, no
caso da Região Militar de Angola, por exemplo, o dinheiro que estava
evidenciado como região devedora acabou por entrar, mas, depois, como
também havia movimentos de saídas para pagamentos de outras despesas,
ficava um saldo diferente.
Por exemplo, no encontro de contas final, há uma situação um
bocado impercetível, porque havia a Região Militar de Moçambique com
determinado saldo devedor e havia a Região Militar da Guiné com um
saldo credor, é feito o encontro de contas e o dinheiro que acaba por ser
entregue são 32 milhões de escudos. A dívida de Moçambique era de
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cinquenta e tal milhões, mas, depois, fizeram a diferença com o crédito da
Guiné e entraram 32 milhões. Não sabíamos!
Vamos lá a ver. Quando estamos a fazer uma auditoria, observamos
os factos e temos alguém com quem dialogar. Nesta auditoria não havia
ninguém para dialogar, porque toda aquela gente já não estava, quem
escriturara e fazia o principal já tinha falecido. Portanto, era através dos
papéis que se ia percecionando tudo isto, foi uma espécie de reconstrução
das coisas e chega-se a esta conclusão. Agora, uma coisa é certa, há um
saldo final de mais de 500 milhões de escudos que é apurado e que engloba
algumas contas devedoras, como essa tal de Moçambique, mas todo esse
dinheiro estava fora. Onde é que esse dinheiro esteve aplicado? Havia
juros? Não havia juros? Vimos a CRECUL, mas não consegui identificar
ninguém que fosse o responsável. Se calhar, questionando outras pessoas,
que assinaram, que aprovaram algumas contas do Fundo, talvez seja
possível perceber… Se falarmos com alguém da CRECUL, mas quem?
Não consegui identificar ninguém, mas, se calhar, não é difícil, porque há
contas do Fundo de alguns anos que estão aprovadas, têm uma assinatura.
Ora, se há nessas demonstrações financeiras devedores perfeitamente
identificáveis, quem aprova as contas deve conhecer que devedores são
esses, que contas são essas e quem é que as gere. Portanto, se calhar, esta
seria mais uma questão a acrescentar às questões que ontem vimos no outro
relatório. Por exemplo: o dinheiro que estava em poder das contas das
províncias ultramarinas era gerido por quem? Esse dinheiro estava a ser
aplicado como?
Esta é a questão.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Posso?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E quem é que aprovava?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O Sr.
General Ramalho Eanes, aliás, em alguns anos…
Temos até aqui um quadradinho, numa das folhas, onde temos
realmente o resumo da situação.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Está a fls 11.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato, na
fls. 11 temos, em «Plano/Orçamento», o que existe e não existe. Em
«Relatório Financeiro», por exemplo, em 1974 e 1975, «Não existe»,
«Existe» de 1976 a 1980. Por exemplo, nos anos de 1974, 1975 e 1976, em
«Observações sobre o Orçamento»,… Em «Observações sobre o Relatório
Financeiro», em 1976 e 1977, foi «Aprovado». Os relatórios de 1976 e
1977 foram aprovados, está lá uma assinatura. E quem assinou, assina
umas demonstrações financeiras que contém ativos e passivos, os ativos
são os saldos das contas bancárias, são os devedores, no fundo, as regiões
autónomas, mas veio a conhecer-se no fim, quando há as transferências, de
que ao longo de todo o percurso que fizemos de 1973 até 1981 estava ali
dinheiro, que, depois, até aparece e vai entrando no Fundo.
Ora, quem estava a gerir esse dinheiro? Identificámos a dita
CRECUL. Quem estava na CRECUL? Quem aprovava? Depois…
Portanto, neste quadro partimos até 1980, em 1980 as contas não
foram… Depois também há uma assinatura, há alguém que recebe aquele
dinheiro e diz: «Ok»!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Agora, gostaria de um
comentário dos Srs. Inspetores relativamente ao que está plasmado no j3)
da mesma alínea j), quando dizem o seguinte: «Na verdade, enquanto o
Plano/Orçamento de 1975, que foi elaborado e aprovado já no decurso
deste ano e por esse facto devia partir das disponibilidades reais do Fundo,
reportadas a 1 de Janeiro, menciona depósitos a prazo no montante de 370
000 000$00 e disponibilidades à ordem de 30 571 968$90, perfazendo 400
571 968$90, os registos contabilísticos evidenciam apenas depósitos à
ordem no valor de 213 537 967$70, o que parece indiciar a existência de
fundos não relevados contabilisticamente…». Isto é uma diferença abissal.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Em
relação a isso, eu tenho sérias dúvidas… Realmente há um valor que está
indicado num determinado lugar, que é diferente daquele que está nas
contas. Agora, para além disso não podemos ir. Foi uma constatação e não
deixámos de a mencionar.
Enquanto aquilo que afirmei há bocado está devidamente
identificado e posso dizer com certeza que está nas contas, que entrou,
porque foi tudo constituído e confirmado, aquele dinheiro existiu e esteve
fora, aqui há uma diferença. E como havia uma diferença foi relatada, mas
não há mais nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Uma grande diferença.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Uma
grande diferença, mas pronto.
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Também alguém poderá responder, mas aí… Poderá ser questionada
a mesma pessoa, mas, para além disso, há uma grande diferença realmente.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Podia, eventualmente,
haver depósitos a prazo, porque aquela conta era só…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não!
Em relação aos depósitos a prazo foi tudo completamente «picado».
Os movimentos da conta foram… Aliás, se forem aos anexos, verificam
que fizemos uma reconstituição académica, em T do Razão, onde
realmente todas as transferências para depósitos a prazo e de depósitos a
prazo para contas à ordem estão completamente identificadas. Portanto, o
que saía para contas a prazo, no fim do prazo voltava a entrar nas contas à
ordem; entre à ordem e a prazo não há divergências. Isto está assumido e
perfeitamente explicado no relatório.
Poderia era ser outros…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Eventualmente, poderiam
estar relevadas noutras contas bancárias…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — … que não tínhamos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Relativamente a depósitos a
prazo, temos aqui uma vossa afirmação, de que «Há ainda informações no
sentido de que havia um depósito a prazo, respeitante a esta conta, no
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montante de 72 876 602$00, que se vencia em 7 de Novembro de 1977,
que não estava relevado contabilisticamente.»
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, mas
esse depósito a prazo tem a ver com a conta que não estava relevada nas
contas.
Quando há bocado afirmei taxativamente que «todos os depósitos a
prazo foram perfeitamente controlados, entraram e saíram da conta oficial
do Fundo e não houve qualquer…», esse depósito a prazo estava associado
a uma das contas que não estava espelhada nas demonstrações financeiras
do Fundo e, perante esse, não sabemos. Quanto a esse, o depósito a prazo
estava fora.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Agora, salto um bocadinho para
a alínea p), onde os senhores dizem: «As despesas mais significativas, pelo
seu montante, cuja finalidade conseguimos identificar, e que foram pagas
depois de 1977, isto é sem haver Planos/Orçamentos (…)», porque a partir
de determinada data deixaram de haver esses planos e orçamentos, «(…)
mostram-se em geral aprovadas superiormente, sem prejuízo de nem
sempre se enquadrarem, como vimos, nas finalidades do FDMU.
Existe, porém, como vimos, uma verba significativa de saídas
monetárias, cuja autorização e finalidade não conseguimos esclarecer por
falta de elementos (…)».
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — De facto, havia menção,
havia documentos relativos à saída de determinadas verbas, simplesmente
depois não tínhamos nenhuma informação adicional que nos permitisse
concluir qual foi o destino dessas verbas ou, pelo menos, o que se
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pretendeu pagar com esse dinheiro. E é neste sentido que é feita aqui esta
observação, porque a carência de elementos também não nos permitia tirar
outras conclusões. Foi uma constatação.
Não sei se a Dr.ª Conceição quer acrescentar algo mais.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Há
despesas, há um valor significativo relativo a despesas que nós, por
exemplo, temos a descrição, mas não sabemos o significado da descrição,
não vimos o documento. Há saídas, enquanto despesas, que também não
conseguimos identificar.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Depois havia, por
exemplo, algumas que faziam referências a um contrato X, mas não
sabemos qual era o objeto desse contrato, não fazemos a mínima ideia de
qual seria o objeto desse contrato.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, temos sido complacentes, dou
mais 1 minuto a cada grupo parlamentar, para não haver…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Não usarei mais do que 1 minuto.
Essas contas estariam em nome de quem? Ontem, mas não
conseguimos obter uma resposta muito concreta, os Srs. Inspetores
mencionaram que essas disponibilidades do Fundo permaneceram à ordem
de terceiros durante alguns anos, desconhecendo-se as aplicações.
Gostaria que nos pudessem relatar quem são esses terceiros, para
podermos ajudar relativamente a…
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esses
terceiros, no caso que acabámos de falar, do dinheiro em poder das Regiões
Militares de Angola e de Moçambique, nós desconhecemos. Será a tal
CRECUL? Relativamente a esse dinheiro que saía da conta e que voltava a
entrar, também não sabemos que terceiros são esses. Terceiros são,
enfim… o dinheiro saiu… O dinheiro saiu e, muitas vezes, é identificado
como tendo saído para o Estado-Maior-General das Forças Armadas, e daí
a razão do nosso segundo trabalho.
Portanto, algumas dessas saídas eram com destino ao Estado-Maior-
General das Forças Armadas, que é um terceiro em relação ao Fundo.
Algumas dessas saídas foram identificadas como sendo de terceiros.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sr. Deputado, na pág. 12
do nosso relatório, quando se fala nas contas bancárias, faz-se uma súmula
das contas com que nos deparámos na auditoria, e, de facto, o elo de
referência dessas contas era… Quer dizer, os próprios extratos traziam uma
pequena identificação do titular da conta. E, portanto, umas tinham
«Estado-Maior-General das Forças Armadas — Fundo de Defesa Militar
do Ultramar», outras que diziam «Departamento de Defesa Nacional
(Fundo de Defesa Militar do Ultramar)», as identificações variavam.
Por exemplo, tínhamos mais do que uma em nome do «Estado-
Maior-General das Forças Armadas — Fundo de Defesa Militar do
Ultramar» e há uma conta que é designação «Estado — Estancias
Oficiais», não sabemos bem…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, se me permite,
vou quebrar a promessa, mas vou ser muito rápido.
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O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Obrigado, Sr. Presidente.
De facto, condiz com o que o Sr. Inspetor diz, e bem.
Nomeadamente, temos aqui dois extratos do Banco de Angola, onde se lê
«Estado — Estancias Oficiais» e «Estado-Maior-General» sendo a morada
a mesma.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, é a isto que se estão a
referir.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Eu tenho poucas perguntas a fazer
sobre esta matéria porque a conclusão a que, suponho, será lícito chegar é a
de que conseguiram detetar os movimentos da conta principal, digamos da
conta oficial, e desconhecem exatamente o que se passou, quais os valores
e montantes que envolviam as contas não oficiais.
Portanto, a questão relativamente ao saldo final de quinhentos e não
sei quantos milhões de escudos são relativos à conta-mãe oficial, não se
sabendo sequer qual o destino das restantes contas.
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Portanto, não sabemos quando é que foram extintas, que saldos
tinham, se foram incorporadas à data da extinção, entre aspas, formal do
Fundo. Não temos nenhuma informação sobre esta matéria.
A questão que eu gostaria de saber é se os dados dos registos da
correspondência de entrada e saída coincidiam, porventura, com os
movimentos entre contas. Ou seja, aparecem aqui referências — e é curioso
porque uma delas é precisamente do dia 9 de dezembro de 1980 do
Gabinete do Diretor Nacional de Armamento, a tal figura que só foi criada,
aparentemente, um ano depois — à «exportação de material de guerra para
o Irão». Há alguma coincidência destas datas com os movimentos de contas
efetuados que tenham detetado? A questão é saber se, quando verificaram
os movimentos de contas, há alguma coincidência com factos específicos.
Ou seja, sabem os movimentos das contas e podemos saber, pela
correspondência entrada, a ocorrência de determinados factos. Pergunto se
é possível fazer alguma relação entre os factos em si e os movimentos de
contas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Em
relação às contas que estão foram do Fundo, é impossível. Em relação às
contas oficiais, realmente não fizemos esse teste, porque essa situação do
Irão já surgiu depois deste relatório. Poderíamos, realmente, ter
confrontado, mas não foi feito esse trabalho de identificação de saídas para
aquele…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É de 9 de dezembro de 80!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — 9 de
dezembro de 80…
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — De 80, exatamente! Nunca abrange até
81!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Abrange,
abrange.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras iniciais da oradora.)
Quando fala em questões de treinos militares, etc., agora, quando há
aqui exportação de material de guerra, a questão é saber se de alguma
forma podemos ver nas contas, oficiais e não oficiais, ou seja, se podemos
estabelecer, a partir de um padrão de saída e entrada de dinheiro, ligação
entre as contas e os documentos que aqui estão.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Realmente
essa análise não está aqui espelhada, mas é possível. Nós temos o extrato
bancário e temos o extrato da contabilidade, é uma questão de ver nessas
datas as saídas, quanto à conta oficial, porque, quanto às outras,
evidentemente não.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É possível definir nas transferências
entre contas, não só na conta oficial mas nas transferências entre contas, ou,
eventualmente, em alguns extratos que tenham aparecido de contas não
oficiais um padrão relativamente a esta matéria?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu acho
que podemos pesquisar isso com os elementos que temos nestas pastas. É
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uma questão de ir, relativamente àquele período, aos extratos bancários que
estão na contabilidade, aos elementos que temos, e fazer… mas não agora
rapidamente. Mas é possível fazer essa pesquisa e com calma verificar se
há alguma situação… No que está, no que nós temos, mas há coisas que
nós não temos.
Quero dizer que quando foi apurado o saldo final… Há uma conta
que não tínhamos identificado neste nosso primeiro trabalho mas que foi
referida num auto de declarações por um militar, de cujo nome agora não
me lembro, mas consta dos autos de declarações, cujo saldo é de vinte e tal
milhões de escudos, e ele referiu essa conta como estando a ser gerida pelo
Gabinete, e consegue-se identificar a entrada desse valor nas contas do
Fundo em 1981.
Portanto, se formos aqui, em 1981, está cá uma entrada…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras da oradora.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não!
Não é o diferencial de que falei há bocado. É mesmo o valor da conta. É
mesmo esse valor.
Portanto, quando fizemos este primeiro trabalho, havia 21 milhões de
escudos que entraram naquela conta e sabia-se a proveniência. Quando
estava a ouvir as pessoas em declarações, no segundo trabalho, houve uma
pessoa, de que agora não me lembro o nome, mas há o auto, que referiu
essa conta e esse dinheiro, referiu o valor exato, trazia o montante escrito
num papel, que está identificado no auto, e era exatamente o valor que eu
tinha identificado antes na contabilidade. É uma conta nova, é uma conta
que surgiu não neste trabalho mas já no seguinte, e há aqui um movimento,
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no final, se formos aqui a estes «T» académicos vê-se que estão cá 21
milhões de escudos que entraram e que são provenientes dessa conta.
Portanto, essa conta, que tinha sido identificada, entrou.
Quanto a esse trabalho, que interessante e penso que é possível fazer-
se, é pegar nas pastas e ver…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras da oradora.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Exatamente! Portanto, é ver nos movimentos se há ali, naquele período,
alguma saída de montante que contraste com os outros. Bom, isto se for na
dita conta oficial…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É possível, apesar de tudo, ter alguma
informação sobre as contas não oficiais?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pouca!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quer dizer, apesar de tudo, foram
«picando», digamos, alguns documentos que permitiam concluir que havia
essas contas e que havia alguns movimentos. Certo?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Encontramos uns bocadinhos de conta, não se foram esquecidos ou se
foram para justificar precisamente aquelas entradas ou saídas.
Aqui está um bocadinho de conta, só um bocadinho de conta, mas os
movimentos não. Mas podemos, sei lá, ver quando é que entrou e quando é
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que saiu o dinheiro, se foi numa data próxima… Agora, já não me lembro,
mas, provavelmente,… estou mais a ver as entradas e as saídas. Mas nunca
é um trabalho… porque há sempre a possibilidade de ter sido feito por
outras contas que não as que estão aqui e aí… eu penso que se for das
outras é um bocado complicado.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Quando foi feita a
primeira auditoria, até à elaboração do relatório, nós não tínhamos a
informação sobre o registo da correspondência entrada no Estado-Maior-
General das Forças Armadas. Não tínhamos essa informação, essa foi uma
informação obtida à posterior.
Portanto, neste relatório, que estamos a analisar, não era possível
fazer essa ligação, essa correspondência, eventualmente, com os
movimentos das contas.
Quanto à conta-mãe, nós sabemos que entraram verbas elevadas
provenientes de outras contas, o que não sabemos é a que respeitavam e,
relativamente a algumas saídas que conseguimos identificar, saídas da
conta-mãe para outras contas, também não conseguimos saber qual foi o
destino dessas verbas. Em relação à conta-mãe, as coisas estão mais ou
menos… ou, pelo menos, as coisas batem umas com as outras.
Agora, andava ali muito dinheiro completamente à margem,
nomeadamente os saldos das Regiões Militares de Angola, Moçambique,
etc., havia ali verbas elevadas que, apesar de estarem refletidas nas contas
do Fundo, não sabemos onde parava o dinheiro. Na conta do Fundo não
estava, andava por aí…!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Já agora, eu que não tive oportunidade
de estudar a fundo todos os dossiers, dá-me ideia de que, daquilo que
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consegui ler, as movimentações bancárias ocorriam entre a conta-mãe e as
contas do ultramar.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Relativamente à conta-mãe, há imensos movimentos bancários de
pagamentos de despesas e, depois, há transferências… Há, realmente,
transferências de umas contas para as outras. Por exemplo, há do Fundo
Financeiro do Exército, acho que é assim que chama, para a conta
principal, há pagamentos através desse Fundo Financeiro do Exército, há
transferências das ditas contas de Moçambique e de Angola, a de
Moçambique ficou até ao fim, houve aquele… Mas, por exemplo, a de
Angola foi transferida a meio de percurso, em 1978 há um saldo que é
transferido.
Portanto, em termos de entrada, esse dinheiro esteve fora e foi
entrando e há uma parte que só entrou no fim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Há alguma transferência de verba para
o exterior, para o estrangeiro, que tenham detetado?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nestas
contas não identificámos.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não conseguem identificar…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
podemos dizer que não haja, mas não identificámos! Todas estas saídas…
Não sei, não identificámos!
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No relatório de ontem, naquele livro, havia lá umas citações para o
estrangeiro, mas mencionados no livro, agora aqui, neste relatório, não há,
que tenha sido identificado, mas pode haver.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Na pág. 10, no último parágrafo,
referem «(…) uma informação datada de 30 de Janeiro de 1977 e exarada
sobre a proposta de Plano para 1977, assinada pelo referido brigadeiro,…»,
o Brigadeiro Francisco de Macedo de Magalhães, «… refere que não
valeria a pena elaborar o Orçamento para este ano, uma vez que não existe
uma indicação segura da utilização do Fundo (…)». Portanto, isto indicia
que provavelmente no início de 77 se colocou a questão de se saber a
finalidade do Fundo e que havia a dúvida sobre se ele deveria persistir ou,
pelo menos, sobre a necessidade de elaboração do Plano. O certo é que o
relatório financeiro, pese embora não havendo Plano, foi aprovado pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não há qualquer indicação na
documentação que explique este facto. Ou seja, como é que é possível, não
havendo Plano, que se tenha procedido à entrada e saída de dinheiros sem a
respetiva base que permitiria o manuseamento da verba? Há algum
documento que explique por que razão é que é aprovado um relatório
financeiro e executado num ano sem que — aliás, isto verifica-se depois
nos anos seguintes, mas este é o primeiro ano e é particularmente
significativo por ser em 1977 — se ponha em causa a continuidade, a
necessidade da elaboração do Plano?
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Qual é a vossa leitura para este facto? Ou seja, a ideia com que fico
ao ler isto é a de que a dado momento se questionou a necessidade de se
elaborar um fundo, atendendo precisamente às finalidades que lhe estão
adstritas, mas o certo é que o dinheiro continuou a entrar e a sair das várias
contas durante mais uns anos, sem que ninguém tivesse questionado
precisamente o facto que aqui é colocado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr. Dr.ª Maria da Conceição
para responder.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É
realmente isso.
No ano de 77 há ali uma aprovação, que, no fundo, acaba por dizer:
«Ok!». Diz o que está no Ativo, o que está no Passivo, o dinheiro que
entrou e saiu, tudo o que aconteceu neste ano foi «Ok» e, portanto, está
aprovado, isto em relação a 77. Daí para a frente, continuaram a acontecer
pagamento, entradas, saídas, pagamentos de despesas e movimentos e
alterações até à parte final, mas eu penso que em 78 já não são aprovadas
as contas… Aqui, no dito quadradinho, já não foram aprovadas. Este foi o
último ano em que realmente as contas foram aprovadas, embora tudo
tenha acontecido, aparentemente, da mesma maneira, com entradas e
saídas, não há qualquer alteração. Continuou tudo a funcionar, mas, depois,
já não há a tal assinatura daí para a frente. Só depois, quando há a entrega
do saldo final, há alguém que recebe e diz «Ok», mas não há mais
aprovações daí para a frente.
Há aprovações de relatórios financeiros.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A partir precisamente de 77 é que se
verifica uma maior dificuldade na regularização das contas do Fundo.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Maior
dificuldade na regularização, não sei bem…! Continua tudo a acontecer da
mesma maneira! Quem analisa vê que continua a entrar dinheiro, a sair,
continua tudo a funcionar, simplesmente, daí para a frente, nas
demonstrações financeiras, não aparece uma assinatura, dizendo «Ok, eu
avalizo isto»!
O Sr. Presidente: — Muito obrigado…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sr. Presidente, já agora…
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Apesar de haver esses
relatórios financeiros, que não foram aprovados, à exceção desse de 1977,
não havia orçamentos, contrariamente… Ou seja, iam-se gastando as
verbas sem se saber… só aposterior é que se sabia para que foram
utilizadas ou, pelo menos,… Esses relatórios é que mostravam as relações
com as diversas entidades, mas sem que houvesse uma aprovação prévia
desses Orçamentos e desses Planos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.
Presidente.
Cumprimentos os Srs. Inspetores e agradeço, em nome do CDS-PP, a
vossa disponibilidade para comparecem perante a Comissão, bem como o
trabalho que efetuaram para a 8.ª Comissão e que está traduzido nesses
relatórios.
A primeira pergunta tem a ver com uma questão que já tem sido
colocada noutras reuniões, nomeadamente pelo Sr. Deputado Miguel
Santos, mas hoje foi dito que o Sr. Inspetor era jurista e, portanto, talvez
possa esclarecer isto, dar a sua opinião.
Tem a certeza de que o Fundo foi extinto? Pergunto porque o
Decreto-Lei n.º 548/80, como se tem chamado à atenção, refere a intenção
de extinguir no preâmbulo, mas, de facto, não tem nenhuma disposição no
sentido da extinção. Tem uma disposição a dizer que o saldo transita para o
ano seguinte, mas até podia transitar até hoje.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Quer dizer, nós nem
questionamos essa situação. Ou seja, a nossa preocupação foi mais no
sentido de ver qual era o uso que tinha sido dado às verbas e se estavam
devidamente documentadas. A questão da extinção do Fundo podia ser uma
questão formal. Quer dizer, a partir do momento em que há ali uma
transferência de verbas para uma outra entidade, considerando que o Fundo
estava extinto, seria mais uma questão formal, e, portanto, nós nem
questionámos esse aspeto, quanto à efetiva, em termos jurídicos, da
extinção desse Fundo.
Agora, não tenho presente…
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O Sr. Presidente: — O Sr. Inspetor estava a ler um documento que
tinha, não sei se quer referir a ele…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — É referido o Decreto-Lei
n.º 548/80, agora, não tenho presente os termos…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Eu tenho aqui…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — … exatos desse diploma.
Mas penso que foi através desse decreto-lei que se procedeu à extinção do
Fundo. Foi a ideia com que fiquei na altura. Mas, de momento, já não tenho
bem presente os contornos em que isso aconteceu.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — A Inspeção-Geral de
Finanças verificou um ato que interpretou como de liquidação final do
Fundo…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Portanto, houve um saldo
final do Fundo que foi transferido para outra entidade,…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — … encerrando as contas
do Fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim!
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — E essa transferência foi
para quem?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Penso que foi para o
Estado-Maior…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Para o Estado-Maior-
General das Forças Armadas?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foi para o
Gabinete…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Penso que isso está aqui
no relatório, mas penso que foi para o Gabinete do Estado-Maior…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Passo a ler: «Art. 1.º —
Passam a ser cometidas ao conselho administrativo do Estado-Maior-
General das Forças Armadas as funções de apoio administrativo-financeiro
ao Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas no que respeita à
gestão do saldo que vier a ser apurado no final do corrente ano económico
no Fundo a que se refere o Decreto-Lei (…).
Art. 2.º — 1 — Para o efeito, o conselho administrativo do Estado-
Maior-General das Forças Armadas organizará anualmente um orçamento
privativo a aprovar (…)», é uma disposição para o futuro, para 81, para
82…
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Depois diz: «2 — Além
do saldo a que se refere o artigo anterior, poderão ser consideradas em tal
orçamento quaisquer outras receitas (…).
3 — O saldo de gerência verificado no final de cada ano
económico…», portanto, dá a ideia de que vai haver mais anos
económicos, «… transitará integralmente para o ano seguinte.». E, de facto,
não há nenhuma norma, como normalmente estes diplomas dizem, a dizer:
«é extinto no dia tantos do tal, é efetivo…». Está no preâmbulo:
«Atendendo à necessidade de se proceder desde já à extinção do referido
Fundo, (…)». Mas, de facto, não há uma norma positiva que o diga, a
menos que haja um ato de liquidação formal e que a Inspeção-Geral de
Finanças tenha apurado e declarado assim.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não…!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O último relatório
financeiro que consta é o de 1980, salvo erro…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Foi apurado um saldo
final e esse saldo, que era do Fundo, foi transferido para o Gabinete do
Estado-Maior e, portanto, passou a competir a ele, ao Estado-Maior, fazer a
gestão dessas verbas e das verbas que eventualmente viesse a receber
ainda, porque dava a entender que era possível haver receitas ainda por
conta do Fundo. Foi a perceção com que fiquei.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — E despesas também.
Aliás, também era prevista a afetação das verbas, a possibilidade de afetar
essas verbas a determinadas despesas.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Se o Sr. Inspetor me
permitir, bem sei que este relatório tem vários anos, mas, se pudesse olhar a
esta luz estes documentos e dar-nos a sua opinião e posição sobre o fecho
efetivo, quer da interpretação do decreto, da base legal da extinção do
Fundo, quer da conformidade, digamos, contabilística, procedimental, do
ponto de vista financeiro do encerramento, seria útil para a Comissão,
porque, creio, esses recursos terão sido integrados no quadro do Orçamento
do Estado, passaram a ser uma receita. Saem do Fundo e entram na receita
do Estado.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Isso não verificámos,
mas, à partida, a partir do momento em que são transferidos para o Estado-
Maior podiam continuar a afetar essas verbas, porque aquilo era… Quer
dizer, ali não há uma integração dessas verbas no Orçamento do Estado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já agora,
só uma achega. Nós parámos aí, até porque isso já eram factos posteriores
ao atentado.
Nós estávamos a analisar o Fundo até onde nos foi pedido, até 80, e
em 81 acabou. Agora, daí para a frente é outro capítulo, é mesmo outro
capítulo dentro do contexto que estávamos a analisar até ali. Já foi posterior
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e, em princípio, também já não iria fazer luz sobre o atentado. Não quer
dizer que não fosse importante analisar, mas sobre o atentado é que já não
ia fazer luz, porque foi extinto um pouco depois. O atentado foi em
dezembro e o Fundo foi extinto para aí uns dois meses depois. O Fundo foi
extinto depois do atentado…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Foi antes!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Antes?!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não, o decreto-lei é de
antes, mas, digamos, o fecho das contas…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Foi o Decreto-Lei n.º
548/80, que é de novembro. Sim, é de novembro…!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — A
decisão…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, eu permito e acho que…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas o
movimento contabilístico foi feito depois.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Eu estava a consultar
agora, aqui, o nosso relatório e, nas págs. 77/78, transcrevemos uma
informação, que obteve despacho de concordância na altura do Chefe do
Estado-Maior e do Sr. Presidente da República General Ramalho Eanes,
em que se dá conta da situação líquida do Fundo e, depois, tem a seguinte
menção: «Que o montante (…) fosse escriturado pelo CA…», Conselho
Administrativo, «(…) no fundo de ‘Devedores e Credores’, em conta a
constituir para o efeito, cuja movimentação só poderia ser efectuada
exclusivamente através de indicações pontuais a transmitir pela DIAF…»,
penso que é Divisão Administrativa e Financeira, «… à medida que fosse
necessário efectuar, (…), liquidações para processos em curso e até à sua
completa extinção.» — isto é o que sabemos. E depois tem outra indicação,
«Que o CA/EMGFA deveria iniciar, com a urgência (…), as diligências
(…) à elaboração do orçamento privativo preconizado no Decreto-Lei n.º
548/80, (…)». Ou seja, isto dá a entender que não terão sido integradas no
orçamento do Estado-Maior, que continua a constituir ali uma espécie de
um fundo, que era para depois ser afeto a despesas a determinar
casuisticamente.
O Sr. Presidente: — Eu estava tentado a chamar «saco azul».
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — É um «saco azul», sim!
O Sr. Presidente: — É para pormos os nomes nas coisas.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas,
contabilisticamente, tudo aconteceu já em 81, tudo aconteceu em fevereiro
de 81.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim…!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Contabilisticamente, o apurar da verba já aconteceu em fevereiro de 81.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Portanto, estas medidas
já são de fevereiro de 81.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — A entrega
do valor foi em 81.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Creio que estou a
perceber a vossa interpretação.
Portanto, a interpretação da Inspeção-Geral de Finanças é a seguinte,
vejam se estão de acordo: este decreto-lei terá operado a extinção do
Fundo, com efeitos para o final do ano, transferindo o saldo apurado para
uma conta privativa do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que a
partir dessa altura já não era Fundo, mas continuava a ser uma conta
exclusiva e privativa do Estado-Maior-General das Forças Armadas. É
isto?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, penso que sim! Pelo
menos parece-me que é o que resulta aqui desta informação, desta norma…
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas,
contabilisticamente, aconteceu em fevereiro de 81. Está registado em
fevereiro de 81, quando foi apurado o dito saldo, embora a legislação seja
realmente anterior.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Entendi.
Segunda questão: a equipa da Inspeção-Geral de Finanças teve
acesso, organizou algum organograma do Estado-Maior-General das
Forças Armadas neste período?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Temos um
organograma no outro relatório. Num anexo ao relatório anterior temos um
organograma…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Talvez desse para
esclarecer a questão da Direção Nacional de Armamento, que ontem vimos,
porque o que se passou, recordando, em 1974,…
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço-vos, aqui não
conseguimos ouvir, peço-vos que falem um pouco mais baixo. Não sei se
no fundo da sala há esta dificuldade, mas eu próprio, aqui, tenho
dificuldade em ouvir.
Peço desculpa ao Sr. Deputado José Ribeiro e Castro por o ter
interrompido. Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.
Presidente.
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Em 1974, a seguir à revolução, há um decreto-lei que transfere todos
os poderes que eram do Governo para o Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas, ou, melhor, com categoria de Primeiro-Ministro, e dá-
lhe competência, por portaria, de organizar… Não podemos extrair desse
diploma que está ali reproduzida toda a orgânica do CEMGFA, é possível
que haja outros departamentos e organismos internos que existam por
portaria. Portanto, seria útil ver se conseguiram reconstituir o que era a
orgânica do Estado-Maior-General… Está em que anexo?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — No
relatório de ontem, o anexo é a fl. 1 dos anexos.
O Sr. Presidente: — Portanto, concluímos que está na fl. 1 dos
anexos do relatório de ontem.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É este mapa?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — A estranheza que nos
suscita, voltando à questão de ontem, é que está aqui, de facto, identificada
a DILOG (Direção de Logística), mas não está a Direção Nacional de
Armamento, que é mencionada abundantemente na correspondência.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim.
Nos autos de declarações, há, a certa altura, uma pessoa, que foi ouvida,
que diz que não se trata de uma direção nacional de armamento mas, sim,
de um diretor nacional de armamento. Isto está nos autos, mas agora não
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consigo dizer exatamente quem o disse, se foi o Eng.º Aurélio Manuel
Trindade… Naqueles autos está muito informação e está lá isso.
O Sr. Presidente: — Se o Sr. Deputado achar pertinente, podemos
esperar 2 minutos para a Sr.ª Dr.ª Conceição verificar o auto, se não
achar…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu acho
que é o auto do Sr. Eng.º Aurélio Trindade, ele diz isso, eu li há pouco.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: — Sr. Dr. Luís Filipe Rocha, quem dá aqui a
palavra sou eu, por enquanto…!
Eu tenho deixado que haja diálogo, que haja colaboração, até para
que os Srs. Inspetores não tenham de voltar outra vez e, assim, tirarmos
todas as dúvidas. Agora, peço que me ajudem nesta minha função de
presidir aos trabalhos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Fls. 110,
talvez, ponto 8 do auto do…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Já encontrei, muito
obrigado. Está aqui identificado.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Tem essa
referência. Ele diz que não era uma direção mas, sim, um diretor.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Isso permitirá elucidar a
questão que aqui vimos ontem.
Tem ideia do movimento do Fundo nestes anos? Estive a verificar as
contas dos diferentes anos e têm Disponibilidades a partir de 1977, em que
as receitas passam a ser, sobretudo, juros de depósitos, mas há
Disponibilidades na casa dos 450 000 contos a 510 000 contos, que, salvo
erro, é o saldo final.
A dúvida que eu tenho é a seguinte: como é que um fundo que tem
estas Disponibilidades faz um empréstimo de 1 milhão de contos à
República Popular de Angola em 1978?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esse
empréstimo de 1 milhão de contos à República Popular de Angola está
referenciado no livro de correspondência classificada. Portanto, nós não
sabemos de que conta é que esse valor saiu, se foi do Fundo ou se foi de
outra conta qualquer, nem sabemos se é possível estabelecer uma ligação
entre isso e o… entre o dinheiro do Fundo é impossível, porque, realmente,
o montante não comporta. Mas, de facto, isso é uma referência do livro,
tem a ver com o de ontem, não foi extraído da análise destas contas.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Só mais duas perguntas.
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Às tantas dizem aqui, no vosso sumário executivo, que as
Disponibilidades do FDMU permaneceram à ordem de terceiros durante
alguns anos. Que terceiros? É como as Oficinas Gerais de Fardamento?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim. Das
Oficinas Gerais de Fardamento estão identificadas, poderá haver algum
responsável que, na altura, também não tenha sido identificado. Mas as
saídas para outras contas, os fundos de que falámos aqui, que estavam em
poder das Regiões Militares de Angola, de Moçambique e da Guiné — da
Guiné havia um saldo credor…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — A Guiné tinha um saldo
credor!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O que é
estranho. No encontro de contas não se percebe como é que aquilo…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Ou seja, o Fundo é que
ainda devia lá ao responsável da Guiné 12 000 contos e, depois, fazem a
compensação com o saldo da conta da Região de Moçambique, quando foi
na altura do encerramento do Fundo. O que é um facto ou, pelo menos, o
que os elementos evidenciam é a existência de um saldo credor em relação
à Guiné.
Agora, Angola e Moçambique, nomeadamente Moçambique, tinham
um saldo muito elevado. Portanto, à partida, quem estava a gerir esse
dinheiro, o que é que andava a fazer com ele?!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Quanto à
gerência desse dinheiro, temos aqui uma referência à dita CRECUL, em pé
de página tínhamos o que era a CRECUL. A CRECUL teria sido quem
ficou a gerir esses fundos das províncias ultramarinas, mas, embora
houvesse essa CRECUL a gerir os fundos, eles figuravam nas
demonstrações financeiras do FDMU enquanto contas devedoras. Ou seja,
há ali alguém que deve. Quem deve? A província de Moçambique ou de
Angola? E esse dinheiro estava a ser gerido pela CRECUL.
Não sei se o facto de interferir aqui a CRECUL poderá trazer alguma
informação adicional. Saber quem está à frente da CRECUL, mas eu penso
que a pessoa que avalizou as contas do Fundo, por exemplo, em 1977,
poderá ter conhecimento desse facto, terá de ter, porque eram valores
devedores que estavam nas contas do Fundo. Ao avalizar as contas do
Fundo com aqueles valores devedores lá, tem de saber onde é que estavam
aqueles valores devedores, quem é que os geria. E tanto assim é que eles
depois acabaram por entrar no saldo final.
Portanto, o dinheiro estava em algum lado.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Por exemplo, a conta da
Região Militar de Moçambique apresentava um saldo de 48 milhões em
1975 e que se manteve até 1980, até à data da extinção do Fundo, da
liquidação do Fundo.
Portanto, há aqui todo este período, desde 75 a 80, em que essa conta
praticamente não tem movimento nenhum, não tem entradas nem saídas, e
a gente não sabe por onde andou este dinheiro e quem estava a gerir este
dinheiro.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já agora,
encontrei aqui a referência à dita CRECUL. A CRECUL é Comissão para a
Regularização e Extinção das Contas das Regiões Militares e Comandos
Territoriais Independentes do Ultramar e foi criada pelo Decreto-Lei n.º
624/75, de 13 de novembro.
Portanto, esta CRECUL teria ficado a gerir os dinheiros que se
encontravam nas contas, nos balanços, nas demonstrações financeiras do
FDMU em todos estes anos. Conforme disse o meu colega, este dinheiro já
estava em 1975 e continuou até que entrou no final, no caso de
Moçambique entrou só em 1981, aqui na contabilidade, quando foi a dita
extinção, aparece espelhada em 1981.
Portanto, nesse momento, esse dinheiro entrou e há alguém que diz
«Ok, nós recebemos!», há aqui uma assinatura de mesma pessoa que foi
referenciada há bocado, assina em como recebeu esse dinheiro.
Ora, esse dinheiro, em todo este período, esteve em poder de alguém
e realmente isso está aqui, a fls. 86 do relatório que estamos a falar hoje.
Está aqui esta menção!
O Sr. Presidente: — Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Obviamente, o nosso
interesse tem, sobretudo, a ver com o ano de 1980 e movimentos suspeitos.
Portanto, a minha última pergunta é a seguinte: no vosso estudo da
contabilidade do FDMU, encontraram alguns movimentos que tivessem a
ver explicitamente, que suspeitassem, com exportação de material militar?
Houve alguns movimentos no ano de 1980 que vos causassem suspeitas
pelo seu montante, pela sua obscuridade, pelo seu destinatário?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Temos
indicado ao longo de relatório, nas contas dos vários anos,… Nós fizemos
estes «tezinhos» e, nestes «Tzinhos», a conta de Depósitos à Ordem tem
uns movimentos a crédito e, em baixo, há uma nota onde dizemos que
movimentos são esses. Ou seja, estes movimentos a crédito estão apoiados
por mapas, por estes mapas, e estes mapas têm a indicação dos fundos
saídos.
Por exemplo, estou aqui a ver 1975, mas posso chegar a um ano mais
recente…
Os t
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — O que posso dizer é que
na fls. 107 dos anexos, em relação ao ano de 80, a conta do Fundo tinha
registado como entradas 75 milhões de escudos, as despesas foram 15
milhões, e estas despesas estão documentadas na fls. 107 dos anexos, tem a
discriminação onde foram afetas essas verbas, e, depois, também foram
efetuados depósitos a prazo totalizando 300 milhões de escudos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Creio que é um depósito
neutro que saiu e voltou.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
Eu gostava de chamar a atenção para o seguinte: embora o relatório
esteja um bocado extenso em termos de descrição verbal, se analisarmos
estes anexos na parte dos «T» com os movimentos a crédito, vemos que
têm em cada ano uma letrinha que está suportada por estes mapas.
Por exemplo, há pedaço perguntaram-nos: «viram alguma situação
de exportações…?» Estou a olhar para aqui, já não me lembrava, não tenho
isto de cor, e, se formos, por exemplo, à pág. 97 dos anexos (e isto também
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tem a ver com a questão que colocou a Sr.ª Deputada, que é se naquele
período houve alguns pagamentos de despesa), temos aqui Fundo de
Defesa… Ah, isto são entradas…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Isso é 79!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É 79, mas,
por exemplo, tem aqui indicações da guia de receitas de operações de
tesouraria…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Isso é uma receita!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É uma
receita, mas tem também umas saídas, tem aqui saídas. Por exemplo,…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Isso é na pág. 107!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Chamo a
atenção para estes mapas, que apoiam as saídas e as entradas nestes
«Tzinhos» e que são elucidativos quanto ao tipo de despesa que era
efetuada através do Fundo, ao tipo de entradas e ao tipo de saídas. Nós
podemos ver que tipo de situações aconteceram em anos anteriores e não…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Em relação ao ano de 80,
as despesas que aparecem aqui registadas e que estão relevadas na conta do
Fundo têm um «Pagamento antecipado de 15% sobre a adjudicação de obra
de construção de infraestruturas desportivas»; depois têm «Liquidação de
crédito concedido pelo FDMU e destinado à construção de infraestruturas
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desportivas», «Liquidação parcial do encargo referente ao estudo
conceptual de facilidades habitacionais e sociais para militares ao serviço
das Forças Armadas (…)», «Remanescente da obra construção de
infraestruturas desportivas», «2.º pagamento nos termos do número 4 da
cláusula 8.ª do contrato celebrado em 05/05/80 com a Empresa Geral de
Fomento», e nós não sabemos qual era o objeto deste contrato, «Vagotes de
betão e pré esforçado e tijolos especiais». Depois temos para uma verba
relativamente pequena «Destino desconhecido (…)», ordem de pagamento
não assinada, no valor de 41 contos. Temos 1 320 000$ para «Encargos
solicitados através do verbete número 6220/CA/EMGFA, de 16 de
Setembro de 1980, nos termos do respectivo contrato estabelecido com as
EGF». Temos ainda «Encargos atinentes à construção de
Gimnodesportivo», «Encargos solicitados a coberto do verbete (…) e nos
termos do respectivo contrato (…)». Portanto, temos aqui uma elencagem
das despesas que foram pagas através do Fundo.
Agora, por exemplo,…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Uma vez que está a
analisar isso, peço-lhe que o confronte com o relatório financeiro, a fls. 229
e seguintes, porque os valores não coincidem totalmente. Mas, como não
sou um especialista nesta matéria, ia pedir clarificações.
Os totais finais de disponibilidades coincidem, não é?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas, depois, a
discriminação não é exatamente igual à que aqui apresentam,
nomeadamente, quer quanto a entradas quer quanto a saídas.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Portanto, o relatório
financeiro do ano…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, os Srs. Inspetores já detetaram e
estão a verificar…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — É a fls. 227, Sr.
Deputado?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É fls. 229 e seguintes,
creio eu.
O relatório financeiro referente ao ano de 1980 tem, na situação de
início do ano: Disponibilidades — 466 000 contos. Depois, vemos a
«Situação líquida — Disponibilidades», no fecho do ano, 510 000 contos.
Não há dúvida de que isto tem a ver com a situação síntese, mas, se vir os
movimentos, verifica que não são exatamente iguais à situação que
descreve. Provavelmente, por não ser um especialista em contabilidade,
tenho sempre a maior dificuldade em compreender os movimentos, mas, de
facto, não têm correspondência, salvo num ponto ou noutro.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pág. 229,
então, aqui a questão que se põe é…?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não bate certo nas
saídas.
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Na síntese, dizem que houve nesse ano saídas ano de apenas 15 000
contos…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, de pagamentos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — De pagamentos…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Há mais uma saída de
300 000 contos, que foi para um depósito a prazo.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sim, mas é anulada. Vai
para um depósito a prazo e regressa.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Senão não haveria uma
variação apenas de 466…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Ou seja,…
O Sr. Presidente: — Eu penso que está claro, os Srs. Inspetores vão
responder e temos a oportunidade…
Nós sabemos que isto é uma sucessão de factos e perguntas, mas não
podemos prejudicar a 2.ª ronda e para acabar a 1.ª ronda ainda falta usar da
palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
Peço aos Srs. Inspetores que respondam a esta pergunta, para a
seguir eu dar a palavra ao Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Peço
desculpa, mas ainda não percebi a questão. A questão é: nos nossos «T», na
contabilidade que reconstruímos, de que saídas é que estamos a falar? Não
estou a ver o que é que não coincide, por isso não consigo responder…
O Sr. Presidente: — Então, peço ao Sr. Deputado Ribeiro e Castro
que explique em 20 segundos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já agora só
mais uma coisa: ainda em relação à importância destes mapas, também foi
questionado aqui se havia ligações com empresas de material de guerra.
Então, temos aqui, a fls. 108, por exemplo, «Encargos referentes à
montagem da linha de fabrico de granadas foguete (…)», Fábrica Militar de
Braço de Prata. Portanto, se lermos atentamente todos estes mapas que
apoiam a nossa reconstituição, poderemos encontrar tipo de despesa e… Às
vezes, perguntam e a pessoa já se não lembra, mas, se fizermos a leitura
dos mapas, vê-se aqui que há realmente algumas ligações.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Dou agora a palavra ao Sr. Dr. Luís Filipe Rocha, representante dos
familiares das vítimas.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado, Sr. Presidente, e uma
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vez mais as desculpas por há bocadinho, mas eu não estava a querer tomar
a palavra, estava só a anunciar o número da página.
A minha pergunta à Dr.ª Maria da Conceição está ainda relacionada
com a questão levantada pelo Sr. Deputado Ribeiro e Castro, nas págs. 48 e
49 do relatório da auditoria às contas do CEMGFA, que são as declarações
do Sr. General Aurélio Trindade. O Sr. General Aurélio Manuel Trindade
foi, desde finais de 78 até ao início do ano de 1981, Chefe do Gabinete do
CEMGFA e é ele que fala abundantemente, nas págs. 48 e 49, das
competências das intervenções do diretor nacional de armamento.
Das declarações do Sr. General Aurélio Trindade, que vêm aqui
abundantemente citadas nas págs. 48 e 49, podemos deduzir que o diretor
nacional de armamento era uma figura importante e relevante no
funcionamento do CEMGFA, em relação aos aspetos que tinham a ver com
tudo o que fosse comércio de armamento?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, eu
também fiquei com essa ideia da leitura dos autos, porque, se o lermos, e
está aqui o auto assinado por ele, ele fala claramente na figura e até retifica,
dizendo que não era uma direção nacional de armamento mas um diretor
nacional de armamento, para além do Sr. General Loureiro dos Santos
também referir isto no auto. E é capaz de haver mais pessoas…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ele diz inclusivamente que o diretor
nacional de armamento despachava com o CEMGFA ou com o Vice.
Portanto, despachava diretamente com o Chefe do Estado-Maior-General
das Forças Armadas.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, foi o
que ele disse e está no próprio auto. Foi o que ele disse, está no auto e está
assinado nos anexos.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Queria apenas certificar.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Porque
isto já foram partes que eu retirei daquele auto, para «em relação a isto…,
em relação àquilo…» justificar, mas há o auto com todo o seu conteúdo.
Foi-lhes perguntado, qual foi o período das funções, o que é que ele fazia e,
depois, como é que se relacionavam todas aquelas questões, e eles foram
respondendo. A leitura dos autos poderá… Mas esses dois, realmente, são
importantes.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Faço ao Sr. Inspetor uma pergunta que
ontem fiz à Dr.ª Maria da Conceição.
Ao longo dos exercícios financeiros que foram analisados fala-se
frequentemente em planos de aquisições. Não tem a mínima ideia do que
isto significa? Há despesas que vêm com a rubrica «Planos de Aquisições»,
ontem falou-se nisto e não se consegue perceber o que eram estes planos de
aquisições.
O Sr. Inspetor teve alguma…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São os
«PA», aparece lá «PA», planos de aquisições… Penso que isso poderia ter
a ver com algumas despesas que estavam já consignadas em períodos
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anteriores e que eram para ser feitas por determinados organismos,
funcionava nas contas na situação de credores. Ou seja, havia uma parte
dos dinheiros do Fundo que já estava consignada a determinadas despesas,
pronto, não sei quem as…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mas «aquisições» não se sabe o que
era.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não se
sabe quem as autorizava. Pronto, não, não… Surge aqui, mas…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
Agora, concretamente quanto às receitas do Fundo, pergunto: na
peritagem que foi feita vem o artigo 12.º do decreto-lei de 1972, que diz
como é que eram constituídas as receitas do Fundo. São nove as alíneas,
que me vou dispensar de ler para não roubar tempo, das quais apenas uma,
eu acho, se pode manter depois de 1974, que é a que diz «O produto da
venda de material de qualquer natureza, das forças navais, terrestres e
aéreas do ultramar, que tenha sido considerado incapaz para o serviço ou
sem interesse para as forças armadas». Eu acho que apenas esta alínea pode
ser considerada receita do Fundo depois de 25 de Abril de 1974, uma vez
que as outras oito, todas elas, sem exceção, dizem respeito a impostos,
taxas, etc., no ultramar.
Portanto, sabendo nós de onde provinham as receitas deste Fundo até
ao 25 de Abril de 1974 e dando por adquirido o ano todo de 74, pergunto:
de 1975 até 1980 de onde provinham as receitas do Fundo?
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Uma parte significativa
era de aplicações financeiras, ou seja, de depósitos a prazo, e temos aí
registadas verbas muito elevadas a título de juros, juros de aplicações.
Penso que a principal fonte de receita eram os juros das aplicações
financeiras.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Posso
dizer também que em alguns anos não há contabilização de juros da conta
ordem, e nós também indicamos aqui. Não havia juros da conta à ordem em
alguns anos, embora, realmente, como disse o meu colega, e muito bem,
isso seja uma fonte, mas também os saldos das ditas contas da Região
Militar de Moçambique e da Região Militar de Angola, não foi só o que foi
transferido no final. Por exemplo, Angola, em 1978, transferiu para aqui 78
milhões de escudos, e estes 78 milhões de escudos também foram uma
fonte de alimentação.
Punha-se a questão: até 78 aonde esteve o dinheiro? Mas, pronto,
também foi…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Os Srs. Inspetores deram-se, portanto,
por satisfeitos, do ponto de vista analítico, com, digamos, as receitas dessas
aplicações financeiras. Essas receitas são suficientes, em vosso entender,
para justificar, digamos, os cinco anos de vida do Fundo, desde 1975 a
1980?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não, porque nós não
sabemos qual era a verba que vinha de trás.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sabemos,
sabemos! Nós reconstituímos desde 1973! Tomámos os valores de 1973.
Fomos buscar o saldo inicial do período anterior ao 25 de Abril, 1973.
Fomos buscar 73, o saldo inicial antes de e, depois, fomos analisando a
evolução.
Se olharmos para estes «Tzinhos» em que cada um dos anos e
olharmos para os movimentos que estão aqui a débito, de bancos e do
Centro Financeiro, temos uma ideia do que estava a alimentar o Fundo. Por
exemplo, em 1974, «(Div. Entradas) (b)», «(b) Quadro anexo a fls. 9» e,
depois, vamos aqui ver…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
Tem juros e, depois, há de ter quadro a fls. 9… Tem aqui, por
exemplo, transferências vindas do Gabinete do CEMGFA. Daí o nosso
segundo trabalho.
Na pág. 9 temos estes «Tzinhos», o que é que está movimentado a
débito? As entradas e depois tem aqui um (c), por exemplo, eu tinha até
sublinhado a amarelo. Foi uma forma de alimentar em 74. Temos aqui um
cheque do Gabinete da Defesa Nacional e, depois, do CEMGFA, valores
elevados, 66 milhões de escudos, mais 38 milhões, mais 50 milhões, mais
38 milhões… Este foi o valor que alimentou o Fundo.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Era isso que eu queria perceber.
Ou seja, há as aplicações e, depois, há as transferências diretamente
do CEMGFA para o Fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Por
exemplo, este aqui é 74, e, se formos aos anos seguintes, é sempre a mesma
forma de organização, quer quanto à despesa quer quanto à receita. Talvez
seja menos maçudo e mais claro analisar isto desta forma académica, que é
ir ao «Tzinho» e ver. Se tem a chamada, se tem aqui a alínea c), ver o
mapinha; depois, está o mapinha a seguir, e, então… Pronto, está o
mapinha a seguir e nós vemos o que alimentou.
Por exemplo, em 75, juros, cá temos uma quantidade de juros, como
disse o meu colega, e muito bem, juros de depósitos… Vamos vendo as
diversas entradas.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Mas, fundamentalmente,
eram os juros e outras transferências, que vinham de outras contas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Por
exemplo, já agora um valor elevado, está aqui, a fls. 40 dos anexos, e já em
1975, um cheque do CEMGFA de 199 milhões de escudos. Portanto, era
aquela situação que se punha ontem: como é que o Fundo foi crescendo?
Os depósitos… Quer dizer, porque houve transferências, mas as
transferências estão todas aqui. Se olharmos…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem, pelas transferências do
CEMGFA.
Agora, queria que me ajudassem, uma vez mais, em relação ao
quadro dos planos e orçamentos e relatórios financeiros que vêm na pág.
11. Aparentemente, o ano de 1976 é o único ano em que tudo foi feito
como deve de ser e depois não há coincidência, porque, nuns anos, houve
plano e não houve aprovação e, noutros anos, não existiu plano mas existiu
relatório financeiro. Curiosamente, o que existiu sempre de 1976 a 1980 foi
o relatório financeiro. Este existiu sempre, mas há 3 anos em que não foi de
facto formalmente aprovado.
Conseguiram, nem que seja a nível especulativo, perceber porquê?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu penso
que essa questão deverá ser colocada à pessoa que, no fundo, aprovou…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ao General Ramalho Eanes, a pessoa
que aprovou e que não aprovou.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — E, a
seguir, a pergunta que colocámos foi: por que é que a seguir não aprovou?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Poderá
haver uma razão, que nós não sabemos.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Finalmente, e vou ser muito rápido, na
pág. 7 do sumário do relatório, posso ser eu a ler mal, mas, na alínea k),
diz-se: «Das entradas de fundos (…) sobressaem, pela sua importância e
pelo facto de desconhecermos a origem dessas receitas, as provenientes do
Gabinete do CEMGFA.». São exatamente as receitas de que acabámos de
falar?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São essas
e, eventualmente, outras que haja.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sobressaem pelo volume, mas
ignorando-se a sua origem.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Eram essas transferências
para a conta do Fundo.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pode haver
mais para a frente, se analisarmos os mapinhas todos. Podem não ser só
estas, pode haver mais.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem!
Mais duas e últimas questões, muito breves.
Na alínea m), pág. 8, e já há pouco aqui foi falado, em relação às
aplicações das contas, e, se quiser, por uma questão de rigor intelectual, os
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senhores imaginam que houve aplicações ou têm a certeza de que houve
aplicações? Pergunto, porque o dinheiro pode não ter sido aplicado, pode
ter estado quieto, ou não?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Naturalmente que sim.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Pode!
Portanto, se se fala em aplicações, embora se confesse a ignorância
sobre essas aplicações, é porque há indícios de que o dinheiro foi aplicado
ou é…? É apenas por uma questão de rigor e de escrupulosidade
intelectual, peço desculpa.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, em
relação às aplicações, nós não sabemos o que estava a ser feito com aquele
dinheiro, podia estar num depósito a prazo. É esta a questão, não é?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — É.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O que é
que estava a acontecer com aquele dinheiro? Mas também estar num
depósito a prazo não era normal. Já estava com um saldo devedor em 1976
e depois, em 1981 ou em 1978, ser transferido o mesmo montante! Deveria
haver, pelo menos, juros, e não há. Portanto, aquela verba ou a outra da
compensação não sabemos onde estava o dinheiro. O certo é que, segundo
parece, havia dinheiro, tanto assim é que, quando é apurado o tal saldo dos
quinhentos e tal mil, há uma parte do dinheiro que entra e a meio do
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percurso, em 1978, também houve uma parte de dinheiro que entrou de
Angola… Portanto, aquilo era dinheiro…
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Alexandre Patrício
Gouveia.
O Sr. Dr. AlexandrePatrício Gouveia (Representante dos
Familiares de Dr. Patrício Gouveia): — Só um aspeto complementar.
Da leitura deste relatório, penso que se pode concluir que há aqui
vários movimentos de entrada e saída que não estão descritos com grande
precisão. Eu julgo que há margem para se poder inferir que havia a
possibilidade de haver entradas ou saídas relacionadas com compras e
vendas de armas e que não eram apresentadas como tal, eram apresentadas
de uma forma um pouco dissimulada ou pouco clara.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu penso
que é possível tirar essa conclusão. É possível porque temos ali uma
referência em alguns casos e, depois, pode estar dissimulado ou até as
referências que lá estão não permitirem identificar o que aconteceu.
Portanto, não está desviada essa hipótese, penso eu.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Essa e qualquer outra
hipótese. Isso agora é especular, mas tudo é possível.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à 2.ª ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Srs. Inspetores, na extinção do
Fundo fala-se na elaboração de planos de emprego. Encontraram algum
plano de emprego, elaborado, proposto e aprovado? Ou seja, o decreto-lei
que, supostamente, extingue o Fundo diz que ele passa a ser gerido pelo
Conselho Administrativo do CEMGFA, aprovado pelo CEMGFA e que os
saldos transitam de ano para ano, e, portanto, dá para perdurar, e que todos
os anos tem de ser elaborado um plano de emprego das verbas do Fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — O nosso trabalho
terminou com a transferência das verbas para o Estado-Maior. E, portanto,
a partir daí não seguimos o rasto desse dinheiro. Terminou com a
transferência. Ou seja, o Fundo acabou, as verbas foram transferidas para o
Estado-Maior-General das Forças Armadas e, a partir daí, nós não sabemos
o que aconteceu a esse Fundo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vamos ter de ser nós a saber…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … exatamente para onde é que o
Fundo foi e se as contas foram extintas e devidamente liquidadas e
integradas na Conta Geral do Estado. Digo isto, referindo-me ao anexo 154
do relatório do CEMGFA.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Isso é com a minha
colega.
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O Sr. Presidente: — Então, fazemos um compasso de espera para
que a Sr.ª Dr.ª possa encontrar a resposta.
Pausa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Esta é uma informação proposta pelo
Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Informação n.º 158/AF/81.
É, portanto, de 1981, e é mesmo porque, em 22 de julho de 81, é posto um
despacho nesta informação proposta (e estamos a falar de depois da
extinção do Fundo e de o saldo final ser integrado no fundo privativo do
Conselho Administrativo do CEMGFA): «Inclua-se no Plano de Emprego
uma comparticipação da ordem dos 50%. O Plano de Emprego deve ser
elaborado desde já.», a assinatura não é legível.
Portanto, o Fundo está extinto, o saldo foi integrado, mas há uma
informação a dizer «elabore-se um plano de emprego» e há um despacho
que refere o seguinte: «Um eventual reforço à comparticipação já
concedida ao Exército poderá, se assim for entendido superiormente, vir a
ser incluído num próximo plano de emprego das disponibilidades do
FDMU a aprovar pelo General CEMGFA, nos termos do disposto (…)», a
data é de 20 de julho de 81. Isto prova que o Fundo continuou.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós não
analisámos! Eu não analisei!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quero apenas acrescentar que o
anexo 155 é um documento que dá cumprimento ao despacho de 22 de
julho do General CEMGFA exarado na informação que citei. Portanto, o
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General CEMGFA autorizou, o Fundo estava extinto, estava liquidado, mas
o Fundo estava a ser movimentado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós não
analisámos para a frente, como já disse o meu colega.
Pusemos aí o documento por uma razão qualquer, ele deve estar
referido nos anexos, mas as nossas análises terminaram ali, porque isto é
posterior ao atentado. Quer dizer, isto é 81!
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Na peritagem que
fizemos foi assim, esse foi o ponto.
Portanto, a partir do momento em que o Fundo passou para o Estado-
Maior acabaram as nossas diligências.
Depois, sobre o trabalho subsequente, realizado pela minha colega
com o outro colega, não me pronuncio.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas foi a
mesma coisa. Foi o mesmo período que foi tomado, e como isto é
posterior… Não sei por que é que o colocamos aqui…! Parámos aqui, onde
está o primeiro relatório, e toda a informação… Isto deveria estar nas
pastas que foram analisadas, pareceu-nos relevante e foi posto, mas não…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ainda bem que o colocaram!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia
Bettencourt.
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A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sr. Presidente, Srs.
Inspetores, no seguimento do Sr. Dr. Luís Filipe Rocha, sobre o diretor
nacional de armamento, gostava que nos esclarecessem se ouviram este
diretor nacional de armamento.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Eu agora
já não posso precisar se há aqui alguém… Eu penso que não há ninguém
que tenha sido ouvido e que tenha tido essas funções. Portanto, para ser
exatamente precisa, tinha de ler todos os autos de declarações que estão
aqui. Mas eu penso que não! Se não ouvimos é porque não conseguimos
identificar a pessoa, porque, em alguns casos…
Em relação a este período, não era fácil! Como é que estas pessoas
foram identificadas? Foi na pesquisa das pastas, ou estavam nas pastas ou,
em alguns casos, eu perguntava ao… Havia o Dr. Castelo Branco que me
estava a dar apoio, a fornecer os elementos, e ele ou tinha ou não tinha a
informação. Portanto, se não a tinha, eu não tinha como saber quem era o
diretor nacional de armamento.
Agora, como há aqui pessoas que referem o diretor nacional de
armamento, provavelmente, essas pessoas poderão dizer: «olha, o diretor
nacional de armamento nessa altura era…» ou, então: «Não, já não me
lembro». Pronto, eu, isto já não fiz, porque a fase dos autos já foi posterior,
e há algumas pessoas que ficaram por ouvir. Não sei se na lista que
pusemos aqui de pessoas que faltam ouvir está lá o diretor nacional de
armamento, ou não.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está lá um
diretor nacional, foi o que consegui. Provavelmente, ou não cheguei lá ou
já não houve tempo para ouvir, já não posso precisar.
Se não ouvi foi porque ou não sabia quem era, não tive hipótese, ou
foi uma daquelas pessoas que não chegaram a ser ouvidas.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Este processo e estas duas
audições, de alguma forma, são surpreendentes. Uma das coisas que é
sempre dita, quando se fala das instituições militares, é que são
organizadas, do ponto de vista dos seus documentos, mas estas audições
têm demonstrado que, de alguma forma, ou, pelo menos, na questão do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar, não terá sido assim tão rigorosa essa
organização.
No dia 29 de novembro de 2010, o General Ramalho Eanes dá uma
entrevista ao Diário de Notícias, se não estou em erro, onde refere:
«Natural é que despesas, pela sua natureza especial, estejam contabilizadas
em contas especiais do FDMU e que os seus comprovativos estejam num
arquivo especial. Há que procurá-las, aí, porque sempre as Forças Armadas
documentaram as suas despesas, no caso-limite de não haver possibilidade
de recibo formal, com declaração de despesa».
Pergunto, uma vez que estiveram com acesso ao Fundo,
independentemente de a elas não terem tido acesso, se encontraram pastas
com esta documentação eventualmente especial que pudesse existir do
Fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Quer dizer, a informação
que nos foi disponibilizada… Nós pedimos toda a informação relacionada
com o Fundo e as pastas que nos foram disponibilizadas foram aquelas que
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analisámos. Desconheço se existem ou não outras pastas com
documentação especial. A informação do Fundo estava guardada, estava
arquivada no Forte de São Julião da Barra. Pedimos toda a informação
relacionada com o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e, portanto, as
pastas que nos foram disponibilizadas nós analisámos. Agora, desconheço
se existiam, eventualmente até guardadas noutro local ou mesmo lá, outras
pastas com informação especial. Não faço a mínima ideia.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem a palavra para formular a
última pergunta.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Peço desculpa, mas para
uma última pergunta vou tentar resumir.
Os Srs. Inspetores importam-se de nos dizer então em que
circunstâncias e como tiveram acesso ao Fundo? Viram-no na sua
totalidade, uma vez que temos registos de que o Fundo tem documentação,
são 205 páginas, até 1986? O que eu gostaria de aferir neste momento é:
em que circunstância e como tiveram de facto acesso? Gostaria de saber se
vos chegaram as pastas, se estiveram no local a ver todo o acervo do
Fundo…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Deslocámo-nos com um
elemento do Estado-Maior-General das Forças Armadas ao Forte de São
Julião e lá disseram-nos: «as pastas do Fundo estão aqui!». Era uma sala
enorme com n estantes e todas cheias de documentação. Perante aquele
conjunto de documentação, perguntámos se havia algum registo do
conteúdo de cada pasta, ao que nos responderam que, informaticamente,
tinham uma pequena menção ao conteúdo dessas pastas e foi através dessa
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descrição que fizemos a triagem. Foi a partir daí que fizemos a triagem, que
selecionámos todas as pastas em que havia uma referência ao Fundo e
também delimitadas no tempo, desde 1973 até 1980, ou seja, até à extinção.
A partir da extinção não analisámos nada, até porque, depois, tivemos o
relatório do ano de 80, em que é feita a apresentação das contas do Fundo e
a transferência para o Estado-Maior-General das Forças Armadas, em
1981, e, portanto, a nossa tarefa terminou aqui.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Vou voltar à questão do
Fundo, mas, depois, para conversarmos sobre o exercício de 80, pedia que
tivessem convosco, para não nos perdemos nos papéis quando entrarmos
nisso (Sr. Presidente, peço que este tempo me seja descontado), as págs. 66
e seguintes do relatório, que têm a ver com a síntese do ano de 80, as fls.
106 a 110, que têm a discriminação dos movimentos, e, depois, 229 a 238,
que têm o relatório financeiro.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço só 30 segundos para os Srs.
Inspetores verificarem.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Primeiro ia falar numa
outra questão…
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Pausa.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já
encontrei.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas, antes de ir às
contas, vou voltar ao problema jurídico, que é a questão de se saber se o
Fundo foi ou não extinto, para ver se percebemos.
O Sr. Inspetor diz agora que, na interpretação do decreto-lei, o Fundo
passou para o CEMGFA. Mas o Fundo já estava sob a autoridade do
CEMGFA desde 1974.
Quer dizer, o Decreto-Lei n.º 400/74, de 29 de agosto, a seguir ao 25
de Abril, que define as novas competências do CEMGFA a seguir à
revolução e que lhe dá autoridade de Primeiro-Ministro, nomeadamente
para definir por portaria a sua orgânica, também no artigo 17.º transfere
para a autoridade do CEMGFA organismos dependentes do Ministério da
Defesa Nacional. Isto foi interpretado no sentido de que este Fundo,
nomeadamente, passava para a autoridade do CEMGFA, e é isto, creio eu,
que justifica que nos anos seguintes seja sempre nessa esfera que funciona.
O que o decreto-lei de 1980 vem fazer, no fundo, é a transferência do
saldo, mas no seu dispositivo, ainda que essa intenção esteja, não é dito «é
extinto a partir do dia tal». Já percebi que foi interpretado no sentido de que
esse saldo seria transferido para uma conta privativa. Mas, enfim, o Sr.
Deputado Miguel Santos acaba de chamar a atenção para o facto de haver
notas oficiais posteriores a essa data que continuam a mencionar essas
existências, essas disponibilidades, como sendo do Fundo.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Quando foi extinto o
Fundo, como referi há bocado, as verbas foram transferidas para o Estado-
Maior, para uma conta a constituir para o efeito e cuja movimentação só
poderia ser feita exclusivamente através de indicações à medida tal. Dever-
se-ia iniciar com urgência diligências necessárias à elaboração do
orçamento privativo preconizado no 548/80, ou seja, considerando como
saldo inicial as importância dos 510 milhões. Ora, daqui parece resultar que
o decreto-lei veio dar cobertura a esta transferência e, de qualquer modo,
essas verbas continuavam no «saco azul».
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Quer dizer, era um fundo
que não se chamava «fundo».
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Era um fundo que deixou
de se chamar «fundo»!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Quer dizer, o Fundo já
era uma conta privativa do Estado-Maior-General das Forças Armadas
desde o decreto de agosto de 1974.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, porque essas
verbas… O Fundo já era gerido pelo Estado-Maior-General das Forças
Armadas e depois pela CRECUL, que era aquela comissão de… Aliás, as
próprias contas estavam em nome do Estado-Maior-General das Forças
Armadas. Portanto, eram eles que faziam a gestão e que continuaram a
fazer, posteriormente, não a título do Fundo de Defesa Militar do Ultramar
mas a título da aplicação de utilização das verbas que foram recebidas
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desse Fundo. Ou seja, acabava por ser um fundo privativo. Era dentro do
Estado-Maior que se fazia essa gestão.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Entrando agora nos
movimentos de 1980, não encontro nada particularmente suspeito, mas
gostava de conferir convosco, uma vez que há coisas que eu não…
Portanto, todos os movimentos são os que estão discriminados nas
fls. 106 e seguintes?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, 106 e
seguintes.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Comparando com o
relatório financeiro, fls. 230, por exemplo, há juros de depósitos a prazo
que estão a fls. 106 e que correspondem logo à primeira linha a débito;
depois há outras receitas entradas na conta do UBP (União de Bancos
Portugueses), que era o antigo Banco de Angola, num total de 47 000
contos, que está na terceira linha da fls. 230, suponho que seja isto; há os
tais 15 000 contos, cujas saídas estão discriminadas, na fls. 107; só há um
destino desconhecido que é o de 41 contos, que estão, salvo erro, também
nesta linha a «2.3 A Crédito» no UBP, «— Por liquidações efectuadas face
a compromissos assumidos».
Portanto, a única coisa que poderia ter a ver com eventual
armamento seria «Encargos referentes à montagem da linha de fabrico de
granadas foguete — FMBP», que está incluído no movimento do Centro
Financeiro do Exército. É isto?
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — E que também está aqui
relevado no relatório financeiro no movimento «Centro Financeiro do
Exército — Por transferências e ordens de pagamento processadas», 28 569
contos. É assim?
Estou a fazer a correspondência com o relatório financeiro.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: — Srs. Inspetores, peço-vos que deem a
explicação a toda a Comissão.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Eu estava a analisar os
movimentos de 1980 e estava a procurar estabelecer as correspondências
entre a síntese inicial, que consta do relatório, com a discriminação dos
diferentes movimentos de entrada e saída, que estão nas fls. 107 a 111, e
depois o relatório financeiro em execução do tal decreto-lei, que já aqui
vimos, de novembro de 1980, para estabelecer essas correspondências. Há
aqui pequenas coisas que não encontro. Por exemplo, há aqui, no relatório
financeiro, a crédito, uma transferência de 2000 escudos do Banco
Nacional Ultramarino, mas não me parece que seja muito relevante,
encontrar-se-ia aqui, mas não é uma questão…
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sr. Deputado, o relatório
apresenta um conjunto de contas e nós analisámos cada uma delas,
independentemente da relevância das verbas em questão. Ou seja, por
exemplo, a conta do Banco Nacional Ultramarino apresentava já há alguns
anos este saldo, 2000, e foi saldada com a transferência dessa verba para a
conta-mãe do Fundo. Esta foi a constatação que fizemos. Em relação aos
movimentos desse ano, constatámos esta situação, é evidente que é uma
verba irrisória. De qualquer modo, não poderíamos deixar de a considerar.
Nós analisámos quer as verbas pequenas, quer as verbas elevadas e,
portanto, tivemos a analisar cada uma das contas que constituía o Fundo,
que relevavam para a determinação do seu saldo. E há contas com verbas
elevadas e há outras com verbas irrisórias, realmente.
Por exemplo, aparecem aqui contas com a Caixa Geral de Depósitos
que respeitavam à amortização do empréstimo, que tinha só um
movimento, e realmente aparece lá relevada e aparece depois na conta do
Banco realmente esse registo. Portanto, nós analisámos cada uma das
subcontas.
Agora, penso que o que interessa fundamentalmente, nas contas do
Fundo, nas contas mais importantes, são as disponibilidades. Ou seja, por aí
é que vemos os fluxos financeiros, as entradas e as saídas, das contas do
Banco de Angola, e, depois, da União de Bancos Portugueses, e das contas
do Centro Financeiro do Exército/Agência Militar, que era uma espécie de
um banco, onde havia verbas… Ele recebia verbas das outras entidades,
como, por exemplo, da conta do Exército, do Estado-Maior, das províncias,
etc., Havia uma conta-corrente entre elas, que não correspondia
necessariamente a movimentos financeiros. Essas contas não
correspondiam necessariamente a movimentos financeiros, o que muitas
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vezes havia eram compromissos já assumidos. E, portanto, o Fundo ficava
devedor em relação a essa conta e, depois, só quando prestavam contas, é
que se fazia o encontro de contas.
Imaginemos que no plano estava prevista uma despesa, um
compromisso de 1 milhão, mas, depois, esse compromisso não se efetivava.
Ao não ser apresentada a correspondente despesa essa verba era
descativada, acabava por ter de ser saldada, acabava por ser anulada. Por
isso é que aparecem muitos movimentos ao nível destas subcontas que não
correspondem efetivamente a entradas e saídas de dinheiros, mas eram
compromissos que existiam e que, depois, como não foram prestadas
contas, acabavam por… Havia um saldo que tinha de ser resposto, e,
portanto, é um movimento meramente contabilístico. Já as contas do
Centro Financeiro/Agência Militar e do Banco de Angola são diferentes,
porque, realmente, são mesmo entradas e saídas de fundos. Ou seja, são
transferências para estas entidades, ou para bancos, ou para… Estão,
portanto, relacionadas com as outras subcontas, ou transferências para, por
exemplo, outros bancos.
Não sei se fui…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O que,
basicamente, o colega está a dizer é que as contas que aparecem no passivo,
ou seja, os credores do Fundo, de duas, uma: ou lhes era pagas
determinadas verbas, porque aquela despesa justificava-se e, então, o
dinheiro haveria de sair daquelas contas de meios monetários; ou, então,
por uma qualquer razão, a despesa não acontecia e, se não acontecia, aquela
conta era anulada, e isto para efeitos de meios monetários é irrelevante.
Não sei se fui mais clara ou se baralhei mais.
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Basicamente, concentramo-nos principalmente no dinheiro, nos
meios monetários, se foi pago, se saiu… Agora, se saiu bem ou se saiu mal,
isso depois…!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado, para uma última
pergunta.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Agora, no ano que
consideram ser o último ano do Fundo, resta saber se de facto foi extinto ou
não, gostaria de saber qual era a situação final. Isto refere-se a fls. 231 dos
anexos do relatório financeiro.
As disponibilidades do Fundo eram 510 000 contos; as existências
efetivas eram 457 000 contos, que estavam no UBP, havendo um crédito
sobre o Centro Financeiro do Exército de 189 contos, e diz-se a seguir que
estão dois processos por regularizar. Havia um crédito importante sobre a
Região Militar de Moçambique de 48 000 contos, relativamente ao qual
também se diz que está por regularizar; e o tal empréstimo sobre as
Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento de 60 000 contos, de que
também se dá nota de que o CEMGFA teria ordenado o reembolso no
prazo de 90 dias. Não sabemos se foi feito, ou não, mas esta é a situação no
fecho do ano. Mas, simultaneamente, também há dívidas: 12 000 contos
para com a Guiné; 42 000 contos ao EMGFA; e 1500 contos ao Exército. É
assim?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim, sim.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Têm uma ideia, aos
valores de hoje, de quanto seria meio milhão de contos da altura?
Diretamente, seriam 2,5 milhões de euros…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Mais ou menos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas, fazendo uma
atualização, que não é apenas a conversão em euros, estamos a falar de
quê? Quais são os fatores, da vossa experiência, para termos uma ideia
destas existências no fecho do Fundo?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não sei se será assim
relevante.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Vinte vezes, 30 vezes,
25…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não sei…!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É impossível fazer…
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à 3.ª ronda.
Encontram-se inscritos os Srs. Deputados Miguel Santos, Ana Sofia
Bettencourt e Ribeiro e Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sobre as várias contas, as legais —
vou chamar «legais», pois estão relevadas contabilisticamente, se bem que
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não integram o Orçamento do Estado, nem a Conta Geral do Estado, e vou
chamar «ilegais» porque, de facto, não têm qualquer tipo de formalidade,
nem nenhum controlo num Estado de direito democrático —, há
diversíssimas transferências e movimentos, eles estão todos aqui.
No ano de 1974, por exemplo, quase todos eles titulados por cheques
do Gabinete do CEMGFA. Está aqui: 66 milhões — cheque n.º tal,
Gabinete CEMGFA; 38 milhões — cheque tal, Gabinete CEMGFA; 50
milhões — Gabinete CEMGFA. Isto em 1974.
Depois, tem-se aqui 16 milhões — transferido de D/P, com uma nota
dos senhores, «depósito a prazo não identificado».
Em 1975, continuamos com mais cheques do Gabinete CEMGFA de
muitos milhões. Isto são entradas.
Agora, em 1975, saídas de dinheiro não documentadas tenho aqui,
numa leitura assim por alto, uns 20 cheques de CA/EMGFA, totalizando 8
milhões.
Em 1976, continuam as saídas também com cheques CA/EMGFA,
talvez uns 15.
Em 1977, saídas também, tudo titulado desta forma. E isto continua
por aqui fora.
De qualquer das formas, no relatório do CEMGFA, o que é que eu
encontro? Encontro estas tabelas, que os Srs. Inspetores elaboraram muito
bem, de fácil leitura, em que se consegue perscrutar o Fundo desde 1 de
janeiro de 1974 até 31 de dezembro de 1980, e cada uma, ano a ano, com
reporte inicial de 1 de janeiro e reporte final de 31 de dezembro. E, então,
chegámos finalmente ao balanço do FDMU, em 31 de dezembro de 1980,
com 566 milhões, para arredondar. Está aqui: Total do ativo — 566
milhões; Balanço do FDMU em 31 de dezembro de 1980.
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Depois, em 1981, há os tais dois cheques que são passados aos
Conselho Administrativo do CEMGFA e há recibos do Conselho
Administrativo do CEMGFA a dizer que recebeu os cheques, e aparece
aqui, a páginas tantas, no relatório, que muito bem elaboraram, uma parte
que diz: «Medidas adoptadas na sequência da extinção do Fundo». A tal
extinção do Fundo, que não foi extinto. Aliás, vimos naquele documento há
bocado que se continuou a gastar dinheiro do Fundo já depois disto.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, foi para um fundo com outro
nome.
Diz-se: «O Estado-Maior General das Forças Armadas, (…) elaborou
uma informação (… de 9 de Fevereiro de 1981), em que propõe a adopção
de um conjunto de medidas com vista a dar execução ao disposto no
Decreto-Lei (…), que extinguiu o FDMU.
Essa informação obteve, em 11 de Fevereiro de 1981, o despacho de
concordância de Sua Excelência o CEMGFA e Presidente da República, o
senhor General Ramalho Eanes (…).
A mesma informação refere (…):», e os senhores aqui transcrevem a
informação, «(…) ‘Deveria então ser imediatamente transferido com
destino ao CA/EMGFA o montante de …’», 551 milhões, que não bate
certo. Portanto, a informação é de 9 de fevereiro de 81; os senhores
apuram, a 31 de dezembro de 80, 566 milhões e a 9 de fevereiro de 81 já
faltam 16 milhões.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — (Por não
ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Deixe-me terminar.
Depois, há uma coisa inaudita na informação, que termina da
seguinte forma, citada pelos senhores: «(…) ‘Que o CA/EMGFA deveria
iniciar, com a urgência requerida, as diligências necessárias à elaboração
do orçamento privativo preconizado no Decreto-Lei (…)» da extinção
«(…) considerando como saldo inicial a importância de (…)’» 510
milhões. Ou seja, o decreto-lei extingue; o dinheiro é transferido; é feita
uma informação; o Sr. Presidente da República e o CEMGFA despacham e
a informação; a parte final propõe que se elabore urgentemente um plano
de emprego, que ninguém conhece, nem ninguém sabe, para dar destino
aos 510 milhões.
É tudo por agora.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sobre
essas diferenças, agora sem conseguir precisar, penso que o saldo apurado
são os 551. Isto está aqui nas contabilizações, fls. 113, são os 551. Mas,
depois, havia despesas, as tais despesas. Ou seja, deste valor havia uma
parte que já estava consignada a determinadas despesas e, então, essa parte
foi retirada para o pagamento dessas despesas. Eu acho que isso é capaz…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, essa
informação não diz… O nosso relatório é que fala. Estou a responder à
questão de o saldo final ser de 551 e, depois, ser reduzido, é isto?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — 566 era em
31 de dezembro, mas, depois, aconteceram mais coisas em 81.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — De 31 de dezembro de 80 a 9 de
fevereiro de 81 já faltam 15 milhões.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Houve
aqui essas situações e passámos aos 551.
Portanto, as situações que alteraram o saldo estão espelhadas a fls.
113 e 114. Ou seja, nós temos aqui, nestas folhinhas, o saldo final devedor
de 551, fls. 115. Temos aqui o que aconteceu. Temos a abertura, apurámos
os 551, até aqui está ok, e, agora, a dúvida é…?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Faltam 16 milhões, arredondados.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Faltam 15
milhões porquê? Este valor reduz-se…
Neste momento, o Sr. Deputado do PSD Miguel Santos exibe uma
folha com um quadro.
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O quadro que o Sr. Deputado está a mostrar é de 31 de dezembro,
mas, depois, em 81, acontecem mais coisas que trazem o saldo para 551.
Essas coisas estão espelhadas a fls. 113 e 114, ou seja, nos «Tzinhos». E
tem aqui pagamentos, fls. 115, 116…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato. É
isto, fls. 113, 115…
Por exemplo: «Encargos com o estudo conceptual de facilidades
habitacionais», estou a ler na fls. 115, «Encargos respeitantes à construção
de gimnodesportivo — Escola Prática de Infantaria», «Final dos encargos
(…)». Está aqui 1 127 626$, na fls. 115, «Final dos encargos referentes à
montagem da linha de fabrico de granadas foguete — FMBP»…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Peço desculpa, estou a ver na fls.
115, «Total (1) + (2)», 6 milhões…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Dá 6 milhões de saldo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O total da despesa paga em 1981,
antes e depois do encerramento das contas do Fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Continuam a faltar 10 milhões.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, mas
há de haver aqui mais coisas…
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Sr. Deputado, peço
desculpa, mas os 566 milhões onde é que está essa…
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estou a permitir este diálogo,
porque é importante esclarecer-se cabalmente e com transparência onde
estão os 15 milhões e o que se passa entre os saldos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Havia uma
despesa que estava consignada e que, entretanto, se deduz, mas só lendo o
relatório…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Eu digo isto, porque entre esse saldo
que os senhores apuram a 31 de dezembro de 80 e a informação que é
elaborada e que é proposta ao Sr. CEMGFA General Ramalho Eanes,
Presidente da República, e que ele despacha,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — São os
555!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … são os 551 milhões. No espaço de
1 mês e 9 dias, passa de 566 para 551 e, depois, tem esta coisa inédita, que
é o parágrafo final, a propor ao Sr. General que, desde já… Portanto,
extinto o Fundo; transferida a verba; acabada a brincadeira do Fundo; no
final, o último parágrafo propõe, desde já e com urgência, que comece já a
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elaborar um orçamento privativo, que considera como saldo inicial a
importância de 510 milhões.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso está
também explicado no relatório…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Se calhar, isso explica por que é que
no arquivo de Defesa Nacional vem referido que o Fundo de Defesa Militar
do Ultramar está temporalmente identificado de 1949 a 1986.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, para podermos verificar esta
situação…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso está
explicado, ainda há pouco vi isso…
Pausa.
Está aqui, neste período, até fevereiro: «Os saldos iniciais (…),
enquanto que os saldos finais constam no Balanço elaborado com data de 9
de Fevereiro de 1981 (…)». Não sei é se…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está aqui.
Está aqui, a seguir, um outro balanço, que é o de 9 de… que, depois, foi
elaborado através de…
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Claro!
Esse balanço foi o resultado destes movimentos, que estão aqui nas
fls. 113 e 114. Foram os movimentos que aconteceram…
Os saldos finais hão de aparecer em janeiro. Os saldos finais de 31 de
dezembro é o primeiro balanço à data de 1 de janeiro…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Certo.
Sim, sim! Temos aqui a justificação dos movimentos. E ainda há outra
coisa a seguir, mas já não é esse valor…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O anexo 115 também diz que o total
da despesa paga em 81, antes e depois do encerramento das contas, foram
6,5 milhões, não são…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — 6 milhões
506… A despesa, sim, mas há aqui outras situações que terão…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Continua a faltar 10 milhões…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está aqui
explicado, a fls. 113 e seguintes, o que originou a transformação desse
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saldo. Ainda há de haver uma pequena diferença, que eram umas verbas
consignadas, e se houver alguma dúvida também deve estar aqui espelhada,
mas eu sei que havia umas despesas… Este valor depois ainda é alterado
para um menor, acho que o Sr. Deputado já leu aí, menor ainda do que
esse, e tem a ver com as verbas que estavam consignadas para
determinados fins e que, imediatamente, o dinheiro já não fez parte desse
Fundo. Ou seja, foi entregue ao Exército (agora estou a falar de cor)…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foi
entregue, mas acho que isso também dá para aqui, porque é a situação das
verbas consignadas. Ou seja, o Fundo já se tinha comprometido com, penso
que era o Exército, determinados valores, dentro desses 10 milhões, e,
depois, quando foi fazer a entrega do saldo final, já foi este valor menos as
verbas que, entretanto, foram entregues ao Exército e tal, porque já estava
consignada para determinados fins — eu não sei que fins eram, podia ser
um Forte, podia ser não sei o quê, já não me lembro. Mas acho que foi isso.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Srs. Inspetores.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Sofia Bettencourt.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Peço desculpa por retomar
o que estava falar na minha última intervenção, e que se prende com o
Fundo e com o fecho.
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O Sr. Inspetor, há bocado, em resposta ao Sr. Deputado Ribeiro e
Castro, ao que suponho, disse que o fundo privativo era uma coisa que
existia.
O que quero saber é se existe e se a existência de fundos privativos à
época era do conhecimento do Estado. Gostaria de saber se VV. Ex.as
sabem disso, porque aquilo que está no relatório é que este fundo privativo
foi constituído ao abrigo do Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro.
Portanto, o mesmo decreto que extingue o Fundo não o extingue e cria este
fundo privativo. É isto e não uma preexistência de um fundo.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Eu penso que é por força
do decreto-lei que foi criado esse fundo. Ou seja, é um diploma legal a criar
esse fundo. Se realmente o decreto-lei, agora não tenho aqui presente…
mas tudo indica que aponta nesse sentido.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Do meu ponto de vista e da
minha leitura, tudo indica que ele não cria um fundo, redefine um fundo,
mas esta é a nossa interpretação.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Redefine um fundo, mas
com uma vida muito mais limitada, porque o que alimenta esse fundo é
apenas o saldo que veio do fundo anterior.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Sim, mas que não entra nas
contas do Estado.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — É evidente que não entra
nas contas do Estado, mas isso aí, o legislador ao permitir isso está a dar
cobertura legal à sua existência.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Relativamente aos saldos
apurados e às contas, os senhores, no relatório, fazem referência a términus
efetivos de duas contas. Relativamente às outras, conseguiram apurar os
términus das respetivas contas?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não sei
quais são as contas que estão em causa. Estamos a falar de 1981…
Em 81, foi a Região Militar de Moçambique que foi… O Centro
Financeiro do Exército acabou, foi transferido para o União de Bancos
Portugueses. O dinheiro que lá estava, que eram 189 432 foi transferido
para a conta-mãe. Portanto, a Região Militar de Moçambique, que era
devedora do Fundo…
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — Deixe-me só clarificar a
pergunta, porque acho que não foi bem percecionada.
Depois dessa questão das transferências há, em dois casos
específicos, a informação clara de que a conta foi extinta, noutros casos não
existe.
Pergunto: há a confirmação de que todas as contas relativamente ao
Fundo, independentemente da transferência para outra, as contas de onde
vinham os recursos, foram extintas?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Em relação a isso, nós
não temos informação. Não sabemos! O que sabemos é em relação à conta
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do Centro Financeiro do Exército/Agência Militar, cujo saldo foi
transferido para a conta do União de Bancos Portugueses. Em relação às
outras contas que detetámos, que apurámos haver movimentos relacionados
com a conta-mãe, não temos informação sobre a sua extinção, ou não.
Penso que há uma que também foi saldada, mas tinha uma verba
muito pequena.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O Centro
Financeiro foi… Agora, a Região Militar de Moçambique tinha aqui um
saldo, que, em princípio, era dinheiro, de 48 milhões de escudos que era
para ser transferido para o UBP e que não foi transferido.
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — A Sr.ª Deputada está a
referir-se às contas que estavam em nome do Estado-Maior e do Fundo de
Defesa Militar do Ultramar e que não estão…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Ah! Essas
não sabemos!
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Em relação a essas
contas, não sabemos, não fazemos a mínima ideia.
A Sr.ª Ana Sofia Bettencourt (PSD): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Não, em relação a essas
contas, nós não sabemos!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas essas
são as que estavam à margem do Fundo. É isso?
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Dessas que estavam à
margem do Fundo não sabemos o que foi feito, nem os saldos que elas
tinham.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Dessas não
sabemos a história!
O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Dessas nós não temos a
história!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — A única
coisa que sabemos é que naquela altura foram transferidos valores delas
para esta e que havia desvio de valores, movimentos, no bocadinho que
encontrámos e que está aqui anexo. Agora, o que lhes aconteceu…! Mas
essas estavam fora…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Miguel Santos, tem a palavra por
30 segundos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — De facto, o Fundo, legalmente, não
foi extinto e, como se comprova, continuou a operar e a pagar despesas, a
ser movimentado. Isto porque se o Fundo foi extinto (isto é só um
comentário) não foi em 80, com aquela peça muito esquisita do Conselho
da Revolução. Se foi extinto foi pela Lei n.º 64/77, que é a lei de
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enquadramento orçamental, que proíbe a existência de fundos secretos. E
isto era, para todos os efeitos, um fundo secreto, parte dele pelo menos.
E, inclusive, diz que verbas excecionais só por razões de segurança
nacional e tem de ser sob uma proposta do governo à Assembleia da
República. Portanto, se houve alguma extinção legal foi aqui que
aconteceu.
De qualquer das formas, os Srs. Inspetores, na parte final, tiveram o
cuidado, e muito bem, de, inclusive, deixar um conjunto de sugestões de
perguntas que devem ser colocadas a algumas pessoas, porque não tiveram
a capacidade, por dificuldades temporais, de terminar a auditoria, conforme
pretendiam. A isto junta-se esta informação, que descobrimos na Internet,
do arquivo de Defesa Nacional, que declara, está escrito, a existência de
205 caixas, que não sabemos se correspondem às 88 pastas que os senhores
analisaram, podem ser mais, podem ser menos, mas há um pormenor,
refere esta informação, que é pública, que existe uma parte da informação
que está sob segurança classificada, e a esta, com certeza, os senhores não
devem ter tido acesso.
De qualquer modo, ontem disse-o e volto a referi-lo, pelas auditorias,
o vosso trabalho é sério e honesto e, novamente, agradeço o trabalho que
desenvolveram e a vossa disponibilidade para, tanto ontem como hoje,
estarem aqui connosco.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Vou colocar uma pequena questão, só para ficar descansado.
Sucintamente, depois de terem analisado e auditado a contabilidade deste
Fundo, acharam que era transparente, que a contabilidade era clara, que
estava bem organizada? Gostaria que fizessem uma pequena análise, em 30
segundos, sobre a forma como estava organizada a contabilidade, se era
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transparente, se era clara, etc., dentro dos parâmetros que também
analisam. Não vou perguntar se tiveram dificuldades, porque isso já está
esclarecido.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não estava
organizada por partidas sobradas, tive de reconstituir… Digamos que isto
não foi uma auditoria, foi uma reconstituição das contas e, depois, uma
auditoria.
O que fazemos numa auditoria é: as continhas estão lá feitas; vamos
ver os documentos; questionamos as pessoas sobre o que está lá. Aqui,
tivemos de reconstituir as contas através dos elementos existentes, tentar
perceber os movimentos, sem ter, depois, ninguém a quem perguntar o que
é que aquilo significava.
Portanto, não fizemos só auditoria, reconstituímos as contas a partir
dos elementos existentes, para ver o encadeamento, para ver o que se
passou ali, para conseguirmos perceber os movimentos financeiros, para
percebermos se realmente o que ali estava tinha aderência à realidade, ao
que foi constatado por nós, e, realmente, na conta principal, tivemos acesso
ao extrato bancário. Já no que respeita ao Centro Financeiro do Exército é o
que estava nos registos.
Mas, no caso da conta principal do Fundo, houve uma confrontação
com o extrato bancário. Claro que nas outras é o que se sabe. Mas este
extrato bancário estava lá. Portanto, aquilo é fidedigno, está conforme o
banco.
Houve, realmente, uma reconstituição antes da auditoria
propriamente dita, para se perceber os documentos, porque senão seria
folhear papéis e ficava-se sem uma ideia do todo.
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O Sr. Dr. Belmiro Augusto de Morais: — Posso completar dizendo
que é evidente que o trabalho que fizemos foi o de tentar pegar a ponta do
fio e depois seguir o fio, mas o fio quebrava-se logo. Em condições
normais isto não deveria acontecer.
Deveríamos ter documentos transparentes sobre a origem dos fundos
e, depois, a aplicação dos fundos, coisa que não acontecia aqui. Quer dizer,
havia alguns aspetos que conseguíamos minimamente perceber, mas havia
verbas muito significativas que realmente não sabíamos de onde vinham,
de que contas é que vinham, nem para onde iam. Isto é evidente.
Quer dizer, contas nestas condições, em termos de fiabilidade,
deixam muito a desejar.
O Sr. Presidente: — Srs. Inspetores, acho que foi uma boa reunião,
ajudaram-nos muito, foram esclarecedores e quero, mais uma vez, em meu
nome e no nome de todos os Srs. Deputados da Comissão e dos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas, agradecer a forma explícita e o
esforço que têm feito para nos ajudar no esclarecimento destas situações.
Não sabemos se vos chamaremos novamente, mas penso que
demonstraram interesse em colaborar e em cá voltar para nos ajudarem
nesta matéria. Portanto, não posso deixar de agradecer, mais uma vez, o
esforço que fizeram e também o terem vindo fora das horas de trabalho,
para, aqui, connosco, trabalharem. Esta disponibilidade também conta e é
importante.
Srs. Deputado, como última informação, lembro que a nossa reunião
de amanhã será no final do Plenário e teremos de decidir sobre várias
matérias.
Está encerrada a reunião.
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Eram 21 horas e 12 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSAO PARLAMENTAR DE INQUERITO A TRA&EDIA DE
CAMARATE
j—-
A30 DEOUTUBRO DE2013
(4l. REUNIAO)
ORDEM DE TRABALHOS:
I. A bviçAo PARA APRESE’vTAçAO DO PONTO DE SITUAcAO SOBRE A AUDITOR/A
FINAL AO FtWDO DE IIEFESA MILITAI? DO (IL TRAMAR;
2. OUTROSASS1LVTOS
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2
SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 10
horas e 56 minutos.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale, coordenador da equipa de peritos
da Inspeção-Geral de Finanças para a auditoria ao Fundo de Defesa Militar
do Ultramar, deu conta da evolução dos trabalhos da auditoria e respondeu
aos Srs. Deputados Miguel Santos (PSD) e Isabel Oneto (PS).
A Comissão aprovou as audições da Sr.ª Isabel Mesquita, do Sr.
General Loureiro dos Santos, do Sr. Dr. Acácio Manuel Pereira Magro, do
Sr. Jornalista Joaquim Vieira, da Sr.ª Prof.ª Dr.ª Rosa Henriques de
Gouveia, do Sr. Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira, Sr. Dr. Joaquim Gonçalves,
dos Srs. Inspetores Paulo Bernardino e Paulo Franco e da Sr.ª Jornalista
Diana Andringa, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Isabel Oneto (PS)
e Miguel Santos (PSD) e o Sr. Representante dos Familiares das Vítimas
Luís Filipe Rocha.
Também mereceu aprovação um requerimento às autoridades
aeroportuárias do Aeroporto da Portela.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 11 horas e 55 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Srs. Deputados, declaro
aberta a reunião.
Eram 10 horas e 56 minutos.
Srs. Deputados, temos quórum de funcionamento, pelo que começo
por dar as boas-vindas ao Dr. Fernando Lobo do Vale, chefe da equipa de
inspetores da Inspeção-Geral de Finanças, à Dr.ª Conceição Rodrigues e à
Dr.ª Ana Filipa Gonçalves.
Já é a segunda vez que estão aqui connosco, porque ficou deliberado
em Comissão que faríamos pontos de situação intercalares em relação ao
trabalho desenvolvido, e é isto que pretendemos.
Pergunto ao Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale se pretende fazer um
pequeno ponto de situação, para, depois, os Srs. Deputados perguntarem o
que acharem por conveniente.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale (Coordenador da equipa de
peritos da Inspeção-Geral de Finanças para auditoria ao Fundo de Defesa
Militar do Ultramar): — Bom dia a todos os Srs. Deputados.
Começo por dizer que, no seguimento da anterior audição, a equipa
da Inspeção-Geral de Finanças continuou o seu trabalho e foi, posso
informar, inclusivamente, reforçada com mais um elemento, que não está
presente, com a vertente jurídica. Os colegas aqui presentes e eu próprio
somos da área de economia e gestão e, para poder responder a questões que
os Srs. Deputados solicitaram que averiguássemos, que analisássemos,
nomeadamente o parecer da Comissão Constitucional, foi adstrito à equipa
de trabalho um colega com formação jurídica.
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Os trabalhos da equipa têm prosseguido e podemos dividir os
trabalhos por itens.
Assim, foi-nos solicitado que analisássemos, auditássemos e, de
alguma forma, investigássemos itens relacionados com o FDMU (Fundo de
Defesa Militar do Ultramar), tais como a sua possível extinção, ou não, os
seus movimentos e até quando existiram após o seu findar, pelo menos com
o nome FDMU. Os nossos trabalhos prosseguiram e estão, pode dizer-se, já
numa fase quase final.
Agora, relativamente às questões que nos pedem para esclarecer
sobre a CREEFA (Comissão de Reequipamento Extraordinário do Exército
e das Forças Armadas), nomeadamente as suas ligações, e sobre a
exportação de armas, tudo isto envolve um trabalho, cujo universo de
documentação, neste momento, ainda nem sequer podemos dizer qual é.
Numa fase inicial, fizemos basicamente diligências nos arquivos do
Estado-Maior-General das Forças Armadas e, relativamente a alguns
movimentos do saldo do FDMU que transitou para os fundos privativos,
verificámos algumas indicações de alguns gastos a nível do Exército e da
Força Aérea. Fizemos um conjunto de diligências, tanto no Exército como
na Força Aérea, consultámos e analisámos arquivos que havia nesses dois
ramos das Forças Armadas e não obtivemos muitos elementos. No fundo,
obtivemos a continuação dos indícios dos documentos que tínhamos no
Estado-Maior-General das Forças Armadas e que se referiam a gastos
feitos nesses ramos. A documentação nos arquivos desses ramos, e temos
de ter em conta o prazo, que passou, desde essa data, é inexistente, não há
praticamente qualquer indicação nos ramos dessas movimentações de
dinheiros que partiram do Estado-Maior e que, teoricamente, teriam
entrado nos ramos. Portanto, não conseguimos detetar documentação que
justificasse essas despesas que estavam indicadas no Estado-Maior.
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Relativamente à CREEFA, e penso que os Srs. Deputados têm
presente o conjunto de questões que são colocadas, temos as questões 3, 4 e
6, a questão 5 tem a ver com o parecer da Comissão Constitucional, pedem
que nos pronunciemos, e as duas primeiras questões têm a ver com FDMU.
No que respeita às questões 3, 4 e 6, que se referem basicamente a
períodos a partir de 1974 até 1981 e que não são questões concretas, toda a
documentação que temos detetado é documentação solta, é documentação
que não está tratada e algumas contas têm sido obtidas apenas no arquivo
do Ministério da Defesa Nacional e Estado-Maior, situado em Paço
d’Arcos — penso que os Srs. Deputados conhecem. Neste arquivo existe
um inventário global da documentação, mas a ajuda que nos dá é muito
pequena, pois são centenas de pastas não tratadas e tem-se obtido um ou
outro documento de alguma forma relacionado, mais até com a CREEFA,
mas sem nos permitir dizer que chegámos a uma conclusão: há um
documento de um gasto, há um documento bancário, há um documento a
indicar quem podia movimentar as contas. Portanto, a situação,
basicamente, é esta.
Agora, nesta fase do nosso trabalho, além de tentarmos obter mais
informação nos arquivos, está previsto tentarmos obter algumas
informações diretas junto dos membros das Forças Armadas ou dos
membros civis que trabalhavam para as Forças Armadas e que estiveram
envolvidos nas comissões e, infelizmente, temos conhecimento de que
algumas das pessoas responsáveis já faleceram. De qualquer maneira, já
solicitámos ao Estado-Maior um conjunto de informações sobre um grupo
de pessoas que estiveram diretamente ligadas a movimentações de
documentos e de algumas contas, à movimentação bancária.
Adicionalmente, informo que também tentámos, junto da Caixa
Geral de Depósitos, obter extratos bancários de algumas contas. Neste
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momento, o que posso dizer é que a Caixa Geral de Depósitos informou-
nos que até 1981, basicamente, não tem documentação alguma e que
posteriormente a 1981 haverá alguma documentação. Já nos foi remetido
um documento, que recebemos há muito pouco tempo, pelo que ainda não
o pudemos analisar, mas, numa primeira análise, parece-nos um pouco
incipiente para o que gostaríamos de obter, relativamente a movimentações
das contas que estariam adstritas ao Estado-Maior naquele fundo privativo.
Sr. Presidente, de uma forma geral, penso que é tudo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Bom dia, Srs. Deputados e Srs.
Inspetores.
Não quero colocar muitas questões, porque, de facto, esta audição,
ou seja, em termos formais é uma audição, mas é mais uma reunião de
trabalho, está em linha com aquilo que tínhamos falado anteriormente, e
que era termos uma noção da forma como o trabalho se vem
desenvolvendo. Assim, não queria colocar demasiadas questões, porque
entendo que a equipa dos Srs. Inspetores deve ter toda a tranquilidade para
prosseguir o seu trabalho.
De qualquer forma, há uma questão que é obrigatória, que é a dos
prazos. Ou seja, pelo trabalho que vem sendo realizado e na medida em que
podem prever o término desse trabalho, qual é a perspetiva que têm para a
finalização da auditoria? Existe alguma data que possa ser medianamente
apontada, para também nós termos uma noção? E temos de ter em atenção
que a própria Comissão de Inquérito tem o seu prazo de caducidade
preanunciado, julgo que é para o dia 29 de dezembro, e, portanto, é para
também nos podermos orientar um bocadinho em termos de cronograma.
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Gostaria, ainda, de fazer uma referência, que eu já tinha feito
anteriormente, mas, por descargo de consciência, terei de a fazer outra vez,
que é a seguinte: as questões que o Sr. Inspetor há pouco mencionou e que
constam de um requerimento desta comissão, na nossa perspetiva, e julgo
que foi assim que foram aprovadas, são meramente indicativas e
orientadoras. Ou seja, essas questões não são limitadoras e os Srs.
Inspetores, por força de indícios, evidências ou provas que encontrem,
podem percorrer caminhos paralelos, relacionados, é, a meu ver,
perfeitamente enquadrado e era este o espírito do requerimento que
apresentámos para solicitar esta auditoria.
O Sr. Inspetor fez referência relativamente a registos bancários da
Caixa Geral de Depósitos, mas eu gostaria de saber se já tentaram ter
acesso a registos bancários de outros bancos que vinham mencionados no
relatório anterior. Também gostaríamos de saber se conseguiram
colaboração e documentação por parte do Tribunal de Contas, aspeto que
também vinha mencionado no relatório anterior. Por último, no anterior
relatório era feita referência a várias pessoas que na altura a equipa de
auditoria gostaria de ter ouvido e que, sobretudo por força do tempo, não
teve oportunidade de ouvir. Não vou referir os nomes dessas pessoas até
porque não as tenho de memória, mas são várias as pessoas referidas ao
longo do relatório anterior. Ora, eu gostava de saber se isto tem acontecido
e se as pessoas têm colaborado.
Para já, são estas as questões que eu gostaria de ver respondidas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Respondendo à primeira
pergunta, o Sr. Deputado referiu que as questões que nos colocaram são
indicadoras e não limitadoras, e nós assim as temos considerado. Agora,
devo dizer que quando dividi as questões que nos colocaram em dois
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grupos foi exatamente para dar já alguma indicação do tempo que o
trabalho pode demorar.
Genericamente, para as duas primeiras questões e para a questão
relativa à nossa pronúncia sobre o parecer da Comissão Constitucional, o
trabalho que já desenvolvemos dá-nos um horizonte de o terminar a curto
prazo. Para as questões que têm a ver com a CREEFA, com os chamados
«movimentos suspeitos» e tudo isso, até agora temo-nos deparado com,
como se costuma dizer, um poço sem fundo, porque vasculha-se — pode
não ser um termo muito apropriado para um trabalho deste tipo, mas, para
quem conhece alguns dos arquivos, sabe que não é um trabalho agradável,
porque, em termos de conservação, alguns deles estão em algum estado de
degradação, são muito antigos e não estão tratados — e, às vezes, é um
trabalho inglório, em que podemos estar uma, duas, três manhãs sem
descobrir qualquer documento, digamos assim, que nos possa fornecer
algum valor acrescentado ao trabalho que estamos a realizar. E, portanto,
temos alguma dificuldade em dizer se em dezembro ou em janeiro já
conseguimos ter uma resposta completa a estas questões. Temos,
logicamente, um objetivo, que é o de tentar apurar, na medida do possível,
os elementos que se vão detetar num conjunto de pastas que está no
Arquivo de Paço d’Arcos, tentar ligar essa documentação, tentar, a partir
dessa documentação, obter outros esclarecimentos. Mas, genericamente, se
não se avançar, de alguma forma, com os autos de declarações, que vamos
pedir para nos serem prestadas por alguns dos intervenientes, nos outros
arquivos, até agora, tem sido completamente inglório obter qualquer
informação, que poderia estar, por exemplo, nos arquivos da Força Aérea e
nos que já consultámos do Exército, que foram vários. Não se quer com
isto dizer que se não possa fazer uma nova diligência em algum outro
arquivo do Exército. Portanto, não posso, desde já, dizer,
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determinantemente, que não vamos encontrar nenhum documento no
arquivo do Exército que nos esclareça mais alguma coisa, mas,
relativamente à Força Aérea, por exemplo, posso dizer que, em princípio,
não há qualquer documentação que possa ter interesse para este trabalho.
Agora, em termos de timing, vamos ter, logicamente, de terminar
num determinado prazo. Se a Comissão de Inquérito está mandatada até ao
dia 29 de dezembro, temos de reequacionar o nosso trabalho, não,
conforme eu disse, relativamente às primeira, segunda e quinta questões
mas às outras três questões, onde haverá sempre alguma pasta de arquivo
que pode ter algum documento, apesar de, para nós, neste momento, não
haver qualquer documento relevante. Vamos lá a ver: logicamente, pode
encontrar-se um documento solto, que até pode ser importante para
descrever, por hipótese, um conjunto de despesas havidas em 1977 nas
contas da CREEFA, mas, se calhar, é uma despesa idêntica a mais três ou
quatro que existem no ano seguinte. Ou seja, até agora estes documentos de
despesa, no nosso entender, não têm sido determinantes para se chegar a
alguma conclusão diferente da ideia que já temos.
Quanto aos extratos bancários dos outros bancos, na realidade, a
anterior auditoria centrou-se numa área ligeiramente diferente desta,
centrou-se basicamente na movimentação relacionada com o FDMU até
1981, sensivelmente. Nesta auditoria, preocupámo-nos com as contas que
estariam ligadas ao Estado-Maior, ao fundo privativo.
Relativamente à informação que obtivemos no Estado-Maior, até em
complemento com o trabalho que tinha sido feito pela minha colega
Conceição Rodrigues e pelo outro colega, que não pertence neste momento
à equipa, centrámo-nos num conjunto de contas que nos pareceram que
tinham interesse e que eram da Caixa Geral de Depósitos, unicamente. Não
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houve qualquer outra diligência; ou seja, até este momento, não vimos
necessidade de fazer diligências relativamente a outros bancos.
Quanto ao Tribunal de Contas, também não fizemos qualquer
contacto, porque, no âmbito deste trabalho, ainda não vimos necessidade de
o contactar, e, portanto, não o fizemos.
Não sei se houve mais alguma questão…
O Sr. Presidente: — As audições…
O Sr. Dr. FernandoLobodoVale: — Ah, as audições! Conforme já
disse, temos uma lista de pessoas intervenientes, relativamente às quais
temos interesse em ouvir as suas declarações. Soubemos que algumas delas
já faleceram, quanto às outras pedimos ao Estado-Maior os seus contactos e
posso dizer que ontem recebi do Estado-Maior a informação de que, pelo
menos relativamente a um dos ramos das Forças Armadas, devo receber
hoje as moradas, os contactos dessas pessoas. Eles dizem que têm tido
muita dificuldade, porque são informações já muito antigas e algumas das
pessoas são civis, embora outras sejam militares. De um modo geral, os
ramos têm sempre o contacto, mas, dada a idade das pessoas e o tempo em
que algumas dessas pessoas estão afastadas do ativo das Forças Armadas,
não é imediato. Mas este trabalho, de ouvir essas pessoas, que pode
cimentar algumas informações que obtivemos e dar-nos alguns
esclarecimentos, será feito, basicamente, no mês de novembro.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª IsabelOneto (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
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Começo por cumprimentar o Dr. Fernando Lobo do Vale, a Dr.ª
Conceição Rodrigues e a Dr.ª Ana Filipa Gonçalves pela disponibilidade
em estarem presentes e pelo trabalho que têm vindo a efetuar para esta
Comissão.
Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale, a única questão que me interessa
focar é a seguinte: já percebemos que a documentação existente está
nitidamente baralhada, baralhada no sentido próprio do termo. Ou seja,
parece que foi um baralho de cartas em que se misturou tudo e que se foi
pondo em pastas de arquivo. Juntou-se e pôs-se em pastas de arquivo;
juntou-se e pôs-se em pastas de arquivo, sem preocupação do seu próprio
arquivo. Aquilo era arrumar os documentos e não arquivar os documentos.
Não sei se estou muito errada neste raciocínio.
Da análise que têm feito, pergunto: há alguma justificação, do que
percecionaram, para o estado em que se encontra essa documentação? A
situação é a mesma relativamente a todos os documentos? Se o objeto da
auditoria fosse outro assunto, a documentação também estaria assim,
maltratada e não arquivada, sem essas referências? Têm também alguma
indicação de que, apesar de toda a documentação que existe, aquela que era
relevante foi cirurgicamente retirada? Podemos ter alguma indicação no
sentido de, pese embora maltratada, não estar bem arquivada, com falhas e
com alguns documentos já em fase de deterioração, percecionar que, afinal,
guardaram toda a documentação relativa a outros assuntos, que até se
encontra mas que não têm a ver com o objeto desta Comissão, e que, no
que toca a este, há pequenas pontas muito soltas, relativamente às quais é
impossível concluir.
São estas as duas questões que me suscitam, face à descrição que
aqui nos trouxe.
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O Sr. Dr. FernandoLobodoVale: — A Sr.ª Deputada coloca-nos
duas questões, que, de alguma forma, são difíceis de responder, pelo menos
no meu caso e no caso da minha colega, porque só há muito pouco tempo é
que temos contacto com os arquivos das Forças Armadas. Portanto, o que
eu posso afirmar, neste momento, é como encontrámos os arquivos e como
algumas informações nos foram dadas pelos intervenientes, quando
visitámos, consultámos ou analisámos os arquivos.
Em primeiro lugar, não tenho qualquer indicação, nem detetámos
qualquer indício de que, relativamente a esta matéria, tenha existido algum
ato deliberado para baralhar, para omitir. Não temos esta informação, nem
podemos concluir isso. Agora, o que podemos concluir, de acordo com
algumas informações informais, passo o termo, é que o tempo decorreu e
que um conjunto de arquivos teve pouca importância no trabalhar dos
arquivos, porque não estão devidamente organizados e há até algumas
questões relacionadas com o tempo que alguma informação terá de estar
guardada, pois as Forças Armadas têm as suas formas próprias de tratar os
seus arquivos e a sua classificação. Por outro lado, existe muito tipo de
documentação e, se calhar, alguma da documentação que nós
procurávamos, os seus produtores e detentores não consideraram que
tivesse muita importância e consideraram-na já antiga.
Relativamente a outra documentação, e estou a referir-me mais à
documentação que estaria no Estado-Maior ou no Ministério da Defesa,
parece que nunca houve possibilidade, pela informação que tivemos, de
terem um arquivo devidamente organizado e isto foi agravado pelas
reestruturações, pelas alterações de leis orgânicas, que houveram a nível
das Forças Armadas e do Ministério da Defesa.
As pessoas que ocupavam determinados lugares — foi uma das
questões que também referiram — estavam nesses lugares muitas vezes até
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de uma forma rotativa. Portanto, um oficial do Exército, da Marinha ou da
Força Aérea era colocado a desempenhar uma determinada função, estava
lá durante um determinado período, tinha um conhecimento básico daquilo,
transmitiria, penso, ao seu sucessor o que achava relevante, depois, havia
reestruturações… Por exemplo, lembro-me de, no âmbito do arquivo do
Exército, termos tido alguma dificuldade até em compreender aonde
poderiam estar os documentos que gostaríamos de ver, exatamente porque
as pessoas já tinham dúvidas sobre a organização que havia em 1976, em
1980, em 1982, em 1986, em 1992, em 1994… Portanto, tudo isto, todo
esse tempo que passou cria dificuldades.
É minha convicção clara, neste momento, de que se este trabalho
tivesse sido feito há 20 ou 25 anos teria sido muito mais fácil localizar a
documentação, porque o tempo e, logicamente, a importância que é dada a
parte da documentação…
Falando, agora, em termos genéricos: adquirimos uma casa, há um
documento, que é a escritura, e este documento, muitas vezes, é guardado.
Mas podemos adquirir a casa e, depois, fazer um conjunto de obras
determinantes para o futuro da casa, e há um conjunto de faturas, que, se
calhar, guardamos por seis meses, guardamos por 1 ano, nós,
particularmente. E, muitas vezes, para se compreender o que está naquele
edifício, é necessário, além da escritura, todo um conjunto de faturas, e
estas faturas foram parar a outro sítio, não estão no mesmo sítio em que
guardámos a respetiva escritura, e, portanto, passado algum tempo já nem
sabemos onde estão. É isto que me parece que se passa com alguns
documentos que não estão devidamente organizados ou que não sabemos
mesmo se existem.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em conclusão, Sr. Inspetor, se bem
percebi, e gostaria de o confirmar — de uma forma simplificada, claro, até
porque teremos oportunidade de ir ao detalhe, ao pormenor, quando o
trabalho estiver concluído —, são feitas referências a determinados
movimentos, a determinados factos, a determinados acontecimentos que
estão registados, mas, depois, quando se vai aos arquivos da Força Aérea e
do Exército procurar a base documental, não existe, não se consegue
encontrar esse documento.
Deixo esta nota, as conclusões virão quando tiverem o trabalho
concluído, porque as estruturas militares portuguesas são seculares e têm
por cultura fazer um registo muito assertivo da sua atividade, contrapondo
isto ao exemplo doméstico que deu, que é diferente, porque a estrutura é
diferente. Ou seja, a estrutura militar, por norma, por tradição, por cultura,
regista os movimentos que faz, até porque estamos a falar de dinheiros
públicos e de responsabilidades públicas. Portanto, há sempre uma
preocupação, penso eu, de as pessoas se cautelarem relativamente às
responsabilidades que assumem. Mas isto é só uma nota.
Penso que a equipa tem de ter toda a tranquilidade para prosseguir o
seu trabalho e, em devido tempo, poderemos falar das conclusões e
ajudarmo-nos mutuamente.
Como nota final, sobre a questão do prazo, não como um «cutelo»
sobre a equipa inspetiva mas para nossa própria orientação, proponho que
façamos uma nova reunião desta índole daqui a sensivelmente um mês, na
segunda quinzena de novembro, para um ponto de situação sobre o decurso
dos trabalhos e o tempo necessário.
Na nossa perspetiva, a equipa de inspetores tem de ter todas as
condições para fazer uma auditoria o mais conclusiva e definitiva possível.
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Portanto, nessa altura, faremos essa avaliação sobre o tempo necessário
para o trabalho e, depois, a Comissão, os vários grupos parlamentares,
tirará as suas conclusões e procurará adaptar o seu trabalho e o prazo que
tem às necessidades que a equipa de inspeção possa vir a ter.
O Sr. Presidente: — Sr. Inspetor, quer acrescentar mais alguma
coisa?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, não havendo mais inscrições,
agradeço à equipa de auditoria da Inspeção-Geral de Finanças a sua
presença e os esclarecimentos prestados, ficando desde já marcada uma
nova reunião, para o ponto de situação sobre o trabalho que está a ser
realizado, para o fim do mês de novembro.
Dou por terminada a audição.
Pausa.
Srs. Deputados, temos para apreciar e votar um requerimento,
apresentado pelos Srs. Representantes dos Familiares das Vítimas, que é do
seguinte teor: «Vêm os signatários requererem a audição de Isabel
Mesquita, ao tempo principal secretária de Francisco Sá Carneiro que, entre
outros assuntos se encarregou das deslocações do então Primeiro-Ministro,
nomeadamente das reservas, marcações de voo e anulações, havendo
algumas discrepâncias que era importante aclarar.»
Algum dos subscritores pretende usar da palavra, para uma possível
apresentação deste requerimento?
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Pausa.
Uma vez que não há pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP e do BE.
Temos ainda um outro requerimento, apresentado pelos Srs. Luís
Filipe Rocha e Augusto Cid, representante dos familiares das vítimas,
requerendo as audições das seguintes pessoas:
General Loureiro dos Santos, que foi Ministro da Defesa Nacional no
IV Governo Constitucional, entre novembro de 1978 e julho de 1979, e do
V Governo Constitucional, entre julho de 1979 e janeiro de 1980;
Acácio Manuel Pereira Magro, que foi Ministro do Comércio e
Turismo do V Governo Constitucional, em fins de 1979 integrou uma
delegação, chefiada pelo Almirante Souto Cruz, que se deslocou a Bagdad
e trouxe uma primeira encomenda de armamento no valor de 200 milhões
de dólares, e que, em 1986, foi nomeado presidente da Fundição de Oeiras;
e Joaquim Vieira, jornalista que, entre 1981 e 1983, escreveu vários
artigos para o jornal Expresso sobre o tráfico de armas em Portugal desde
1976.
Pergunto se alguém deseja usar da palavra.
Pausa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, tem sido decisão do
Grupo Parlamentar do Partido Socialista não se opor a qualquer audição ou
diligência que qualquer grupo parlamentar ou representante de familiares
das vítimas suscite nesta Comissão de Inquérito.
Todavia, quero chamar a atenção para a necessidade de haver algum
fundamento concreto relativamente às audições que propomos, e digo isto
com todo o à-vontade por conhecer o trabalho do jornalista Joaquim Vieira
e por ter o maior respeito pelo trabalho que desenvolveu — não é isto que
está em causa. A verdade é que chamamos aqui pessoas, como foi o caso
do Eng.º Pedro Varanda de Castro, que dão, obviamente, a sua opinião,
mas nós é que, possivelmente, não teremos ponderado, com a devida
cautela, a necessidade de as ouvir, ou não, como foi o caso do Eng.º Pedro
Varanda de Castro.
O facto de haver uma reportagem sobre o tráfico de armas não
significa, por si só e de imediato, que haja alguma relação com o objeto
desta Comissão, porque, primeiro, muito provavelmente, pensar que à data
havia um único circuito de tráfico de armas será ingenuidade; segundo,
temos de ver que, no caso dos jornalistas, eles terão publicado tudo o que
podiam saber sobre a matéria, aliás, sabemos que, muitas vezes, não se
publica porque não se tem a confirmação da informação. Então, se não a
tiveram nessa altura, também não é agora que a terão para aquilo que é o
objetivo desta Comissão.
Portanto, não me opondo à audição do jornalista Joaquim Vieira,
quero, pelo menos, que ponderemos exatamente qual é o sentido da audição
para, posteriormente, decidirmos o que fazer, sob pena de irmos ouvindo
opiniões sobre opiniões que não nos ajudam e, às vezes, até nos
confundem, relativamente ao objeto desta Comissão.
Era esta a nota que queria deixar, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, essencialmente,
quero corroborar o que a Sr.ª Deputada Isabel Oneto referiu, pois, de facto,
o PSD tem apresentado um conjunto, relativamente alargado, de
requerimentos para a realização de audições e tem fundamento para todos
esses requerimentos. Agora, compreendo, e concordo, aquilo que a Sr.ª
Deputada refere, porque, por vezes, são produzidas aqui algumas audições
que, objetivamente, pouco acrescentam, e também partilho um pouco do
sentimento de alguma… «inutilidade», talvez este seja um termo
demasiado forte.
Porém, a dificuldade está exatamente em conseguir fazer a destrinça
e perceber, a priori, se uma determinada audição que venha a realizar-se
vai carrear informação relevante ou se essa informação não é tão relevante
como isso.
Concebo a realização de algumas audições porque existem pessoas
que são referidas por outras pessoas ao longo dos anos e que nunca
chegaram a ser ouvidas nas comissões de inquérito. Ora, a dificuldade que
existe é perceber antes se essas pessoas vêm, de facto, trazer alguma
informação acrescida, vêm dar um input ao nosso trabalho.
Já tivemos aqui dois casos, julgo que foram só dois, em que houve
algumas dúvidas sobre a realização dessas audições, mas temos o cuidado
de perceber os fundamentos e as ligações que são referidas sobre factos e
pessoas com conhecimento de factos, e a nossa posição tem sido, tal como
a da Sr.ª Deputada Isabel Oneto, do Partido Socialista, a de dar a nossa
concordância para a realização de, praticamente, todas as audições, porque,
por via das dúvidas, julgo que as pessoas devem ser ouvidas. No entanto,
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percebo aquilo que disse a Sr.ª Deputada, e concordo, mas a dificuldade é
essa.
Por outro lado, também não quero, eventualmente, chegar ao final os
trabalhos da Comissão de Inquérito e não ouvir todas as pessoas que são
referidas, e são muitas, ao longo destes anos. Pelo menos, gostaria de ter a
consciência de que realizámos o trabalho e que, no nosso juízo limitado,
não ficou ninguém por ouvir que devesse ser ouvido e pudesse trazer
informação relevante.
Portanto, em relação a estes requerimentos, percebo o contexto de
cada uma das pessoas referidas e vamos dar a nossa concordância, aliás,
relativamente a um dos casos, há uma antecipação a um pedido de audição
da nossa parte.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha para
referir a bondade deste requerimento.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, com o devido respeito,
quero dizer à Sr.ª Deputada Isabel Oneto que as pessoas que apresentaram
este requerimento nada têm a ver com a audição de Pedro Varanda de
Castro.
As três pessoas que propomos que sejam ouvidas por esta Comissão
de Inquérito são pessoas que, em nosso entender, estão ligadas a
esclarecimentos possíveis sobre o que se passou entre 1976 e 1981 com o
comércio de armas em Portugal. Propomos a audição de um ministro dos
dois governos anteriores ao Governo da AD, de um ministro, e foi o
primeiro homem a fazê-lo, que trouxe um contrato de armas para a zona do
Irão/Iraque, neste caso com o Iraque, e de um jornalista que, tanto quando é
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do meu conhecimento, mais artigos publicou entre 1981 e 1983 sobre o
tráfico e o comércio de armas em Portugal. Penso que não estou enganado
se disser que o tráfico e o comércio de armas é uma das pistas para eventual
conclusão sobre um dos possíveis motivos para o atentado em Camarate.
Portanto, na minha opinião, como autor desta proposta, requeremos a
audição de três pessoas que podem cá chegar e nada dizer, como muitas já
cá chegaram e nada disseram, ou podem chegar cá e dizer os disparates que
disse o jornalista Pedro Varanda de Castro, mas isto é, digamos, aquilo que
nos compete averiguar. A Sr.ª Deputada terá tido oportunidade de ver que
na última audição eu próprio pedi para esclarecer um erro crasso cometido
pelo jornalista Pedro Varanda de Castro, que referiu que o artigo era de
1982, quando, afinal, era de 1981. Para mim, é muito importante que o
principal autor desse artigo, que é o Joaquim Vieira e não o Pedro Varanda
de Castro, venha explicar como é que seis meses após o atentado de
Camarate sai um artigo tão fundamentado sobre todo o tráfico de armas, e
esses artigos não pararam até 1983.
Do meu ponto de vista e no das pessoas que, comigo, subscreveram
esse requerimento, parece-me ser absolutamente importante para o
esclarecimento desse motivo. Aliás, não me lembro de, até agora, ter
proposto alguma coisa, digamos, fora do contexto…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não é isso que está em causa!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Quanto ao resto, não é a mim que
compete decidir quem vem ou quem não vem.
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O Sr. Presidente: — Penso que estão esclarecidas as posições dos
vários grupos parlamentares.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero deixar claro que a
minha questão nada tem a ver com quem subscreve a proposta. Viesse ela
de onde viesse, obviamente…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Com certeza! Também era melhor!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exatamente. Quero que isto fique
absolutamente esclarecido!
Agora, é facto que esta Comissão tem de ter um outro olhar sobre a
seleção das pessoas, isto é notório para todos nós. Sei que a escolha é muito
difícil, mas também temos de fazer esse trabalho antes de decidirmos quem
ouvimos, ou não.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, podemos votar as três audições
em bloco ou alguém pretende que sejam individualizadas?
Pausa.
Como não há objeções, vamos votar o requerimento, apresentado
pelo Srs. Representantes dos Familiares das Vítimas Luís Filipe Rocha e
Augusto Cid, para a audição do General Loureiro dos Santos, de Acácio
Manuel Pereira Magro e do jornalista Joaquim Vieira.
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP e do BE.
Vamos votar o requerimento, apresentado pelo CDS-PP, do seguinte
teor: «Na sequência dos resultados da reavaliação e da reanálise das
lâminas e blocos do estudo histológico efetuado aquando das autópsias de
José Manuel Silva Moreira e companheira, o Grupo Parlamentar do CDS-
PP vem, nos termos legais e regimentais aplicáveis, requerer a V. Ex.ª a
audição da Sr.ª Prof.ª Dr.ª Rosa Henriques de Gouveia do Instituto
Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.»
Alguém pretende usar da palavra?
Pausa.
Visto não haver pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Temos outro requerimento, apresentado também pelo CDS-PP, do
seguinte teor: «Na sequência dos resultados da reavaliação e da reanálise
das lâminas e blocos do estudo histológico efetuado aquando das autópsias
de José Manuel Silva Moreira e companheira, o Grupo Parlamentar do
CDS-PP vem, nos termos legais e regimentais aplicáveis, requerer a V. Ex.ª
a audição do Sr. Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira, Presidente do Conselho
Diretivo do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.»
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Passamos à votação do requerimento, apresentado pelos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Alexandre Bettencourt, Luís
Filipe Rocha, José Luís Ramos, Augusto Cid e Norberto Gomes de
Andrade, que é do seguinte teor: «Vêm os signatários requer a V. Ex.ª que,
após a audição da perita médica responsável pelos exames histológicos
feitos em Coimbra pelo Prof. Duarte Nuno Vieira, sejam chamados a depor
as duas peritas médicas responsáveis pelos exames histológicos realizados
em 1983, bem como os responsáveis da Judiciária que elaboraram o auto de
investigação a estes casos já na posse dos resultados histológicos,
nomeadamente o Dr. Joaquim Gonçalves e os Inspetores Paulo Bernardino
e Paulo Franco responsáveis pelo relatório que classificava as respetivas
mortes como provenientes de acidente com gás do esquentador, apesar dos
flagrantes indícios de crime.»
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Passamos ao requerimento apresentado pelo PSD e CDS-PP, que é
do seguinte teor: «Os Deputados dos Grupos Parlamentares do PSD e do
CDS-PP vêm, nos termos legais e regimentais aplicáveis, requerer a V. Ex.ª
a audição da Sr.ª Diana Andringa, jornalista da RTP entre 1978 e 1998.»
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, esse requerimento,
apresentado conjuntamente pelo PSD e CDS, cujo fundamento se relaciona
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com as imagens colhidas pela RTP no local, em Camarate, na noite de 4 de
dezembro, que vem reforçar, inclusive, a nossa pretensão de ter acesso às
imagens em bruto que foram recolhidas pela RTP — aliás, este é um
assunto que nós já aqui discutimos e que está nos seus trâmites legais.
A Sr.ª Diana Andringa veio recentemente referida como tendo sido a
jornalista da RTP que, no dia 4 de dezembro, esteve presente em Camarate.
A história que vem referida, publicada recentemente num livro (tem
uma semana), é a de que a Sr.ª Jornalista esteve, no dia 4 de dezembro, em
Camarate, recolheu depoimentos de várias testemunhas no local, residentes
no local, e fez o seu trabalho. Às 3 horas da manhã editou a peça, foi
descansar e no dia seguinte a peça passou sem quaisquer testemunhas. Mais
tarde, internamente, na RTP, ela questionou por que é que isso teria
acontecido, foi-lhe dada uma resposta por quem de direito, na altura, e vem
referido que a Sr.ª Jornalista, depois, descolando-se à hemeroteca da RTP,
verificou que as imagens referentes aos testemunhos recolhidos já não
estavam disponíveis.
Portanto, é exatamente este o fundamento e esta a matéria que
pretendemos apurar, solicitando, para isso, a colaboração da Sr.ª Jornalista.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, então, votar o
requerimento apresentado pelo PSD e CDS-PP, solicitando a audição da
Sr.ª Diana Andringa, jornalista da RTP entre 1978 e 1998.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Passamos à votação de um requerimento, apresentado pelos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Alexandre Bettencourt, José
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Luís Ramos, Augusto Cid e Nuno Cerqueira, que é do seguinte teor: «Os
signatários vêm requerer que sejam solicitados às autoridades
aeroportuárias do Aeroporto da Portela todos os movimentos (aterragens e
descolagens) que ocorreram na fatídica noite de 4 de dezembro de 1980,
entre as 18 horas e as 24 horas desse dia».
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Passamos à votação de um requerimento, apresentado pelo CDS-PP,
que é do seguinte teor: «Na sequência do que logo exprimi oralmente,
consideramos indispensável que se oficie à Embaixada do Reino Unido,
pelos meios e canais adequados, a dar conta de determinadas imputações
feitas aquando do depoimento do Sr. Fernando Farinha Simões a esta
Comissão de Inquérito e solicitando a melhor colaboração quer da
Embaixada, quer das competentes autoridades britânicas para o
esclarecimento das questões que aquelas suscitam.
Não oferece dúvida de que, se semelhantes afirmações houvessem
sido produzidas perante comissão de inquérito (ou instância similar) da
Câmara dos Comuns, mereceriam sequência investigatória adequada no
Reino Unido, no sentido de as verificar e confirmar ou infirmar. É isso
mesmo que devemos solicitar, atendendo à gravidade das imputações e ao
facto de terem sido proferidas, sob juramento, em sede de inquérito
parlamentar em Portugal.
As afirmações feitas mencionaram, salvo erro, o MI6 e agentes seus.
Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que sejam transcritas, com
urgência, as afirmações do depoente Fernando Farinha Simões que incluem
imputação de factos e responsabilidades a cidadãos britânicos e a dirigentes
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ou agentes de entidades oficiais do Reino Unido, a fim de sobre elas se
poder solicitar e obter as competentes investigações e esclarecimentos».
Faça favor, Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, solicito o adiamento da
votação deste requerimento, para uma melhor reflexão sobre o pedido e as
suas consequências.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, temos três requerimentos,
apresentados pelo CDS-PP, que versam sobre a mesma audição do Sr.
Fernando Farinha Simões, relativos à Embaixada da República Federal
Alemã, à Embaixada dos Estados Unidos e à Embaixada do Reino Unido.
O tema é o mesmo, ou seja, a audição do Sr. Fernando Farinha Simões e as
acusações que ele imputou a estes três países.
Assim, não sei se os Srs. Deputados acolhem a sugestão da Sr.ª
Deputada Isabel Oneto, a do adiamento da votação destes requerimentos
para a próxima reunião, mas vou colocá-la à votação.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se
as ausências do CDS-PP, do PCP e do BE.
Foi distribuída aos Srs. Deputados a ata da 18.ª reunião, realizada no
dia 14 de maio do corrente, em que foi ouvido o Sr. Victor Manuel Lopes
Pereira.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, uma vez que não
tivemos oportunidade de ler as atas (o que é uma vergonha), peço, se for
possível, o adiamento da votação das atas para a próxima reunião.
O Sr. Presidente: — Fica adiada para a próxima reunião.
Não havendo outros assuntos a tratar, dou por terminada esta
reunião.
Eram 11 horas e 55 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
7 de abril De 2015
(52.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1. Audição dos peritos da Inspeção-geral de finanças sobre a auditoria
final ao Fundo de defesa militar do ultramar:
Dr. Fernando Lobo do Vale
Dr.ª Conceição Rodrigues
Dr.ª Ana filipa Gonçalves.
2. Audição do inspetor Joaquim Gonçalves
3. Audição do inspetor Paulo Condesso Franco
4. Audição do inspetor Herculano Lourenço Morgado
5. Audição do Inspetor Mário Jorge Coimbra Mendes
6. Audição do Coordenador Superior da PJ Eduardo Dias da Costa
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SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 9 horas
e 49 minutos.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale (Inspetor de Finanças Chefe e
coordenador da equipa), que fez uma intervenção inicial, e as Sr.as
Dr.as
Maria da Conceição Ferreira Rodrigues e Ana Filipa Gonçalves (Inspetoras
de Finanças Superior), na qualidade de peritos responsáveis pela auditoria
final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, responderam aos Srs.
Deputados Miguel Santos (PSD) e Raúl de Almeida (CDS-PP).
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 11 horas e 5 minutos e
retomou-os às 11 horas e 25 minutos, com a audição do Sr. Joaquim
Gonçalves (ex-Inspetor da Polícia Judiciária), que respondeu ao Sr.
Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD) e ao Sr. Representante dos Familiares
das Vítimas Augusto Cid.
Foram dadas informações à Comissão, tendo usado da palavra, além
do Sr. Presidente, o Sr. Deputado Miguel Santos (PSD).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 11 horas e 58 minutos e
reiniciou-a às 12 horas e 35 minutos, com a audição do Sr. Paulo Condesso
Franco (ex-Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária), que respondeu aos Srs.
Deputados Pedro do Ó Ramos e Miguel Santos (PSD) e ao Sr.
Representante dos Familiares das Vítimas Augusto Cid.
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 13 horas e 30 minutos e
retomou-os às 14 horas e 44 minutos, com a audição do Sr. Herculano
Lourenço Morgado (ex-Inspetor da Polícia Judiciária), que respondeu ao
Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 15 horas e 17 minutos e
reiniciou-a às 15 horas e 45 minutos, com a audição do Sr. Mário Jorge
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Coimbra Mendes (ex-Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária), que respondeu
aos Srs. Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD), Isabel Oneto e Inês de
Medeiros (PS) e João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e aos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Eva Henningsen, Augusto Cid e
Nuno Cerqueira.
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 17 horas e 17 minutos e
retomou-os às 17 horas e 38 minutos, com a audição do Sr. Eduardo Dias
da Costa (ex-Inspetor-Coordenador Superior da Polícia Judiciária), que
respondeu aos Srs. Deputados Pedro do Ó Ramos (PSD) e Isabel Oneto e
Inês de Medeiros (PS) e aos Srs. Representantes dos Familiares das
Vítimas Augusto Cid e Nuno Cerqueira.
Por último, os Srs. Deputados Miguel Santos (PSD), José Ribeiro e
Castro (CDS-PP) e Inês de Medeiros (PS) e o Sr. Representante dos
Familiares das Vítimas Nuno Cerqueira pronunciaram-se sobre a realização
à porta fechada das audições dos Srs. Fernando Farinha Simões, José
António dos Santos Esteves, Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves,
Coronel João Santos Fernandes e Dr. João Múrias.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 11 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Srs. Deputados, declaro
aberta a reunião.
Eram 9 horas e 49 minutos.
Srs. Deputados, dou as boas-vindas aos nossos depoentes de hoje, os
peritos da Inspeção-Geral de Finanças, que vêm depor sobre a auditoria
final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU). Agradeço a
presença do Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale, chefe da equipa, e das Sr.as
Dr.as
Conceição Rodrigues e Ana Filipa Gonçalves.
Gostaria de saber se se opõem a que a audição se realize à porta
aberta, com a presença dos jornalistas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale (Inspetor de Finanças Chefe e
coordenador da equipa): — Não nos opomos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Então, passo a dar conhecimento da grelha, que
é a seguinte: uma primeira ronda de 5 minutos, uma segunda ronda de 3
minutos e uma terceira de 2 minutos.
Pergunto se pretendem fazer alguma intervenção inicial
relativamente ao trabalho realizado sobre o Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, para, depois, passarmos à fase das perguntas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sendo possível, farei uma
pequena intervenção inicial.
O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra, Sr. Dr. Fernando Lobo do
vale.
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Bom dia, Srs. Deputados,
começo por lembrar, em primeiro lugar, que nesta mesa deveriam estar
quatro inspetores e só estão três. Um colega nosso, o Dr. Mário Lehmann
Araújo, faleceu há pouco tempo e foi o elemento jurista que elaborou o
parecer que está incluído no nosso relatório e que, depois, colaborou na
execução do respetivo relatório.
Nosso colega há muito tempo, dedicou a sua vida à Inspeção-Geral
de Finanças e noutros cargos públicos. Esta era o primeiro ponto que eu
queria referir, lembrando que, com o seu falecimento, logicamente, alguma
explicação poderá ser prejudicada, porque ele era a pessoa que estava mais
habilitada para responder, nomeadamente, a matéria relacionada com
questões jurídicas, aos Srs. Deputados.
Em segundo lugar, quero dizer que, conforme foi dito na última vez
que cá estivemos, houve um processo de credenciação dos inspetores. Esse
processo de credenciação efetuou-se junto do Estado-Maior-General das
Forças Armadas (EMGFA), o que nos permitiu ter acesso a toda a
documentação que existia nos arquivos consultados. No entanto, será de
lembrar que toda a documentação classificada que foi encontrada apenas
serviu para confirmar informações obtidas noutros documentos, pelo que,
no relatório que apresentamos, não há nenhuma informação que possa ser
considerada classificada.
Quero lembrar também que terminámos a nossa auditoria com a
convicção de que a consulta de mais documentação não iria trazer novas
informações ao nosso relatório. Portanto, consideramos que todos os
elementos consultados foram basicamente aqueles que iriam sempre
fundamentar qualquer relatório de resposta às perguntas dos Srs.
Deputados.
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Estes eram os três pontos que eu queria, antecipadamente, colocar
aos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Vamos dar início à fase das perguntar, para o
que dou a palavra ao Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Bom dia, Sr. Presidente, Srs.
Inspetores e Srs. Deputados. Antes de mais, quero agradecer à equipa de
inspetores a forma diligente, que está transcrita no relatório, consegue-se
ver no relatório, como encararam esta segunda parte da missão, isto porque
houve uma primeira parte e esta foi, digamos, a segunda parte.
Tenho algumas questões para colocar, sobretudo no sentido de pedir
que me ajudem a interpretar algumas questões, por forma a ficar com uma
certeza sobre o que consegui perceber deste relatório.
Começo pelo Fundo de Defesa Militar do Ultramar, que era a
questão principal. Agora, já conseguimos fazer uma cronologia, que vai
para além do tempo em que o relatório anterior se tinha dedicado, dos
movimentos do Fundo. E aquilo que eu consegui perceber pelo relatório, e
talvez os Srs. Inspetores possam confirmar e explicar melhor, foi que,
tirando o período de 1981/1982, em que não conseguem refletir o que
aconteceu com o Fundo, que movimentações é que o Fundo teve, já
conseguem estabelecer toda a cronologia do Fundo até 1993, salvo erro.
É isto?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em termos de saldos,
conseguimos, praticamente, ver os movimentos finais, ou seja, os saldos
existentes.
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Quanto aos movimentos, houve anos em que se conseguiu verificar
quais eram os movimentos que estavam contabilizados e houve anos em
que não se conseguiu, e isto vem refletido. Houve situações em que se
verificou a contabilização, no entanto, não se pôde confirmar totalmente
essas utilizações. Uma das diligências que fizemos foi ir a outros locais,
portanto, fora do Ministério da Defesa Nacional, para tentar, por exemplo,
confirmar determinado tipo de despesas, mas, dado o tempo que já tinha
passado, foi impossível confirmar a 100% determinadas utilizações.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, o Fundo de Defesa Militar
do Ultramar tem o seu sucedâneo, um fundo privativo do Estado-Maior-
General das Forças Armadas, que é a continuação do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar. No fundo, acaba por ser isto.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos dizer que é um
novo fundo, com outras regras, mas, no fundo, é o sucedâneo, pois para
esse fundo privativo do Estado-Maior foram transferidas as verbas que
existiam.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foram transferidas as verbas do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e o fundo privativo, durante a sua
vivência, não recebeu qualquer dotação orçamental, não recebeu verbas?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não, não recebeu verbas!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Viveu à custa do que restava do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Durante todos aqueles anos, até
1993, o que o fundo privativo fez foi ir gastando o que restava do Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, porque não foi reforçado. Portanto, no fundo,
era o mesmo fundo, mas com regras diferentes. Sim, há regras diferentes!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Nunca foi, no fundo,
reforçado, como disse, com verbas provenientes fosse de onde fosse.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi vivendo, gastando as verbas que
restavam.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Até 1993, altura em que foi
integrado no orçamento do Estado-Maior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em 1993!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em 1993!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Podemos concluir que o Fundo, na
verdade, só em 1993 é que… Recordo as audições do início da Comissão
de Inquérito, inclusive a primeira audição que tivemos com os Srs.
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Inspetores, e agora, podemos concluir efetivamente que o Fundo só foi
extinto, na verdade, materialmente, em 1993.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos concluir, dentro
dessa interpretação, a de utilização de um fundo isolado, embora com outro
nome, com diretrizes diferentes em termos de utilização, derivado,
portanto, do Decreto-Lei n.º 548/80, que, na prática, foi um novo fundo
alimentado por um fundo anterior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Inspetor, o Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, com aquelas verbas que tinha, foi utilizado para tudo e
mais alguma coisa, pelo que conseguimos ver nos registos que resultam do
primeiro relatório,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … que os Srs. Inspetores fizeram. O
Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi utilizado para variadíssimos fins,
até para compra de agendas, de material militar, para variadíssimos fins. E
este fundo privativo tem outro tipo de regras, uma competência
diferente,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … um nome diferente, mas tem o
mesmo dinheiro e uma utilização também variadíssima.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Tem o dinheiro que sobrou.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — O Fundo de Defesa Militar
do Ultramar era um fundo que ia tendo receitas. Tinha despesas, tinha
gastos, mas tinha receitas.
O fundo privativo passou apenas a gastar o dinheiro que, no fundo,
era o saldo do fundo anterior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, entre 1981 e 1982, os Srs.
Inspetores não conseguiram encontrar movimentos do novo fundo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não! É a partir de 1982,
basicamente, que…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, entre 1981 e 1982?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de
Finanças Superior): — Em 1981, o saldo foi transferido, mas, depois, só foi
integrado nas contas do EMGFA em 1982. Portanto, há ali um período em
que o dinheiro esteve parado. Não sabemos o que foi feito! Pode ter sido
aplicado em muita coisa, mas não sabemos em quê! É isto que queremos
dizer.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já percebi! É o mesmo valor?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É o
mesmo valor!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estava só a confirmar se em 1981 e
em 1982, quando voltam, o valor é o mesmo.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Agora, entre os anos de1982 e 1992,
pelo que estou a ver no relatório, tínhamos o saldo de 510 milhões de
escudos e, em 1993, 29 milhões de escudos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, entre 1982 e 1992, dos 510
milhões, que era o que restava do Fundo, foram gastos 481 milhões de
escudos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E ficaram 29 milhões!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Agora, vamos ver em que é que foi
gasto entre 1982 e 1992. E aqui temos as mais variadíssimas utilizações,
pelo que está no relatório, para polidesportivos ou polivalente, para pintar
quartéis, encontramos de tudo. Mas aquilo que não se encontra, pelo que
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vejo no relatório, são faturas, pagamentos, adjudicações, contratos de
empreitada. É assim?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É!
Realmente, nós só temos dois anos em que o gasto é discriminado,
porque, nos outros anos, não sabemos exatamente onde é que o dinheiro foi
aplicado. Portanto, só há dois anos, temos no relatório um mapa, não sei se
realmente tem aí… Temos nas págs. 56 e 57 do Anexo II onde o dinheiro
foi utilizado. Mas aqui em cima, no título do quadro, temos o ano, 1982 e
1986, nos outros anos não conseguimos ter qualquer discriminação da
despesa.
Ou seja, se formos ao relatório, verificamos, na pág. 23, as rubricas
e, depois, na pág. 24, temos, por anos, os montantes que foram gastos.
Temos aqui a despesa em 1982, em 1983, e por aí fora. Ora, destes
montantes só temos realmente discriminação da despesa para os anos de
1982 e 1986. Todos os outros valores… Por exemplo, temos, em 1983, 198
milhões de escudos; em 1984, 1985… realmente não sabemos onde é que o
dinheiro foi gasto.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Inspetora, aqui, no Anexo II,
pág. 56, por exemplo, há um conjunto de despesas (uma, duas, três, quatro,
cinco, seis, sete), contínuas, todas elas descritas como «Limpeza e pinturas
exteriores no edifício do EMGFA», com os valores de 1,3 milhões, 1,2
milhões, 1,8 milhões, 1,7 milhões, 855 000, 1,4 milhões e 338 000 escudos.
Isto aqui tem um documento de suporte, que está aqui identificado.
Portanto, isto tudo em 1982.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Diz aqui: «B/82».
Portanto, em 1982, foram gastos no mesmo ano para aí uns 7 milhões
a limpar e a pintar o edifício. Conseguiram perceber este dispêndio, este
gasto, por causa do documento de suporte. Mas, em cima, por exemplo,
quando começa este anexo, temos para «Construção de piso para instalar
no pavilhão desportivo», 4 milhões; 15 milhões para «Construção de
pavilhão desportivo ao regimento de infantaria de Tomar»; e por aqui
abaixo. Diz aqui, na coluna do documento de suporte, «Transf».
Ou seja, consigo identificar este movimento através de uma
transferência bancária?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves (Inspetora de Finanças Superior):
— Não! Havia um documento que indicava ter havido uma transferência
para aquela entidade e para aquele objetivo, para aquele motivo. Se o
motivo foi, ou não, esse, é a tal questão que o meu colega já referiu, que,
depois, na entidade respetiva, já não foi possível confirmar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Todos estes movimentos, que estão
neste Anexo II, perfazem os 161 milhões de escudos. Encontraram alguma
fatura, alguma ordem de pagamento, um contrato de empreitada, uma
adjudicação de empreitada?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Contratos de empreitada, não!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, um processo administrativo
de suporte a…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Isso foi o que tentámos,
digamos, na outra entidade, para onde o dinheiro teria ido para fazer a obra
ou o serviço.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E claro que fisicamente também não
se consegue comprovar a realização destas empreitadas. Estamos a falar de
1982. Portanto, se se gastaram 7 ou 8 milhões de escudos a limpar e a
pintar o edifício, de 1982 até agora, o edifício terá ficado…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Há, digamos, a referência de
para onde teria ido e para quê.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, sim.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Mas, se foi efetivamente, não
conseguimos saber.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sr. Deputado, posso
acrescentar que mesmo no arquivo, em Santa Clara, da Divisão de Obras,
que é um arquivo que está extremamente bem organizado, esses edifícios
não constavam como tendo tido obras nessas alturas. E não estamos a dizer
que não constavam por terem sido retirados, porque, normalmente, eram
edifícios que não estavam sequer nessa divisão de arquitetura e obra de
engenharia.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Srs. Inspetores, existe algum registo
de um pagamento destes valores, de saída de um sítio e entrada num outro
sítio, ou de alguém para alguém?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Temos as
contas bancárias que suportavam estes movimentos, e fez-se a
reconciliação bancária. Foi o que se fez.
Portanto, temos a informação de que este dinheiro saiu realmente da
conta bancária.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Concretizando: relativamente a
qualquer um destes movimentos que aqui estão, por exemplo, aos 4
milhões para a construção de piso para instalar no pavilhão desportivo, nos
movimentos consegue perceber-se para quem foi transferido o dinheiro, a
quem foi pago?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não. Só mostra aquela
transferência, e quando tínhamos os extratos bancários. Não enquadrámos
todos, todos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas em algum caso conseguiu-se
perceber qual foi o destino? Quem é que recebeu o dinheiro? Qual foi a
empresa que fez esse serviço?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
encontrámos nenhum documento! Não há nenhum documento que…!
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A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não. Só no documento que
dizia para onde tinha ido e para o que era. Mas confirmar, digamos, do
outro lado, se foi efetivamente para ali…!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Por exemplo, esta construção de piso
para instalar no pavilhão desportivo, nesse documento, é possível perceber
que foi para uma empresa de construção um x, y, etc.?!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não! O que diz é o que está
aqui, a entidade para onde foi.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O ramo!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, depois deve ter feito…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Diz que o dinheiro foi
utilizado para a construção de um pavilhão gimnodesportivo. Agora, se
esse pavilhão foi, efetivamente, construído? Calculamos que sim, mas não
há nenhum processo de concurso, faturas de fornecedores… No fundo, os
únicos elementos que obtivemos foi junto do Estado-Maior, onde estavam
apenas alguns lançamentos, não era propriamente dito todo o processo de
obra, de utilização direta do dinheiro.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós temos
aqui a entidade que recebeu a obra. Temos aqui, mas de forma genérica. Ou
seja, não há nenhum documento específico, através do qual consigamos
dizer: «Olhe, foi para aqui…! Fez-se aquela obra…! Está aqui todo o
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processo!», e, pronto, justifica realmente que aquilo foi feito. Não, isso
não!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, recapitulando…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso não,
mas temos os destinatários.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Recapitulando: do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, ou do privativo, como se veio a chamar a seguir, do
mesmo dinheiro existe o registo para, por exemplo, em 1986, a construção
de um edifício para preparação de munições para ensaios no Campo de
Tiro de Alcochete. Do Fundo saiu 1 491 000$ para o Conselho
Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É só isto que se sabe?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, supostamente, destinava-se a este
objetivo, a este fim, mas, depois, não se sabe se foi feita a construção, a
empreitada, a reparação, ou o que quer que seja,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — … a quem foi pago o dinheiro. Disto
não se sabe rigorosamente nada!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não há memória viva…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não. Não
conseguimos encontrar.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — … e, no que toca à memória
morta, de documentos, muitas vezes…
É preciso relembrar duas situações: por exemplo, na Força Aérea,
todos os documentos estão microfilmados, e são milhares ou milhões de
documentos, e a sua organização não permite facilmente a localização dos
documentos que poderíamos querer, direcionados para um determinado
investimento.
Por outro lado, também se processaram muitas alterações na
estrutura orgânica das Forças Armadas; por exemplo, muitas vezes, a
entidade que, depois, faria o concurso era uma na altura, passados 10 anos
era outra e agora já é outra.
Em alguns arquivos, quase que a memória viva que havia era a da
minha colega, que tinha estado como perita nas duas auditorias anteriores.
Ela era a que tinha memória viva mais… era quase a única, em relação aos
interlocutores que tivemos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas só até
1980! Nós só verificámos até 1980 no nosso trabalho anterior.
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sim, a seguir foi neste!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Deixem-me, então, resumir: até
1993, entre 1982 e 1993, este fundo privativo, que tinha o dinheiro do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar, começou com 510 milhões de
escudos e acabou com 29 milhões de escudos. Estes 29 milhões de escudos
é que foram integrados no Orçamento do Estado.
Portanto, quando em 1980 se falava na extinção do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, nós perguntámos: «Então, aonde está o dinheiro? Para
onde foi o dinheiro?», e a reposta foi «Ah, supostamente terá sido
integrado…»! Não, isto só aconteceu em 1993! Só em 1993, passados 13
anos, é que o saldo final do Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi
integrado no Orçamento do Estado, e o saldo final era de 29 milhões de
escudos, porque até lá, 481 milhões de escudos, foi sendo gasto, de 1982 a
1993. Durante 11 anos, foram gastos 481 milhões de escudos e aquilo que
os Srs. Inspetores apuraram, e consta deste relatório, é que foram gastos
com um determinado propósito, e consegue-se perceber que foram
transferidos para um determinado organismo ligado às Forças Armadas,
ponto final.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Algum!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Algum!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Só em 1982 e 1986!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Relativamente aos outros anos, não sabemos de nada!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Relativamente aos outros anos, nada
se conseguiu apurar. Não há documentos! Ou seja, nós não conseguimos
saber até hoje, efetivamente, desses 481 milhões de escudos, a quem foram
pagos. Supostamente, foram para pintar um edifício, foram para criar um
polivalente ou um polidesportivo.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Nem os beneficiários, nem as
mais-valias!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se sabe!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não se consegue saber!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O dinheiro foi sendo gasto…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sobre as mais-valias,
tendencialmente, em 1982 e 1986, podemos saber para onde se dirigiram.
Nos outros anos, nem as mais-valias. Os pagamentos em si concretos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Para além disso, há aqui uma parte
que os Srs. Inspetores referem, que é interessante. Os senhores dizem que é
possível concluir que nos anos de 1982 a 1987 «(…) os saldos existentes
em depósitos à ordem (…) são muito inferiores aos que resultam da soma
dos valores das contas de gerência dos fundos (…) do EMGFA e das contas
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desta entidade que se encontrariam depositado (…) naquelas datas, (…)».
Ou seja, falta aqui dinheiro, isto não bate certo!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É um bocadinho difícil
sermos perentórios a dizermos que falta dinheiro. Tentámos conciliar as
contas, e, na realidade, foi um processo, pode dizer-se, com uma
percentagem de êxito muito pequena.
Risos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Outra vez, Sr. Inspetor, se me
permite.
Nós não sabemos para onde foram os 481 milhões de escudos. Não
sabemos para onde foram, quem os recebeu, que contas é que foram
transferidas, qual foi o destino. Sabemos que há um papel, um registo que
diz que foi para pintar,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Há um registo de que terão
havido algumas mais-valias em alguns locais.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … para realizar algumas
reparações…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Enfim, este é um aspeto. Um outro
aspeto é conciliar as contas com os saldos, e também falta aqui…
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Há uma percentagem muito
pequena de conciliação.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A história do Fundo, de facto, dava
para escrever um livro! Aliás, o livro já está escrito, são os vossos
relatórios. Os relatórios dos Srs. Inspetores é o livro da história do Fundo.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É possível. É possível nesta
data, há um ano, porque, agora, se calhar, ainda seria menos possível.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas aqui, na página 46, também
vem referido que efetuaram contactos, quer com a Força Aérea, quer com o
Exército, para tentar confirmar a realização destas empreitadas, destas
reparações, e que também não foi possível. Ninguém consegue confirmar
que isto foi efetivamente realizado. É assim?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quem é que, então, autorizava estas
transferências? Refiro-me às que vêm aqui no anexo II, página 56, que diz
que foram transferidos 2 500 000, 1 500 000, 2 500 000 para o Comando
Logístico e Administrativo da Força Aérea, por exemplo, mas não é o
único caso, para obras, para uma série de coisas. Quem é que autorizava
estas transferências?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Conforme eu já referi, nós
apenas verificámos lançamentos, a existência de lançamentos nesses dois
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anos, e não de documentação de processos, devidamente organizados e,
nomeadamente, com as devidas autorizações.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas, nos termos legais, quem é que
tinha a competência para autorizar as transferências do fundo privativo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Era a Comissão do Estado-
Maior. Era a Comissão do EMGFA que estava na altura.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Era a COMPAE (Comissão do Plano
de Aquisições do Exército).
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não, não!…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não!
Era o CA/EMGFA, o Conselho Administrativo!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, o Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas tinha de aprovar anualmente o relatório, a
conta de gerência,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … o saldo e o plano de
investimentos para o ano seguinte.
Vamos por partes, portanto. Todos os anos o Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas tinha de aprovar o relatório de saldos de
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gerência, de gastos, de utilização do Fundo, e o plano de investimentos para
o ano seguinte, é o que constava daquela…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Teoricamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Encontraram algum documento
aprovado pelo Chefe do Estado-Maior de algum ano relativamente à
utilização do Fundo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerências anexámos…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não…! Acho que não!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Anexámos, sim! Não sei se estou a confundir, mas penso que anexámos
uma parte, anexámos estas atas…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Sim, mas, para além disso,
havia as contas de gerência…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está aqui
assinado por António Augusto Gaspar Correia, por exemplo. Isto são os
movimentos de conciliação… Não, não juntámos nada!
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não temos documentos que
comprovem.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
temos!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, nos termos legais, o
relatório de gerência e o plano de investimentos para o ano seguinte tinham
de ser aprovados pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Teoricamente, sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não é teoricamente, é nos termos da
lei, Sr. Inspetor, do que foi definido legalmente, quando supostamente o
Fundo de Defesa Militar do Ultramar estava extinto. O diploma que o
extingue e que cria o fundo privativo consagra a competência do Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas para aprovar o relatório de
gerência e para aprovar o plano de investimentos para o ano seguinte. E eu
pergunto se encontraram algum relatório de gerência ou algum… Ou seja,
este fundo privativo continuou a existir, violando a lei, à margem da lei, tal
como o Fundo anterior, o Fundo de Defesa Militar do Ultramar. Até 1993,
tivemos um fundo privativo a ser utilizado desta maneira, violando a
própria lei, porque tem de haver documentos a aprovar o relatório de
gerência e o plano de investimentos.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Encontrámos a conta de
gerência do fundo privativo, exceto o ano de 1985.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Aprovada por alguém?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós temos
aqui, num auto de declarações com o Sr. Coronel António Augusto Gaspar
Correia, ele foi ouvido em declarações, que o saldo do FDMU, apurado nos
finais de 1980, foi transferido para o EMGFA no ano de 1981, tendo, no
ano seguinte, 1982, sido criado nesta entidade o fundo privativo, como já
sabemos, para gestão do saldo de 547 milhões de escudos. Verificámos a
afetação dada ao dinheiro, nomeadamente nos anos de 1982 e 1986, tendo-
se constatado transferências para os diversos ramos das Forças Armadas,
destacando-se a Força Aérea e o Exército, e gastos com despesas do
próprio EMGFA.
Perguntámos-lhe como foi decidido e por quem, quem decidiu o
destino do dinheiro e o tipo de despesa que financiou e, para exemplo,
juntámos mapas dos gastos em 1982 e 1986, do Fundo e as transferências
efetuadas nestes anos para a Força Aérea e para o Exército — temos o
conjunto Anexo II, que está anexo a este auto. E ele respondeu, referindo
que quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro era o Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas quem movimentava era o
Conselho Administrativo do EMGFA.
Portanto, temos aqui, neste auto de declarações, que anexámos, faz
parte dos anexos…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Inspetora, esse anexo foi junto ao relatório?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foi, foi.
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O Sr. Presidente: — Está junto ao nosso relatório?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está, está.
O Sr. Presidente: — Se não, ia pedir-lhe para nos deixar fotocopiar
isso…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Este
anexo… Na parte dos autos de declarações, acho que são os Anexos I a III
ao relatório. Nós temos aqui dois tipos de anexos, os anexos ao relatório e
os anexos que integram o relatório. Temos os anexos que integram o
relatório e temos, depois, os outros que são… E há o I, o II e o III, que têm
os autos de declarações, sendo um deles o deste Sr. Coronel António
Augusto Gaspar Correia. Portanto, ele diz isto, isto é, realmente…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito bem, já percebi.
Sr.ª Inspetora, se me permite, tem uma declaração de um coronel que
refere isso,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … que é aquilo que nós já sabemos,
se lermos o diploma que consagra o fundo privativo e como o fundo
privativo é utilizado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Que diz
isso.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quero terminar esta questão do
Fundo, porque, depois, quero colocar uma questão a propósito da CREEFA
(Comissão de Reequipamento Extraordinário do Exército e da Força
Aérea).
O Fundo continuou a viver, até 1993, à margem da lei, porque a lei
obrigava a que os relatórios de gerência fossem aprovados pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, e os Srs. Inspetores não
encontraram uma aprovação de uma conta de gerência pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — As contas estão aprovadas!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerência estão aprovadas!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Por quem?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerência estão aprovadas, não é?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, mas por quem, então?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pois, é
isso. Eu acho que nós até juntámos…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Pelo Conselho Administrativo
do Estado-Maior.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pelo
Conselho Administrativo, António Augusto Gaspar Correia, por este
senhor, por exemplo, acho que ele assinava…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — As contas?!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas as contas e o plano de
investimentos para o ano seguinte…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente! E havia as atas
também iam a aprovar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas tinham de ser aprovadas pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou pelo Conselho
Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Segundo o
que ele diz aqui, em termos legais, era pelo Chefe do Estado-Maior. O que
ele diz aqui é que quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro — está
nesta ata que estou a ler — era o Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas, mas quem movimentava era o Conselho. Quem decidia
era o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas quem
movimentava era o Conselho. Agora, eu não sei é os anexos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ó Sr.ª Inspetora, isso eu já percebi.
Pergunto é se, perante isso, existe algum plano de investimentos, alguma
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conta de gerência aprovada, ou seja, formalmente aprovada, pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, como a lei obrigava. Julgo que
era assim, mas estou a tentar confirmar no diploma.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Acho que
estaria assinada por ele, para eu lhe ter feito esta pergunta…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É que, depois de aprovado o
relatório de gerência e o plano de investimentos para o ano seguinte,
compreendo que seja o Conselho Administrativo do Estado-Maior-General
das Forças Armadas a fazer estas transferências e, no fundo, esta gestão.
Mas só depois de aprovado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas as
contas de gerência estavam aprovadas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — As contas de gerência
propriamente ditas estavam aprovadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Estavam
aprovadas e assinadas pelo Conselho Administrativo. António Augusto
Gaspar Correia fazia parte do Conselho Administrativo, e o que ele diz é
isto, que eram aprovadas pelo Estado-Maior, mas, pelo Estado-Maior,
quem assinava era o Conselho Administrativo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ó Sr.ª Inspetora, vamos passar à
frente, porque eu próprio também tenho de encontrar o diploma do
Conselho da Revolução que cria o fundo privativo, para confirmar de quem
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era a competência para aprovar a conta de gerência e o plano de
investimentos do Fundo, se era do Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas, se era do Conselho Administrativo, porque são coisas
bem diferentes! Mas isso também confirmaremos mais tarde.
De qualquer forma, a última pergunta que quero fazer é relativa à
CREEFA e a uma parte do relatório em que os Srs. Inspetores afirmam
aqui… É que um dos aspetos que referíamos era o de saber qual era a
relação dos dois fundos, o do reequipamento extraordinário e o FDMU,
com a exportação de armas, se haveria aqui alguma relação. E os Srs.
Inspetores concluem, tudo bem, mas há uma parte em que referem que,
nomeadamente o FDMU, assumiu encargos respeitantes à exportação de
armas, no caso, «(…) à venda de granadas ‘OBUS’ à RFA», à República
Federal da Alemanha.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Bom, em
termos do FDMU, essa informação que está aí já estava relatada no nosso
anterior trabalho, onde se tinha visto, em momento anterior a 1980, antes
deste fundo privativo, que tinha realmente havido essa intervenção de
dinheiros na aquisição de armamento. Mas isso já está relatado no nosso
anterior relatório. Agora, daqui para a frente, não vimos mais movimentos.
Era o fundo privativo, portanto, não foi detetado mais nada.
Quando estávamos a fazer pesquisas em relação à CREEFA,
verificámos, realmente, um processo em que o FDMU era também
interveniente, mas era uma coisa… Nas declarações prestadas, também
todos eles disseram que o FDMU e a CREEFA não tinham qualquer
relação. O que nós vimos foi que, relativamente a uma situação que estava
para esclarecer já dos anteriores relatórios, e essa era uma situação um
bocado complexa, realmente, tinha saído dinheiro da conta bancária do
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FDMU, no Banco de Angola, para uma conta de Plano de Aquisições. E
nós, agora, fomos verificar que essa conta de Plano de Aquisições era da
CREEFA, CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior.
Portanto, houve transferências do FDMU para uma conta da
CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior. Nós questionámos,
mas ninguém soube exatamente responder, e questionámos porque há
documentação que diz que o dinheiro foi para ali para ser depositado na
Fazenda Nacional. A questão é esta: então, por que é que o dinheiro saiu de
uma conta do FDMU, no Banco de Angola, foi para uma conta da
CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças
Armadas para ser depositado no Tesouro?! Esta foi a questão que se
colocou. Realmente, há cerca de 4 milhões de escudos que vieram da conta
do FDMU, no Banco de Angola, entraram na conta da CREEFA e,
supostamente, foram depositados no… Foram, ou não, porque, depois,
também é muito difícil verificar se os movimentos se concretizaram, ou
não, no 7.º Bairro Fiscal, ou nas contas do Tesouro, já que as datas não
eram coincidentes. Aquilo era uma molhada de papéis em caixas e nós não
conseguíamos ver uma sequência. Não aconteceu neste mês, mas, sei lá,
poderia ter acontecido no mês seguinte, ou dois meses depois, nós não
podemos dizer. Ou se consegue encontrar ali que foi, realmente, depositado
nos cofres do Tesouro ou, se não, não sabemos. No fim, conseguimos ver
que houve um saldo da CREEFA, de cerca de 3 milhões de escudos, que
foi depositado nas contas do Tesouro, mas isto já foi em 1983 e, portanto,
não sabemos muito bem a sequência dos movimentos, enfim… Não sei se
baralhei, ou se…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, não! Não baralhou nada, Sr.ª
Inspetora, pelo contrário.
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Uma última pergunta mesmo: para além dessa transferência do
FDMU para a CREEFA, de que é que vivia a CREEFA? Tirando essa
transferência, de onde vinha o dinheiro para a CREEFA? O que é que a
CREEFA fazia com o dinheiro? Para onde ia o dinheiro da CREEFA?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sobre isso,
posso, realmente, falar.
As contas da CREEFA eram uma situação muito confusa. Nós
juntámos ao nosso relatório alguns anos, para se perceber. Assim, olhando,
não se percebe nada, mas, depois de analisado, chega-se a alguma
conclusão. Nós também juntámos os mapas com os resumos das contas da
CREEFA.
No nosso relatório, apresentamos um exemplo para um período, que
é o período de 1980… Em relação à CREEFA, para já, damos a ideia de
movimento, que é cerca de 8 milhões de contos, desde 1974 a 1984. Damos
a ideia destes movimentos, na página 31, e, depois, também apresentamos
um mapa para termos a ideia do valor que foi gasto em cada um dos anos.
Em relação às contas da CREEFA, que era, concretamente, o que
estava a perguntar-me, de onde vinha o dinheiro e para onde ia, temos aqui,
na folha 60, um mapa um tanto esquisito mas que, analisado, chega a
alguma conclusão. Portanto, se olharmos, temos logo, na primeira linha…
Temos sempre aqui a designação de «Fundos», porque concluímos que isto
era um outro fundo CREEFA e que era alimentado de alguma maneira. E
como? Por exemplo, se olharmos, neste período, podemos ver que há aqui
uma forma de alimento, que é «Avisos de pagamento que referem números
de autorizações de pagamento. São saques do CA/EMGFA sobre a
Direção-Geral da Contabilidade Pública». Ou seja, o CA/EMGFA sacava
valores sobre a Contabilidade Pública e, neste período, o valor era de 21
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milhões de escudos! Portanto, isto seria uma forma de alimentar o fundo
(parece-me), porque, depois, se confrontarmos isto com o material de
guerra, que está à frente, no quadro seguinte, e vemos como é que era
autorizado, com o funcionamento da CREEFA, chegamos também a essas
conclusões.
Neste período, já temos aqui uma forma de alimentar o Fundo
(Fundo 05-02), que é a dos saques sobre o Tesouro.
Depois, temos aqui uma outra forma de alimentação, que é a
segunda: «Receita do Fundo Devedores/Credores». E o que era isto? Isto
era dinheiro resultante de processos de armamento que estavam aprovados,
e que vinham aprovados de antes do 25 de Abril de 1974, e que, a certa
altura, eram anulados e o dinheiro era descativado. Este dinheiro voltava a
alimentar o Fundo. Por exemplo, neste mês, temos aqui: «Entrega no
CA/EMGFA, pela FNMAL,…», é a Fábrica Nacional de Munições e
Armas Ligeiras, salvo erro, «… resultante da devolução de um valor
correspondente a (…)» um qualquer material de guerra.
Portanto, são duas formas de alimentar o Fundo.
Mas temos também, neste período, despesas do Fundo. E que
despesas são essas? Se formos à página 61, que é a seguinte, no mapa a
seguir, vemos como é que, neste período, o Fundo foi gasto. E temos várias
coisas, como, por exemplo, a Explosivos da Trafaria, as Oficinas Gerais de
Fardamento e Equipamento, tudo isto que está aqui relacionado, por aqui
fora, totaliza os 10 milhões de escudos. Portanto, isto seria aquilo que está
aqui indicado como despesa do Fundo 05-02. Ou seja, o Fundo era
alimentado através da Direção-Geral da Contabilidade Pública, também dos
cancelamentos de situações de material de guerra e, depois, eram pagas
estas despesas.
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Se fizermos a diferença entre estes valores que constituem o alimento
do Fundo e as saídas, apuramos um saldo de 10 788 791$ que não está aqui
revelado, mas é a diferença entre estes dois tipos de receita do Fundo, de
devedores e de credores, e de despesa.
Portanto, fica-se com a ideia de que neste mês entrou mais dinheiro
do que aquele que foi gasto; o que foi gasto foi desta forma e, agora, surge
aqui uma terminologia extremamente confusa, mas que está ligada com
isto, penso que seja apenas uma questão de terminologia. Ou seja, temos
uma conta da CREEFA, onde é possível confirmar que estes 22 milhões —
a soma do que veio deste Fundo 05-02 com os devedores e credores —
foram depositados nessa conta, foram passados cheques sobre a mesma
conta destes 10 milhões, e, portanto, isto foi feito na conta. A terminologia
é que é estranha, porque eles chamam «Resumo da receita do Fundo
Depósitos à Ordem». Ora, esta receita de Fundo Depósitos à Ordem é
precisamente o valor dos pagamentos. Portanto, isto não faz sentido em
termos de terminologia, porque é exatamente o contrário ao que estamos
habituados a ouvir. «Resumo da receita» é precisamente o dinheiro que
saiu do banco e que corresponde à despesa; «Resumo da despesa do Fundo
Depósitos à Ordem» são os 22 milhões; «Receita do Fundo» foi
precisamente o dinheiro que entrou na conta e que corresponde aos saques
sobre o Tesouro e às descativações, ou seja, à anulação de encomendas de
material de guerra.
De facto, por este exemplo podemos ver já algumas das formas de
como este Fundo CREEFA era alimentado: saques sobre o Tesouro e
descativações, ou seja, anulações de encomendas de material de guerra que
não foi fornecido e, portanto, o dinheiro entrou. É isto.
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A questão da terminologia ninguém soube explicar, mas também não
sei se é muito relevante. Dá a impressão de que havia aqui quase um código
de terminologia, é ao contrário. Mas pronto, tudo bem!
A verdade é que aqui há um valor positivo de 10 milhões de contos,
mas isto depois, no fundo… Estamos em 1980 e, em 1984, este fundo
CREEFA é extinto, fica um saldo de 3 milhões de euros que entra na
Tesouraria da Fazenda Pública do 7.º Bairro Fiscal de Lisboa, e também
temos documentos disso, que juntámos. Este resumo está suportado pelas
contas que também anexámos ao Relatório.
Como suporte, falamos aqui da CREEFA, que foi extinta, dizemos
que havia uma conta bancária…
Em relação à conta bancária, encontrámos documentos de quem a
podia assinar, e uma dessas pessoas é António Augusto Gaspar Correia,
que é precisamente o Presidente do Conselho Administrativo do EMGFA.
Se lerem os nossos autos de declarações, verificam que eles não se
lembravam de nada, mas a verdade é que o Presidente do Conselho
Administrativo do EMGFA também estava ligado à CREEFA.
Isto já vinha do antigamente. O Conselho Administrativo do
EMGFA elaborava, trimestralmente, contas e apresentava-as à CREEFA. E
há aqui uma pessoa, o António Augusto Gaspar Correia, que,
simultaneamente, faz parte do Conselho Administrativo do EMGFA e da
CREEFA, ou não. Quer dizer, está ligado, porque faz as contas da
CREEFA, assina as contas da CREEFA, mas, depois, tem aqui uma
dualidade. Portanto, há aqui uma certa confusão entre a CREEFA e o
Conselho Administrativo. Mas, no Relatório, temos, de certo modo, a
explicação disto, através do material de guerra, que se aborda mais à frente.
Ainda na parte da CREEFA, tomámos alguns processos de
armamento, que verificámos, e temos os próprios processos juntos ao
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Relatório, onde vemos, mais ou menos, como era aprovada a despesa e
também nos servem para ver uma das formas de alimentar o Fundo. Se
lermos todos esses processos que tomámos aqui como exemplo — e eles
estão todos aqui no fim —…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estão, sim, senhor! Já os vi.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Portanto,
se se der ao trabalho de os ler até ao fim, vai ver que eles se arrastavam
desde 1973, alguns até de datas anteriores. Depois, deu-se o 25 de Abril e o
material continuou a ser fornecido, ao longo do tempo, até 1984. É o que
nós vemos aqui.
Mas, em alguns casos, a situação foi anulada e, então, o Conselho
Administrativo do Estado-Maior tinha dinheiro que acabou por ir alimentar
este fundo, é o que aqui chamamos de «descativações», ou seja, anulações
de encomenda de material, que, depois, não foi fornecido e o dinheiro… o
dinheiro ia alimentar este fundo.
Não sei se fui maçadora, se me faltou alguma coisa, mas isto, de
facto, é bastante complexo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não acho nada complexo, está muito
claro!
O Sr. Presidente: — Está esclarecido, Sr. Deputado?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estou, sim, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra ao Sr. Deputado Raúl de
Almeida.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar os Srs. Inspetores pelo trabalho desenvolvido, que está
extenso, está explicado e que hoje contribuem aqui para que melhor seja
interpretado.
Depois das perguntas do Sr. Deputado Miguel Santos e das respostas
que nos ajudam a contextualizar muita desta matéria, resta-nos apenas uma
circunstância, na página 40, no ponto «4.3.6.4. — Situações relacionadas
com a exportação de material de guerra» — este é um ponto que nos parece
importante e central. Os senhores explicam aqui por que é que não podem
ir mais além e concretizar mais nesta matéria, mas, ainda assim, estamos
numa Comissão de Inquérito sobre a Tragédia de Camarate.
Voltando ao fio do que é esta questão, tenho de perguntar se haveria
alguma menção sobre o destino do material de guerra aqui referido, se
haveria algum tipo de indicação que permitisse pensar, explícita ou
implicitamente, que esse material poderia ter como destino o Irão ou, em
alternativa, o Iraque.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Estamos a
falar de material de guerra que foi comercializado pela CREEFA,…
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … de
situações de processos-crime relacionados com a CREEFA.
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O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Conforme
dizemos no Relatório, podemos aqui conjeturar várias coisas. Já temos
aquele antecedente, bastante significativo, que pode ser interpretado e que é
o facto de o atentado ter acontecido a 4 de dezembro, de ter havido aquela
situação em que o Prof. Adelino Amaro da Costa questionou, no dia 2,
determinadas exportações de armas para o Irão e para o Iraque e, depois, de
também haver uma evidência, num livro de registo de correspondência, em
como realmente seguiu material para o Irão, imediatamente a seguir, um
mês e uns dias depois. Isto tudo já foi relatado no nosso segundo trabalho e
com suporte num livro de registo de correspondência classificada, onde
realmente está mencionado esse facto, a intervenção do Ministro da Defesa,
questionando o destino daquele material. Isto era o que tínhamos, mas
nunca podemos estabelecer uma ligação imediata.
Quer dizer, temos aqui material, que foi sendo adquirido e
comercializado pela CREEFA, desde 1974 até 1983 — penso que foi 1983,
quando a CREEFA se extinguiu —, ou até 1984, e também temos muitas
faturas de material adquirido em datas próximas de 1980, sendo que
algumas das faturas apresentam as tais particularidades que aqui
evidenciámos. Se calhar, se tiverem o trabalho de ler todos estes processos,
que estão aqui resumidos, veem mais algumas coisas. Mas, por exemplo, há
uma que tem o dia zero, do ano zero, do mês zero, tem a receção por parte
do Depósito do Material de Guerra numa data e, depois, tem o envio numa
outra data, etc. Todas estas faturas se centram muito na data do atentado.
Nós podemos conjeturar coisas, mas, quer dizer, não podemos… Isto são
relatos de factos suportados por documentos. Isto aconteceu.
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De facto, estas faturas estão cá! De facto, havia estes processos na
CREEFA, antigos, o material estava a ser comercializado nesta data, muito
próxima do atentado… Mas, enfim, são factos relatados! São factos! Estão
aqui! É o que podemos dizer, são estes factos!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Compreendo que os senhores
não possam especular,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
podemos especular, exatamente!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — … e o vosso trabalho é um
trabalho de precisão…
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — … e este Relatório comprova-
o. Mas há, de facto, uma coincidência entre a preocupação do Eng.º
Adelino Amaro da Costa, enquanto Ministro da Defesa, e uma confluência
de faturas, digamos, pouco normais, nessa época.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não sei se
seriam pouco normais, há, realmente, aqui um relato das faturas nesta data
com algumas particularidades específicas.
Há toda esta anulação de faturas, que referimos aqui.
A CREEFA tinha uma determinada intervenção; o Conselho
Administrativo do Estado-Maior queria liquidar estes saldos e a Fábrica de
Militar de Braço de Prata não fornecia o material. O material era desviado
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para encomendas de exportação, relatamos isto aqui, e os processos
arrastaram-se, em alguns casos terá havido até adiantamentos, não sei. Se
lermos estas situações chegamos a esta conclusão.
De facto, isto aconteceu, está aqui, temos documentos, temos provas!
Para tudo o que está aqui relatado temos os anexos, nos volumes, os
próprios processos, para comprovar que isto aconteceu.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente.
Portanto, na análise de todo o processo subsequente, que se estende
por este Relatório, gostava de saber se voltam a encontrar evidências,
indícios, que vos levem nesta direção, de haver países abrangidos pelo
embargo, nomeadamente Iraque e Irão, e cruzamento com verbas que
possam, digamos, cruzar-se com transações com estes países, provenientes
do FDMU.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
sabemos para onde ia o material, apenas sabemos que havia material que
estava a ser desviado para situações de exportação. Os saldos foram
ficando, foram-se arrastando e os processos foram ficando estes anos todos,
10 anos, até 1984.
O que depois era exportado, para onde, como? Era devidamente
autorizado pelo Ministro da Defesa, não era? Era feito à revelia? Não
sabemos, não temos elementos.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Claro!
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos dizer que
verificámos que todo esse movimento de armamento estava intimamente
ligado às Forças Armadas. Isso verificámos pelos documentos.
Também verificámos que muitos dos documentos não estavam
elaborados de acordo com as melhores práticas.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Portanto, havia uma
opacidade…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Omissão de alguns
elementos, e não eram claros.
Mas temos de pensar o seguinte: será que, à época, era normal, nesse
tipo de negócios, haver uma clareza total? Em algum sítio? Dificilmente
podemos dizer que seria normal haver essa clareza em todos os
documentos, que todos os documentos tinham essa transparência, como
seria vulgar num outro negócio qualquer.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Mas, portanto, os Srs.
Inspetores encontram, pela vossa experiência, pela vossa competência de
ação, uma opacidade evidente nestes documentos?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Alguma opacidade. Mas
também quero relembrar que dificilmente poderemos, em 2015, fazer
juízos de valor relativamente ao que se passava em 1980.
Recordo que entrei na Inspeção-Geral de Finanças em 1982 e que,
em 1983, em algumas importantes empresas portuguesas quase não havia
contas correntes, e não diríamos que fosse por uma questão de falsa
transparência. Mas, devido ao momento que se vivia, muitas vezes à
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desorganização, o cumprimento de alguns procedimentos não era, se
calhar, a regra habitual.
Temos de ter em conta que, em todo aquele período a seguir ao 25 de
Abril, houve várias reorganizações de departamentos, de empresas, que, se
calhar, muitas vezes, quando tomavam determinadas decisões, não estavam
à espera que houvesse um conjunto de regras muito precisas e que todos os
intervenientes tivessem imbuídos nessas regras de modo a cumpri-las.
Um aspeto dos depoimentos que verificámos e que muitas vezes se
reflete nos autos de declarações foi que a idade constituiu uma questão
fundamental e uma justificação plausível para muitos dos intervenientes da
altura não se lembrarem agora de determinados factos, mas também
transpareceu que não haveria aquelas regras absolutamente definidas e
claras, em que eles se soubessem movimentar.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Inspetor, felizmente, o
País tem vindo a funcionar de uma forma cada vez mais rigorosa e mais
correta, em termos de procedimentos, mas estamos a falar de transações de
material que envolvem uma grande responsabilização por parte dos
contraentes, tanto do vendedor como do comprador. Acredito que, por
exemplo, numa grande transação de batatas ou de uma qualquer
leguminosa não haja um grande rigor. Já uma transação de armamento
envolve uma responsabilização — até por causa do traceability, e, portanto,
da responsabilização dos atores envolvidos — que exige um grau de
precisão, se houver vontade e se o negócio for transparente e natural.
O que pergunto é se, dado o objeto do negócio em si… Façamos a
seguinte comparação: os Srs. Inspetores fazem uma inspeção e vão
verificar, por exemplo, os registos de uma grande empresa informática que
exporta, por exemplo, para o departamento de defesa americano ou para
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uns laboratórios farmacêuticos (para sairmos do âmbito do armamento), o
que é algo que exige grande responsabilidade. Da vossa experiência, tendo
em conta o paralelo entre duas situações de responsabilidade, de seriedade
e de «gravidade» do negócio, encontram, ou não, aqui alguma opacidade
neste tipo de negócio de material de defesa?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em minha opinião, existe
alguma opacidade. Mas também é claro que os procedimentos que estão
definidos atualmente são totalmente diferentes do que seriam nessa época,
ou em 1980 ou em 2000. Nessa época, as recordações que tenho, em
termos de organização, é que em todos os locais, com exceção de alguns
em que a organização se alterou um pouco, havia uma grande falta de
cumprimento de procedimentos. E não foi só no período de 1974/75. Acho
que a própria legislação constitucional portuguesa ainda estava a cimentar-
se e ainda vivia períodos de grandes divergências entre todos os atores da
sociedade portuguesa.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Muito obrigado.
É tudo, Sr. Presidente.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sr.
Presidente, dá-me licença que adiante algo mais?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sr.
Presidente, se lermos estes processos relacionados com o material de
guerra, veremos aqui também, por exemplo, que a CREEFA faz alguns
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comentários, dizendo «os processos arrastaram-se», ou «já está», ou «ao
Exército tudo é permitido».
Portanto, se lermos estes processos, vemos que realmente há aqui
uma intervenção pouco clara. As coisas acontecem e, pronto, «ao Exército
tudo é permitido» e «já está».
Portanto, convinha lermos estes processos.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.ª
Inspetora.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Inspetora.
Ainda nesta primeira ronda, pergunto se algum dos representantes
dos familiares das vítimas quer intervir.
Pausa.
Não havendo ninguém que queira intervir, passamos, então, à
segunda ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, ainda relativamente à
questão da aprovação das contas e para ficar tudo devidamente claro,
estava aqui à procura do diploma — e foi o Dr. Peter que acabou por
encontrá-lo —, porque quis confirmar se eventualmente estaria enganado,
mas efetivamente não estava.
De facto, o Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, do Conselho
da Revolução, é o tal Decreto-Lei do Conselho de Revolução que faz várias
coisas, a primeira das quais é extinguir o Fundo, que já sabemos que não
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foi nada extinto, porque continuou a sobreviver, criando este fundo
privativo.
Ora, o artigo 1.º diz que a gestão do saldo que passa para o fundo
privativo e, afinal de contas, o fundo privativo, é da competência do
Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E
diz que, para esse efeito, o Conselho Administrativo organiza anualmente
um orçamento privativo a aprovar pelo Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas. Diz também que o saldo de gerência tem de ser aprovado
pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Ou seja, nós tivemos o Fundo de Defesa Militar do Ultramar que foi
vivendo, ao longo dos anos, mesmo depois do 25 de Abril, e cujo saldo de
gerência e plano de investimentos a realizar, tal como consta do primeiro
relatório dos Srs. Inspetores, foi aprovado — um ou dois deles — pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e, depois, deixou de
ser aprovado pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esse é o
primeiro relatório.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O FDMU, tal como consta do
primeiro relatório.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, no FDMU, a competência
legal era do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E o
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas exerceu essa
competência durante um ou dois anos e, depois, deixou de a exercer.
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Então, o Conselho da Revolução, através deste Decreto-Lei, extingue
o Fundo e cria um novo fundo privativo. É a mesma coisa, com regras
diferentes, como dizia o Sr. Inspetor, nomeadamente que o plano de
emprego (é assim que é designado neste diploma) — ou seja, os
investimentos que se fazem no ano seguinte — tem de ser aprovado pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
O saldo de gerência (o saldo apurado no ano anterior) tem de ser
aprovado pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E,
depois, a gestão durante o ano é que é feita pelo Conselho Administrativo.
Portanto, a última pergunta que quero colocar — novamente, mas
agora com esta confirmação legal — é se os Srs. Inspetores, em relação ao
fundo privativo (em relação ao FDMU, já sabemos), encontraram
formalmente algum documento subscrito pelo Sr. Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas a aprovar um ou os vários planos de emprego,
ou o saldo de gerência. É esta a questão.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Reafirmando o que o Sr.
Deputado disse, nos moldes em que existia, o FDMU foi extinto e o saldo
passou para o fundo privativo. As contas do fundo privativo deveriam ser
aprovadas pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e
submetidas ao Ministro das Finanças. Nós não encontrámos evidência
disso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É exatamente esse diploma que o Sr.
Inspetor aí tem.
Portanto, concluindo, pela nossa parte, esta audição, o FDMU foi
extinto e o dinheiro continuou a sobreviver através de um outro nome, um
fundo privativo. As regras do fundo privativo legalmente eram diferentes,
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mas, na prática, viveram exatamente como viveu o FDMU. Ou seja, as
contas não eram aprovadas por quem a lei obrigava a aprovar. Portanto,
viveu à margem da lei e continuou a viver, até 1993, à margem da lei. Os
Srs. Inspetores encontraram registos de transferência, nomeadamente, dos
481 milhões, que, pelas nossas contas, correspondem atualmente a 50
milhões de euros.
Portanto, entre 1982 e 1993, foram gastos por este fundo privativo o
correspondente a 50 milhões de euros, mas, em relação aos gastos, a única
coisa que sabemos é que foram transferidos para um organismo das Forças
Armadas 1,5 milhões, 2 milhões, 3 milhões, que, segundo a epígrafe, se
destinavam a pintar edifícios ou a construir polidesportivos, mas não se
encontra, objetivamente, para quem foi transferido o dinheiro, os contratos
de empreitada, as minutas de execução da empreitada. Não se encontra
rigorosamente nada.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em alguns anos, não se
encontra absolutamente nada.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nada!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Só em dois anos, claramente,
é que ainda existem os lançamentos efetuados na conta para que se
destinavam; noutros anos, não existiam.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Só nos
anos de 1982 e 1986.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — E esta saga destes fundos, do FDMU
e do tal fundo privativo, termina finalmente em 1993,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … quando restam 29 milhões de
escudos que são integrados no Orçamento.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já agora,
gostaria de dizer o seguinte: depois, se quiser ver no relatório, temos nos
autos de declarações alguns anexos.
Questionámos, por exemplo, o Coronel António Augusto Gaspar
Correia e temos, por exemplo, uma ata que está assinada pelo chefe da
contabilidade. Portanto, António Augusto Gaspar Correia, José António
Negrão Sequeira, Carlos Alberto Fernandes Salgueiro não assinam, quem
assina uma ata é o chefe da contabilidade. E esta ata está também anexa ao
nosso relatório e está anexa aos autos de declarações. Isto pode ter interesse
para os Srs. Deputados.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Dado que os representantes dos familiares das
vítimas não têm questões a colocar, dou por terminada esta audição,
agradecendo aos Srs. Inspetores o trabalho de grande qualidade realizado,
como é hábito dos próprios técnicos e da entidade que representam.
Quero igualmente agradecer aos Srs. Inspetores a sua presença, a sua
colaboração inestimável e as explicações que nos deram, que foram muito
importantes para nós.
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Srs. Deputados, fazemos agora um curto intervalo, antes da próxima
audição.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 11 horas e 25 minutos.
Começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, Dr. Joaquim
Gonçalves, e por dizer qual é o objeto da X Comissão Parlamentar de
Inquérito à Tragédia de Camarate.
De acordo com o artigo 1.º do Regulamento, «A Comissão de
Inquérito Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…).»,
dando seguimento às recomendações emitidas pelas VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito e investigando factos novos que,
eventualmente, lhe sejam apresentados.
Gostaria de recordar o depoente que, como é do seu conhecimento,
está sob juramento e, portanto, um falso depoimento resulta na prática de
crime, punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.
Quero, também, dar-lhe conhecimento de como vai funcionar a
Comissão e da grelha de tempos: a 1.ª ronda será de 5 minutos para as
perguntas e respetivas respostas por grupo parlamentar e por representante
dos familiares das vítimas; a 2.ª ronda será de 3 minutos por grupo
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parlamentar e por representante dos familiares das vítimas; e, finalmente, a
3.ª ronda será de 2 minutos para as perguntas para todos os Deputados de
todos os grupos parlamentares.
Pergunto-lhe se pretende fazer alguma intervenção inicial ou se
prefere responder desde já às perguntas.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves (ex-Inspetor da Polícia Judiciária): —
Sr. Presidente, eu gostaria de dizer, em primeiro lugar, que…
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — … isto aconteceu há cerca de 40
anos…
O Sr. Presidente: — Foi há 34, Sr. Doutor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, o tempo que decorreu já foi
muito e já não me lembro de, praticamente, nada.
Em segundo lugar, o caso não foi entregue a mim, foi entregue ao
meu colega Pedro Amaral. E, portanto, não estive a par desse caso.
Em terceiro lugar, tive um pequeno AVC (acidente vascular cerebral)
há três anos que me afetou a memória e a conversação. E, por isso, tenho
dificuldade em falar e em recordar as coisas.
Nada mais tenho a dizer por agora, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Passamos, então, à primeira ronda de
perguntas, para o que dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Dr. Joaquim Gonçalves,
agradeço, desde já, a sua presença.
O Sr. Doutor mencionou ainda agora que se lembra pouco do que
aconteceu relativamente a Camarate, mas, desse pouco, gostava que nos
dissesse do que se recorda.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Primeiro, recordo-me de que o
caso foi distribuído ao Dr. Pedro Amaral, que, na altura, era estagiário —
eu era o titular, era Inspetor da 2.ª Secção, e os homicídios eram
distribuídos um para mim, outro para ti, um para mim, outro para ti.
Este caso, apesar da sua complexidade, coube ao Dr. Pedro Amaral,
pelo que foi o Dr. Pedro Amaral quem ficou com ele, eu fiquei desligado,
de tal maneira que nem sequer lá fui na primeira noite, nunca lá fui!
A única coisa de que me recordo é o Dr. Pedro Amaral me ter dito
que ficou de prestar contas ao Dr. Garcia Marques daquilo que se ia
passando, fazendo o relatório, que lhe passava pessoalmente, nem sequer ia
para o processo. Era assim que estava combinado entre o Dr. Pedro Amaral
e o Dr. Garcia Marques.
Se bem me lembro, o último relatório que o Dr. Pedro Amaral fez
dizia que havia restos de papéis queimados desde o arranque do avião até à
queda do avião e que se admirava. Isto porque, se realmente o avião
rebentou lá muito mais para a frente, admirava-se que houvesse restos de
papel queimado logo a partir do levantamento do avião.
Esta é a única coisa de que me lembro relevante para o caso. Sei que,
quanto a esse último relatório, o Dr. Garcia Marques recebeu-o e, contra
aquilo que ficou combinado entre eles, meteu-o no processo. Esse relatório
foi para o processo, não ficou com o Dr. Garcia Marques.
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Não me lembro de mais nada. Passados um ou dois, ou lá o que foi, o
caso passou para a secção de bombas e nunca mais os Homicídios tiveram
qualquer intervenção nesse processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Fiquei com uma dúvida. Disse
que o Dr. Pedro Amaral era estagiário.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, acho que ainda era
estagiário.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E um caso destes, com esta
complexidade, em que morre o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa
Nacional, era comum isso acontecer?! Era comum homicídios serem
entregues a estagiários?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nunca tinha acontecido aparecer
um caso desta natureza, desta importância. Portanto, esse problema nunca
se tinha posto. Eu também fiquei admirado, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que fez a atribuição?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi o Diretor-Geral, Dr. Lourenço
Martins, o Dr. Garcia Marques, o Major Bernardo, que era na altura
Diretor-Adjunto… ou foram os três, ou foi combinado entre eles, já não me
lembro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quanto tempo
teve o Dr. Pedro Amaral o caso?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Também o teve pouco tempo, 8
ou 10 dias.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se de ele ter feito
esse comentário do rasto dos papéis?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, porque ele ia fazendo
comentários, de que já não me lembro, mas desse lembro-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esse relatório foi junto ao
processo?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi junto ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao contrário do que estava
combinado com o Dr. Garcia Marques.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, o Dr. Garcia
Marques…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — … porque o Dr.…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Deixe-me fazer a pergunta.
O Dr. Garcia Marques não queria que esse relatório fosse junto?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Queria juntá-lo. Ele é que queria
juntá-lo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Garcia Marques?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, o Dr. Garcia Marques,
porque o Dr. Pedro Amaral tinha combinado, particularmente, relatar-lhe
aquilo que se ia passando em relatório. O Dr. Garcia Marques estava tão
ocupado que não tinha tempo para o receber. Então, por escrito, ele ia
comunicando.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois, quando o processo foi
atribuído à secção das bombas, o Sr. Doutor terá perdido o rasto, o contacto
com…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já o tinha perdido naquela
altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas como tinha a relação
funcional com o Dr. Pedro Amaral, ia sabendo.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acho que estávamos, até, no
mesmo gabinete.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E foi sabendo, mas, depois
disso, nunca mais teve conhecimento.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nunca mais tive. Nunca mais
soube de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certamente se recordará com
mais precisão de um outro caso de uma outra morte, de duas mortes, aliás,
a do Sr. José Moreira e a da sua acompanhante que ocorreram, pouco
tempo depois, num apartamento em Carnaxide.
Recorda-se disto?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me recordo nada.
Ainda no outro dia, a falar com o Dr. Pedro Amaral, referimos isso e
não me recordo absolutamente de nada desse caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … de uma morte, supostamente
por inalação de monóxido de carbono, num apartamento, com uma…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dr. Pedro Amaral relembrou-
me que eu propus o arquivamento desse inquérito, ou ordenei o
arquivamento, porque entendi que as causas da morte eram naturais.
Entendi que as causas da morte eram naturais e que nada tinham a ver com
o caso Camarate.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas eu gostava de perceber
qual foi o envolvimento do Sr. Doutor nesse caso em concreto. Foi só o de
assinar um despacho de arquivamento?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não. Eu acompanhei o caso, de
certeza!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostava que…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de mais nada.
Não me lembro de nada desse caso! A relevância desse caso era, para mim,
de tal maneira pequena que não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou dar-lhe o nome de vários
inspetores e agentes para me dizer se estão em conexão com esse caso.
Paulo Franco.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não nunca trabalhou comigo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas sabe quem é?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sei quem é.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas não sabe se esteve neste
caso?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Herculano Morgado.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Herculano Morgado não sei se
esteve. Embora fosse agente de lá e estivesse comigo, não me lembro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mário Mendes.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de Mário Mendes.
Não me lembro dele.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eduardo Dias Costa.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dias Costa estava lá, mas
também não me lembro de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, o Sr. Doutor recorda-se
porque falou com o Dr. Pedro Amaral…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, só por isso. Só por isso é que
me recordo desse caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda, sequer, de ter
assinado seja o que for?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada, absolutamente nada! Não
me lembro de nada desse caso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A conclusão é minha: é
estranho, tendo, de facto, colocado uma assinatura e sendo, na altura, um
homicídio…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu acompanhava todos os
homicídios, por feitio. Acompanhava, fosse qual fosse, o homicídio, eu ia
lá e de certeza que também acompanhei esse caso, mas, pura e
simplesmente, não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Neste caso, em concreto,
recorda-se do despacho que fez, depois de ter sido…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de absolutamente
nada do caso. Não me lembro de nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nem depois?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nem depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto foi muito noticiado na
comunicação social.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda há relativamente pouco
tempo, alguns jornais voltaram a falar no assunto. Não vislumbrou
absolutamente…
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe quem dirigiu a
investigação, quem foram os agentes…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei nada! Se lá está que fui
eu, acompanhei-o, mas não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas nem sabe se foi! Foi o Dr.
Pedro Amaral que disse que foi.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ele é que me disse que fui.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor não se recorda de ter
assinado seja o que for.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me recordo de nada desse
caso. De nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse-me que acompanhava
todos os homicídios.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acompanhava todos os
homicídios, e os meus ex-colegas são testemunhas disso. E o Diretor
também se lembra.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estava na secção de
homicídios. Qual era a função do Sr. Doutor?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Chefiava as investigações todas,
do princípio ao fim: distribuía-as, acompanhava-as, dava despacho de
arquivamento ou o despacho final.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que, então, não
acompanhou o caso Camarate?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O caso Camarate não acompanhei
porque não me foi distribuído.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas todos os outros homicídios
eram-lhe entregues?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse, há pouco, que o Dr.
Pedro Amaral estava na secção de homicídios — certo? — e que foi-lhe
entregue o caso Camarate.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi entregue a ele, ficou ele e eu
não tive nada a ver com isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor chefiava a secção
de homicídios.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, por que é que não
acompanhou este?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eram três secções: a 1.ª secção, a
2.ª secção e a 3.ª secção. Eu tinha a 2.ª secção.
A do Pedro Amaral deve ter sido a 1.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de ser de outra secção,
ele trabalhava no seu gabinete?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acho que estava no meu gabinete
naquela altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mesmo sendo de outra secção?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim. Era um gabinete grande.
Estávamos lá os dois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só estavam os dois, ou estavam
mais?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não estava mais ninguém.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É estranho que, não sendo da
sua secção, esteja com outra pessoa.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Havia dois gabinetes
para os inspetores. Havia o meu e, antes de ser o Dr. Pedro Amaral, penso
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que era um juiz, mas já não me lembro quem era, que terminou a comissão
de serviço lá e foi para a Magistratura e, depois, ficou o Pedro Amaral,
estagiário. E estava no outro gabinete o Santos Carvalho e o00H11:30
Pereira de Miranda. Portanto, havia dois gabinetes, no meu estavam dois
inspetores e no outro estava só um, porque também era mais pequeno.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quanto a este caso, de José
Silva Moreira, não se recorda absolutamente de nada.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de nada! Nada,
nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, por agora, fico-
me por aqui, vou fazer uma pesquisa para tentar encontrar o despacho.
Pode ser?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Isso eu agradecia, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Bom dia, Sr. Doutor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Bom dia.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Posso ter ouvido mal, mas creio que há pouco
disse «como o caso não tinha nada a ver com Camarate, mandei arquivar».
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não foi por causa disso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas o Sr. Doutor disse isto.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não. Eu mandei-o arquivar,
porque entendi que não havia indícios de crime. Não foi porque tivesse a
ver com Camarate, ou não.
O problema de estar ligado ao caso Camarate foi naquela altura e eu
já me esqueci.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor esteve presente? Foi ao local do
crime?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor está tão desmemoriado…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Estou, estou. Tive um pequeno
AVC há três anos que me deixou com pouca memória. A maior parte das
coisas que se passaram, nos tempos que já lá vão, já lá vão. Isto é verdade,
infelizmente!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu gostava de me recordar disso.
Não pensem que estou a fugir à questão. Não me lembro de absolutamente
nada.
O Sr. Presidente: — Eu colocava-lhe só uma questão: quando é que
reuniu com o Sr. Inspetor Pedro Amaral? Foi há pouco tempo?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quando recebi o… telefonei-lhe a
dizer que vinha cá.
O Sr. Presidente: — Mas isso foi há uma semana? Há dois ou três
dias?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi há duas semanas, foi logo a
seguir…
O Sr. Presidente: — Encontraram-se?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Telefonei-lhe e pelo
telefone ele é que me disse «Deve ser por causa daquela morte que houve
por monóxido de carbono…», etc.
O Sr. Presidente: — Ele esteve a explicar-lhe tudo.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não! Explicou-me só isso. Disse-
me: «Se calhar, é por causa disso e porque tu, na altura, disseste que não
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havia qualquer indício de crime». Mais nada, não houve mais conversas
sobre o caso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor, recorda-se do
Agente Morgado?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, lembro-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que é que fazia o Agente
Morgado? Quais eram as suas funções?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ele era mais escriturário. Saía
pouco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas ele, sendo escriturário, fez
muitas diligências de investigação, neste caso do José Moreira.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Talvez.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi ele que inquiriu várias
pessoas,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inquiriu 12 pessoas e foi ele
que apresentou o relatório final.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sendo escriturário, isto era
normal?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era! Em casos que não envolviam
terceiros, etc., estes casos assim, eram distribuídos a ele, a ele e ao Agente
Martins, que também era escriturário.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diz «quando não envolviam
terceiros», gostava que precisasse um bocadinho mais.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quando não havia terceiros…
Quer dizer, foi distribuído a ele, porque eu entendi que a importância do
caso não era suficiente para ser para o subinspetor ou para um outro agente
qualquer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, este Sr. José Moreira
era irmão do proprietário de um dos aviões Cessna que estava ao serviço da
campanha do General Soares Carneiro.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este senhor vinha depor à
Comissão de Inquérito de Camarate da altura e morre, ou é morto, uns dias
antes. Só por si, este facto, que foi noticiado, é estranho!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve várias investigações,
houve várias diligências, houve, depois disso, inclusivamente, um inquérito
à participação e à investigação feita pela Polícia Judiciária em 1991,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, e nessa altura eu já lá não
estava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … por ter sido colocada em
causa a investigação feita nessa altura. E o que me está a dizer é que não foi
atribuída importância ao caso, mas ele teve logo importância, foi-lhe logo
atribuída importância nesse mesmo momento.
O que me está a dizer é que este Agente Morgado, sendo escriturário
e não saindo muito, fez várias diligências. Como é que o caso lhe foi
atribuído?! É outra admiração como foi a do Dr. Pedro Amaral?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi-lhe distribuído a ele e, a partir
desse momento, foi ele quem ouviu as pessoas todas, embora eu estivesse
presente, possivelmente, na audição de algumas delas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este Agente Morgado reportava
a quem?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ao subinspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Cujo nome era…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Na altura não sei se ainda era o
Lobão, ou se já tinha morrido o Lobão, ou se era o Paulino… tenho a
impressão de que era o Paulino.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Dias Costa era o
quê?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dias Costa, nessa altura, ainda
não estava lá, segundo me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este Agente Morgado, e estou a
citar documentos da Procuradoria, fez o relatório final e, depois, o Inspetor
Dias Costa, cinco dias depois, manda remeter os autos ao Ministério
Público na comarca de Oeiras, dizendo concordar com o relatório do
Agente Morgado,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … ou seja, considerando que
era uma morte acidental.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tendo sido o Inspetor Dias
Costa a fazer o despacho para o Ministério Público, ele tinha de ter
alguma…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro. Possivelmente,
eu já não estava lá, sei lá!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor saiu da Polícia
Judiciária quando?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Saí pouco tempo depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o pouco tempo depois é o
quê? Não se recorda do dia em que saiu? Nem do ano, nem do mês?
Em que ano é que se aposentou?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Aposentei-me há cinco, seis anos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Antes de se aposentar esteve a
trabalhar onde? Vamos por partes, vamos tentar chegar…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Antes de me aposentar estive no
tribunal de polícia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esteve muitos anos no tribunal
de polícia?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Dois ou três anos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nos anos 80, qual foi o
percurso que o Sr. Doutor fez?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Em 1980, era Procurador em
Faro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1980 e…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Em 1990 e poucos fui para o
Tribunal da Boa Hora. Em 1980, ou estava em Loures, ou estava em Faro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Há pouco disse que o Dr. Pedro
Amaral comentou consigo este caso.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse também que ele lhe teria
dito que, efetivamente, teria sido…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — A única coisa de que me lembro,
sem ninguém me contar nada, é da história do relatório do Dr. Pedro
Amaral que entregou ao Dr. Garcia Marques.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas isso relativamente a
Camarate. Agora, estamos a falar deste caso…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Só me lembra disso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E nós agradecemos.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Do resto não me lembro de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, provavelmente, também
de acordo com o que aqui consta, não terá sido o Sr. Doutor a remeter os
autos para o Ministério Público. Até o Dr. Pedro Amaral se enganou,
porque diz aqui «Inspetor Dias Costa».
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Se lá estava o Dias Costa é
porque eu já tinha saído e ele já me tinha substituído. Eu saí pouco tempo
depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi o Dr. Dias Costa que o foi
substituir?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi. Foi ele que me foi substituir.
Não sei se ainda esteve algum tempo comigo para se adaptar ao lugar, ou
coisa parecida.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que atribuía os casos
em concreto?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era o inspetor aos diversos
agentes ou a subinspetora às brigadas…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se que eram, nesta
altura, em 1983, os inspetores da sua secção?
Quem é que terá atribuído ao Agente Morgado este caso?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ou fui eu, ou foi o Dias Costa,
não pode ter sido outro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dias Costa era subdiretor?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E ele, como inspetor, tinha
poderes para…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Agora são todos inspetores.
Naquela altura, eram só os licenciados em Direito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, como inspetor, podia
atribuir, não tinha de ir ao chefe.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não. Qual chefe?! Ele era o
chefe!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas era o Sr. Doutor que
chefiava a secção.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Se por acaso já lá estivesse o
Inspetor Dias Costa, podia ter…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Podia ter atribuído sem ter a
sua intervenção.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sem ter a minha intervenção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, houve vários
homicídios que eram entregues pelos inspetores sem que o chefe da secção
de homicídios se pronunciasse.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! O chefe tomava sempre
posição.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o que me está a dizer é
que o inspetor atribuía, mas com o acordo do chefe.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O chefe era o inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sou eu que não estou a
perceber.
A secção tem vários inspetores…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Tem um inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tem só um inspetor?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Naquela altura só tinha um
inspetor.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o Sr. Doutor era
inspetor…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Da 2.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o Inspetor Dias Costa
também era da 2.ª secção?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi substituir-me na 2.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas disse há pouco que, se
calhar, ainda trabalharam em conjunto.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei se ainda trabalhou algum
tempo comigo, ou não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ou seja, podia acontecer ter,
transitoriamente, dois inspetores.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Podia. Transitoriamente, poderia
ter dois inspetores.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem assinou o relatório e o
remete para o Ministério Público foi o Dr. Dias Costa…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi ele quem fez o despacho
final?
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi ele quem fez o despacho
final.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Então, foi ele que teve o caso. Eu
não tive o caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de estar lá.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Apesar de estar lá. Se ainda lá
estava…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda se, em abril de
1983 ou em janeiro de 1983…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quantos anos é que foi esse caso
depois da morte de…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi a 6 de janeiro de 1983.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quanto tempo depois da morte
de… do acidente de Camarate?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dois anos e um mês.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já lá não estava. De certeza
absoluta que eu já lá não estava.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já não estava na…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Já não estava na Judiciária.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estaria em Faro?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não. Estava em Loures, de
certeza absoluta.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que o Dr. Pedro
Amaral, agora, há pouco tempo, o informa de que o Sr. Doutor terá feito o
arquivamento…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei. Equivocou-se também,
ou, então, eu percebi mal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor pergunto ao Dr.
Pedro Amaral por que é que tinha sido chamado a vir aqui?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, disse-lhe que ia ser chamado
agora. Ele disse: «Só se for por causa daquele caso!». E eu percebi que o
caso tinha sido meu, mas, afinal, foi do Dias Costa. Eu percebi mal, ou ouvi
mal, ou ele explicou-se mal, porque, afinal, o caso era do Dias Costa.
Estava a admirar-me muito que tivesse sido o Herculano a ouvir
essas pessoas todas, se fosse comigo; isso não acontecia. Mas eu já lá não
estava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que não acontecia?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Porque não acontecia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas explique lá porquê.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Atendendo ao feitio. Eu
acompanhava as investigações todas e o Dias Costa, possivelmente, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o que me está a dizer é
que, atendendo a este caso, que até foi um caso mediático,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já lá não estava de certeza!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … o Agente Morgado, se fosse
o Sr. Doutor a dirigir esta investigação, sendo ele escriturário, não teria
feito estas diligências todas.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — E se as fizesse eu acompanhava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não as faria sozinho.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não as faria sozinho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Está a fazer uma crítica à
investigação da altura.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, porque cada um tem a sua
maneira de trabalhar.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Mais alguém tem alguma questão a colocar?
Pausa.
Uma vez que não há mais questões a colocar, dou por concluída a
audição, agradecendo ao Sr. Doutor os esclarecimentos que deu.
Pausa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, o PSD requer a vinda
à Comissão de António Augusto Gaspar Correia, que, de acordo com os
inspetores da IGF (Inspeção-Geral de Finanças), terá sido a pessoa que
estava a presidir ao Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das
Forças Armadas e a que terá tido intervenção na gestão e aprovação da
disponibilização dos fundos, o FDMU e, depois, o fundo privativo,
constituído a seguir, e o próprio fundo da Comissão de Reequipamento
Extraordinário das Forças Armadas.
Portanto, Sr. Presidente, nestes termos, requeremos que este senhor
seja convocado para vir à Comissão de Inquérito.
Relativamente aos assuntos ainda pendentes, tínhamos requerido,
aliás, julgo que tinha sido um dos representantes dos familiares das vítimas
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a requerê-lo, mas também não é relevante, uma acareação entre o Major
Lencastre Bernardo e o Sr. Fernando Farinha Simões.
Amanhã, está previsto para as 9 horas e 30 minutos a audição do Sr.
Fernando Farinha Simões, penso que a requerimento do CDS. Tendo em
conta que o Sr. Fernando Farinha Simões está preso, não sei se será
possível compatibilizar as agendas por forma a, ainda amanhã, fazer-se a
tal acareação, aproveitando a oportunidade de ele se deslocar à Comissão.
Mas deixo isto à consideração do Sr. Presidente.
Depois, há três cidadãos norte-americanos que se voluntariaram, e
explicaram o contexto, para vir à Comissão de Inquérito prestar
depoimento. Portanto, Sr. Presidente, rogo os seus bons ofícios, no sentido
de se concretizarem também estas três audições.
Restam a testemunha n.º 2, o Major Canto e Castro, o Sr. Acácio
Manuel Pereira Mago e o Sr. Silvério do Canto, todos sem paradeiro
conhecido.
Para terminar, Sr. Presidente, está previsto para hoje a vinda do Sr.
Nuno Moreira. Gostava que confirmasse se vem, ou não, e, se não vem, em
que termos é que se recusou a vir.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o Sr. Nuno Moreira informou-
nos de que não poderia vir neste dia, mas vamos tentar que venha num
outro dia.
Aliás, temos uma carta do Sr. Nuno Moreira, que refere,
designadamente, o seguinte: «Acontece que, para além da minha idade,
infelizmente estou a passar por uma depressão de origem psicológica,
social, biológica e stress encontrando-me praticamente incapacitado, quer
física quer psiquicamente.
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Não estou pois em condições de me deslocar ao Palácio de São
Bento, em Lisboa, para prestar o meu depoimento, pelo que me encontro ao
abrigo do que se encontra disposto na Lei n.º 5/93, em conjugação com o
Código de Processo Penal.
Por motivo da ausência do médico de família enviarei, logo que
possível, o atestado médico.
Ciente das minhas obrigações, sendo certa a minha disponibilidade
para colaborar com os vossos trabalhos, e para eventualmente não atrasar
os mesmos, venho respeitosamente requerer que excepcionalmente possa
responder por escrito à matéria que me entendam questionar».
Portanto, o Sr. Nuno Moreira coloca-se à disposição para responder
por escrito, sendo que não tem capacidade para se deslocar à Comissão, por
depressão psicológica, social, biológica e stress.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, julgo que deveria ser
requerida a apresentação de atestado médico para o efeito, com alguma
brevidade. É que, se o senhor está doente, está doente; se não está doente,
tem de vir à Comissão e só temos esta e a próxima semana para agendar a
sua audição.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Moreira diz que o enviará, mas nós, através dos serviços,
trataremos de exigir o atestado médico que comprove a situação.
Entretanto, coloca-se a hipótese de se formular, ou não, questões por
escrito. Mas os grupos parlamentares é que saberão se o pretendem
solicitar, ou não.
Quanto à questão dos senhores americanos, efetuaremos ainda hoje
um contacto com o Dr. Patrício Gouveia, que é quem tem estabelecido
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contacto com estes senhores, para sabermos como poderemos realizar a
audição, sendo que a mesma tem de ocorrer numa sala anexa à Biblioteca,
porque tem tradução.
Iremos tratar atempadamente desta situação.
Já agora, lembro que ficou deliberado que as audições dos Srs.
Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda ocorreriam à porta fechada.
No entanto, informo que também há uma solicitação do Sr. Coronel João
Santos Fernandes e do Sr. Dr. João Múrias para as suas audições também
serem à porta fechada. Mas esta é uma questão que colocamos sempre
antes das audições.
A questão do agendamento da acareação seria só pela oportunidade.
O Sr. Farinha Simões só não vem hoje, porque, se não estou em erro, há
greve dos guardas prisionais, ou, pelo menos, na altura em que agendámos
a audição, estava convocada, e, portanto, virá amanhã. Mas agendaremos
esta acareação sem grandes questões. Hoje, não me sinto tranquilo para
notificar o Sr. Major Lencastre Bernardo, que, se calhar, me dirá que não
está cá, ou que está num sítio qualquer.
Assim, no fim desta semana ou no princípio da próxima,
notificaremos as duas partes e também, facilmente, o Sr. Farinha Simões se
deslocará à Comissão, bem como o Sr. Major Lencastre Bernardo.
É o que tenho a informar, Srs. Deputados.
Vamos, agora, interromper os trabalhos.
Eram 11 horas e 58 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 12 horas e 35 minutos.
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Dou as boas-vindas e agradeço a presença do Sr. Inspetor Paulo
Condesso Franco, a quem peço o favor de se identificar.
O Sr. Paulo Condesso Franco (ex-Inspetor-Chefe da Polícia
Judiciária): — O meu nome é Paulo Condesso Franco, tenho 67 anos de
idade, neste momento, estou aposentado, mas fui Inspetor-Chefe na Polícia
Judiciária.
O Sr. Presidente: — Sr. Inspetor, o objeto desta X Comissão
Parlamentar de Inquérito é o de «(…) dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012, de 24 de
julho (…)», designadamente dando seguimento às recomendações emitidas
pelas VIII e IX Comissões Parlamentares de Inquérito.
Peço ao Sr. Inspetor que faça um pequeno juramento no sentido de
que jura dizer a verdade.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, juro dizer a verdade e
somente a verdade.
O Sr. Presidente: — Informo-o que o falso depoimento determina a
prática de um crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até
600 dias.
Dou-lhe ainda conhecimento das grelhas de perguntas: haverá uma
primeira ronda de 5 minutos a cada grupo parlamentar, com
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pergunta/resposta, uma segunda ronda de 3 minutos e uma terceira ronda
de 2 minutos por todos os Deputados.
Pergunto-lhe se pretende fazer alguma intervenção inicial.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, Sr. Presidente, estou à
disposição para as perguntas que entendam formular.
O Sr. Presidente: — Passamos, então, às questões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do PSD.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, antes de mais,
queria cumprimentar o Sr. Dr. Paulo Franco.
A primeira pergunta que lhe faço é esta: foi agente ou inspetor da
Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fui agente, Sr. Deputado, a
minha carreira foi de agente estagiário a inspetor-chefe, de nível 5.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Até quando?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Até 2002.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, no início dos anos 80, quais
eram as funções do Sr. Doutor, na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nessa altura, era agente. Salvo
erro, era agente de primeira.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qual a sua relação com o caso
Camarate? O Sr. Doutor teve, na qualidade de agente,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sr. Deputado, eu não sou doutor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Peço desculpa.
Gostava de saber se o senhor teve algum contacto com o caso
Camarate, na qualidade de agente.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desde o início.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostava que nos dissesse
um pouco quais foram as funções que lhe foram atribuídas e que nos
explicasse um pouco a investigação.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, senhor.
Fazia parte de uma secção que era denominada SCIACV (Secção
Central de Investigação de Ações Concertadas de Violência), que foi criada
em dezembro de 1976, tínhamos um grupo e, quando ocorreu a queda do
Cessna, fomos intimados a ir ao local. Não me pergunte quanto tempo é
que demorou a ida ao local, porque, neste momento, passados estes anos
todos, não consigo temporizar quanto demorámos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foi nessa noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fomos nessa noite, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, quando chegou, o que é que
viu?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Vi um amontoado de gente.
Havia muita gente no local, porque era um sítio muito apertado, estava a
GNR e os bombeiros, e nós tentámos desviar as pessoas o máximo possível
para se poder trabalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga-me o seguinte: foi a
primeira equipa da Polícia Judiciária a lá chegar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Isso, agora, é que não sei. Sei que
houve uma outra equipa a lá ir.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe se foi antes ou
depois?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se foi antes, se foi depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E era comum, neste tipo de
casos, destacarem mais do que uma equipa para um acontecimento destes?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Era, porque era uma equipa da
secção de homicídios, que, de facto, em função do evento, também era
obrigada a deslocar-se lá, penso eu.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quem foi
consigo, de quem fazia parte dessa equipa?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Temos de ir aos autos, porque,
neste momento… Alguns deles, inclusivamente, já faleceram.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem. Mas não se recorda
de nenhum colega que tenha ido consigo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O José Carlos Gualde… Foram
membros que constituíam a SCIACV naquela altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que ordenou a vossa
ida ao local?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que tenha sido o Inspetor
da Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que era…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Na altura, salvo erro, era o Dr.
Paulo Bernardino.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Pedro Amaral foi
convosco?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não foi connosco, porque
ele fazia parte da equipa dos Homicídios. É que nós fomos à área da queda
do avião e eles iniciaram as suas funções, salvo erro, no aeroporto. Foram
do aeroporto até ao local.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois, enfim, naturalmente,
viu o avião, mas o que lhe pergunto é se se deslocou apenas nessa noite ao
local ou se houve mais deslocações vossas ao local depois daquela noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não, só nessa altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E quem é que ficou responsável
por fazer o relatório do que viu nessa noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Agora, não me recordo, mas,
salvo erro, quem também fazia parte da equipa era o nosso Subinspetor
Marques Monteiro, salvo erro, e não sei se não terá sido ele a fazer o
relatório, mas, para isso, temos de ir ao processo, porque, de facto, no
processo, está tudo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi o Dr. Marques Monteiro, de
facto, e já foi aqui ouvido, aliás, mencionou que o senhor fazia parte da
equipa que teria estado na investigação.
Mas não esteve na investigação no aeroporto, nomeadamente na
investigação que apurou o rasto dos papéis…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não estive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A sua única intervenção foi
mesmo no local do embate?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — No local… Foi a preocupação de
afastar aquela gente toda, para, depois, se recolherem os vestígios como
devia ser.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, depois disso, qual foi a sua
intervenção no processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — As minhas intervenções foram
várias.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostaria que nos
relatasse as mais importantes.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — As mais importantes foram a
audição de pessoas, acompanhar requerimentos dos familiares das vítimas,
porque, na fase de inquérito, já na fase última do processo, dei apoio aos
familiares das vítimas, sempre que eles solicitaram, e pouco mais do que
isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inquiriu várias pessoas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diretamente?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Diretamente.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, nessas inquirições, recorda-
se, certamente, de relatos divergentes…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Muitos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Uns, dizendo que houve uma
explosão no ar; outros, referindo…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, naquela fase inicial de
audição… A minha intervenção nesse processo foi logo numa fase inicial,
em que a preocupação era a de ouvir as pessoas todas, as testemunhas todas
que, de facto, pudessem dizer qualquer coisa sobre o que tinham visto.
Essa foi a minha intervenção e todas as audições estão no processo.
Agora, não me vai pedir, ao fim de 34 anos, que me recorde de tudo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem.
Diga-me o seguinte: recorda-se de quem fez o relatório final da
investigação?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas havia um inspetor
responsável, que seria o Dr. Paulo Bernardino…
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em princípio, é o inspetor que faz
o relatório final, em função de toda a prova carreada para o processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vamos falar de outro caso, do
caso do Sr. José Moreira, que faleceu em Carnaxide,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … num apartamento, com uma
senhora, uma companheira, supostamente com monóxido de carbono.
Recorda-se deste caso, em 1983?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Lembro-me de isso ter chegado
ao processo, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em janeiro de 1983.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, penso que sim, que seja essa
a data.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E qual foi a sua intervenção
neste processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha foi, praticamente, quase
nenhuma. Acho que foi pessoal dos Homicídios que lá esteve, nós também
lá estivemos…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diz que «também lá
estivemos», mas o senhor esteve lá?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Acho que não, não tenho ideia de
ter lá estado. Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Carnaxide.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Carnaxide. Não sei se tenho ideia
de lá ter estado… Não tenho ideia. Se tiver aí o processo, agradeço.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou falar-lhe de alguns nomes
que tiveram intervenção: neste processo: o Agente Herculano Morgado,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Mas esse era da secção de
homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mário Mendes,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … Eduardo Dias Costa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Esses são todos da secção de
homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — São todos da secção de
homicídios.
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E a vossa intervenção…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A intervenção foi o resultado que
foi anexado ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao processo de Camarate?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — De Camarate.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi feita uma conexão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se quando foi feita
essa conexão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho ideia. Não me
pergunte datas, por amor de Deus. Não tenho ideia de quando é que isso
foi.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido em 1983?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E nessa conexão, nessas
diligências, o que é que vos foi pedido à vossa Secção para fazerem? Por
que é que foi feita essa conexão?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei, não tenho ideia do que
nós fizemos, sinceramente. Sei que tivemos alguma intervenção nesse
processo, que foi o de juntar o resultado do relatório da autópsia que foi
feito aos cadáveres. Tenho ideia de esta matéria ser junta ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como estavam com a ligação
ao caso Camarate e houve alguém que terá feito essa relação, daí a vossa
intervenção.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Alguém fez essa conexão porque
acho que a vítima era proprietária do avião onde viajou o Primeiro-
Ministro. A conexão foi essa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Era da campanha do General
Soares Carneiro e este senhor viria depor à Comissão de Inquérito de
Camarate uns dias depois da sua morte. De facto, foi feita essa a conexão.
Teve acesso às autópsias? Recorda-se de, na altura, ter visto as
autópsias?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A única coisa que sei das
autópsias e que foram juntas ao processo é que, de facto, a morte tinha sido
ocasionada por monóxido de carbono — um esquentador que funcionava
mal. O casal estaria a tomar banho — é o que tenho ideia do processo — e
a morte deve-se ao monóxido de carbono, ao mau funcionamento do
esquentador. Acho que está provado no processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ajudá-lo a recordar-se e irá
conseguir perceber um pouco o que terá acontecido.
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Em 13 de janeiro de 1983, uma semana depois do acontecimento,
que foi a 6 de janeiro, o Agente Herculano, acompanhado de três
engenheiros, fizeram a análise ao esquentador e aperceberam-se que estava
tudo bem com o esquentador. Não havia problema nenhum, não estava a
queimar mal, estava a queimar muito bem.
Em 18 de janeiro de 1983, vão fazer nova inspeção com alguns
técnicos, nomeadamente do Instituto Ricardo Jorge, onde dizem que o
esquentador está a queimar mal. Ainda assim, nessa mesma medição, não
apuram mais do que 100 unidades de medida que, francamente, não sei o
que é, ppm (parte por um milhão)…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Vamos entrar em aspetos técnicos
que eu não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem, mas estou a ajudá-
lo, porque me disse que estava provado que a morte foi provocada por
monóxido de carbono e é verdade,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A autópsia é o que diz.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … mas também diz que, no
âmbito desse inquérito, foram feitos exames histológicos e, no âmbito
desses exames histológicos, ficou provado que houve rebentamento dos
alvéolos pulmonares. As autópsias foram feitas em janeiro e esse relatório é
apresentado em abril. Existe a dúvida se efetivamente foi dado
conhecimento ao médico que fez as autópsias antes dos despachos finais,
mas a questão é que houve rebentamento dos alvéolos pulmonares.
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E já foi dito quer na altura, quer agora — aliás, foi dito há
relativamente pouco tempo pelo ex-Presidente do Instituto de Medicina
Legal — que só pode ocorrer o rebentamento dos alvéolos pulmonares em
duas circunstâncias: ou colocando a mão na boca, asfixiando-se a pessoa,
situação em que a pessoa não consegue respirar e os alvéolos pulmonares
rebentam, ou, então, pela introdução de gás diretamente na boca. Acontece
também por afogamento, porque a pessoa sustem a respiração e quando
inspira rebentam os alvéolos pulmonares, mas claramente não foi o caso
aqui.
Portanto, objetivamente, a asfixia lenta por monóxido de carbono —
e foi-nos dito aqui, perentoriamente — nunca pode significar e ter como
consequência o rebentamento dos alvéolos pulmonares. E isso consta do
processo.
Admito que possa não ter conhecimento disto, mas a minha pergunta
é esta: tendo conhecimento deste exame histológico em que tem,
precisamente, essa informação, por que é que a Polícia Judiciária, na altura,
não levou isto em atenção?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estou a ter conhecimento disso
agora, nem sabia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas consta do processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, mas nem sabia. Estou a ter
conhecimento agora. O conhecimento que tenho, efetivamente, é que, pela
análise feita — e é uma análise muito objetiva — pelo Instituto de
Medicina Legal, o sangue quando está carbonizado é porque, de facto, a
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morte ocorre por monóxido de carbono. É essa a ideia que tenho, não tinha
outra, está agora a explicar-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É inquestionável que foi por
monóxido de carbono. Mas a questão é se foi por monóxido de carbono
libertado lentamente ou se foi forçado.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, mas isso não apurei. Na
altura, nem tive conhecimento desse apuramento.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca ouviu falar nisto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca ouvi falar nisto.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma vez, na sua experiência
profissional, teve casos prováveis de asfixia forçada?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca teve?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca tive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguém que tenha sido
impedido, até com a mão, de respirar, nunca teve conhecimento disso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca tive nada disso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao longo dos seus anos de
experiência profissional, nunca foi confrontado com uma situação dessas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, nunca fui confrontado com
uma situação dessas. Com outras sim, mas com uma dessas, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como agente da altura, a
pergunta que lhe faço é a seguinte: fazem uma primeira análise, em que o
esquentador funciona bem. Depois disso, fazem uma segunda análise, em
que o esquentador, apesar de não funcionar bem, o que liberta não é
suficiente para causar a morte…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só tenho ideia de o esquentador
ter ido para o Instituto Ricardo Jorge ou de alguém do Instituto Ricardo
Jorge ter ido lá.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi lá, foi.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Uma dessas situações.
O que diz no processo é que, efetivamente, aquilo estava…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, repare, para causar a
morte são necessários os tais 1000 ppm e, neste caso, foram apurados 110
ppm, o que, de acordo com o que consta, inclusivamente, do despacho da
Procuradoria, nem causa sequer dor de cabeça. A conclusão é a de que não
sabem a humidade que estava, não sabem se estava tudo fechado, se os
aquecedores estavam todos ligados, mas, objetivamente, é uma diferença
enorme para poder causar a morte.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sobre essa matéria, não me posso
pronunciar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve uma investigação, um
inquérito, em 1991, à atuação da Polícia Judiciária em 1983. Teve
conhecimento disso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — De facto, fui ouvido na
Procuradoria-Geral da República. Não sei se tem a ver com isso, mas fui
ouvido na Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No início dos anos 90, uns bons
anos depois disto.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, sim. Salvo erro, em 1991.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente.
Recorda-se de quem tinha a condução do processo, na secção de
homicídios?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei, não tenho ideia, mas
devia ser um dos inspetores: ou o Pedro Amaral ou o Dr. Joaquim
Gonçalves, salvo erro, mas não tenho ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Joaquim Gonçalves não,
porque… Tem noção de até quando é que o Dr. Joaquim Gonçalves esteve
na Polícia Judiciária? Ele foi ouvido aqui, há pouco.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei. Não tenho conhecimento
da data em que ele saiu. Sei que saí da Polícia em 1997, não sei se ele saiu
depois, se saiu antes, mas em 1997 eu estava em comissão de serviço.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas quando diz que não sabe
se ele saiu antes, se depois, admite que se tivesse saído em 1987/1988
recordar-se-ia, foram muitos antes.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, não sei, não tenho ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda foi colega dele?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ainda fui colega dele, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E entrou quando?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu entrei em 1974.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E foi colega dele durante
muitos anos?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Alguns, só que nós estávamos
separados, ele estava na de homicídios e eu estava numa outra secção.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Dias Costa, que
também estava na secção de homicídios,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estava nos Homicídios, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … recorda-se qual era a função
dele?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se ele já era inspetor, se
não, mas conheci-o como agente e depois, mais tarde, como inspetor.
Licenciou-se e, depois, concorreu a inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem.
Relativamente ainda à questão de Camarate, o Dr. Pedro Amaral
fez…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fez um relatório que, de facto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Conte-me o que sabe sobre esse
relatório.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sei que há uma divergência ou
discrepância entre o que ele relata e o que a comissão técnica diz. É o que
conheço disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E qual é a divergência?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — A diferença é que a comissão
técnica diz que foi um efeito chaminé, que o avião transportou as
partículas, e o Dr. Amaral diz que terá sido causado por um rombo
qualquer no avião que largou os vestígios na pista. É o que sei sobre essa
matéria.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E ele terá visto um rasto de
papéis na pista, certo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ele viu alguma coisa na pista
porque a recolheu. Portanto, ele recolheu e esse material foi até para o
laboratório.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se o Dr. Pedro Amaral,
depois de ter feito esse relatório, continuou com o processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O processo foi todo ele, salvo
erro, passado para a SCIACV, neste caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, ele fez o relatório e, a
partir daí, não teve mais intervenção.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Depois, acho que foi ouvido e
prestou as suas declarações na Comissão. Eu também já fui ouvido numa
outra comissão, salvo erro na IV Comissão.
Mais questões? Se eu puder responder…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois deste relatório, em que
houve esta divergência, ele foi abandonado ou foi tomado em atenção?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi tomado em atenção. Acho
que está no processo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, está no processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Portanto, não foi abandonado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas não foram feitas mais
diligências de prova?
Repare, a minha questão é técnica: ou é efeito chaminé ou… Com a
sua experiência, se existir um rasto de papéis na pista até ao local do
acidente, como é que se pode dizer que é efeito chaminé se esse rasto é
evidente?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Se a comissão técnica determinou
que, de facto, foi assim, eu tenho de acreditar que, de facto, foi assim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda que lhe pareça estranho?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me parece estranho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não lhe parece estranho que
existisse esse rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não me parece estranho.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E porquê?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Porque as partículas são
extremamente leves e, segundo o que está no processo, elas foram
transportadas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A minha pergunta é de leigo: o
efeito chaminé espalha para todo o lado;…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pode não espalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … fazendo um rasto, significa
que foi deitado num percurso. É a minha opinião de leigo, é assim que
consigo interpretar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu fundamento-me, única e
exclusivamente, naquilo que a comissão técnica diz, porque eu, também
como leigo, e nessa matéria, só me posso apoiar no que ela diz. Portanto, é
a comissão técnica que o diz e, de facto, está mais avalizada, em minha
opinião, do que o pessoal que não trabalha com essa matéria, com essas
coisas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas a minha interpretação faz
sentido?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, não sei. Para mim, não faz
sentido.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não faz sentido?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não faz.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não acha que pelo facto de
existir um rasto de papéis… Acha que o efeito chaminé pode provocar esse
rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pelo que está explicado, sim.
Penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, por que é que o Dr.
Pedro Amaral chegou a essa conclusão? Terei de lhe perguntar,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nem mais.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … mas por que é que acha que
o Dr. Pedro Amaral terá deixado a essa conclusão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei qual foi a ideia do Dr.
Pedro Amaral, até porque, inclusivamente, na equipa que ele chefiava há
contradições nessa área. Há contradições. Os próprios funcionários que o
acompanhavam não concordaram com aquilo que estava no relatório.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Das pessoas que ouviu — e não
vou perguntar-lhe quantas ouviu e o que é que ouviu —,…
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ui, Jesus!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … certamente que terá ouvido
pessoas a dizerem que viram a explosão no ar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu só valorizo as declarações que
tomei, porque foram em cima do acontecimento. De facto, as declarações
das testemunhas feitas em cima do acontecimento têm, em minha opinião,
muito mais credibilidade do que a posteriori, se houver outras influências.
É isto que entendo. E daquelas que ouvi, a única testemunha que ficou na
dúvida se era no ar ou se já era no fundo da pista foi o Chefe Inácio Costa.
Foi a única pessoa que, de facto, me disse que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O chefe de segurança?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, o chefe de segurança do Sr.
Primeiro-Ministro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E quantas pessoas ouviu na
altura, logo, que tenham presenciado? Porque ouviu outras pessoas depois,
as tais que poderão ter sido influenciadas.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei o número, mas ouvi
bastantes, nomeadamente residentes do bairro, o controlador aéreo, o
homem que pôs o avião a trabalhar… Foram várias, mas o número não me
pergunte, porque não me recordo.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E fez essas audições nos dias
seguintes?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foram várias, foram sequenciais,
foram várias. No próprio dia, foram ouvidas pessoas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se quanto tempo,
quantos meses ou dias, esteve a ouvir pessoas? Quando é que deixou de
ouvir pessoas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi durante uns tempos… Foi
ainda durante algum tempo, mas agora temporizar, não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Um mês, dois meses?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Talvez. É que a atividade que eu
tive nesse processo foram audições, foi apoio à comissão de familiares…
Tive uma intervenção no processo muito sequencial, toda ela seguida.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os familiares das vítimas, que
estão aqui e que poderão falar por eles, pediram, na altura, que se
procedesse a uma análise de distâncias no local.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — E foram feitas!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foram feitas. E fiquei com a
impressão, de acordo com a audição do Inspetor Marques Monteiro — a
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qual, aliás, salvo erro, consta da ata — que o Sr. Agente Paulo terá estado
presente. Confirma?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, sim, confirmo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E do que é que se recorda?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Recordo-me de que foram feitas
as medições.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só. Os familiares pediram várias
diligências, nomeadamente a ida aos destroços do avião, essas medições e
audições, inclusivamente, de pessoal que fazia parte da equipa do Dr. Pedro
Amaral, que também foram concedidas. No fundo, fui designado para
acompanhar os familiares em todas as diligências que eles solicitaram.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mediram as distâncias. Não se
recorda de nada significativo…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não. Foi tudo lavrado no auto e
está no processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Algum dos representantes dos familiares das
vítimas tem alguma questão a colocar?
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Pausa.
Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
Pedia-lhe que falasse mais perto do microfone.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Muito boa tarde, Sr. Paulo Condesso Franco.
Creio que há aqui uma confusão naquilo que diz ou, então, já não se
lembra.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Diga, diga. Coloque a questão.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O senhor diz que a parte técnica da
investigação não explica o rasto, ou que explica o rasto feito através do
efeito chaminé.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, senhor.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ora, a parte técnica da investigação não fala
deste rasto; só fala do rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca. O
resto são mais 500 m, o que faz uma diferença grande. E aqui, na
Comissão, disseram que a Polícia Judiciária não lhes tinha dado
conhecimento daquele rasto.
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Ou seja, há duas equipas no terreno: uma é a vossa (a vossa, ou seja,
a do Pedro Amaral); a outra é a técnica. Aparentemente, estas duas equipas
nunca se encontram…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O que é que entende por
«técnica»? É que não estou a entender.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Da aeronáutica civil, que também está no
terreno, no dia seguinte.
Uma, trabalha num lado; outra, trabalha noutro e nunca se
encontram. Uma encontra um rasto que vai desde a pista até às casas e a
outra só encontra um rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca.
Ora, o rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca pode
eventualmente ser feito por efeito chaminé. Mas esse efeito chaminé já não
é possível ser feito se o rasto vai das casas até à pista.
Não sei se me fiz entender.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fez-se entender. Mas também
não percebo o porquê dessa questão.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É que o senhor fala de um rasto como se a
Polícia…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha equipa não selecionou
rasto nenhum. A equipa do Dr. Pedro Amaral é que, de facto, verificou esse
rasto.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas não foi dado conhecimento desse rasto à
parte técnica, à parte da aeronáutica civil, segundo o que eles vieram aqui
dizer.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se foi, se não foi. Sei é
que aquilo que está no processo é que aquelas partículas que foram
encontradas pelo Dr. Pedro Amaral foram efetivamente resultantes de um
efeito chaminé, quando o avião afocinhou e começou a arder.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não estou a conseguir explicar.
O avião caiu em Camarate, ardeu em Camarate. Formou-se, então,
um efeito chaminé, que transportou as partículas até à estrada. Mas da
estrada até à pista vão mais 500 m. Como é que o senhor explica esses 500
m de rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho de explicar porque não
tenho conhecimento disso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Então, não se pode apoiar, não pode dizer que
o relatório…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu apoio-me naquilo que está no
processo. O processo da comissão técnica da aeronáutica civil diz que as
partículas foram um efeito chaminé. A partir daí…
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Até à pista? Até à pista, não! Até à estrada!
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os senhores também tinham dúvidas nas
medições do Dr. Pedro Amaral? Foram os representantes das famílias que
pediram que fossem feitas as medições.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim. E foram feitas.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Foi por nossa iniciativa que a Polícia foi lá —
e o senhor estava lá, lembro-me muitíssimo bem — e fez as medições.
Acho extremamente estranho ser necessário nós, como
representantes das famílias, pedir uma coisa que a Polícia deveria ter feito
imediatamente. Por que é que não fizeram?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me pergunte a mim por que é
que isso não foi feito. Eu não era o titular do processo, era simplesmente
um agente que cumpria as determinações que estavam na direção da
investigação. Eu cumpri sempre aquilo que me mandaram fazer. E foi
aquilo que fiz. E aquilo que me mandaram fazer está tudo explanado no
processo. É só uma questão de consulta.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Eu conheço o processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu também. Até a uma
determinada altura. Agora, há muita coisa de que já não me recordo.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os senhores desmentiram no processo o Dr.
Pedro Amaral, dizendo que as medições estavam todas mal feitas e que não
correspondiam aos métodos que ele tinha proposto.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu não vou entrar neste tipo de
confronto.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E, depois, fomos medir e deu que estava certo.
Mas foi por iniciativa nossa, não foi por iniciativa vossa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi por solicitação vossa e foi
cumprida.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E por que é que a Polícia não fez isso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me pergunte a mim. Já lhe
respondi.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O senhor lembra-se do Agente Guimarães
Costa?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Do Chefe Inácio Costa.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Do adjunto dele, Guimarães Costa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Também deve estar no processo,
com certeza. Fiz uma série de audições. E se eu fosse agora memorizar
todas as pessoas que ouvi, teria uma memória prodigiosa, mas não tenho.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Guimarães Costa começou por afirmar que viu
o avião explodir no ar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está nos autos?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Está nos autos. E, posteriormente, o Sr.
Inspetor deslocou-se ao emprego dele e elaborou um parecer dizendo que
ele desejava retificar o que tinha dito e que, afinal, a explosão tinha sido no
solo e não tinha sido no ar.
Está consciente disto, ou não?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estou consciente é de que não
pressionei ninguém para alterar as suas declarações, disso tenho
consciência.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas isto está nos autos.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está nos autos? Se está nos autos
é porque é verdade.
Eu não pressiono ninguém para alterar declarações, antes pelo
contrário.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Então, temos o Agente Costa a mentir?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei. Tem de lhe perguntar a
ele se está a mentir, ou não.
O que está nos autos foi aquilo que, de facto, tomei de declarações às
pessoas. E eu não alterei qualquer auto que as testemunhas tenham
indicado.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É que ele disse aqui que nunca teve intenção
de alterar nada do que tinha dito.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Esse é um problema que já não é
meu. Talvez seja um problema de quem prestou essas declarações.
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Limitei-me a lavrar para os autos aquilo que as pessoas disseram.
Inquiri várias pessoas. Está tudo nos autos, devidamente assinados e
comprovados. A partir daí, não sou responsável por mais nada.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A ida a Carnaxide para investigar a morte do
José Moreira também?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está a perguntar-me se fui a
Carnaxide?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se fui a Carnaxide… Sou
de capaz de ter ido… Tenho a impressão de que acompanhei os técnicos do
Instituto Ricardo Jorge, salvo erro — não tenho presente, mas penso que
tenha sido isso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas que necessidade é que a sua secção tinha
de se envolver na morte do José Moreira, em Carnaxide?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Como?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Qual foi a razão por que a sua equipa de
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trabalho se envolveu na morte do José Moreira, em Carnaxide? Qual foi a
razão por que resolveu investigar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei… Porquê?… Já expliquei
aqui que foi possivelmente por ter relação com o avião sinistrado. Os dos
Homicídios foram lá, depois comunicaram-nos e nós fomos fazer uma
diligência normal, no âmbito do processo de Camarate.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Assegurando, depois, que o José Moreira não
tinha nada a ver com Camarate?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Assegurando depois…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em princípio… A única coisa que
ele tinha a ver com Camarate é talvez com o avião que se sinistrou, não é?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Isso não é verdade, porque o senhor sabe
perfeitamente que o Eng.º José Moreira fez parte de uma equipa de
investigação e, portanto, a relação dele com Camarate era muito mais
íntima e mais importante. Nomeadamente, os testes de voo foram todos
feitos por ele e pelo piloto dele. Portanto, havia uma relação muito mais
próxima e íntima do José Moreira com Camarate. Não era só por ser dono
do avião.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desculpe, mas não estou a
entender a pergunta.
O Sr. Presidente: — Tem de ser mais explícito, Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Estou a estranhar o facto de o Sr. Inspetor
dizer que ele tinha relação com Camarate porque era dono do avião.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — E não era? Era!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Era. Mas era muito mais do que isso em
relação a Camarate. Ele também participava numa investigação.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Participava numa investigação?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desconheço.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Desconhece?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desconheço.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas tem conhecimento dos ensaios de voo que
tiveram lugar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ensaios de voo daquele avião?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho ideia. Se tive
conhecimento, não me recordo.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, não vale a pena…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Como é que o senhor ingressa na
Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Por concurso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em 1974?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em 1974.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi um concurso de ingresso
externo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Exatamente, um concurso
externo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, antes de ter ingressado na Polícia
Judiciária, qual era a sua atividade?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha atividade? Eu trabalhava
numa firma, que era a Âmbar. Eu trabalhei em várias firmas. Trabalhei na
Administração do Porto de Lisboa, como funcionário público; depois,
trabalhei na Romar; depois, trabalhei na Âmbar; e, depois, concorri à
Polícia Judiciária, em julho de 1974.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Trabalhou na Administração do
Porto de Lisboa, como funcionário público. E depois desvinculou-se da
função pública?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, porque, entretanto, fui para
a tropa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Fez tropa? Onde é que fez tropa?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fiz tropa aqui, em Lisboa, na
Polícia Militar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não esteve no ultramar?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, tive muita sorte, não fui.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, foi polícia militar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, depois, disse que, quando acabou
a tropa…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Quando acabei a tropa, fui para
uma firma, que era a Romar e, depois, fui para a Âmbar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A Âmbar é de materiais de
escritório, não é verdade?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Exatamente.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E a Romar, era de quê?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Era de ferramentas e rolamentos,
etc.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E depois é que concorre e ingressa
na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, em julho de 1974.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Alguma vez se cruzou com um
Lencastre Bernardo, na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Claro que sim. Ele foi diretor
militar da SCIACV.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Então, foi seu superior?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, foi meu superior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se recorda em que períodos?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Deixe-me pensar… Talvez no
ano de 1977, penso… É que houve uma reestruturação na Polícia
Judiciária, em que foi criada esta brigada, porque havia um movimento
bombista, quer de extrema-direita quer de extrema-esquerda. Por isso, foi
criada esta secção.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O SCIACV.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, o SCIACV.
Portanto, houve uma reestruturação na Polícia Judiciária, foi criada
esta secção e, salvo erro por indicação ou por convite do General Ramalho
Eanes, ele foi como diretor militar e servia como elo de ligação com os
militares, nesse período.
Essa é a relação.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O SCIACV é criado por quem?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — É criado pela Polícia Judiciária.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas quem é a pessoa que está…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Quem, na altura, estava a dirigir
era, de facto, o Major Lencastre Bernardo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E é ele que instala o SCIACV? E
quando digo instalar é juntar as equipas.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — É ele que cria. E cria as equipas,
quer dizer, uma equipa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É uma equipa, que estava lá. Depois,
ele juntou as pessoas, criou a orgânica…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, éramos uns sete ou oito
elementos, não mais.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, entretanto, o Lencastre Bernardo
sai…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sai e é substituído por um outro
militar, o Major Viegas.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se recorda em que altura é que
isso acontece?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei… Talvez em… Não sei
se, em 1980, ainda lá estava… Não sei se estaria… Acho que não estava…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Essa era a pergunta que lhe ia
colocar a seguir, como é evidente.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que já lá não estava…
Penso que na altura…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quando acontece Camarate,
Lencastre Bernardo está na PJ?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho memória, mas sei que
há um período em que, de facto, ele é substituído pelo Major Viegas.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Para onde vai Lencastre Bernardo
quando sai da PJ?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Isso, agora, é que não sei.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mesmo depois de sair, continuou a
frequentar a Polícia Judiciária, continuou a ser uma presença na Polícia
Judiciária?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Desligou-se completamente?
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Desligou-se completamente. A
única coisa que havia era um encontro de funcionários com ele, mas em
situações sem ser de trabalho, eram, pura e simplesmente, de convívio,
mais nada.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Em que o senhor também ia?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Também fui.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas não se recorda para onde é que
Lencastre Bernardo foi trabalhar, a seguir?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, não.
Sinceramente que não.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Para a Presidência da República,
talvez?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei. Sinceramente, não sei.
Sei, ultimamente, para onde é que ele foi, mas isso foi falado.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Desculpe, não percebi. Sabe…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sei que, de facto, ele estava numa
universidade, salvo erro… Fazia parte da direção de uma universidade. É a
única atividade de que me lembro, depois de ele ter saído.
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Fazia parte da direção de uma
universidade?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — É aquela ali ao pé do Hospital de
Santa Marta, a UAL (Universidade Autónoma de Lisboa), salvo erro. Era a
UAL.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sobre a questão das equipas que
investigaram Camarate. Havia, então, duas equipas: a equipa da Polícia
Judiciária, a dos Homicídios,…
O Sr. PauloCondessoFranco: — A equipa dos Homicídios, sim!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — … e a equipa da SCIACV.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exato!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Essa equipa era chefiada por si?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não estou a falar na SCIACV, estou
a falar na equipa que estava…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, a equipa que estava no
terreno não era chefiada por mim.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não?! Então?
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Era chefiada pelo Subinspetor
Marques Monteiro e pelo Inspetor Seiça. Um era inspetor, o outro
subinspetor e nós, os agentes. Era assim. A estrutura de chefia era esta.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — O que é que faziam as duas equipas
no terreno ao mesmo tempo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Como já expliquei, uma foi
direcionada para a queda do avião, onde ele estava, no Bairro de Angola…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — A equipa dos Homicídios.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, a nossa, a da SCIACV. E a
equipa dos Homicídios começou a fazer a sua investigação em todo o
percurso do aeroporto.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — E a equipa dos Homicídios era
chefiada pelo Inspetor Pedro Amaral.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exatamente.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Um estagiário.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Isso, agora, é que eu não sei, mas
acho que sim. Não sei! Não tenho ideia se ele era estagiário, ou não. Era
inspetor!
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Estagiário!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Pois.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — A chefiar uma equipa num caso
daqueles?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Mas isso aí…!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É uma coisa muito estranha, não é?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei se é estranho, ou não! De
facto, nem me tinha ocorrido que ele era estagiário.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Esqueça tudo o que aconteceu. Num
caso importante num país, colocar um inspetor estagiário a chefiar uma
equipa num caso desses é uma coisa que não é normal.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ele tinha apoio dos subinspetores
com certeza, que iam com ele, penso eu.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas não se recorda de o Pedro
Amaral ser estagiário nessa altura?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não?!
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Nesse período em que a SCIACV
foi chamada a ir ao Bairro de Angola por causa da queda do avião, nós
estávamos com muito poucos elementos e direcionámo-nos logo para ali,
nem nos preocupámos se, de facto, havia uma equipa dos Homicídios, ou
não. Só viemos a constatar o facto…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Entenderam que era um caso
importante!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exatamente! A SCIACV era
insuficiente para… Penso que foi essa a deliberação de quem mandou a
equipa dos Homicídios para o terreno do aeroporto para investigar.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — E o que foi que os senhores
concluíram?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Concluímos como?
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Foram investigar, investigaram e
depois o que é que concluíram da investigação?
O Sr. PauloCondessoFranco: — O que é que concluímos? Nós,
naquela altura, não concluímos nada, nós investigámos. Começámos a
investigar. Todos os pormenores eram investigados: testemunhas… Depois
veio a Comissão Técnica da Aviação Civil, veio o apoio de fora, de
estrangeiros…
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Certo, mas vejamos: a secção de
homicídios esteve lá, chefiada pelo Pedro Amaral,…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, senhor!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — … que fez um relatório, como
referiu há bocado, relatório esse que foi apenso ao processo. Entretanto, os
Homicídios saem e fica só a SCIACV.
Com aquele relatório, os Homicídios concluíram a sua participação
— apresentaram o relatório, que foi apenso ao processo, que ficou na mão
da SCIACV. Os Homicídios saltaram fora e a investigação continuou com
a SCIACV.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei se eles saltaram
totalmente fora, porque eles foram solicitados várias vezes para dar
esclarecimentos das situações.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Como já passou bastante tempo,
pode dizer-se as coisas, talvez até de uma forma mais desapaixonada:
andaram a investigar, estiveram a fazer a investigação e o que concluíram?
O que é que o senhor acha?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Eu acho que, de facto, foi um
acidente, se quer a minha opinião, que é pessoal e alicerçada por diversas
situações no processo.
Se alguém for ao processo e analisar, temporalmente, como foi
organizada a viagem do Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro da Defesa, é
muito pouco crível que haja uma organização terrorista que,
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temporalmente, consiga fazer um atentado naquele avião, só por uma
questão de tempo. Se analisarem, temporalmente, o que foi feito, desde as
marcações pela secretária do Sr. Primeiro-Ministro, que faz três marcações,
na TAP, no avião da RAR e na CP, e faz isto no dia 3 de dezembro, penso
eu — quero ver se não me baralho —, toda a sequência que depois é feita
até que o avião se vai embora, não sei se…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sobre a questão das marcações, nós
já temos essa explicação.
O Sr. PauloCondessoFranco: — E então?
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Então, já a temos.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Pois!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas os senhores investigaram muito
mais do que isso, com certeza!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Investigámos mais do que isso?!
Está tudo no processo, é uma questão de verem.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sim, mas agora estou a falar
consigo.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ah, sim, mas…
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — O processo está onde estiver. Já cá
esteve!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ótimo!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Esqueça agora o processo. Estou a
perguntar a si.
Depois de tantos anos, como é que vê todo este caso Camarate, que
esteve a investigar, que andou bastante tempo a investigar, que ouviu
pessoas?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Vejo, efetivamente, como aquilo
que eu disse: penso que tenha sido um acidente.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas por causa das marcações, do
agendamento?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não só! Não só, porque, em
todo o suporte técnico que foi feito, há uma situação que, para mim, é
fundamental para a falta de gasolina no motor esquerdo: o copiloto troca a
mão, penso eu, e, em vez de abrir a trasfega do motor principal direito para
o motor esquerdo, fecha-a. Isto está provado no processo. Na minha ótica,
esta é a questão fundamental para a falta de gasolina no motor esquerdo.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sr. Presidente, terminei.
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O Sr. Presidente: — Se me permitem, queria só saber se o Sr.
Inspetor, que esteve nessa missão desse departamento especial, conhecia
um senhor chamado Carlos Miranda.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não.
O Sr. Presidente: — Nunca ouviu falar?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não. Deixe-me «puxar» pela
memória…
O Sr. Presidente: — E José Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, esse sim.
O Sr. Presidente: — E contactava com ele?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não contactava com ele.
Fomos solicitados para verificar da veracidade de um comunicado
que a CODECO (Comandos Operacionais da Defesa da Civilização
Ocidental) fez sobre o atentado ao avião, onde referia que, salvo erro, se a
memória não me falha, a causa da queda do avião tinha sido o
estrangulamento na alimentação dos motores. Esse comunicado foi
analisado e chegou-se à conclusão de que não havia estrangulamento
nenhum.
José Esteves era um conhecido antigo da Polícia. Fez parte de
diversas manifestações de rua, mudou uma série de vezes de profissão,
portanto…
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O Sr. Presidente: — À época, como é que o classifica socialmente e
como pessoa?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não crível!
O Sr. Presidente: — Não crível?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não crível! Esta é a opinião que
tenho dele.
O Sr. Presidente: — Farinha Simões, conhece?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não!
O Sr. Presidente: — Não o conheceu na época?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Nunca contactei com ele!
O Sr. Presidente: — Nunca falou com ele?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Nunca!
O Sr. Presidente: — Mas, na época, sabia da existência do José
Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sabia, porque os CODECO
fizeram um comunicado…
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O Sr. Presidente: — Farinha Simões?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não o conheço. Nunca falei
com ele, nem sei quem é. Farinha Simões, não!
O Sr. Presidente: — Nem na época?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Nem na época! De certeza
absoluta!
O Sr. Presidente: — Portanto, destes três nomes, o único que era
conhecido da Polícia era o José Esteves.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Era o José Esteves, porque foi
interpelado várias vezes por suspeita de várias coisas, desde ter explosivos
em casa, vigarices, uma série de coisas pelas quais foi contactado pela
Polícia.
O Sr. Presidente: — Não tenho mais nada a perguntar.
Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, tem a palavra.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não era esta a pergunta que eu
tinha para fazer, mas, agora, fiquei com uma curiosidade.
Disse, há pouco, que a vossa secção, de alguma maneira, investigava
os grupos terroristas. Certo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Certo!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quer os de extrema-direita,
quer os de extrema-esquerda. Neste caso, o Sr. José Esteves pertencia a
algum desses grupos terroristas?
O Sr. PauloCondessoFranco: — A indicação que tínhamos era a
de que o José Esteves deveria ter pertencido, ou argumentava pertencer, à
FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). Nós tivemos vários
processos contra elementos oriundos de Angola — elementos que criaram
uns grupos que, de facto, andaram aí a pôr bombas — e apreendemos
explosivos e, inclusivamente, um homicida, e José Esteves estava, de certa
maneira, ligado a essa gente.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Disse, mesmo a terminar, que
chegou a apreender explosivos em casa…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não! Não foi dele! Não
apreendemos explosivos a ele.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Ele não tinha explosivos em
casa?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca viram isso?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Os explosivos apreendemos a um
indivíduo que, de facto, era um homicida que conseguimos prender… Foi
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aquele célebre assassínio dos guarda-freios na Cruz Quebrada. Esse
indivíduo fazia parte de um grupo de movimento de extrema-direita, com
pessoal oriundo de Angola, e foi a esse que nós apreendemos explosivos.
Eram grupos de extrema-direita e grupos de extrema-esquerda.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Esse, de alguma maneira,
estava ligado a José Esteves? Conseguiram fazer a ligação entre esse grupo
e o José Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Penso que sim. Não me lembro
muito bem, mas acho que sim. Estava tudo na mesma sequência de
movimentos de extremas-direitas, em que…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Como investigaram, recorda-se
quem apoiava, financiava, esse grupo de extrema-direita?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Isso não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — A vossa atuação era local…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Era local.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não faziam uma investigação
mais estruturada?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Quer dizer, fazia-se investigação
até ao ponto de se saber se havia organização ou não, mas, em princípio,
não…
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nunca chegaram a…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tinham organização!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Voltando ao caso José Moreira,
apartamento de Carnaxide.
Disse, há pouco, a instâncias do Sr. Augusto Cid, que acha que teve
intervenção, nomeadamente, no acompanhamento aos técnicos do Instituto
Ricardo Jorge que foram fazer a medição do gás do esquentador.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Eu penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qual era a ligação com o
Agente Herculano Morgado? Refiro-me à vossa secção, porque a do
Agente Herculano Morgado era a de homicídios. Certo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, mas nós não tínhamos
ligação. A única ligação foi a de eles irem investigar uma situação e nós a
outra, porque não havia conexão.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas admite como possível que
tenham ido agentes, ou inspetores, da secção de homicídios e também da
SCIACV?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, porque, após a descoberta
do casal, foi comunicado aos Homicídios, que avançaram logo.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas a minha pergunta é se
admite que o Agente Herculano Morgado também tenha ido a essa mesma
medição do…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, sinceramente.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Digo-lhe porquê. Consta do
despacho da Procuradoria-Geral da República que foi o Agente Herculano
Morgado quem levou os três engenheiros ao apartamento. Portanto, a
intervenção do senhor ou foi com ele, ou, então, não terá estado nessa…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sei que estive lá, mas agora
como…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se lembra é se foi com o
Agente Herculano ou se foi com as pessoas…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não era comum ter dois…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Nos Homicídios, não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se cruzavam?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Só em situações muito especiais,
mas não me recordo de nenhuma, sinceramente!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se recorda de ter lá estado
com gente dos Homicídios?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia. É provável que
sim, mas não tenho ideia.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas neste caso em concreto?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, sinceramente!
Muito sinceramente, não tenho.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sr. Presidente, é tudo.
O Sr. Presidente: — Sr. Inspetor, se não se importa, vou colocar
uma última questão.
Durante toda a investigação que fez, a colaboração que deu aos
vários processos relacionados com a queda do avião, sentiu-se alguma vez
coagido? Fez o trabalho de uma forma normal? Sentiu que havia pressões?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Em princípio, não!
O Sr. Presidente: — Pressões normais até, para acelerar o processo,
para finalizar o mais rapidamente possível, modificações de orientações…
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, nunca tive pressões desse
tipo. Nunca! Sinceramente, não!
O Sr. Presidente: — Não havendo mais questões, dou por terminada
esta audição, agradecendo ao Sr. Inspetor a disponibilidade e os
esclarecimentos prestados.
A próxima audição é às 14 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está interrompida a reunião.
Eram 13 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.
Eram 14 horas e 44 minutos.
Antes de mais, começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, o
Inspetor Herculano Lourenço Morgado, e agradecer-lhe a sua presença.
Sr. Inspetor, peço-lhe, pois, que se identifique.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado (ex-Inspetor da Polícia
Judiciária): — Chamo-me Herculano Lourenço Morgado e nasci em 5 de
novembro de 1936.
O Sr. Presidente: — Passo, agora, a referir o objeto da X Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate: «A Comissão de
Inquérito tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal das causas e
circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a morte do
Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino
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Amaro da Costa e dos seus acompanhantes (…)», designadamente dando
seguimento às recomendações emitidas pela 7.ª e 9.ª Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Pergunto ao Sr. Inspetor se jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Juro dizer a verdade e só a
verdade.
O Sr. Presidente: — Informo-o que, se prestar falso depoimento,
pratica o crime de falsidade de testemunho, punido com prisão até cinco
anos ou multa até 600 dias.
Sobre a grelha de tempos, informo-o que haverá três rondas: a 1.ª
ronda será de 5 minutos, de pergunta e resposta por cada grupo parlamentar
e por representante dos familiares das vítimas; a 2.ª ronda será de 3
minutos; e a 3.ª ronda será de 2 minutos.
Tendo em conta o tema em apreço nesta Comissão de Inquérito,
pergunto ao Sr. Inspetor se quer fazer uma declaração inicial.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não.
O Sr. Presidente: — Pergunto ainda se tem alguma coisa contra o
facto de esta audição ser à porta aberta.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não tenho nada contra.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado do
PSD Pedro do Ó Ramos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar o Sr. Inspetor Herculano Morgado.
Desde já, pergunto: durante quanto tempo foi inspetor na Polícia
Judiciária? Primeiro, agente e, depois, inspetor…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — A designação é inspetor,
mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foi agente.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Fui agente. Fui entre 1976
e 1992, em Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esteve sempre em Lisboa?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Estive sempre em Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A que secção da Polícia
Judiciária é que pertenceu?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — À secção de homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sempre à de homicídios?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sempre à de homicídios,
2.ª Secção. Aliás, nos últimos dois anos, entre 1990 e 1992, não pertenci à
secção de homicídios.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No início dos anos 80 pertencia
a que secção?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — À de homicídios, à 2.ª
Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem era o seu inspetor-chefe
na 2.ª Secção?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O meu inspetor-chefe
naquela altura, sei lá quem era… Foi uma série deles… O Lobão já tinha
morrido, suponho eu,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dr. Joaquim Gonçalves?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Esse era coordenador. O
Sr. Deputado perguntou-me quem era o inspetor-chefe.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Há diferença?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Há diferença, há!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, explique-me lá. É o
coordenador é o superior hierárquico?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O coordenador é o chefe
da secção.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O coordenador é o chefe da
secção e, depois, há o inspetor.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Agora, é inspetor-chefe.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na altura, era inspetor só?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Era subinspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quem era em
1982/83 o coordenador e o subinspetor?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não. Neste momento não
me lembro. Passaram por lá tantos, não me lembro quem era nessa data.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o Dr. Joaquim Gonçalves
foi coordenador?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi coordenador, foi.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que se recorde, quem foi
subinspetor?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Baptista Correia, o
António Lobão… Não me recordo de mais nomes.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Relativamente ao caso
Camarate, o Sr. Agente teve alguma participação?
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca trabalhei em nada
desse processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, havia uma secção de
homicídios onde estava…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Havia duas secções de
homicídios, nessa altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma delas teve intervenção
em Camarate? Recorda-se?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que o início da
investigação coube à 3.ª Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que lá estava? Qual foi
o agente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Naquela altura, agentes
havia muitos. Muitos, não, uma meia dúzia deles, não sei quem eram.
Recordo-me que o inspetor-coordenador dessa época era o juiz
conselheiro… A memória fraqueja… qualquer coisa Carvalho. Agora, é
juiz desembargador.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o Dr. Paulo Bernardino?
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Paulo Bernardino nunca
foi meu superior. Entenda-se «superior» em relação às ordens que dava.
Nunca foi meu superior. Conheci-o…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas houve uma secção de
homicídios que esteve envolvida na investigação do caso…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi a 3.ª Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda do agente em
concreto que esteve envolvido.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Agentes em concreto
havia o Fernandes Maciel, o Jorge Gonçalves, havia o… já não me recordo
dos nomes. Não me recordo de mais nomes.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Deixe estar. Já lá vamos
novamente.
O senhor está aqui, em concreto, para nos ajudar a apurar a
investigação ao homicídio do Sr. José Moreira e da companheira, a Sr.ª
Elisabete.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Eng.º José Moreira?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — José Moreira. Ambos morreram
num apartamento em Carnaxide.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Ah, nesse caso, fui eu
próprio…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Consultei o processo e vi que o
Sr. Agente Herculano foi incumbido na investigação em 13 de janeiro de
1983. A morte terá ocorrido um pouco antes, a 6 de janeiro, e o senhor terá
sido incumbido dessa investigação no dia 13. Pelo menos, é a informação
que consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Gostaria que me explicasse
como foi a sua participação e, em traços gerais — e depois iremos ao
pormenor —, o que fez e o que apurou no âmbito dessa investigação.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que ouvi várias
pessoas e sei que fui ao apartamento com uma doutora do Laboratório
Ricardo Jorge e com uma funcionária, foram lá duas pessoas, fazer um
exame sobre o anidrido carbónico resultante da queima do gás do fogão e
do esquentador.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Do que é que se recorda dessa
investigação?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me que havia
óxido de carbono, mas não em quantidade letal, porque estivemos lá dentro
e não sofremos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente.
A informação que temos confere com o que o senhor está a dizer. O
Sr. Agente levou três engenheiros, que estão identificados — e um deles é
de facto essa senhora que referiu —, que mencionam no relatório que tanto
o esquentador como o fogão estavam a queimar normalmente e que não
havia rutura, quer nas bilhas, quer nos tubos de ligação, não se notando
qualquer fuga de gás.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto uma semana depois de
terem sido descobertos os corpos. E deram nota disso mesmo.
Pergunto: tendo em conta esse cenário e depois de se ter verificado
na autópsia que as duas pessoas morreram com monóxido de carbono, qual
foi a sua conclusão?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me de que fiz o
relatório final e que foi arquivado. Não havia crime — foi esta a conclusão
que tirámos da investigação.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: o senhor fez um teste
juntamente com três técnicos, esteve presente nesse teste, certificou-se de
que efetivamente não existiam problemas com o esquentador, que não
existia monóxido de carbono suficiente…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Existiam problemas,
agora…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor disse «não o
suficiente…»…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim… Não foi letal
naquele momento em que nós fizemos o exame — «nós», salvo seja.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A expressão é esta: «‘tanto o
esquentador como o fogão estavam a queimar normalmente (…)’».
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não. Normalmente,
não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto consta do relatório.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Havia deficiência.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas este relatório conjunto, da
Procuradoria-Geral da República, foi assinado por si e diz mesmo, vou ler,
novamente, o parágrafo:
«Incumbido da investigação, logo no dia 13-1-83 e na sequência de
contacto efetuado em 12-1-83 (…), o agente Herculano Lourenço
Morgado…», o senhor, «… levou ao apartamento os três engenheiros
identificados, (…)»…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não eram três
engenheiros.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … «(…) os dois primeiros, da
Empresa ESSO Gás, Lda, e o terceiro da Associação Portuguesa de Gases
de Petróleo Liquefeitos), os quais fizeram as observações e experiências
que entenderam necessárias, ficando de apresentar relatório conjunto (…),
e adiantaram, desde logo, que ‘tanto o esquentador como o fogão estavam a
queimar normalmente e não havia rotura quer nas bilhas quer nos tubos de
ligação aos referidos aparelhos (…), não se notando qualquer fuga de gás.
Disseram ignorar a proveniência do monóxido de carbono e que para essa
determinação havia necessidade de recorrer a outros organismos’ (…).»
Ou seja, naquele dia não havia qualquer problema.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O que me recordo é que o
esquentador não funcionava… Quer dizer, libertava anidrido carbónico. É a
ideia que eu tenho, agora, neste momento.
Nem me recordava de que lá tinham ido os técnicos da companhia de
gás. Não me recordava disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sei por que é que não se
recorda: porque, nesse dia, não houve problema nenhum e, no dia 18,
houve um novo momento, em que levaram um técnico do Instituto Ricardo
Jorge. E nessa altura disseram que havia má queima do esquentador e
deficiente tiragem de ar e gases.
O senhor recorda-se de lá ter ido uma segunda vez para analisar?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como acabei de dizer:
não me recordo de ter lá levado os técnicos de gás. Não me recordo nada,
mas, se está escrito, é porque foram.
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Recordo-me perfeitamente bem da engenheira do Laboratório Dr.
Ricardo Jorge. Elas estavam assustadas e eu até lhes disse: «Não tenham
medo, porque estou aqui. Se sentirem alguma coisa, eu sei abrir a porta, as
janelas… sei libertar isto tudo!».
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem, há esse
apuramento.
Entretanto, os valores de concentração que encontraram nunca
excederam — e estou a reportar à segunda avaliação, feita pelo Instituto
Ricardo Jorge — 110 ppm, valores obtidos na casa de banho — e recordo
que os corpos estavam entre a casa de banho e o corredor e estavam
deitados. Este valor foi medido na casa de banho, que era um sítio que não
tinha ventilação, e nunca excedeu 110 ppm, depois de 1 hora e 30 minutos
de o esquentador estar a funcionar.
Consta do despacho da Procuradoria — e gostava que comentasse
isto — que quando a concentração de monóxido de carbono no ar atinge os
100 ppm, os efeitos são a ausência de sintomas ao fim de duas horas. E
para provocar náuseas, vertigens e, depois, a morte é preciso haver
concentrações superiores a 1000, 10 vezes mais.
Pergunto: se só apuraram estes 110 ppm, valor manifestamente
insuficiente para provocar uma dor de cabeça, por que é que chegaram à
conclusão de que aquela tinha sido a causa da morte?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Deve ter havido também o
relatório da autópsia, suponho eu. Passados estes anos todos, não me
recordo de pormenores, mas…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório da autópsia
confirma que tinha monóxido de carbono. Inquestionável.
O senhor recorda-se se os exames médicos foram todos feitos na
altura da autópsia, ou houve exames entregues posteriormente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de ter
existido algum exame fora da autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas houve! Houve um exame
histológico…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas não foram juntos ao
processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foram também.
Esses exames dizem que houve entrada forçada de gás ou, então, que
houve asfixia por modo mecânico precisamente porque os alvéolos
pulmonares rebentaram. Isto consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Que eu lesse, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se de quando
foi feita a autópsia?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não me recordo.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A autópsia foi feita em janeiro
e esses elementos foram juntos ao processo em abril, muito antes do
despacho de arquivamento.
Pergunto: por que é que isto não foi tido em atenção, uma vez que
consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me lembro sequer de
ter junto ao processo algum documento que dissesse que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ler: «Já quanto à não
consideração crítica pelo médico-legista, aquando da elaboração dos
relatórios das autópsias, dos resultados dos exames histológicos, ela é um
facto, uma vez que os relatórios destes últimos são de 7-4-83, enquanto que
os relatórios das autópsias já estavam prontos quase três meses antes (…).
O perito médico (…) disse não se recordar se (…) teve conhecimento
dos relatórios (…), sendo certo que havia a prática de fazê-los passar pelas
mãos do perito (…)».
Do que é que o senhor se recorda, relativamente a isto?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Em termos de pormenor
do que está no processo, já não me recordo.
Agora, quanto aos trâmites, suponho que o processo não poderia ser
arquivado enquanto não estivesse tudo junto. Quer dizer, todos esses
exames, julgo, deveriam estar lá, porque senão o processo não poderia ser
arquivado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo.
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O médico que fez a autópsia não se recorda se teve conhecimento
destes resultados, mas os investigadores tiveram, certamente, consta do
processo. Está aqui. E nos relatórios diz-se: «‘poderá resultar do conjunto
de mecanismos asfíxicos que se verificam na intoxicação pelo monóxido de
carbono, (…)’». Isto consta desse relatório.
Já tivemos nesta Comissão de Inquérito pessoas que testemunharam,
nomeadamente o ex-Presidente do Instituto de Medicina Legal, que se
pronunciou sobre o assunto, uma técnica, a Dr.ª Rosa, que também se
pronunciou sobre o assunto, que disseram que, nunca, em circunstância
alguma, poderia haver rebentamento dos alvéolos pulmonares (e não altura
já se sabia isto) com uma inspiração lenta de monóxido de carbono. Isto só
pode acontecer de duas formas: ou com a asfixia mecânica, vulgo tapar a
boca, ou com afogamento (não era o caso), ou, então, com a introdução de
gás em pressão nas vias respiratórias. Não há forma de ser um acidente por
uma libertação de gás pelo esquentador a fazer rebentar os alvéolos
pulmonares. E os senhores tiveram conhecimento desse relatório.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me lembro
absolutamente de nada que os pulmões tivessem rebentado. Não me lembro
de nada! E, no meu relatório, julgo que não falei nisso, porque, se os
pulmões tivessem rebentado por efeito do monóxido de carbono, sei lá o
que teria feito, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas consta do processo e foi
entregue, sabe? A questão é que foi entregue.
A dúvida é se o perito, o médico legista, teve conhecimento ou não.
Era prática ter conhecimento. Ele diz que não se recorda, apesar de ser
prática.
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A questão é que o investigador teve o processo, teve este relatório na
mão e, passadas duas ou três semanas, faz um despacho de arquivamento,
não considerando isto.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo
absolutamente de nada.
Julgo, neste momento, que se tivesse visto que tinham rebentado os
pulmões, suponho, teria de ter efetuado mais diligências no processo, julgo
eu! Recordar não me recordo, mas…
Quanto aos pulmões rebentarem, não tenho ideia nenhuma. E não me
recordo de ter escrito isso no meu relatório. Julgo que não escrevi, mas se
está lá escrito…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, consta é do relatório
histológico. Consta do relatório histológico que isso aconteceu e não foi
considerado pelos senhores. Os senhores não valorizaram esse mesmo
exame.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como digo, não me
recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Agente, vamos lá ver uma
coisa: o senhor está encarregue da investigação.
Só para precisar, na altura, o senhor tinha essencialmente funções de
gabinete, ou fazia muita investigação fora?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Faz-se o serviço todo.
Quer dizer, um agente da Polícia Judiciária…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não tinha funções de
escriturário…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Um agente faz de
escriturário, porque faz o processo, tem de escrever os autos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo.
Portanto, era indiferente. Os que faziam trabalho de gabinete faziam
investigação fora.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não havia uns agentes que iam
mais para fora e outros que ficavam mais…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Podem colaborar na
investigação, podem fazer serviços para o mesmo processo, mas o
encarregado do processo, nesse caso, fui eu. Há um que é o encarregado do
processo, os outros ajudam, colaboram, fazem trabalho. O detentor do
processo é sempre um.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, o senhor é detentor do
processo. Existe um relatório que é entregue em abril. O despacho de
arquivamento é proferido duas ou três semanas depois. Aliás, no despacho
final, que é feito pelo Sr. Inspetor Eduardo Dias da Costa sob proposta sua,
diz-se que «não há matéria para»; ele remete-o, em início de maio, para a
comarca de Oeiras, dizendo que, de acordo com o vosso entendimento,
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«não há matéria para». O senhor é titular do processo. Há um relatório
histológico, que é entregue, que consta dos autos e que o senhor diz que
não se recorda, mas que, se se recordasse, se isso existisse, teria feito outras
diligências. O problema é que não foram feitas outras diligências!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Possivelmente, mas esse
exame histológico foi entregue no processo com o mesmo relatório da
autópsia?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório da autópsia é
anterior e o relatório é posterior, mas consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de ter
recebido qualquer…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o senhor admite que o
relatório possa ter sido entregue no Instituto de Medicina Legal, constar do
processo, que consta… Estou a citar-lhe passagens do despacho da
Procuradoria-Geral da República, não estou a fazer qualquer especulação,
nem a conjeturar, nem a fazer peça jornalística. Esse relatório constava do
processo.
O que me está a dizer faz sentido: «Se eu tivesse conhecimento
disso, tinha feito», mas não o fez na altura e tinha de o fazer!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pois… tinha de fazer, mas
não me recordo de ter lido isso, esse relatório histológico. Não me recordo
de ter recebido nada a seguir ao relatório da autópsia.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para que fique claro, hoje, o
senhor, se fosse titular de um processo, recebia um relatório da autópsia,
que dizia «monóxido de carbono, níveis superiores» e, passados dois
meses, recebia um outro relatório histológico que dizia «houve
rebentamento dos alvéolos pulmonares». O senhor tinha conhecimento
disto. Com esta apreciação, com esse resultado, o senhor atuaria de outra
forma. Certo?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Julgo que sim.
Quer dizer, se eu visse isso no processo, se tivesse esse
conhecimento, teria feito outras diligências, sei lá… Não me recordo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não terá o senhor lido isso e
não terá feito as diligências porque não entendeu fazê-las?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não! Se eu visse, se
eu lesse isso, claro que fazia! Nunca me poupei a esforços na questão de
investigar! Não me recordo de nesse exame se dizer que rebentaram os
pulmões.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A acrescer, com o tal teste que
o senhor fez com a técnica do Instituto Ricardo Jorge não houve
concentrações de dióxido de carbono superiores aos tais 110 ppm, que
eram manifestamente insuficientes até para provocar uma dor de cabeça.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pois, acredito nisso tudo e
foram as conclusões a que cheguei, só que…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se, passados uns anos,
houve algum inquérito para averiguar a vossa investigação a este caso do
José Moreira?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor nunca foi ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca fui ouvido, nem
tenho conhecimento de que esse processo tivesse resultado de outras
averiguações.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não deve ter percebido.
Sabe se a atuação da Polícia Judiciária foi objeto de um inquérito,
uns anos depois, para apurar se, de facto, a investigação a este caso, a este
homicídio, foi feita corretamente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não tenho conhecimento
nenhum disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1991 foi feito o inquérito.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o senhor, como agente titular,
não foi ouvido?!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca foi ouvido em 1991,
num inquérito?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não. Em 1991, já
não estava na secção de homicídios, mas ainda estava ao serviço da Polícia
Judiciária.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare a minha estranheza: há
um inquérito para apurar as circunstâncias em que decorreu a investigação.
O senhor é o agente titular do processo. E não foi ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor garante que nunca fui
ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca fui ouvido sobre
esse processo, depois de o processo sair das minhas mãos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, para já, não
tenho mais perguntas.
O Sr. Presidente: — Pergunto se mais alguém deseja usar da palavra
para colocar questões.
Pausa.
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Não havendo mais inscrições, para dar início à segunda ronda, tem a
palavra o Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Sr. Presidente, estou só aqui a
procurar…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Sr. Deputado diz que o
exame histológico foi junto ao processo antes da data do relatório?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Vou já dizer-lhe. Estou à
procura do documento.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É estranho eu não me
lembrar disso. Não tenho ideia nenhuma.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Já encontrei o despacho da
Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público, que passo a ler:
«Finalmente, constam de fls 131 a 133 os relatórios dos exames
histológicos, entregues em mão ao agente Morgado, na secretaria do IML,
em 11-4-83 (…)». Foram-lhe entregues. O senhor disse que não teve
conhecimento deles…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de nada.
Foram-me entregues em mão no Instituto de Medicina Legal (IML)?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Sim.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Isso também não é
normal.
Foram entregues em mão e quem é que faz isso? Então, entregam-me
assim…?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — O Procurador-Geral da
República.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Procurador-Geral, não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isso consta do despacho final
do Procurador.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Procurador-Geral da
República, não. Pode ser um Procurador da República na comarca de
Oeiras.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É evidente.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas, então, como é que
ele…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inspeção do Ministério Público,
José Ribeiro Afonso, que diz, repito: «Finalmente, constam de fls 131 a
133 os relatórios dos exames histológicos, entregues em mão ao agente
Morgado, (…), em 11-4-83 (…)».
O senhor disse que não tinha conhecimento deles.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de nada,
mas também não é normal entregarem-me em mão um relatório…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas recebeu-o.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recebi, pois assinei como
recebi…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor é o agente titular do
processo, recebe o processo, recebe um relatório…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Qual foi a data em que me
foi entregue esse relatório?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi-lhe entregue a 11 de abril
de 1983 e o senhor apresenta o relatório final a 29 de abril de 1983, 15 dias
depois.
Repare, o senhor teve tempo para analisar este relatório, ver que os
alvéolos pulmonares tinham rebentado e, pura e simplesmente, ignorou, ou
quis ignorar.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como digo, não tenho
noção nenhuma de ter recebido e de ter lido esse exame. Os exames que
recebi eram sempre juntos ao relatório da autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não foram, o relatório da
autópsia foi feito em janeiro — já lhe expliquei isto — e estes exames
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foram feitos posteriormente e recebidos três meses depois. Foram entregues
em mão ao Sr. Agente titular do processo em 11 de abril de 1983.
O senhor disse-me há pouco que, se tivesse recebido esse relatório,
se tivesse analisado esse relatório, teria feito outras diligências.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recebeu-o. Não me
venha dizer… Não quero parecer irritado, mas não me venha dizer que
recebeu o relatório e que não olhou para ele.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Estou a dizer que não me
recordo nada de ter recebido esse relatório. Não me recordo sequer de tê-lo
recebido.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É o Sr. Procurador que diz que
o senhor recebeu, no âmbito do inquérito à vossa atuação.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Só digo que não me
recordo de tê-lo recebido, de tê-lo lido. Não me recordo!
A ideia que eu tenho é que, quando andava na investigação, passei
pelo tribunal de Oeiras e o Sr. Procurador da República ficou muito
melindrado porque eu não tinha de andar por lá sem ordem dele. E eu
disse-lhe: «Eu ando aqui sob as ordens dos meus superiores, etc., etc.,». E
sei que ele ficou melindrado. Eu disse-lhe que atuava sob as ordens dos
meus superiores, e o Procurador na comarca não é meu superior
hierárquico.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor, como titular do
processo, que diligências de prova fez?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que ouvi pessoas, sei
que assisti a esse exame do laboratório da Dr.ª Antónia, salvo erro, do
Instituto Ricardo Jorge, mas nem sequer me recordava de lá terem ido os
engenheiros da empresa de gás. Também não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esses foram logo os primeiros e
foram consigo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não estou a duvidar disso,
mas não me recordo. Não posso dizer que me recordo, porque não me
recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se da técnica,
mas não se recorda da primeira vez que vai ao…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me da doutora
do Ricardo Jorge por outras razões. Recordo-me muito bem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Lembra-se de quem apurou que
o esquentador queimava mal, mas de quem dizia que queimava bem não se
recorda.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O que queimava bem?!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, porque a primeira
inspeção, a do dia 13, disse que o esquentador estava a funcionar
corretamente, e foi o senhor — também consta aqui. O nome do Sr. Agente
está constantemente referido, é normal, era o titular do processo!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Como é que eu me posso
recordar 30 anos depois? Não me recordo. Mas há uma certeza que tenho:
não me recordo de ter lido que os pulmões rebentaram.
Os pulmões rebentaram com monóxido de carbono?! Nunca tinha
ouvido falar disso sequer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, mas já constava do
relatório na altura.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Consta do meu relatório
que os pulmões rebentaram?! Não pode!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não. No do senhor, não, porque
o senhor não faz referência a isso.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas no relatório tinha de
fazer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pelos vistos, não, porque não
considerou isso.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Se o relatório estivesse
nas minhas mãos, eu tinha de fazer referência.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas esteve nas suas mãos. Foi-
lhe entregue em mão.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi-me entregue em
mão… Dizem eles que me foi entregue em mão. Eu não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi-lhe entregue 15 dias antes.
O senhor ainda não teria o relatório feito, mas já não esteve para olhar para
estes exames!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Quando o relatório é feito,
sai das minhas mãos e nunca mais volta às minhas mãos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se se fez o
relatório perto do dia 29?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de datas,
de absolutamente nenhuma.
Recordo-me de, na altura, constar, por um indivíduo que já tinha sido
expulso da Polícia Judiciária, que o engenheiro fora morto para não
divulgar nada sobre a tragédia de Camarate, tragédia, atentado ou o quer
que seja.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ler-lhe o que consta do
relatório histológico, o tal que o senhor recebeu em mão no dia 11 de abril.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O senhor diz que eu o
recebi, mas eu não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É o que consta do documento
da Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pode não dizer a verdade.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, pode! Pode, de facto, não
dizer a verdade! Não sei quem é que diz a verdade!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Eu também não sei! Mas
também não estou a dizer que não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas isto é feito na sequência de
um inquérito.
Diz-se aqui: «Em ambos se refere,…», ambos exames histológicos,
«… além do mais, que os pulmões das vítimas apresentam acentuada
congestão vascular e hemorragias, bem como áreas de marcada distensão
alveolar com rotura dos septos, (…)».
Se o senhor tivesse lido isto, diria: «Espera lá, isto não deve ter sido
um adormecimento!».
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Tinha de ser um
monóxido mais forte.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente! Mas, de facto, isto
foi ignorado.
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É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Há mais alguém que queira colocar questões?
Pausa.
Não havendo mais inscrições, dou por terminada esta audição,
agradecendo ao Sr. Inspetor Herculano Lourenço Morgado a sua presença.
Srs. Deputados, a próxima audição será com o Sr. Agente Mário
Jorge Coimbra Mendes, às 16 horas.
Está interrompida a reunião.
Eram 15 horas e 17 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar retomar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, Sr. Inspetor-
Chefe da Polícia Judiciária Mário Jorge Coimbra Mendes, a quem peço o
favor de se identificar para constar da ata.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes (ex-Inspetor-Chefe da Polícia
Judiciária): — Chamo-me Mário Jorge Coimbra Mendes, sou Inspetor-
Chefe da Polícia Judiciária e estou aposentado há alguns anos. É a minha
situação atual.
Dada a minha inexperiência, nestas situações, se for preciso dizer
mais alguma coisa, façam favor de mo dizerem.
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O Sr. Presidente: — O objeto da X Comissão Parlamentar de
Inquérito à Tragédia de Camarate, que consta do artigo 1.º do
Regulamento, «(…) tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, (…)», designadamente
dando seguimento às recomendações emitidas pelas VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito à Tragédia de Camarate.
Peço-lhe que declare que jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Juro dizer a verdade e só a
verdade.
O Sr. Presidente: — Quero informá-lo de que o falso depoimento
implica a prática do crime punido com a pena de prisão até cinco anos ou
multa até 600 dias.
A audição vai realizar-se com três rondas de perguntas, sendo uma
primeira de 5 minutos para cada grupo parlamentar e representantes dos
familiares das vítimas, uma segunda ronda de 3 minutos e, se tal for
necessário, uma terceira de 2 minutos.
Como a audição vai ser feita de porta aberta, pergunto-lhe se se opõe.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho nada a opor.
O Sr. Presidente: — Pergunto-lhe também se pretende fazer alguma
intervenção inicial.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, vamos dar início à fase das
perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Inspetor-Chefe, muito
obrigado por estar aqui hoje presente.
Pergunto-lhe se foi quadro da Polícia Judiciária (PJ), se prestou
serviço na Polícia Judiciária durante muitos anos e desde quando e até
quando.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado,
efetivamente, ingressei na PJ em 1976 e reformei-me em 2002. Portanto,
tive 26 anos de serviço ativo. Aposentei-me como inspetor-chefe e
trabalhei, ao longo da minha carreira profissional, em vários sectores e
secções.
Posso dizer-lhe que, na altura a que se reportam estes factos, tinha
tomado posse há pouco tempo, há 2 ou 3 anos, e trabalhava no sector de
homicídios e foi nesse contexto que eu fui ao local mais tarde.
Depois, em 1982, ingressei na DCCB, na altura, Direção Central de
Combate ao Banditismo, onde estive cerca de 10 anos, quando fui
promovido, passei para a direção central de combate aos estupefacientes;
estive no Algarve, em comissão de serviço, cerca de 18 a 24 meses; voltei
para a diretoria de Lisboa e, passados alguns anos, reformei-me.
São estas as secções onde estive.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para precisar: esteve na secção
de homicídios?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em que período, recorda-se?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Recordo. Quando passei a
estagiário fiquei logo lá, portanto, em 1976 acabei o curso e, depois, em 14
de maio de 1977, passei a agente de terceira e já estava nos Homicídios e
estive lá cerca de cinco anos até ser convidado para ir para a DCCB.
Portanto, na data dos factos, a 4 de dezembro de 1980, recordo que
estávamos… Como o senhor calculará, volta não volta, havia homicídios
aqui ou noutras zonas do País, e eu estava com os meus colegas e
estávamos de volta de uma situação dessas. Estávamos a jantar,
acompanhados do nosso coordenador da altura, que era Inspetor, o Dr.
Pedro Amaral. Penso que era a hora, mais ou menos, do jantar, o jantar já
estava programado, e, de repente, surge aquela notícia no telejornal que nos
deixou perfeitamente estupefactos.
Já não me recordo, exatamente, mas penso que comemos alguma
coisa e foi decidido, por ordens superiores, deslocarmo-nos para a zona
onde teria caído o avião onde se fazia transportar o Sr. Primeiro-Ministro
Sá Carneiro, acompanhado do Sr. Ministro da Defesa e de outros
acompanhantes.
Foi isso o que fizemos, consoante as horas, fomos para lá, quando lá
chegámos…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe interromper. Foi com
o Dr. Pedro Amaral?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quais eram os elementos da
equipa? Quantos elementos tinha a equipa?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado… Penso
que da brigada dos Homicídios estariam lá cinco, seis… É natural que, na
altura, tenha havido ali algum esforço de juntar mais alguns elementos
porque, eventualmente, poderiam ser julgados poucos na área e penso que
devem ter ido mais alguns funcionários, mas dos Homicídios foram cinco
ou seis, salvo erro, ou mais… Eu, agora, de momento, não posso precisar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi e o que é que viu? O que é
que fizeram?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, na altura,
quando eu lá cheguei, aquela era uma situação muito complexa, muito
complexa, e foi-me distribuído…
O que é que eu vi lá…? Vi lá o avião, os restos do avião… Aquilo
era uma rua muito estreita, tenho ideia de os prédios, os prédios ou as
casas, serem relativamente baixos, não eram muito altas, e vi lá um
amontoado dos vestígios de restos dos corpos provenientes do incêndio.
Nós ficámos… Penso que a GNR já lá estaria no local, e o local
estaria preservado, digamos, dentro das possibilidades, porque aquilo era
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uma amálgama de gente que era brutal, era difícil… Eu já cheguei lá
passado algum tempo do acidente ter ocorrido, do acidente ou o que foi…
Estivemos lá, numa zona sobranceira dos prédios a ver, seguindo as
instruções que nos foram dadas, durante algum tempo… Chegaram
imensas pessoas, algumas altas individualidades, e, depois…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de alguma?
Desculpe interrompê-lo.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Olhe, eu penso… Eu
queria… Pronto, já passaram 34 anos… Eu tenho ideia do General
Ramalho Eanes, mas não sei; tenho uma ideia também do Dr. Pinto
Balsemão e não sei se do Dr. Freitas do Amaral. Não sei se estou
equivocado mas, pelo menos, ficaram-me essas imagens. Não sei…
O que posso dizer? Estivemos lá algum tempo, algumas horas,
talvez, e depois o que interessava, o que era importante e o que era
imperioso fazer-se naquela sequência, nós — e eu, nomeadamente e
juntamente com outro colega — aguardámos pela vinda do Dr.
Sombreireiro do IML (Instituto de Medicina Legal) e fizemos a remoção,
com ele, num carro, levámo-lo para o IML para ele fazer — eram essas as
instruções que havia — começar a fazer as autópsias, os exames.
Foi isso que fizemos. Fomos para o IML com ele, facultámos o
transporte, acompanhámo-lo. O referido Dr. Sombreireiro chegou ao IML e
começou na sua arte… Nós estivemos lá, algumas horas… E pronto!…
Depois, saímos de lá.
O que é que eu queria dizer? E, se calhar, é importante salientar este
aspeto: eu não tenho um acompanhamento contínuo desta situação;
acompanhei isto, inicialmente, nesta fase dos homicídios…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Peço desculpa por interrompê-
lo…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza! Faça favor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Cingindo-me ao que falou,
faço-lhe uma pergunta, muito concreta: não foi a única equipa da Polícia
Judiciária que foi para o local do desastre?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não! Penso que não…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não foi.
O Sr. Inspetor-Chefe disse-nos que foi para os destroços do avião
onde o avião embateu.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente. Junto das
casas onde ficaram os…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo!
Não fizeram qualquer tipo de investigação e avaliação da pista até às
casas?
Digo-lhe porquê. Já tivemos aqui um testemunho que nos disse que a
equipa do Dr. Pedro Amaral encarregou-se dos destroços e do que teria
estado naquela pista…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … na noite de 4 de dezembro,
precisamente 500 m antes do embate.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, admito isso,
simplesmente, eu não fui. Eu fui para o sítio que lhe referi, estive lá e,
depois, acompanhei o Dr. Sombreireiro ao Instituto de Medicina Legal para
ele começar a fazer as autópsias.
Admito — e é possível que tenha acontecido — que tenha havido
uma subdivisão das equipas e que outras tenham tido essa missão, porque
eu, depois, mais tarde, ouvi falar-se nesses colgas que, até, em dias
posteriores terão lá ido para, digamos, fazer ou, eventualmente, ultimar
alguma coisa que tivesse ficado por fazer. Mas eu não tenho conhecimento
direto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Conhece o Inspetor Paulo
Franco?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Conheço, com certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ele esteve consigo nos
destroços?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Esteve, sim, senhor. Eu,
até lhe…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de fazer parte de outra
secção?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, o Inspetor
Paulo Franco, que fazia parte, na altura, de outra secção, que não a minha.
Eu trabalhava nos Homicídios e o Sr. Inspetor Paulo Franco trabalhava na
SCIACV que, penso eu, terá sido a secção para onde foi encaminhado o
dito processo, que era o processo n.º 998/80. Penso!… Não sei se foi o
único, mas penso que o Sr. Inspetor Paulo Franco foi sempre o titular, não
sei se terá sido, sempre, o mesmo…
Depois queria dizer-lhe, se não estou a ser muito apressado, que,
mais tarde, em 1982, já na DCCB, venho a ter contacto, porque fui colega
de sala do Sr. Inspetor Paulo Franco, que era o titular desse processo n.º
998/80. Eu falava com ele, acompanhava-o naquilo que ele precisasse,
independentemente de eu ter o meu trabalho ou não. Quando era preciso,
eu avançava, apoiava-o naquilo que ele precisava… Pronto! Notificações e,
eventualmente, tratarmos de papelada, ir buscar papelada para se fazer os
exames médicos, para se entregar aos peritos, para se fazer aqueles exames
complementares…
Nessa fase, tomei algum contacto, através do Sr. Paulo Franco, na
sala 608, porque o processo estava lá. Era um processo que era dele, mas,
quando ele me dizia: «Ó Coimbra, faz isto» ou «faz aquilo», eu fazia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro.
Uma questão prévia: o Dr. Pedro Amaral ficou encarregue de fazer
um relatório?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Tem toda a lógica…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Chefiava a equipa?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Tem toda a lógica, era o
coordenador ou era o responsável da equipa, teria toda a lógica…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que função é que ele tinha, em
1980? Ele era estagiário? Era…?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. O Dr. Pedro do
Amaral era o meu inspetor da secção de homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, não era estagiário?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Agora, não posso dizer-
lhe com rigor, mas penso, Sr. Deputado, que ele já tinha alguns anos… Não
tinha muitos, muitos, mas era uma pessoa que já não era estagiário, já
tinha…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando à questão do
relatório: era normal que fosse ele a fazê-lo, porque ele chefiou essa
equipa?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Só se ele atribuísse,
eventualmente, a outro funcionário mais central nas investigações, que teria
um conhecimento que as pessoas…
Como o senhor compreenderá, o titular do processo é o responsável
pelos autos e é, normalmente, quem faz as informações, quem tira as
conclusões, quem faz os relatórios. Portanto, se ele dissesse a alguém,
eventualmente a uma figura mais central naquele processo todo, para fazer
o relatório, era porque ele estava ciente daquilo que se estava a passar de
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tudo. Mas inclino-me mais para ser o Dr. Pedro Amaral a ter um processo
com esta complexidade e com esta responsabilidade. Eventualmente,
poderia ser ele, embora eu não lho possa garantir…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro!
O senhor recorda-se desse relatório, do que constava desse relatório
que o Dr. Pedro Amaral fez?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca ouviu falar, sequer,
desse relatório?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ouvi falar, mas nunca o li,
nem me lembro…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E do que ouviu falar, qual era,
enfim, o seu traço mais distintivo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado, não
tenho, sinceramente, uma ideia muito forte…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Se eu lhe falar de um rasto…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, é possível, um
rasto… É possível…! Foi uma das coisas que ouvi, muitas vezes, mas eu,
depois, desliguei-me completamente do processo, como compreenderá.
Tinha a minha vida profissional, se alguma coisa me era pedido, com
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certeza que faria da melhor maneira e dentro das minhas possibilidades,
mas aquilo estava entregue a uma outra secção, que não estava fisicamente
na Polícia Judiciária, estava numa outra zona do edifício. E, portanto, como
o senhor compreenderá, não era assim tão fácil quanto isso, a pessoa estar
sempre ali a imiscuir-se ou a perguntar isto ou aquilo.
Portanto, sinceramente, não sei nada que o possa ajudar nisso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esse relatório foi feito pela
secção de homicídios, mas, depois, o processo transitou para a SCIACV.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, a ideia que
eu tenho é essa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando à questão dos corpos
e das autópsias, o senhor acompanhou o percurso feito até ao Instituto de
Medicina Legal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A pergunta que vou fazer tem a
ver com a questão das ambulâncias. A ambulância que carregou os corpos
foi a mesma que os levou até ao Instituto de Medicina Legal, ou houve uma
trasfega de ambulância?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho ideia nenhuma
sobre isso, Sr. Deputado, e, em bom rigor, nada posso dizer sobre isso,
porque, quando abandonei o local, em princípio, fui numa carrinha da PJ,
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acompanhado do Dr. Sombreireiro e com outro colega a conduzir, e penso
que os corpos ainda não tinham sido removidos.
Portanto, não sei, sequer, em que ambulância, ou em que carro, é que
foram…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor chegou primeiro ao
Instituto de Medicina Legal. Não acompanhou propriamente…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não acompanhei
propriamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quando chegaram já lá
estava…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não fui incumbido dessa
tarefa, senão acompanharia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro, mas houve colegas seus
que, de certeza, acompanharam.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Admite que sim, mas não tem a
certeza.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho a certeza. Em
bom rigor, não tenho a certeza.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Major Lencastre Bernardo
ainda estava na Polícia Judiciária em 1980?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Major Bernardo…?
Estou a tentar situar-me… Ele era o responsável da SCIACV, aquando da
sua criação em 1982, e ele nunca esteve, acho eu, na DCCB, sendo que
mais tarde apareceu o Sr. Major Viegas, mas já numa fase posterior.
Estou a tentar situar-me… Em 1976, houve a morte de um
funcionário e nós tivemos necessidade de pedir um avião e era o Sr. Major
Bernardo, efetivamente, o diretor do departamento.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1976?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Em 1976. Lembro-me
perfeitamente, porque houve um homicídio no Algarve e tivemos
necessidade de meios aéreos, tivemos necessidade de um meio para nos pôr
no Algarve rapidamente e foram as démarches do Sr. Major Bernardo que
resolveram a questão mais facilmente.
Agora, em 1980, eu estava nos Homicídios… Sr. Deputado,
sinceramente…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe para onde foi trabalhar o
Major Lencastre Bernardo depois de ter sido diretor da Polícia Judiciária?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu acompanhei algum
percurso do Sr. Major Bernardo, agora, sinceramente… Sinceramente, não
sei.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe se foi trabalhar para a
Presidência da República com o General Ramalho Eanes?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim, porque
acho que o Sr. Major Bernardo fazia parte da entourage do Sr. General
Ramalho Eanes —não sei se estou a dizer alguma coisa…
Portanto, admito perfeitamente. Não sei se nessa altura concreta ele
esteve lá fisicamente, mas admito que possa ter ido para lá trabalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse há pouco, sem grande
certeza, que o General Ramalho Eanes terá estado no acidente.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de o Major
Bernardo ter estado lá nessa noite também? Recorda-se de o ter visto lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não. Inclinava-me mais
para o «não», mas não queria… Inclinava-me mais para o «não». É uma
pessoa que reconheceria bem, forçosamente, e não tenho essa ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando ao Dr. Pedro Amaral,
ele fez o relatório. Entretanto, o processo foi entregue ao Inspetor Paulo
Franco.
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O Dr. Pedro Amaral nunca mais teve contacto com o processo?!
Nem os Homicídios?!
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Os Homicídios, não!
Penso que os Homicídios não! Eu nunca mais tive contacto com o
processo, nem soube nada do processo. Se não fizesse qualquer démarche
nesse sentido…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, esteve naquela noite.
A sua participação foi ter estado naquela noite.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, não queria
ser tão restritivo nesse aspeto, dizendo «só naquela noite». Eu admito que
depois ele possa ter estado em contacto durante alguns dias, mas,
posteriormente, nos Homicídios e depois de ter sido entregue, já me custa
um bocadinho mais a crer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em relação a Camarate, tem
mais alguma informação do que ouviu na altura do Inspetor Paulo Franco?
Teve curiosidade em acompanhar?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, sinceramente. Como
deve calcular, com alguma pertinência e para trazer luz, não… O que se
ouvia era teorias desencontradas, umas dizendo que era isto, outras que era
aquilo, mas com pouco rigor. Penso que não têm pertinência.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1983, o Sr. Inspetor-Chefe
continuava nos Homicídios?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já estava na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A partir de 1982 passei
para a DCCB.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Teve conhecimento de um caso
de morte de duas pessoas num apartamento em Carnaxide, do Sr. José
Moreira e da sua acompanhante Elisabete Silva?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Estive, sim senhor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que é que se recorda disso?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que se passou foi que,
como lhe disse estava na DCCB, estava com o Sr. Inspetor Paulo Franco, e,
a certa altura, fomos, já não sei exatamente o mês, mas, em 1983, foi-nos
dada a indicação para nos dirigirmos a Carnaxide a um apartamento onde
teriam aparecido um indivíduo de sexo masculino e um indivíduo do sexo
feminino mortos.
Na altura, o Sr. Paulo Franco era o titular desses autos e nós, os
Homicídios, foi-nos dada essa indicação, fomos lá e tentámos fazer o nosso
trabalho o melhor possível. Fizemos o exame ao local…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os corpos ainda lá estavam?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Estavam.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os senhores foram dos
primeiros a aparecer?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente. Penso que
deve ter sido relativamente rápido. Alguém deve ter comunicado à Polícia
Judiciária e, como nós andávamos na zona em serviço externo, ou perto,
fomos logo para lá, foi-nos dada essa instrução.
Portanto, fizemos aquilo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe, quem foi? Foi o Sr.
Inspetor?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Fui só eu e o Sr. Inspetor
Paulo Franco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só os dois?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Fomos só os dois, sim.
Portanto, fomos lá e fizemos um exame ao local. Vimos os
cadáveres, foi-nos referido que o indivíduo do sexo masculino seria o
indivíduo de que o Sr. Deputado falou que teria alguma ligação… Penso
que seria o dono do avião — não sei se será isto com inteira propriedade —
em que o Sr. Primeiro-Ministro Sá Carneiro teria falecido.
Nesse aspeto, fomos lá, vimos os cadáveres, fizemos exame ao local,
vimos a porta, vimos o apartamento todo, tentámos analisar aquilo como o
que, hoje em dia, se chama vulgarmente de CSI, e fomos ver aquilo com a
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maior profundidade possível, na perspetiva de podermos ajudar em alguma
coisa.
Face àquilo tudo, não vimos sinais nenhuns de violência nos ditos
cadáveres, não vimos nada na casa que nos fizesse pensar em alguma coisa
que pudesse ter havido ali de estranho, embora, quando se vai a um
determinado local, tenhamos de admitir tudo, não podemos ir com ideias
pré-concebidas, temos de ter o espírito aberto e ver, realmente, porque, se
vamos para lá a pensar que é isto ou aquilo, não… Temos de ter o espírito
aberto, temos de ver, de ver os cadáveres.
E, na altura, encaminhou-se a situação — e já não me lembro quem é
que lá estava, não sei se era da GNR ou da PSP —, mas fomos
encaminhados para a cozinha e havia ali… Pronto, já não sei o cheiro a gás
era assim muito intenso, se não era, se era só uma mera suspeita… mas, na
altura, ficou no ar a pairar aquela hipótese de ter havido ali um problema no
gás, mas um problema acidental, em termos da própria canalização, como
pode haver em qualquer casa…
Face a essa situação, fizemos o nosso trabalho, reportámos a situação
e ficámos a aguardar. Ali seria decisiva a questão do IML e do exame de
autópsia dos corpos no sentido de virmos a saber se teria havido suspeitas
de crime, ou não.
Tanto quanto posso dizer, na altura, eu fui ao Instituto de Medicina
Legal e presenciei a autópsia da senhora, de que não recordo o nome…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Elisabete.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Pronto, da Sr.ª Elisabete.
Presenciei a autópsia e reparei, aliás, foi salientado pelo médico, penso que
era o Dr. Sombreireiro, que quando há aquela questão do gás e tudo,
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normalmente eles tiram aquilo e com a sua experiência focou logo e
salientou a questão da pele cianosada, ou seja, da pele com uma cor
diferente, rosácea que poderia ser um indicador disso, e depois, ficou lá.
O senhor fez o seu trabalho e, mais tarde, alguém terá recebido esse
exame de autópsia. Sinceramente, penso que nada apontaria para que
tivesse sido crime, mas, também, não tive mais conhecimento, nem fui
inteirado de mais nada relacionado com isso.
Era isso, digamos, que eu queria dizer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, o Sr. Inspetor-Chefe
juntamente com o Inspetor Paulo Franco foram os primeiros a chegar ao
local e viram os corpos e, certamente, não sentiram um cheiro forte a gás,
senão ter-se-ia recordado.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim. Podia haver, mas
nada…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nada fora do normal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, senão nós também…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois disso, consta das
autópsias que os corpos tinham algumas lesões traumáticas, nomeadamente
ele no ombro e no joelho e ela tinha uma mordedura na mama. Na altura
viram esses mesmos sinais?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, no exame
ao cadáver, às vezes, aparecem esses vestígios que, depois, terão de ser
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dirimidos, digamos, quando não são muito evidentes, pelo Instituto de
Medicina Legal.
Admito que sim, embora, muitas vezes, seja uma questão que fica em
aberto, porque, como estavam no chão, pressupõe-se uma queda e a lesão
poderia ter sido consequência da queda. De qualquer maneira, os peritos do
IML normalmente dirimem essas situações todas, dizendo: isto é objeto de
violência, foi isto, foi um objeto contundente, foi aquilo…. E só então, sim,
é decisório, e é uma opinião que vale.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Também estaria o septo nasal
desviado, partido. Não se apercebeu disso?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, sinceramente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que ficou titular desta
investigação?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, eu nunca
mais tive contacto com o dito processo. Não sei!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido o Agente Herculano
Morgado?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Herculano Morgado?!
Penso que terá sido, talvez, dos Homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim. Sabe quem é o Agente
Herculano Morgado?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sei, sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se foi ele que ficou como
titular do processo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei, Sr. Deputado.
Compreendo, por um lado, que isto lhes faça alguma confusão, mas
veja: nós estávamos na Malhoa, fisicamente, eu tinha semanas que não ia à
Gomes Freire — os Homicídios eram no 1.º andar da Gomes Freire —, e
passavam semanas que não falávamos com ninguém.
Muitas vezes, eu só ia à Gomes Freire para receber o ordenado, na
altura em que ainda se tinha de ir receber o ordenado. Depois tínhamos
serviço externo, andávamos semanas por fora… Havia alguma dificuldade,
porque não havia aquele contacto, o que poderá até parecer estranho para
uma pessoa outsider ao sistema, mas acontecia muitas vezes e se falava, as
pessoas não conversavam.
Eu conheço o Sr. Herculano Morgado, porque eu passei nos
Homicídios, mas não sei se ele é do meu tempo, penso que era mais novo
que eu, mas sinceramente não sei.
O Sr. Deputado pode perguntar-me: mas não teve curiosidade?
Também não tive, sinceramente. Eu ouvia as coisas, quem tinha o processo,
quem era o titular era o Sr. Inspetor Paulo Franco, e, sinceramente, também
não falávamos muito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Paulo Franco teve
esse processo logo no início, depois deixou de o ter?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Foi das primeiras pessoas
que o deve ter recebido, porque aquilo era uma ocorrência, ainda nem era
processo… Aquilo deve ter tido a sua própria evolução processual.
Ele era o titular do processo n.º 998/80. Não vamos ser ingénuos e
alguém deve ter pensado, e era lógico que pensasse, uma vez que esse
senhor era o proprietário do avião em que morreu o Primeiro-Ministro, Dr.
Sá Carneiro, quando aconteceu aquilo, que pudesse uma coisa ter a ver com
a outra. Pode ter aparecido essa ideia, com toda a lógica.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa é uma dedução que
qualquer pessoa faz.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — É uma lógica.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já vi que o Sr. Inspetor-Chefe
tem uma ótima memória e faz-me um pouco de impressão não se recordar
de quem era o agente titular do processo e isto pelo seguinte: houve um
processo de inquérito em 1991, oito anos depois, para averiguar as
circunstâncias em que foi feita esta investigação.
O Sr. Inspetor-Chefe foi ouvido no âmbito desse inquérito e aí,
provavelmente, terá sabido pormenores do inquérito nomeadamente quem
tinha sido o agente que teria levado o processo por diante.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, não
interprete… Se o senhor tiver algum elemento que ache que eu deva… Se o
senhor mo recordar… Eu não tenho absolutamente interesse nenhum em
estar aqui a ocultar aqui alguma coisa.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro, é evidente!
Não, é que, de facto, consta que foi efetivamente ouvido…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Vai-me perdoar, não sabe
a data exata?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, o que eu tenho é o
despacho do Sr. Procurador da República a dizer que: «No âmbito do
presente inquérito prestaram depoimento com interesse para o
esclarecimento deste caso de Carnaxide as seguintes pessoas: Paulo
Bernardino, (…); Lourenço Martins, (…); Marques Monteiro, (…);
Herculano Lourenço Morgado, (…); Mário Jorge Coimbra Mendes, (…);
Artur Mendes Pinto, (…); António Antunes das Neves (…)».
Mário Jorge Coimbra Neves é o senhor, não é?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, Sr.
Deputado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pegando nas palavras e sendo o
proprietário do avião que esteve ao serviço da candidatura do General
Soares Carneiro e fazendo logo essa lógica…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não lhe vou ocultar que a
gente pensa logo qualquer coisa… Um investigador não pode estar ali a
dizer «não, não é, ou é», pensei para comigo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro que sim!
Não acompanhou o resultado das autópsias?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe o que é que as
autópsias disseram?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sinceramente não, mas se
me permite, eu dir-lhe-ia o seguinte: quero crer que se na nossa ida ao local
tivesse resultado, nomeadamente para mim, e nós estivemos a ver e´, em
princípio, não apontámos para nada de suspeito, apontámos para a questão
do gás, falou-se no gás, pouco ou muito, mas nunca tive nenhum feedback
ou dos Homicídios ou de alguém a dizer que aquilo era, efetivamente, um
crime, porque tinha isto ou porque tinha aquilo…
Eu profissionalmente ficava assim… Nunca tive nenhum feedback e
como nunca ninguém me disse nada… E eu também já disse ao Sr.
Deputado e à Comissão que não tive um interesse especial, porque aquilo
era uma coisa… Eu só trabalhei naquelas situações em concreto e, se não
me diziam nada, eu também não perguntava nada, algumas coisas sabia
outras não sabia, é esta a situação. Mas não soube o resultado das
autópsias, nomeadamente no sentido de que tinha havido uma causa
criminosa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eu antes de lhe pedir um
comentário a algumas questões que ocorreram neste processo pergunto:
recorda-se de como os corpos estavam?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado a ideia
que eu tenho daquilo, e vai-me perdoar, é que era uma situação trágica.
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Posso dizer que, na sequência desta situação complexa, foi-nos levantado
um processo disciplinar por causa de umas situações, porque as pessoas
parece que queriam estar mesmo… A questão do local, da contaminação do
local, o estar a ver e tal…
O que é que posso dizer sobre isso? Eu não tenho capacidade para
dizer a este tempo qual a posição… A ideia que eu tenho é que aquilo era
uma situação terrível, era uma amálgama…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não estou a falar de Camarate;
estou a falar do caso José Moreira.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, deixe-me pensar um
pouco, se faz favor…
Tenho ideia que um dos corpos estava na entrada do quarto… Nós
fizemos a nossa leitura daquilo que não tem nenhum juízo sobre nada nem
ninguém, mas eu tenho ideia, se estou bem recordado, que um dos corpos
estava no chão perto da cama à entrada do quarto e o outro não sei se
estava em cima da cama, mas inclinava-me para dizer que estavam os dois
na mesma divisão, mas, sinceramente, não queria estar aqui…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ajudá-lo a relembrar:
estavam os dois, o corpo dele por cima do corpo dela, voltados um para o
outro e desnudados, um em cima do outro.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, o senhor está a
corrigir-me, tudo bem. Desnudados não tinha qualquer dúvida que estavam,
mas, como lhe disse, e esta era a minha ideia sobre isso é que um deles, e
inclinava-me para o masculino, mas, então, pelos vistos mal, estaria no
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chão fora da cama, em decúbito ventral, se calhar não era bem assim, e na
zona da entrada do quarto entre a cama e o… Pelos vistos, não será
assim…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, estavam entre a casa de
banho e o corredor. Metade do corpo estava na casa de banho e a outra
metade estava à entrada da casa de banho…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Disso não me recordo,
efetivamente, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Olhe, agora vou falar-lhe de
três ou quatro aspetos desta investigação e gostava de obter o seu
comentário.
É feita uma análise ao esquentador no dia 13 pelo Dr. Herculano
juntamente com alguns técnicos onde se apura que o esquentador está a
funcionar normalmente, com as torneiras abertas, tudo aberto, uma hora e
meia sem problema absolutamente nenhum.
No dia 18 fazem uma nova análise com o Instituto Ricardo Jorge —
e para além do comentário, pergunto-lhe se teve conhecimento que isto
aconteceu — onde chegam à conclusão que o esquentador não funcionaria
bem, estava a queimar mal e fazem medição do monóxido de carbono…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Os técnicos?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, acompanhados do Agente
Herculano.
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Dessa medição apuram que o índice de monóxido de carbono não é
superior a 110 ppm. Ora, de acordo com os relatórios e o que é comumente
aceite pelos técnicos esse grau não é suficiente para provocar sequer dor de
cabeça, mas ainda assim disseram que queimava mal.
Agora, essa análise que foi feita com tudo aberto durante duas horas,
com o esquentador a funcionar, não permite subir a esse valor que nem
dores de cabeça provocaria quando para provocar a morte são valores 10
vezes superiores a esse mesmo — estes factos constavam deste processo.
Entretanto, o relatório da autópsia diz que as duas pessoas morreram
com monóxido de carbono. O relatório diz isto, só que o exame histológico
é feito a posteriori e é junto a posteriori, o senhor não teve qualquer
conhecimento nem do exame histológico, nem do relatório da autópsia,
nunca ouviu falar?
E no processo de inquérito, este de 1991, quando foi inquirido, nunca
lhe falaram nisto? Por que é que surgiu esse processo de inquérito em que o
senhor foi ouvido?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei, Sr. Deputado…
Um processo de inquérito pressupõe o esclarecimento de alguma coisa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro. Mas não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor não tem aí nada
que me possa relembrar?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, tenho só a dizer que
prestou declarações. Quer dizer, foi para apurar a investigação da Polícia
Judiciária neste processo, isso foi claramente.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Neste processo do
aparecimento dos dois cadáveres?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, na investigação desse
suposto crime. Não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como disse, tive essa
intervenção e reafirmo-a, mas, depois, nunca mais soube nada do que se
passava, do resultado da autópsia, de todos esses pormenores que eram
importantes…
Fomos lá, era importante saber até para saber se se confirmava ou
não a nossa teoria, que, pelos vistos, não se confirmou.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: esse exame histológico
que é junto dois meses e meio depois…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Dois meses e meio depois
da autópsia?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim. Esse exame revela que
houve rebentamento dos alvéolos pulmonares. Já foi dito, quer na altura,
quer agora, nomeadamente já foi ouvido aqui na Comissão, o ex-Presidente
do Instituto de Medicina Legal, Prof. Nuno Vieira, que só há rebentamento
dos alvéolos pulmonares em caso de asfixia mecânica, ou introdução de
gás, ou afogamento — mas afogamento não era claramente — e que numa
asfixia lenta por mau funcionamento do esquentador isso nunca poderia
ocorrer.
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Esse relatório é entregue ao titular do processo…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ao Sr. Inspetor
Herculano.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente, consta
inclusivamente deste inquérito.
Depois, não se fez mais diligência de prova nenhuma e concluiu-se
que as pessoas tinham morrido pela libertação de gás do esquentador.
Tendo em conta a associação que o Sr. Inspetor-Chefe fez, e bem, que este
senhor era proprietário do avião que transportava tão ilustres pessoas, com
estes dados, tendo em conta este relatório histológico em que é afirmado
isso, o senhor acha plausível que não se tenha feito mais diligências de
prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, como o
senhor compreenderá não vou tecer grandes considerações…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Gostava de saber a sua opinião.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, há um
conjunto de elementos que são carreados para os autos, que têm de ser
ponderados e que têm de ser submetidos a despacho de um diretor ou de
uma pessoa da hierarquia da PJ que, por sua vez, pondera aqueles factos
todos e decide em função.
Como o senhor compreenderá não tenho capacidade para estar a
avaliar e a ajuizar sobre isso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu é que agradeço.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Eva Henningsen.
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecassis): — Há uma coisa que não percebi bem: há bocado falou de um
processo disciplinar em relação às suas investigações sobre Camarate. Não
sei se percebi bem, mas disse isto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Efetivamente disse, mas,
se quiser, posso adiantar-lhe o porquê.
Não tem nada a ver com Camarate mas, sim, com o facto de
estarmos fisicamente em Camarate, porque terá havido um problema com
jornalistas e na altura queixaram-se que elementos da PJ não os terão
deixado trabalhar, pelo que foi só nessa perspetiva, o que é compreensível.
Ali não liga bem uma coisa com a outra e, muitas vezes, é difícil conciliar
liberdade com o nosso papel e com as instruções que temos, e o processo
foi nesse sentido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Inspetor, não posso deixar de dizer que me
surpreende que alguém com a sua experiência, que já vem dos Homicídios,
acredite no cenário que se lhe deparou em Carnaxide, quando eu sei, por
exemplo, que debaixo da cabeça do Sr. Eng.º José Moreira havia uma
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toalha ensanguentada, que havia sangue no chão, que havia inúmeros
pormenores que não poderiam escapar-lhe.
E não foi o Dr. Sombreireiro que fez as autópsias, foi o Dr. Fonseca
que fez as autópsias, que chamou a atenção para a toalha com sangue e
disse: «É urgente ver a toalha e fazer análises ao sangue nessa toalha» —
isto diz ele no seu relatório.
Essa toalha foi parar ao jornal onde eu trabalhava, foi entregue pelo
sobrinho da vítima e nunca a Polícia Judiciária se interessou, sequer, por ir
buscar a toalha.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que posso dizer sobre
isso, Sr. Augusto Cid, é o seguinte: se eu tivesse… Eu gostava até de ter
uma memória fotográfica para poder reproduzir fielmente aquilo que vi e
que reportei diretamente.
E sou o mais sincero possível, dizendo que não vi toalha nenhuma
com sangue, porque, se eu visse, como o senhor compreenderá, e indo ao
encontro de alguma experiência que eu tinha, porque teria de ter,
forçosamente, uma toalha com sangue numa cena de crime, num local de
crime, esse sangue todo… É difícil não ver uma coisa que está ali, como o
senhor disse! É muito difícil não ver, mas, sinceramente, nada lhe posso
adiantar sobre isso.
Nunca falei com peritos nenhuns. Presumo que o Dr. Fonseca, a
quem o senhor se referiu, seja o perito legal, mas eu nunca falei com ele
sobre esta matéria e o que o senhor me está a dizer é da maior surpresa para
mim.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Inspetor, inclusivamente há fotografias do
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local, tiradas depois da saída dos corpos, e estão lá no chão as manchas de
sangue — aliás, essas fotografias até estão publicadas no meu livro.
Ou seja, a Polícia ignorou completamente a presença de sangue no
local e não teve uma explicação para o facto de estar alguém,
supostamente, no meio do ato sexual, com uma toalha cheia de sangue por
baixo da cabeça.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor está a referir-me
isso e tenho de presumir que será verdade, mas não lhe posso dizer nada
sobre isso.
Acho que, efetivamente, é de haver alguma perplexidade nessa
situação. É isto que posso dizer.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Aliás, isso implicaria a morte simultânea das
duas pessoas, o que é, novamente, estranho, porque uma pessoa é um
homem forte, saudável, e outra é uma mulher, que, se calhar, morreria
primeiro… Mas o que se nos depara é a morte súbita de ambas, o que é
uma coisa impossível de acontecer, caso tivessem inalado…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor está a falar-me
em morte súbita simultânea, porque tem, com certeza, o feedback, o
conhecimento do relatório da autópsia. Eu não tenho, eu não estudei nada
disso, não sei se foi uma morte simultânea ou não, sinceramente, não sei, o
que lhe posso dizer e que vi, efetivamente, foi que havia dois corpos; agora,
se a morte foi…
Não tive conhecimento, não tive acesso ao processo de autópsia, não
falei e não acompanhei, como o senhor calculará, os trâmites processuais
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todos. Quero crer que o Sr. Herculano, titular daquele processo, teve
conhecimento, aquilo tem de ser tudo carreado para os autos, para alguém,
depois de ponderar, decidir e optar por um caminho: foi crime ou não foi
crime, foi isto, foi aquilo…
Sinceramente, não lhe posso adiantar nada, seria uma mera
especulação da minha parte; o que lhe posso garantir é que, quando lá fui, e
não estou a dizer que o senhor não tem razão, não vi absolutamente sangue
nenhum — só se eu fosse cego! —, porque isso seria uma coisa tão
flagrante… Estou a falar consigo abertamente! Estou a tentar ter algum
cuidado com as palavras, mas estou a falar abertamente com o senhor.
Uma pessoa, com n anos de Polícia, habituado a ver cenas de crime,
vai a um local, está ali uma toalha debaixo da cabeça do indivíduo
masculino morto e não a vê?! Vai desculpar-me…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mesmo que não visse a toalha, via o sangue no
chão, porque o sangue está na toalha e no chão.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, a toalha está no
chão…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim, no sítio onde estava a cabeça do…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sinceramente, não vi, nem
sabia que lhe teria sido encaminhado… Se bem percebi, o senhor disse-me
que, depois, teria chegado ao seu poder, à sua posse, a dita toalha. Ou
percebi mal?!
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O sobrinho da vítima foi ao jornal entregar a
toalha, porque ele foi o único elemento da família que foi autorizado a
visitar o apartamento quando os corpos ainda lá estavam.
Aliás, há outro aspeto que tem passado aqui um bocadinho
despercebido, que é o facto de o Eng.º José Moreira não só ser o dono do
avião que estava a fazer a campanha do Soares Carneiro, mas também
colaborar num jornal e ter acabado de escrever, há pouco tempo, um artigo
importante, dizendo que estava na posse de elementos muito graves e que
só podia dizer o que sabia a membros do Governo.
Como esses membros do Governo não se prontificaram a recebê-lo,
então, eu sugeri que ele viesse à Comissão dizer o que sabia e ele estava em
vésperas de vir à Comissão dizer o que sabia, quando foi morto. Isto faz-lhe
algum sentido?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Augusto Cid, na altura,
eu lembro-me de o ver algumas vezes, penso eu, na José Malhoa, umas
vezes sozinho, outras vezes não sei se a acompanhar a D. Manuela de
Freitas, a sogra do Eng.º Amaro da Costa. Penso que me recordo de o ver
lá, porque a senhora tinha-se constituído assistente e tinha o direito de
acesso ao processo, concedido pelo Sr. Procurador-Geral, Dr. Arala
Chaves, e lembro-me de lá ver a senhora várias vezes.
Recordo, como é normal, aliás, até lhe vou dizer que o tempo é bom
para nos dar uma certa ponderação e calma na análise dos factos. Sabe que,
na altura, lembro-me de o senhor — e não me leve a mal, mas havia uma
carga muito negativa, e teria razões certamente, e não quero, de maneira
nenhuma, ajuizar, mas eu também não era culpado por elas — ter uma má
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imagem da PJ e espelhava-o de forma clara quando se relacionava com os
funcionários de lá. Recordo-me de si. Eu falava com o senhor, nunca tive o
mínimo problema com o senhor e posso dizer-lhe que compreendia a sua
posição: o senhor era jornalista, na busca de informações… E, muitas vezes
— isto não é relevante, mas sabe que é daquelas coisas que retive bem,
ficou na minha… —, de uma forma encapotada, ou não, éramos
apelidados… Enfim, não é nada de negativo, mas, muitas vezes, éramos
apelidados de comunistas, a PJ e os funcionários! Havia uma má vontade
em relação à PJ que, sinceramente, não sei… Eu cumpria as minhas
funções, aquilo que me era ordenado fazer eu fazia, e devo dizer-lhe que,
na altura, quando o avião caiu — não posso dizer se foi por esta ou por
aquela razão, nem quero entrar por aqui — e soube que era o nosso
Primeiro-Ministro, não fiquei nada satisfeito. Fiquei muito triste com
aquela situação e havia algum pesar naquilo, porque as pessoas, para além
de serem da PJ, ou disto, ou daquilo, eram portuguesas. Para mim, se me
permite estar com esta conversa, foi considerada uma perda.
Portanto, lembro-me de ver o senhor algumas vezes, e o senhor, com
certeza, não se lembrará de mim ou, se calhar, lembra-se, mas tudo bem, já
tudo passou, o tempo é bom para julgar, para analisar, para esfriar estas
situações e, por isso, no que eu puder ajudar, embora eu saiba muito pouco
para o poder ajudar.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Quero só clarificar um ponto: não tenho nada
contra si, nem…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não, por amor de
Deus! Não quero polemizar nada.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — … nunca persegui a Polícia Judiciária.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Mas eu também não estou
a dizer que o senhor perseguiu; estou a dizer que, às vezes, havia conversas
que eram reveladoras… O senhor sabe, temos já idade suficiente para saber
que não é preciso dizer tudo, às vezes, basta dizer metade. Muitas vezes é
interpretação ou não, mas ficava um pouco aquela não diria litigância, mas
assim uma coisa… Mas, tudo bem, eu compreendo e nem levo a mal, não
interessa. Já estou…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor perceba uma coisa: quando sou
autorizado a consultar um processo e passo cinco dias na Polícia Judiciária
a ver as mãos do Sr. Marques Monteiro, e deixar-me ler o processo por
entre os dedos… uma pessoa não pode ficar satisfeita.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ou acha que é uma forma de consultar um
processo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza, se o senhor
estava autorizado pelo Sr. Procurador-Geral a consultar o processo…
Posso dizer-lhe que a Sr.ª Manuela, penso que é assim que a senhora
se chama, foi lá várias vezes e nunca lhe regateei o processo; se estava
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autorizada e se se constituiu assistente, consultava o processo as vezes que
queria.
Penso que a senhora não terá nada a dizer, da minha parte, em termos
de lhe negar alguma coisa. Fiz sempre aquilo que seria minha obrigação
fazer, até porque lhe posso dizer que há aqui um aspeto humano da questão.
Hoje em dia, tenho outra idade, as pessoas vão pensando e posso dizer-lhe
que devia ser um drama terrível para a senhora… E não há compaixão, não
há nada! Veja uma coisa: devia ser um drama terrível para aquela senhora,
na altura, ter perdido a filha e o genro. E eu olhava para aquilo, porque já
perdi entes familiares próximos e sei que é uma dor muito forte e, às vezes,
isso até poderia, de alguma maneira, atenuar, levar-nos a compreender
certas coisas mais ríspidas que se dizem… E eu compreendi, não tenho
mágoa nem tenho nada contra a senhora e penso que a senhora também não
terá nada contra mim.
Agora, como o senhor compreenderá, fui funcionário da PJ, tentei
cumprir sempre o melhor que podia e sabia, mas não quero estar a ajuizar
sobre colegas ou responsáveis, porque, com certeza, o que fizeram fizeram-
no da melhor maneira possível.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não estou a acusá-lo de nada, portanto…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não está, não. Peço
desculpa, não era isso que eu queria dizer. O senhor não me está a acusar
de nada!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Compreendo, mas também só quero dizer que,
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se houve alguém que defendeu a Polícia Judiciária, fui eu, na pessoa do Sr.
Pedro Amaral, relatando cá para fora o que ele tinha investigado e a forma
como ele foi tratado na própria Polícia Judiciária. Ele, sim, tem coisas a
dizer da Polícia Judiciária, e com razão!
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro do
Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi longa a exposição e as
perguntas que lhe fiz, mas tenho uma última.
Sendo o primeiro inspetor a chegar ao local, juntamente com o
Inspetor Paulo Franco, por que razão não recolheram impressões digitais
das duas vítimas?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, isso não foi
feito na altura, porque, quando fomos encaminhados para lá, não estávamos
habilitados, mas no pressuposto de que, a seguir, iria uma equipa que faria
isso, eventualmente, se fosse necessário.
É que nós andávamos na rua, foi-nos ordenado que fôssemos ao local
e víssemos aquilo — e, quando digo «aquilo», não é de maneria
depreciativa — no pressuposto de que, depois, iria alguém fazer e que teve
de fazer… Não sei se os Homicídios, se calhar, não… Nós fizemos o nosso
relatório — penso que o Sr. Inspetor Paulo Franco que o fez —, mas não
sei se os Homicídios sentiram necessidade de, eventualmente, lá ir, até para
esclarecer ou aclarar algum aspeto.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, mas esse pressuposto não
se verificou, ou seja, não foram recolhidas as impressões digitais dos dois
corpos. Isto é normal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, veja: se eu
estivesse no local, no pressuposto de que as coisas iam ser todas
encaminhadas, de que ficava lá alguém a tomar conta do corpo e de que
não havia ali possibilidade de nada, de que o corpo iria ser encaminhado,
que iria ser acompanhado, se calhar, eu não teria esse pormenor; agora,
atendendo à eventual complexidade de qualquer coisa, se calhar, às vezes,
o que faz o pouco também faz o muito e o que faz o muito faz o pouco…
Agora, não sei quais foram as diligências que se fizeram após a nossa
saída do local.
Mas o Sr. Deputado acha que isso é uma… Já agora, se me…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga, diga.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que é que pretenderia…
Não me leve a mal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É evidente que não.
A secção de homicídios vai ao cenário, onde encontra dois corpos em
circunstâncias estranhas, há toda uma conexão que é feita com a questão do
avião e a secção de homicídios que, presumo eu, tem como diligência de
prova, efetivamente, recolher impressões digitais, vê que estão dedadas
marcadas no ombro de José Moreira, dedadas essas que são visíveis, e não
tem o cuidado de recolher impressões digitais?! É estranho!
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado quando
está a falar em impressões digitais não se refere às impressões digitais dos
próprios indivíduos, mas às outras impressões…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na casa.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu já estou reformado há
muitos anos, mas quando estamos a ver a televisão o que se vê mais é
aquela panóplia de…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não falemos dos Estados
Unidos da América, mas mesmo em Portugal isso é normal, certo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, sempre se fez
isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sempre se fez isso.
Muito obrigado, Sr. Inspetor.
O Sr. Presidente: — Dou, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Isabel
Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero apresentar o meu
pedido de desculpas mas, por motivos de força maior, não me foi possível
estar presente mais cedo.
Cumprimento o Sr. Agente Mário Mendes. Não sei se a questão já
foi colocada, se foi, peço desculpa por a repetir,…
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Faça favor.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … mas gostaria de saber que
procedimentos de custódia da prova os senhores adotaram. Ou seja, em
toda a cena do crime a Polícia Judiciária e os órgãos de polícia criminal
têm, nos termos da lei, a necessidade de conservação de todos os meios de
prova até que a equipa chegue e, de facto, se consiga libertar o local.
Há procedimentos específicos relativos à chamada custódia da prova,
isto é, garantir que a prova não seja alterada, não só no local como no seu
transporte, conservação, manutenção e por aí fora. São protocolos que
existem nos órgãos de polícia criminal que têm de ser cumpridos para
garantir, precisamente, a atualidade e a veracidade das provas.
Pergunto: que protocolo de custódia de prova é que os senhores,
sendo os primeiros a chegar ao local, adotaram para garantir a preservação
da prova, qualquer que fosse, que estivesse no local?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como já referi, eu era
colega de sala do Sr. Inspetor Paulo Franco, na DCCB e, inicialmente,
aquando deste problema que focam os autos do processo n.º 998/80, eu
trabalhava nos Homicídios e foi nessa perspetiva, nesse contexto, que fui a
Camarate.
Na altura, quando a DCCB foi criada eu fui para lá e fazia equipa,
digamos assim, entre aspas, com o Sr. Inspetor Paulo Franco, na sala 608.
Ele era o titular destes autos de Camarate e eu, quando era necessário,
ajudava-o. A senhora sabe que o titular é o titular, é quem manda no
processo, mas eu ajudava-o naquilo que ele precisasse e fazia isso sem
problema nenhum.
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Um dia, andávamos os dois na rua, em 1983 — já não me recordo
exatamente da data precisa — e recebemos uma determinação, via rádio,
para nos deslocarmos a Carnaxide, a um prédio perfeitamente identificado,
onde teriam aparecido dois cadáveres, um casal.
Sobre a custódia da prova, devo dizer-lhe que só fui a Carnaxide,
juntamente com o Sr. Paulo Franco, para fazer uma análise dos factos.
Porquê? Nunca questionei o meu diretor, sobre o porquê de ele me ter
mandado lá! Nunca lhe perguntei: «O senhor mandou-me porquê? Porque
eu era dos Homicídios, ou porque eu era isto, ou aquilo…?». Não! A minha
ideia, e já a refleti aqui, é que eu vou lá juntamente com o Sr. Paulo Franco
porque ele era o titular dos autos e eu porque normalmente trabalhava com
ele e estava na DCCB.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quando diz que o Sr. Paulo Franco era
titular dos autos refere-se a que autos?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Inspetor Paulo
Franco era titular dos autos do processo n.º 998/80 que, para a esclarecer,
era o processo do caso Camarate.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas fizeram logo a ligação entre o caso
Camarate e estes cadáveres?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Se a senhora me deixar, eu
explico.
Entretanto, como já disse aqui, eu não tinha grandes conhecimentos
da situação de Camarate; simplesmente, também não podia deixar de saber
que o Sr. José Moreira tinha a ver com o avião que transportou o Dr. Sá
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Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, e restantes
acompanhantes.
O que é que eu penso? A minha ideia é que fomos lá porque,
eventualmente, alguém achou que… Porque, como a senhora calculará e
vai compreender o que vou dizer-lhe, nós temos uma situação de crime e
quem vai para lá e quem manda não pode pensar: não, isto é uma situação
disto ou daquilo… O espírito tem de estar aberto e pode ser tudo e mais
alguma coisa.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Peço imensa desculpa por estar a
interrompê-lo, e também peço imensa desculpa aos meus colegas de
Comissão por estar a pôr questões que, provavelmente, já aqui foram
colocadas, mas a minha questão é esta: então, os senhores foram para lá
porque o Inspetor Paulo Franco era titular do processo de Camarate,
portanto, quando foram para lá já sabiam quem eram os cadáveres, eles já
estavam identificados.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Penso que sim. Tanto
quanto sei essa informação já constava.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E mesmo assim não foi feita a custódia
da prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, Sr.ª Deputada,
porque depois de nós haveria de ir lá alguém, o processo passaria para os
Homicídios e, de acordo com o que fosse apurado em termos de autópsia, o
processo passaria para a secção, a não haver crime — penso eu, mas isso
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depende de quem manda —, como passou, dos Homicídios, que teve um
titular, que recebeu o relatório da autópsia e que…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas que diligências é que foram
tomadas no local para garantir a preservação da prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A casa estava fechada,
não havia lá ninguém, já não me recordo qual era o elemento da autoridade
que lá estava, mas a casa estava fechada. Estavam lá os dois corpos e,
depois, aquilo foi encaminhado, esta notícia foi reportada e alguém
tomou…
Sinceramente, não sei se mais tarde foi ventilada a questão — como
já referi aqui — do esquentador, mas eu não sou técnico de esquentadores,
não senti nenhum cheiro brutal, mas também… O que é que nós
esperávamos? Esperávamos que aquilo fosse analisado por um perito de
esquentadores, que seria a diligência subsequente, e que dissesse, preto no
branco, depois de fazer ensaios, se era ou não um problema do esquentador.
De qualquer maneira, na minha perspetiva, a prova que havia lá
dentro estava preservada. Não ficou lá ninguém, partindo do princípio que,
passado pouco tempo, aquilo seria encaminhado para a secção de
homicídios, se fosse o caso disso, ou que nos iriam ser dadas ordens, pelos
nossos superiores, no sentido de aquilo passar à secção A ou B, que tem
uma secção de prevenção que pode tomar conta de qualquer ocorrência…
Portanto, aqui há a ponderação de alguém.
Fizemos o nosso trabalho, reportámos e viemos embora. Eu, como já
disse, nunca mais soube nada disso.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A casa ficou selada?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, acho que não.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Isso quer dizer que qualquer familiar
que tivesse as chaves, ou a empregada, poderia lá entrar?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Todas as hipóteses que a
Sr.ª Deputada puser nesse campo são perfeitamente… Qualquer pessoa o
poderia fazer, até poderia ser alguém que quisesse entrar. Não sei se a
porteira tinha a chave, ou não, mas qualquer pessoa o poderia fazer.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Ou seja, quando os senhores são
chamados… Quem é que deu a notícia do crime? O senhor sabe?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sei, foi o coordenador da
DCCB na altura, via rádio.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Como é que a notícia chegou ao
conhecimento dele?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, isso não sei.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É porque alguém encontrou os
cadáveres?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, não houve a preocupação de
selar a porta.
Ou seja, o que estou a dizer é que há notícia da existência de dois
cadáveres num andar e isso significa que a Polícia Judiciária foi alertada
por alguém que teve acesso ao andar, abriu a porta e viu que estavam lá
dois cadáveres…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A senhora agora poderá
questionar como é que alguém teve acesso ao andar, e só pode ter sido, em
princípio, a GNR ou a PSP, a quem foi comunicada alguma coisa pelos
vizinhos ou por outra pessoa que reportou que se passava alguma coisa de
estranho. Não há videntes, não é?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, se tivesse sido a GNR ou a PSP,
se não havia ninguém que tivesse a chave, eles, normalmente, arrombariam
a porta, como sabe, e aí haveria sinais de arrombamento.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Pois, aí haveria sinais de
arrombamento e, neste caso, não havia. A senhora está a partir do
pressuposto que a GNR, não tendo a chave, iria logo arrombar a porta, mas,
às vezes, não é bem assim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Ou sinais de que a fechadura foi
forçada e isso é um sinal, obviamente na minha perspetiva, que deve
constar dos autos ou acompanhar a forma como…
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr.ª Deputada, se me
permite, a senhora tem algum elemento que lhe diga que a fechadura tinha
sido destrancada ou algo do género?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, Sr. Agente, não tenho nenhum. A
perceção que tenho, do conhecimento que tenho relativamente a estas
matérias, é que, nos termos da lei, os órgãos de polícia criminal, quando
chegam a um local, à chamada «cena do crime», a sua principal
preocupação é a preservação de todos os vestígios do crime e a custódia da
prova no sentido não só de garantir a sua veracidade como de não ser
deteriorada no seu transporte até ao local onde vai ser analisada.
A minha questão é esta: tendo sido as primeiras autoridades… Aliás,
o senhor não sabe sequer se foram as primeiras autoridades a chegar ao
local…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Da Polícia Judiciária sei
que fomos.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Está bem, da Polícia Judiciária, mas o
que a lei diz é os primeiros a chegar ao local.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Também posso dizer que
não estava lá nenhuma multidão, nem estava lá muita gente no local. A
senhora compreenderá que fosse qual fosse a autoridade de polícia criminal
a lá chegar, como a senhora disse e muito bem, e subscrevo, teria de
guardar aquilo, fazer a custódia, preservar o local e essa coisada toda —
peço desculpa deste termo.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sim, sim.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E isso foi feito.
Mas o que é que posso dizer-lhe, Sr.ª Deputada? Eu concordo
inteiramente consigo e posso dizer que a porta não tinha sido inteiramente
destrancada. Com certeza que na altura isto foi indagado, porque é uma
coisa que é pertinente, mas eu não consigo dizer mais neste momento.
Claro que é normalíssimo chegar a um local que tem lá gente dentro
e perguntar: «Como é que você entrou? Onde é que você foi buscar a
chave?».
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E perguntaram? Identificaram as
pessoas que estavam lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, eram agentes da
autoridade — aliás, não me lembro de lá estar ninguém dos familiares
próximos.
A senhora vai perdoar-me mas, como compreenderá, isto foi há 32
anos e às vezes a memória falha. Por exemplo, poderia ser muito mais
interessante para mim ter acesso aos autos, embora estejam em fase de
arquivo, para relembrar algumas coisas. A Sr.ª Deputada pode até pensar,
ou intuir alguma coisa, mas eu não recordo, percebe?
Eu não tive acesso… Repare: se eu estivesse nos Homicídios, onde
trabalhasse nesta situação, acompanharia o colega, ouviria falar, isto e
aquilo… Agora, eu, fisicamente, estava na José Malhoa, passavam-se
semanas que não ia lá — e isto não é uma desculpa —, não falávamos
muitas vezes com as pessoas, e este é um dos problemas que traz esta
separação física entre departamentos, cada um tinha o seu sector, eu tinha o
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meu trabalho e tinha também de o prestar, não me podia atrasar nos
processos, tinha processos importantes, de assaltos a bancos, isto e aquilo,
aquela coisada toda, como a senhora compreenderá, tinha de o fazer, e
sinceramente…
Mas a senhora poderá dizer: «Ah, mas o senhor poderia ter mais…».
Tudo bem, compreendo isso mas, sinceramente, não tive feedback nenhum.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, prometo que
também não vou demorar muito, queria colocar só uma questão, em função
daquilo que ouvi até agora e, às vezes, mais vale fazermos perguntas muito
claras.
Disse que foi com o Sr. Inspetor Paulo Franco e que ele já tinha
conhecimento que o Sr. José Moreira estava relacionado com o avião no
qual tinha morrido o Sr. Primeiro-Ministro.
A minha pergunta é muito clara: tiveram alguma instrução sobre a
forma como deveriam lidar com este caso? Sim, ou não?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não tiveram? Nenhum tipo de
instrução?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como a Sr.ª Deputada
calculará, o Sr. Inspetor Paulo Franco era uma pessoa conhecedora de todas
estas situações decorrentes do processo.
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Agora, ele é que recebe a comunicação, que, penso, foi via rádio, não
é pessoal — nós andávamos na rua em serviço externo — e eu não ouvi
nada nesse sentido, nem me foi transmitido nada e quero crer que não
houvesse nenhuma recomendação especial, e percebo o que a Sr.ª Deputada
está a dizer. Portanto, é um não.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas pediram ao Sr. Inspetor Paulo
Franco para ir lá, especialmente ele? Ou foi uma mera comunicação e ele
decidiu lá ir?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. Pediram para
ele ir lá comigo, para irmos lá os dois, porque nós os dois fazíamos equipa.
É que, possivelmente, nós éramos os dois elementos da DCCB que,
na altura, estávamos ali o mais próximo possível e, eventualmente,
poderíamos lá ir os dois.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E, portanto, no final, a vossa
responsabilidade era a de fazerem um relatório do que tinham visto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Terá sido forçosamente
feito pelo Sr. Inspetor Paulo Franco. Portanto, forçosamente, tive de ver
esse dito relatório…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Foi também assinado por si, ou
não?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim. E,
depois, terá sido encaminhado para quem de direito.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E quem é o «quem de direito»?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O «quem de direito», na
altura, era o Inspetor-Coordenador, o Dr. Paulo Bernardino, se não estou
enganado.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João
Gonçalves Pereira.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Inspetor-Chefe,
quero só colocar uma questão, até na sequência da questão colocada pela
minha colega, Deputada do Partido Socialista, que é a seguinte: não acha
estranho que não tenha havido essa mesma recomendação, tendo em conta
a delicadeza do próprio contexto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como referi, não ouvi,
mas, sinceramente, penso que nem era preciso invocar isso ou alertar para
isso, porque era um processo de tal maneira complexo, de tal maneira
complicado que todos nós, quando tocávamos naquele processo, fazíamos
tudo e mais alguma coisa para ver se as coisas corriam bem, para ver se não
havia problemas.
Portanto, posso dizer que nem haveria necessidade disso. Eu,
pessoalmente, e, penso, o meu colega Paulo Franco também fazíamos o
nosso melhor e, por isso, talvez não houvesse necessidade disso. Eu, pelo
menos, nunca ouvi nada no sentido de reforçar, eventualmente, algum zelo.
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Claro que nos diziam sempre… Nós víamos o processo em si, a
complexidade, os media, víamos tudo isto, e é evidente que as pessoas têm
sempre um interesse em aclarar, em trazer elementos novos, em carrear
para os autos elementos novos… enfim, em fazer o seu melhor.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Ou seja, o que está a
dizer é que houve cautelas adicionais, sem elas terem sido recomendadas.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, porque já tínhamos
experiência suficiente para isso.
Como o senhor compreenderá, com um processo desta
complexidade, tínhamos sempre… Era um processo complexo, um
processo mediatizado, um processo complicado, e as pessoas tentavam…
Pelo menos, eu via-o assim, era um processo complexo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já fiz muitas, muitas perguntas,
mas, agora, na sequência destas novas perguntas, vou ter de fazer algumas
novas.
Vou recorrer-me do relatório ao inquérito que foi feito da
investigação da Polícia Judiciária, neste caso de José Moreira, o tal
inquérito de que o Sr. Inspetor-Chefe não se recorda, mas que foi feito em
1991.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O tal de 1991?
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, o de 1991, em que prestou
o seu depoimento.
Segundo o auto de notícia, no dia 5 de janeiro, pelas 12 horas e 15
minutos, foi comunicado pela porteira ao posto da GNR, em Linda-a-
Velha, que se encontravam duas pessoas mortas — portanto, foi a porteira
que fez essa comunicação. A primeira pessoa a lá chegar foi o 1.º Sargento
da GNR, Comandante do referido posto, Artur Mendes Pinto, que se
deslocou ao local.
Na sequência — e aqui é que gostava de obter o seu comentário —,
nesse mesmo local, no dia 5, estiveram dois delegados do Procurador da
República na comarca de Oeiras que ordenaram a remoção dos cadáveres
para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa. E, depois, na sequência de
um telefonema do Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária, o piquete desta
veio tomar conhecimento da ocorrência, cerca das 0 horas, do dia 6, e
deslocou dois agentes ao local com motorista para averiguações.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A secção de homicídios?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Aqui diz «(…) Diretor-Adjunto
da Polícia Judiciária, o piquete veio tomar conhecimento da ocorrência (…)
e deslocou dois agentes ao local (…)». Não diz se eram dos Homicídios ou
se da DCCB.
Mas, depois, diz, mais: «Informado da ocorrência…» — e isso
responde muito ao que tem sido perguntado — «… e das conexões que
certa comunicação social logo estabeleceu entre ela e o ‘Caso Camarate’, o
Dr. Paulo Bernardino, Inspetor da DCCB, determinou que os seus agentes
Paulo Franco e Mário Coimbra Mendes procedessem também a
averiguações, (…)».
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Pergunto, muito claramente: estes dois agentes, Paulo Franco e
Mário Mendes, são os mesmos que foram chamados pelo piquete?
E, já agora, o Sr. Inspetor-Chefe disse que não se recordava da
autópsia, mas consta deste relatório…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Desculpe, eu disse que
não me lembrava do relatório da autópsia em termos do seu conteúdo, mas
lembro-me de ter dito — se calhar, expliquei-me mal — que tinha visto o
cadáver na sala de autópsias, a cor cianosada e tudo aquilo que,
eventualmente, é associado a problemas de gás. Lembra-se de lhe ter dito
isso?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Então, é isso. Estive na
sala de autópsias, mas não presenciei a autópsia por completo.
Depois, não tive acesso ao dito relatório da autópsia, que terá ido,
possivelmente, para os Homicídios, para o Sr. Inspetor Herculano
Morgado…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É que aqui diz-se: «Assim,
junto do IML averiguaram…» — os dois inspetores — «… que a causa das
mortes fora a intoxicação por monóxido de carbono (…)». Portanto,
averiguaram isso no próprio Instituto de Medicina Legal, com ou sem
autópsia? É que devem ter perguntado ao perito.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Neste caso, foi o perito.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A minha pergunta é muito clara
e tem a ver com o seguinte: para além dos dois delegados do Procurador da
República, que, pelos vistos, estiveram logo a seguir ao Comandante do
posto da GNR, há dois primeiros agentes que se deslocam ao local pelo
piquete e, depois, existe a vossa intervenção.
Pergunto: são as mesmas pessoas?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado pode
dizer-me a que horas se passou isso?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Posso.
«Na sequência de um telefonema do Diretor-Adjunto da PJ, o
Piquete desta veio tomar conhecimento da ocorrência, cerca das 00 horas
do dia 6 (…) e deslocou dois agentes ao local, com motorista, para
averiguações ainda nessa mesma noite, (…)».
Pergunto: o senhor à meia-noite e meia ou à 1 hora da manhã, foi ao
apartamento de Carnaxide?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E o Sr. Deputado pode
relembrar-me em que dia é que eu lá estive?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No dia 6.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E a que horas? Não sabe?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não diz a hora.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Então, daí podemos
concluir que o piquete esteve lá primeiro do que nós.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Com dois agentes?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Esses agentes de que
falam aí…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe interrompê-lo, mas há
uma coisa que não bate certo, que é o seguinte: o senhor diz que viu os
corpos, entretanto estão dois delegados do Procurador a ordenar a remoção
dos cadáveres para o IML, há dois inspetores que chegam à meia-noite e
que, supostamente, ainda veem os corpos (não sei se veem, se não).
A minha questão é: os senhores viram os corpos, ou já só os viram
no IML? É que, se os viram, então, foram os mesmos dois agentes que lá
estiveram chamados pelo piquete.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não. Há uma coisa que
posso dizer claramente: estes dois agentes da Polícia Judiciária do piquete
são os agentes dos Homicídios. Portanto, terão lá estado antes de nós.
Posso dizer-lhe que não sabia — e, na altura, pode ter-se ventilado,
mas não foi importante — dos dois delegados…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, na noite, começaram
logo a fazer a conexão relativamente a Camarate.
Portanto, a intervenção do Sr. Inspetor-Chefe é feita no dia seguinte.
Certo?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Nós andávamos na rua em
diligências no dia 6.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No dia 6, exatamente. Passou a
noite… E os corpos continuaram lá, ou não? O senhor tem a certeza de que
viu os corpos no local?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado está a
colocar-me uma questão que, agora, devo dizer que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor, há pouco, disse que
viu e que achava que um estava no quarto e que o outro estava…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Agora, o Sr. Deputado
colocou-me uma questão e, em bom rigor, isto não tem lógica nenhuma.
Se me permite, vou dizer-lhe uma coisa. O Sr. Augusto Cid, há
pouco, suscitou uma questão de que nunca ouvi falar, ao dizer que — e eu
aceito — teriam sido encontradas toalhas ou uma toalha ensanguentada, no
chão ou debaixo da cabeça e vestígios de sangue. Ora, eu nunca vi nada
disso!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o senhor também já não
consegue precisar, agora, se viu os corpos…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado vai
perdoar-me, mas, perante isto, suscita-se aqui uma questão — e não quero
ser teimoso, pois não tenho a certeza desta situação: é que isto, por uma
questão de lógica, põe em causa a minha questão de os corpos lá estarem.
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Possivelmente, não estavam; é que se lá estiveram os delegados, se esteve
lá o piquete, se estiveram todas estas pessoas, não se justificará, de maneira
nenhuma,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não faz sentido.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — … e, por isso, peço
desculpa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Inspetor, há aqui algo que não percebo: quando os
senhores são chamados estão ambos na DCCB,…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — … mas são ambos provenientes dos Homicídios.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. Só eu!
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — O Inspetor Paulo Franco já estava na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, o Inspetor Paulo
Franco não estava na DCCB, porque a DCCB só foi criada em 1982 e,
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nessa formação, é que vão para lá n funcionários, trinta e tal ou quarenta e
tal.
O Sr. Inspetor Paulo Franco trabalhava na SCIACV, que, na altura,
era chefiada pelo Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Exatamente.
Mas, quando os senhores são chamados, já estão ambos na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, em 1983.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Qual é o protocolo normal quando aparece um duplo
homicídio? É assinalado um duplo homicídio ao piquete da PJ. A PJ,
normalmente, aciona quem?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A PJ, em princípio,
aciona…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A brigada dos Homicídios.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A brigada dos
Homicídios, que, em princípio, é a brigada competente para isso.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Os senhores, que já são, pelos vistos, os terceiros ou os
quartos a aparecerem no local, não estranharam… Quer dizer os senhores
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andavam na rua em serviço externo, e de repente não estranharam serem
convocados pela DCCB para irem lá? Isso não lhes pareceu estranho?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que é que eu hei de lhe
dizer? Foi-nos ordenado que nos deslocássemos, nós fomos lá e reportámos
a situação.
A entidade que nos mandou lá tem toda a legitimidade para o fazer,
com certeza que teve motivos ponderosos para o fazer, e nós fomos lá.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Mas é normal, num caso de duplo homicídio, ao qual, ainda
por cima, se tenta dar imediatamente contornos de escândalo, que seja a
DCCB, que está vocacionada e foi criada nesse sentido, a aparecer lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Se me permite, não sei se
lhe quiseram dar contornos de escândalo, mas eu nunca dei contornos de
escândalo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Foi de início.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Mas, como na altura
referi, eu não era tão conhecedor do processo como o meu colega Paulo
Franco, mas quando ouvi falar do Sr. José Moreira, o dono do avião Cessna
onde teria havido este problema todo decorrente dos autos do processo n.º
998/80, é uma coisa que é automática… As pessoas pensam: por que é que
nós lá vamos? Mas vamos, tudo bem!
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O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sem querer fazer um juízo de valor, onde eu queria chegar
era ao seguinte: alguém da DCCB vos dá ordem para irem lá. Relaciona-se
imediatamente com o caso Camarate…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu, pelo menos,
relacionei. Creio que sim.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — E isso não implica imediatamente que os senhores tenham
um protocolo e um procedimento muito mais meticuloso do que com um
simples duplo homicídio? Parece-me…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Se é que pode responder a essa pergunta, sem violar segredos
profissionais e confidencialidades, que instruções vos deram para
aparecerem lá?
Note, eu acho perfeitamente lógico. O Sr. Inspetor é oriundo dos
Homicídios, o Inspetor Paulo Franco está muito dentro do caso Camarate,
portanto tem toda a lógica que os senhores vão lá.
Mas quem vos dá a ordem da DCCB, com certeza deve ter-vos dado
instruções, do género: «Olhe, vão lá apareceram dois fulanos mortos…».
Com certeza que isso obrigaria a um protocolo de uma determinada
exigência. Parece-me… Eu, se estivesse no vosso lugar, era o que faria; a
menos que, claro, tivesse ordens em contrário.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Repare, não foi dito nada
de anormal ou nada de excecional na diligência. Foi-nos dito que fôssemos
lá, foi o que fizemos e reportámos aquela situação.
Aliás, até quero crer que, depois, aquilo dá origem a um relatório e
aquele relatório, depois, terá sido junto ao processo destinatário, que, nesse
caso, será o processo que correu nos Homicídios.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Não se recorda, eventualmente (já passou tanto tempo), se a
casa estava ventilada ou não? Se as janelas estavam todas fechadas, se…?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei. Mas posso dizer-
lhe que não havia nenhum ambiente assim… A ser gás, não havia nenhum
ambiente opressivo. Achei o ambiente perfeitamente normal.
Eventualmente, na zona da cozinha, poderia haver qualquer… Mas não
achei nada assim opressivo, assim uma coisa que saltasse à vista e que
ficássemos mal dispostos ou com dor de cabeça ou uma coisa do género…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais questões, dou por terminada
esta audição.
Srs. Deputados, a próxima audição iniciar-se-á às 17 horas e 30
minutos.
Agradeço, desde já, ao Sr. Inspetor-Chefe Coimbra Mendes a sua
disponibilidade e a ajuda que nos deu com os seus esclarecimentos.
Estão suspensos os trabalhos.
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Eram 17 horas e 17 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 17 horas e 38 minutos.
Dou as boas-vindas ao Sr. Coordenador Superior da Polícia
Judiciária e agradecer a presença e a sua disponibilidade para estar aqui
connosco. Pedia que se identificasse.
O Sr. EduardoDiasdaCosta (ex-Inspetor-Coordenador Superior
da Polícia Judiciária): — Chamo-me Eduardo Dias da Costa e sou
Coordenador Superior da Polícia Judiciária aposentado.
O Sr. Presidente: — Começo por dizer que a X Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate «(…) tem por objeto dar
continuidade à averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no
dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro
Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e
dos seus acompanhantes, nos termos do disposto na Resolução da
Assembleia da República n.º 91/2012, (…)», designadamente dando
seguimento às recomendações emitidas pela VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Informo ainda que este depoimento é feito sob juramento, nos termos
do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Penal, pelo que pergunto se
jura dizer a verdade e somente a verdade.
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Juro dizer a verdade e só a
verdade!
O Sr. Presidente: — Informo-o ainda de que o falso depoimento
implica a prática de crime, previsto no artigo 360.º do Código Penal,
punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.
Dou-lhe, também, conhecimento da grelha de tempo que cabe a cada
grupo parlamentar. A primeira ronda são 5 minutos, de pergunta e resposta,
numa conversa normalíssima, a cada grupo parlamentar e representante dos
familiares das vítimas, a segunda ronda será de 3 minutos e a terceira ronda
de 2 minutos, sendo que temos aligeirado esta questão e têm-se utilizado
muito menos tempo.
Pergunto se pretende que a audição se realize à porta fechada, ou se
não tem nenhum inconveniente que decorra à porta aberta.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não tenho inconveniente!
O Sr. Presidente: — Pergunto se pretende fazer alguma intervenção
inicial, e a questão que se coloca, aqui, é, como já referi, o caso Camarate e
também a morte do Sr. José Moreira e companheira.
Pretende fazer alguma intervenção inicial?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: — Então, passamos à fase das perguntas e
respostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do PSD.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Coordenador
Superior, muito obrigado por estar aqui hoje.
Antes de mais, quero perguntar-lhe quanto tempo esteve na Polícia
Judiciária e as funções que exerceu.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Estive 25 anos na Polícia
Judiciária, seis anos como agente e os restantes como inspetor e inspetor-
coordenador.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aposentou-se na Polícia
Judiciária?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Aposentei-me na Polícia
Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E há quanto tempo?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Há 16 anos.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Já se aposentou há 16 anos…!
Em 1980, qual era a função do Sr. Coordenador?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Em 1980, não estava nos
Homicídios, estava no furto qualificado, na 6.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E quando é que passou para os
Homicídios?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — No início de 1982.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Relativamente ao caso
Camarate, teve alguma intervenção?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nunca acompanhou?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Nada, nada!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nem teve conhecimento
porque, na altura, o Dr. Pedro Amaral teve intervenção no processo de
Camarate, apesar de depois ter seguido para outra secção? É que,
inicialmente, os Homicídios tiveram intervenção no caso Camarate.
Conhecia o Dr. Pedro Amaral?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, ele era inspetor da 3.ª Secção
e ainda fomos contemporâneos, eu na 2.ª e ele na 3.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E falou com ele sobre o
assunto? Soube que ele teve intervenção em Camarate?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, soube que ele teve
intervenção em Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E em que medida?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A 3.ª Secção foi a primeira a ir ao
local quando foi do acidente e terá sido o Dr. Pedro Amaral e os agentes da
secção dele que foram a Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sabe se ele produziu algum
relatório?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Eu tive conhecimento de que ele
produziu um relatório dessa deslocação a Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E recorda-se do que constava
nesse relatório?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não me recordo.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E da existência de um rasto de
papéis na pista até ao local de embate, não se recorda?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não me recordo.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nem ouviu falar depois?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Pormenores disso não retenho, já
lá vão tantos anos…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, o senhor nunca teve
qualquer conexão com Camarate?!
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O Sr. Coordenador Superior era
o responsável máximo da secção de homicídios em 1983?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Na altura, era responsável das
duas secções de homicídios, porque o Dr. Pedro Amaral já tinha ido para
Macau e eu estava com a 2.ª e com a 3.ª Secções.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Estava com as duas, portanto,
era o responsável máximo.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O Sr. Agente Herculano
Morgado trabalhava…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Na minha secção, na 2.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na sua secção. Portanto,
respondia perante si.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Ele estava na segunda brigada,
que era chefiada por um subinspetor, aliás, como as outras duas brigadas.
Cada secção tinha três brigadas e o Herculano Morgado estava na segunda
brigada.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aqui já nos explicaram que
havia agentes que eram mais de gabinete, mais escriturários e outros mais
de terreno, de investigação — isto foi-nos dito por um colega seu.
Gostava que me precisasse se, de facto, dentro de uma brigada uns
tinham mais competências para estar a fazer trabalho de gabinete, de
secretariado, e outros mais de recolha de provas e de investigação.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Nos Homicídios, não, Sr.
Deputado. Nos Homicídios todos os agentes tinham as mesmas
competências e as mesmas atribuições.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Tanto faziam trabalho fora
como dentro?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na altura, o Agente Morgado
era… Diga-me, a brigada tinha quantos elementos?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A brigada tinha seis elementos.
Cada brigada tinha um subinspetor e seis agentes.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E a atribuição dos casos era
feita por si?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A direção distribuía os processos
pelas secções e nós e o inspetor da secção distribuíamo-los pelas brigadas.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na prática, quando o Agente
Herculano tinha um processo, era distribuído por si?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era, eu distribuía os processos à
brigada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E qual era o critério de
distribuição? Era aleatório ou…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, era seguido.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Ia seguindo: tu tens este e eu
este…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, sim.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Recorda-se deste caso do José
Moreira e acompanhante?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, recordo-me.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — De que é que se recorda e por
que é que se recorda?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Recordo-me dado o dramatismo
do aparecimento dos cadáveres das pessoas, e, depois, porque logo,
inicialmente, na imprensa, começaram a estabelecer ligações entre as
mortes em Carnaxide e as mortes de Camarate.
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É o que retenho de mais vivo da altura, dessa ocorrência.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O senhor confirma que este foi
um caso seguido pelos Homicídios?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Foi seguido pelos Homicídios.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quem era o agente titular?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era o Morgado.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Era o Herculano Morgado. E
foi…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Mas, Sr. Deputado, inicialmente,
os corpos… Foi nos primeiros dias de janeiro (já não posso precisar o dia)
que os corpos apareceram e foi chamada a GNR de Linda-a-Velha. Depois
de a GNR estar no local, o Ministério Público de Oeiras vai ao local, liberta
os corpos, a Delegada ou o Delegado de Saúde manda os corpos para o
Instituto de Medicina Legal e só nessa noite é que o piquete da Polícia
Judiciária tem conhecimento do caso, porque o caso não foi comunicado,
logo, à Polícia Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Olhe que louvo a sua memória!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — E essa averiguação é iniciada pela
DCCB.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Recorda-se de quem eram os
agentes ou os inspetores?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Isso já não recordo. Sei que,
depois, a DCCB manda a averiguação para a Diretoria de Lisboa, onde
constituímos um processo, que é o processo que foi distribuído à minha
secção e que eu distribui à segunda brigada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E quando esse piquete dá o
alerta, que agentes é que lá foram? Foram agentes da DCCB ou dos
Homicídios?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Foi-nos dito, aqui, que teriam
sido os Homicídios.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, quem foi lá foram agentes
da DCCB.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Os primeiros agentes a irem lá?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quando o piquete avisa o
diretor…
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Quando o piquete vai à casa onde
os corpos tinham aparecido, eles já não estão lá, os corpos já estão no
Instituto de Medicina Legal.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Porque foram libertados?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, sim.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, se eu percebi, a GNR,
o Sr. Comandante do posto, é o primeiro a chegar ao local, é a primeira
autoridade a chegar ao local.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Da GNR, não sei quem foi, mas
foi a GNR.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Depois, vão dois delegados do
Procurador, que dão ordem para libertar os corpos.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não sei se são dois delegados…
Sei que o Ministério Público está no local, liberta os corpos e a Delegação
de Saúde, depois, manda os corpos para o Instituto de Medicina Legal.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O que o senhor me está a dizer
é que nenhum agente ou inspetor da Polícia Judiciária viu os corpos no
local?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aparentemente, só foram vistos
pela GNR e pelo Ministério Público.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E é normal que isso aconteça?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, isto só é possível
porque as autoridades que chegam ao local tipificam logo aquilo como um
acidente; daí não ter sido chamada a Polícia Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas foi chamada depois?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Depois, a Polícia Judiciária toma
a iniciativa e é quando a DCCB vai lá a casa, terão falado com os porteiros,
depois vão ao Instituto de Medicina Legal e fazem o exame aos cadáveres,
mas no Instituto de Medicina Legal, não na casa.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Repare: aparecem duas pessoas
mortas, alguém, os delegados ou o Ministério Público, dá autorização para
os corpos saírem; entretanto o piquete, nessa noite, dá a informação…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Terá sido ainda nessa noite que o
conhecimento chegou ao piquete.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Vão lá e os corpos já não estão
no local?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não! Já não estão.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, a Polícia Judiciária
não foi logo chamada, mas esteve lá no próprio dia?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Suponho que os corpos
apareceram ainda de manhã, porque são descobertos por amigos e
familiares das vítimas, que estranharam eles ainda não terem aparecido e
dirigem-se ao local. Depois, terão sido essas pessoas mais a porteira a
verem os corpos na casa, em Carnaxide. Provavelmente, ainda nessa
manhã, terão chamado a GNR, que comunica ao Ministério Público de
Oeiras e o delegado do Ministério Público vai ao local. Só nessa noite
(desconheço a que horas) é que o piquete da Polícia Judiciária tomou
conhecimento do ocorrido.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Vou socorrer-me de uma cábula
para lhe dizer por que me faz confusão o facto de os corpos terem saído.
Explico porquê. De facto, dois delegados do Procurador da República na
comarca de Oeiras estiveram lá a ordenar a remoção dos cadáveres para o
IML de Lisboa, a fim de serem autopsiados e, depois, dizem: «em virtude
de importar esclarecer as causas da morte, atentas as circunstâncias
anormais e invulgares da ocorrência».
Pergunta: perante este cenário, como se libertam os corpos sem que a
autoridade que vai fazer a investigação tenha visto esses mesmos corpos no
local?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não posso responder a isso.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas não é comum isso
acontecer?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, na altura, perante
uma situação qualificada como acidente, podia acontecer a Polícia
Judiciária não ser chamada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas aqui não dizia
propriamente que era acidente, dizia: «(…) as circunstâncias anormais e
invulgares da ocorrência».
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Pois, as circunstâncias daquelas
mortes…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aliás, foi na sequência de um
telefonema do Diretor-Adjunto da PJ, que o piquete veio a tomar
conhecimento da ocorrência.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente! Terá sido isso.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Há pouco, não estava a ser
irónico quando estava a louvar a memória do Sr. Coordenador, não estava
mesmo, porque, inclusivamente, já tivemos aqui o agente titular do
processo que se lembrava de muito pouco e, de facto, louvo-o, porque tem
conhecimento muito próximo e muito presente de tudo o que aconteceu.
Depois, então, esta análise é feita pela DCCB. Certo? Que vai ao
Instituto de Medicina Legal, e, depois, quando é que vocês, Homicídios,
tomam o processo?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não posso precisar, mas foi dias
depois.
É quando a DCCB, invocando que não se justificava aquela
investigação continuar na DCCB, que devia ser competência da Diretoria
de Lisboa, manda a averiguação para a Diretoria de Lisboa.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E tem noção por que é que foi
inicialmente entregue à DCCB?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, eu penso que foi
imediatamente entregue à DCCB, porque logo no dia em que os factos
ocorreram e em que são noticiados começa-se logo, na imprensa falada, a
estabelecer uma conexão ou uma relação entre aquelas mortes e as mortes
de Camarate. E, nessa altura, estava um processo a decorrer, um inquérito,
na DCCB, ao caso Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Por causa da questão do
proprietário do avião, que esteve ao serviço da campanha do General
Soares Carneiro.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quando o Agente Herculano
Morgado pega nesse processo, que provas é que tinham sido preservadas
para ele poder carrear elementos para a investigação?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Ó Sr. Deputado, inicialmente,
tudo apontava para um acidente, para um acidente por inalação de
monóxido de carbono.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E por que é que inicialmente
apontava para…?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Logo que os agentes chegaram ao
local não houve uma unanimidade em relação ao facto de haver ou não gás.
O que eles deviam ter sentido foi aquele ambiente próprio onde esteve a ser
produzido monóxido de carbono, que é um ambiente pesado. O monóxido
de carbono é inodoro, mas faz com que fique um ambiente pesado e pode
até provocar uma certa irritação na garganta.
Mas os corpos estavam carminados, aquela cor carmim que é típica
da morte por monóxido de carbono. Tudo apontava para aí. Partimos dessa
base, de a morte ter sido provocada pelo monóxido de carbono, mas as
causas do surgimento desse monóxido de carbono deveriam ter sido
determinadas.
Lembro-me que pedimos à empresa que fornecia o gás para casa — e
havia lá duas bilhas de gás — e ao Instituto Ricardo Jorge para fazer o
exame à forma como o esquentador estava a funcionar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isso foi feito no mesmo
momento? Ou seja: recorda-se de ter havido um primeiro exame, uma
primeira análise, os primeiros testes ao esquentador no dia 13 e, uns dias
depois, ter sido feito um segundo exame com outro agente?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso não posso dizer… Mas é
provável que tenha sido em dias diferentes, porque também estávamos
dependentes da disponibilidade dos peritos, designadamente dos do
Instituto Ricardo Jorge.
Portanto, terá sido em dias diferentes que isso foi feito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se do que é que essas
medições deram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O Instituto Ricardo Jorge fez as
medições e, depois de umas horas de o esquentador estar a funcionar, havia
monóxido de carbono pela casa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se em quantidade
suficiente para causar a morte de alguém?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Bem, as quantidades eram
elevadas. Para além das circunstâncias que rodearam essas mortes, isso
também potenciou aquele resultado ou podia, eventualmente, potenciar
aquele resultado.
Aquilo ocorreu no mês de janeiro, estava frio, a casa estava toda
fechada, completamente fechada, eles estiveram a fazer comida,
provavelmente terão tomado banho. Havia muita humidade em casa, estava
frio, havia aquecedores e podiam ter tido os aquecedores ligados. O
aumento da temperatura, a humidade, a falta de corrente de ar, o esforço
físico… Eles tiveram relações sexuais. Na autópsia, foram detetados
espermatozoides… Logo, essas circunstâncias potenciam aquele resultado.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Acho que o vou ajudar se lhe
disser o seguinte: no primeiro teste, feito em 13 de janeiro, o esquentador
estava a funcionar normalmente, não acusou monóxido de carbono
absolutamente nenhum para além do normal, depois de estar muitas horas
em funcionamento.
No dia 18, quando lá foi a funcionária do Instituto Ricardo Jorge, de
facto, aperceberam-se de que o esquentador estaria a funcionar mal. Mas,
ainda assim, o valor obtido nas medições foi de 110 ppm de monóxido de
carbono. De acordo com uma tabela que consta de relatórios judiciais e que
consta, inclusivamente, deste processo, 100 ppm de concentração de
monóxido de carbono diz que dá ausência de sintomas ao fim de duas
horas, sendo que para provocar a morte temos de chegar a valores
superiores a 1000, portanto 10 vezes mais.
A pergunta que faço é: tendo apurado apenas este número, como é
que chegaram à conclusão de que isso foi suficiente, estando a casa
fechada, tendo radiadores, tendo havido exercício físico do ato sexual?
Como é que chegaram a essa conclusão? Porque, de facto, são valores
muito inferiores para provocar sequer uma dor de cabeça.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Na casa, também havia anidrido
carbónico, por certo, em quantidade. Mas tenho a ideia de que o Instituto
Ricardo Jorge disse, no relatório, que todos esses elementos poderiam
determinar a morte das pessoas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório que está nos autos
não diz isso.
O senhor teve acesso às autópsias?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não. Aos relatórios tive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Aos relatórios, naturalmente.
Recorda-se do que diziam as autópsias em relação à causa da morte?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Os relatórios da autópsia disseram
que foi morte por intoxicação por monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se foram feitos exames
complementares?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Tiveram de ser feitos, de certeza,
exames complementares.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nomeadamente histológicos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Viu esses exames histológicos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Vi, de certeza. Estavam no
processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A autópsia foi feita em janeiro,
logo passados poucos dias e os resultados dos exames histológicos
apareceram em início de abril. Recorda-se desses resultados?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não me recordo. Mas é normal,
Sr. Deputado, os exames complementares demorarem mais tempo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Normalmente, esses exames,
quando são posteriores, são dados a conhecer ao perito que faz a autópsia?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Aliás, os exames são mesmo
pedidos pelo perito médico que faz a autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O normal é ele ter
conhecimento disso, tal como o agente titular do processo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Após os recebermos,
despachamo-los logo para juntar ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, o relatório da autópsia
confirma que as pessoas morreram por intoxicação com monóxido de
carbono, em percentagens muito superiores, mas esse relatório histológico
diz-nos que os alvéolos pulmonares rebentaram.
Já, na altura, foi mencionado e ainda com mais ênfase, por parte do
ex-presidente do Instituto de Medicina Legal e pela Dr.ª Rosa, que isso só
pode acontecer em três circunstâncias: por afogamento, porque a pessoa
está a reter a respiração e quando abre a boca inspira muito e rompe os
alvéolos pulmonares; por asfixia mecânica, nomeadamente quando se
coloca a mão, ou outro tipo de asfixia; ou, então, com a introdução de um
gás.
Não é possível — isto é dito cientificamente —, com toda a certeza,
alguém morrer silenciosamente devido ao gás de um esquentador e que
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tenha ocorrido o rebentamento dos alvéolos pulmonares. Isto consta do
processo. Ou seja, em abril, antes mesmo do relatório final feito pelo
Agente Herculano, isso consta.
Pergunto: por que é que isso não foi tido em consideração?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, nós, investigação,
cingimo-nos ao que a autópsia nos disse. E a autópsia foi perentória a dizer
que não havia sinais de violência nos cadáveres e que a causa da morte foi
por inalação de monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estamos de acordo. Foi, de
facto, inalação de monóxido de carbono…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, se me dá licença,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga, diga!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … a autópsia, na altura, até deu
uma explicação para aquela hemorragia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Está a falar de que hemorragia?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Da hemorragia nasal que o
engenheiro teve e que foi provocada, segundo o relatório da autópsia, pela
congestão pulmonar e determinada pela intoxicação pelo monóxido de
carbono.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estamos de acordo. O relatório
da autópsia diz o que aconteceu. Evidentemente, foi bem-feita. Aliás, o
Professor Nino Vieira diz que foi muita bem-feita e não tem nada a
apontar; a questão é que não tinha acesso aos resultados do exame
histológico. O que nos diz é que essa introdução do monóxido de carbono é
que não foi feita na via apurada pela Polícia Judiciária, ou seja foi forçada.
Disse, ainda há pouco, e bem, que, se esse relatório consta do
processo, tínhamos de ter conhecimento desse relatório e tê-lo em
consideração, mas, pelos vistos, não tiveram. O Agente Herculano esteve
hoje nesta Comissão e disse que nem se lembra desse relatório, apesar de
constar dos autos que lhe foram entregues em mão no Instituto de Medicina
Legal.
O senhor foi confrontado com uma situação em que sabe que as
pessoas morreram com monóxido de carbono, mas há um relatório que diz
que, com esse rebentamento dos alvéolos, isto foi forçado, mas o senhor
continua com a mesma conclusão? É que isto faz toda a diferença. É a
minha interpretação.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não sei, não tenho presente… O
relatório da altura diz que o monóxido de carbono foi inalado de forma
forçada?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, diz que houve o
rebentamento dos alvéolos pulmonares.
E, na altura, já se sabia — foi-nos dito aqui e, inclusivamente, até um
ex-diretor, não este último, mencionou o mesmo, ainda nos anos 80 — que,
e não é uma descoberta da ciência de há pouco tempo; o rebentamento dos
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alvéolos pulmonares só podia ocorrer nessas circunstâncias e esse relatório
diz que houve rebentamento de alvéolos pulmonares.
O relatório foi entregue no dia 11 de abril ao Sr. Agente Herculano,
no dia 29 ele produz um relatório a dizer que foi acidente e hoje ele disse-
nos aqui que nem teve conhecimento desse relatório, quando o mesmo lhe
foi entregue em mão.
Pergunto: por que é que isso não foi tido em atenção?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não se levou em consideração
essa questão, porque continuava a ser determinante a conclusão do relatório
da autópsia e o facto de aquela hemorragia ter sido provocada por
congestão pulmonar determinada pela inalação de monóxido de carbono.
O que é uma inalação forçada de monóxido de carbono? Não há
produção de monóxido de carbono. O monóxido de carbono só é produzido
por má queima de esquentadores, de carros, de lareiras… Depois, é
traiçoeiro, porque o gás cheira, o monóxido de carbono é inodoro, provoca
uma morte lenta, não dá para perceber. São umas tonturas… Quando a
pessoa se apercebe de que há qualquer a correr mal, normalmente, já não
tem força para reagir.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: na questão da
introdução forçada de ar pode ocorrer hemorragia. São os relatórios que o
dizem, aliás, ambos os relatórios histológicos referem, além do mais, que
os pulmões das vítimas apresentam acentuada congestão vascular,
hemorragias, bem como áreas de marcada distensão alveolar com a rutura
dos septos. Ou seja, o facto de haver hemorragias não significa que tenha
sido uma lenta inspiração de gás.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Atenção: aquela inalação não é
como se alguém estivesse na cama a dormir. Não! Eles fizeram atividade
física, o que também pode ter influenciado e determinado isso. Mas só os
médicos é que o poderão dizer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se lembra de ver este
relatório histológico?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, já lá vão tantos
anos… Mas eu vi-o, de certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como tem uma ótima memória,
pergunto: recorda-se deste relatório em si?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, concretamente. Mas vi-o de
certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se o perito que fez a
autópsia teve conhecimento dele?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Deve ter tido, porque esses
exames complementares são pedidos precisamente pelo médico que faz a
autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda que agarrados ao
relatório da autópsia, à hemorragia, se tivessem analisado bem este
relatório o senhor admitia fazer novas diligências?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Se o relatório da autópsia tivesse
apontado, ainda que levemente, para uma hipótese de haver mão de
terceiros nesta morte, tinha-me mexido, com certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eu falo do relatório histológico
que refere o rebentamento dos alvéolos pulmonares.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil, porque tínhamos aquela
informação antecedente a dizer que a congestão pulmonar tinha sido
provocada precisamente pela intoxicação por monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas sem o resultado
histológico não se conseguia ter uma avaliação correta e completa. Certo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Os exames complementares
normalmente são feitos para determinar se são encontrados outros tipos de
gases ou… Só por isso era capaz de ser pouco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de ter sido
apresentado o relatório final pelo Agente Herculano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Recordo.
Aliás, foi com base no relatório final dele — e já tenho junto ao
processo os relatórios da autópsia e os relatórios das perícias feitas por essa
empresa de distribuição de gás e pelo Instituto Ricardo Jorge — que remeti
o processo para o Ministério Público junto do tribunal de Oeiras.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Concordando com o relatório
do Sr. Agente?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve algum inquérito às
condições e às circunstâncias em que ocorreu esta investigação por parte da
Polícia Judiciária uns anos mais tarde?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Que eu saiba, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda de ter havido,
em 1991, um inquérito sobre estas mesmas…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tem a certeza? Não se recorda?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não. Na altura, em 1991, estava
em Setúbal; daí pensar que teria sabido disso…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Teria sabido?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve, de facto, esse inquérito
em 1991. Não consta, pelo menos aqui, que o Sr. Coordenador tenha sido
ouvido, mas foram ouvidas várias pessoas, que cito: Paulo Bernardino,
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Lourenço Martins, Marques Monteiro, Herculano Morgado, Mário Jorge
Mendes, Artur Mendes Pinto, que era um senhor da GNR.
Quando o Sr. Agente Herculano Morgado é ouvido no âmbito do
inquérito seria normal o senhor ter conhecimento?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, Sr. Deputado, porque, na
altura, já não estava nos Homicídios, estava a dirigir a inspeção de Setúbal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas, repare, há muita
gente que não estava nos Homicídios e que aqui foi ouvida.
O senhor nunca ouviu falar neste inquérito?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O inquérito é à atuação da
Polícia Judiciária na condução da investigação de inquérito a Camarate e o
processo tem o n.º 699/83, que é precisamente este.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Faria todo o sentido, porque eu
era o responsável pela 2.ª Secção quando foi feito e organizado esse
inquérito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando um pouco atrás,
quando o processo transita para os Homicídios, a DCCB concluiu que não
havia conexão nenhuma com Camarate?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E só por isso é que mandam a
averiguação sumária que tinham…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se do que eles
disseram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, isso já não posso precisar.
Mas não se justificava a continuidade daquela averiguação sumária
na DCCB e, por isso, era remetido à diretoria de Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que diligências de prova foram
feitas pelo Agente Herculano nesse inquérito da morte do José Moreira e da
acompanhante? Recorda-se?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Todas aquelas circunstâncias que
tinham produzido o monóxido de carbono para determinar a morte
daquelas pessoas e terão sido ouvidas também testemunhas.
Mas essencialmente isso: os exames, as perícias feitas ao
esquentador, a audição de testemunhas — já não posso precisar quem, mas
foram ouvidas várias pessoas. Terão sido estas, essencialmente, as
diligências.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que temos para os autos é o
seguinte: no dia 2 é feita uma análise ao esquentador e está tudo bem; no
dia 18 é feita uma análise e não estão tão bem, mas o grau, a percentagem
de monóxido de carbono no ar não passa os 110 ppm; em abril junta-se um
relatório de um exame histológico onde se diz que há rebentamento dos
alvéolos pulmonares e, neste cenário todo, nesta circunstância toda, com a
conexão que inicialmente foi feita ao caso Camarate…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Desculpe, Sr. Deputado. Esse
exame, que diz que não há produção de monóxido de carbono, é feito por
quem? Não é pelo Instituto Ricardo Jorge.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Digo-lhe já. «(…) no dia 13 de
janeiro (…) o agente Herculano Lourenço Morgado levou ao apartamento
três engenheiros identificados (…) (técnicos, os dois primeiros, da Empresa
Esso Gás, Lda., e o terceiro da Associação Portuguesa de Gases de
Petróleos Liquefeitos) (…)», que fizeram essa análise e que disseram que
estava tudo bem; depois, no dia 18, aparece a outra análise feita pelo
Instituto Ricardo Jorge.
O primeiro exame foi feito por estes técnicos, da Esso Gás e da
Associação Portuguesa dos Gases de Petróleos Liquefeitos, que
consideraram que estava tudo bem; no dia 18, diz-se que não estava tudo
bem, mas que, ainda assim, a concentração, sendo acima do normal, era
muito baixa para produzir a morte.
Portanto, com estes factos e com o relatório histológico, ainda assim,
acha normal terem concluído como concluíram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso só foi possível porque, logo
na altura, foi entendido, pelo Herculano Morgado e por nós, que esse
exame, feito pelos engenheiros dessa empresa, como disse, da Esso Gás,
não teria sido feito de forma completa…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tudo bem. Mas, mesmo o
segundo exame que foi feito, que apurou uma concentração um bocadinho
maior, diz que aquela concentração nem sequer provocaria dores de cabeça.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O do Instituto Ricardo Jorge?
Mas eles não deixam de dizer que, se entrarmos em linha de conta
com os outros fatores, isso pode determinar a morte.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eles não concluem isso.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Era a ideia que eu tinha disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esses fazem o relato objetivo.
Sabe se os corpos tinham algumas marcas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A única marca que havia era
numa das mamas, já não posso precisar, que tinha uma pequena lesão. Mas,
depois, o Instituto de Medicina legal confirmou que aquilo teria sido
provocado pela arcada dentária do engenheiro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E dedadas marcadas no ombro
do engenheiro e nos joelhos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Havia ligeiras escoriações. Mas
ter-se-á chegado à conclusão que até poderiam ter sido provocadas post
mortem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não analisaram em concreto,
nomeadamente as dedadas e as lesões?! Mas post mortem como? Os corpos
são arrastados?!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — As dedadas que ele tinha, na
altura, pensou-se que também podiam ter sido provocadas por ela.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas pensavam…
Gostava que explicasse um bocadinho isso do post mortem. Os
corpos foram arrastados?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles foram levados dali… Já não
posso precisar, mas os corpos foram levados do andar para o elevador…
Não posso já dizer em concreto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os corpos foram encontrados
um em cima do outro. Sabe disso?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sei, sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Outra estranheza é o facto de
eles terem morrido ao mesmo tempo, que é muitíssimo improvável, porque
um tem mais resistência do que outro, naturalmente.
Pergunto: estando um em cima do outro, tendo morrido ao mesmo
tempo, isto também não vos fez confusão? É que esta é a versão oficial da
Polícia Judiciária: a de que morreram ao mesmo tempo.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil dizer se morreram ao
mesmo tempo, ou se um morreu 10 minutos ou um quarto de hora depois
do outro, porque aquilo é um processo lento que conduz à… A pessoa fica
inanimada. Portanto, é difícil dizer se morreram ao mesmo tempo ou se um
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morreu primeiro do que o outro. Até é natural… Dá-me ideia que o
engenheiro…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A vossa conclusão é a de que
morreram ao mesmo tempo.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É muito arriscado dizer isso,
determinar a morte dessa forma. É um processo lento de «inanimação» e é
difícil dizer quem é que morreu primeiro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, é estranho. Mesmo
que seja 10 ou 15 minutos depois, que é o normal…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas é irrelevante, porque já estão
inanimados.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E um não se apercebe e
continua em cima?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É possível que o engenheiro se
tenha apercebido. Tenho ideia que… Não sei se é o braço direito, se é o
esquerdo, mas ele tem um braço estendido e lembro-me disso, porque
disseram-me, a posteriori, que já estavam com rigidez cadavérica quando
foram encontrados e tiveram dificuldade com o braço por causa do
elevador. Ele tinha um dos braços estendidos, não sei se o direito, se o
esquerdo, porque é capaz de se ter apercebido de qualquer coisa; só que,
provavelmente, já não teve força para se levantar.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ou estava com o braço
estendido, porque ficou assim. Não consegue determinar se ele queria fazer
força para…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Ele tinha mesmo o braço
estendido. É possível que ele se tivesse apercebido.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Havendo dedadas no corpo do
engenheiro, a secção de homicídios, quando tem um caso destes, não tira
impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não valia a pena tirar impressões
digitais ali.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Porquê?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Dada a quantidade de humidade
que havia no apartamento, era difícil.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor disse há pouco que
presumiram que as dedadas fossem dela. Presumiram! Mas a minha
pergunta é: não era possível tirar as impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não! Na pele, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Porquê?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Com a humidade…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É impossível?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E na casa havia assim tanta
humidade que não se conseguiam recolher impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Havia muita humidade. Lembro-
me que um dos agentes, depois em conversa, ter-me-á dito que até por cima
do frigorífico havia uma camada de água…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa é uma dica notável que
estamos a dar aos criminosos: ponham humidade no local do crime que não
se consegue recolher impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles agora usam luvas, Sr.
Deputado!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Se não usarem garante-se que
havendo muita humidade que não se consegue recolher impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A humidade dificulta.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dificulta, mas não é
impossível!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso só um técnico das impressões
digitais poderá explicar melhor do que eu.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas neste caso sabe que não
foram recolhidas impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não foram, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que determinou a não
recolha das impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Achou-se que não…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido o Agente Herculano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Possivelmente, eu. Eu é que era o
responsável da secção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr. Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, agradeço ao Sr.
Coordenador a sua disponibilidade.
Primeira questão: os senhores são alertados para esta situação, e vou
citá-lo porque registei as suas primeiras palavras, «dado o dramatismo do
aparecimento dos cadáveres e a sua ligação a Camarate». Portanto, a
Polícia Judiciária começa por ter a notícia de que foram encontrados dois
cadáveres e de que é feita a ligação a Camarate.
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Pergunto: a Polícia Judiciária ficou sempre na tese do monóxido de
carbono e não acautelou nenhum outro meio de prova?
Ainda há pouco esteve aqui o Sr. Coordenador Mário Jorge Coimbra
Mendes que disse que esteve no local à noite, que saiu e que fechou a porta.
Perguntei-lhe: «mas ficou selada?» Ele disse: «Não, a porta ficou fechada».
Eu disse-lhe: «Mas alguém tinha as chaves da casa?». Ele respondeu: «Não
sei». E eu perguntei: «Então, como é que acautelaram essa…?».
Suponho que, já em 1983, quando há a notícia de cadáveres, mesmo
que seja um atropelamento, procura preservar-se os meios de prova para
que a investigação possa ser seguir todos os rumos que os indícios
apresentem. Certo? Ou seja, numa investigação criminal, tanto quanto julgo
saber, inicialmente pode haver um conjunto de indícios que…
Repare: o indício é o facto conhecido que nos vai dar o facto
desconhecido e é esse que queremos provar. Portanto, temos um conjunto
de indícios, há um feixe de indícios que aponta para uma causa provável,
mas há os outros indícios. O problema aqui é que faltam os outros, o
problema aqui é que atendeu-se àquele indício, ou seja, parece que a
investigação ocorreu ao contrário, ou seja, a causa é o monóxido de
carbono, agora, vamos à procura dos indícios, e não o contrário, ou seja, a
recolha dos inícios para confirmar a tese do monóxido de carbono.
Digo isto porquê? Porque perguntei que tipo de diligências foram
feitas no local para preservar eventuais meios de prova, não só a questão da
impossibilidade de impressões digitais, mas, por exemplo, o próprio acesso
ao local, saber se havia a possibilidade de as vítimas terem sido removidas
posteriormente por alguém que tivesse entrado.
Pergunto: que outros indícios é que existiam e que foram afastados
pela sua não comprovação? Pela sua não sustentação?
Percebe o que estou a dizer? Não sei se me faço entender!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, penso que os
elementos da Polícia que foram ao local não terão encontrado nenhum
elemento que indiciasse minimamente estarmos perante um crime de
homicídio. Tudo estava no local, não havia falta de nenhum objeto, que se
soubesse, e o hábito externo dos cadáveres não apresenta nenhum sinal de
violência. Só por isso é que não se avançou mais noutro caminho qualquer.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, precisamente, e utilizando as suas
palavras, dado o dramatismo e a ligação a Camarate, não se impunha que,
naquele caso, se procurasse exatamente — até porque a humidade estava
dentro de casa, não estava fora da porta — recolher as impressões digitais
na porta de entrada, saber se a porteira sabia se tinha estado, ou não, lá
gente, se havia pegadas, fosse o que fosse?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não havia elemento algum.
Também tenho de tirar impressões digitais na porta, mas já lá tinha a
GNR, já lá tinha estado a porteira e já lá tinham entrado amigos das vítimas
quando deram com os corpos…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E as chaves da casa ficam à guarda de
quem?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Suponho que… Não posso
garantir quem que é que ficou com a chave da casa… Se calhar,
possivelmente, a porteira… Não sei, não posso garantir, porque isso
desconheço.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quando aparecem dois corpos, cuja
morte se desconhece, que tipo de diligências é que são feitas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Quando se não sabe a causa de
morte?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exatamente!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Normalmente, é a autópsia que
determina a causa de morte.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E, além da questão da autópsia, há
outros elementos que se procuram recolher no local, para saber,
precisamente para verificar se há ou não outros indícios? Essa questão foi
vista, então? Ou seja, aquilo que posso concluir…
Farei a pergunta de outra maneira: é legítimo concluir que essa
recolha dos indícios foi feita pelos elementos da GNR…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não, não!… É o pessoal da
DCCB que vai ao local e que faz logo o exame ao local; não é o pessoal da
GNR! A GNR ter-se-á limitado, ali, a comunicar ao Ministério Público; o
Ministério Público veio, analisaram a situação e a GNR, aí, de certeza que
não fez mais nada.
Agora, o exame ao local foi feito, de certeza, pelos elementos da
DCCB que lá vão, depois, quando tomam conhecimento do facto.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E o facto de os próprios procuradores
terem referido que havia suspeita relativamente a eventuais causas de morte
não terá levado a que se procurassem, de facto, mais indícios?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, se o Ministério
Público tivesse tido um qualquer elemento que indiciasse, ali, a prática de
um crime, teria chamado a Polícia Judiciária.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não o fez?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão, como o meu colega acabou
de ler, é que o relatório diz: «(…) os dois (…) Delegados do Procurador da
República na comarca de Oeiras, que ordenaram a remoção dos cadáveres
para o IML de Lisboa a fim de serem autopsiados ‘em virtude de importar
esclarecer as causas da morte, atentas as circunstâncias anormais e
invulgares da ocorrência’ (…)».
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, mas não é dito aí que há uma
suspeita de crime, não é?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Inspetor, todas as casas têm o grau
de humidade que aquela tinha?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil. É difícil porque só tem
explicação por… O apartamento é pequeno, tem uma sala, tem um quarto
que estava fechado…
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Em que andar era?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O 7.º ou o 8.º andar, um andar
alto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E naquela prumada, todos esses
andares têm esse problema?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu lembro-me de que foi referido
e identificado, na altura — já não sei por quem, se pela empresa do gás, se
pelo Instituto Ricardo Jorge —, que o sistema de tiragem dos gases no
edifício era deficiente em todo o edifício.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas não houve lá outras mortes por
monóxido de carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas há aí uma outra coisa, Sr.ª
Deputada: é que, não posso já precisar quem, mas gente que tinha habitado
aquele andar e que tinha utilizado aquele esquentador referiram que já
havia quem se tivesse sentido mal.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Admito que sim, Sr. Coordenador.
É que, repare uma coisa: a própria Polícia Judiciária está alertada
para as circunstâncias anormais que esta situação pode ter precisamente
dada a sua ligação a Camarate.
Portanto, deve haver aqui uma maior precaução…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E houve! E houve!…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … no sentido de afastar todos os
indícios…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E houve, Sr.a Deputada! Houve!
O pessoal da DCCB que faz o exame ao local, inicialmente, mesmo que
não tivessem estabelecido nenhuma ligação a Camarate, mas se tivessem
detetado, ali, a prática de qualquer crime, teriam mandado o processo com
essa ressalva para a Diretoria de Lisboa.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, aquilo que o Sr. Coordenador
está a dizer é que é um pouco como a exclusão de partes: não podiam ter
morrido se não por aquela ingestão de monóxido de carbono provocada por
aquele esquentador.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem foi determinada outra
possibilidade de provocar aquelas mortes.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão é saber se foi por exclusão
de partes, ou seja, não há mais causa nenhuma, porque não há mais indício
nenhum; não pode ter sido provocado por mais nenhuma outra causa, que
não aquela — essa é uma coisa, é uma conclusão, é uma via de chegar a
uma conclusão, é uma metodologia; outra, diferente, é, como eu disse há
pouco, partir da informação inicial e, depois, verificar que os indícios
encaixam na versão inicial.
É uma questão de metodologia…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu percebo, eu percebo.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … e que os resultados são,
naturalmente…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas, de qualquer forma, se
tivesse surgido qualquer elemento, no exame ao local, ou no exame ao
hábito externo das vítimas, ou por qualquer testemunho que fosse
transmitido, ainda, por via particular à Polícia Judiciária, ter-se-ia seguido
esse caminho. O facto é que não foi!
Nem o hábito externo dos cadáveres indiciava a prática de qualquer
crime, nem do exame feito ao local foi recolhido qualquer elemento que
apontasse nesse sentido — aliás, a única coisa que restou foi a autópsia a
dizer: estas mortes foram provocadas por inalação de monóxido de
carbono.
Depois, o Instituto Ricardo Jorge fez um exame, a que teremos,
necessariamente, que dar mais credibilidade, que aponta no sentido de o
esquentador ter uma má tiragem, estar a queimar mal e a produzir
monóxido de carbono.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, Sr. Coordenador, a verdade é que
os inspetores chegam ao local à meia-noite.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu não sei quando é que a DCCB
lá chegou. Sei que foi muito depois de…
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Aqui, no relatório, diz que chegaram à
meia-noite e que a outra equipa foi no dia seguinte de manhã e que o local
não estava selado.
Portanto, pergunto: enquanto não há o resultado da autópsia, que
meios de preservação da prova foram tomados para garantir que?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas, Sr.a Deputada, compreenda,
não me posso pronunciar sobre isso, porque, nessa altura, esses factos não
estavam a ser averiguados pela minha secção. Era a DCCB que estava…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Certo. Mas, de facto, é assim: estamos
com o resultado da autópsia que aparece dias depois. Até lá, não foram
tomadas, pelo que aqui foi dito, quaisquer diligências, no sentido de selar o
andar, enfim, de tomar aquelas providências para poder…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A GNR, possivelmente, ficou
com a chave; se não ficou, deveria ter ficado!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Bem, o Sr. Coordenador, que saiu
daqui, há pouco, disse que quem abriu a porta foi a porteira; disse que tinha
a ideia de que tinha sido a porteira.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Está mal!…
Mas eu, quanto a isso, não posso…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão que coloco é: a autópsia
foi… O resultado da autópsia é dias depois! Até lá, teria de se procurar os
outros ou qualquer outro indício. Não é?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso foram, foram! No exame ao
local, foram procurados outros elementos, qualquer elemento indiciário…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas quando é que esse exame ao local
foi feito, Sr. Coordenador? Porque, há uma equipa que chega à meia-noite,
outra, em que foi o Agente Herculano Morgado e o Agente Mário
Mendes… O Coordenador Mário Mendes acabou de dizer que entrou e
saiu!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Paulo Franco!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sim, Paulo Franco, exatamente!
Acabou de dizer que entrou e saiu!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas isso é pessoal da DCCB,
continua a ser pessoal da DCCB.
Volto a dizer: os corpos apareceram, talvez, de manhã. Há a
deslocação do Ministério Público…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Às 14 horas e15 minutos.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E só nessa noite é que o piquete
da Polícia Judiciária, não sei a que horas…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É à meia-noite.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … à meia-noite, é que o piquete
da PJ tem conhecimento.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, o que significa que não posso
excluir…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É quando a DCCB vai ao local
fazer o exame.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Coordenador, não querendo insistir
e admitindo que tenham sido feitas diligências no sentido de procurar
outros meios de prova, outros indícios, a verdade é que também não há aqui
indícios de que tenham sido tomadas providências no sentido de acautelar
eventuais outros indícios, que, porventura, possam ter existido no local.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, mas eles foram procurados,
de certeza.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas por quem? Por quem?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Pela equipa da DCCB quando
toma conhecimento e vai ao local.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — À meia-noite?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não sei.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Às 14 horas foram os delegados…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu não sei a que horas é que eles
lá foram.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas foram à meia-noite! E, depois, foi
lá outra equipa, no dia seguinte, e que acabou de dizer aqui que entraram,
saíram e que fecharam a porta.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É porque não viram qualquer
elemento que indiciasse prática do crime.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Bem, os indícios não são meramente
visuais. Certo, Sr. Coordenador?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas é suposto eles terem
procurado.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É tudo, Sr. Presidente.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, permite-me o uso
da palavra?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.a Deputada Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Eu aproveito para intervir, porque assim, se calhar, escusamos de
estar a fazer uma e duas rondas.
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Só gostava de intervir agora, porque, de facto, tenho aqui o relatório
da Procuradoria sobre a atuação da Polícia Judiciária na condução da
investigação, que diz que uma força de GNR de Linda-a-Velha foi
notificada às 12 horas e 15 minutos. Portanto, suponho que se terão
deslocado imediatamente. O Sr. Coordenador Superior diz que é porque,
entretanto, já lá estavam amigos da vítima. É isso? Quem descobriu os
corpos foram os amigos das vítimas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu tenho a ideia de que é o facto
de, no dia seguinte, eles não terem aparecido nos locais onde era suposto
estarem que alerta esses amigos das vítimas — já não sei se dela, se dele —
, que se dirigem ao apartamento e que, depois de baterem à porta e de
ouvirem música lá dentro, vão ter com a porteira — para além disto, o
carro do engenheiro estava lá em baixo, à porta do prédio —…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … e eles dizem: «aconteceu
qualquer coisa de mal». E é quando a porteira vai com eles e se deparam
com os cadáveres.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, é a porteira que abre a
porta e não noticiam a GNR…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só depois é que chamam a GNR.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só depois é que chamam a GNR.
Muito bem! O que dizem é que, depois, consta do relatório, cerca das 14
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horas, chegam, então, os Delegados do Procurador da República, que não
são os agentes da DCCB.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — São diferentes?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A Polícia Judiciária, nessa altura,
ainda não tinha conhecimento desse facto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim. É que, neste relatório, não
vêm, sequer, mencionados os agentes da DCCB.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem podia, porque o Ministério
Público liberta os corpos, mas, entretanto, a Delegação de Saúde teve de
estar presente, no local, para coordenar a remoção dos corpos para o
Instituto de Medicina Legal. E isto terá sido lá pelas três ou quatro horas da
tarde.
E é só nessa noite…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — À meia-noite, é que o piquete
avisa…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … que o piquete da Polícia
Judiciária é avisado da ocorrência daquelas mortes.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está a dizer-me que quem estava a
dirigir a investigação eram os agentes da DCCB. Foi o que o Sr.
Coordenador disse.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A partir do conhecimento desse
facto e da ida ao local.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Anterior à Polícia Judiciária?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Anterior à Diretoria de Lisboa.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, diga-me: quem é que,
destas pessoas, tem, de facto, competência, não estando lá a Polícia
Judiciária, para decretar se é, ou não, acidente, se é, ou não, suspeito?
Qualquer um deles?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles não decretaram coisa
nenhuma. Eles foram ao local, quando tiveram conhecimento das mortes,
os cadáveres já estavam no Instituto de Medicina Legal…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço desculpa por estar a
interrompe-lo, mas antes da remoção dos corpos. Aqui diz-se que são os
Delegados do Procurador da República que ordenam a remoção dos
cadáveres, e di-lo com a afirmação: «… ‘(…) atentas as circunstâncias
anormais e invulgares da ocorrência’ (…)».
O que o Sr. Coordenador diz é que, no fundo, a Polícia Judiciária não
é chamada, antes…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Se o Ministério Público tivesse
logo, ali, no local, detetado qualquer elemento que apontasse para a prática
de um crime, de certeza que os corpos não saiam dali sem, primeiro, a
Polícia Judiciária lá ir.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, terá sido o Ministério
Público a achar que não havia prática de crime?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É a única explicação para os
corpos irem sem a PJ ser chamada.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas o que é um bocado
contraditório, depois, com o parecer em que eles dizem: «‘(…) atentas as
circunstâncias anormais e invulgares da ocorrência’ (…)».
O que é que se entende, na gíria legal, por «circunstâncias anormais e
invulgares»? O que é que considera, normalmente, uma circunstância
anormal e invulgar?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É normal as pessoas morrerem
nos apartamentos por inalação de monóxido de carbono, apesar de ser mais
frequente do que se pensa.
Se calhar, atendendo às circunstâncias muito particulares em que os
corpos apareceram — penso eu que seria isso que os Magistrados do
Ministério Público quiseram dizer.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O facto de estarem entre um
corredor e uma casa de banho e…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, sim, sim!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — … estarem despidos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Penso que sim, sim.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Bom, toda a gente tem salientado
que, desde o início, se faz a ligação deste caso com a questão de Camarate.
Assim, pedia ao Sr. Coordenador Superior — e sei que tem sempre
dificuldades em dar opiniões que não sejam automaticamente
fundamentadas por factos, e isso percebo dada essa ligação imediata —,
que me dissesse se este não era um caso que, à partida, deveria merecer
todos os cuidados possíveis? Ou seja, não há aqui também, na forma como
isto foi lidado e na forma como se diz «bom, não há indícios de crime,
apesar de ser anormal os corpos serem encontrados desta forma, neste
sítio», uma vez que se passam 12 horas até à Polícia Judiciária ser
chamada, desde a primeira altura em que são encontrados (e não encontro
outra palavra), algum desleixo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, de certeza que nem
a GNR, quando veio ao local, nem os magistrados do Ministério Público,
quando estão no local, estabeleceram qualquer paralelo entre uma coisa e
outra. Aliás, não sei por que via é que o piquete toma conhecimento de
madrugada deste facto, mas foi já porque, de certeza, alguma imprensa
estava a estabelecer esta conexão e foi quando avisam a Polícia Judiciária
desse facto.
Inicialmente, de certeza que nem o Ministério Público, nem a GNR
estabeleceram logo essa ligação.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, o que me está a dizer é
que considera que a Polícia Judiciária só é chamada porque a imprensa
começa a fazer uma relação que não teria feito de início.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem faz sentido serem avisados,
como a Sr.ª Deputada diz, de madrugada ou à meia-noite.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Peço desculpa. Sr. Presidente, se me
permite interromper.
Sr. Coordenador, eu não digo que seja estranho o piquete ser
chamado à meia-noite; é chamado à meia-noite, à 1 hora, às 2 horas, às 3
horas ou às 4 horas! Na recolha de indícios é que, normalmente, o local é
preservado, acautela-se o local e depois volta-se lá para fazer um trabalho
mais aprofundado.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Logo que aparecem os corpos…
Quando aparece um corpo e há suspeita da prática de um crime é logo
chamada a Polícia Judiciária e o corpo nem retirado do local.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Eu gostaria de colocar outra questão
que é a seguinte: o alerta foi dado por volta do meio-dia. A sua memória
permite-lhe referenciar quando é que este casal entrou para o apartamento,
dos testemunhos ouvidos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não podemos dizer a que horas é
que eles entraram no apartamento. Há uma testemunha que diz que esteve
na tarde anterior, cá em Lisboa, não sei a que horas já, a tomar uma
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refeição, não sei se a almoçar, se a jantar, com eles, na véspera da
ocorrência desses factos. Logo, terá sido algum tempo depois, mas não
sabemos a que horas é que eles entraram no apartamento.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Eu coloco esta questão, porque quando
os amigos e os familiares são alertados para o facto de as pessoas não terem
aparecido — e isto é mais ou menos ao meio-dia —, significa que,
provavelmente, às 9 horas ou 9 horas e 30 minutos não entraram no
emprego, isto poderá significar que estavam lá já de véspera. Certo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, sim. Aliás, a rigidez
cadavérica que os cadáveres apresentam, quando são encontrados, e os
livores cadavéricos já fixados pressupõem que os cadáveres já estavam ali
há umas horas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E lembra-se, mais ou menos, a que
horas foi determinada a morte?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso não sei. Não me recordo já.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O que eu queria perceber era a que
horas é que, provavelmente, o casal entrou no apartamento.
Repare, há indícios de…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, desculpe
interrompê-la. Eles não jantaram em Lisboa, porque foram encontrados
vestígios de terem feito uma refeição lá no apartamento.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E não foi o pequeno-almoço?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Pequeno-almoço não foi, porque a
rigidez cadavérica que eles apresentam quando são encontrados pressupõe
que já tinham falecido durante a noite.
Aqueles restos de comida que foram encontrados terão sido de fazer
um jantar ou uma ceia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só para terminar, Sr. Coordenador.
O relatório diz: na sequência de um telefonema de um Diretor-
Adjunto da PJ, o piquete desta veio a tomar conhecimento da ocorrência
cerca da meia-noite e deslocou dois agentes ao local.
Pelos vistos, então, houve um Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária
que avisou o piquete que, depois, enviou dois agentes. Quem era este
Diretor-Adjunto?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não me recordo. Não está aí o
nome dele?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não, aqui não está. O que diz é
que o próprio piquete — há bocado estava a dizer que não se lembrava — é
avisado por um Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Então, foi porque esse senhor, a
essa hora, ouviu alguma notícia já a estabelecer essa ligação entre
Camarate e Carnaxide e avisou o piquete.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, o senhor acha que a
Polícia Judiciária só entra em ação quando, de repente, percebe que pode
haver uma ligação com Camarate. Antes disso, não…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não tínhamos sido avisados. Não
fomos alertados para esse facto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas quando diz que quem estava a
tomar conta era a DCCB, que era a DCCB é que estava a coordenar a
investigação, isso era quando? Antes de os senhores chegarem ou depois de
os senhores chegarem?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Quais senhores, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A Polícia Judiciária.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A DCCB e a Diretoria são todos
Polícia Judiciária.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está bem.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só que a DCCB é a divisão de
combate ao banditismo. Nós, na Diretoria de Lisboa, só posteriormente é
que temos conhecimento desta situação.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço desculpa, eu é que fiz
confusão aqui. Estava a ver dois agentes, mas, então, há quatro agentes da
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Polícia Judiciária: dois da brigada de combate ao banditismo e outros dois.
Peço desculpa, eu é que fiz confusão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Coordenador, com a sua larga experiência,
neste campo, quantas mortes conhece por intoxicação por monóxido de
carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Várias. Tive várias situações.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — São as chamadas mortes passivas. São
normalmente pessoas que estão a dormir…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, normalmente acontece
quando as pessoas estão a dormir. Acontece com muita frequência.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não conheço nenhum caso, mas não sou
especialista, de duas pessoas acordadas e empenhadas ativamente em
qualquer coisa, em qualquer esforço, que caiam simultaneamente as duas
para o lado com monóxido de carbono. Não conheço e tenho impressão que
isso está ainda para acontecer…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Há situações de pessoas que
sobrevivem e que ficam com a sensação de que se têm demorado mais um
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bocadinho naquele local ou naquelas circunstâncias teriam, provavelmente,
desmaiado.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Exatamente, isto porque há fases por que as
pessoas passam: dores de cabeça, tonturas, vómitos, vertigens, por aí fora,
até chegarem a um ponto em que adormecem.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É o adormecimento, é!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ora, estas pessoas não estavam nessa situação.
E se estivessem, tinham interrompido o ato, com certeza. Ninguém fica a
ter um ato sexual e a ter vómitos ao mesmo tempo e a ter vertigens e a ter
mal-estar.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só um médico é que poderá
explicar esse processo da…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Está aqui explicado. Está aqui dito, no
relatório que a Procuradoria-Geral da República mandou, e estão aqui os
efeitos todos de acordo com as percentagens.
Ninguém pode acreditar nisto, Sr. Coordenador. Por mais que eu
queira acreditar neste relatório, no vosso relatório, isto não tem lógica e
estas coisas têm de ter uma determinada lógica. E as pessoas que realmente
são vítimas de monóxido de carbono estão sempre a dormir, são apanhadas
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na cama, ou no sofá onde adormeceram; não são apanhadas em pleno ato
sexual, ou a comer à mesa, ou a jogar pingue-pongue!
Depois há outro aspeto interessante: o sobrinho da vítima que, nessa
altura, tinha 15 ou 16 anos — não tenho precisa a idade que ele tinha —,
era a pessoa que ia lá dentro e nos trazia fora elementos preciosos, tais
como o facto de os restos de comida que encontraram terem ovos (e o Eng.º
José Moreira era alérgico a ovos e nunca os comia), ou de os sapatos do
Eng.º José Moreira estarem escondidos no armário da cozinha!
Há coisas que não batem certo. Por exemplo, foi detetada na autópsia
a presença dessa comida. Se foi detetada, depois, nos cadáveres, também
deveria ter sido procurada.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E de certeza que foi. Não me
lembro já, mas de certeza que foi lá que detetaram qual era a comida, ou se
tinham alguma comida no estômago, eventualmente.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Quero dizer que não é culpa sua, obviamente,
mas para acreditar nisso tinha de acreditar no Pai Natal também e eu não
acredito no Pai Natal.
O Sr. Presidente: — Passo a palavra ao Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Coordenador, disse há pouco que foi um Diretor-Adjunto
da PJ, mas que não se lembra o nome, o que é natural depois destes anos
todos.
Pergunto apenas uma coisa: quantos diretores-adjuntos havia na PJ?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Cá em Lisboa, havia um diretor-
adjunto na Diretoria Geral, havia um diretor-adjunto na Diretoria de
Lisboa. Eram os únicos diretores-adjuntos… Ah, havia também um diretor-
adjunto militar.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — O Sr. Coordenador poderia indicar quais eram os nomes
deles? Lembra-se deles, ou não?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O meu, da Diretoria de Lisboa,
era o Dr. Vasco Tomé. E havia também um diretor-adjunto na DCCB.
Havia um outro que era o Dr. Antunes e haveria um diretor-adjunto militar,
que, suponho, na altura, era o Major Bernardo. São os nomes dos diretores-
adjuntos de que me recordo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Não se lembra qual é que foi? Foi um deles.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Esta pergunta pode parecer um bocado estúpida, mas hoje ao
longo das perguntas que foram feitas, disse-se que a casa estava
perfeitamente fechada. Eu perguntei se a casa teria sido, eventualmente,
ventilada ou não. Não sabe nada sobre isso?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não. Sr. Engenheiro, a casa,
quando as primeiras pessoas chegam ao local, está completamente fechada,
porque logo, inicialmente, da primeira vez que vão lá os familiares ou os
amigos das vítimas, eles têm o cuidado de abrir as janelas. Portanto, a casa,
quando as primeiras pessoas entram, está totalmente fechada.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A casa estava fechada. Não cheirava a gás?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não há unanimidade quanto a
isso; umas pessoas diziam que havia um cheiro a gás; outras são
perentórias a dizer que não havia cheiro a gás.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — É natural que as testemunhas se confundam, na altura. Mas, o
que é um facto é que a partir do momento em que se induz que eles terão
morrido por intoxicação por monóxido de carbono, forçada ou não, a
primeira coisa a fazer é ventilar a casa, até por uma questão de segurança
para evitar uma eventual explosão. Acho eu!
Disse-me que havia problemas na exaustão do prédio também…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Essa preocupação está presente
nas primeiras pessoas a entrar no local, porque abrem as janelas e alguém
vai fechar as bilhas de gás.
Mas, de certeza, que não era gás, porque se tivesse estado durante
aquela noite toda, durante aquele período, com o funcionamento ali perto
de um frigorífico, aquilo, provavelmente, teria terminado numa explosão.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Coordenador, apenas uma
pergunta que tem que ver com o perito médico que fez o relatório destas
autópsias, Dr. Fernando Fonseca, que já foi ouvido numa Comissão de
Inquérito de Camarate e que disse que não se recorda de lhe ter passado o
exame histológico pelas mãos, contrariando o que é normal, que era ter tido
conhecimento.
Assim, se ele, que foi o médico que fez as autópsias, não se recorda
de lhe ter passado o exame histológico pelas mãos, o senhor pode dizer-nos
se se recorda de esse relatório lhe ter sido entregue?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A quem? Ao Doutor? Não posso
garantir nada disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — As botijas de gás eram de gás
butano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eram gás de garrafa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O gás butano tem monóxido de
carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não tem. O monóxido de
carbono é produzido por uma má queima de um aparelho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só por isso?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, não há produção industrial.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Representantes dos
Familiares das Vítimas, não havendo mais perguntas só me resta agradecer
ao Sr. Coordenador Superior Eduardo Dias da Costa os esclarecimentos
que nos deu, a disponibilidade que teve em responder a todas as questões e
da forma clara como o fez e, mais uma vez, a sua presença aqui.
Pausa.
Srs. Deputados, as audições marcadas para amanhã de manhã serão,
por princípio, à porta fechada.
Colocou-se aqui a hipótese de as fazer à porta aberta, pelo que
gostava de ouvir os grupos parlamentares sobre esta situação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a
questão foi levantada por mim, porque, por princípio, é o contrário, isto é,
as audições são à porta aberta, pelo que para serem à porta fechada tem de
haver algum fundamento para isso ocorrer e, na nossa perspetiva, essa
avaliação deverá ser feita amanhã.
Todavia, não vemos razão para que, agora, até ao final dos trabalhos,
ocorram audições à porta fechada, a menos que alguém, como deve ser,
argua uma razão para se proceder às audições à porta fechada e a
fundamente para, depois, podermos avaliar a questão, caso a caso.
Portanto, é esta a minha perspetiva.
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O Sr. Presidente. — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente,
compreendo a questão colocada pelo meu colega Deputado Miguel Santos,
mas quando nós requeremos estas audições fizemo-lo como a continuação
das audições anteriores e feitas ao abrigo do mesmo regime que já
decidimos e votámos. Não se nos colocou, sequer, a necessidade de
fundamentar outra vez.
Esta questão foi devidamente debatida e fundamentada na altura,
quer relativamente às audições que foram feitas, quer a uma outra
acareação que ocorreu.
Foi também devidamente ponderada e tida em conta, sem
necessidade de novo requerimento, quando foi do ofício para as
embaixadas, pedindo que se pronunciassem sobre isso — e, aliás, essa
matéria foi de novo recordada até nesse caso contra nós no sentido de que
tinha de ser respeitado esse regime.
Portanto, no nosso entender, uma vez que procuramos apenas
confirmar ou infirmar afirmações que foram feitas já em inquirições
anteriores, entendemos que estas audições devem decorrer ao abrigo da
deliberação que foi tomada quanto à forma como ouvimos estas pessoas.
Agora, a memória pode trair-me, mas creio que foi uma deliberação
tomada quanto às inquirições dessas pessoas, deliberação essa
fundamentada e analisada, na altura, face à lei dos inquéritos parlamentares
e a outras questões que me dispenso de recordar.
Portanto, no meu entender, estas audições devem decorrer no mesmo
regime jurídico que decorreram as anteriores.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr. Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, esta questão deverá
ser discutida com a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, que é a coordenadora.
Pela minha parte, e creio que não temos exatamente a mesma
posição, acho que é bom relembrar que nós decidimos a audição à porta
fechada até por uma questão de prestígio da Assembleia dadas as pessoas
que iam ser inquiridas.
Infelizmente, penso que esta questão da porta fechada protegeu
teoricamente o prestígio da Assembleia, mas também veio atribuir uma
espécie de credibilidade a estas pessoas que fizeram figuras absolutamente
lamentáveis nesta Comissão, sendo que tivemos de assistir a episódios
absolutamente vergonhosos onde, provavelmente, à porta aberta a opinião
pública teria a noção das figuras e dos propósitos que foram aqui tidos.
Portanto, eu, pessoalmente, não veria nenhum inconveniente, sei que
a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, ainda na ideia do prestígio da Assembleia, e
porque sabemos que estas pessoas adoram protagonismo e querem
aproveitar todas as ocasiões para ter protagonismo, considera que se deve
defender a Assembleia e eu não me vou opor a isso, mas quero que fique
claro aqui com a porta aberta e em registo que estamos a fazer isso, mas
não significa, nem pode significar, uma credibilização destas pessoas se
elas continuarem a vir fazer as figuras que fizeram da outra vez.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, nós já
tivemos este debate e eu gostava de dizer, em nome do CDS, o seguinte: se
votámos a favor do regime da porta fechada foi ponderando, única e
exclusivamente, o interesse do próprio inquérito parlamentar e a utilidade
das audições, porque para espetáculos de circo não teria a menor utilidade.
Portanto, repito, foi ponderando, única e exclusivamente, esse interesse que
nós votámos.
Quanto ao grau de credibilidade ou não credibilidade que daí resulta
creio que não resulta nenhum em especial e isso caberá à Comissão e ao
relatório final avaliar e ponderar o que cada um de nós entender.
Eu dispenso-me de, antes do inquérito acabar, declarar qualquer
posição a esse respeito, mas creio que, em homenagem ao interesse do
inquérito parlamentar, única e exclusivamente disso, e à seriedade do
processo, se mantém todas as razões que foram devidamente ponderadas
pela Comissão com maior participação dos grupos parlamentares do que
agora temos e que esse regime continua a afetar o depoimento dessas
pessoas.
Houve, também, testemunhas que requereram ser ouvidas até com
proteção do anonimato e isso foi sempre mantido relativamente a essas
pessoas que depuseram, até em comissões anteriores, com proteção da
confidencialidade da sua identidade, e isso foi sempre entendido como
matéria que era tão objetiva que vinculava até as comissões subsequentes.
Portanto, a meu ver, é a mesma normalidade processual que se aplica.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Julgo que o regime normal de
audições à porta fechada deve decorrer das próprias pessoas que vêm cá
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prestar os seus depoimentos solicitarem que isso aconteça por questões que
depois arguem e que têm de fundamentar para nós podermos avaliar.
De facto, nestes casos aconteceu uma coisa diferente, que foi a
Comissão, pelos motivos que os Deputados José Ribeiro e Castro e Inês de
Medeiros já referiram, entender fazer uma avaliação e, como resultado
dessa avaliação, fazer uma audição com reserva, digamos assim, à porta
fechada.
Julgo que o que está em causa, e ao que o Sr. Deputado José Ribeiro
e castro se está a referir, são as três pessoas que vêm cá amanhã logo de
manhã: o Sr. Fernando Farinha Simões, o Sr. José Esteves e o Sr. Carlos
Miranda.
Sobre a credibilidade destes senhores cada um terá a sua opinião,
como é evidente. Aliás, eu também tenho a minha opinião sobre a
credibilidade deles e até posso partilhá-la, porque não faço segredo disso,
dizendo que acho que a credibilidade deles está pelas ruas da amargura, na
minha opinião, na avaliação que eu faço.
Mas deixem-me dizer-vos que também passaram por aqui várias
pessoas a prestar depoimentos, inclusive hoje, cuja credibilidade, na minha
opinião, se não me levaram a mal que a partilhe convosco, também está
pelas ruas da amargura; pior do que isso e, no entanto, até parecem pessoas
com alguma credibilidade, mas por aquilo que eu ouvi fiz a minha
construção e a minha avaliação.
Portanto, a questão que aqui se coloca é se, com base nos argumentos
do Deputado José Ribeiro e Castro, ainda se faz uma avaliação sobre os
pressupostos que nos levaram na altura a tomar a decisão de fazer as
audições com reserva, à porta fechada.
Assim, eu julgo que é essa avaliação que tem de ser feita. Os Srs.
Deputados entendem que esses pressupostos se mantém? Que o tal
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argumento de proteção deve continuar a existir e que, depois, de termos
ouvido estas pessoas durante várias horas que esses pressupostos se
continuam a manter?
Se a Comissão entender, se os Grupos Parlamentares do CDS e do
PS entenderem, que a audição deve ser feita com reserva nós
acompanhamos essa posição, porque entendemos que não é uma questão
principal para estar aqui a argumentar, contra-argumentar e fazer finca-
pé…!
Para concluir, e com base nos argumentos utilizados, o que pergunto
é se os Srs. Deputados entendem que os pressupostos se continuam a
manter para se fazer a audição com reserva à porta fechada. Se entenderem
isso nós acompanharemos. Repito, não fazemos questão nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, sobre essa matéria penso
que o problema dos senhores que vamos ouvir amanhã está
proporcionalmente na ordem inversa daquilo a que temos assistido aqui: é
que enquanto os senhores que passam por aqui não se lembram de nada os
outros lembram-se de tudo e de mais alguma coisa e de pormenores que
não batem certos uns com os outros…! É este o problema! É
proporcionalmente inverso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Os que ouvimos hoje também não
batem certo!
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exato, mas isso é porque quando
chegam cá não se lembram; os outros lembram-se de tudo e mais alguma
coisa!
Põe-se aqui um problema, não tanto da própria credibilidade, porque
acho que isso aí afere como entender, mas aquilo que esteve também no
pressuposto era por termos a noção de que a capacidade de relato dos
acontecimentos feitos por estes senhores, às vezes, excede um bocadinho
aquilo que pode ser a imaginação.
Portanto, era um pouco para acautelar terceiros que, eventualmente,
sejam citados, e lembro-me que isso, na altura, também foi referido, ou
seja, procurar também acautelar, pelo menos da nossa parte — creio que a
Assembleia da República tem essa obrigação —, determinado tipo de
terceiros que, depois, têm de ser chamados para o contraditório e que os
coloca também numa situação muito desagradável.
Portanto, acho que a audição deve ser à porta fechada e se se
entender, depois, a própria Comissão no seu relatório fará nota do que foi
dito.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou voltar
a recordar coisas que já ponderámos.
Primeiro: o facto de ser à porta fechada não quer dizer que não seja
público. Há gravações das audições e também há transcrições das audições
e essas questões serão públicas encerrado este inquérito. Portanto, não há
nenhuma quebra da publicidade normal do funcionamento do Parlamento,
como foi ponderado na altura e eu faço fé que é esse o regime.
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Se nós alterássemos agora a orientação que definimos antes de os
ouvir a primeira vez, então as audições de amanhã teriam um caráter
completamente novo, tornar-se-iam como se fosse uma primeira audição e
não um simples remate, que foi nesse sentido que nós as solicitámos. Isto é,
se amanhã as audições fossem à porta aberta e públicas com transmissão,
nós não conseguiríamos despachar estas audições, como eu tenho
esperança que despachemos, na manhã de amanhã, mas, porventura,
teríamos três dias, três semanas, três meses, de grande espalhafato e a
Comissão Parlamentar de Inquérito não existe para isso.
Portanto, nós, que requeremos, aliás, uma nova vinda destes
depoentes, tínhamos um objetivo preciso que se prende com a confirmação
ou a infirmação de afirmações que fizeram quando da primeira audição.
Assim, uma vez mais, repito, por questões que se prendem, única e
exclusivamente, com a utilidade dos trabalhos da Comissão Parlamentar de
Inquérito e a nossa responsabilidade, que é procurar aportar a verdade que
nos for possível, acho que se deve manter sem alteração o regime
processual que foi decidido relativamente a estas pessoas antes de virem
depor.
Esta audição de amanhã é a continuação das anteriores e, portanto,
será feita exatamente no mesmo regime.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, pelo que percebi da declaração
do Sr. Deputado Miguel Santos, se os dois grupos parlamentares acharem
que os pressupostos não são de alterar, o Grupo Parlamentar do PSD
acompanharia os Grupos Parlamentares do PS e do CDS-PP, o que me
parece ser o caso.
A questão foi-me colocada pelo coordenador do PSD na Comissão,
pelo que eu teria de a trazer ao conhecimento de todos os Srs. Deputados.
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Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Presidente, amanhã está pedido um depoimento à porta
fechada, por pedido do próprio, de alguém que vem aqui por sua própria
iniciativa e que eu conheço de ginjeira e que também anda à procura de
protagonismo, mas essa é outra história.
O Sr. Presidente: — Sr. Engenheiro, agradeço a sua intervenção e
queria dar a seguinte informação: o Sr. Coronel João Santos Fernandes
pediu a audição à porta fechada, que é a última de amanhã, e o Sr. Dr. João
Múrias, cuja audição está agendada para dia 14, terça-feira, também pediu
a audição à porta fechada. São as únicas audições à porta fechada que estão
pedidas por escrito.
Srs. Deputados, declaro encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 11 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
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(38.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1. Audição do Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão;
2. Outros assuntos.
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SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 18
horas e 24 minutos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão, na
qualidade de ex-Diretor da Explosivos da Trafaria, respondeu aos Srs.
Deputados Pedro do Ó Ramos (PSD), Inês de Medeiros (PS), José Ribeiro
e Castro (CDS-PP) e Jorge Machado (PCP) e também aos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Eng.º Nuno Cerqueira e Dr.
Luís Filipe Rocha.
Por último, o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro (CDS-PP) reiterou
o pedido dos documentos mencionados no livro de registo de
correspondência do EMGFA e solicitou a audição do Presidente do
Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, EP, de Coimbra,
e da Professora que assinou o relatório sobre o estudo histológico efetuado
aquando das autópsias do Engenheiro José Moreira e sua companheira
(Elisabete da Piedade Silva).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 20 horas e 37 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Srs. Deputados,
declaro aberta a reunião.
Eram 18 horas e 24 minutos.
Em primeiro lugar, informo que a Deputada Inês de Medeiros se
encontra numa audição e que se deslocará imediatamente para aqui assim
que essa audição terminar. Também solicitou que, chegada a sua vez de
inquirir o nosso depoente de hoje, o Sr. Comandante Alpoim Calvão, e
ainda não se encontrasse presente, alterássemos a ordem, e penso que não
inconveniente em que isto aconteça.
Peço aos serviços que mandem entrar o Sr. Comandante Alpoim
Calvão.
Pausa.
Começo por dar, desde já, as boas-vindas ao Sr. Comandante Alpoim
Calvão e agradecer-lhe a disponibilidade pela maneira rápida com que
acedeu deslocar-se a esta Comissão de Inquérito.
Sr. Comandante, como temos de cumprir alguns formalismos
burocráticos, peço-lhe que se identifique.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão (ex-
Diretor da Explosivos da Trafaria): — Guilherme Almor de Alpoim
Calvão.
O Sr. Presidente: — Passo a referir o objeto desta Comissão: «A
Comissão de Inquérito Parlamentar tem por objeto dar continuidade à
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averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de
dezembro de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá
Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e dos seus
acompanhantes, nos termos do disposto na Resolução da Assembleia da
República n.º 91/2012 (…)».
Informo-o também que o depoimento é feito sob juramento, nos
termos do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Penal, pelo que lhe
pergunto se jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Juro.
O Sr. Presidente: — Informo-o ainda que a recusa de depor — não é
o caso, pois o Sr. Comandante acedeu logo a estar aqui presente —
configura o crime de desobediência qualificado, nos termos do artigo 19.º
da Lei n.º 5/93, de 1 de março, com alterações posteriores do artigo 348.º,
n.º 2, do Código Penal, cuja sanção é pena de prisão até 2 anos ou multa até
240 dias.
Informo também que, se prestar depoimento falso, pratica o crime de
falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º do Código Penal, punido
com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
Dou-lhe conhecimento do modo como se vai processar a audição: há
uma 1.ª ronda de 5 minutos por grupo parlamentar e por representantes dos
familiares das vítimas, que será de pergunta e resposta direta; uma 2.ª
ronda, se se verificar necessária, de 3 minutos, por grupo parlamentar em
por representante dos familiares das vítimas; e uma 3.ª ronda de 2 minutos
para todos os Deputados e representantes dos familiares das vítimas que
queiram colocar mais alguma questão.
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Pergunto ao Sr. Comandante se pretende fazer alguma intervenção
inicial, para a qual está previsto a duração de 5 a 10 minutos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
pretendo fazer uma intervenção inicial.
O Sr. Presidente: — Hoje, quem iniciaria a 1.ª ronda seria o Grupo
Parlamentar do PCP, que, neste momento, não está representado, seguir-se-
ia o Bloco de Esquerda, que também não se encontra presente.
Sendo assim, dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do
PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, em meu nome
e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, agradeço a sua vinda a esta
Comissão.
Começo por perguntar-lhe se conheceu Francisco Sá Carneiro e
Adelino Amaro da Costa.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Lembro-me de Adelino Amaro da Costa por ter sido cadete da Marinha.
Mas lembro-me por acaso, nunca tive contactos diretos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Com o Dr. Francisco Sá
Carneiro também não?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não,
não o conheci pessoalmente.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, já aqui houve
testemunhos de que o Sr. Comandante esteve ligado a empresas de
armamento. Pergunto se confirma, que empresas eram, em que período.
Gostava que nos relatasse um pouco a história do Sr. Comandante,
relativamente a essas empresas.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Com
certeza. Estive ligado à sociedade Explosivos da Trafaria, onde, primeiro,
fui secretário-geral e, depois, administrador, por parte da sociedade
financeira que era a sócia maioritária e que representava o Estado
português.
Por conseguinte, o meu primeiro mandato foi como representante da
sociedade financeira e o meu segundo mandato foi em nome próprio.
Depois, mais tarde… Ora, isto passou-se…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em que ano, Sr. Comandante?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Já foi
há um certo tempo, por conseguinte tenho de pensar.
A primeira vez que estive como secretário-geral foi entre 1972 e 11
de março de 1975. Da segunda vez, entrei como administrador em meados
do ano de 1980 e estive lá até 1986.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se que membros o
acompanharam no conselho de administração, nomeadamente de 1980 e
1986?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — O
presidente era o General Fernando Pinto Resende, havia o Engenheiro
Diogo da Fonseca, durante pouco tempo esteve lá o Engenheiro Carlos
Pardal. Esteve lá, também, um representante do sócio espanhol que havia
na altura… Quero lembrar-me do nome dele, mas só me recordo de ele ter
sido ministro da saúde no tempo do regime anterior… Falta-me um, mas
não me lembro quem é.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, qual era a
atividade da empresa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — A
atividade da empresa era, essencialmente, o fabrico de explosivos. Foi
criada para isso e, mais tarde, para corresponder às necessidades das Forças
Armadas e porque o Estado assim o entendeu — deu o impulso necessário
para isso —, começou a dedicar-se ao fabrico de munições das quais a
empresa fazia a fase final, o chamado lapping-loading, assembling and
packing, ou seja, carregar, montar e embalar. Aquilo era, digamos, uma
extensão final da linha de montagem das munições. Recebíamos matérias-
primas do exterior, eram trabalhadas lá, fazia-se os carregamentos e depois
ou eram entregues às Forças Armadas Portuguesas Ou eram vendidas para
o exterior.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Fornecia as Forças Armadas
portuguesas e vendia para o exterior. Portanto, exportava.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Exportava.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Gostaria de saber, Sr.
Comandante, para que países exportavam. Tinham três ou quatro países
identificados ou exportavam para todo o mundo? Queria que me dissesse
para que países é que, efetivamente, a fábrica mais exportava.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Devo
dizer que isso tudo está escrito neste livro que tenho aqui comigo, que saiu
no ano passado. Por conseguinte, até posso ler o que está cá escrito e,
assim, respondia cabalmente às suas perguntas.
Devo dizer-lhe que, do que me lembro, exportámos para a Síria, para
o Iraque, não diretamente mas através de uma sociedade que havia, que era
a COMETNA. Exportámos para a Rodésia, se não me engano, e também
para o Irão exportámos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, por que é que
utilizavam a empresa COMETNA para exportar para o Iraque?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — A
COMETNA era uma empresa que fazia invólucros metálicos para bombas
de aviação. Eles é que tinham os contratos mas pediam-nos que fizéssemos
a parte final, e nós entregávamos os invólucros metálicos, carregávamos e
devolvíamos à COMETNA, que exportava. Até houve a coincidência, a
certa altura, de existirem duas empresas em que o Estado português tinha
interesse: uma exportava para o Irão e outra para o Iraque.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Comandante Juzarte Rolo,
que já foi ouvido nesta Comissão, disse-nos que o Sr. Comandante Alpoim
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Calvão era, de alguma maneira, o homem de negócios da empresa, ou seja,
era a pessoa que conseguia trazer mais negócios para a empresa. Ele terá
dito, salvo erro, que, quer para o Irão quer para o Iraque, terá sido o Sr.
Comandante a conseguir esse negócio para a Explosivos da Trafaria.
Pergunto se assim foi, se, de facto, a função do Sr. Comandante era a
de conseguir negócios lá fora, uma vez que nos foi relatado como tal.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Relativamente ao Iraque, não. Como digo, o Iraque era mais para a
COMETNA e para a SPEL, que era a Sociedade Portuguesa de Explosivos.
Para o Irão é verdade, consegui algumas aberturas para esse país,
como, aliás, para a Síria e para a Rodésia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma vez enviaram armas
para o Irão através de Israel?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não.
Israel é que enviou para o Irão através de nós.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como assim? Gostaria que
detalhasse.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Como
digo, está tudo perfeitamente detalhado aqui, no livro…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — O que
é que se passou? Como é óbvio, a nossa indústria de armamento era muito
limitada. Por conseguinte, para comprar metálicos, para comprar… Nós,
por exemplo, não fazíamos munições de artilharia de calibre 155, tínhamos
de comprar os metálicos no exterior. E quem se prontificou a vender
metálicos, sabendo perfeitamente para onde ia, foi Israel, ou seja, foram as
Indústrias Militares de Israel, o IMI.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, qual era o
procedimento para se fazer a exportação? Existia necessariamente uma
autorização para exportação por parte do Estado português?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Para o
material militar?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, para o material militar.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Era
muito simples. Não sei como se faz agora… Simples não era, era
complicado.
Primeiro, obtínhamos um contrato, ou uma promessa de contrato, ou
coisa que o valha, e, depois, tínhamos de pôr o problema à Direção-Geral
de Armamento, que pertencia ao Ministério da Defesa Nacional. O
Ministério da Defesa Nacional perguntava, normalmente, ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros o que achava do negócio, se era interessante ou não,
o Ministério dos Negócios Estrangeiros por norma dava uma resposta de
«nem sim, nem não», e era, depois, o Ministério da Defesa que tinha de
tomar a decisão final.
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Como, de facto, as fábricas de armamento pertenciam ao Ministério
da Defesa, e só nós, por exemplo, tínhamos 600 trabalhadores, era preciso
pagar os salários ao fim do mês.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, era sempre autorizado.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Acabava por ser autorizado. Não quer dizer que, de vez em quando, não
negassem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, recorda-se
certamente que houve um embargo de armas para o Irão. Pergunto-lhe se
alguma vez a empresa Explosivos da Trafaria furou esse embargo.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não.
A empresa Explosivos da Trafaria sempre pediu autorização ao Ministério
da Defesa, nunca furou nenhum embargo. Aliás, oficialmente, nunca
recebemos alguma notificação de que havia um embargo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca foi comunicado pelo
Estado português que houve embargo?!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É
verdade!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, ainda assim, a empresa
não sabia formalmente, mas sabia que existia.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Eu
podia saber, porque leio os jornais, mas nunca recebi uma comunicação,
digamos, formal da Direção-Geral de Armamento, ou coisa que o valha, a
dizer que não se podiam exportar armas para aqui, para ali e para acolá! Foi
sempre caso a caso!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, admite que possa ter
vendido. Como não houve notificação alguma de que estava a existir esse
embargo, admite que possa ter feito essa venda para o Irão.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não. Ainda assim nunca fez.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Todas
as vendas que fizemos foram sempre autorizadas pelo Ministério da
Defesa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, ainda não tive
oportunidade de ler o livro todo, mas há nele uma passagem que diz que
muitas vezes teve de contornar um pouco a lei…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É
verdade!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … para poder fazer o vosso
negócio, para fazer esta exportação.
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Gostaria que explicasse um pouco melhor o que significa este
«contorno».
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Quando digo «contornar a lei», não é furar a lei, é aproveitar as brechas que
a lei tem, mas isto aconteceu praticamente uma só vez.
Nós tínhamos de colocar umas bombas de avião na Malásia. Houve
um concurso para a Malásia, que era de grande interesse para a nossa
indústria, mas tínhamos de resolver um problema (aliás, não fui eu que
negociei esse contrato, quem o negociou foi o General Resende): eles
queriam fazer uma demonstração de fogo real. E para isso tínhamos de
mandar umas tantas bombas para lá.
Bom, as bombas de avião, devo dizer, como, aliás, todas as munições
de artilharia e a maior parte desses dispositivos militares que são, depois,
manuseados pelo ser humano, são extremamente seguras. Se não tiverem
um explosivo iniciador ao lado ou se não tiverem uma causa forte que faça
iniciar a cadeia explosiva, pode-se dar pontapés na granada, pode-se deitá-
las ao chão que elas não explodem! Por conseguinte, o problema era saber
como a gente podia mandar meia dúzia de bombas para a Malásia, por via
aérea, sem problemas. Pois bem, foram exportadas como cilindros
metálicos, contendo produtos químicos, o que era absolutamente verdade!
Para isto não havia empenos, porque era normalíssimo. São aquelas coisas
estranhas que, por vezes, sucedem. Provavelmente, mandar por avião uma
garrafa de ar comprimido era muito mais perigoso do que mandar uma
bomba de avião, que, como digo, são completamente inertes para poderem
ser transportadas.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, recorda-se, em
termos largos, da faturação da empresa? Pergunto-lhe isto porquê? Porque
o Sr. Comandante Rolo disse-nos que a empresa, em 1978/79, não tinha
uma faturação muito elevada e que, a partir de 1980, começa a ter, de facto,
mais atividade, e relaciona isto com a necessidade que houve de fazer umas
obras na fábrica, para readaptar a fábrica, para, efetivamente, fornecer dois
contratos grandes que a empresa tinha ganho.
Pergunto-lhe se confirma, de facto, este acréscimo de faturação da
empresa a partir de determinada data, se sabe por que é que houve essa
readaptação da fábrica para fornecer alguns países, que países e que
contratos é que foram estabelecidos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — A
fábrica já tinha as linhas de montagem e as linhas de carregamento
necessárias. Foi um investimento feito por causa da guerra do ultramar,
para o carregamento das granadas utilizadas na guerra do ultramar, e
grande parte delas foram lá carregadas. Por conseguinte, tinha uma linha de
carregamento muito moderna e que também foi modernizando-se.
Logo que acabou a guerra do ultramar, a partir do 25 de Abril, as
necessidades militares diminuíram imenso. Por conseguinte, lembro-me de
que, na altura em que cheguei lá, havia um contrato com o Exército para
carregar uns obuses de 14, e isso até nos serviu de escola para, depois,
aprendermos a carregar as outras munições todas, porque a forma de
carregamento era a mesma só os calibres é que variavam.
Nessa altura, o que se teve de montar foi um equipamento de
inspeção, uma gamascopia, que era exatamente para ver quais eram os
defeitos metálicos e os defeitos de carregamento que haveria dentro das
munições, e, depois, foi necessário fazer um certo investimento, porque
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recebemos os grandes contratos, tanto através da COMETNA, como
diretamente do Irão. Aliás, lembro-me de que, não sei se em 1980 ou se
1981, num ano vendemos 7 milhões de contos, o que, naquela altura, era
dinheiro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Comandante Rolo falou
também num contrato da Malásia. Aliás, ele terá dito que foi um contrato
grande da Malásia e este do Iraque que permitiu…
A dúvida com que ficámos nessa audição é que, estando a vigorar o
embargo, ainda que não oficial, mas sabia-se, nem que fosse pela leitura
dos jornais… A verdade é que a empresa, apesar de tudo, faz essa
readaptação para fazer a venda ao Iraque, existindo, supostamente, este…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
era supostamente para fazer a venda só ao Iraque ou só ao Irão, era para
poder responder a qualquer solicitação que fosse feita. Por acaso, quem nos
fez as solicitações… Como digo, a Malásia não passou de um
carregamento de meia dúzia de bombas, porque acabámos por não ganhar o
concurso. Aliás, o Chefe do Estado-Maior dizia que era a segunda vez que
os portugueses bombardeavam a Malásia; a primeira vez tinha sido
aquando da tomada de Malaca!
Como eu estava a dizer, acabámos por não ganhar o concurso E,
depois, aguentámo-nos no balanço com o carregamento dos obuses de 14
para o Exército. Já lá estavam à uma data de tempo e nós não
conseguíamos desenvolver a técnica, ou seja, tivemos de afinar o processo
técnico de carregamento, e, a partir daí, vendíamos para qualquer sítio.
Vieram cá missões iranianas, vieram cá missões iraquianas,
oficialmente, e foi através dessas missões — com a missão iraniana eu
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contactei mais, com a iraquiana, como digo,… foi melhor dividir ao meio
— que tudo começou. Todavia, as missões vieram cá, não vieram
clandestinamente, foram recebidas oficialmente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Consegue datar a vinda dessas
missões? Sei que é difícil, mas…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
em 1980!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1980, houve missões
iranianas…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
mas com o 80 já adiantado!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tem noção se foram recebidas
oficialmente pelo Estado português?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
eles entraram normalmente com os seus passaportes, com tudo. Aliás,
tinham cá uma embaixada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para além de terem entrado
bem, formalmente, sabe se foram recebidos pelo Ministério da Defesa, se
pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros…?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
não. Acho que não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não.
Eram missões que vinham às compras.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Fazer negócio!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Fazer
compras!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Fazer negócio, exatamente!
Eles vieram cá no ano de 1980 e também com base nisso a empresa
Explosivos da Trafaria, com essa perspetiva de negócio, quer do Irão, quer
do Iraque e da Malásia, readaptou-se para poder…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Até
para a Síria.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para a Síria também?!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
que mais tarde apareceu como cliente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Comandante não diz que
foi só para fornecer o Irão, o Iraque e a Malásia.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Aproveitando isso fizeram…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Fizemos o reequipamento necessário para podermos entrar nesses… Aliás,
como viu, as quantidades vendidas eram apreciáveis!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente.
Diga-me uma coisa, Sr. Comandante: alguma vez se deparou com
algum relatório do Ministério da Defesa sobre o comércio de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Relatório?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Nunca
tive conhecimento!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca teve conhecimento. Não
sabe se foi feito, se não foi feito! Nunca…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
faço ideia!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Havia preocupação por parte do
Ministério da Defesa relativamente ao tráfico de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Até
pela apertada legislação que havia, via-se que o Ministério da Defesa tinha
essa preocupação. A legislação era bastante apertada e exigia muitas
licenças.
Por exemplo, para o transporte de munições da fábrica Explosivos da
Trafaria para Setúbal, que era o porto de embarque normal, exigia-se
escoltas policiais, exigia-se regras de segurança, batedores à frente, o porto
fechava praticamente… Era uma logística importante e complicada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda assim pergunto-lhe se
tinha conhecimento, de facto, de tráfico de armas ilícito, naturalmente.
Está-me a falar dos requisitos para se fazer o comércio legal de
armas, mas pergunto-lhe se tinha conhecimento de que, na altura, existia,
de facto, tráfico de armas ilícito.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Olhe,
eu não tenho conhecimento que houvesse, e muito menos aqui de Portugal.
Ilícito, não tenho conhecimento nenhum de que houvesse.
Agora, o resto, eu sabia era que havia estes negócios completamente
legais e lícitos com o pleno conhecimento do Ministério da Defesa e, por
conseguinte, do Estado português.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, qual era o
papel do Exército e do Estado-Maior-General das Forças Armadas na
atividade da empresa? Ou seja, eram meros clientes ou tinham alguma
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relação especial? Enfim, para além da autorização do Ministério da Defesa,
que já mencionou, qual era a relação existente?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Repare, eu, para poder ser administrador da Explosivos da Trafaria, tive de
passar na Autoridade Nacional de Segurança e de ser aceite pela Direção-
Geral de Armamento. Não havia razão para não passar pela Autoridade
Nacional de Segurança, que era muito exigente. Enfim, faziam imensas
perguntas, tais como se tinha alguma vez visitado um país de Leste, se
tinha não sei quantos e tal…! Havia um certo cuidado nessas coisas.
Do ponto de vista técnico, até estávamos debaixo da alçada de uma
entidade que era a Comissão de Explosivos, e já não me lembro se
pertencia ao Ministério da Administração Interna ou ao Ministério da
Defesa, mas uma das principais funções que eles tinham era verificar a
nossa capacidade técnica, verificar como eram feitos os carregamentos, se
as medidas de segurança eram tomadas… Isto tanto para a parte de
explosivos militares, como para a parte de explosivos civis, para fins civis,
como pedreiras, etc. Aliás, acho que essas funções agora até são feitas pela
Polícia de Segurança Pública, mas não tenho a certeza; já se passaram
muitos anos!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga-me uma coisa, Sr.
Comandante: ainda existem registos contabilísticos da empresa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
faço ideia! Eu saí de lá em…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Comandante saiu em…
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Em
1986. Não faço ideia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E depois disso, quem lhe
sucedeu?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Olhe,
quem me seguiu… Também não sei, não me lembro! Havia lá um coronel
que foi a seguir a mim, que era o Themudo Barata, que foi da INDEP para
lá. Não me lembro assim… Deste lembro-me! Sei que presentemente
pertence ao Grupo Rio Tinto, não fabrica coisa nenhuma, mas vende
explosivos que importa de Espanha e revende cá.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, não sabe dos registos
contabilísticos, não sabe o que aconteceu à empresa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
faço ideia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe o que aconteceu ao
arquivo da empresa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
faço ideia! É perguntar, pode ser que ainda tenham!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, estou a
terminar a minha intervenção, mas, antes, gostaria de perguntar-lhe se já
alguma vez ouviu falar do Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Toda a
gente sabia que existia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma vez este Fundo foi
relacionado com o comércio de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Que
eu tenha conhecimento, não sei, não faço ideia, nunca o vi!
Eu também devo dizer que só tive relacionamentos com o Ministério
da Defesa, de uma forma mais, digamos, íntima até 1974. Depois dessa
data deixei de ter qualquer contacto com o Ministério da Defesa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para que servia o Fundo de
Defesa Militar do Ultramar depois da Revolução do 25 de Abril?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sr.
Deputado, não lhe sei responder! Não faço a mínima ideia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca ouviu falar dos gastos do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar? Das contas do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Ouvir
falar, ouvi! Mas eu, enfim, ainda hoje, apesar de velho, sou um cidadão
atento à política e ao que se passa. Mas nunca ouvi nada, não tenho…!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quer dizer-nos o que é que
ouviu na altura?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Na
altura, ouvia-se tanta coisa!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qualquer coisa relevante, que
possa…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — De
relevante? Não achei nada relevante. Sabe que eu sou muito cauteloso
quanto às notícias. Faço sempre o recorte das notícias, ainda hoje, as
classifico. Ainda hoje classifico as notícias: se uma coisa é muito
disparatada, qual é o… Desculpe-me falar disto, que é uma coisinha ao
lado, mas as notícias classificam-se conforme as origens e a verosimilhança
e só depois de haver muitas notícias juntas é que se pode fazer o recorte
delas, e é daí que sai a informação. A informação é uma série de recortes de
várias notícias que, depois, se vê se tem alguma substância, ou não.
Nessa altura, a essas notícias, eu não ligava, nem ligo importância
nenhuma.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E antes de 1974 a que se
dedicava o Fundo de Defesa Militar do Ultramar?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Diga?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Antes da Revolução do 25 de
Abril a que é que se dedicava o Fundo de Defesa Militar do Ultramar?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Dedicava-se a suprir faltas de equipamento e faltas que, normalmente, os
orçamentos não incluíam. Digamos que eram rubricas extraorçamentais.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas para a guerra do ultramar
ou para…?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Para a
guerra do ultramar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só para a guerra do ultramar.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Como
digo, tive contactos com o Ministério da Defesa e até com alguns de uma
certa proximidade até ao 25 de Abril. Depois nunca mais tive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas a minha pergunta é no
sentido de saber se o suprir dessas lacunas era só para fornecer a guerra do
ultramar.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Sim,
só para a guerra do ultramar.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estando terminada a guerra do
ultramar, esse Fundo não faria sentido.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
sei se esse Fundo tinha algumas sobras ou não, mas o que tinha foi
entregue, com certeza, ao Chefe de Estado-Maior-General das Forças
Armadas na altura ou ao Ministro da Defesa… Isto não sei. Essa orgânica
governamental e militar da época não conheço bem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os saldos terão sido transitados,
mas não faria sentido a continuação desse Fundo.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não!
Com certeza que não. Não sei o que foi feito, fisicamente, ao Fundo.
Primeiro, não sei se tinha alguma sobra… Não faço a mínima ideia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Durante o período em que foi
administrador da Explosivos da Trafaria, não se ouvia falar de que o Fundo
estava extinto, ou não?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Sempre ouvi falar que estava extinto. Agora, se estava ou não, não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para terminar, alguma vez
relacionou o desastre de Camarate com o eventual tráfico de armas?
Alguma vez ouviu falar sobre isso?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Só
posso dar-lhe a minha opinião pessoal, depois de ler muita coisa, de ouvir
algumas pessoas… Primeiro, lembro-me bem do dia 4 de dezembro,
porque é o dia de Santa Bárbara, o dia da padroeira da artilharia e dos
explosivos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É curioso!
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Isso
foi exatamente no mesmo dia.
Depois, lembro-me de ter recebido um telefonema, no dia seguinte
de madrugada, ou coisa que o valha, de um antigo oficial meu, e meu
aluno, que tinha qualquer relação com o Ministro da Defesa, que era o
Manuel Pinto Machado. Telefonou-me para casa a perguntar-me o que é
que eu pensava do assunto, e lembro-me exatamente do que lhe disse na
altura: «O que eu penso do assunto é que isso foi um erro monumental da
segurança do Primeiro-Ministro ou de quem fosse…». Porque um avião —
agora já não voo, mas tenho o brevet de piloto — em que o magneto vai
tantas vezes para arrancar o motor, em que se continua a insistir, a insistir,
a insistir, a insistir, é o convite ao desastre.
Aprendi, quando voava, que uma pessoa dá cinco gatilhadas, se não
pega muda-se de avião ou pede ao mecânico para ir ver o que se passou. O
resto não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na altura, nunca ouviu falar da
possível ligação a alguma investigação que o Ministro da Defesa estivesse
a fazer, como eventualmente ao Fundo, ao facto de o Fundo estar ativo e
não se perceber porquê.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Um
desastre destes foi, com certeza, fruto de investigações, até da Direção-
Geral de Aeronáutica Civil e dessas coisas todas. Era o procedimento
normal. Mas nunca ouvi falar assim de nada em especial. Só mais tarde é
que se começaram a aventar umas hipóteses, mas, para mim, como lhe
digo, é mais boataria do que outra coisa qualquer, são as tais notícias não
recortadas.
De facto, num mundo sublunar tudo pode acontecer desse género.
Mas não faço a mínima ideia do que se passou. Li os jornais, li as
discussões, vi o trabalho desta Comissão ao longo dos tempos… E não sei
mais nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, esta é mesmo a
última pergunta que coloco.
Na relação que a Explosivos Trafaria tinha com o Exército português
e as Forças Armadas, nunca recebeu qualquer pagamento por parte do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Nunca!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Nunca!
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros, do Partido Socialista.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Começo por agradecer ao Sr.
Comandante a sua presença nesta Comissão.
Sr. Comandante, permita-me que faça uma pequena contextualização
inicial.
Como sabe, esta Comissão de Inquérito parte das conclusões da VIII
Comissão de Inquérito, portanto parte do pressuposto de que houve um
atentado, independentemente da opinião de cada um. Deste modo, o
objetivo desta Comissão é, eventualmente, o de conseguir estabelecer um
nexo de causalidade entre o atentado e os vários motivos possíveis, vários
deles abordados nesta Comissão, sendo o mais recorrente, de facto, a
questão em torno do Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
Tem-se falado sobre a extinção, ou não, do Fundo na altura da
tragédia e esta teoria, que ainda está por provar, tem sido sustentada por,
nomeadamente, duas testemunhas, que vieram aqui confessar a sua
participação no atentado, o Sr. José Esteves e o Sr. Farinha Simões. Apesar
de as audições terem tido lugar à porta fechada, isto é do domínio público.
Eles, pelos vistos, até têm algum garbo em anunciar que participaram no
atentado contra os então Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa.
Pela minha parte, não vou fazer quaisquer comentários ou perguntas
sobre a eventual venda de armas para o Irão, se estavam ou não a violar o
embargo, se estavam a violar a lei ou a contorná-la. Sem dúvida que é um
tema interessante, e espero venha a ser devidamente elucidado, mas vou
ficar-me pelas questões em concreto, em que o seu nome foi várias vezes
referido aqui.
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A primeira pergunta é muito simples, e, em parte, já foi colocada, é a
seguinte: teve algum contacto com o Fundo de Defesa Militar do Ultramar
a partir do seu segundo mandato, ou seja, enquanto esteve à frente da
Explosivos da Trafaria, a partir de 1980?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Nunca
tive nenhum contacto. Como digo, estava absolutamente convencido, e
ainda estou hoje, de que o Fundo estava extinto ou que foi utilizado pelo
Ministério da Defesa.
Mas quem pode esclarecer isso bem é o Chefe do Estado-Maior-
General da altura. Não sei se era o General Ramalho Eanes,…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — …
mas amanhã vou estar com ele e vou perguntar-lhe o que é que se passou
com o Fundo de Defesa do Ultramar.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Agradecemos. Acho que também
vamos perguntar por escrito, Sr. Comandante.
Disse que sempre que a Explosivos da Trafaria vendia armas para o
Irão ou para o Iraque pedia autorização ao Ministério da Defesa. Só para
que fique registado, o Ministro da Defesa na altura era, justamente, o Dr.
Adelino Amaro da Costa.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Naquela altura era ao Chefe do Estado-Maior-General, porque, como sabe,
havia um chapéu…
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Em 1980?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Sim.
Acho que ainda era ao Chefe do Estado-Maior-General, devo dizê-lo.
Nós pedíamos autorização, penso eu, à Direção-Geral de
Armamento, que dependia diretamente do Chefe do Estado-Maior-General.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, não era…
O Sr. Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Foi numa altura…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — (Por não ter falado ao microfone,
não foi possível registar as palavras da oradora.)
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Também não posso dizer-lhe da orgânica. Atualmente, por exemplo, toda a
gente sabe que o Chefe do Estado-Maior-General é um organismo da
Defesa Nacional. Mas, na altura, havia um pouco de confusão.
Lembro-me de que houve uma certa altura em que achei
extraordinariamente bizarro o Chefe do Estado-Maior-General ter
precedência sobre o Primeiro-Ministro. Nunca entendi porquê, mas esta era
a realidade da época.
Confesso que já não sei bem se, naquela época, a Direção-Geral de
Armamento dependia do Ministério da Defesa ou do Chefe do Estado-
Maior-General. Refiro-me àquela época. Não faço ideia.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não se lembra quem é que
autorizava essa venda de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — A
venda de armas era sempre autorizada…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Era sempre a direção de
serviços…
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — …
pela Direção-Geral de Armamento. Quem é que assinava o papelinho lá
dentro? Não faço ideia, se era o Ministro ou se era outra pessoa qualquer
por delegação do Ministro ou coisa que o valha. Agora, o que sei é que sem
esse papelinho não podíamos exportar nada.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não se lembra, então, quem era o
Diretor-Geral dessa Direção-Geral do Armamento?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Daquela altura?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
faço ideia, já não me lembro.
Da Autoridade Nacional de Segurança, ainda me lembro de um
deles, do Almirante Melo Cristino, que já morreu, infelizmente.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — É óbvio que o Sr. Comandante,
porque tem grande experiência e até de cenários de guerra, percebia,
certamente, a delicadeza deste assunto. Tal como disse, sabia que havia um
embargo e que, apesar de a Explosivos da Trafaria ter uma autorização,
estava, certamente, perante um assunto delicado. De alguma maneira, falar
em «contornar a lei» é porque havia uma consciência generalizada de que,
apesar de tudo, havia uma lei que impedia a venda de armas.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
sei se havia lei…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Se me permite, acho um pouco
bizarra a ideia de pedirem uma autorização, de não saberem quem a
assinava, vinha a autorização… Mas tinha a garantia de que seria sempre
autorizada?!
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Diga?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Tinha a garantia de que essa venda
seria sempre autorizada?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não,
não. Algumas foram recusadas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E nunca teve um tratamento
pessoal e direto com quem lhe dava essa autorização?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Porquê? Por que razão? Só se me chamassem para qualquer
esclarecimento. Mas, que me lembre, foram muito poucas as vezes que me
chamaram a pedir qualquer esclarecimento.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, pedia uma autorização
como se estivesse a exportar rolhas ou outra matéria qualquer?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Tenho
a impressão de que não era bem assim. Como lhe digo, a questão da
exportação era muito policiada, era muito vigiada, obrigava a escoltas
militares, a escoltas policiais, a grandes medidas de segurança, por razões
óbvias. Não era o mesmo que exportar sapatos, tomate ou coisa que o
valha.
Mas, enfim, também não vejo razão para…
Agora, faço-lhe uma pergunta, porque não sei. Eu não sei se esse
embrago passou para a legislação nacional. Não me lembro de o ter visto,
nem em nenhum Diário da República, nem em coisa nenhuma. Não sei se
o embargo passou para a legislação nacional, mas para isso tem de
consultar os Diários da República, porque não faço ideia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, nunca teve de ter uma
conversa mais próxima, tudo se ficou de um ponto de vista absolutamente
formal, por pedidos formais…
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Pelas
razões óbvias, e talvez a Sr.ª Deputada já tenha ouvido falar, eu, a partir do
25 de Abril, não tive mais conversas com muita gente.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Eu sei. Ouvi falar, ouvi.
Pergunto-lhe se conhece o Sr. José Esteves.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — José
Esteves?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim, pergunto se o conhece
pessoalmente.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Só o
ouvi, mas penso que nunca o vi na vida.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ele não costumava frequentar a
Explosivos da Trafaria?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Que
eu saiba, não.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sabe se era um conhecimento do
Coronel Pinto Resende?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Do…?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Do Coronel Pinto Resende.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Do
General Pinto Resende.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Do General, peço desculpa.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Infelizmente, o General já morreu e só ele é que podia responder a isso.
Que eu saiba — eu não era polícia e não estava à porta… mas nunca ouvi
dizer que esse senhor estivesse lá estado.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Conhece o Sr. Farinha Simões?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
faço ideia quem é.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não faz ideia?!
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
faço ideia quem é, Sr.ª Deputada. Se calhar, já o vi, mas, agora, assim,
perguntando-me, não faço ideia quem é.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, não sabe se ele fez parte
dos CODECO e, depois, do MDLP?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Do
MDLP não fez com certeza.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ai, não…!
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O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Dos
CODECO não faço a mínima ideia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas tem a certeza de que não fez
parte do MDLP?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Tenho
a certeza até onde é possível ter a certeza, porque era uma organização que
trabalhava nos moldes do Partido Comunista, na clandestinidade e por
células. Por conseguinte, nem toda a gente se conhecia em todas as células.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sabe, mais ou menos, quantos
militantes é que tinha o MDLP?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Aquilo
não era por inscrição, não pagavam quotas.
Risos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, devo concluir que quando o
Sr. Farinha Simões se reclama ou se vangloria por ter organizado vários
atentados a sedes do PCP ou a sedes, inclusivamente, do CDS para fazer
crer que eram ataques do PCP…
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — A
sedes de quem?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A sedes do próprio CDS.
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O Sr. Farinha Simões disse aqui, mas também está publicado em
livro, que não só tinha organizado vários atentados a sedes do Partido
Comunista Português, como tinha organizado atentados às próprias sedes
do CDS, partido para o qual ele trabalhava como segurança, para poder
acusar o Partido Comunista Português de fazer atentados.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Isso
foi esse senhor que disse. Eu não faço a mínima ideia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não faz a mínima ideia?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — A
mínima ideia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O MDLP nunca teve este género
de comportamentos?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Sr.ª
Deputada, costumo dizer que, até ao 25 de Novembro, posso ser
responsabilizado por todas as coisas que o MDLP fez. Daí por diante nem
quero saber, porque acabou o MDLP. Se houve alguém que continuou em
roda livre foi à responsabilidade dele.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sendo assim, as outras perguntas
ficarão para a 2.ª ronda.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, ainda dispõe de mais 1 minuto.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ah, ainda tenho mais um minuto.
O Sr. Presidente: — Foi dado uma compensação de 1 minuto a
todos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, Sr. Comandante, gostava de
saber se existem, em algum sítio, os despachos de autorização de vendas de
armas para o Irão ou para o Iraque que possamos consultar ou ter acesso.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Só se
estiverem nos arquivos da empresa! Não faço ideia se estarão ou não nos
arquivos da empresa, porque, como disse, saí de lá em 1986, e já passaram
uns anos. Nem faço ideia se os arquivos existem, ou não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — De facto, Sr. Comandante, estamos
sempre a debater-nos com a falta de documentação dessa época. De facto,
foi uma época muito agitada.
Portanto, não se lembra e, volto a insistir, e termino,…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sr.ª
Deputada, o Ministério da Defesa tem arquivos e, provavelmente, não os
deitaram fora, não os queimaram, há de lá ter essas coisas! É pedir ao
Ministério da Defesa, que, com certeza, tem lá nos arquivos. É preciso é
procurar no arquivo morto, e isso dá trabalho, mas eles, com certeza, que
podem encontrar isso.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O arquivo da Explosivos da
Trafaria ou dos despachos de autorização?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Dos
despachos de autorização…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas eles não sabem!?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Eles
hão de ter cópia de todos esses despachos!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Obrigada, Sr. Comandante.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Começo por
cumprimentar o Sr. Comandante Alpoim Galvão em meu nome e do CDS-
PP e por agradecer-lhe a disponibilidade para estar aqui nesta Comissão.
O Sr. Comandante já declarou que se recorda de ter havido operações
de venda de material militar para alguns países e, nomeadamente, para a
Síria e para o Irão, que são os países que me interessa particularmente que
sejam recordados pelo Sr. Comandante.
Quanto à Síria, tem ideia se essas operações se destinavam à Síria ou
se este seria um território de trânsito com destino ao Irão?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Bom,
elas saíam daqui com destino à Síria e eram desembarcadas… Quero dizer,
repare, nós embarcávamos as cargas e, normalmente, os navios eram
fretados pelos compradores. Quanto muito, nós fazíamos um frete
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alongside ship e dali para diante era problema de quem comprava. Agora,
não posso dizer — isto cabe em todas as imaginações possíveis — o que os
países de destino final faziam ao material! Isso não posso garantir. Sei que
nós exportávamos para lá; agora, se eles o revendiam, o davam ou qualquer
coisa, isso não faço ideia!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Também houve
operações diretas com o Irão?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Diretas, como?!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Venda direta ao Irão.
Portanto, encomendas do Irão e vendas ao Irão!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
sim, havia, pois!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Em 1980?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — A
partir de 1980.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Comandante, já agora
peço um esforço de memória, só para contextualizar o porquê. O período
que, obviamente, nos interessa é o último trimestre de 1980, que é o
período da guerra Irão-Iraque e antes da tragédia de Camarate. Enfim, a
guerra Irão-Iraque continuou por mais tempo, mas, obviamente, nós
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estamos focados nesse período. E há, nesse período, enfim, relatos (creio
que ainda não temos propriamente a confirmação do documento oficial do
embargo), há memória de que haveria um embargo de armas para o Irão,
que tem a ver com a crise dos reféns e que teria sido levantado em janeiro
de 1981. E, portanto, se assim fosse, as operações de comércio de armas
para o Irão violavam esse embargo Ou, melhor, violariam esse embargo.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Como
digo, não tive notícias de…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O Sr. Comandante já
disse que, da sua memória, pedia sempre autorização, que ela era pedida ao
Diretor Nacional de Armamento, que, de facto, na altura, dependia do
Estado-Maior-General das Forças Armadas. E, portanto, se essas operações
se efetuaram terão sido autorizadas, e gostaríamos de verificar isso.
Por estranho que pareça alguma documentação que se refere a
eventuais operações deste tipo desapareceu! A única coisa que esta
Comissão conseguiu ao fim de 11 anos de trabalho, uma vez que isto
começou na VIII Comissão, de 2002 a 2005, são umas menções num
registo de correspondência, mas essa correspondência não se encontra
nesses despachos, só temos menções a isso!
Portanto, o esforço de memória do Sr. Comandante ser-nos-ia útil se,
no que concerne a esse período final de 1980, fosse possível recordar-se de
operações que, concretamente, se tenham realizado com destino ao Irão!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Bem,
tenho a certeza de que vendas de munições só aconteceram no ano
seguinte.
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Até ao final de 1980, creio que foram revendidos para o Irão uns
tantos canhões sem recuo que vieram de Israel.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Que tenham sido…?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Creio
que tenham sido vendidos alguns canhões sem recuo, por conseguinte,
material não explosivo, que vieram, aliás, de Israel e passaram pelo
aeroporto de Lisboa para um avião da Iran Air,que veio a Lisboa buscá-los
para o destino final. Era, como digo, material inerte. Eram uns 100 canhões
sem recuo (já não me lembro de quanto custavam na altura, mas talvez uns
20 000 dólares/cada ou coisa que o valha) que fizeram o transbordo aqui,
mas vieram de Israel, fizeram o transbordo aqui e foram vendidos para lá.
Veio um avião da Iran Air,propositadamente, buscá-los cá.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — No final de 1980?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
mas nos três… Sei lá…! Eu entrei, como disse, a exercer funções em
meados de 1980, e tenho a impressão de que foi daí até ao fim do ano que
se fez essa primeira operação, talvez mais chegado ao fim do ano do que a
meio do ano!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Pois, nós temos, de facto,
menção de correspondência entre o Ministério da Defesa e a Direção
Nacional de Armamento, acompanhado de informações do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, e, porventura, tem a ver com o embargo. Mas isto
são tudo presunções, porque, por estranho que pareça, nem no Estado-
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Maior-General das Forças Armadas, nem no Ministério da Defesa, nem no
Ministério dos Negócios Estrangeiros, conseguimos obter, ou nos são
fornecidos, os documentos cujo registo conhecemos e que, talvez, nos
permitissem aprofundar.
Por isso, a memória do Sr. Comandante, de que terão acontecido
algumas operações com o Irão, para nós é importante, porque significa que
há factos que precisamos de explicar e que não conseguimos explicar!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sr.
Deputado, estou aqui e falo à-vontade, não tenho receio de coisa
absolutamente nenhuma.
Por conseguinte, estou a dizer-lhe, na realidade, o que se passou.
Tenho a certeza de que munições só foram vendidas… É que demoram
muito tempo a…! É preciso comprar as matérias-primas, os metais, enfim,
comprar tudo e, depois, é preciso o ato de carregar e ainda é preciso
inspecionar, e vinham cá os inspetores iranianos. Os inspetores vinham cá
inspecionar e entravam pela porta normal, não vinham às escondidas, nem
vinham disfarçados! Entravam pela porta normal, iam às fábricas, viam e
aceitavam, ou não, pois podiam recusar! Podiam não aceitar. Dessa vez
sabiam perfeitamente, por exemplo, que os metálicos vinham de Israel.
Sabiam perfeitamente! Nós não fabricávamos aqueles metálicos. Os
metálicos 155 ou 203 vinham de Israel. Só nos lembrámos de comprar uma
forja para isso quando já não havia necessidade, e a forja ficou para lá, na
INDEP, como mais uma prova da inépcia do planeamento. Bom, mas isso é
outra coisa!
Agora, o que posso dizer é que os inspetores entravam, viam, iam
assistir aos embarques…!Quer coisa mais às claras e mais legal do que
isto?! Eu não sei!
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Tenho quase a certeza, mas, enfim, não posso garantir-lhe, que nunca
vendemos, diretamente, nada para o Irão, a não ser a partir de 1981. A
única coisa de que me lembro antes de 1981 é da partida de 100 canhões
sem recuo, que vieram de Israel para cá e que cá se fez o transbordo para a
Iran Air, que também entrou legalmente, poisou legalmente no aeroporto e
levou-os! Era uma coisa que eles procuravam e que não conseguiam
arranjar, e o que talvez despoletou a grande cadeia de negócios que eles
fizeram connosco foi o facto de termos resolvido um pequeno problema
que eles tinham!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Comandante, tem
ideia se isso terá sido em novembro?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Diga?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Esse carregamento por
avião terá sido em novembro?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sr.
Deputado, isso não sei dizer-lhe. Infelizmente, a pessoa que estava à frente
e que podia ajudar-me a lembrar de alguma coisa era um despachante do
aeroporto, mas creio que também já faleceu!
Mas vou fazer um esforço sincero de procura nos papéis, pode ser
que tenha alguma coisa! Mas não me lembro nada…! Se tiver, também
faço chegar à Comissão o papel.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — De qualquer forma, esse
carregamento, independentemente da natureza dos materiais, cairia sob o
embargo, se ele existisse.
Esse carregamento foi por avião. Pergunto: escalou o Montijo ou
Figo Maduro, Portela?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — A
Portela! Escalou a Portela!
Até me lembro de que ter havido uma certa aflição, porque os
tripulantes do avião apanharam-se numa cidade onde não era preciso andar
de burca e perderam-se um bocado na noite lisboeta, tivemos de andar a
«pescá-los» para os mandar embora, de volta, no avião!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O Sr. Comandante esteve
na Explosivos da Trafaria até que ano? Já disse, mas não registei.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Até
1986!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Até 1986!
O Sr. Comandante já disse que depois de 1980 houve,
nomeadamente, várias operações para o Irão. Portanto, o Sr. Comandante
deveria estar ainda na Explosivos da Trafaria quando rebentou um grande
escândalo internacional nos Estados Unidos da América, o Irangate?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
sim! Lembro-me do Irangate!
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — E, recordar-se-á que, a
seguir ao Irangate falava-se numa Lisbon Connection, em que algum do
material militar que iria para o Irão — e isto também envolve Israel e,
enfim, não vou entrar aqui em pormenores, até porque não os tenho de
memória — passaria por Lisboa! Peço-lhe que recue a esse tempo e diga-
nos se isso teve algum efeito na administração da Explosivos da Trafaria. A
participação ou não, não sei, em operações teve nos Estados Unidos esse
impacto político? Quando é que isso teria começado? Teria começado em
finais de 1980 ou só mais tarde? Qual era a natureza desse comércio?
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Sr.
Deputado, pessoalmente, não faço a mínima ideia!
Agora, o que posso dizer é que acho extraordinariamente difícil que,
fosse o que fosse que passasse por Portugal, as autoridades não tivessem
tido conhecimento. Começo por aqui! Agora, sobre quem deu as
autorizações, não venha perguntar a mim porque não faço a mínima ideia.
Nós não tivemos nada a ver com isso. Tudo o que foi exportado, foi
às claras e legalmente! É o que posso dizer!
É impossível, a não ser através de uma base aérea com grande
secretismo e tal, um avião poisar e, depois, levantar, levando munições
militares ou explosivos, seja o que for, levando armamento para outro
país…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Comandante, uma
última pergunta e, depois, farei as restantes na 2.ª ronda.
O Portugal Hoje, no dia 11 de novembro de 1980, fez manchete com
uma a seguinte notícia Armas portuguesas para o Irão?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — No dia
11 de…?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — De novembro de 1980!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É
capaz de ser esses canhões sem recuo! Está a ver!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É isso!
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: —
Lembrava-me assim, vagamente!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas tem memória desta
notícia e de isso ter, de algum modo, provocado alguma efervescência?
Esta notícia gerou um desmentido do Governo, de que não havia nenhuma
operação… E não me surpreende que o Governo desmentisse, mesmo não
conhecendo…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Eu não
pertencia ao Governo, não faço a mínima ideia
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas gostávamos de
esclarecer este…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Mas
admito perfeitamente que tenha sido nessa data a exportação dos canhões
sem recuo para o Irão. Aliás, eram…
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Aqui mencionam um
carregamento, justamente por avião, não mencionam uma Iran Air mas
uma African Air Charters, mas isto…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não.
Quem veio foi a Iran Air, lembro-me disso. Lembro-me até pelo incidente
com a tripulação da aeronave. Tenho uma boa memória disso; agora,
quanto ao resto, não faço ideia.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Jorge
Machado, do Grupo Parlamentar do PCP.
Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Major Alpoim
Calvão, vou colocar-lhe uma pergunta, muito concretamente, e já foi feito o
contexto. Não vou estar a repetir perguntas que já foram colocadas, mas
esta diz respeito ao momento antes e depois do atentado.
Antes do atentado, sentia que havia maior dificuldade na venda de
armas para o Irão, nomeadamente? Isto é, pergunto se o momento do
atentado foi um momento de viragem, no que diz respeito à venda de armas
para o Irão, ou não.
Depois do atentado, esse mesmo comércio de armas começou a
banalizar-se com mais facilidade, ou não? Qual é a diferença relativamente
a esta matéria?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Bom,
devo dizer que até princípios de 1981 não estávamos em condições de fazer
carregamentos, ainda não tínhamos adquirido a tecnologia suficiente, que,
como já eu disse atrás, foi adquirida com o carregamento de uma série de
granadas obus de 14 cm para o Exército. Por conseguinte, não estávamos
em condições técnicas de vender. A partir daí, sim, a partir dos princípios
de 1981, tínhamos capacidade técnica para fazer as munições, e foi aí que
apareceram esses contratos, de facto, em maior escala.
Anteriormente, há a questão do dia 11 de novembro, princípios de
novembro, dos canhões sem recuo, mas não era material explosivo, e foi
apenas um sítio de passagem! Mais nada!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não sentiu, portanto, qualquer tipo
de alteração naquilo que foi o comportamento do Ministério da Defesa
antes ou depois desse atentado?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não vi
qualquer tipo de alteração. Desculpe o termo, mas o Ministério da Defesa
até era muito chatinho com essas coisas.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Também ia abordar essa questão
mais à frente, mas, antes, quero dizer-lhe que em alguma informação que
temos, nomeadamente alguns livros publicados, é dito que a fábrica
Explosivos da Trafaria funcionava em sinergia com a Companhia
Metalúrgica Nacional, a Fundição de Oeiras, a Fábrica de Braço de Prata, e
tinha, como parceiros internacionais, as indústrias militares israelitas,
nomeadamente na venda de armas para o Irão.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Vem
aqui escrito.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Quando diz que não tinha
capacidade para exportar, refere-se, naturalmente, à empresa de que era
administrador, fábrica Explosivos da Trafaria. Isto aplica-se a esta sinergia,
a este grupo que funcionava em conjunto, ou não?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Olhe,
isso está escrito na minha biografia. Está aqui exatamente, ipsis verbis! O
senhor tirou daqui. Eu até trago o livro, como vê,…
Neste momento, o orador exibiu o livro «Alpoim Calvão — Honra e
Dever».
… não fui eu que o escrevi, foram outras pessoas que o escreveram.
Vou deixá-lo aqui, na Comissão, para que os senhores possam ler tudo o
que está escrito. Tudo o que é dito sobre isto está aqui neste livro. O
senhor, acaba, aliás, de citar ipsis verbis uma página daqui.
Já expliquei, há bocado, que nós, como fábrica de explosivos,
fazíamos a parte final do carregamento das munições. Por conseguinte, a
montante, tinha de haver fabricantes de matérias-primas, de invólucros
metálicos, e, depois, era tudo reunido na Explosivos da Trafaria ou na
SPEL (Sociedade Portuguesa de Explosivos), onde era feito o
carregamento das munições com o explosivo militar, onde era feito o
lapping and loading e o assembling… onde era feita a montagem da
munição e onde era feita a embalagem. Em inglês é lapping-loading,
assembling and packing.
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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Julgo que respondeu às questões,
mas quero fazer-lhe uma última pergunta.
Citando outra vez essa autobiografia, diz-se, a determinada altura,
que o Ministério da Defesa exercia apertado controlo sobre tudo o que era
negócio e que só permitia a venda de material previamente aprovado, aliás,
decorre até da sua intervenção, daquilo que disse aqui em resposta a outros
Srs. Deputados.
Este comportamento do Ministério da Defesa, que, presumo, ter sido
mais apertado antes do atentado de Camarate, segundo os dados que temos,
esse apertado controlo sobre a venda de armas, é do seu conhecimento que
tenha incomodado quer a indústria militar de produção de armamento
nacional quer parceiros ou parcerias internacionais, nomeadamente, na
venda deste tipo de armas para o Irão? Era incómodo? Havia registo desse
incómodo, relativamente a este controlo?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sr.
Deputado, primeiro, gostava de dizer que isto não é uma autobiografia, é
uma biografia. Não fui eu que escrevi.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sim, sim! Peço desculpa!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — As
pessoas que o escreveram consultaram o que quiseram e foram aos
arquivos que entenderam, e pronto!
Agora, relativamente a isso… Peço desculpa, mas pode repetir-me a
pergunta, que eu agora tenho uma branca…
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O Sr. Jorge Machado (PCP): — A pergunta é relativamente
simples, é saber se este controle apertado que existia, se é do seu
conhecimento, como é óbvio, provocava algum incómodo quer nos
produtores quer nos parceiros internacionais que utilizavam o nosso País.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Que
me lembre nunca houve parceiros internacionais, à exceção, como digo, das
Indústrias Militares de Israel, que mandavam para cá aquilo que não que
era feito cá, que eram os invólucros metálicos de 155. Era a única coisa.
Nem a isto se pode chamar parceria! Era um produtor aonde a gente
comprava. Talvez pudéssemos comprar a quem produzia na época. A Itália
também produzia, mas Israel apresentava melhores condições de preço e de
prazos, e poupou-se, como se faz em qualquer negócio seja do que for.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Desculpe, não é do seu
conhecimento ter havido algum incómodo relativamente a esses parceiros
sociais…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não!
Não!
O Sr. Jorge Machado (PCP): — … ou a produtores nacionais de
armamento, quanto ao controlo que era exercido por parte do Ministério da
Defesa, no que toca à venda de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É
sempre… Até eu achava que era exagerado demais! Mas, enfim, por outro
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lado, eles gostavam que a gente pagasse os ordenados ao fim do mês, e a
gente pagou sempre!
Mas nunca notei que prejudicassem qualquer dessas empresas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Presidente, Sr. Comandante, muito obrigado pela sua
vinda.
Quero dizer-lhe que estivemos nos mesmos teatros de operações,
pelo menos nos últimos, na Guiné, embora não me tenha cruzado consigo,
na medida em que cheguei no último consulado do nosso General Spínola
e, depois, prossegui com o do nosso General Bettencourt Rodrigues. Mas
comecei a tomar conhecimento da sua carreira militar precisamente lá, uma
vez em que fui almoçar a bordo da Órion e estive a consultar o Diário de
Bordo. Quero dizer-lhe, e digo e assumo publicamente, que tenho o maior
respeito por si, pela operação que permitiu trazer 29 homens que tínhamos
deixado para trás, que tinham sido capturados. Isto foi uma coisa que tocou
profundamente a mim e a todos os que lá estavam.
Sr. Comandante, antes de ir para a Guiné, embora fosse um oficial do
serviço material, fui colocado em Braço de Prata, no controlo, na inspeção
de Braço de Prata e só posteriormente, embora fosse do serviço material, é
que acabo por ir parar ao batalhão de engenharia, o 447, onde chefiei as
oficinas de manutenção para as máquinas de terraplanagens, serralharias,
carpintarias, motores fixos, etc.… Depois teve um segundo comandante,
com quem me desentendi, que me deu também a seção de justiça, mas
enfim, pronto, coisas que acontecem.
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Ora bem, tenho uma alguma noção de certas coisas, e vou perguntar-
lhe, embora parcialmente saiba as respostas, sobre coisas que foram
afloradas aqui, nomeadamente, no que toca à guerra Irão-Iraque, em que o
Irão pretenderia minar o Golfo de Omã.
Que tipo de armamento é que nós, Portugal, tínhamos? Em relação a
minas, penso que minas flutuantes não tínhamos nada, quanto muito
tínhamos uns excedentes da Segunda Guerra Mundial, mas nós não as
fabricávamos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não.
Não fabricávamos minas, nem…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Nem enchíamos as minas, sequer.
Em relação às minas lapa, do tipo, por exemplo, que o Comandante
Rebordão colocou na operação «Mar Verde», julgo que o senhor as foi
comprar ao estrangeiro. Portanto, também acho que…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Fui
buscá-las pessoalmente à África do Sul.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Portanto, nós também não as fabricávamos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
fabricávamos, não.
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O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Minas Claymore, também não fabricávamos.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Fabricámos durante algum tempo na Guiné, mas artesanalmente e só na
Guiné.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Artesanalmente.
Em relação a armas automáticas, penso que a G3A3 e a HK21, que
fabricávamos sob licença, o próprio Irão também as fabricava sob licença.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Exatamente.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — No que diz respeito aos explosivos, no fundo, que poderá ser
o que mais interesse tem nisto, tanto quanto sei, limitávamo-nos, no caso da
Explosivos da Trafaria, a pegar no material que vinha da COMETNA e a
fazer lá a parte final. Já foi referido aqui que só partir de 1981 é que houve
condições técnicas, em termos de cadeia de montagem, para a munição
destinada ao obus 155.
O que quero perguntar, se é que pode responder, com que volume de
negócios é que nós, portugueses, em termos de indústria nacional,
trabalhávamos. Com que volume de negócios é que trabalhava, por
exemplo, a fábrica Explosivos da Trafaria? Isso era significativo para que
uma grande agência pudesse intervir no sentido de justificar, embora isto
seja injustificável do ponto de vista moral, em termos de geopolítica
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internacional, a eliminação de um Primeiro-Ministro de um governo
estrangeiro? O volume de negócio era assim tão grande como isso?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Tudo
depende do que se entende por grande. Nós, que, em 1979/80, faturávamos
200 a 300 000 contos/ano, a partir do ano seguinte, passámos a faturar,
como eu disse, até 7 milhões de contos.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Até…?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Até 7
milhões de contos. Aliás, a própria INDEP, a própria SPEL, tudo faturava
nessa ordem de grandeza naquela altura. Agora, se isso era interesse
suficiente para fazer um atentado desse género… Cada um é que sabe, eu
não faço ideia! Por mim, é absolutamente…!
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Era só para ver do que estávamos a falar em termos
monetários. A ideia era esta.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, dá-me
licença só para fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: — A título excecional, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Peço desculpa, é mesmo
excecional.
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Quando o Sr. Comandante diz 7 milhões de contos, refere-se só à
Explosivos da Trafaria ou a todas as operações de material militar para o
estrangeiro?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não!
Repare, isto é quase como se forma o IVA atualmente.
Os metálicos eram vendidos à Explosivos da Trafaria, que os tinha
de comprar, e, por conseguinte, também não tínhamos produção suficiente
de TNT para tudo quanto necessitávamos. As espoletas de munições, essas
coisas todas, era tudo comprado para trás. Depois, no fim, como tínhamos
pago tudo o resto para trás, tínhamos de receber tudo, e nós é que fazíamos
a venda final.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Pergunto se 7 milhões de
contos…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, é mesmo para terminar.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Peço desculpa, Sr.
Presidente, mas é para a Comissão perceber se 7 milhões de contos era o
valor anual…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, concedo o tempo que for
necessário no espaço de cada um. E acho que é pertinente a questão, mas,
entretanto, temos a possibilidade de colocar outras questões nas voltas
seguintes.
Portanto, a título excecional, é a última questão que coloca.
Faça favor.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.
Presidente.
A pergunta é: 7 milhões de contos/ano era o valor só da Explosivos
da Trafaria ou do conjunto das operações de venda de material militar ao
estrangeiro?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não.
Isso era só a faturação da Explosivos da Trafaria, mas, como lhe digo,
provavelmente, em trabalho da Explosivos da Trafaria seria talvez aí uns
20%. O resto ficava tudo pelo caminho.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Dr. Luís Filipe Rocha,
representante dos familiares das vítimas.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Obrigado, Sr. Presidente.
Boa tarde, Sr. Comandante, começo por colocar uma questão que se
prende com a indústria e o comércio de material de guerra em Portugal
sofreram um forte incremento e desenvolvimento com a guerra em África.
Paralelamente às empresas públicas havia empresas privadas que se
dedicavam ao comércio de armas. As relações — e comecemos por falar
antes do 25 de Abril — entre as empresas privadas e as empresas públicas,
nomeadamente entre 1972 e 1974, onde o Sr. Comandante esteve,
processavam-se exatamente como?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sabe,
tenho a impressão de que aqui, em Portugal, o que havia eram algumas
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empresas privadas que também se dedicavam ao negócio do armamento, e
eram clientes como quaisquer outros! Estavam autorizados, apresentavam
as suas licenças e eram clientes como quaisquer outros. Mas, como digo, o
que é que nós, Portugal, perdíamos de importante?! Era a G3, sob licença, a
MG42 nunca conseguimos produzi-la cá, comprávamo-la no exterior, e a
maior parte… De munições de artilharia feitas na INDEP eram o 10,5 e
pouco mais! Havia ainda umas minas antipessoal, que, também, era só
carregar e não fazíamos mais nada do que isso.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ainda sobre este tema, há mais uma
questão.
Antes do 25 de Abril, essas empresas eram fundamentalmente
constituídas por políticos, militares e, eventualmente, empresários. Depois
do 25 de Abril, aparecem, naturalmente ligados ao comércio de armas,
novos membros nessas empresas, novos agentes nessas empresas e novas
empresas que englobam novos políticos e novos militares.
Gostaria de obter a sua análise ou a sua opinião sobre a alteração,
digamos, desta nomenclatura.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Tenho
a impressão de que a alteração não foi assim tão grande. Apareceu, claro,
mais gente, até porque os anteriores iam morrendo, iam ficando velhos e as
empresas vão passando. Mas, diria que, basicamente, era a mesma coisa!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Basicamente, manteve-se.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Então, faço-lhe uma pergunta mais
direta: não há, a seguir ao 25 de Abril, novos militares que passam a
dedicar-se ao comércio de armas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Só ao
comércio de armas?! Não faço ideia!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Fundamentalmente ao comércio de
armas.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
sei! Isso, não posso dizer! Admito que haja, mas, assim de repente, não me
lembro!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Uma curiosidade: o Sr. Comandante
disse, há pouco, que a seguir ao 25 de Abril e até sair de Portugal, na
sequência do 11 de Março de 1975, deixou de ter relações ou deixou de
comunicar com o Estado-Maior-General das Forças Armadas.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim!
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mas manteve ou, melhor, a
Explosivos da Trafaria manteve a atividade no ano de 1974/75 ou…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Mantiveram a atividade com grandes dificuldades. Por razões óbvias, nessa
altura, praticamente, só faziam explosivos civis, que tinham uma grande
utilização, aliás, sem explosivos não há progresso, para estradas, pedreiras,
construção civil… Era o que se fazia. E, para isso, havia fábricas a mais,
havia a Explosivos da Trafaria, a SPEL e ainda havia a Africana da
Pólvora.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A sua biografia não aponta, e para
mim foi uma surpresa ouvi-lo há pouco, a data em que regressou à
Explosivos da Trafaria. Julguei que aí tivesse regressado pouco tempo
depois de ter regressado a Portugal, ou seja, ainda em 1978.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
não!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Então, entre 1978 e 1980…?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Entre
1978 e 1980, acho que, nessa altura, estava de licença ilimitada e dedicava-
me, por exemplo, a dar assessoria a uma empresa de mergulho. Eu tinha de
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ganhar a vida, porque não recebia nada das Forças Armadas! Foi o que fiz,
nessa altura.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Agora, quero, no fundo, pedir-lhe só
um pequeno comentário sobre o seguinte: a imprensa portuguesa, entre
1981 e 1983, produz uma série de artigos sobre comércio, aliás, sobre
tráfico de armas, e, de facto, aponta três embargos internacionais que
Portugal terá furado, dois deles são anteriores à sua estadia na Explosivos
da Trafaria. Um dos embargos de armas que Portugal terá furado, entre os
anos de 1978 e 1980, tem a ver com a África do Sul.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Mas
isso para comprar armas! Isso era para comprar armas, porque nós não
podíamos comprar armas praticamente em sítio nenhum, o que, enfim,
criou muitos problemas. E foi essa uma das razões que nos levou a ir
comprar armas, para a operação que foi mencionada da libertação dos
prisioneiros, inclusivamente, atrás da cortina-de-ferro! Comprámos e
trouxemos! Isso era furar ao contrário, não era vender para lá, era eles
venderem para cá!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Estou a referir-me aos anos de 1978 a
1980, em que terá havido um embargo de armas para a África do Sul, por
razões do apartheid, e terá havido, digamos, violação desse embargo por
parte de Portugal.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
faço ideia!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Depois há um outro embargo nos anos
de 1977/78 em relação a armas para a Nicarágua, que, nomeadamente, tem
a ver com uma empresa, que deve ter conhecido, que era a Avitextil.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Como?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Avitextil, de João Dias Martins!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Ah,
sim, sim! Não me lembro quem eram os sócios…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Era o João Dias Martins e um
comerciante libanês, Sarkis Soghanalian.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Isso,
não me recordo!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Houve uma complicação, houve
fraudes, etc., mas essa empresa terá furado o embargo. E, finalmente, fala-
se na questão do Irão e do Iraque.
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Sobre a questão do Irão e do Iraque pergunto: o Sr. Comandante,
embora em finais de dezembro de 1979 ainda não estivesse na Explosivos
da Trafaria, teve conhecimento de uma delegação portuguesa chefiada pelo
Almirante Souto Cruz que foi a Bagdad, na qual também foi o Ministro do
Comércio do Governo de então — que era de Maria de Lurdes Pintasilgo
—, Acácio Manuel Pereira Magro, que mais tarde vem a ser presidente da
Fundição de Oeiras, e de essa delegação trazer uma primeira encomenda de
armas para o Iraque no valor de 200 milhões de US dólares. Isto diz-lhe
alguma coisa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Eu
lembro-me de que, de facto, foi lá, ao Iraque, uma comissão exatamente à
procura de contratos. Lembro-me, e tenho a impressão de que foi, de facto,
o Almirante Souto Cruz, já não posso garantir se foi, mas lembro-me de
que houve a ida de uma missão comercial, ao fim e ao cabo!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Vou terminar, depois, na 2.ª ronda,
colocarei mais duas perguntas, com mais uma pergunta.
Há uma empresa que o Sr. Comandante deve conhecer bem, porque é
formada por uma pessoa com quem o Sr. Comandante tinha relações, que é
o Marcelino de Brito, que é a Defex, criada em 1978. Esta empresa,
segundo a imprensa portuguesa de 1986/87, altura em que o Sr.
Comandante ainda estaria na Explosivos da Trafaria, é apontada como uma
empresa portuguesa que teve uma intervenção ativa no Irangate. Tem
algum conhecimento disto?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — A
empresa, de facto, existia, lembro-me bem dela. Acho que os sócios eram o
Marcelino de Brito e o…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O José Garnel e o Roque Lino!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — …
José Garnel…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — E o José Maria Roque Lino.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Sim,
lembro-me dessa empresa. Agora, se estiveram no Irangate, ou não, não
faço ideia!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado, Sr. Comandante. Por
agora é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, para dar início à 2.ª ronda tem
a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apenas duas perguntas, Sr.
Comandante.
Em primeiro lugar, logo no início da nossa primeira intervenção, o Sr.
Comandante mencionou os membros do conselho de administração que o
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acompanharam na Explosivos da Trafaria. Pergunto-lhe, quem eram as
secretárias que, na altura, davam apoio ao conselho de administração? Vou,
provavelmente ajudá-lo: o Engenheiro Rolo falou de uma Maria Luísa…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … e quis falar-nos de uma
outra secretária mas não se recordou do nome. O Sr. Comandante recorda-
se?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Da
Maria Luísa lembro-me bem! Agora, secretárias… havia uma Maria Alice,
mas estava ligada à parte das vendas dos explosivos civis, das outras já não
me lembro quem elas eram!
Da Maria Luísa lembro-me bem, já tem uns 80 anos, mas ainda está
bem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se do apelido da Maria
Alice?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
não me recordo. Era uma pessoa nova, na altura, e, se calhar, ainda é, não
faço ideia que idade terá. Havia uma Maria Corte-Real…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Que
dava apoio…?
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Essa
era a que trabalhava mais diretamente com o General Resende.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se está viva?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
não tenho notícia da morte dela.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Comandante, há pouco,
disse que foi poucas vezes à Direção-Geral de Armamento, precisamente,
dar algum esclarecimento. Pergunto: das poucas vezes que foi, como foram
poucas, provavelmente, recorda-se bem, com quem é que foi falar? A quem
tinha de prestar esclarecimentos?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Olhe,
isso foi há tanto tempo e os contactos eram… Normalmente, era ao Diretor-
Geral de Armamento!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao Diretor-Geral de
Armamento?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
ao Director-Geral de Armamento ou, quanto muito, a um coronel qualquer
que estivesse para lá e a quem ele delegasse a pergunta. Às vezes, eram
perguntas de carácter essencialmente técnico e tal. Creio que nunca
passaram daí.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se do nome do diretor
da altura?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não!
Como digo, só me recordo da Autoridade Nacional de Segurança, porque
eram as duas entidades com quem nos víamos. Com a Autoridade Nacional
de Segurança tinha mais contactos porque eles faziam inspeções de
segurança nos escritórios e nas fábricas. De vez em quando, sei lá, três ou
quatro vezes por ano, apareciam por lá inspeções aleatórias.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, o nome de
Cecília Quintanilha diz-lhe alguma coisa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
não me diz nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não lhe diz nada. Não era
colaboradora da empresa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Que
eu saiba não foi. Que eu saiba! Pode ter sido antes ou depois, mas enquanto
lá estive não houve nenhuma Quintanilha! Era um nome que facilmente
recordaria, porque era o nome de um Ministro da Marinha que conheci
muito bem!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Obrigado, Sr. Comandante.
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O Sr. Presidente: — Dou agora a palavra à Sr. Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Comandante, peço desculpa
por insistir mais uma vez nesta questão, mas diz que acha que o Diretor-
Geral da Direção-Geral de Armamento era um coronel qualquer. Penso que
o Sr. Comandante, até pela sua história pessoal, deveria conhecer bastante
bem quem eram as patentes portuguesas importantes nessa altura. «Um
coronel qualquer»…! Não havia assim tantos coronéis, Sr. Comandante!
Tem a certeza de que não se lembra que eventual coronel poderia ter sido
Diretor-Geral do Armamento nessa altura?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Que
eu saiba não foi nenhum coronel que foi Diretor-Geral de Armamento,
seria, possivelmente, um dos colaboradores do oficial-general, que era
Diretor-Geral de Armamento.
Como digo, e repito, da Autoridade Nacional de Segurança lembro-
me bem quem era naquela altura, depois foram muitos mais, mas, naquela
altura, era o Almirante Melo Cristino. Este era o da Autoridade Nacional de
Segurança.
Quanto à Autoridade Nacional de Armamento, naquela época, é,
enfim, uma coisa que posso indagar e alguém há de dizer-me!
O eu dizer «um coronel qualquer», não é por desrespeito aos
coronéis, porque tenho muito respeito por eles, é uma forma coloquial de
expressão, sem intenções depreciativas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Comandante, vou fazer-lhe,
muito concretamente, uma pergunta: acha que para poder prosseguir com
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as vendas de armas, alguém teria interesse em assassinar o Primeiro-
Ministro da altura?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Só
posso dar a minha opinião pessoal, acho que não, que não haveria ninguém
com interesse para isso. Aliás, já dei a minha opinião sobre o que se
passou. Para mim, foi um erro tremendo da segurança, de quem estaria
encarregado da segurança do avião, que, ao fim de tanta tentativa para
levantar, admite que aquele avião levante voo com as pessoas que eram,
ainda por cima!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Em relação ao Ministro da Defesa,
tem a mesma opinião?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
sim! Tenho absolutamente a mesma opinião.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A empresa Explosivos da Trafaria
nunca teve dificuldade, ao nível do poder Executivo, do Governo, para
vender as armas? Nunca houve…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não, a
não ser as dificuldades normais das quais falei aqui. Havia, de facto, um
grande número de controlos e, às vezes, pouca compreensão, que era o que
nos custava mais, pela necessidade que a gente tinha de pagar ordenados.
Se não nos deixavam fazer negócio, então, o melhor era fechar as fábricas!
Não valia a pena! Mas, depois, enfim, lá se ia… Com maior ou menor
dificuldade, com algumas respostas negativas, lá se ia avançando.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Já foi interrogado sobre isto, mas,
para finalizar, pergunto se nunca teve nenhum contacto com o Fundo de
Defesa Militar do Ultramar no sentido de exportar para tal ou tal país, ou de
não exportar para tal ou tal país, ou em termos de encomendas do próprio
Fundo de Defesa do Ultramar. Nunca teve…?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Acho
que o Fundo de Defesa Militar do Ultramar não fazia encomendas a
ninguém. O Fundo de Defesa Militar do Ultramar era, digamos, um banco
onde havia dinheiro para quando faltava para determinadas despesas não
orçamentadas no ultramar. Aliás, era participado pelas chamadas, na altura,
províncias ultramarinas, não era só dinheiro daqui, da chamada metrópole,
e, até onde me apercebi, esse dinheiro era, exatamente, para poder suprir as
despesas não orçamentadas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, não tenho mais
questões.
O Sr. Presidente: — Passo, então, a palavra ao Sr. Deputado José
Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Comandante, alguma
vez ouviu falar, recorda-se de uma October Surprise?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Quem?
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — October Surprise,
«Surpresa de Outubro» em inglês.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Nunca
ouvi!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Já agora, para confirmar
o seu desconhecimento, há uma especulação que gerou uma investigação
no Senado dos Estados Unidos e que teria a ver com uma combinação
secreta entre parte da política americana com o Irão, em finais de 1980, em
outubro, para que se retardasse a libertação dos reféns americanos no Irão,
com o intuito de favorecer eleitoralmente o Presidente Reagan, uma vez
que as eleições eram em novembro. Na altura, o Presidente era Carter, um
democrata, e, de facto, foi eleito o Presidente Reagan. Isto é uma
especulação.
No entanto, a contrapartida desse favorecimento ou desse adiamento
da libertação dos reféns, que, de facto, aconteceu em janeiro de 1981, no
dia da posse do Presidente Reagan, seria facilidades no fornecimento de
material militar ao exército de Khomeini para resistir a Saddam, na guerra
Irão-Iraque. É este, digamos, o enredo da October Suprise. Nunca ouviu
falar nisto?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Nunca
ouvi falar.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Com a autorização do Sr.
Presidente, vou mostrar os únicos registos que temos de correspondência,
envolvendo o Ministério da Defesa, a Direção Nacional de Armamento, no
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Estado-Maior-General, assim como a menção a documentos anexos do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, que têm a ver com operações de
material militar para o Irão, para ver se o Sr. Comandante se recorda do que
isto pode ser. Temos a menção a este expediente, mas não sabemos o que é,
não conhecemos o seu conteúdo e, portanto, só podemos especular sobre o
que aqui estaria.
O Sr. Presidente: — Faça o favor, Sr. Deputado.
Neste momento, o Deputado do CDS-PP José Ribeiro e Castro
mostrou ao depoente uma cópia dos registos de correspondência.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Por ordem, Sr.
Comandante, o primeiro é este, de 2 de dezembro, que tem a ver com o
Irão; depois, este, que tem o n.º 687, de 9 de dezembro, portanto, já depois
da tragédia de Camarate; e, por último, este de janeiro.
Pausa.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Aqui
está bem descrito que tem origem numa fotocópia do Ofício n.º 319, da
Secretaria-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Era o caminho:
ia ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, voltava para o da Defesa, e o
da Defesa depois dizia «sim» ou «não». Mas isto, «(…) material de guerra
para o Irão. Remete fotocópia (…)»…
Pausa.
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Nesta altura, a 2 de dezembro,… Não me lembro!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — E este aqui, de 9 de
dezembro?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Este
aqui, de 9 de dezembro…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Este é ainda mais
lacónico.
Pausa.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Até
admito que um destes seja a questão do transbordo dos canhões sem recuo,
que é nessa altura, mais ou menos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não teria sido antes?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não
tenho bem a certeza, mas tenho a impressão de que foi por essa altura. Não
faço ideia, mas talvez tivesse sido antes. Até admito que uma delas seja.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Se foi a que vem no
jornal Portugal Hoje, foi antes.
Esta já é janeiro, e, portanto, já teria sido depois do levantamento do
embargo.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É de
janeiro de 1981, não faço ideia… Naquela altura, ou COMETNA ou SPEL.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Comandante, é uma
especulação, mas é uma especulação que, às vezes, aparece como uma
hipótese explicativa.
O Sr. Comandante, enfim, recorda-se, certamente, é uma pessoa com
muita experiência, informação e observador atento da política
internacional, que o Golfo, nessa altura, em finais de 1980, era uma zona
muito sensível, ainda havia Guerra Fria e tinha rebentado a guerra Irão-
Iraque. E, de facto, as relações do ocidente e, em particular, dos Estados
Unidos com o Irão eram matéria proibida, eram matéria tabu, quer pela
Revolução de Khomeini, quer pela detenção dos reféns. E essa
normalização das relações ainda hoje não aconteceu, quanto mais nessa
altura!
O escândalo Irangate foi um grande escândalo na política norte-
americana, que o Sr. Comandante terá seguido e que recordará, e que, às
tantas, evoluiu, aliás, para o Iran-Contragate. Simplificando, traduziu-se no
que é o Irangate, em que o comércio de material militar do ocidente, em
particular dos Estados Unidos ou de aliados, para o Irão, que no tempo do
xá era por cima da mesa e, depois, do xá passou para debaixo da mesa. O
escândalo é este: como é que os Estados Unidos mantinham fornecimento
de material militar com Israel e outros ao Irão quando essas relações eram
proibidas?! Portanto, isso era uma matéria de grande sensibilidade política
do plano internacional.
Recuando a esse raciocínio, a questão é saber se o facto de um
Ministro da Defesa ter, inadvertidamente, começado a fazer perguntas
sobre essa matéria no início desse comércio, portanto, em finais de 1980,
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poderia gerar, em alguns operadores internacionais, um incómodo que
justificasse uma operação para o eliminar.
O raciocínio é este: se, em 1984, quando estoirou o escândalo foi
(passe o plebeísmo) o sarilho que foi, como recordamos e que animou a
política americana durante três anos, pelo menos, o que seria se isso viesse
a ser conhecido ou revelado em finais de 1980, num período duplamente
quente, primeiro, porque o conflito estava ao vivo, e qualquer perturbação
dessa cadeia de fornecimento poderia ser bastante negativa para o
desenvolvimento político-militar dessa questão, e, segundo, pelas
repercussões políticas internacionais que isso teria.
Pergunto se este raciocínio faz sentido para si ou se é uma
especulação que não faz sentido e que, do que foi o seu conhecimento,
lidando apenas com canhões sem recuo, não tem adesão à realidade.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Bom,
no campo especulativo, tudo é possível, mas também devo dizer que,
enfim, do conhecimento e da experiência que tenho, acontecem coisas
bizarras desse género.
Lembro-me, por exemplo, que o Primeiro-Ministro Churchill deixou
bombardear Coventry sem retirar de lá ninguém, apesar de ter
conhecimento de que iria ser bombardeada, para não dar a saber que os
aliados já tinham o segredo da máquina Enigma nas mãos, e, como este,
poderia dar-lhe montões de exemplos.
Clausewitz é que dizia que «A guerra é a continuação da política por
outros meios», mas eu acho que a política também é a continuação da
guerra por outros meios. Por conseguinte, no aspeto especulativo tudo é
válido! Agora, se me perguntam se é verosímil ou não…!
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Acho que uma das coisas mais importantes da resolução do conflito
dos reféns americanos foi a questão monetária, porque todos os bens do
governo iraniano foram congelados nos Estados Unidos, e foi numa época
em que os iranianos tinham 80 000 estudantes nos Estados Unidos, que lá
continuaram, com Khomeini e sem Khomeini!
Há muitas coisas que, enfim…! É por isso que dizem que o homem é
o único animal político.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Comandante Alpoim Calvão,
desejo obter um comentário seu sobre um cruzamento de nomes e de
empresas. Falámos, há pouco, na Defex, com os sócios Marcelino de Brito,
Garnel e o outro sócio. Há uma outra empresa de armas, a Cazedo, do
Tenente-Coronel ou Coronel Canto e Castro e do Comandante José Batista
Azevedo. Diz-lhe alguma coisa esta empresa Cazedo?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não.
Cazedo, não.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Por sua vez, o Marcelino de Brito foi
sócio do Coronel Canto e Castro e do Tó Zé Avelar na Grupesca…
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim.
Isso é verdade.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — É verdade, muito bem. E havia ainda
uma outra empresa do Canto e Castro e do Tó Zé Avelar, que era a
Montagrex.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Da
Montagrex também ouvi falar.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Portanto, digamos que este conjunto
de nomes e de empresas tinham a ver com as tais empresas privadas que
também praticavam o comércio de armas.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Acho
que essa empresa de que falou, a Grupesca, era mais para a construção de
arrastões e tal…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A Grupesca era, mas eu estava a
referir-me mais à Cazedo e à Montagrex.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — A
Cazedo, não lhe sei dizer. Agora, a Montagrex, sim,…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — … era
daquele grupo de empresas…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ambas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — … que
não eram do anterior,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exatamente!
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — …
apesar de o Marcelino de Brito vir do anterior, porque ele foi meu
empregado na Explosivos da Trafaria. Era um homem muito
desembaraçado!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exatamente! Por isso é que eu, há
pouco, na minha primeira ronda, perguntei da diferente entre as empresas
de antes e as empresas novas, com os novos atores!
Voltamos a 1980. Há uma decisão do Governo português, que foi a
certa altura apresentada na Comissão, de 18 de abril de 1980, cumprindo
uma solicitação do governo americano — e Portugal foi o primeiro País a
satisfazer este pedido do governo americano —, de não autorizar mais
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fornecimentos de armas para o Irão. O Sr. Comandante lembra-se desta
decisão?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Em
que ano?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Em abril de 1980.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Em
abril de 1980 eu ainda não estava na Explosivos da Trafaria!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mas quando entra, essa decisão estaria
em vigor. Não se lembra?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Nem
nunca ouvi falar! E tenho quase a certeza de que nunca foi publicado em
Diário da República, porque, se tivesse sido, também sei que, como
cidadão, tinha obrigação de a conhecer. Mas não tenho a mínima ideia de
que tenha acontecido assim!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Depois, há também notícia, nesta
Comissão, de que terá havido uma recusa, por parte do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa, de uma exportação solicitada de armas, ou de
armamento, para o Irão, também por altura de novembro, e que essa
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exportação teria sido efetuada no dia 5 de dezembro, ou seja, exatamente a
seguir à tragédia de Camarate.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Pela
parte da Explosivos da Trafaria não foi com certeza! Quanto às outras
empresas, enfim, talvez os administradores da SPEL, da COMETNA e da
Fundição de Oeiras, que também fornecia metal, se estiverem vivos, não
sei se estão ou não, é que podem responder.
Agora, do que tenho a certeza é que não foi a Explosivos da Trafaria
que carregou as munições. Disso tenho a certeza absoluta!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Quando, na biografia, se refere a
nunca ter violado a lei, mas a ter feito as pequenas torções, tem a ver com
aquela questão da Malásia?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — É
verdade, com a Malásia.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exclusivamente?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: —
Exclusivamente!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A única torção de que se lembra…
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Foi a
única. Também houve uma exportação… não foi uma exportação, houve
um transporte de granadas — e que, aliás, vem referido — de espingarda
que eram para ser vendidas à Somália (que também queriam uma
demonstração) e que foram transportadas por mim e por uma outra pessoa
numa mala de mão e passou todas as seguranças até lá chegar! Aliás, não
eram muito apertadas, como é óbvio!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Para fechar a minha intervenção,
agradecendo-lhe antecipadamente, o Sr. Comandante já referiu por duas ou
três vezes a sua opinião e a sua ideia sobre o que se passou em Camarate
como um erro da segurança em relação ao avião. Pessoalmente, eu, e penso
que tanto esta Comissão como as anteriores, estou completamente
preparado para dizer que, em relação ao avião, não houve problema
nenhum, que a falha inicial do motor, de não ter pegado por si e de ter
pegado com gerador, é absolutamente normal. Portanto, por esse lado,
depois de todas as investigações técnicas que foram feitas não foram
detetados quaisquer problemas técnicos naquele avião.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Muito
bem!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Por esse lado, posso garantir-lhe que
pode ter havido falhas da segurança, aqui estou de acordo consigo, mas não
concretamente em relação ao avião não ter pegado de imediato e ter
solicitado o gerador para pegar o motor esquerdo.
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Provavelmente por deformação profissional, como realizador de
cinema, gostaria de ouvir um comentário sobre duas grandes teses, que já
transpareceram nas várias questões que aqui foram colocadas, sobre o
hipotético móbil e autoria de um atentado que as comissões parlamentares
de inquérito já deram como mais do que, documental e materialmente
provado.
Há uma tese, aliás, como também já aqui foi hoje aflorada, que tem a
ver com o Governo da altura, em particular o Ministro da Defesa e, por
consequência, o Primeiro-Ministro, ter nas mãos informações
suficientemente quentes — eu diria mesmo ardentes! — sobre o eventual
tráfico de armas praticado por militares portugueses, o que, digamos, seria
ilegal. Esta é uma tese que aponta para uma autoria que tem a ver,
especificamente, com tráfico de armas, envolvendo, especificamente,
militares portugueses, provavelmente dos tais saídos do 25 de Abril.
Depois, há uma outra tese que tem a ver com o envolvimento de
serviços secretos estrangeiros, nomeadamente americanos, tendo em
atenção que o Ministro da Defesa e o Primeiro-Ministro teriam, eles
também, informações sobre ações de serviços secretos americanos, de
militares americanos com militares portugueses, também no tráfico de
armas, nessa altura.
O que pergunto muito diretamente, sabendo que já nos deu por três
vezes a sua opinião, eventualmente, sobre um acidente e não sobre um
atentado é: com o seu vastíssimo conhecimento, não apenas em questões
militares mas também em questões de informação de serviços secretos e de
comércio de armas, acha perfeitamente plausível que, ou pelo
envolvimento direto de personalidades militares portuguesas em tráfico de
armas ilegal ou pelo envolvimento de serviços e de militares
especificamente americanos em operações que tiveram lugar em Portugal,
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estas sejam razões mais do que suficientes para se assassinar o Primeiro-
ministro e o Ministro da Defesa?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
eu acho que não são! Na minha opinião, não são.
Já agora, atenção que quando se deram as independências houve
muito material militar português que ficou por África e eu não sei o que se
passou depois disso! Aliás, no porto de Bissau ainda há lá uns esqueletos
de umas lanchas de desembarque que ficaram para lá. Ficou muito material
militar em África, o que se passou depois, não sei. Não sei, não faço ideia
do que se terá passado.
De qualquer maneira, essas conspirações de serviços secretos, acho
que é tudo muito de romances de capa e espada, de cloak-and-dagger. E
pronto, o resto… Não vejo o porquê! Poderia interessar a quem?! Não sei!
Devo dizer que preocupei-me muito com o incidente, porque era apoiante
do General Soares Carneiro e, enfim, dos partidos que eram representados
por aqueles senhores que estavam lá dentro. Aliás, foi uma coisa que
preocupou imenso o País e, na altura em que foi, com aquela precipitação
toda, deixou marcas que ainda hoje existem! Deixou marcas que ainda hoje
existem!
Também tenho uma dúvida cruel, que é: como seria possível,
tecnicamente, fazer explodir uma bomba a tão pouca distância do chão? Já
não me lembro se, na época, havia telemóveis ou coisa que o valha…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não havia!
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Então,
não faço ideia! Quero dizer, pensando muitas vezes, e eu tenho pensado
muitas vezes nisso, pergunto-me como poderá ter sido! Só através de um
comando de rádio ou de um comando elétrico, mas isso…! Não sei! É tudo
especulação! Tudo especulação!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra ao Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para finalizar, Sr. Comandante,
relativamente a essa questão, foi mais do que provado que foram
encontrados explosivos no avião. Isto ficou mais do que provado, do ponto
de vista documental e material.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Sim,
senhor!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Comandante, sobre duas
pessoas, gostava que nos dissesse se ainda se encontram vivas, são elas o
Engenheiro Diogo Fonseca, que foi administrador,….
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Foi,
foi.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … e o Doutor Amadeu Fonseca
Anaia, que tratava da contabilidade.
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O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Era,
era! Esse ainda é vivo, é oficial da Marinha!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o Engenheiro Diogo?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Esse
também está vivo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Comandante tem o
contacto deles?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Não,
mas acho que vem na lista telefónica.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem.
Sr. Comandante, não tenho mais perguntas a fazer. Quero agradecer-
lhe o facto de ter vindo, os esclarecimentos que prestou e dizer-lhe que
qualquer esclarecimento adicional que queira trazer a esta Comissão,
através do serviço da Comissão, será muito bem-vindo.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais questões da parte dos
restantes membros da Comissão, tendo em conta que na altura eu era
miúdo, tinha 19 anos, percebia pouco de política ou estava a iniciar-me,
peço ao Sr. Comandante que nos faça, aqui, uma pequena resenha de que
País era o nosso em 1980.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Em
1980?
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O Sr. Presidente: — Com a sua grande experiência, como uma
pessoa que analisa bem o País e tudo, e também sei que, se calhar, havia
empresas de armamento boas e más, que havia gente boa e má, mas não é
sobre isto que vou perguntar, gostaria que o Sr. Comandante fizesse um
retrato,…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Do
aspeto geral.
O Sr. Presidente: — … em 2 minutos, do País que tínhamos em
1980.
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Era
uma bagunceira geral.
A transição de um regime ditatorial para um regime democrático tem
sempre as dores de parto, que são imensas. Primeiro, a organização mudou
completamente. Houve aquela organização, enfim, que, admito, tenha sido
necessária por motivos revolucionários, de criar um governo meio militar
com o Conselho da Revolução e, enfim, um governo civil, e nunca se sabia
quais eram os limites de autoridade de um e de outro. Isto criou muita
confusão no sistema e até uma pessoa se ver livre desta confusão, foi, como
eu digo, uma certa bagunça geral.
Como é que é possível que estes documentos, que estão, com certeza,
arquivados no Ministério da Defesa Nacional e no Ministério dos Negócios
Estrangeiros, não apareçam?! Se fosse numa empresa civil, que já tivesse
sido extinta, ou nesse aspeto da parte militar, enfim, isso até os ratos
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podiam ter comido as coisas! Esses documentos têm de existir em qualquer
sítio! Agora, se dão ou não dão, isso já não sei!
Por isso é que digo que, apesar de tudo, há assim uma certa lassitude,
um certo laxismo, porque não acredito que não existam.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, posso colocar uma
pergunta na sequência…
O Sr. Presidente: — Se o Sr. Comandante o permitir, pois já
estamos numa fase…
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Faça
favor!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A minha intervenção é na sequência
da pergunta do Sr. Presidente.
Sr. Comandante, perfilha a ideia de que em 1980 havia um claro
afrontamento entre o Governo da Aliança Democrática, o Conselho da
Revolução e os militares eanistas?
O Sr. Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão: — Havia
algum, isso havia, como é óbvio, até por razões ideológicas! Mas também
havia militares no Conselho da Revolução que eram favoráveis à Aliança
Democrática. Mais uma razão para eu pensar que alguma tinha de
transparecer em algum sítio, está a perceber! Era impossível!
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Amanhã, enfim, não vem a propósito, mas o meu curso militar vai
fazer 60 anos de entrada na vida militar. O meu curso era o Melo Antunes,
o Ramalho Eanes, o Pinho e uma data de pessoas que participaram, uns
bem no cerne, da vida revolucionária e tal, e entre nós, estou convencido,
alguma coisa havia de surgir, e nunca ouvi! Francamente! Aliás, amanhã
vou perguntar ao António Ramalho Eanes: «Olha lá, conta-me lá como é
essa coisa do Fundo do ultramar, porque eu nunca vi nada!».
O Sr. Presidente: — Vamos colocar algumas questões por escrito ao
Sr. General Ramalho Eanes.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, dá-me
licença?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Peço desculpa, mas, de
facto, as palavras são como as cerejas!
O Sr. Comandante referiu agora que havia militares do Conselho da
Revolução de um lado e militares do Conselho da Revolução do outro, e o
que eu quero perguntar especificamente é relativamente a um militar do
Conselho da Revolução, que era, creio que Major, José Bernardo Canto e
Castro. Por vezes, quer ele quer a sua mulher da altura, Juanita de
Valderano, são mencionados neste processo. Há testemunhos que dizem
que estariam envolvidos no transporte, para Portugal, de um elemento para
ser integrado num engenho explosivo, um detonador, um mecanismo
eletrónico, uma coisa qualquer. Este tipo de depoimento e de testemunha,
para si, merecem credibilidade? E há mesmo quem associe o MI6, creio
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que até pela relação familiar da Sr.ª Juanita de Valderano. Isso, para si, tem
credibilidade, ou não? Infelizmente, isso é uma…
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — O que
acaba de dizer é verdade, ouvi falar nessas coisas todas, mas não sei
porquê, porque, em Portugal, há muitos anos que há o aeromodelismo. Um
avião desses de brincar é comandado por sinais de rádio e quem queria isso
comprava, não eram precisas licenças especiais. Então, se isso se podia
adquirir cá, por que é que eles iam correr esses riscos todos para mandar vir
isso?! Isso podia adquirir-se cá! As pessoas que gostam de brincar com
esses aviões conhecem, é uma coisa conhecidíssima e é muito fácil fazer
um dispositivo de comando para fazer rebentar seja o que for.
Agora, quanto ao Canto e Castro, custa-me a acreditar que ele se
metesse numa coisa dessas, até porque… Conheço-o desde que ele era
muito novo, porque ele ficou órfão em Timor e veio para cá, até, com o
antigo Governador de Timor, o… Como é que se chamava?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ferreira de Carvalho!
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — O
Ferreira de Carvalho. Veio com o Governador Ferreira de Carvalho para cá,
era afilhado de uma das filhas dele, foi criado, durante muito tempo, junto
ao Ferreira de Carvalho e só depois é que foi para os Açores, para a
madrasta, para a viúva do pai. Eu acho que ele era uma pessoa bem
formada.
A Juanita é filha do Coronel Wearing. O Coronel Wearing, de facto,
teve ligações com o MI6. Conheci, aliás, o Coronel Wearing, assim de
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passagem, mas também não creio… Por isso a minha pergunta é sempre:
porquê?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Queria só…
O Sr. Presidente: — Disse que era só para colocar uma questão…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não é para formular questão
nenhuma, Sr. Presidente, é apenas para dar uma informação.
Conheço pessoalmente o José Bernardo Canto e Castro, que é filho
do Engenheiro Canto Resende, o grande herói da resistência portuguesa…
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Em
Timor!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — … à ocupação japonesa, e posso dizer-
lhe que o Canto e Castro, com quem falei sobre Camarate, naturalmente
recusa ter alguma coisa a ver, mas, como piloto experimentado, considerou,
em 1998, quando falei com ele, que Camarate era, indubitavelmente, um
atentado.
O Sr. Comandante Guilherme Almor deAlpoim Calvão: — Não
estou a dizer que não foi. Admito que tenha sido, mas o porquê é que me
faz uma confusão muito grande, a não ser por razões políticas internas. Mas
isto já é ir para outros sítios.
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O Sr. Presidente: — Sr. Comandante, resta-me agradecer a forma
frontal com que nos deu os esclarecimentos, que foram importantes para
nós, e a disponibilidade que teve para estar aqui connosco durante quase 3
horas.
Reitero a sugestão do Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos: a Comissão
estará sempre aberta a receber tudo aquilo que nos puder ajudar, pois
queremos descobrir as motivações para o que aconteceu.
Por último, quero ainda agradecer o livro que nos deixa e que ficará
nos arquivos da Comissão.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos tratar do segundo ponto da nossa ordem de
trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — (Por não ter falado ao
microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)
… do embargo de venda de material para o Irão, porque ainda não
tivemos, tanto quanto sei, confirmação por escrito da data e circunstância
em que foi decretado e se foi ou não levantado em janeiro de 1981, como
existem relatos e impressões. Mas não temos, tanto quanto sei, esses
documentos: deliberação e registo do decretamento do embargo e do seu
levantamento.
Segundo, sobre a correspondência mencionada no livro de registo de
correspondência do Gabinete do EMGFA (Estado-Maior-General das
Forças Armadas), os três registos que há pouco mostrei ao Sr. Comandante
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Alpoim Calvão, não é compreensível que não exista nenhum papel, nem no
Ministério da Defesa, nem no Estado-Maior-General, nem no Ministério
dos Negócios Estrangeiros, porque também é referido anexo do Ministério
dos Negócios Estrangeiros.
Terceiro, também não é compreensível que não exista, nem na
Presidência do Conselho de Ministros, no sucessor dos serviços que
funcionavam no Palácio Foz, na altura Direcção-Geral da Informação ou da
Comunicação Social, nem no Ministério dos Negócios Estrangeiros, nem
no Ministério da Defesa, nenhum registo da nota oficiosa ou comunicado
que foi emitido pelo Governo em reação à notícia do Portugal Hoje, bem
como materiais que estejam associados a isso. Sabemos que muitas vezes
estes comunicados ou notas oficiosas têm associado um processo
administrativo ligeiro e que nos interessaria saber.
Portanto, é sobre estas três coisas que, creio, é preciso renovar junto
do Governo a importância que têm para nós podermos tomar posse destes
documentos.
A segunda questão é um reforço da deliberação já tomada, que peço
a instâncias mais qualificadas do Sr. Presidente, e a outra é uma matéria
nova, que eu ditava já, para ser votada na primeira oportunidade.
Creio que o relatório que hoje recebemos e que nos foi enviado do
Instituto Nacional de Medicina Legal de Coimbra também justifica que
convoquemos a cá vir quer o respetivo Presidente, Professor Dr. Duarte
Nuno Vieira, quer a Professora que assina o relatório, uma vez que ele
aponta de facto para um possível assassinato de José Moreira e sua
companheira, o que também pode ter a maior importância para os nossos
trabalhos. Como se recordam, José Moreira morreu na véspera de vir depor
a uma comissão de inquérito, a primeira, e José Moreira é irmão de Nuno
Moreira, ambos proprietários de um avião que foi retirado do serviço de
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campanha de Soares Carneiro, tendo sido colocado no seu lugar o avião
sinistrado. E houve sempre alguma especulação de que isso teria sido um
desvio administrativo de uma aeronave para ser colocada outra que fosse
mais facilmente sabotada. É uma especulação, mas, enfim, há quem saiba,
e eu sou dos que sei, que ele vinha falar sobre isso. Ele vinha falar sobre
isso e, de facto, já não pôde falar, porque morreu e pode ter sido
assassinado.
Portanto, é da maior importância que aquilo que se deduz desse
relatório possa ser confirmado, para que possamos proceder nessa
sequência conforme se mostre mais adequado.
O Sr. Presidente: — Para não nos perdermos, os serviços registaram
todos os pedidos, todas as referências e a análise que o Sr. Deputado fez.
Mas, se calhar, peço um bocadinho de paciência ao Sr. Deputado para,
durante a manhã, já que à tarde não pode, fazer chegar à Comissão por
escrito todas estas situações, para não haver lapsos, e penso que o fará em 5
minutos, e nós atuaremos em conformidade.
Como não há mais assuntos a tratar, declaro encerrada a reunião.
Eram20 horas e 37 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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M. N. E. SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO E IMPRENSA Publicação-·-·········----:~~--~...:.·~· __ _ De-··--····-·--- ~-4~----------Da la ---············· ·····-·-···--·--···J'J..tl.\.\.~D .. _______________ ~---·--
As respostas dadas pelo Governo às questOes que for-mulamos, numa tentativa de esclare-cer informações ~ue nos chegaram sobre eventuais forna:: imentos de arma-mentos e munições ao Irão, nao satisfazem minimamen-te, conforme se constata da leitura da nota oficiosa e do texto que ontem publicámos-e de que hoje reproouzimos as perguntas.
As nossas qucstôe1 eram estas: I . Israel era antes da queda do
xd do /rao um dos l(randesjomt-etdores de armamento a esse pafs. Afguns negociantes envoJvi-dos r.o negócio urao tentado manter o posir4o no mercado de-pois da víMrio de K homtiny co-locando Portugal de permeio.
Houve ou n4o conlactru, atra-vés de geMe inglesa. com o Go-verno? por:t.:E:J~s, de:;fgnad.;;;t;;t .. te no smtido de obttr partict-paçlies nas nossas empresas de mott!rial de guerra, designada-mtnte dor Explosivos da Traja-ria? ~ ]. É verdade ou boato que I sobre a matêria existem diverros f portares, (Venruolmente um do
\'ministro Pinto Balumao?
3. A quem foram forneâdas (especificamen/e) armru portu-guesas ou outros adquirrdas por enridades portuguesas depois dt Janeiro de 1980?
-1. Qu~ pasiç4o asS!Imiria o Governo .oortuguês fa~ a um ewntua/ encerramento do estrei-to dt! Ormuz pela coloCDç(Jo de minar iraniancrr!
5. Q'.Je há de verdade com a pGSSJi 6. Que aviOe:; estranhos ~ Força Aért(l aterraram iJO.úlrimo TMs na brue do Montijo e que aterragens rstc'Jo previstas para o mês em curso? Nota oficiosa ! dos Ministérios dos Negócios Estrangeiro~ e da Defe~ Nacional O teJtCO integral da nota oficio-sa ~ o !.e gu in'te: ~Re\athlmeilte a vâria.~ ques-~O:s c: ~:oc::d~ ~: :diç~o Cc: ~oj: do Portu~u/ Hoje acerca d~ uma hipotetica venda de armamento portugut1 ao lrao, informa- !.~! o seguinte: .ta] - O Go,·eroo nAo autori-zou, nem vai au torilar, qualqucr vcnchi de arrn:~mento ou mu-~ rJç o.: s a ~ r'~" · I ub) -· O Governo nào ~utori.w u , n~m vai ainori1.ar, o !riln~i~o em ~rrnf")rh~ ~<.'rtH t,:.1 ~ {.":'t f.!~ aviões militares de qualquer pro-ced~ncia transportando arma-rnento ou mun~Ocs com desóno ao lr3.o. «C) - Nenhuma entidade es-trangeira tomou, ou iri!. tomar, participações m scciedade pcr-tugucsa de explosivos. «Nestes termos, careçem total· mente de fundamento os re_cios avançados pdo Portugal Hoje. Hl".p:-cYeita-se paro ~lare~cr que, a haveT qualquer innexao n.1 atitude p ortuguesa rc!aliv:?.· meme ao conílito entre o fraque e o Irão, no don1Jnio do m<>terial de defesa, ela nunca poderia ser f~v orável a este último pals, ten-co em conta a posiç~o portugue-!>3 perante o lr3.o decorrente do apr isionamento de rd~ns amc:ri· canos.» Que questões se levantam agora? Nós não pe'iuntámos se o Go-verno autorizou ou nao autori-zou nndas de munições ao lrio. Nio perua mos que o Govuno st-J a estú pldo a e~ e po uto de Dfi<>-ciar com Tea-io. O o QUf se 1"12 !, ~m diferen-te, de saber se f o.-. m armas por-luiuesas plltll o lnlo, mesmo qae por inteJ1)ost3 pe5'>01. ~lnguém vende ar mas Hm saber pllr11 onde e~s 'i o ... PrrguntamO& por ls.!O (t p que temoo em no~a mão clcmto-los que nos permitiriam chtgar ao C:M!Inol ... qu~m fr>!"am lor-un?;,)l.., lHi UX> .,<>riu~ue,...s vu adquirida.' p:>r entidadtS portu- i:U~liS dtpols de · Janeico de 1980». Tamb I ,. ;~ terceiro Estado. E~ preci O Go,-eruo diz na sua nota que nAo tutorizoo "nii'Jes militar"!~ de qualquer p;ocwenda tra:t.>-portando armas ou muniçõ.s com de.tlno ao lrihm. l~w ouu<:"r este H em csusa. :\te porq,a e se l(UndO a.' nossas ioformacücs l.! , munições seriam tu.nsporl.adall num n1âo (em tvlôesl civil. nrnttulmente da ,'.rrlc:an Air Charten e no plano de voo não constarÍllm como destino •~rl> _dromosdohAo. Tam!*m oio perguntAmos se alguma entidade ~tran&ciro to-rnou ou irá IUI'll2r par!Jci!J2ÇÕU fUl Sod~dllde Portuzue.u de Ex-plooivos, Os in tutsses estrungd-rns poderu mul!o bem ser acault-lados por entidade:\ nSKiona~. O qut pn:tenulamo~ - Isso sim e mio foi ~spoudldo - tr.l saber ~ lr.ltrc for.~m chje<:lo d~ c <:> nver~:~çt"!S retaciou•di.!l ct'm 1 inrlúsnr. portugu~sa de 1limamrniV5 c mu-niçõ~. E mab: ~sobre u ~."-'UO· to nistem ou não dher;o..~ pa.re- Ci~.i ,(e . e-ni.ualmttik ü .n dõ iill ... nl:;tro Pinto Bal~mào •• tendo em conta. deslgnadamen!e, o io(~ rrsse de nplour o merc~do ia-nlano. Como~ consuts. do confron-to entre as dol 1 1\'ào ht lurnu !>e m foxo. Ál"t'l>- < lullm· '><' a~ no,.s~t~ úüvidll.\ ... } i- . camos ~ rsf'('ru de no >~& r~]IO\h\ II SÉRIE-B — NÚMERO 56______________________________________________________________________________________________________________ 854
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. • 7:'« - ~ 1.
M~~~ .. ·- ··.1 -.pa·r~ o Ir~ão-?
Andam por ai ?"lin'adortt dlplom~.~-~~,.d_e _ort:lb. o~ ar~ nne t.>tb1m-a1&uma rolu sobre ot.dttl;inoa jirtel1101 e c·oacrttot cbs ar-mar que Por1Upl , .. nde ao eotraaaelr-o. Cotutá ·que Llsb011 tem ftf· :to1o11iec:lmmro's ele muolçOtt ao lrlo. tom o qul'se dlise qu Por· ,tu&al dnb• cof1"ado rdaçiles .comerdala tOIII'ir&rideacardu.
A liatórla t~m-afauiiJ. mesf:l doi 'POli te, nut.;,j9tllal, 11'-r& uma ltotadnde fn~pçlo Jor,.list.~ ~u pn50ai bpuve que flca--raJU brancu -çoo>-ar de quern-lbo!s tocsva em ponto (raro- e pe-diram pelas ~IJlinhu que nlo-toduemos no--..su11,10 que, afhi~. a -ba.cr alauma .tá5 eril «ç.,.sa pequeram, umas mualç!>nea~S' qúe nos delaavm "uinás dlvlaazltu po~ra o pio· nosso'~ ·de· cada- dla.
Quem nlo qAtdalulli1J' jlllae alo -vaiH pena hulstlr, lob pera de ae MSIIm!r ~ papel de torh1rador. Mu qnâlldo Isso acolll«e quem pcrfP1nla ~o ncaullslelto e afina mais o wYido .•• Foi o que ilfu filemos. ,
Eàl n; de pablku a ~rond011 manchete <
.t~ ·alo r.su)tou e ..UW. 41e d&dos. oasa ~~r lllpN poa-_ loÕi;
ddiobless~róblíse. E quando a qnttlio.e muJto·qutnle ... obl'lga mais.
A fool_e me~ nos oudta eoariall;• pela sua qualifus~o e por -_ ex,perlbld~ alllil•· Mu io;ataA ~ -peCJIIeii-~-P~I)lellorà men!>t d~ ' - -~~~ lanç,mos Wll apc,lo pllbtleo, h eatlda de• ~ií'~ilíi•vels~~iijli~tlc:uJI•rea_.qu_e~eiP de-~• qpentos, oo t.-llt\liUicti-d-r'WiifllfÍI::ct'•elll diflalllvo estu-quest~ que 1101 \'lo ator· áUeit~Q"1)'~r~<>.t~ut ljudarlo situa: ('cofn.o resto qat !&moa J~rqu\~t'dól.~'f!~.comple,. du reall4i\U'~b,oatot que por ti' vi~J!!!-O:, ·r~· - -- · · .. l..J~.uritis'lla quedá do xá11olrlo-um dot lr&ndea-fo-~~e-• ~<1_or~ de ~~~p.~t.o , .cose pllla._ Alpna Dtt®!antea envoh1dos . no utJbelo-1ef:(~ _unfaao IIWTior a potiçlo DO mel'Cado depois da 'vlt6rla4e· Khlili'lêiny clÓIGcando Por~,al de Jl.(l~lo. _ l'ioan·011· ~~Dbctos, alram .de _.t)lte fnelesa, com o Gover· no -ponuaub;'-'4-iiltan.damente·no tentldo ·de (!b\er partlclp~ea. -'illll llouaJ tillp-rna(. de material de Jlln:ra, da(&,.dammle dos ~plost«O&-.látl'nra~: l. -~ ~\Oil~Q.&IO que-sobre alllJ.téria ~tem dlvera01 parc- .cerea, "'ell~ll:lfJ\lt Um do mllllstro Plllto BabHr}~? , · l. ;., qn .. ,t'it.Jm .J.C)ni~~ (eopec:iOcalllê.a.tc)~lllaa ,p.C»"Ill&Uc- . 'su _&if-'ol&trG:a4qtilrlêlas por aatldadet·poJ1ua .. ~ depola de Janei-rode 198()1 · - " 4 ó<'Que~~le' S. Que h6 deverdatle com a_-pusagem em POC'fllj&l dz avi~ da companhia ctAfric:an A Ir Clu.rrers» 1 6. Qúéi.iõu tSm.Glioa • F~i Atréa aterraram ll'o 4:111mo mb oa base do Montljo ê que aterraaR~~u&tlo pr~tis para o mêi i'.ii Cljr!O? •• ·-/ A I'UPOIÚI a UIU •ptqp!.OiaJ,podtrt,-ltjUdar•ClOI a ~·epaJW,O tdiO: do joio no ·c'ól!\pl.tJul }1119uim> que ~moer· em ml.ol e que nlo .,'11-~*m~ c'Oàlt'ls~'i.li~t~Tmado--r.do. Nt>s, fra~_n\t, ~o.)l~:t~-~.,ué PQr1!11!111-e~J•·a-J~[IC «r-nilll.as aO'JJW'páN1nl'nir o e.trefto"l)9~clo em ri~O"jtll!lde DMl~ das f«nedmtpt~ de ,petrl)Jeo-ao Od,ci,WI,:cf,J?l~l~~~ -~- . jam oc llotJOa_lnlormadoeea-- Qlle nO. pcirdoa:u'-- fazémoo nm a,rantleesfo~o para du•ldiU"deles. · · Mu ttm~ as ~u ilhldu e como fa~r per-auntas dcaw aOS' OJ1llllsmoa ofidllis nlo ft~ 1 p!fla, porqu~ •· mposll t scmprt • mesme, aqui '•adxamocr1111'• 1 DE JULHO DE 2015______________________________________________________________________________________________________________ 855
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, . ..
M INIST~RIO DOS NEGÓCIOS ESTF;ANGEIROS
OIJIIIICÇJ.O ~ Ctl'tA\.. coa
Nf:OOCIOS I'Ot..ITICO t
NOTA OFICIOSA DOS MINIST~RIOS DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS E DA DEFESA NACIONAL
"Relativament8 a várias questões colocadas na
edição de hoJe do Portugal Hoje acerca de uma hipotética venda de armamento português ao Irão, informa-se ~ segui~ te:
a) O Governo não autorizou, nem vai autorizar, qual quer venda de armamento ou muniç~es ao Irão.
b) O Governo nfto autorizou, nem vai autorizar, o trâQ sito em aeroportos portugueses de avi~es militares
de qualquer procedência transportando armamento ou
munições com destino ao Irão.
c ) Nenhuma entidade estrangeira tomou, ou irá tomar, participações na sociedade portuguesa de explosi-
voe.
Neetea termos, oareoem totalmente àe fundamento
oe receios avançados pelo Portugal Hoje.
Aproveita-se para esclarecer que, a· haver qual-
quer inflexão na atitude portuguesa relativamente ao con-
I . ..
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••
• 2 .
MINIST!:RIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS
OUII.eÇJ.O·OUII.A.t.. co o
flito entre o Iraque e o Irão, no domínio do material de
defeaat ela nunca poderia ser favorável a este último país,
tendo em conta a posiç!o portuguesa perante o Irão decorrea te do aprisionamento de reféns americanos."
Lisboa, ll de Novembro de 1980
L--LO ~ U).. vu ~VUGO- Ü-'1)-~-'"h_z..o.
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PROCURADORIA-GERAL DA
D
AUTÓPSIAS DO ENGENHEIRO JOSÉ MOREIRA E COMPANHEIRA
30. - Relativamente à actuação do IML nas autópsias do Engenheiro José Moreira e companheira é ela consubstanciada em que a explicação para as suas mortes -inalação de gás, produto de má queima de um esquentador - resulta inconsistente (Questão nº 19), ter o Dr.Fernando Fonseca declarado que a morte poderia ter sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse uma máscara para anestesia (Questão nº 20), a quantidade de monóxido de carbono encontrada em José Moreira revelar-se muito superior à de uma morte acidental (Questão nº 21), os exames histológicos não haverem sido criticamente considerados com as autópsias e daí o não cabal esclarecimento (Questão nº 22).
No dia 5.1.83, no apartamento sito na Célula 5, Bloco 3, Prédio C, 8º A, em Carnaxide, apareceram já cadáveres o Eng. José Manuel Silva Moreira e Elizabete da Piedade Silva, sendo encontrados nus, um sobre a outra, à porta da casa de banho.
A ligação destas mortes com o "caso de Camarate" adveio, na altura, de órgãos de comunicação social referirem a eventual correlação, e isto porque José Moreira era irmão do proprietário do avião que vinha sendo utilizado na campanha eleitoral do General Soares Carneiro e estava inicialmente previsto para o transporte do Dr. Sá Carneiro e acompanhantes e que, por ficar apreendido pela Guarda Fiscal, fora substituído por aquele que se veio a despenhar, porque o mesmo engenheiro tinha ligações laborais com o piloto Jorge Albuquerque, e porque a data da morte antecedeu o depoimento que estaria aprazado, para daí a algum tempo, na CEIAC que então procedia a seus trabalhos.
Foi realizado um Inquérito Preliminar, nele se visando o esclarecimento das mortes, processo este que na Comarca de Oeiras teve o número 93/83, e enquanto na Polícia Judiciária, por onde correram as investigações, teve o número 494/83, distribuído à Secção de Homicídios da Directoria de Lisboa.
Havendo-se procedido às autópsias no dia 6.1.83, no IML de Lisboa, sendo perito médico o Dr. Fernando Victor Marques Fonseca, como causas das mortes, nos relatórios, foram dadas a asfixía pelo óxido de carbono. Em 22.7.83, a Magistrada da Ministério Público a quem estava distribuído o Inquérito Preliminar, proferiu despacho final, determinando o arquivamento dos autos, e porque neles não havia indícios de crime ou suicídio ou ajuda a ele. Notificados que foram os familiares das vítimas, nada requereram, conformando-se com o despacho.
Esse processo foi solicitado pela CEIAC, aí tendo estado para consulta, e agora, por fotocópia, é o APENSO D.
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E a explicação para a morte de José Moreira e companheira • inalação de produto de má queima de um esquentador resulta inconsistente?
(Questão n219)
Logo pelo enunciado da questão se verifica que esta ultrapassa, pelo menos em parte, o que poderia imputar-se ao IML, seu perito tanatologista e peritos de exames complementares.
Nas autópsias, visando-se essencialmente determinar as causas das mortes, foram estas encontradas na asfixia pelo óxido de carbono, sendo que a origem do óxido letal ultrapassa já a questão médico-legal, sendo do âmbito da investigação. E ao dizermos que a origem do óxido haveria de competir sabê-la à investigação, não estamos sequer a deixar a ideia de que não haja sido encontrada, ou que não o sendo, fosse possível, mas tão só a limitar campos de apreço.
A questão foi posta ao Dr. Fernando Fonseca, o médico que executou as autópsias (fls 491 vº). E resulta claro, do depoimento prestado e dos elementos constantes dos relatórios das autópsias que, efectivamente, as mortes foram consequência da asfixia por intoxicação pelo óxido de carbono. Os livores carrninados, a sua localização, as percentagens de carboxihemoglobina detectadas na análise ao sangue (85% de saturação nele e 75% nela) são elementos esclarecedores da correcção das conclusões médico-legais levadas aos relatórios das autópsias.
Por outro lado, os relatórios autópticos evidenciam a correcção com que a perícia foi levada a cabo, havendo-se feito exames complementares de alcoolémia, tóxicos nas vísceras e seus conteúdos, carboxihemoglobina e histotanatológicos em ambos os cadáveres e ainda de exsudado vaginal e de comparação de mordedura numa mama dela, com os dentes dele. E os resultados dos exames complementares ou foram considerados nos relatórios das autópsias, ou no caso dos exames toxicológicos foram considerados pelo perito em aditamento (fls 113 e 117 do AP. D) ou no caso do exame da mordedura e histotanatológicos foram juntos aos autos sem que conste, expressamente, que foram considerados pelo perito médico (fls 128, 131 a 133 do AP. D).
A apontada inconsistência da explicação para as mortes, a ser possível fazê-la, não repousará tanto em deficiência dos exames médico-legais, mas antes, aceitando-se as conclusões destes, não se terá obtido a explicação necessária para como vieram a morrer, considerando todo o processo que levou a tanto.
Assim, e no que respeita à actuação do IML e essencialmente do seu então perito médico Dr. Fernando Fonseca, fica apurado que agiu correctamente, não se lhe apontando nem se apurando acção ou omissão integrante de deficiência.
Sendo os relatórios das autópsias também assinados pelo perito médico Dr. Eduardo Pereira Marques, este não executou nem assistiu às autópias, de
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acordo com a prática seguida no IML, que tem cobertura legal, como Ja dissemos no presente relatório, e que não se haja curado de inquirir esse
questão em no '"'H"~" depoimento do Dr. Fernando Fonseca.
Sinceramente, não se vê como do depoimento do Dr. Fernando Fonseca se possa extrair tal conclusão, isto para nem sequer referir que haveria a testemunha de depor sobre o que conhecia.
O depoimento do Dr.Fernando Fonseca consta do APENSO B-7, de fls 1648 a 1796, e no que a esta questão se reporta, nunca ele o afirmou.
É certo que o chamado "caso de Carnaxide" foi objecto de perguntas e respostas, não resistindo aqui a fazer transcrições de umas e outras, por evidenciarem o que afmnámos, e que foi o não se vêr como se possa extrair a conclusão do depoimento.
Assim a fls 1733 do AP. B-7:
"A SRA CECÍliA CATAR/NO (PSD): -Em complemento disto gostaria de lhe perguntar se, no caso das pessoas que se suicidaram abrindo a válvula da botija de gás é possfvel determinar nesses cadáveres o tempo que levaram a inspirar o gás fatal. O SR. DR. FERNANDO FONSECA: -Não. Não, porque até sucede que muitas vezes, o gás das botijas não é monóxido de carbono, é butano e o butano não é monóxido de carbono ... Por exemplo, estou-me a lembrar de um caso de que com certeza os membros da Comissão se lembram e que foi o de uma autópsia que fiz, ou melhor de duas, pois foi um casal, que se deu - se não estou em erro - em Carnaxide e que se pretendeu relacionar com este ... "
- Mais adiante, quando da instância de Augusto Cid sem que até aí o "caso de Carnaxide" haja tido desenvolvimento, é interessante verificar os termos da instância, designadamente a fls 1798 do AP. B-7 que se passa a transcrever:
"O SR. AUGUSTO CID:- ... No entanto, o Sr.Doutor adiantou um dado que me parece extremamente importante e que me é particularmente caro, uma vez que diz respeito a uma pessoa que trabalhou comigo durante dois anos, pelo menos, nesta investigação e que foi o Engenheiro José Moreira.
De facto, para alguma surpresa minha, o Sr. Doutor disse que tinha feito a autópsia do Engenheiro José Moreira. É o caso de Carnaxide que o Sr. Dr. referiu.
O SR.DR. FERNANDO FONSECA:- Ah! É o caso de Carnaxide.
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O SR. AUGUSTO CID: -Creio que isso tem a ver também um pouco, se é não muito mais a ver que aquilo que pensamos, com o trabalho
desta Comissão, na medida em que o Engenheiro José Moreira era um elemento que morreu nas vésperas de vir testemunhar a esta Comissão de Inquérito.;."
Seguem-se nas perguntas e respostas a detecção de uma percentagem mortal de monóxido de carbono, a recolha de sangue e não recolha de tecidos, o não serem notados ferimentos nas vítimas com excepção de um no mamilo dela, para já a fls 1802 se deparar com o que passamos a transcrever:
"O SR. DR. FERNANDO FONSECA: - Sim, falei em gás butano. Em relação a este tipo de gás, por exemplo, os tratadistas, os livros de medicina legal dizem que também este gás como o propano não são tóxicos, mas são gases incompativeis com a vida pois não têm absolutamente nada a ver com a oxigenação do sangue que é indispensável ...
O SR. AUGUSTO CID:- O Sr. Doutor sabe que na composição do gás butano não entra o monóxido de carbono?
O SR. DR. FERNANDO FONSECA:- Pois é o que lhe estou a dizer.
O SR. AUGUSTO CID:- Sr.Doutor, isto é apenas para lhe dizer que no apartamento onde foram encontrados os corpos das vitimas que o Sr. Doutor autopsiou havia uma botija de gás butano, pois não estava a ser utilizado o gás da companhia.
O SR. DR. FERNANDO FONSECA: -Isso não sei. Não sei se havia ou não gás butano. Ele morreu por causa de monóxido de carbono.
O SR. AUGUSTO CID: - Sr. Doutor, estou-lhe a dar essa informação só para lhe dizer que afinal o Sr. Doutor, ao detectar isso, detectou uma coisa extremamente importante. Ou seja, ele morre de uma causa para a qual não havia explicação, uma vez que o gás que estava a ser utilizado no sitio onde morreu, no apartamento, era o de botija, era butano e, portanto, o monóxido de carbono não entrava na composição desse gás."
Continuando-se depois em considerações sobre se existia ou não monóxido de carbono no apartamento, sobre a não recolha de tecidos dos pulmões, sobre a existência de monóxido de carbono, deparamos, a fls 1806 com o seguinte:
"O SRAUGUSTO CID:- Com certeza, Sr.Doutor. O que é importante- e fica registado - é que o Sr .Doutor constatou a existência de um gás, o monóxido de carbono, que não existia no apartamento, é importante que isso fique registado."
Para além da questão técnica que é a de saber se o gás butano e/ou o propano contêm ou não monóxido de carbono, como ainda de a explicação
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ser outra, baseada na queima, e ser também questão técnica, ambas a """'.f.,. .... ,...., ser objecto de perícia, evidencie-se a inedaquação da instância, que
a faz a tirar uma conclusão, registada e sem stxmdlen1c1a no que acabara de ser dito.
Mas este não é o único exemplo,pois, passando o Sr.Augusto Cid a fazer perguntas e a obter respostas sobre o caso de Camarate, mais adiante e agora a fls 1830 do AP. B-7 volta ao caso de Camaxide e deparamos com o que se passa a transcrever.
"O SRDR.FERNANDO FONSECA:- Não sei se o que eu disse chegou, mas se for preciso mais qualquer coisa terei ...
O SRAUGUSTO CID:- Chegou com certeza, embora me ficassem muitas dúvidas no caso de Carnaxide. Aí sim, ficaram-me bastantes dúvidas.
O SR.DR.FERNANDO FONSECA:- No caso de?
O SRAUGUSTO CID:- De Carnaxide.
O SRDR.FERNANDO FONSECA: Em Carnaxide, garanto-lhe que foi óxido de carbono.
O SRAUGUSTO CID:- Sr.Doutor, nunca puz isso em dúvida. É justamente por ter absoluta certeza de que o Sr.Doutor detectou ...
O SRDR.FERNANDO FONSECA:- De onde é que veio o monóxido de carbono?
O SRAUGUSTO CID:- Essa é a minha pergunta. De onde é que ele veio?
O SRDR.FERNANDO FONSECA:- Só há uma maneira. Sabe que já pensei - mas isso é um conto do Sherlock Holmes - um indivíduo que mete uma garrafa de monóxido de carbono comprimido por debaixo da porta e a abre depois. As vítimas estavam no chão, ou antes ou nessa altura, e os.livores cadavéricos, como já disse, mostram a posição delas. Uma estava em decúbito dorsal, a outra em decúbito ventral, o contacto dos corpos mostra justamente a falta de /ivores e define precisamente a posição delas. É extraordinário, morreram assim. Era interessante se pudesse ver o relatório, mas deve estar no Tribunal. É dos casos mais interessantes que vi pois vê-se perfeitamente a posição do acto sexual -falemos direito - em que elas estavam. Vê-se perfeitamente a parte onde há livores e a parte onde não os há em consequência da compressão de um corpo com o outro. Há um sitio onde há livores cadavéricos e outro onde o sangue não pôde extravasar dos vasos, justamente, pela compressão, havendo portanto uma zona branca. Uma vez os livores fixados, podia-se mudar à vontade a posição dos corpos porque eles já
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eram alterados. Está perfeitamente definido e tive o cuidado -em todos os relatórios que redijo sou um pouco
a um
- de descrever como estavam ou não estavam os livores. essa hipótese, ou seja, é metido um tubo debaixo da porta a atirar o óxido de carbono lá para dentro, as vítimas tontas, inconscientes, e assim morrem. Mas isso acho já uma coisa ...
O SRAUGUSTO CID:- Sr.Doutor, sobre isso não quero avançar mais nada. Aliás, temos cá o processo da morte dessas duas pessoas em Carnaxide.
O SRDR.FERNANDO FONSECA:- Então se têm, pode ver ...
O SRAUGUSTO CID:- Com certeza. Haverá uma consulta agora ao processo."
Acabada, assim, a instância do Sr.Augusto Cid, passou a fazê-la de imediato o Dr.Xavier de Brito, que após se apresentar como representante dos familiares das vítimas e dizer que as afirmações eram muito interessantes, algumas já sugeridas ou vindas ao conhecimento, de fls 1834 do AP. B-7 se transcreve:
"O SRDRXAVIER DE BRITO:- ... Por exemplo, no caso de exzstzr monóxido de carbono sobre pressão, perguntava-lhe se o Sr.Doutor, por acaso, não se recorda de ter havido algum vestfgio de violência nos corpos de Carnaxide ou da ...
O SR.DR. FERNANDO FONSECA:- Não, não havia nenhum sinal de violência. Podia ter sido uma violência que não foi violência, propriamente. Será a única. O caso foi examinado, há fotografias no processo e exames dos dentes feitos pelo ProfSantinho da Cunha que é justamente o especialista de odontologia forense que trabalha no Instituto de Medicina Legal. Isso está no processo.
O SR.DRXAVIER DE BRITO:- É claro que não é esse o problema. O problema põe-se porque o apartamento é bastante grande, não sendo um espaço tão confinado como isso, e gostaria de Lhe perguntar quanto tempo é que se teria de estar a bombar monóxido de carbono por debaixo da porta da rua para se fazer isso.
O SR.DR.FERNANDO FONSECA:- Uma quantidade.
O SR.DRXAVIER DE BRITO:- É claro que não vejo que isso seja muito realizável. Que se saiba, haver ali estrumeira não era nas proximidades. Que se saiba, também, o s{tio onde os corpos foram encontrados não era talvez o mais apropriado para a prática dos actos que se poderia estar a pensar. Por exemplo, se estivessem adormecidos por alguma forma, que tal aplicar monóxido de carbono sob pressão de uma forma hiperbárica em máscara?
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SR.DR.FERNANDO FONSECA:- Não nego isso. Foi o que eu há entrámos num conto Sherlock
O SR.DRXAVIER DE BRITO:- E não teria sido interessante se o Sherlock Holmes pudesse ter conseguido umas amostrazinhas de tecido pulmonar do microscópio? Porque se fosse sob pressão, talvez houvesse alguma rupturazinha de umas fibras elásticas!"
Na instância continua-se com perguntas e respostas sobre rupturas dos alvéolos pulmonares, hemorragias, que foi pena não terem sido retirados fragmentos para histologia (significativamente, haviam sido retirados, e se o processo estava disponível no momento da inquirição, como até parece que sim, era facilmente constatável; de todo modo, a testemunha afirmava que não tinham sido retirados).
E relativamente às perguntas feitas pelo Dr.Xavier de Brito, é interessante deixar aqui a nota de que, havendo ele prestado depoimento como testemunha na I CEIAC (apesar disso vem depois, sem ser alegado ou considerado qualquer impedimento, a integrar a CEIAC, como representante de familiares das vítimas) aí declara, agora a fls 724 do AP. B-3:
" ... Existiu uma violência que não é evidente, mas se se fizer um exame cuidadoso ao pulmão, podem verificar-se lesões pulmonares microscópicas consequência da administração hiperbárica sob pressão do que quer que seja, pois isso deixa vestígios. Claro que não estamos aqui para analisar que sucedeu no caso do Engenheiro Moreira, mas podemos dizer que aos sinistrados do avião de Camarate não havia possibilidade de lhes ser administrado monóxido de carbono sob pressão de forma a que em poucos segundos falecessem."
Fomos um pouco longe nas transcrições, mas elas servem para as restantes questões que vamos tratar, e de todo o modo permitem-nos afirmar que sobre o assunto em apreço é tudo o que consta do depoimento.
E da leitura do transcrito, é visível que a questão em apreço haverá de, quando muito, ver-se demonstrada pelas afirmações de quem, pertencendo à CEIAC, fazia a instância, não pelo testemunho.
Mas é sabido que não é o conhecimento dos factos, obtido pessoalmente pelo julgador (no caso os membros da CEIAC revestiam essa natureza), que releva para os dar como provados ou não, mas o que se extrai dos meios de prova. E no caso concreto, se retirássemos o depoimento do seu contexto, poderia ele servir para justificar o afirmado no relatório da IV CEIA C, só que o seu autor o situa por três vezes num conto de Sherlock Holmes.
Mas a questão em apreço foi posta, na inquirição a que procedemos, ao Dr.Femando Fonseca (fls 491 vº), e foi-lhe ainda perguntado se do que disse na CEIAC e do que sabia era legítimo fazer a afirmação constante da questão, tendo ele respondido "que essa conclusão não é correcta".
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se que a eventual explicação inconsistente para as mortes de José Moreira e companheira não pode buscar-se tão só em eventual deficiência das perícias médico-legais, mas antes haverá que considerar-se a eventual deficiência investigatória levada a cabo pela Polícia Judiciária, designadamente na parte em que importaria saber da origem do óxido de carbono.
Esta questão e na vertente correlacionada com a actividade investigatória da Polícia Judiciária foi objecto das averiguações no Inquérito a que procedeu o Exmo. Colega Dr. Ribeiro Afonso.
Também aqui se remete para a parte do relatório em que o colega faz o apreço crítico da prova, bastando-nos agora com a transcrição das conclusões levadas ao relatório sob os números 140 a 152, algumas delas englobando matéria do objecto do presente inquérito, mas em que se opta por toda a transcrição, por razões de evidenciar todo o contexto conclusivo sob a epígrafe "Ausência de explicação para a morte de José Moreira em vésperas de ir depor à Comissão de Camarate".
Concluiu o nosso colega Dr. Ribeiro Afonso:
140. Não é justificada a afirmação feita no relatório da CEIAC no sentido de que foi precipitada a actuação da P.J., designadamente da DCCB, por ter considerado, logo no dia seguinte à sua verificação em 5.1.83, que as mortes de José Moreira e sua companheira, ocorridas em Carnaxide, nada tinham a ver com o caso Camarate e que não existia nenhuma ligação de interesse entre os dois casos;
141. Na verdade, os elementos probatórios sumariamente recolhidos pelos agentes da DCCB Paulo Franco e Mário Coimbra Mendes, em diligência externa realizada em 6.1.83, apontavam para a asfixia por intoxicação por monóxido de carbono como causa das mortes e para a má queima do esquentador como reponsável pela libertação desse monóxido, não havendo quaisquer indícios exteriores nos corpos das vítimas e/ou no local que sugerissem a prática de homicídio doloso;
142. Ora, a tratar-se de morte por causa acidental, como tudo indicava, as eventuais conexões da vítima José Moreira com o caso Camarate seriam irrelevantes para desencadear a intervenção da DCCB (à qual competiria, como sucessora da SCIACV, a investigação do caso);
143. De qualquer modo, a circunstância de a DCCB se ter afastado da investigação, por alegada incompetência em razão da matéria, não implicou que a P .J. deixasse de investigar o caso, tendo conduzido de resto tal investigação até final através de uma das Secções de Homicídios (a 21);
144. Procurou-se assim - e bem - evitar alimentar a especulação jornalística que se suscitara e, por outro lado, fez-se intervir uma secção com maior especialização e apetrechamento técnico para casos desta
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natureza, que não deixaria de investigar, como é óbvio, até porque para tal já estava alertada, eventuais conexões com o "Caso Camarate";
145. Na investigação realizada pela referida Secção de Homicídios foram efectuadas as diligências de prova que se impunham, inclusive de natureza técnica, e o relatório final mostra-se bem fundado, designadamente quanto à causa das mortes e à proveniência de monóxido de carbono que as provocou, de modo que se justificava perfeitamente o arquivamento dos autos, conforme o proposto, sem necessidade de efectivação de outras diligências, o que realmente foi determinado pelo M2P2:
146. De facto, o processo não fornece quaisquer indícios de que a morte de José Moreira (ou a sua companheira) tenha "sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, exactamente como se fosse uma máscara para anestesia, tendo sido uma pressão maior que rompeu os alvéolos •.. ", como se diz no relatório da IV CEIA C, citando-se como prova o depoimento do Dr. Fernando Fonseca a fls. 38 da illCEIAC;
147. Aliás, o Dr. Fernando Fonseca não produziu a referida afirmação que lhe é atribuída, tendo-se limitado a admitir tal ideia por sugerida pelo Dr.Xavier de Brito, mas tão-só - assim o disse - como se encontrasse num "conto de Sherlock Holmes", o que serve para concluir que não a aceitou como de possível ou provável verificação no caso concreto, ao contrário do que deduz o relatório da IV CEIA C;
148. Confrontado com o citado trecho do relatório da IV CEIAC, o Dr. Fernando Fonseca, no depoimento prestado neste inquérito, disse, quanto à hipótese que lhe foi posta, "que se trata de mera fantasia" e que a conclusão a que chegou a CEIAC a respeito das suas palavras "não é correcta" nem pode extrair-se do que referiu perante ela;
149. Quanto ao alegado excesso do monóxido de carbono provou-se que dos exames de sangue (para determinar a percentagem do mesmo) não podem extraír-se outras conclusões médico-legais para além das que foram levadas aos relatórios das autópsias, não constituindo os resultados de tais exames um elemento cientifico por si só bastante para determinar se as mortes foram acidentais ou não, além de que médico-legalmente não é possível estabelecer a origem do monóxido;
150. Já quanto à não consideração crítica pelo médico-legista, aquando da realização das autópsias, dos resultados dos exames histológicos - referida pela CEIAC • ela é um facto, uma vez que os relatórios destes últimos exames são de 7.4.83, enquanto que os relatórios das autópsias já estavam prontos quase três meses antes, em 19.1.83;
151. Ficou, porém, apurado que, constando dos relatórios histológicos o diagnóstico de que as alterações neles descritas são
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compatíveis com intoxicação, o seu conhecimento não implicaria a necessidade de intoduzir qualquer modificação nas conclusões levadas aos
das autópsias;
152. Além disso, a ruptura dos septos pulmonares, descrita nos relatórios histotanatológicos, resultou com toda a probabilidade do conjunto de mecanismos asfíxicos que se verificaram na intoxicação pelo monóxido de carbono, não significando necessariamente • como parece admitir a CEIAC • que fosse consequência de intodução de ar sob pressão;"
32. - E o Dr.Fernando Fonseca declarou que a morte poderia ter sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse uma máscara para anestesia? (Questão n2 20). A questão foi posta ao Dr.Fernando Fonseca, na inquirição que lhe fizemos (fls 492).
E o que resulta apurado é que nem a testemunha referiu tal, nem elementos há, sequer, a indiciar que a morte tenha sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca. Crê-se bem, que, para uma tal hipótese, sempre haveriam de resultar vestígios da aplicação.
E os relatórios das autópsias, e na parte em que se referem às lesões verificadas, não fundamentam a conclusão, e o Dr.Fernando Fonseca referiu, no seu depoimento, perante nós prestado, "que se trata de mera fantasia".
32.1 - No relatório da IV CEIAC indica-se o depoimento do Dr.Fernando Fonseca como prova da afmnação.
E o que o Dr.Fernando Fonseca referiu na CEIAC, a respeito desta questão, já transcrevemos no ponto 31.1., do presente relatório.
E aí se refere a aplicação de monóxido de carbono sob pressão, mas tudo não passando de uma hipótese, como mil outras se poderiam pôr, nenhuma com fundamento em factos a indiciá-las.
E essa hipótese é referida dentro do contexto de um conto de Sherlock Holmes.
Perguntado, na inquirição a que procedemos, da bondade da conclusão, em fundar-se no que a testemunha houvera dito e sabia,a resposta clara de que a "conclusão não possa extrair-se do que o depoente referiu na CEIA C".
33. • E a quantidade de monóxido de carbono encontrada em José Moreira revela-se muito superior à de uma morte acidental? (Questão n2 21). A questão foi posta, na inquirição a que procedemos, à Dra Isabel Mendonça, uma vez que fora ela a proceder ao exame do sangue para determinar o monóxido de carbono (fls 405 vº) e ao Dr.Fernando Fonseca, o perito que procedeu às autópsias (fls 492).
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E o que resulta apurado é que dos resultados do exame do sangue, não podem outras conclusões aos
A quantidade de monóxido de carbono não é elemento científico que por si possa determinar se as mortes resultaram acidentais ou não.
Saber da origem do monóxido de carbono, pericialmente detectado, não é conclusão médico-legal.
33.1 - Das CEIAC's, e pela prova aí produzida, não vemos que se possa extrair a conclusão em apreço.
Aí terá valido, um pouco por arrastamento, o que sobre o monóxido de carbono foi referido, nas CEIAC's, quando este elemento foi apreciado, e relativamente às vítimas de Camarate, pelo que quanto a tal, se pode remeter para o que relatámos no ponto 18.e 18.1.
34. - E os exames histológicos não foram criticamente considerados com as autópsias e daí o não cabal esclarecimento? (Questão n11 22). Esta questão foi posta ao Dr.Fernando Fonseca que procedeu às autópsias (fls 492 vº), à Drª Isabel Pinto Ribeiro, que subscreveu os relatórios dos exames histológicos (fls 505 v2) e à Drª Maria Eduarda da Silva, que também subscreve os relatórios dos exames histológicos (fls 527 vº).
E o que resulta apurado é que as autópsias foram efectuadas em 6.1.83, sendo os respectivos relatórios de 19.1.83 (fls 87 a 107 do AP. D).
Logo nos relatórios das autópsias, e para as conclusões médico-legais, foram considerados os exames da carboxihemoglobina, da alcoolémia e do exsudado vaginal, exames datados respectivamente de 12.1.83, 10.1.83 e 7 .1.83 (fls 93 e 107, 94 e 105, e 106 do Ap. D).
Nos relatórios das autópsias consigna-se que foram pedidos exames complementares, toxicológico nas vísceras e conteúdos e histotanatológicos de orgãos de que se aguardavam os resultados (fls 91 e 101 do AP. D).
Os exames toxicológicos constam de relatórios de 3.2.83 (fls 114 a 116 e 118 a 120 do AP. D) e sobre eles o perito que procedera às autópsias elaborou um aditamento aos relatórios das autópsias, transcrevendo os resultados dos exames (fls 113 e 117 do AP.D).
Os relatórios dos exames histológicos estão datados de 7.4.83 (fls 131 a 133 do AP.D) e foram juntos ao Inquérito Preliminar, sem que o perito médico tanatologista haja expressamente feito qualquer comentário sobre eles. A junção ocorreu no dia em que foram recebidos no IML, ou seja em 11.4.83 (fls 130 do AP. D).
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Mas também o relatório de Medicina Dentária, datado 28.1 foi junto aos autos em 6.4.83 128 vº a 129), sem também o perito tanatologista haja
qualquer
O perito médico tanatologista não recorda se na altura teve conhecimento relatórios histológicos.
Certo é que os relatórios dos exames histológicos deverão ter passado pelo perito tanatologista, como era prática, e de tal modo que este teve oportunidade de os verificar.
Mas apurado está que, dadas as conclusões levadas aos relatórios - alterações compatíveis com o diagnóstico de intoxicação - não haveria alteração das conclusões levadas aos relatórios das autópsias.
Constando dos relatórios dos exames histológicos a ruptura dos septos pulmonares, esta "poderá resultar do conjunto de mecanismos asfixicos que se verificam na intoxicação pelo monóxido de carbono, e não significa necessariamente que hajam resultado de introdução de ar sob pressão" (fls 505 vº e 528 vº).
34.1 - Nas CEIAC's, sobre esta questão, foi ouvido o Dr. Fernando Fonseca, que disse o que já se transcreveu no ponto 31.1. deste relatório, como ainda as Dr.as Isabel Ribeiro e Maria Eduarda da Silva, estas na IV CEIAC, e cujos depoimentos constam de fls 11 a 62 do APENSO C.
Refira-se a propósito a instância feita na IV CEIAC por Augusto Cid nos termos que se transcrevem de fls 42 do AP. C:
"O SR. AUGUSTO CID: -.... com algum espanto o Dr. Fernando Fonseca disse que face a esse exame histológico, e mediante o que ele agora lia da ruptura dos septos alvéolares, punha sérias reservas quanto ao que se teria passado com essas duas pessoas e que já não via o acidente em termos de acidente como ele tinha sido descrito .... "
E mais adiante, a fls 49:
"O SRAUGUSTO CID:- Junto dos cadáveres estava uma poça de sangue, como já foi referido, uma toalha ensopada em sangue provindo da cabeça do Eng. Moreira, e havia também sangue a uma certa distância do casal. Havia uma poça de sangue junto da cabeça do casal, e a cerca de 1,90 m de distância mais uma poça de sangue. Vamos admitir que as pessoas morreram durante o acto sexual com o monóxido de carbono. Mas, a sangrar ao mesmo tempo? E com uma poça de sangue a 1,90 m de distância?
A SRA.DRA.EDUARDA MARQUES DA SILVA:- Eu nem sequer sabia que esse senhor tinha sido agredido, pelos vistos foi. De onde é que vinha o sangue? Não fui informada de nenhuma lesão que justificasse que aqueles indiv(duos tivessem sangrado."
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porém, que no auto de notícia (vide fls 3) elaborado pelo Sargento no respeita ao sangue, se descreve o verificado pelo modo
a transcrever:
"Desloquei-me ao local onde verifiquei que.... completamente nus, caídos um por cima do outro, na porta da casa de banho, com as pernas dentro da casa de banho e o corpo no corredor, estando, ela por baixo e ele por cima, voltados um para o outro, tendo ele a cabeça ao lado dela e com a boca encostada ao chão, onde existia uma pequena mancha de sangue, proveniente do nariz, encontrando-se junto aos corpos duas toalhas de banho,"
Afigura-se, assim, pouco correcta a instância, afirmando-se reservas postas por uma testemunha que na verdade as não formulara e dando-se da quantidade e localização do sangue uma ideia que não se mostrava apoiada nos elementos indiciários que na CEIAC estavam disponíveis.
35. - Também em relação às mortes do Engenheiro José Moreira e companheira, em Carnaxide, e à actuação do IML de Lisboa, é interessante aqui dar conta do que outras entidades referiram, e é o que vamos passar a fazer:
35.1. - No despacho final que o Magistrado do Ministério Público, titular do processo, proferiu em 22.7.83, agora a fls 137 e 138 do AP. D, escreve-se:
"No dia 5 de Janeiro de 1983 foram encontrados caídos e já cadáveres, no corredor do apartamento n9 8-A do prédio C bloco 3 Célula 5, em Carnaxide José Manuel Silva Moreira nascido a 2/9/39 e Elizabete da Piedade Silva, nascida a 2/8/54.
Uma vez que o andar está arrendado a Maria José Batista de Almeida e Silva, o Silva Moreira ser casado e residir com a mulher e filhos, a Elizabete Silva ser solteira, ambos estarem nus no corredor da casa logo à saida da casa de banho, a idade de ambos e a posição dos corpos, não havia condições para se considerar que a causa da morte tivesse origem em doença. Por outro lado estas circunstâncias enumeradas adicionadas ao não desaparecimento de quaisquer valores em dinheiro, fios de ouro, relógios, alianças, à arrumação da casa, à ausência de lesões, ao sigílo dos encontros, levaram a afastar também a hipótese de homicídio. Restava a morte natural ou a provocada pelos próprios.
No caso portanto de suicídio além de terem de existir razões para o fazerem na causa directa teria de estar ou a ingestão de produtos tóxicos ou a saturação do ar com produtos da mesma natureza.
Também não havia vestígios de quaisquer produtos ou medicamentos que tomados pudessem provocar a morte e as garrafas de gás ou estavam fechadas (duas delas) ou tinha gás a terceira que estava ligada ao fogão e ao esquentador.
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Também o cheiro não era intenso pois as primeiras pessoas a entrar em casa não o notaram, achando-o saturado.
Restava, pois, como mui provável a morte natural por uma causa acidental.
E é esta efectivamente que sem qualquer dúvida vem a concluir-se da instrução do inquérito preliminar.
Os exames exaustivos quer dos corpos, quer do esquentador, botijas de gás, canos da ligação de uma aos outros, de toda a casa, leva a ter--se a certeza de que a causa da morte do José Manuel Silva Moreira e Elizabete da Piedade Silva foi apenas asfixía por intoxicação de óxido de carbono.
Não houve pois qualquer intervenção de terceiros ou dos próprios nestas mortes.
Por outro lado só especulações jornalísticas e para que não pudessem ser alimentados durante muitos meses é que levaram a uma instrução tão exaustiva que não é habitual por falta de meios, em casos similares.
Não há, pois, nos autos qualquer indício de crime ou suicídio ou ajuda a ele. Arquivem-se os autos.
Notifiquem-se a esposa do Moreira e a mãe da Elizabete, nos termos do art11 6-a) do Dec.- Lei n11 605/75 de 3/11. Oeiras, 22/7/83. (assinatura)."
35.2 - Nos relatórios das I, II e III CEIACs, não é tratada a questão das mortes de Carnaxide.
35.3 - Na declaração de voto dos Srs. Deputados do PSD, apresentada ao relatório da III CEIAC, agora a fls 2441 do AP. B-9, escreve-se:
"151. A Comissão tomou também conhecimento e analisou a morte em circunstâncias estranhas do Eng11 José Manuel da Silva Moreira e da sua companheira, Elizabete Piedade da Silva, ocorrida em 5 de Janeiro de 1983, em Carnaxide. A Comissão analisou a questão, uma vez que é certo que o Eng11 José Moreira desenvolvia uma investigação particular sobre Camarate, tendo intervindo repetidamente na imprensa e junto de dirigentes políticos sobre esta questão, e iria depor perante a I CEIAC escassos dias depois da sua morte. José Moreira era irmão de Nuno Moreira, ambos proprietários do avião CESSNA inicialmente utilizado na campanha
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eleitoral do General Soares Carneiro, escassos dias antes do sinistro, haver apreendido e substituído pela aeronave sinistrada, em circunstâncias e por razões não esclarecidas. A Comissão pôde verificar que a PJ estabeleceu logo, precipitadamente, no dia seguinte (6.1.83), que a morte de José Moreira e Elizabete Silva nada teria a ver com o caso de Camarate, acrescentando não existir qualquer ligação de interesse com este caso. A investigação sobre as causas da sua morte, ainda hoje, quatro anos volvidos, não conduziu a resultados concludentes e satisfatórios. A explicação para a sua morte - inalação de gás, produto de má queima de um deficiente esquentador colocado na cozinha do apartamento resulta manifestamente inconsistente nos próprios termos dos autos e dos documentos que dele constam. - Pelo médico ouvido pela Comissão (depoimento 21). Poderia ter sido provocado pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, exactamente como se fosse uma máscara para anestesia, tendo sido uma pressão maior que entrou e que rompeu os alvéolos" Por isso e que não sei explicar "( ... )" há monóxido de carbono a mais nas vítimas (pag.48) m CEIAC foi claro em manifestar estranheza pela desconformidade entre os factos estabelecidos e as conclusões extraídas. Pode verificar-se existirem os mais fortes indícios de que José Moreira e Elizabete Silva terão sido assassinados, pelas evidências que constam do respectivo processo e foram esclarecidas embora, em sede judiciária, este caso que também por decidir desde há quatro anos."
36. Podemos, pois, e também agora aqui deixar as seguintes conclusões respeitantes às mortes do Engenheiro José Moreira e companheira, ocorridas em Camaxide, e com referência à actuação do IML:
- Foi o Dr.Femando Fonseca que procedeu às autópsias do Eng. José Moreira e companheira, havendo levado às conclusões, como causas das mortes, " a asjix(a por intoxicação pelo óxido de carbono".
- Aquando das autópsias, e na sua sequência, foram feitos exames complementares à alcoolémia, a tóxicos nas vísceras e seus conteúdos, à carboxihemoglobina, histotanatológicos, ao exsudado vaginal e de comparação de mordedura numa mama dela com os dentes dele.
- Logo nos relatórios de autópsia foram considerados aqueles dos exames à alcoolémia, à carboxihemoglobina e ao exsudado vaginal.
- Os relatórios das autópsias foram feitos antes de obtidos os dos outros exames, neles se mencionando que o foram por motivos de investigação e prevenção.
- Os relatórios dos exames toxicológicos, sendo negativos, foram enviados em aditamento, com expresso apreço do perito tanatologista.
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relatórios dos exames de comparação da mordedura, concluindo pela compatibilidade, e histológicos, estes concluindo pela compatibilidade das alterações com a intoxicação, foram juntos aos autos sem que o tanatologista haja feito expressa referência aos mesmos.
- Face às conclusões dos relatórios dos exames histológicos, apontando a compatibilidade com a causa da morte que fora estabelecida, não se retirariam outras conclusões médico-legais para além das levadas aos relatórios das autópsias.
- As causas das mortes mostram-se correctamente determinadas, em termos médico-legais, não sendo adequado atribuir aos exames médico-legais qualquer correlação para se considerar que a explicação da morte de José Moreira e companheira resulta inconsistente.
- Nem o Dr.Femando Fonseca declarou que a morte poderia ter sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse uma máscara para anestesia, nem essa hipótese, como explicação das mortes, tem o mínimo fundamento em dados objectivos ou sequer referenciados por meios de prova, sendo posta essa hipótese nas inquirições sem fundamento em qualquer elemento probatório.
- As percentagens de monóxido de carbono encontradas no Eng. José Moreira e companheira, não são susceptíveis de alterar as conclusões médico.legais levadas aos relatórios autópticos, não sendo fundamento para, a partir delas, se poder concluir pela morte acidental ou não.
- Os exames histológicos foram juntos aos autos sem serem acompanhados de qualquer apreço prévio e expresso pelo médico tanatologista, mas terão passado, aceitando a prática instituída, pelo médico tanatologista, que porém disso se não recorda.
- As conclusões levadas aos relatórios histológicos e a sua compatibilidade com o diagnóstico de intoxicação, não eram susceptíveis de alterar as conclusões médico-legais levadas aos relatórios das autópsias.
IV
CONCLUSÕES E PROPOSTA
1. Antes de deixarmos apontadas as conclusões respeitantes ao objecto do presente Inquérito, impõe-se-nos deixar aqui consignadas, em jeito de síntese, algumas ideias que se expressaram ou que ressaltam do presente Inquérito e Relatório, algumas considerações, alguns factos e conclusões, embora situando-nos além do específico objecto dos presentes autos.
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Reconhecendo, embora, a sua desnecessidade, face à dimensão do essa apresentar-se-á, pelo menos, como interessante.
autos Inquérito são sequência despacho Excelência o Ministro da Justiça, conjugado com aquele de Sua Excelência o Conselheiro Procurador-Geral da República, e com aqueles visando os serviços da Polícia Judiciária tiveram a direcção e coordenação do Ex.mo Senhor Vice-Procurador-Geral da República.
- Não se visou, nos presentes autos, o esclarecimento das circunstâncias em que ocorreu o despenhamento do avião em Camarate, mas tão só aferir a actuação do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, nas investigações da ocorrência de Camarate.
- Os factos que importava averiguar eram aqueles que foram levados ao Relatório da IV CEIAC, e que aí tiveram uma valoração profundamente negativa, ao ponto de se lhes dar a interpretação de "ocultação grave de actos correlativos de um crime."
- E esses factos colhemo-los do Relatório da IV CEIAC, deles fazendo a descrição em documento que para o efeito elaborámos, e que, sendo o fio condutor das averiguações, possibilitou que nas inquirições a que procedemos os tomássemos para facilitar a correcta apreensão do que se pretendia ver esclarecido.
- O presente Inquérito, até por ter como objecto o apuro de infracção disciplinar, visou apreender os factos enquanto integrantes de infracção dessa natureza, não sendo obstáculo a que, se se indiciasse ilícito criminal, se tomassem as adequadas providências.
- Já no presente relatório se afastou a eventual subsunção dos factos à figura jurídica do encobrimento de crime.
- No desenvolvimento do Inquérito, intencionalmente, procurou-se apurar da factualidade, não se considerando o instituto da prescrição do procedimento disciplinar como obstáculo ou sequer como indiciador da inutilidade das averiguações, mas sendo a prescrição de conhecimento oficioso, sempre ela condicionaria a decisão, e consequentemente a respectiva proposta.
- Apurou-se que, pelo menos alguns dos factos aqui em apreço, já foram objecto de averiguação em anterior Inquérito, sabendo-se que esse foi concluído com proposta de arquivamento, por não indiciada infracção disciplinar, mas ignorando-se o teor do despacho que Sua Excelência o Ministro da Justiça proferiu, e isto porque no Ministério da Justiça esse Inquérito não foi encontrado.
- Face ao que vai dar-se como apurado, e à proposta que surgirá na sequência, não tem importância o desconhecimento do teor do despacho referido, ou se foi proferido ou não, o que poderia não ser o caso se se considerasse apurada matéria com relevância disciplinar.
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autos desenvolveram-se todas as diligências com averiguação, designadamente
os esclarecer.
a prova produzida directamente e "ex-novo" é toda ela testemunhal, não se omitiu a recolha daquela pré-estabelecida noutros processos, até na medida em que os factos se correlacionavam com imputadas deficiências a exames periciais que tiveram lugar noutros processos.
- A prova pré-estabelecida colheu-se nos Processos de Instrução Preparatória e Inquérito Preliminar e ainda nos Inquéritos das CEIACs, estes já integrando ou em vias disso, os Autos de Instrução Preparatória.
Mas também aos autos foi trazida documentação, designadamente pareceres, despachos e relatórios a facilitarem a condução do inquérito e a possibilitarem a melhor percepção dos factos que importava averiguar.
- Foram todos esses elementos a serem considerados no decurso do presente relatório e a influírem no apreço do apurado.
- Na prova produzida "ex novo", e toda ela testemunhal, respeitaram-se as disposições que a lei processual estipula, como o seu apreço se faz com respeito das normas legais, mas já com o pressuposto importante da legalidade da sua produção.
- Já na prova pré-estabelecida, e que é de grande importância não só pelo volume, como por ter sido considerada indiciadora dos factos aqui em apreço, embora estes não fossem o seu essencial objecto, não poderemos aceitar, em absoluto, a legalidade da sua produção, e daí que, mesmo sem retirar todas as consequências dessa constatação, o critério do seu livre apreço temperará de modo suficiente as conclusões sobre os factos apurados.
- E estamos a referir-nos à prova produzida nos Inquéritos conduzidos e concluídos pelas CEIAC's.
- Não tivemos como principal objectivo aferir se as conclusões, respeitantes aos factos que se tornaram objecto do presente inquérito, foram extraídas de modo correcto nas CEIAC's, sendo certo que as mesmas não se nos apresentam como inquestionáveis e definitivamente adquiridas, e daí a utilidade de alguns apontamentos que seguem.
Quando no ponto 111 do presente relatório analisámos as questões, não deixámos logo de evidenciar o que a prova perante nós produzida permitia concluir, a que produzida nas CEIAC's foi eventualmente determinante em termos dos respectivos relatórios e bem assim os diferentes apreços de diversas entidades.
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- Algumas citações feitas ao longo do referido ponto III evidenciam, a nosso ver, concretos e claros exemplos da não legalidade da produção da nas e certa deficiência nos critérios do seu aprêço.
- Assim é que alguns membros das CEIAC's tiveram nas mesmas anterior intervenção como testemunhas sem que a questão do respectivo impedimento tivesse sido suscitada.
- Também alguns membros das CEIAC's, representantes dos familiares das vítimas e Srs. Deputados, fizeram por sua iniciativa investigações paralelas, algumas destas com violação de lei, e nas CEIAC's do investigado fizeram livre uso.
- Algumas vezes, no decurso das inquirições, alguns elementos das CEIAC's exprimem conclusões ou sínteses que não têm correcto apoio no que fora dito.
- Algumas vezes ainda na produção de prova testemunhal das CEIAC's se manifestam e solicitam opiniões e convicções sem serem enunciados os respectivos fundamentos.
- Também, por vezes, a inquirição versa sobre factos que a testemunha não conhece directamente, o que podia ser susceptível de prejudicar a exactidão e fiabilidade das respostas.
- As perícias e os seus relatórios são postos em causa, apontando-se-lhes eventuais deficiências de execução que não das conclusões, através de depoimentos de testemunhas que careceriam de estudo e ponderação que a imediação na instância não consente.
- Os próprios peritos, mais do que instados a esclarecerem o averiguado e a correcção das conclusões que extraíram, são postos perante consideradas deficiências que não são justamente valoradas dentro do contexto do procedimento pericial.
- Também no apreço da prova algumas vezes não se hierarquiza o valor da prova pericial e testemunhal, não considerando naquela o que tem de investigação (procura do desconhecido) e privilegiando nesta referências não apoiadas na directa percepção dos factos, em casos que a prova pericial se apresenta, pelo menos, como a mais adequada.
Por vezes privilegiam-se simples pareceres face aos relatórios pencuus, quando é certo que estes poderiam ser objecto do apreço crítico de quem, legalmente, tinha para tanto competência (Conselho Médico-Legal).
- Por vezes alguns elementos das CEIAC's adiantam, no contexto das inquirições, opiniões ou convicções com o expresso objectivo de ficarem consignadas nas actas para efeitos probatórios.
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- Foram trazidos ao presente inquérito, documentando-o, para além dos das CEIAC's, despachos proferidos pelas competentes entidades e
hr.1'">11t"\c em outros orc>ee:ssos.
- À semelhança do que referimos, a respeito dos factos apontados no Relatório da IV CEIA C, também o apreço que é feito nos ditos documentos, sobre os factos em averiguação, não se nos apresenta como inquestionável.
- Evidencie-se ainda que, quer em anterior inquérito disciplinar, quer em processos crime (casos do Dr. Sombreireiro e de Carnaxide) em que se visou apurar de alguns factos concretos, as conclusões finais encontradas não se mostram consonantes com as alcançadas no Relatório da IV CEIAC.
- Os factos trazidos ao relatório da IV CEIAC e no que ao IML respeita, são, na sua quase totalidade, a recuperação do que se houvera levado à declaracão de voto, ao relatório da III CEIAC, declaração feita pelos Srs. Deputados do PSD, designadamente: a posição suprajacente do piloto e subjacente do co-piloto; a urgência nas autópsias; estas a serem feitas por um só perito e os relatórios a serem assinados por dois; o desconhecimento, pelos peritos, do tipo de exames que deviam ser feitos, nomeadamente recolha de tecidos e exame aos tímpanos; a ausência de fracturas a correlacionarem-se com o estado de inconsciência; os graus de monóxido de carbono a indiciar o momento e ordem das mortes; a opinião do perito médico sobre o incêndio ocorrer antes da colisão; o desaparecimento das amostras extraídas dos pés do piloto; a não explicação, pelos peritos, do desaparecimento das amostras; a inconsistência na explicação para a morte do Eng. José Moreira e companheira; a hipótese destas mortes serem provocadas pela introdução de um gás sobre pressão no nariz e na boca.
2. - Já no decurso do presente relatório, quando analisámos as diferentes questões, agrupadas em quatro momentos temporais - a actuação do IML no local do despenhamento, nas primeiras autópsias, nas exumações e nas autópsias do Engenheiro José Moreira e companheira - avançámos conclusões sobre factos apurados.
Temos, por essa razão, agora, o trabalho simplificado, pelo que, em grande parte repetindo o que já afirmámos, vamos agora retirar as conclusões, sobre os factos com relevo para a conclusão final e proposta, seguindo a ordem das questões tal como se transcreveram no ponto III.l. do presente relatório.
2.1 - No local do despenhamento do avião, não foi efectivamente elaborado um estudo sobre a posição relativa das vítimas, pelo IML.
No local, e pouco após a ocorrência, esteve o perito do IML de Lisboa Dr.José Sombreireiro, que orientou a remoção dos cadáveres, preocupado em que, nas operações, não fossem produzidas fracturas.
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Não cumpria ao IML efectuar o estudo da posição relativa das vítimas, após o despenhamento e extinção do incêndio, estudo que, a ser necessário, cumpria efectuá-lo à Polícia Judiciária, ou através do pessoal da investigação, que já se
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encontrava no local, ou através do Laboratório de Polícia complexidade o aconselhasse.
a posição das condicionar as conclusões médico-legais
das autópsias pelo perito tanatologista.
se a
- Não está demonstrado que o corpo do piloto estivesse em posição suprajacente, os passageiros a seguir e o co-piloto em posição subjacente. A afirmação da posição relativa do piloto e co-piloto é uma mera hipótese com fundamentação igual a qualquer outra.
Apurado ficou, sim, que essa posição relativa, ou qualquer outra que se queira hipotisar, não condicionaria as conclusões médico-legais levadas aos relatórios das autópsias.
2.3 - Também não se demonstrou que o Dr. Sá Carneiro fosse o quinto a ser retirado da fila de corpos, sendo essa uma hipótese como qualquer outra, e muito menos que o perito médico soubesse dessa posição relativa.
Apurado ficou que essa hipótese, a dar-se como assente, não influiria nas conclusões médico-legais do perito tanatologista.
2.4 Não foi dada ordem para que as autópsias se executassem com urgência, significando-se pressa, celeridade na execução, menos cuidado, um pró-forma.
Se por urgência se quer significar que fossem iniciadas o mais cedo possível, isso corresponde à realidade.
O Dr.José Sombreireiro iniciou as autópsias logo que os corpos chegaram ao IML, e isto porque atendeu a solicitação do então Director-Geral da Polícia Judiciária, Dr. Lourenço Martins, na sequência da conversa em que este evidenciou a preocupação do Governo, a necessidade para a investigação de saber das causas das mortes, a conveniência em entregar o mais cedo possível os corpos às famílias ou efectuar os funerais, pois estava-se em vésperas de acto eleitoral.
O próprio perito médico se apercebeu da conveniência em iniciar o mais cedo possível as autópsias, uma vez que no local do despenhamento se falava, insistentemente, em que na origem do despenhamento estivera um atentado.
O período normalmente guardado para se proceder às autópsias é de mera segurança, para obter certeza da morte, o que no caso era evidente, e técnicamente, quanto mais cedo se procedesse à autópsia, melhor seria.
2.5 - As autópsias não começaram às 3 horas da manhã e a última às 6H30, pois ficou apurado que se iniciaram antes das OOH30 e terminaram já para lá das 9HOO.
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Não é, assim, correcto afirmar que fossem executadas com a ligeireza que o tempo tido como gasto terá levado a atribuir-lhes, nem com falta de cuidado se
se com
Na execução das autópsias interveio o perito legista Dr. José Sombreireiro, coadjuvado nas operações técnicas por três técnicos auxiliares.
- Não houve pressão governamental para a celeridade das autópsias.
Não tem esse significado, nem lhe pode ser atribuído, a mera presença, nas proximidades do IML, do então Ministro da Administração Interna, este mandatado pelo Governo para diligenciar pelos procedimentos administrativos relativos aos funerais.
Também a conversa do Dr. Lourenço Martins com o Dr. Sombreireiro visou tão só significar a este a necessidade para a investigação em saber das causas das mortes, a conveniência da entrega dos corpos às famílias, a preocupação do Governo pela ocorrência.
2.7 - O Dr.Sombreireiro não confessou desconhecer à data das autópsias a metodologia que deveria ter seguido para sinistrados daquele tipo de acidentes.
Aliás, não há uma metodologia, de ordem legal ou científica, específica para autópsias de sinistrados de acidentes de aviação.
O que o Dr.Sombreireiro aftrmou, nas CEIACs, e por corresponder à verdade, foi que até então não houvera executado autópsias em acidentados de avião.
2.8 - Está confirmado que o perito médico não recolheu tecidos orgânicos, não examinou os tímpanos, nem radiografou os corpos.
Mas também ftcou apurado que, para os fins da autópsia - determinação das causas das mortes - não se apresentaram como indispensáveis os exames complementares em tecidos orgânicos, e nada se deparou no decurso dos exames macroscópicos, a impô-los ou sequer a aconselhá-los.
Também se apurou que, no exame macroscópico a que o perito procedeu nos ouvidos de qualquer das vítimas não se apresentava sintomatologia a impôr o exame aos tímpanos, designadamente aparecimento de sangue, para além de o IML não dispor de aparelhagem da especialidade para um exame mais rigoroso se necessário.
Também está apurado que o IML não dispunha de aparelhagem de Raios X e não tinha protocolo com qualquer instituição de modo a colmatar a sua falta.
Face ao quadro vivido na altura não era razoável transportar os corpos para instituição hospitalar, para aí se efectuarem os exames radiológicos.
2.9 - Não cumpria ao IML proceder a análises laboratoriais às roupas das vítimas.
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No IML fez-se o devido, que foi preservar e acondicionar as possibilitando exames laboratoriais na instituição própria, e
da Polícia Judiciária.
Aliás, a afmnaÇão de que não foram feitos exames laboratoriais às roupas não é exacta, uma vez que sobre elas vieram a incidir exames laboratoriais, posto que em fase posterior.
2.10 - Nas autópsias foram detectadas e depois levadas aos relatórios, as fracturas existentes.
Da relativa pobreza de fracturas não é possível cientificamente fazer correlação com um estado de inconsciência ou morte, como confmnam cientistas qualificados.
De todo modo, não poderia o perito tanatologista extrair conclusões médico--legais diversas das que levou aos relatórios autópticos desses factos que neles foram descritos.
2.11 - Não se detectou a incrustação de partículas metálicas nos pés do piloto.
No entanto, o perito médico levou ao relatório de autópsia a menção de que os pés estavam completamente carbonizados deixando a descoberto grande parte dos ossos de côr negra e ainda a de que se encontravam aderentes ao corpo alguns fragmentos metálicos.
É razoável pressupor que a incrustação de partículas metálicas nos pés como consequência de uma explosão que tivesse ocorrido, no momento do despenhamento, revelaria evidentes indícios dectetáveis através do exame macroscópico que foi feito, sendo certo que estes não se depararam.
É pois pelo menos duvidoso que existissem fragmentos metálicos incrustados nos pés do piloto quando se executou a autópsia.
2.12 - As conclusões médico-legais possíveis dos diferentes graus de monóxido de carbono encontrados no sangue foram extraidas, sendo certo que dos relatórios se fizeram constar.
O significado dos diferentes graus é o de que as vítimas estiveram vivas no foco de incêndio produtor do monóxido de carbono, e esse significado foi considerado nos relatórios autópticos.
Dos diferentes graus de monóxido de carbono, só por si, não é possível retirar conclusões seguras sobre a ordem temporal da ocorrência das mortes.
2.13 - Confirma-se que só o perito tanatologista Dr. José Sombreireiro executou as autópsias, embora coadjuvado por três técnicos auxiliares, como ainda que os relatórios foram assinados pelo perito médico que as executou e um segundo perito tanatologista.
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intervenção de um só perito tanatologista na execução das autópsias, e a assinatura dos relatórios por um segundo perito, era e é prática permanente, e
anos, no é da lei.
- Embora referindo que não recolheram tecidos para exames microscópicos, não procederam ao exame dos tímpanos, nem radiografaram os corpos, nenhum dos peritos confessou ou confessa as deficiências dos exames médico-legais, até porque estes não podem considerar-se em termos globais como deficientes.
2.15 - Com base nas percentagens de monóxido de carbono encontradas nas vítimas não se pode extrair a conclusão de o incêndio se ter iniciado antes da colisão, e muito menos como conclusão de perícia médico-legal.
A opinião do Dr.Femando Fonseca, na citação da CEIAC, a admitir-se que tenha sido naquele sentido, não tem, todavia, suporte factual aceitável.
2.16 - Não desapareceu a amostra H, constituída com a raspagem dos calcâneos do piloto Jorge Albuquerque.
Esta amostra foi constituída em 6.11.82 com a raspagem dos calcâneos do piloto, e porque a radiografia que sobre estes incidiu dava uma imagem de "poalha de densidade metálica".
Mas em 28.11.82, no IML, o Eng. Newton trabalhou sobre esta amostra com o objectivo de separar e colher a matéria inorgânica que dava a imagem radiológica referida.
Na operação o Eng. Newton utilizou pinça, estilete e lupa, auxiliado por um líquido não identificado, e a matéria inorgânica que separou foi preservada e acondicionada, continuando a manter-se-lhe a identificação com a letra H.
Certo é que, após a operação executada pelo Eng. Newton, embora se mantivesse a mesma letra identificadora na amostra, esta já não era materialmente a inicial.
Não se sabe se a referida operação foi susceptível de agredir a matéria inorgânica, designadamente através do líquido utilizado.
Também não se sabe se com a operação do Eng. Newton se apreendeu toda a matéria inorgânica contida na amostra primitivamente constituída.
Mas já sabemos que, para a operação que se vem referindo, o Eng. Newton dispôs das radiografias que incidiram sobre os calcâneos e sobre a primitiva amostra já constituída, ambas a darem imagem de "poalha de densidade metálica", e delas se serviu para a operação a que procedeu.
O Eng. Newton apresentava-se como um técnico qualificado, com anterior experiência na averiguação de acidentes de aviação, era um perito ajuramentado e procedia a uma perícia mais global, não confinada aos corpos exumados, mas visando esclarecer se o despenhamento tivera na origem um atentado, designadamente através de engenho explosivo.
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Também o Eng. Newton sabia claramente o que se pretendia, e os seus conhecimentos permitiam-lhe na operação aperceber-se dos indícios
no examinado exames.
A separação da matéria orgânica da inorgânica era indispensável, pois só esta importava ver examinada no LNETI, e se não tivesse sido o Eng. Newton a proceder a ela outrem haveria de o fazer.
Os clínicos representantes dos familiares das vítimas ass1suram à operação efectuada pelo Eng. Newton e não fizeram à mesma qualquer reparo, sendo certo que estavam cientes dos antecedentes, designadamente dos resultados dos exames radiológicos, e sabiam o que se objectivava. Foi só a matéria inorgânica separada e colhida pelo Eng. Newton que se entregou em 29.1 1.82 aos Engenheiros Sampaio, Carvalhinhos e Helena Carvalho, técnicos do LNETI e que a receberam no IML por protocolo.
Ao procederem ao exame da amostra no LNETI concluíram que se tratava de material não metálico.
2.17 O relatório da perícia efectuada na sequência das exumações, conjugado com os depoimentos dos peritos médicos e do LNETI prestados nas CEIAC's e neste inquérito, evidencia devidamente o não descaminho da amostra H.
Os radiogramas só por si não são susceptíveis de possibilitar a caracterização com exactidão, da substância que dá imagem radiológica de densidade metálica, quanto à sua natureza, composição e origem.
Também por si só os radiogramas não são susceptíveis de demonstrar que as partículas que davam a imagem radiológica de densidade metálica se houvessem fixado no lugar onde por esse modo foram detectadas, na ocasião de despenhamento e como resultado de energia cinética com fonte em explosão ocorrida próximo dos pés do piloto.
O radiograma que incidiu na amostra montada no plexiglass, ao não dar imagem radiológica semelhante à daquele que incidiu na amostra quando ainda continha matéria orgânica e inorgânica, explica-se pelo facto de o objecto radiografado ser diverso e daí que quase necessàriamente tivesse de dar imagem radiológica diferente.
A conclusão do exame do LNETI de que a amostra H era material não metálico não serve para fundamentar o referido desaparecimento.
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Não é exacto afinnar-se o desaparecimento das partículas metálicas através da conjugação três factores que são: radiogramas a darem imagens de
exame do a concluir tratar-se de material Hl'-'·L
Sempre haverá de considerar-se a operação do Eng. Newton sobre a primitiva amostra, sendo certo que essa operação não ficou suficientemente esclarecida, designadamente por se não saber se a tecnologia utilizada agrediu de alguma forma a matéria inorgânica, se o Eng. Newton extraiu toda esta ou só a que se lhe deparou com interesse no decurso da operação.
Esta operação do Eng. Newton pennanece como urna zona lacunar, mas de todo o modo sem efeitos relevantes no presente inquérito, face à não responsabilização disciplinar dos intervenientes nas perícias sem vínculo funcional ao IML.
2.18 - O Dr. Fernando Fonseca não qualificou os resíduos metálicos corno estilhaços, mas apenas disse que as imagens dos radiogramas lhe pareciam estilhaços, sem poder precisar de quê.
As partículas metálicas não desapareceram no LNETI, tendo aqui sido examinado todo o material que foi recebido no IML.
2.19 - A alegada inconssistência da explicação para a morte de José Moreira e companheira, na inalação de gás, produto de má queima de um esquentador, não decorre de deficiência dos exames médico-legais, que não se verifica.
Na verdade foi o perito tanatologista, Dr. Fernando Fonseca, ao tempo ligado ao IML e hoje aposentado que executou as autópsias, e as conclusões levadas aos relatórios apresentam-se correctas, corno as autópsias foram bem feitas, com os exames complementares necessários e suficientes.
O saber de onde provinha o monóxido de carbono não é questão médico-legal.
2.20 - O Dr.Fernando Fonseca não declarou que a morte poderia ter sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, corno se fosse uma máscara para anestesia.
Nenhum indício sustenta essa hipótese, designadamente lesão que certamente haveria de aparecer, e apenas corno "fantasia", no dizer do próprio, se poderia pensar em gás introduzido sob pressão, no nariz e na boca.
2.21 - As percentagens de monóxido de carbono, pericialmente detectadas, foram correctamente consideradas nos relatórios das autópsias, e só por si não são susceptíveis de indiciarem morte acidental ou não.
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indícios foram considerados no despacho final do Magistrado do Ministério uu"'"'v· neles se incluindo aqueles vindos dos exames periciais, e todos os
outros constantes autos.
- Os relatórios dos exames histológicos não foram expressamente considerados, pelo perito médico-legista, que já elaborara os relatórios das autópsias, nestes expressando que ainda não tinham sido recebidos esses exames.
A compatibilidade do examinado com a intoxicação, como se expressa nos relatórios histológicos não justificaria nova apreciação pelo perito médico, até por não virem a alterar as conclusões médico-legais.
A rotura alveolar referida nos relatórios dos exames histológicos apresenta-se como compatível com a causa da morte levada aos relatórios da autópsia, não fundamentando por si, quer outras conclusões médico-legais, quer outra explicação para as mortes.
CONCLUSÃO FINAL
3. - Face ao que ficou relatado, designadamente no ponto 2., imediatamente anterior, podemos concluir que maioritariamente os actos ou omissões não ocorreram, alguns não são da responsabilidade do IML, e aqueles que se apuraram como imputáveis ao IML não revestem dignidade disciplinar.
Estão no grupo dos actos ou omissões não ocorridos e porque nos presentes autos se demonstra o contrário ou factos diferentes a descaracterizarem o imputado:
- terem sido as autópsias mandadas executar com urgência (Questão nº 4);
- terem sido as autópsias executadas com ligeireza, na madrugada de 5 de Dezembro de 1980, começando às 3 horas da madrugada e a última às 6H30, com cerca de 30 minutos para cada autópsia (Questão nº 5);
- ter havido pressão governamental para a celeridade das autópsias (Questão nº 6);
- ter o Dr. Sombreireiro confessado desconhecer à data das autópsias a metodologia que deveria ter seguido para sinistrados daquele tipo de acidentes (Questão nº 7);
ser a ausência de fracturas nas vítimas indicativo de que estas estariam inconscientes ou mesmo mortas, no momento da colisão (Questão nº 10);
- não ter sido detectada nas autópsias, a incrustação de partículas metálicas nos pés do piloto Jorge Albuquerque (Questão nº 11);
- não terem sido extraídas as ilações médico-legais possíveis dos diferentes graus de monóxido de carbono encontrados no sangue (Questão nº 12);
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- terem ambos os peritos confessado na CEIAC as deficiências dos exames médico-legais (Questão nº 14);
- ser a do Dr.Femando na de o se antes da colisão, fundamentada em que as vitimas não teriam atingido as percentagens de monóxido de carbono encontradas se o incêndio tivesse consistido apenas num braseiro de gasolina (Questão nº 15);
- terem desaparecido os resíduos metálicos detectados nos calcâneos do piloto Jorge Albuquerque à data da sua exumação (Questão nº 16);
- não terem os peritos médicos que intervieram nos exames e aqueles do LN'ETI que procederam à classificação e identificação das amostras, sabido explicar o descaminho das partículas metálicas enviadas para o LNETI (Questão nº 17);
- haverem desaparecido os resíduos metálicos qualificados por Fernando Fonseca como estilhaços e que foram radiografados, detectados e examinados no LNETI (Questão nº 18);
- resultar inconsistente a explicação para a morte de José Moreira e companheira, inalação de gás, produto de má queima de um esquentador (Questão nº 19);
- poder a morte ter sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse uma máscara para anestesia (Questão nº 20);
- revelar-se a quantidade de monóxido de carbono encontrada em José Moreira muito superior à de uma morte acidental (Questão nº 21);
- não ter havido o cabal esclarecimento por os exames histológicos não terem sido criticamente considerados com as autópsias (Questão nº 22).
Estão no grupo dos actos ou omissões que não são da responsabilidade do IML:
- o não ter sido elaborado um estudo sobre a posição relativa das vítimas (Questão n2 1);
- por via dessa falta de estudo não se apurar que ao removerem-se os corpos das vítimas do solo, após a combustão do aparelho e a extinção do incêndio, o corpo de um dos pilotos encontrar-se em posição suprajacente, os passageiros a seguir e o outro piloto em posição subjacente (Questão nº 2);
- ainda por falta desse estudo não se apurar que Sá Carneiro foi o quinto a ser retirado de uma fila de corpos (Questão nº 3);
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terem sido feitas as necessárias análises laboratoriais às das e ao avião sinistrado (Questão nº 9).
no ao
- As autópsias e seus relatórios terem sido executadas por um só perito com os últimos a serem assinados por dois (Questão nº 13);
- O perito médico não haver procedido à recolha de tecidos, ao exame aos tímpanos e à radiografia dos corpos (Questão nº8).
Relativamente a este último grupo, não se nos depara a existência de infracção disciplinar.
O facto de as autópsias serem executadas por um só perito, no caso o Dr. Sombreireiro, com os relatórios a serem assinados por dois, os Drs.José Sombreireiro e Fernando Fonseca, sustentava-se na prática de há muitos anos no IML e de todo modo, essa prática não se apresenta como violadora das normas legais que regulavam os procedimentos do IML, em matéria de exames médico-legais.
O não ter o perito médico, Dr.José Sombreireiro, procedido à recolha de tecidos, ao exame aos tímpanos e à radiografia dos corpos, também não reveste dignidade disciplinar
Por um lado, o IML não dispunha de aparelhagem técnica a possibilitar o exame radiológico e mesmo o exame aos tímpanos, por outro, nas concretas circunstâncias em que as autópsias foram executadas, não se deparou ao perito elemento a apontar a indispensabilidade desses exames, sendo certo que as autópsias foram executadas com todos os cuidados, através dos exames macroscópicos se atingindo a suficiência técnica dos exames autópticos.
De todo modo, a recolha de tecidos orgânicos e exames microscópicos que sobre eles viessem a incidir, o exame aos tímpanos e a radiografia dos corpos não possibilitariam conclusões médico-legais diversas das levadas aos relatórios das autópsias.
E estas, que foram correctamente extraídas, estão em consonância com a conclusão indiciária acolhida no processo crime no sentido da ocorrência de um acidente.
X
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Formulamos, pois, e agora a seguinte
PROPOSTA
Pela não verificação de qualquer infracção disciplinar, devem os presentes autos ser arquivados.
Lisboa, 01 de Junho de 1992.
O Procurador-Geral Adjunto,
/
(João Dias Borges)
Inspector do Ministério Público
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- ~ COMISSAO DE INQUERITO fJARLAMENTAR AO DESASTRE DE
CAMARATE [VI]
VOLUME XIII
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questões que lhe foram feitas pelos Srs. Deputados e pelos representantes
das famílias. Eu, desde já, sem prejuízo da segunda volta, não quero deixar de lhe agradecer esta sua disponibilidade para estar aqui connosco
até agora - já lá vão mais de duas horas a respond~r exaustivamente a todas as quéstões.
Portanto, será agora o ouvido o Sr. Pro f. Duarte Nuno Vieira.
Pausa.
A primeira questão que costumo colocar às pessoas, para além de
se identificar~m e dizerem o que fazem sumariamente, é a de saber se aceitam que a comunicação sociai esteja presente na reunião. Esta é, para mim, uma questão sine qua non, sem a qual não podemos avançar porque
temos, obviamente, de respeitar a vontade das pessoas.
A lei actual permite que .as comissões de inquérito sejam abertas mas, aqui, atenta à delicadeza e à sensibilidade ... até mais: nestes casos,
a lei pode permitir que as pesso~s nem deixem que as actas sejam divulgadas posteriormente.
.o , O Sr. Prof. Dr: Duarte NUn.o Vieira (Professor Catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra e Director do Instituto de Medicina
Legal de Coimbra): -Nada a opor!
O Sr. Presidente: - Esta questão está esclarecida. Portanto, o Sr. Professor pode, com brevidade, ·identificar-se e dizer o que faz.
Agradeço-lhe, em nome dos Srs. Deputados e dos representantes das
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famílias das vítimas, que têm assento em igualdade de circunstâncias nesta Comissão, o facto de ter vindo à Comissão.
O Sr. Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira: - Chamo-me Duarte Nuno
Vieira, sou professor catedrático da faculdade de Medicina de Coimbra e
Director do Instituto de Medicina Legal de Coimbra.
O Sr. Presidente:- Sr. Professor, através de wp contacto com o Dr.
Xavier de Brito, a sua presença foi requerida, · a semana passada, por
representantes da família da vítima, tendo o requerimento sido aprovado,
por unanimidade, pela Comissão. Gostaria que me dissesse, ~tes de. mais '
- e esta é uma pergunta que faço sempre - se, neste momento, tem já em seu poder os elementos suficientes para responder a algumas questões
que vão ser feitas. A não ser assim, quando, em que condições e que . .
elementos é que lhe faltam para o poder vir a fazer.
O Sr. Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira:. - Sr. Presidente, de facto, fui
apanhado de surpresa por esta convocatória. Estava até no estrangeiro
quando a minha secretária me contactou a dizer que tinha chegado uma
C9P,Vocatória para, hoje, estar, aqui presente. Como tinha, de qualquer forma, de 'estar ·hoje em Lisboa, porque há Conselho Superior de Medicina Legal, à tarde, não me fazia grande diferença.
Devo dizer que o meu ponto da situação é de quase zero total; tive
algum contacto com este caso há alguns anos, designadamente enquanto
membro do conselho-médico legal de Coimbra, na altura só como
secretário, e até fiz um pequeno parecer. Lembro-me, a propósito das
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fracturas que havia em alguns corpos, mas não acorp.panhei mais a
situação. Não sei. Sei que houve exames posteriores, houve exumações,
houve novas exumações e, portanto, não tenho, neste momento, um
conhecimento completo da situação que me permita emitir qualquer t~po de opinião fundamentada.
Naturalmente, se tiver oportunida~e de analisar os processos, de ver os relatórios, de ver aquilo que é da minha área, poderei depoi_s dar
uma opinião pessoal sobre o assunto, porque é um assunto que se prende
um pouco com a minha actividade regular.
O Sr. Presidente: .- Sr. Professor, vão ser feitas algumas questões,
às quais responderá o que entender e até poderá depois dizer: < quando tiver determinados elementos que agora não tenho». Tem a palavra o Sr. Dr. José Luís Ramos. O Sr. Dr. José L~ís Ramos: - Sr. Professor, gostaria de dizer, \ rapidamente, que, atendendo ao adiantado da hora e aos compromissos do Sr. Professor, e até porque nós arrastámos o primeiro depoimento, não lhe vou colocar as questões que tinha para colocar, mas gostaria, para que Rpnstasse da acta e para explicar à Comissão, já que fui eu que requeri a vinda do Sr. Professor à Comissão e já que, como disse agora, recebeu uma convocatória inopinadament~, que ficasse claro o seguinte: aquando do fecho da 5.8 Comissão e, depois disso, das exumações aos corpos de algumas das vítimas, que ocorreram em 1995, foi, por intermédio de mim, comq representante das famílias, sugerido o nome do Sr. Professor, ·para que estivesse presente nessas exumações. Não sei se o Sr. Professor 81 II SÉRIE-B — NÚMERO 56______________________________________________________________________________________________________________ 934
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e se a Comissão sabem, mas, pelo menos, para que fique a constar da
acta, essa indicação foi recusada pelo tribunal, não percebendo eu bem
porquê. Ou seja, as exumações foram feitas, foram requeridas por nós, mas foram feitas com as pessoas que o tribunal entendeu por bem no~ear e eram só aquelas pessoas da. confiança do tribunal. Nenhuma das
pessoas requeridas pelos representantes das famílias pôde presenciar
estas exumações. Daí a razão por que eu, logo no reinício dos trabalhos
desta Comissão parlamentar, requeri a vinda a esta Comissão de algumas
pessoas que, na altura, não estiveram presentes nesses mesmos exames.
Este é o caso das exumações, mas houve outros exames em que houve . .
outras recusas.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que, para além das perguntas
que queria colocar, não vejo, obviamente, qualquer inconveniente no facto de, depois disso, o Sr. Professor fazer quaisquer.diligências que nos
ajudem no prosseguimento das investigações, se assim bem entender. Mas, como o Sr. Professor compreende, havia muitas questões relativas a
1995 e a datas anteriores - quanto a isso já houve até, como bem se lembra, uma parecer do conselho médico-legal de Coimbra, e era sobre
isso que gostF!ria que me informasse. Obviamente, não me passava pela
Cjl~eça fazer-lhe perguntas sobre factos ocorridos num tempo posterior a . esse ponto, relativamente aos quais o Sr. Professor não tivesse
conhecimento.
Assim, para avançarmos, peço à Comissão que, a agendar outra
vinda do Sr. Professor a Lisboa, o pudesse, então, fazer no momento em
que os outros dados possam ser fornecidos ao Sr. Professor para um
futuro depoimento.
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O Sr. Presidente: - Na minha questão inicial quis também focar
esse aspecto. O Sr. Professor precisa dos dados complementares de 1995 em diante para depois poder vir à Comissão.
Tem a palavra o Sr. Dr. Xavier de Brito.
O Sr. Dr. Xavier de Brito:- Na sequência do que disse o Dr. José
Luís Ramos, acho que é da máxima utilidade ouvir o Prof. Duarte Nuno
Vieira, mas apenas depois de devidamente informado sobre o caso. É que esta questão arrasta-se desde 1980 e existe uma informação de matéria
médico-legal, que começa com todas as investigações feitas ~o ~ocal até aos exames autópticos, que foram posteriormente continuados em
. exumações.
Portanto, sugiro que a Comissão possa rr fornecendo estes
elementos ao Sr. Professor para ele os ir estudando e então estar poder
estar devidamente informado quando voltar à Comissão, dizendo, nessa
altura, de sua justiça, o que opina sobre o assunto. Gostaria de o~ter esse acordo, e acho que se ganhava tempo em ir
enviando esta documentação ao Sr. Professor, embora de forma
};pnfidencial, claro.
O Sr. Presidente: - Certamente, o Sr. Dr. Xavier de Brito, como
especialista nesta matéria, poderá dar uma ajuda à Comissão, quer à Mesa, quer aos excelentes funcionários que nos apmam, mas que,
obviamente, não são especialistas para saber o que interessa
concretamente ao Prof. Duarte Nuno Vieira. Portanto, é óbvio que
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gostaríamos que os dois nos dissessem o que interessa, para não termos
de o obrigar a dividir o seu depoimento, estando agora a responder às
questões colocadas pelo Dr. José Luís Ramos sobre o que se passou e
sobre os conhecimentos que já tinha em 1995 e depois dizendo: <
Parece que seria, para o Sr. Professor, mais do que para nós, estarmos a
abusar da sua paciência e do seu tenipo.
Portanto, teria interesse sabermos quais os elementos de que
precisa, os quais vamos ver se estão em alguril. dos nossos j~ longos_ . processos que aqui estão e vamos ainda ver outros elementos - é que,
como sabem, faltam ainda alguns elementos do tribunal, que estão para
chegar. O processo está no Tribunal da Relação de Lisboa e, como I
sabem, este tribunal enviou-nos já muita documentação, aliás, foi por isso que esta Comissão retomou os seus trabalhos, mas ainda faltam alguns
elementos.
Portanto, interessa que haja uma lista de documentos para fornecer ao Sr. Professor, a qual não precisa de ser feita já.
Tem a_palavra o Sr. Prof. Duarte Nuno Vieira.
· ~ ~ . ·O Sr. Prof. Dr. · Duarte Nuno Vieira: - Sr. Presidente, diria que numa primeira fase o essencial seriam relatórios da autópsia e das
exumações que sucessivamente foram feitas, bem como os relatórios de
alguns exames complementares da autópsia, que tenham sido
eventualmente realizados, designadamente exames. radiográficos. Depois,
em face em disso, eu veria se haveria mais alguma coisa que
eventualmente fizesse falta. Ao ler os relatórios, veria o que foi feito e o
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I â
u ,
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que houve, mas numa primeira fase os elementos que constam do
processo são os que me interessam particularmente. Sobre os restantes,
não terei competência para me pronunciar. Os elementos médicos do
processo seriam os fundamentais nesta primeira fase.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Xavier de Brito.
O Sr. Dr. Xavier de Brito: - Gostaria de acrescentar o seguinte:
penso que talvez fosse útil para o Sr. Professor dispor também de
relatórios de levantamentos no local, que tenham sido feitos, porque estes
habitualmente relacionam-se de peito com as autópcias médico-legais.
Levanto também a questão d~s radiografias, que são documentos que têm características especiais; estamos com dificuldades em obte-los e
a minha sugestão era a de que fossem fomecid.~s ao Sr. Professor, por enquanto, relatórios dessas radiografias e que, um pouco antes da sua
presença, novamente, na Comissão, observasse os documentos
radiográ:ficos que tivéssemos e que, assim, aceitasse que não enviássemos
cópias desses elementos. É que para nós está ser também um pouco complicado obte-los.
O Sr. Presidente: - Como sabe, tendo ·ficado subjacente a esta intervenção, não temos radiografias, elas estão no processo no tribunal,
mas temos os relatórios que podem ser enviados. Estamos a ver a
possibilidade de, a curto prazo, obtermos cópias dessas radiografias,
cujos originais estão no processo que, neste momento, se encontra no · Tribunal da Relação.
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Sr. Professor, parece-lhe bem esta metodologia?
O Sr. Prof. Dr. Duarte Nuno Vieira: - Parece-me óptima_ a
metodologia! Neste momento é que não me parecia habilitado a
pronunciar-me.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Apesar d~ lhe termos estragado o almoço, ainda bem não lhe estragáinos o dia, porque tinha de vir a Lisboa ~ só o obrigámos a vir duas horas mais cedo e fizemo-lo· esperar uma hora, que
é sempre indelicado. Mas sabe como são os depoimentos que se
prolongam mais do que pensávamos.
Tem a palavra _o Sr. António Braga.
O Sr. António Braga (PS):- D!· José Luís Ramos e Augusto Cid: relativamente ao· testemunho do Professor que aqui recebemos
anteriormente, há um enriquecimento do requerimento, segundo o que
percebi. Ou seja, há~ enriquecimento da matéria substantiva constante JP,O requerimento subscrito pelo Dr. José Luís Ramos. O Dr. José Luís
Ramos tinha suscitado a vinda do Professor por via de uma experiência
directamente relaci~nada com o levantamento do estudo das exumações. Mas agora o Dr. Xavier de Brito acrescentou um outro elemento, o de
fazer um estudo das questões que estão para além desse trabalho do
Professor.
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Gostaria apenas de clarificar esta questão, porque, na minha
opinião - e farei um requerimento nesse sentido - teremos, depois, de
confrontar a opinião do Professor com a dos autores dos relatórios que
ele vai estudar. É elementar que tenhamos de fazer isso, uma vez que há um passo relativamente distinto do que estava previsto no requerimento
que aprovámos por unanimidade.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Dr. Xavier de Brito, para
fazer questões complementares ao Sr. Prof. José Cavalheiro.
O Sr. Dr. Xavier de Brito: -As questões que gostaria de colocar . ,
nesta fase são de carácter muito técnico, relativamente à possibilidade de
ser feita a tal avaliação densitométrica das radiografias. Por um lado, gostaria de saber se no equipamento de que dispõe
existe limite de resolução espacial para isto e, por outro lado, que
inconveniente é que vê em fazer os mesmos exames em películas de
cópias dos originais radiográficos obtidos?
Finalmente, há mais um tipo de comparação que poderá ser feita.
. Não sei se o Sr. Prof. está ao corrente, mas nos corpos eXUIIl.ados foram
feitas T AC . pela primeira vez e, portanto, há alguns valores H , .
densitométricos, não necessariamente de todos os fragmentos, ~as também não podemos avaliar isso, porque não temos os originais dos
filmes. De todo o modo, essa confrontação também poderia ser .feita.
De qualquer maneira, gostava de saber em eventuais películas de
cópias dos documentos radiográficos inicialmente obtidos quanto é que
fica prejudicado este seu trabalho. 87
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Dr.
José Cavalheiro.
O Sr. Prof. Dr. José Cavalheiro: - Eu não sou radiologista, mas,
tanto quanto sei, normalmente os radiologistas não usam a densitometria
como técnica normal de avaliação. Norinalmente a avaliação radiográfica
é feita pela morfologia dos órgãos observados para definir se a
radiografia está ou não bem tirada.
. O dçnsitómetro de que dispomos - digo nós mas, mais uma vez, é a
Faculdade de Medicina Dentária, embora tenha sido eu que o comprei, '
pois · dirijo lá a investigação em colaboração com a Faculdade de Medicina Dentária do Porto, nomeadamente na orientação de
doutoramentos - tem uma resolução espacial que presumo que seja de 1 mm ou 2 mm de diâmetro, não lhe posso agora garantir o valor, portanto,
permite, de facto, uma leitura pontual, com possibilidade de se fazer uma
limitação da área de observação a um orificio .que julgo que é desta ordem, mas teria de ver esse valor exactamente.
Quanto à hipótese das cópias, se elas, realmente, forem fidedignas, e, ~e calhar, aí um radiologista poderá ver se a cópia tem a qualidade e, portanto, se a gama da película não foi excedida para baixo ou para c4'na,
ou seja, se, eventualmente, não se ultrapassaram os limites de resposta da · película, penso que será válida a conclusão.
O Sr. Presidente: - Desejam colocar ao Sr. Prof. Dr. José Cavalheiro mais àlguma questão complementar?
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O Sr. Dr. Xavier de Brito: - Não se trata de uma questão, Sr.
Presidente, mas, sim, de uma apreciação. Julgo que este exame
densitométrico, de facto, tem utilidade - e nesse sentido fizemos um
requerimento para ver se seria possível fazê-lo -, agora também
reconheço que possa haver muitos factores de limitação. Não tenho
dúvidas de que temos partículas submilimétricas e, portanto, vamos ter
densidades médias que ultrapassam as da película e, não conhecendo uma
série de características à partida... Nós não disponio~ da curva característica do filme inicialmente obtido; não há controlo de qualidade
do process~ento do filme que foi realizado; não conhecemos as ·condições radiográficas; não podemos fazer os estudos comparativos que
fez, portanto, apesar de alguma limitação, estou convencido de que a
diferença de contraste que temos é tão grande que algum valor isto
deverá ter e, pelo menos, pode ajudar a não levantar mais questões como foi feito no passado.
O Sr. Presidente:- Muito obrigado, Sr. Dr. Xavier de Brito
Sr. Prof. Dr. José Cavalheiro, mais algum comentário a esta
intervenção? o ,
O Sr. Prof. Dr. Jósé Cavalheiro:- Só um pequeno comentário. Na
imagem que julgo ter visto na televisão, o tal contraste era, de facto, muito grande e excederia largamente os limites da película. Isto é, os
objectos e'stranhos que nelá figuravam estavam numa zona em que já não há resposta da película. Portanto, isso acontece quando a densidade é
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
7 de abril De 2015
(52.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1. Audição dos peritos da Inspeção-geral de finanças sobre a auditoria
final ao Fundo de defesa militar do ultramar:
Dr. Fernando Lobo do Vale
Dr.ª Conceição Rodrigues
Dr.ª Ana filipa Gonçalves.
2. Audição do inspetor Joaquim Gonçalves
3. Audição do inspetor Paulo Condesso Franco
4. Audição do inspetor Herculano Lourenço Morgado
5. Audição do Inspetor Mário Jorge Coimbra Mendes
6. Audição do Coordenador Superior da PJ Eduardo Dias da Costa
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SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 9 horas
e 49 minutos.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale (Inspetor de Finanças Chefe e
coordenador da equipa), que fez uma intervenção inicial, e as Sr.as Dr.as
Maria da Conceição Ferreira Rodrigues e Ana Filipa Gonçalves (Inspetoras
de Finanças Superior), na qualidade de peritos responsáveis pela auditoria
final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, responderam aos Srs.
Deputados Miguel Santos (PSD) e Raúl de Almeida (CDS-PP).
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 11 horas e 5 minutos e
retomou-os às 11 horas e 25 minutos, com a audição do Sr. Joaquim
Gonçalves (ex-Inspetor da Polícia Judiciária), que respondeu ao Sr.
Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD) e ao Sr. Representante dos Familiares
das Vítimas Augusto Cid.
Foram dadas informações à Comissão, tendo usado da palavra, além
do Sr. Presidente, o Sr. Deputado Miguel Santos (PSD).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 11 horas e 58 minutos e
reiniciou-a às 12 horas e 35 minutos, com a audição do Sr. Paulo Condesso
Franco (ex-Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária), que respondeu aos Srs.
Deputados Pedro do Ó Ramos e Miguel Santos (PSD) e ao Sr.
Representante dos Familiares das Vítimas Augusto Cid.
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 13 horas e 30 minutos e
retomou-os às 14 horas e 44 minutos, com a audição do Sr. Herculano
Lourenço Morgado (ex-Inspetor da Polícia Judiciária), que respondeu ao
Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 15 horas e 17 minutos e
reiniciou-a às 15 horas e 45 minutos, com a audição do Sr. Mário Jorge
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Coimbra Mendes (ex-Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária), que respondeu
aos Srs. Deputado Pedro do Ó Ramos (PSD), Isabel Oneto e Inês de
Medeiros (PS) e João Gonçalves Pereira (CDS-PP) e aos Srs.
Representantes dos Familiares das Vítimas Eva Henningsen, Augusto Cid e
Nuno Cerqueira.
O Sr. Presidente suspendeu os trabalhos às 17 horas e 17 minutos e
retomou-os às 17 horas e 38 minutos, com a audição do Sr. Eduardo Dias
da Costa (ex-Inspetor-Coordenador Superior da Polícia Judiciária), que
respondeu aos Srs. Deputados Pedro do Ó Ramos (PSD) e Isabel Oneto e
Inês de Medeiros (PS) e aos Srs. Representantes dos Familiares das
Vítimas Augusto Cid e Nuno Cerqueira.
Por último, os Srs. Deputados Miguel Santos (PSD), José Ribeiro e
Castro (CDS-PP) e Inês de Medeiros (PS) e o Sr. Representante dos
Familiares das Vítimas Nuno Cerqueira pronunciaram-se sobre a realização
à porta fechada das audições dos Srs. Fernando Farinha Simões, José
António dos Santos Esteves, Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves,
Coronel João Santos Fernandes e Dr. João Múrias.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 11 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Srs. Deputados, declaro
aberta a reunião.
Eram 9 horas e 49 minutos.
Srs. Deputados, dou as boas-vindas aos nossos depoentes de hoje, os
peritos da Inspeção-Geral de Finanças, que vêm depor sobre a auditoria
final ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU). Agradeço a
presença do Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale, chefe da equipa, e das Sr.as
Dr.as Conceição Rodrigues e Ana Filipa Gonçalves.
Gostaria de saber se se opõem a que a audição se realize à porta
aberta, com a presença dos jornalistas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale (Inspetor de Finanças Chefe e
coordenador da equipa): — Não nos opomos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Então, passo a dar conhecimento da grelha, que
é a seguinte: uma primeira ronda de 5 minutos, uma segunda ronda de 3
minutos e uma terceira de 2 minutos.
Pergunto se pretendem fazer alguma intervenção inicial
relativamente ao trabalho realizado sobre o Fundo de Defesa Militar do
Ultramar, para, depois, passarmos à fase das perguntas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sendo possível, farei uma
pequena intervenção inicial.
O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra, Sr. Dr. Fernando Lobo do
vale.
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Bom dia, Srs. Deputados,
começo por lembrar, em primeiro lugar, que nesta mesa deveriam estar
quatro inspetores e só estão três. Um colega nosso, o Dr. Mário Lehmann
Araújo, faleceu há pouco tempo e foi o elemento jurista que elaborou o
parecer que está incluído no nosso relatório e que, depois, colaborou na
execução do respetivo relatório.
Nosso colega há muito tempo, dedicou a sua vida à Inspeção-Geral
de Finanças e noutros cargos públicos. Esta era o primeiro ponto que eu
queria referir, lembrando que, com o seu falecimento, logicamente, alguma
explicação poderá ser prejudicada, porque ele era a pessoa que estava mais
habilitada para responder, nomeadamente, a matéria relacionada com
questões jurídicas, aos Srs. Deputados.
Em segundo lugar, quero dizer que, conforme foi dito na última vez
que cá estivemos, houve um processo de credenciação dos inspetores. Esse
processo de credenciação efetuou-se junto do Estado-Maior-General das
Forças Armadas (EMGFA), o que nos permitiu ter acesso a toda a
documentação que existia nos arquivos consultados. No entanto, será de
lembrar que toda a documentação classificada que foi encontrada apenas
serviu para confirmar informações obtidas noutros documentos, pelo que,
no relatório que apresentamos, não há nenhuma informação que possa ser
considerada classificada.
Quero lembrar também que terminámos a nossa auditoria com a
convicção de que a consulta de mais documentação não iria trazer novas
informações ao nosso relatório. Portanto, consideramos que todos os
elementos consultados foram basicamente aqueles que iriam sempre
fundamentar qualquer relatório de resposta às perguntas dos Srs.
Deputados.
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Estes eram os três pontos que eu queria, antecipadamente, colocar
aos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Vamos dar início à fase das perguntar, para o
que dou a palavra ao Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Bom dia, Sr. Presidente, Srs.
Inspetores e Srs. Deputados. Antes de mais, quero agradecer à equipa de
inspetores a forma diligente, que está transcrita no relatório, consegue-se
ver no relatório, como encararam esta segunda parte da missão, isto porque
houve uma primeira parte e esta foi, digamos, a segunda parte.
Tenho algumas questões para colocar, sobretudo no sentido de pedir
que me ajudem a interpretar algumas questões, por forma a ficar com uma
certeza sobre o que consegui perceber deste relatório.
Começo pelo Fundo de Defesa Militar do Ultramar, que era a
questão principal. Agora, já conseguimos fazer uma cronologia, que vai
para além do tempo em que o relatório anterior se tinha dedicado, dos
movimentos do Fundo. E aquilo que eu consegui perceber pelo relatório, e
talvez os Srs. Inspetores possam confirmar e explicar melhor, foi que,
tirando o período de 1981/1982, em que não conseguem refletir o que
aconteceu com o Fundo, que movimentações é que o Fundo teve, já
conseguem estabelecer toda a cronologia do Fundo até 1993, salvo erro.
É isto?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em termos de saldos,
conseguimos, praticamente, ver os movimentos finais, ou seja, os saldos
existentes.
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Quanto aos movimentos, houve anos em que se conseguiu verificar
quais eram os movimentos que estavam contabilizados e houve anos em
que não se conseguiu, e isto vem refletido. Houve situações em que se
verificou a contabilização, no entanto, não se pôde confirmar totalmente
essas utilizações. Uma das diligências que fizemos foi ir a outros locais,
portanto, fora do Ministério da Defesa Nacional, para tentar, por exemplo,
confirmar determinado tipo de despesas, mas, dado o tempo que já tinha
passado, foi impossível confirmar a 100% determinadas utilizações.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, o Fundo de Defesa Militar
do Ultramar tem o seu sucedâneo, um fundo privativo do Estado-Maior-
General das Forças Armadas, que é a continuação do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar. No fundo, acaba por ser isto.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos dizer que é um
novo fundo, com outras regras, mas, no fundo, é o sucedâneo, pois para
esse fundo privativo do Estado-Maior foram transferidas as verbas que
existiam.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foram transferidas as verbas do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e o fundo privativo, durante a sua
vivência, não recebeu qualquer dotação orçamental, não recebeu verbas?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não, não recebeu verbas!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Viveu à custa do que restava do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Durante todos aqueles anos, até
1993, o que o fundo privativo fez foi ir gastando o que restava do Fundo de
Defesa Militar do Ultramar, porque não foi reforçado. Portanto, no fundo,
era o mesmo fundo, mas com regras diferentes. Sim, há regras diferentes!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Nunca foi, no fundo,
reforçado, como disse, com verbas provenientes fosse de onde fosse.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi vivendo, gastando as verbas que
restavam.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Até 1993, altura em que foi
integrado no orçamento do Estado-Maior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em 1993!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em 1993!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Podemos concluir que o Fundo, na
verdade, só em 1993 é que… Recordo as audições do início da Comissão
de Inquérito, inclusive a primeira audição que tivemos com os Srs.
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Inspetores, e agora, podemos concluir efetivamente que o Fundo só foi
extinto, na verdade, materialmente, em 1993.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos concluir, dentro
dessa interpretação, a de utilização de um fundo isolado, embora com outro
nome, com diretrizes diferentes em termos de utilização, derivado,
portanto, do Decreto-Lei n.º 548/80, que, na prática, foi um novo fundo
alimentado por um fundo anterior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Inspetor, o Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, com aquelas verbas que tinha, foi utilizado para tudo e
mais alguma coisa, pelo que conseguimos ver nos registos que resultam do
primeiro relatório,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … que os Srs. Inspetores fizeram. O
Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi utilizado para variadíssimos fins,
até para compra de agendas, de material militar, para variadíssimos fins. E
este fundo privativo tem outro tipo de regras, uma competência
diferente,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … um nome diferente, mas tem o
mesmo dinheiro e uma utilização também variadíssima.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Tem o dinheiro que sobrou.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — O Fundo de Defesa Militar
do Ultramar era um fundo que ia tendo receitas. Tinha despesas, tinha
gastos, mas tinha receitas.
O fundo privativo passou apenas a gastar o dinheiro que, no fundo,
era o saldo do fundo anterior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, entre 1981 e 1982, os Srs.
Inspetores não conseguiram encontrar movimentos do novo fundo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não! É a partir de 1982,
basicamente, que…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, entre 1981 e 1982?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues (Inspetora de
Finanças Superior): — Em 1981, o saldo foi transferido, mas, depois, só foi
integrado nas contas do EMGFA em 1982. Portanto, há ali um período em
que o dinheiro esteve parado. Não sabemos o que foi feito! Pode ter sido
aplicado em muita coisa, mas não sabemos em quê! É isto que queremos
dizer.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já percebi! É o mesmo valor?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É o
mesmo valor!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estava só a confirmar se em 1981 e
em 1982, quando voltam, o valor é o mesmo.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Agora, entre os anos de1982 e 1992,
pelo que estou a ver no relatório, tínhamos o saldo de 510 milhões de
escudos e, em 1993, 29 milhões de escudos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, entre 1982 e 1992, dos 510
milhões, que era o que restava do Fundo, foram gastos 481 milhões de
escudos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E ficaram 29 milhões!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Agora, vamos ver em que é que foi
gasto entre 1982 e 1992. E aqui temos as mais variadíssimas utilizações,
pelo que está no relatório, para polidesportivos ou polivalente, para pintar
quartéis, encontramos de tudo. Mas aquilo que não se encontra, pelo que
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vejo no relatório, são faturas, pagamentos, adjudicações, contratos de
empreitada. É assim?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — É!
Realmente, nós só temos dois anos em que o gasto é discriminado,
porque, nos outros anos, não sabemos exatamente onde é que o dinheiro foi
aplicado. Portanto, só há dois anos, temos no relatório um mapa, não sei se
realmente tem aí… Temos nas págs. 56 e 57 do Anexo II onde o dinheiro
foi utilizado. Mas aqui em cima, no título do quadro, temos o ano, 1982 e
1986, nos outros anos não conseguimos ter qualquer discriminação da
despesa.
Ou seja, se formos ao relatório, verificamos, na pág. 23, as rubricas
e, depois, na pág. 24, temos, por anos, os montantes que foram gastos.
Temos aqui a despesa em 1982, em 1983, e por aí fora. Ora, destes
montantes só temos realmente discriminação da despesa para os anos de
1982 e 1986. Todos os outros valores… Por exemplo, temos, em 1983, 198
milhões de escudos; em 1984, 1985… realmente não sabemos onde é que o
dinheiro foi gasto.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Inspetora, aqui, no Anexo II,
pág. 56, por exemplo, há um conjunto de despesas (uma, duas, três, quatro,
cinco, seis, sete), contínuas, todas elas descritas como «Limpeza e pinturas
exteriores no edifício do EMGFA», com os valores de 1,3 milhões, 1,2
milhões, 1,8 milhões, 1,7 milhões, 855 000, 1,4 milhões e 338 000 escudos.
Isto aqui tem um documento de suporte, que está aqui identificado.
Portanto, isto tudo em 1982.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Diz aqui: «B/82».
Portanto, em 1982, foram gastos no mesmo ano para aí uns 7 milhões
a limpar e a pintar o edifício. Conseguiram perceber este dispêndio, este
gasto, por causa do documento de suporte. Mas, em cima, por exemplo,
quando começa este anexo, temos para «Construção de piso para instalar
no pavilhão desportivo», 4 milhões; 15 milhões para «Construção de
pavilhão desportivo ao regimento de infantaria de Tomar»; e por aqui
abaixo. Diz aqui, na coluna do documento de suporte, «Transf».
Ou seja, consigo identificar este movimento através de uma
transferência bancária?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves (Inspetora de Finanças Superior):
— Não! Havia um documento que indicava ter havido uma transferência
para aquela entidade e para aquele objetivo, para aquele motivo. Se o
motivo foi, ou não, esse, é a tal questão que o meu colega já referiu, que,
depois, na entidade respetiva, já não foi possível confirmar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Todos estes movimentos, que estão
neste Anexo II, perfazem os 161 milhões de escudos. Encontraram alguma
fatura, alguma ordem de pagamento, um contrato de empreitada, uma
adjudicação de empreitada?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Contratos de empreitada, não!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, um processo administrativo
de suporte a…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Isso foi o que tentámos,
digamos, na outra entidade, para onde o dinheiro teria ido para fazer a obra
ou o serviço.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E claro que fisicamente também não
se consegue comprovar a realização destas empreitadas. Estamos a falar de
1982. Portanto, se se gastaram 7 ou 8 milhões de escudos a limpar e a
pintar o edifício, de 1982 até agora, o edifício terá ficado…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Há, digamos, a referência de
para onde teria ido e para quê.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, sim.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Mas, se foi efetivamente, não
conseguimos saber.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sr. Deputado, posso
acrescentar que mesmo no arquivo, em Santa Clara, da Divisão de Obras,
que é um arquivo que está extremamente bem organizado, esses edifícios
não constavam como tendo tido obras nessas alturas. E não estamos a dizer
que não constavam por terem sido retirados, porque, normalmente, eram
edifícios que não estavam sequer nessa divisão de arquitetura e obra de
engenharia.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Srs. Inspetores, existe algum registo
de um pagamento destes valores, de saída de um sítio e entrada num outro
sítio, ou de alguém para alguém?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Temos as
contas bancárias que suportavam estes movimentos, e fez-se a
reconciliação bancária. Foi o que se fez.
Portanto, temos a informação de que este dinheiro saiu realmente da
conta bancária.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Concretizando: relativamente a
qualquer um destes movimentos que aqui estão, por exemplo, aos 4
milhões para a construção de piso para instalar no pavilhão desportivo, nos
movimentos consegue perceber-se para quem foi transferido o dinheiro, a
quem foi pago?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não. Só mostra aquela
transferência, e quando tínhamos os extratos bancários. Não enquadrámos
todos, todos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas em algum caso conseguiu-se
perceber qual foi o destino? Quem é que recebeu o dinheiro? Qual foi a
empresa que fez esse serviço?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
encontrámos nenhum documento! Não há nenhum documento que…!
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A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não. Só no documento que
dizia para onde tinha ido e para o que era. Mas confirmar, digamos, do
outro lado, se foi efetivamente para ali…!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Por exemplo, esta construção de piso
para instalar no pavilhão desportivo, nesse documento, é possível perceber
que foi para uma empresa de construção um x, y, etc.?!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não! O que diz é o que está
aqui, a entidade para onde foi.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — O ramo!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, depois deve ter feito…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Diz que o dinheiro foi
utilizado para a construção de um pavilhão gimnodesportivo. Agora, se
esse pavilhão foi, efetivamente, construído? Calculamos que sim, mas não
há nenhum processo de concurso, faturas de fornecedores… No fundo, os
únicos elementos que obtivemos foi junto do Estado-Maior, onde estavam
apenas alguns lançamentos, não era propriamente dito todo o processo de
obra, de utilização direta do dinheiro.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós temos
aqui a entidade que recebeu a obra. Temos aqui, mas de forma genérica. Ou
seja, não há nenhum documento específico, através do qual consigamos
dizer: «Olhe, foi para aqui…! Fez-se aquela obra…! Está aqui todo o
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processo!», e, pronto, justifica realmente que aquilo foi feito. Não, isso
não!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, recapitulando…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Isso não,
mas temos os destinatários.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Recapitulando: do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, ou do privativo, como se veio a chamar a seguir, do
mesmo dinheiro existe o registo para, por exemplo, em 1986, a construção
de um edifício para preparação de munições para ensaios no Campo de
Tiro de Alcochete. Do Fundo saiu 1 491 000$ para o Conselho
Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É só isto que se sabe?
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, supostamente, destinava-se a este
objetivo, a este fim, mas, depois, não se sabe se foi feita a construção, a
empreitada, a reparação, ou o que quer que seja,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — … a quem foi pago o dinheiro. Disto
não se sabe rigorosamente nada!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não há memória viva…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não. Não
conseguimos encontrar.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — … e, no que toca à memória
morta, de documentos, muitas vezes…
É preciso relembrar duas situações: por exemplo, na Força Aérea,
todos os documentos estão microfilmados, e são milhares ou milhões de
documentos, e a sua organização não permite facilmente a localização dos
documentos que poderíamos querer, direcionados para um determinado
investimento.
Por outro lado, também se processaram muitas alterações na
estrutura orgânica das Forças Armadas; por exemplo, muitas vezes, a
entidade que, depois, faria o concurso era uma na altura, passados 10 anos
era outra e agora já é outra.
Em alguns arquivos, quase que a memória viva que havia era a da
minha colega, que tinha estado como perita nas duas auditorias anteriores.
Ela era a que tinha memória viva mais… era quase a única, em relação aos
interlocutores que tivemos.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas só até
1980! Nós só verificámos até 1980 no nosso trabalho anterior.
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sim, a seguir foi neste!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Deixem-me, então, resumir: até
1993, entre 1982 e 1993, este fundo privativo, que tinha o dinheiro do
Fundo de Defesa Militar do Ultramar, começou com 510 milhões de
escudos e acabou com 29 milhões de escudos. Estes 29 milhões de escudos
é que foram integrados no Orçamento do Estado.
Portanto, quando em 1980 se falava na extinção do Fundo de Defesa
Militar do Ultramar, nós perguntámos: «Então, aonde está o dinheiro? Para
onde foi o dinheiro?», e a reposta foi «Ah, supostamente terá sido
integrado…»! Não, isto só aconteceu em 1993! Só em 1993, passados 13
anos, é que o saldo final do Fundo de Defesa Militar do Ultramar foi
integrado no Orçamento do Estado, e o saldo final era de 29 milhões de
escudos, porque até lá, 481 milhões de escudos, foi sendo gasto, de 1982 a
1993. Durante 11 anos, foram gastos 481 milhões de escudos e aquilo que
os Srs. Inspetores apuraram, e consta deste relatório, é que foram gastos
com um determinado propósito, e consegue-se perceber que foram
transferidos para um determinado organismo ligado às Forças Armadas,
ponto final.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Algum!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Algum!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Só em 1982 e 1986!
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Relativamente aos outros anos, não sabemos de nada!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Relativamente aos outros anos, nada
se conseguiu apurar. Não há documentos! Ou seja, nós não conseguimos
saber até hoje, efetivamente, desses 481 milhões de escudos, a quem foram
pagos. Supostamente, foram para pintar um edifício, foram para criar um
polivalente ou um polidesportivo.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Nem os beneficiários, nem as
mais-valias!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se sabe!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não se consegue saber!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O dinheiro foi sendo gasto…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Sobre as mais-valias,
tendencialmente, em 1982 e 1986, podemos saber para onde se dirigiram.
Nos outros anos, nem as mais-valias. Os pagamentos em si concretos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Para além disso, há aqui uma parte
que os Srs. Inspetores referem, que é interessante. Os senhores dizem que é
possível concluir que nos anos de 1982 a 1987 «(…) os saldos existentes
em depósitos à ordem (…) são muito inferiores aos que resultam da soma
dos valores das contas de gerência dos fundos (…) do EMGFA e das contas
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desta entidade que se encontrariam depositado (…) naquelas datas, (…)».
Ou seja, falta aqui dinheiro, isto não bate certo!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É um bocadinho difícil
sermos perentórios a dizermos que falta dinheiro. Tentámos conciliar as
contas, e, na realidade, foi um processo, pode dizer-se, com uma
percentagem de êxito muito pequena.
Risos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Outra vez, Sr. Inspetor, se me
permite.
Nós não sabemos para onde foram os 481 milhões de escudos. Não
sabemos para onde foram, quem os recebeu, que contas é que foram
transferidas, qual foi o destino. Sabemos que há um papel, um registo que
diz que foi para pintar,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Há um registo de que terão
havido algumas mais-valias em alguns locais.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … para realizar algumas
reparações…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Enfim, este é um aspeto. Um outro
aspeto é conciliar as contas com os saldos, e também falta aqui…
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Há uma percentagem muito
pequena de conciliação.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A história do Fundo, de facto, dava
para escrever um livro! Aliás, o livro já está escrito, são os vossos
relatórios. Os relatórios dos Srs. Inspetores é o livro da história do Fundo.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É possível. É possível nesta
data, há um ano, porque, agora, se calhar, ainda seria menos possível.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas aqui, na página 46, também
vem referido que efetuaram contactos, quer com a Força Aérea, quer com o
Exército, para tentar confirmar a realização destas empreitadas, destas
reparações, e que também não foi possível. Ninguém consegue confirmar
que isto foi efetivamente realizado. É assim?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — É!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quem é que, então, autorizava estas
transferências? Refiro-me às que vêm aqui no anexo II, página 56, que diz
que foram transferidos 2 500 000, 1 500 000, 2 500 000 para o Comando
Logístico e Administrativo da Força Aérea, por exemplo, mas não é o
único caso, para obras, para uma série de coisas. Quem é que autorizava
estas transferências?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Conforme eu já referi, nós
apenas verificámos lançamentos, a existência de lançamentos nesses dois
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anos, e não de documentação de processos, devidamente organizados e,
nomeadamente, com as devidas autorizações.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas, nos termos legais, quem é que
tinha a competência para autorizar as transferências do fundo privativo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Era a Comissão do Estado-
Maior. Era a Comissão do EMGFA que estava na altura.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Era a COMPAE (Comissão do Plano
de Aquisições do Exército).
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não, não!…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não, não!
Era o CA/EMGFA, o Conselho Administrativo!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, o Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas tinha de aprovar anualmente o relatório, a
conta de gerência,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … o saldo e o plano de
investimentos para o ano seguinte.
Vamos por partes, portanto. Todos os anos o Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas tinha de aprovar o relatório de saldos de
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gerência, de gastos, de utilização do Fundo, e o plano de investimentos para
o ano seguinte, é o que constava daquela…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Teoricamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Encontraram algum documento
aprovado pelo Chefe do Estado-Maior de algum ano relativamente à
utilização do Fundo?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerências anexámos…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Não…! Acho que não!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: —
Anexámos, sim! Não sei se estou a confundir, mas penso que anexámos
uma parte, anexámos estas atas…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Sim, mas, para além disso,
havia as contas de gerência…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está aqui
assinado por António Augusto Gaspar Correia, por exemplo. Isto são os
movimentos de conciliação… Não, não juntámos nada!
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Não temos documentos que
comprovem.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
temos!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, nos termos legais, o
relatório de gerência e o plano de investimentos para o ano seguinte tinham
de ser aprovados pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Teoricamente, sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não é teoricamente, é nos termos da
lei, Sr. Inspetor, do que foi definido legalmente, quando supostamente o
Fundo de Defesa Militar do Ultramar estava extinto. O diploma que o
extingue e que cria o fundo privativo consagra a competência do Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas para aprovar o relatório de
gerência e para aprovar o plano de investimentos para o ano seguinte. E eu
pergunto se encontraram algum relatório de gerência ou algum… Ou seja,
este fundo privativo continuou a existir, violando a lei, à margem da lei, tal
como o Fundo anterior, o Fundo de Defesa Militar do Ultramar. Até 1993,
tivemos um fundo privativo a ser utilizado desta maneira, violando a
própria lei, porque tem de haver documentos a aprovar o relatório de
gerência e o plano de investimentos.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Encontrámos a conta de
gerência do fundo privativo, exceto o ano de 1985.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Aprovada por alguém?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nós temos
aqui, num auto de declarações com o Sr. Coronel António Augusto Gaspar
Correia, ele foi ouvido em declarações, que o saldo do FDMU, apurado nos
finais de 1980, foi transferido para o EMGFA no ano de 1981, tendo, no
ano seguinte, 1982, sido criado nesta entidade o fundo privativo, como já
sabemos, para gestão do saldo de 547 milhões de escudos. Verificámos a
afetação dada ao dinheiro, nomeadamente nos anos de 1982 e 1986, tendo-
se constatado transferências para os diversos ramos das Forças Armadas,
destacando-se a Força Aérea e o Exército, e gastos com despesas do
próprio EMGFA.
Perguntámos-lhe como foi decidido e por quem, quem decidiu o
destino do dinheiro e o tipo de despesa que financiou e, para exemplo,
juntámos mapas dos gastos em 1982 e 1986, do Fundo e as transferências
efetuadas nestes anos para a Força Aérea e para o Exército — temos o
conjunto Anexo II, que está anexo a este auto. E ele respondeu, referindo
que quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro era o Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas quem movimentava era o
Conselho Administrativo do EMGFA.
Portanto, temos aqui, neste auto de declarações, que anexámos, faz
parte dos anexos…
O Sr. Presidente: — Sr.ª Inspetora, esse anexo foi junto ao relatório?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Foi, foi.
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O Sr. Presidente: — Está junto ao nosso relatório?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Está, está.
O Sr. Presidente: — Se não, ia pedir-lhe para nos deixar fotocopiar
isso…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Este
anexo… Na parte dos autos de declarações, acho que são os Anexos I a III
ao relatório. Nós temos aqui dois tipos de anexos, os anexos ao relatório e
os anexos que integram o relatório. Temos os anexos que integram o
relatório e temos, depois, os outros que são… E há o I, o II e o III, que têm
os autos de declarações, sendo um deles o deste Sr. Coronel António
Augusto Gaspar Correia. Portanto, ele diz isto, isto é, realmente…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito bem, já percebi.
Sr.ª Inspetora, se me permite, tem uma declaração de um coronel que
refere isso,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … que é aquilo que nós já sabemos,
se lermos o diploma que consagra o fundo privativo e como o fundo
privativo é utilizado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Que diz
isso.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quero terminar esta questão do
Fundo, porque, depois, quero colocar uma questão a propósito da CREEFA
(Comissão de Reequipamento Extraordinário do Exército e da Força
Aérea).
O Fundo continuou a viver, até 1993, à margem da lei, porque a lei
obrigava a que os relatórios de gerência fossem aprovados pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, e os Srs. Inspetores não
encontraram uma aprovação de uma conta de gerência pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — As contas estão aprovadas!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerência estão aprovadas!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Por quem?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — As contas
de gerência estão aprovadas, não é?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, mas por quem, então?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pois, é
isso. Eu acho que nós até juntámos…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Pelo Conselho Administrativo
do Estado-Maior.
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A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Pelo
Conselho Administrativo, António Augusto Gaspar Correia, por este
senhor, por exemplo, acho que ele assinava…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — As contas?!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sim, sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas as contas e o plano de
investimentos para o ano seguinte…
A Sr.ª Dr.ª Ana Filipa Gonçalves: — Exatamente! E havia as atas
também iam a aprovar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas tinham de ser aprovadas pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou pelo Conselho
Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Segundo o
que ele diz aqui, em termos legais, era pelo Chefe do Estado-Maior. O que
ele diz aqui é que quem decidia sobre a aplicação dada ao dinheiro — está
nesta ata que estou a ler — era o Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas, mas quem movimentava era o Conselho. Quem decidia
era o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas quem
movimentava era o Conselho. Agora, eu não sei é os anexos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ó Sr.ª Inspetora, isso eu já percebi.
Pergunto é se, perante isso, existe algum plano de investimentos, alguma
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conta de gerência aprovada, ou seja, formalmente aprovada, pelo Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas, como a lei obrigava. Julgo que
era assim, mas estou a tentar confirmar no diploma.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Acho que
estaria assinada por ele, para eu lhe ter feito esta pergunta…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É que, depois de aprovado o
relatório de gerência e o plano de investimentos para o ano seguinte,
compreendo que seja o Conselho Administrativo do Estado-Maior-General
das Forças Armadas a fazer estas transferências e, no fundo, esta gestão.
Mas só depois de aprovado.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Mas as
contas de gerência estavam aprovadas.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — As contas de gerência
propriamente ditas estavam aprovadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Estavam
aprovadas e assinadas pelo Conselho Administrativo. António Augusto
Gaspar Correia fazia parte do Conselho Administrativo, e o que ele diz é
isto, que eram aprovadas pelo Estado-Maior, mas, pelo Estado-Maior,
quem assinava era o Conselho Administrativo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ó Sr.ª Inspetora, vamos passar à
frente, porque eu próprio também tenho de encontrar o diploma do
Conselho da Revolução que cria o fundo privativo, para confirmar de quem
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era a competência para aprovar a conta de gerência e o plano de
investimentos do Fundo, se era do Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas, se era do Conselho Administrativo, porque são coisas
bem diferentes! Mas isso também confirmaremos mais tarde.
De qualquer forma, a última pergunta que quero fazer é relativa à
CREEFA e a uma parte do relatório em que os Srs. Inspetores afirmam
aqui… É que um dos aspetos que referíamos era o de saber qual era a
relação dos dois fundos, o do reequipamento extraordinário e o FDMU,
com a exportação de armas, se haveria aqui alguma relação. E os Srs.
Inspetores concluem, tudo bem, mas há uma parte em que referem que,
nomeadamente o FDMU, assumiu encargos respeitantes à exportação de
armas, no caso, «(…) à venda de granadas ‘OBUS’ à RFA», à República
Federal da Alemanha.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Bom, em
termos do FDMU, essa informação que está aí já estava relatada no nosso
anterior trabalho, onde se tinha visto, em momento anterior a 1980, antes
deste fundo privativo, que tinha realmente havido essa intervenção de
dinheiros na aquisição de armamento. Mas isso já está relatado no nosso
anterior relatório. Agora, daqui para a frente, não vimos mais movimentos.
Era o fundo privativo, portanto, não foi detetado mais nada.
Quando estávamos a fazer pesquisas em relação à CREEFA,
verificámos, realmente, um processo em que o FDMU era também
interveniente, mas era uma coisa… Nas declarações prestadas, também
todos eles disseram que o FDMU e a CREEFA não tinham qualquer
relação. O que nós vimos foi que, relativamente a uma situação que estava
para esclarecer já dos anteriores relatórios, e essa era uma situação um
bocado complexa, realmente, tinha saído dinheiro da conta bancária do
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FDMU, no Banco de Angola, para uma conta de Plano de Aquisições. E
nós, agora, fomos verificar que essa conta de Plano de Aquisições era da
CREEFA, CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior.
Portanto, houve transferências do FDMU para uma conta da
CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior. Nós questionámos,
mas ninguém soube exatamente responder, e questionámos porque há
documentação que diz que o dinheiro foi para ali para ser depositado na
Fazenda Nacional. A questão é esta: então, por que é que o dinheiro saiu de
uma conta do FDMU, no Banco de Angola, foi para uma conta da
CREEFA/Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças
Armadas para ser depositado no Tesouro?! Esta foi a questão que se
colocou. Realmente, há cerca de 4 milhões de escudos que vieram da conta
do FDMU, no Banco de Angola, entraram na conta da CREEFA e,
supostamente, foram depositados no… Foram, ou não, porque, depois,
também é muito difícil verificar se os movimentos se concretizaram, ou
não, no 7.º Bairro Fiscal, ou nas contas do Tesouro, já que as datas não
eram coincidentes. Aquilo era uma molhada de papéis em caixas e nós não
conseguíamos ver uma sequência. Não aconteceu neste mês, mas, sei lá,
poderia ter acontecido no mês seguinte, ou dois meses depois, nós não
podemos dizer. Ou se consegue encontrar ali que foi, realmente, depositado
nos cofres do Tesouro ou, se não, não sabemos. No fim, conseguimos ver
que houve um saldo da CREEFA, de cerca de 3 milhões de escudos, que
foi depositado nas contas do Tesouro, mas isto já foi em 1983 e, portanto,
não sabemos muito bem a sequência dos movimentos, enfim… Não sei se
baralhei, ou se…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, não! Não baralhou nada, Sr.ª
Inspetora, pelo contrário.
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Uma última pergunta mesmo: para além dessa transferência do
FDMU para a CREEFA, de que é que vivia a CREEFA? Tirando essa
transferência, de onde vinha o dinheiro para a CREEFA? O que é que a
CREEFA fazia com o dinheiro? Para onde ia o dinheiro da CREEFA?
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sobre isso,
posso, realmente, falar.
As contas da CREEFA eram uma situação muito confusa. Nós
juntámos ao nosso relatório alguns anos, para se perceber. Assim, olhando,
não se percebe nada, mas, depois de analisado, chega-se a alguma
conclusão. Nós também juntámos os mapas com os resumos das contas da
CREEFA.
No nosso relatório, apresentamos um exemplo para um período, que
é o período de 1980… Em relação à CREEFA, para já, damos a ideia de
movimento, que é cerca de 8 milhões de contos, desde 1974 a 1984. Damos
a ideia destes movimentos, na página 31, e, depois, também apresentamos
um mapa para termos a ideia do valor que foi gasto em cada um dos anos.
Em relação às contas da CREEFA, que era, concretamente, o que
estava a perguntar-me, de onde vinha o dinheiro e para onde ia, temos aqui,
na folha 60, um mapa um tanto esquisito mas que, analisado, chega a
alguma conclusão. Portanto, se olharmos, temos logo, na primeira linha…
Temos sempre aqui a designação de «Fundos», porque concluímos que isto
era um outro fundo CREEFA e que era alimentado de alguma maneira. E
como? Por exemplo, se olharmos, neste período, podemos ver que há aqui
uma forma de alimento, que é «Avisos de pagamento que referem números
de autorizações de pagamento. São saques do CA/EMGFA sobre a
Direção-Geral da Contabilidade Pública». Ou seja, o CA/EMGFA sacava
valores sobre a Contabilidade Pública e, neste período, o valor era de 21
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milhões de escudos! Portanto, isto seria uma forma de alimentar o fundo
(parece-me), porque, depois, se confrontarmos isto com o material de
guerra, que está à frente, no quadro seguinte, e vemos como é que era
autorizado, com o funcionamento da CREEFA, chegamos também a essas
conclusões.
Neste período, já temos aqui uma forma de alimentar o Fundo
(Fundo 05-02), que é a dos saques sobre o Tesouro.
Depois, temos aqui uma outra forma de alimentação, que é a
segunda: «Receita do Fundo Devedores/Credores». E o que era isto? Isto
era dinheiro resultante de processos de armamento que estavam aprovados,
e que vinham aprovados de antes do 25 de Abril de 1974, e que, a certa
altura, eram anulados e o dinheiro era descativado. Este dinheiro voltava a
alimentar o Fundo. Por exemplo, neste mês, temos aqui: «Entrega no
CA/EMGFA, pela FNMAL,…», é a Fábrica Nacional de Munições e
Armas Ligeiras, salvo erro, «… resultante da devolução de um valor
correspondente a (…)» um qualquer material de guerra.
Portanto, são duas formas de alimentar o Fundo.
Mas temos também, neste período, despesas do Fundo. E que
despesas são essas? Se formos à página 61, que é a seguinte, no mapa a
seguir, vemos como é que, neste período, o Fundo foi gasto. E temos várias
coisas, como, por exemplo, a Explosivos da Trafaria, as Oficinas Gerais de
Fardamento e Equipamento, tudo isto que está aqui relacionado, por aqui
fora, totaliza os 10 milhões de escudos. Portanto, isto seria aquilo que está
aqui indicado como despesa do Fundo 05-02. Ou seja, o Fundo era
alimentado através da Direção-Geral da Contabilidade Pública, também dos
cancelamentos de situações de material de guerra e, depois, eram pagas
estas despesas.
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Se fizermos a diferença entre estes valores que constituem o alimento
do Fundo e as saídas, apuramos um saldo de 10 788 791$ que não está aqui
revelado, mas é a diferença entre estes dois tipos de receita do Fundo, de
devedores e de credores, e de despesa.
Portanto, fica-se com a ideia de que neste mês entrou mais dinheiro
do que aquele que foi gasto; o que foi gasto foi desta forma e, agora, surge
aqui uma terminologia extremamente confusa, mas que está ligada com
isto, penso que seja apenas uma questão de terminologia. Ou seja, temos
uma conta da CREEFA, onde é possível confirmar que estes 22 milhões —
a soma do que veio deste Fundo 05-02 com os devedores e credores —
foram depositados nessa conta, foram passados cheques sobre a mesma
conta destes 10 milhões, e, portanto, isto foi feito na conta. A terminologia
é que é estranha, porque eles chamam «Resumo da receita do Fundo
Depósitos à Ordem». Ora, esta receita de Fundo Depósitos à Ordem é
precisamente o valor dos pagamentos. Portanto, isto não faz sentido em
termos de terminologia, porque é exatamente o contrário ao que estamos
habituados a ouvir. «Resumo da receita» é precisamente o dinheiro que
saiu do banco e que corresponde à despesa; «Resumo da despesa do Fundo
Depósitos à Ordem» são os 22 milhões; «Receita do Fundo» foi
precisamente o dinheiro que entrou na conta e que corresponde aos saques
sobre o Tesouro e às descativações, ou seja, à anulação de encomendas de
material de guerra.
De facto, por este exemplo podemos ver já algumas das formas de
como este Fundo CREEFA era alimentado: saques sobre o Tesouro e
descativações, ou seja, anulações de encomendas de material de guerra que
não foi fornecido e, portanto, o dinheiro entrou. É isto.
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A questão da terminologia ninguém soube explicar, mas também não
sei se é muito relevante. Dá a impressão de que havia aqui quase um código
de terminologia, é ao contrário. Mas pronto, tudo bem!
A verdade é que aqui há um valor positivo de 10 milhões de contos,
mas isto depois, no fundo… Estamos em 1980 e, em 1984, este fundo
CREEFA é extinto, fica um saldo de 3 milhões de euros que entra na
Tesouraria da Fazenda Pública do 7.º Bairro Fiscal de Lisboa, e também
temos documentos disso, que juntámos. Este resumo está suportado pelas
contas que também anexámos ao Relatório.
Como suporte, falamos aqui da CREEFA, que foi extinta, dizemos
que havia uma conta bancária…
Em relação à conta bancária, encontrámos documentos de quem a
podia assinar, e uma dessas pessoas é António Augusto Gaspar Correia,
que é precisamente o Presidente do Conselho Administrativo do EMGFA.
Se lerem os nossos autos de declarações, verificam que eles não se
lembravam de nada, mas a verdade é que o Presidente do Conselho
Administrativo do EMGFA também estava ligado à CREEFA.
Isto já vinha do antigamente. O Conselho Administrativo do
EMGFA elaborava, trimestralmente, contas e apresentava-as à CREEFA. E
há aqui uma pessoa, o António Augusto Gaspar Correia, que,
simultaneamente, faz parte do Conselho Administrativo do EMGFA e da
CREEFA, ou não. Quer dizer, está ligado, porque faz as contas da
CREEFA, assina as contas da CREEFA, mas, depois, tem aqui uma
dualidade. Portanto, há aqui uma certa confusão entre a CREEFA e o
Conselho Administrativo. Mas, no Relatório, temos, de certo modo, a
explicação disto, através do material de guerra, que se aborda mais à frente.
Ainda na parte da CREEFA, tomámos alguns processos de
armamento, que verificámos, e temos os próprios processos juntos ao
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Relatório, onde vemos, mais ou menos, como era aprovada a despesa e
também nos servem para ver uma das formas de alimentar o Fundo. Se
lermos todos esses processos que tomámos aqui como exemplo — e eles
estão todos aqui no fim —…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estão, sim, senhor! Já os vi.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Portanto,
se se der ao trabalho de os ler até ao fim, vai ver que eles se arrastavam
desde 1973, alguns até de datas anteriores. Depois, deu-se o 25 de Abril e o
material continuou a ser fornecido, ao longo do tempo, até 1984. É o que
nós vemos aqui.
Mas, em alguns casos, a situação foi anulada e, então, o Conselho
Administrativo do Estado-Maior tinha dinheiro que acabou por ir alimentar
este fundo, é o que aqui chamamos de «descativações», ou seja, anulações
de encomenda de material, que, depois, não foi fornecido e o dinheiro… o
dinheiro ia alimentar este fundo.
Não sei se fui maçadora, se me faltou alguma coisa, mas isto, de
facto, é bastante complexo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não acho nada complexo, está muito
claro!
O Sr. Presidente: — Está esclarecido, Sr. Deputado?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estou, sim, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra ao Sr. Deputado Raúl de
Almeida.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar os Srs. Inspetores pelo trabalho desenvolvido, que está
extenso, está explicado e que hoje contribuem aqui para que melhor seja
interpretado.
Depois das perguntas do Sr. Deputado Miguel Santos e das respostas
que nos ajudam a contextualizar muita desta matéria, resta-nos apenas uma
circunstância, na página 40, no ponto «4.3.6.4. — Situações relacionadas
com a exportação de material de guerra» — este é um ponto que nos parece
importante e central. Os senhores explicam aqui por que é que não podem
ir mais além e concretizar mais nesta matéria, mas, ainda assim, estamos
numa Comissão de Inquérito sobre a Tragédia de Camarate.
Voltando ao fio do que é esta questão, tenho de perguntar se haveria
alguma menção sobre o destino do material de guerra aqui referido, se
haveria algum tipo de indicação que permitisse pensar, explícita ou
implicitamente, que esse material poderia ter como destino o Irão ou, em
alternativa, o Iraque.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Estamos a
falar de material de guerra que foi comercializado pela CREEFA,…
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — … de
situações de processos-crime relacionados com a CREEFA.
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O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Conforme
dizemos no Relatório, podemos aqui conjeturar várias coisas. Já temos
aquele antecedente, bastante significativo, que pode ser interpretado e que é
o facto de o atentado ter acontecido a 4 de dezembro, de ter havido aquela
situação em que o Prof. Adelino Amaro da Costa questionou, no dia 2,
determinadas exportações de armas para o Irão e para o Iraque e, depois, de
também haver uma evidência, num livro de registo de correspondência, em
como realmente seguiu material para o Irão, imediatamente a seguir, um
mês e uns dias depois. Isto tudo já foi relatado no nosso segundo trabalho e
com suporte num livro de registo de correspondência classificada, onde
realmente está mencionado esse facto, a intervenção do Ministro da Defesa,
questionando o destino daquele material. Isto era o que tínhamos, mas
nunca podemos estabelecer uma ligação imediata.
Quer dizer, temos aqui material, que foi sendo adquirido e
comercializado pela CREEFA, desde 1974 até 1983 — penso que foi 1983,
quando a CREEFA se extinguiu —, ou até 1984, e também temos muitas
faturas de material adquirido em datas próximas de 1980, sendo que
algumas das faturas apresentam as tais particularidades que aqui
evidenciámos. Se calhar, se tiverem o trabalho de ler todos estes processos,
que estão aqui resumidos, veem mais algumas coisas. Mas, por exemplo, há
uma que tem o dia zero, do ano zero, do mês zero, tem a receção por parte
do Depósito do Material de Guerra numa data e, depois, tem o envio numa
outra data, etc. Todas estas faturas se centram muito na data do atentado.
Nós podemos conjeturar coisas, mas, quer dizer, não podemos… Isto são
relatos de factos suportados por documentos. Isto aconteceu.
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De facto, estas faturas estão cá! De facto, havia estes processos na
CREEFA, antigos, o material estava a ser comercializado nesta data, muito
próxima do atentado… Mas, enfim, são factos relatados! São factos! Estão
aqui! É o que podemos dizer, são estes factos!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Compreendo que os senhores
não possam especular,…
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
podemos especular, exatamente!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — … e o vosso trabalho é um
trabalho de precisão…
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — … e este Relatório comprova-
o. Mas há, de facto, uma coincidência entre a preocupação do Eng.º
Adelino Amaro da Costa, enquanto Ministro da Defesa, e uma confluência
de faturas, digamos, pouco normais, nessa época.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não sei se
seriam pouco normais, há, realmente, aqui um relato das faturas nesta data
com algumas particularidades específicas.
Há toda esta anulação de faturas, que referimos aqui.
A CREEFA tinha uma determinada intervenção; o Conselho
Administrativo do Estado-Maior queria liquidar estes saldos e a Fábrica de
Militar de Braço de Prata não fornecia o material. O material era desviado
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para encomendas de exportação, relatamos isto aqui, e os processos
arrastaram-se, em alguns casos terá havido até adiantamentos, não sei. Se
lermos estas situações chegamos a esta conclusão.
De facto, isto aconteceu, está aqui, temos documentos, temos provas!
Para tudo o que está aqui relatado temos os anexos, nos volumes, os
próprios processos, para comprovar que isto aconteceu.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente.
Portanto, na análise de todo o processo subsequente, que se estende
por este Relatório, gostava de saber se voltam a encontrar evidências,
indícios, que vos levem nesta direção, de haver países abrangidos pelo
embargo, nomeadamente Iraque e Irão, e cruzamento com verbas que
possam, digamos, cruzar-se com transações com estes países, provenientes
do FDMU.
A Sr. Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Não
sabemos para onde ia o material, apenas sabemos que havia material que
estava a ser desviado para situações de exportação. Os saldos foram
ficando, foram-se arrastando e os processos foram ficando estes anos todos,
10 anos, até 1984.
O que depois era exportado, para onde, como? Era devidamente
autorizado pelo Ministro da Defesa, não era? Era feito à revelia? Não
sabemos, não temos elementos.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Claro!
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O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Podemos dizer que
verificámos que todo esse movimento de armamento estava intimamente
ligado às Forças Armadas. Isso verificámos pelos documentos.
Também verificámos que muitos dos documentos não estavam
elaborados de acordo com as melhores práticas.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Portanto, havia uma
opacidade…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Omissão de alguns
elementos, e não eram claros.
Mas temos de pensar o seguinte: será que, à época, era normal, nesse
tipo de negócios, haver uma clareza total? Em algum sítio? Dificilmente
podemos dizer que seria normal haver essa clareza em todos os
documentos, que todos os documentos tinham essa transparência, como
seria vulgar num outro negócio qualquer.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Mas, portanto, os Srs.
Inspetores encontram, pela vossa experiência, pela vossa competência de
ação, uma opacidade evidente nestes documentos?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Alguma opacidade. Mas
também quero relembrar que dificilmente poderemos, em 2015, fazer
juízos de valor relativamente ao que se passava em 1980.
Recordo que entrei na Inspeção-Geral de Finanças em 1982 e que,
em 1983, em algumas importantes empresas portuguesas quase não havia
contas correntes, e não diríamos que fosse por uma questão de falsa
transparência. Mas, devido ao momento que se vivia, muitas vezes à
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desorganização, o cumprimento de alguns procedimentos não era, se
calhar, a regra habitual.
Temos de ter em conta que, em todo aquele período a seguir ao 25 de
Abril, houve várias reorganizações de departamentos, de empresas, que, se
calhar, muitas vezes, quando tomavam determinadas decisões, não estavam
à espera que houvesse um conjunto de regras muito precisas e que todos os
intervenientes tivessem imbuídos nessas regras de modo a cumpri-las.
Um aspeto dos depoimentos que verificámos e que muitas vezes se
reflete nos autos de declarações foi que a idade constituiu uma questão
fundamental e uma justificação plausível para muitos dos intervenientes da
altura não se lembrarem agora de determinados factos, mas também
transpareceu que não haveria aquelas regras absolutamente definidas e
claras, em que eles se soubessem movimentar.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Inspetor, felizmente, o
País tem vindo a funcionar de uma forma cada vez mais rigorosa e mais
correta, em termos de procedimentos, mas estamos a falar de transações de
material que envolvem uma grande responsabilização por parte dos
contraentes, tanto do vendedor como do comprador. Acredito que, por
exemplo, numa grande transação de batatas ou de uma qualquer
leguminosa não haja um grande rigor. Já uma transação de armamento
envolve uma responsabilização — até por causa do traceability, e, portanto,
da responsabilização dos atores envolvidos — que exige um grau de
precisão, se houver vontade e se o negócio for transparente e natural.
O que pergunto é se, dado o objeto do negócio em si… Façamos a
seguinte comparação: os Srs. Inspetores fazem uma inspeção e vão
verificar, por exemplo, os registos de uma grande empresa informática que
exporta, por exemplo, para o departamento de defesa americano ou para
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uns laboratórios farmacêuticos (para sairmos do âmbito do armamento), o
que é algo que exige grande responsabilidade. Da vossa experiência, tendo
em conta o paralelo entre duas situações de responsabilidade, de seriedade
e de «gravidade» do negócio, encontram, ou não, aqui alguma opacidade
neste tipo de negócio de material de defesa?
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em minha opinião, existe
alguma opacidade. Mas também é claro que os procedimentos que estão
definidos atualmente são totalmente diferentes do que seriam nessa época,
ou em 1980 ou em 2000. Nessa época, as recordações que tenho, em
termos de organização, é que em todos os locais, com exceção de alguns
em que a organização se alterou um pouco, havia uma grande falta de
cumprimento de procedimentos. E não foi só no período de 1974/75. Acho
que a própria legislação constitucional portuguesa ainda estava a cimentar-
se e ainda vivia períodos de grandes divergências entre todos os atores da
sociedade portuguesa.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Muito obrigado.
É tudo, Sr. Presidente.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sr.
Presidente, dá-me licença que adiante algo mais?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Sr.
Presidente, se lermos estes processos relacionados com o material de
guerra, veremos aqui também, por exemplo, que a CREEFA faz alguns
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comentários, dizendo «os processos arrastaram-se», ou «já está», ou «ao
Exército tudo é permitido».
Portanto, se lermos estes processos, vemos que realmente há aqui
uma intervenção pouco clara. As coisas acontecem e, pronto, «ao Exército
tudo é permitido» e «já está».
Portanto, convinha lermos estes processos.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr.ª
Inspetora.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Inspetora.
Ainda nesta primeira ronda, pergunto se algum dos representantes
dos familiares das vítimas quer intervir.
Pausa.
Não havendo ninguém que queira intervir, passamos, então, à
segunda ronda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, ainda relativamente à
questão da aprovação das contas e para ficar tudo devidamente claro,
estava aqui à procura do diploma — e foi o Dr. Peter que acabou por
encontrá-lo —, porque quis confirmar se eventualmente estaria enganado,
mas efetivamente não estava.
De facto, o Decreto-Lei n.º 548/80, de 18 de novembro, do Conselho
da Revolução, é o tal Decreto-Lei do Conselho de Revolução que faz várias
coisas, a primeira das quais é extinguir o Fundo, que já sabemos que não
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foi nada extinto, porque continuou a sobreviver, criando este fundo
privativo.
Ora, o artigo 1.º diz que a gestão do saldo que passa para o fundo
privativo e, afinal de contas, o fundo privativo, é da competência do
Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E
diz que, para esse efeito, o Conselho Administrativo organiza anualmente
um orçamento privativo a aprovar pelo Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas. Diz também que o saldo de gerência tem de ser aprovado
pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Ou seja, nós tivemos o Fundo de Defesa Militar do Ultramar que foi
vivendo, ao longo dos anos, mesmo depois do 25 de Abril, e cujo saldo de
gerência e plano de investimentos a realizar, tal como consta do primeiro
relatório dos Srs. Inspetores, foi aprovado — um ou dois deles — pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e, depois, deixou de
ser aprovado pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Esse é o
primeiro relatório.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O FDMU, tal como consta do
primeiro relatório.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Exato!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ou seja, no FDMU, a competência
legal era do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E o
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas exerceu essa
competência durante um ou dois anos e, depois, deixou de a exercer.
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Então, o Conselho da Revolução, através deste Decreto-Lei, extingue
o Fundo e cria um novo fundo privativo. É a mesma coisa, com regras
diferentes, como dizia o Sr. Inspetor, nomeadamente que o plano de
emprego (é assim que é designado neste diploma) — ou seja, os
investimentos que se fazem no ano seguinte — tem de ser aprovado pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
O saldo de gerência (o saldo apurado no ano anterior) tem de ser
aprovado pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E,
depois, a gestão durante o ano é que é feita pelo Conselho Administrativo.
Portanto, a última pergunta que quero colocar — novamente, mas
agora com esta confirmação legal — é se os Srs. Inspetores, em relação ao
fundo privativo (em relação ao FDMU, já sabemos), encontraram
formalmente algum documento subscrito pelo Sr. Chefe do Estado-Maior-
General das Forças Armadas a aprovar um ou os vários planos de emprego,
ou o saldo de gerência. É esta a questão.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Reafirmando o que o Sr.
Deputado disse, nos moldes em que existia, o FDMU foi extinto e o saldo
passou para o fundo privativo. As contas do fundo privativo deveriam ser
aprovadas pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e
submetidas ao Ministro das Finanças. Nós não encontrámos evidência
disso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É exatamente esse diploma que o Sr.
Inspetor aí tem.
Portanto, concluindo, pela nossa parte, esta audição, o FDMU foi
extinto e o dinheiro continuou a sobreviver através de um outro nome, um
fundo privativo. As regras do fundo privativo legalmente eram diferentes,
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mas, na prática, viveram exatamente como viveu o FDMU. Ou seja, as
contas não eram aprovadas por quem a lei obrigava a aprovar. Portanto,
viveu à margem da lei e continuou a viver, até 1993, à margem da lei. Os
Srs. Inspetores encontraram registos de transferência, nomeadamente, dos
481 milhões, que, pelas nossas contas, correspondem atualmente a 50
milhões de euros.
Portanto, entre 1982 e 1993, foram gastos por este fundo privativo o
correspondente a 50 milhões de euros, mas, em relação aos gastos, a única
coisa que sabemos é que foram transferidos para um organismo das Forças
Armadas 1,5 milhões, 2 milhões, 3 milhões, que, segundo a epígrafe, se
destinavam a pintar edifícios ou a construir polidesportivos, mas não se
encontra, objetivamente, para quem foi transferido o dinheiro, os contratos
de empreitada, as minutas de execução da empreitada. Não se encontra
rigorosamente nada.
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Em alguns anos, não se
encontra absolutamente nada.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Nada!
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Só em dois anos, claramente,
é que ainda existem os lançamentos efetuados na conta para que se
destinavam; noutros anos, não existiam.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Só nos
anos de 1982 e 1986.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — E esta saga destes fundos, do FDMU
e do tal fundo privativo, termina finalmente em 1993,…
O Sr. Dr. Fernando Lobo do Vale: — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … quando restam 29 milhões de
escudos que são integrados no Orçamento.
A Sr.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Rodrigues: — Já agora,
gostaria de dizer o seguinte: depois, se quiser ver no relatório, temos nos
autos de declarações alguns anexos.
Questionámos, por exemplo, o Coronel António Augusto Gaspar
Correia e temos, por exemplo, uma ata que está assinada pelo chefe da
contabilidade. Portanto, António Augusto Gaspar Correia, José António
Negrão Sequeira, Carlos Alberto Fernandes Salgueiro não assinam, quem
assina uma ata é o chefe da contabilidade. E esta ata está também anexa ao
nosso relatório e está anexa aos autos de declarações. Isto pode ter interesse
para os Srs. Deputados.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Dado que os representantes dos familiares das
vítimas não têm questões a colocar, dou por terminada esta audição,
agradecendo aos Srs. Inspetores o trabalho de grande qualidade realizado,
como é hábito dos próprios técnicos e da entidade que representam.
Quero igualmente agradecer aos Srs. Inspetores a sua presença, a sua
colaboração inestimável e as explicações que nos deram, que foram muito
importantes para nós.
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Srs. Deputados, fazemos agora um curto intervalo, antes da próxima
audição.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 11 horas e 25 minutos.
Começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, Dr. Joaquim
Gonçalves, e por dizer qual é o objeto da X Comissão Parlamentar de
Inquérito à Tragédia de Camarate.
De acordo com o artigo 1.º do Regulamento, «A Comissão de
Inquérito Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…).»,
dando seguimento às recomendações emitidas pelas VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito e investigando factos novos que,
eventualmente, lhe sejam apresentados.
Gostaria de recordar o depoente que, como é do seu conhecimento,
está sob juramento e, portanto, um falso depoimento resulta na prática de
crime, punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.
Quero, também, dar-lhe conhecimento de como vai funcionar a
Comissão e da grelha de tempos: a 1.ª ronda será de 5 minutos para as
perguntas e respetivas respostas por grupo parlamentar e por representante
dos familiares das vítimas; a 2.ª ronda será de 3 minutos por grupo
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parlamentar e por representante dos familiares das vítimas; e, finalmente, a
3.ª ronda será de 2 minutos para as perguntas para todos os Deputados de
todos os grupos parlamentares.
Pergunto-lhe se pretende fazer alguma intervenção inicial ou se
prefere responder desde já às perguntas.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves (ex-Inspetor da Polícia Judiciária): —
Sr. Presidente, eu gostaria de dizer, em primeiro lugar, que…
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — … isto aconteceu há cerca de 40
anos…
O Sr. Presidente: — Foi há 34, Sr. Doutor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, o tempo que decorreu já foi
muito e já não me lembro de, praticamente, nada.
Em segundo lugar, o caso não foi entregue a mim, foi entregue ao
meu colega Pedro Amaral. E, portanto, não estive a par desse caso.
Em terceiro lugar, tive um pequeno AVC (acidente vascular cerebral)
há três anos que me afetou a memória e a conversação. E, por isso, tenho
dificuldade em falar e em recordar as coisas.
Nada mais tenho a dizer por agora, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Passamos, então, à primeira ronda de
perguntas, para o que dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Dr. Joaquim Gonçalves,
agradeço, desde já, a sua presença.
O Sr. Doutor mencionou ainda agora que se lembra pouco do que
aconteceu relativamente a Camarate, mas, desse pouco, gostava que nos
dissesse do que se recorda.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Primeiro, recordo-me de que o
caso foi distribuído ao Dr. Pedro Amaral, que, na altura, era estagiário —
eu era o titular, era Inspetor da 2.ª Secção, e os homicídios eram
distribuídos um para mim, outro para ti, um para mim, outro para ti.
Este caso, apesar da sua complexidade, coube ao Dr. Pedro Amaral,
pelo que foi o Dr. Pedro Amaral quem ficou com ele, eu fiquei desligado,
de tal maneira que nem sequer lá fui na primeira noite, nunca lá fui!
A única coisa de que me recordo é o Dr. Pedro Amaral me ter dito
que ficou de prestar contas ao Dr. Garcia Marques daquilo que se ia
passando, fazendo o relatório, que lhe passava pessoalmente, nem sequer ia
para o processo. Era assim que estava combinado entre o Dr. Pedro Amaral
e o Dr. Garcia Marques.
Se bem me lembro, o último relatório que o Dr. Pedro Amaral fez
dizia que havia restos de papéis queimados desde o arranque do avião até à
queda do avião e que se admirava. Isto porque, se realmente o avião
rebentou lá muito mais para a frente, admirava-se que houvesse restos de
papel queimado logo a partir do levantamento do avião.
Esta é a única coisa de que me lembro relevante para o caso. Sei que,
quanto a esse último relatório, o Dr. Garcia Marques recebeu-o e, contra
aquilo que ficou combinado entre eles, meteu-o no processo. Esse relatório
foi para o processo, não ficou com o Dr. Garcia Marques.
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Não me lembro de mais nada. Passados um ou dois, ou lá o que foi, o
caso passou para a secção de bombas e nunca mais os Homicídios tiveram
qualquer intervenção nesse processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Fiquei com uma dúvida. Disse
que o Dr. Pedro Amaral era estagiário.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, acho que ainda era
estagiário.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E um caso destes, com esta
complexidade, em que morre o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa
Nacional, era comum isso acontecer?! Era comum homicídios serem
entregues a estagiários?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nunca tinha acontecido aparecer
um caso desta natureza, desta importância. Portanto, esse problema nunca
se tinha posto. Eu também fiquei admirado, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que fez a atribuição?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi o Diretor-Geral, Dr. Lourenço
Martins, o Dr. Garcia Marques, o Major Bernardo, que era na altura
Diretor-Adjunto… ou foram os três, ou foi combinado entre eles, já não me
lembro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quanto tempo
teve o Dr. Pedro Amaral o caso?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Também o teve pouco tempo, 8
ou 10 dias.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se de ele ter feito
esse comentário do rasto dos papéis?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, porque ele ia fazendo
comentários, de que já não me lembro, mas desse lembro-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esse relatório foi junto ao
processo?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi junto ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao contrário do que estava
combinado com o Dr. Garcia Marques.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, o Dr. Garcia
Marques…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — … porque o Dr.…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Deixe-me fazer a pergunta.
O Dr. Garcia Marques não queria que esse relatório fosse junto?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Queria juntá-lo. Ele é que queria
juntá-lo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Garcia Marques?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, o Dr. Garcia Marques,
porque o Dr. Pedro Amaral tinha combinado, particularmente, relatar-lhe
aquilo que se ia passando em relatório. O Dr. Garcia Marques estava tão
ocupado que não tinha tempo para o receber. Então, por escrito, ele ia
comunicando.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois, quando o processo foi
atribuído à secção das bombas, o Sr. Doutor terá perdido o rasto, o contacto
com…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já o tinha perdido naquela
altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas como tinha a relação
funcional com o Dr. Pedro Amaral, ia sabendo.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acho que estávamos, até, no
mesmo gabinete.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E foi sabendo, mas, depois
disso, nunca mais teve conhecimento.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nunca mais tive. Nunca mais
soube de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certamente se recordará com
mais precisão de um outro caso de uma outra morte, de duas mortes, aliás,
a do Sr. José Moreira e a da sua acompanhante que ocorreram, pouco
tempo depois, num apartamento em Carnaxide.
Recorda-se disto?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me recordo nada.
Ainda no outro dia, a falar com o Dr. Pedro Amaral, referimos isso e
não me recordo absolutamente de nada desse caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … de uma morte, supostamente
por inalação de monóxido de carbono, num apartamento, com uma…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dr. Pedro Amaral relembrou-
me que eu propus o arquivamento desse inquérito, ou ordenei o
arquivamento, porque entendi que as causas da morte eram naturais.
Entendi que as causas da morte eram naturais e que nada tinham a ver com
o caso Camarate.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas eu gostava de perceber
qual foi o envolvimento do Sr. Doutor nesse caso em concreto. Foi só o de
assinar um despacho de arquivamento?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não. Eu acompanhei o caso, de
certeza!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostava que…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de mais nada.
Não me lembro de nada desse caso! A relevância desse caso era, para mim,
de tal maneira pequena que não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou dar-lhe o nome de vários
inspetores e agentes para me dizer se estão em conexão com esse caso.
Paulo Franco.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não nunca trabalhou comigo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas sabe quem é?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sei quem é.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas não sabe se esteve neste
caso?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Herculano Morgado.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Herculano Morgado não sei se
esteve. Embora fosse agente de lá e estivesse comigo, não me lembro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mário Mendes.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de Mário Mendes.
Não me lembro dele.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eduardo Dias Costa.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dias Costa estava lá, mas
também não me lembro de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, o Sr. Doutor recorda-se
porque falou com o Dr. Pedro Amaral…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, só por isso. Só por isso é que
me recordo desse caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda, sequer, de ter
assinado seja o que for?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada, absolutamente nada! Não
me lembro de nada desse caso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A conclusão é minha: é
estranho, tendo, de facto, colocado uma assinatura e sendo, na altura, um
homicídio…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu acompanhava todos os
homicídios, por feitio. Acompanhava, fosse qual fosse, o homicídio, eu ia
lá e de certeza que também acompanhei esse caso, mas, pura e
simplesmente, não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Neste caso, em concreto,
recorda-se do despacho que fez, depois de ter sido…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de absolutamente
nada do caso. Não me lembro de nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nem depois?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nem depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto foi muito noticiado na
comunicação social.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda há relativamente pouco
tempo, alguns jornais voltaram a falar no assunto. Não vislumbrou
absolutamente…
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe quem dirigiu a
investigação, quem foram os agentes…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei nada! Se lá está que fui
eu, acompanhei-o, mas não me lembro de absolutamente nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas nem sabe se foi! Foi o Dr.
Pedro Amaral que disse que foi.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ele é que me disse que fui.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor não se recorda de ter
assinado seja o que for.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me recordo de nada desse
caso. De nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse-me que acompanhava
todos os homicídios.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acompanhava todos os
homicídios, e os meus ex-colegas são testemunhas disso. E o Diretor
também se lembra.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estava na secção de
homicídios. Qual era a função do Sr. Doutor?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Chefiava as investigações todas,
do princípio ao fim: distribuía-as, acompanhava-as, dava despacho de
arquivamento ou o despacho final.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que, então, não
acompanhou o caso Camarate?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O caso Camarate não acompanhei
porque não me foi distribuído.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas todos os outros homicídios
eram-lhe entregues?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse, há pouco, que o Dr.
Pedro Amaral estava na secção de homicídios — certo? — e que foi-lhe
entregue o caso Camarate.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi entregue a ele, ficou ele e eu
não tive nada a ver com isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor chefiava a secção
de homicídios.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, por que é que não
acompanhou este?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eram três secções: a 1.ª secção, a
2.ª secção e a 3.ª secção. Eu tinha a 2.ª secção.
A do Pedro Amaral deve ter sido a 1.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de ser de outra secção,
ele trabalhava no seu gabinete?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Acho que estava no meu gabinete
naquela altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mesmo sendo de outra secção?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim. Era um gabinete grande.
Estávamos lá os dois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só estavam os dois, ou estavam
mais?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não estava mais ninguém.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É estranho que, não sendo da
sua secção, esteja com outra pessoa.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Havia dois gabinetes
para os inspetores. Havia o meu e, antes de ser o Dr. Pedro Amaral, penso
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que era um juiz, mas já não me lembro quem era, que terminou a comissão
de serviço lá e foi para a Magistratura e, depois, ficou o Pedro Amaral,
estagiário. E estava no outro gabinete o Santos Carvalho e o00H11:30
Pereira de Miranda. Portanto, havia dois gabinetes, no meu estavam dois
inspetores e no outro estava só um, porque também era mais pequeno.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quanto a este caso, de José
Silva Moreira, não se recorda absolutamente de nada.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro de nada! Nada,
nada!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, por agora, fico-
me por aqui, vou fazer uma pesquisa para tentar encontrar o despacho.
Pode ser?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Isso eu agradecia, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Bom dia, Sr. Doutor.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Bom dia.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Posso ter ouvido mal, mas creio que há pouco
disse «como o caso não tinha nada a ver com Camarate, mandei arquivar».
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não foi por causa disso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas o Sr. Doutor disse isto.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não. Eu mandei-o arquivar,
porque entendi que não havia indícios de crime. Não foi porque tivesse a
ver com Camarate, ou não.
O problema de estar ligado ao caso Camarate foi naquela altura e eu
já me esqueci.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor esteve presente? Foi ao local do
crime?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor está tão desmemoriado…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Estou, estou. Tive um pequeno
AVC há três anos que me deixou com pouca memória. A maior parte das
coisas que se passaram, nos tempos que já lá vão, já lá vão. Isto é verdade,
infelizmente!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado.
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu gostava de me recordar disso.
Não pensem que estou a fugir à questão. Não me lembro de absolutamente
nada.
O Sr. Presidente: — Eu colocava-lhe só uma questão: quando é que
reuniu com o Sr. Inspetor Pedro Amaral? Foi há pouco tempo?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quando recebi o… telefonei-lhe a
dizer que vinha cá.
O Sr. Presidente: — Mas isso foi há uma semana? Há dois ou três
dias?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi há duas semanas, foi logo a
seguir…
O Sr. Presidente: — Encontraram-se?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Telefonei-lhe e pelo
telefone ele é que me disse «Deve ser por causa daquela morte que houve
por monóxido de carbono…», etc.
O Sr. Presidente: — Ele esteve a explicar-lhe tudo.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não! Explicou-me só isso. Disse-
me: «Se calhar, é por causa disso e porque tu, na altura, disseste que não
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havia qualquer indício de crime». Mais nada, não houve mais conversas
sobre o caso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor, recorda-se do
Agente Morgado?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, lembro-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que é que fazia o Agente
Morgado? Quais eram as suas funções?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ele era mais escriturário. Saía
pouco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas ele, sendo escriturário, fez
muitas diligências de investigação, neste caso do José Moreira.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Talvez.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi ele que inquiriu várias
pessoas,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inquiriu 12 pessoas e foi ele
que apresentou o relatório final.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sendo escriturário, isto era
normal?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era! Em casos que não envolviam
terceiros, etc., estes casos assim, eram distribuídos a ele, a ele e ao Agente
Martins, que também era escriturário.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diz «quando não envolviam
terceiros», gostava que precisasse um bocadinho mais.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quando não havia terceiros…
Quer dizer, foi distribuído a ele, porque eu entendi que a importância do
caso não era suficiente para ser para o subinspetor ou para um outro agente
qualquer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, este Sr. José Moreira
era irmão do proprietário de um dos aviões Cessna que estava ao serviço da
campanha do General Soares Carneiro.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este senhor vinha depor à
Comissão de Inquérito de Camarate da altura e morre, ou é morto, uns dias
antes. Só por si, este facto, que foi noticiado, é estranho!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve várias investigações,
houve várias diligências, houve, depois disso, inclusivamente, um inquérito
à participação e à investigação feita pela Polícia Judiciária em 1991,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, e nessa altura eu já lá não
estava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … por ter sido colocada em
causa a investigação feita nessa altura. E o que me está a dizer é que não foi
atribuída importância ao caso, mas ele teve logo importância, foi-lhe logo
atribuída importância nesse mesmo momento.
O que me está a dizer é que este Agente Morgado, sendo escriturário
e não saindo muito, fez várias diligências. Como é que o caso lhe foi
atribuído?! É outra admiração como foi a do Dr. Pedro Amaral?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi-lhe distribuído a ele e, a partir
desse momento, foi ele quem ouviu as pessoas todas, embora eu estivesse
presente, possivelmente, na audição de algumas delas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este Agente Morgado reportava
a quem?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ao subinspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Cujo nome era…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Na altura não sei se ainda era o
Lobão, ou se já tinha morrido o Lobão, ou se era o Paulino… tenho a
impressão de que era o Paulino.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Dias Costa era o
quê?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O Dias Costa, nessa altura, ainda
não estava lá, segundo me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Este Agente Morgado, e estou a
citar documentos da Procuradoria, fez o relatório final e, depois, o Inspetor
Dias Costa, cinco dias depois, manda remeter os autos ao Ministério
Público na comarca de Oeiras, dizendo concordar com o relatório do
Agente Morgado,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … ou seja, considerando que
era uma morte acidental.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tendo sido o Inspetor Dias
Costa a fazer o despacho para o Ministério Público, ele tinha de ter
alguma…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não me lembro. Possivelmente,
eu já não estava lá, sei lá!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor saiu da Polícia
Judiciária quando?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Saí pouco tempo depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o pouco tempo depois é o
quê? Não se recorda do dia em que saiu? Nem do ano, nem do mês?
Em que ano é que se aposentou?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Aposentei-me há cinco, seis anos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Antes de se aposentar esteve a
trabalhar onde? Vamos por partes, vamos tentar chegar…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Antes de me aposentar estive no
tribunal de polícia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esteve muitos anos no tribunal
de polícia?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Dois ou três anos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nos anos 80, qual foi o
percurso que o Sr. Doutor fez?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Em 1980, era Procurador em
Faro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1980 e…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Em 1990 e poucos fui para o
Tribunal da Boa Hora. Em 1980, ou estava em Loures, ou estava em Faro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Há pouco disse que o Dr. Pedro
Amaral comentou consigo este caso.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse também que ele lhe teria
dito que, efetivamente, teria sido…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — A única coisa de que me lembro,
sem ninguém me contar nada, é da história do relatório do Dr. Pedro
Amaral que entregou ao Dr. Garcia Marques.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas isso relativamente a
Camarate. Agora, estamos a falar deste caso…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Só me lembra disso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E nós agradecemos.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Do resto não me lembro de nada.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, provavelmente, também
de acordo com o que aqui consta, não terá sido o Sr. Doutor a remeter os
autos para o Ministério Público. Até o Dr. Pedro Amaral se enganou,
porque diz aqui «Inspetor Dias Costa».
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Se lá estava o Dias Costa é
porque eu já tinha saído e ele já me tinha substituído. Eu saí pouco tempo
depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi o Dr. Dias Costa que o foi
substituir?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi. Foi ele que me foi substituir.
Não sei se ainda esteve algum tempo comigo para se adaptar ao lugar, ou
coisa parecida.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que atribuía os casos
em concreto?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era o inspetor aos diversos
agentes ou a subinspetora às brigadas…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se que eram, nesta
altura, em 1983, os inspetores da sua secção?
Quem é que terá atribuído ao Agente Morgado este caso?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Ou fui eu, ou foi o Dias Costa,
não pode ter sido outro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dias Costa era subdiretor?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Era inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E ele, como inspetor, tinha
poderes para…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Agora são todos inspetores.
Naquela altura, eram só os licenciados em Direito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, como inspetor, podia
atribuir, não tinha de ir ao chefe.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não. Qual chefe?! Ele era o
chefe!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas era o Sr. Doutor que
chefiava a secção.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Se por acaso já lá estivesse o
Inspetor Dias Costa, podia ter…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Podia ter atribuído sem ter a
sua intervenção.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, sem ter a minha intervenção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, houve vários
homicídios que eram entregues pelos inspetores sem que o chefe da secção
de homicídios se pronunciasse.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! O chefe tomava sempre
posição.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o que me está a dizer é
que o inspetor atribuía, mas com o acordo do chefe.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — O chefe era o inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sou eu que não estou a
perceber.
A secção tem vários inspetores…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, não! Tem um inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tem só um inspetor?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Naquela altura só tinha um
inspetor.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o Sr. Doutor era
inspetor…?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Da 2.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o Inspetor Dias Costa
também era da 2.ª secção?!
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi substituir-me na 2.ª secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas disse há pouco que, se
calhar, ainda trabalharam em conjunto.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei se ainda trabalhou algum
tempo comigo, ou não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ou seja, podia acontecer ter,
transitoriamente, dois inspetores.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Podia. Transitoriamente, poderia
ter dois inspetores.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem assinou o relatório e o
remete para o Ministério Público foi o Dr. Dias Costa…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Foi ele quem fez o despacho
final?
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi ele quem fez o despacho
final.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Então, foi ele que teve o caso. Eu
não tive o caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de estar lá.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Apesar de estar lá. Se ainda lá
estava…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda se, em abril de
1983 ou em janeiro de 1983…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quantos anos é que foi esse caso
depois da morte de…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi a 6 de janeiro de 1983.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Quanto tempo depois da morte
de… do acidente de Camarate?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dois anos e um mês.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já lá não estava. De certeza
absoluta que eu já lá não estava.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já não estava na…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Já não estava na Judiciária.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estaria em Faro?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não. Estava em Loures, de
certeza absoluta.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que o Dr. Pedro
Amaral, agora, há pouco tempo, o informa de que o Sr. Doutor terá feito o
arquivamento…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não sei. Equivocou-se também,
ou, então, eu percebi mal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Doutor pergunto ao Dr.
Pedro Amaral por que é que tinha sido chamado a vir aqui?
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Sim, disse-lhe que ia ser chamado
agora. Ele disse: «Só se for por causa daquele caso!». E eu percebi que o
caso tinha sido meu, mas, afinal, foi do Dias Costa. Eu percebi mal, ou ouvi
mal, ou ele explicou-se mal, porque, afinal, o caso era do Dias Costa.
Estava a admirar-me muito que tivesse sido o Herculano a ouvir
essas pessoas todas, se fosse comigo; isso não acontecia. Mas eu já lá não
estava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por que é que não acontecia?
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O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Porque não acontecia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas explique lá porquê.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Atendendo ao feitio. Eu
acompanhava as investigações todas e o Dias Costa, possivelmente, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, o que me está a dizer é
que, atendendo a este caso, que até foi um caso mediático,…
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Eu já lá não estava de certeza!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … o Agente Morgado, se fosse
o Sr. Doutor a dirigir esta investigação, sendo ele escriturário, não teria
feito estas diligências todas.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — E se as fizesse eu acompanhava.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não as faria sozinho.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não as faria sozinho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Está a fazer uma crítica à
investigação da altura.
O Sr. Dr. Joaquim Gonçalves: — Não, porque cada um tem a sua
maneira de trabalhar.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Mais alguém tem alguma questão a colocar?
Pausa.
Uma vez que não há mais questões a colocar, dou por concluída a
audição, agradecendo ao Sr. Doutor os esclarecimentos que deu.
Pausa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, o PSD requer a vinda
à Comissão de António Augusto Gaspar Correia, que, de acordo com os
inspetores da IGF (Inspeção-Geral de Finanças), terá sido a pessoa que
estava a presidir ao Conselho Administrativo do Estado-Maior-General das
Forças Armadas e a que terá tido intervenção na gestão e aprovação da
disponibilização dos fundos, o FDMU e, depois, o fundo privativo,
constituído a seguir, e o próprio fundo da Comissão de Reequipamento
Extraordinário das Forças Armadas.
Portanto, Sr. Presidente, nestes termos, requeremos que este senhor
seja convocado para vir à Comissão de Inquérito.
Relativamente aos assuntos ainda pendentes, tínhamos requerido,
aliás, julgo que tinha sido um dos representantes dos familiares das vítimas
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a requerê-lo, mas também não é relevante, uma acareação entre o Major
Lencastre Bernardo e o Sr. Fernando Farinha Simões.
Amanhã, está previsto para as 9 horas e 30 minutos a audição do Sr.
Fernando Farinha Simões, penso que a requerimento do CDS. Tendo em
conta que o Sr. Fernando Farinha Simões está preso, não sei se será
possível compatibilizar as agendas por forma a, ainda amanhã, fazer-se a
tal acareação, aproveitando a oportunidade de ele se deslocar à Comissão.
Mas deixo isto à consideração do Sr. Presidente.
Depois, há três cidadãos norte-americanos que se voluntariaram, e
explicaram o contexto, para vir à Comissão de Inquérito prestar
depoimento. Portanto, Sr. Presidente, rogo os seus bons ofícios, no sentido
de se concretizarem também estas três audições.
Restam a testemunha n.º 2, o Major Canto e Castro, o Sr. Acácio
Manuel Pereira Mago e o Sr. Silvério do Canto, todos sem paradeiro
conhecido.
Para terminar, Sr. Presidente, está previsto para hoje a vinda do Sr.
Nuno Moreira. Gostava que confirmasse se vem, ou não, e, se não vem, em
que termos é que se recusou a vir.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o Sr. Nuno Moreira informou-
nos de que não poderia vir neste dia, mas vamos tentar que venha num
outro dia.
Aliás, temos uma carta do Sr. Nuno Moreira, que refere,
designadamente, o seguinte: «Acontece que, para além da minha idade,
infelizmente estou a passar por uma depressão de origem psicológica,
social, biológica e stress encontrando-me praticamente incapacitado, quer
física quer psiquicamente.
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Não estou pois em condições de me deslocar ao Palácio de São
Bento, em Lisboa, para prestar o meu depoimento, pelo que me encontro ao
abrigo do que se encontra disposto na Lei n.º 5/93, em conjugação com o
Código de Processo Penal.
Por motivo da ausência do médico de família enviarei, logo que
possível, o atestado médico.
Ciente das minhas obrigações, sendo certa a minha disponibilidade
para colaborar com os vossos trabalhos, e para eventualmente não atrasar
os mesmos, venho respeitosamente requerer que excepcionalmente possa
responder por escrito à matéria que me entendam questionar».
Portanto, o Sr. Nuno Moreira coloca-se à disposição para responder
por escrito, sendo que não tem capacidade para se deslocar à Comissão, por
depressão psicológica, social, biológica e stress.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, julgo que deveria ser
requerida a apresentação de atestado médico para o efeito, com alguma
brevidade. É que, se o senhor está doente, está doente; se não está doente,
tem de vir à Comissão e só temos esta e a próxima semana para agendar a
sua audição.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Moreira diz que o enviará, mas nós, através dos serviços,
trataremos de exigir o atestado médico que comprove a situação.
Entretanto, coloca-se a hipótese de se formular, ou não, questões por
escrito. Mas os grupos parlamentares é que saberão se o pretendem
solicitar, ou não.
Quanto à questão dos senhores americanos, efetuaremos ainda hoje
um contacto com o Dr. Patrício Gouveia, que é quem tem estabelecido
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contacto com estes senhores, para sabermos como poderemos realizar a
audição, sendo que a mesma tem de ocorrer numa sala anexa à Biblioteca,
porque tem tradução.
Iremos tratar atempadamente desta situação.
Já agora, lembro que ficou deliberado que as audições dos Srs.
Farinha Simões, José Esteves e Carlos Miranda ocorreriam à porta fechada.
No entanto, informo que também há uma solicitação do Sr. Coronel João
Santos Fernandes e do Sr. Dr. João Múrias para as suas audições também
serem à porta fechada. Mas esta é uma questão que colocamos sempre
antes das audições.
A questão do agendamento da acareação seria só pela oportunidade.
O Sr. Farinha Simões só não vem hoje, porque, se não estou em erro, há
greve dos guardas prisionais, ou, pelo menos, na altura em que agendámos
a audição, estava convocada, e, portanto, virá amanhã. Mas agendaremos
esta acareação sem grandes questões. Hoje, não me sinto tranquilo para
notificar o Sr. Major Lencastre Bernardo, que, se calhar, me dirá que não
está cá, ou que está num sítio qualquer.
Assim, no fim desta semana ou no princípio da próxima,
notificaremos as duas partes e também, facilmente, o Sr. Farinha Simões se
deslocará à Comissão, bem como o Sr. Major Lencastre Bernardo.
É o que tenho a informar, Srs. Deputados.
Vamos, agora, interromper os trabalhos.
Eram 11 horas e 58 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 12 horas e 35 minutos.
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Dou as boas-vindas e agradeço a presença do Sr. Inspetor Paulo
Condesso Franco, a quem peço o favor de se identificar.
O Sr. Paulo Condesso Franco (ex-Inspetor-Chefe da Polícia
Judiciária): — O meu nome é Paulo Condesso Franco, tenho 67 anos de
idade, neste momento, estou aposentado, mas fui Inspetor-Chefe na Polícia
Judiciária.
O Sr. Presidente: — Sr. Inspetor, o objeto desta X Comissão
Parlamentar de Inquérito é o de «(…) dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012, de 24 de
julho (…)», designadamente dando seguimento às recomendações emitidas
pelas VIII e IX Comissões Parlamentares de Inquérito.
Peço ao Sr. Inspetor que faça um pequeno juramento no sentido de
que jura dizer a verdade.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, juro dizer a verdade e
somente a verdade.
O Sr. Presidente: — Informo-o que o falso depoimento determina a
prática de um crime punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até
600 dias.
Dou-lhe ainda conhecimento das grelhas de perguntas: haverá uma
primeira ronda de 5 minutos a cada grupo parlamentar, com
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pergunta/resposta, uma segunda ronda de 3 minutos e uma terceira ronda
de 2 minutos por todos os Deputados.
Pergunto-lhe se pretende fazer alguma intervenção inicial.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, Sr. Presidente, estou à
disposição para as perguntas que entendam formular.
O Sr. Presidente: — Passamos, então, às questões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do PSD.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, antes de mais,
queria cumprimentar o Sr. Dr. Paulo Franco.
A primeira pergunta que lhe faço é esta: foi agente ou inspetor da
Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fui agente, Sr. Deputado, a
minha carreira foi de agente estagiário a inspetor-chefe, de nível 5.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Até quando?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Até 2002.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, no início dos anos 80, quais
eram as funções do Sr. Doutor, na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nessa altura, era agente. Salvo
erro, era agente de primeira.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qual a sua relação com o caso
Camarate? O Sr. Doutor teve, na qualidade de agente,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sr. Deputado, eu não sou doutor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Peço desculpa.
Gostava de saber se o senhor teve algum contacto com o caso
Camarate, na qualidade de agente.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desde o início.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostava que nos dissesse
um pouco quais foram as funções que lhe foram atribuídas e que nos
explicasse um pouco a investigação.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, senhor.
Fazia parte de uma secção que era denominada SCIACV (Secção
Central de Investigação de Ações Concertadas de Violência), que foi criada
em dezembro de 1976, tínhamos um grupo e, quando ocorreu a queda do
Cessna, fomos intimados a ir ao local. Não me pergunte quanto tempo é
que demorou a ida ao local, porque, neste momento, passados estes anos
todos, não consigo temporizar quanto demorámos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foi nessa noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fomos nessa noite, sim.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, quando chegou, o que é que
viu?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Vi um amontoado de gente.
Havia muita gente no local, porque era um sítio muito apertado, estava a
GNR e os bombeiros, e nós tentámos desviar as pessoas o máximo possível
para se poder trabalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga-me o seguinte: foi a
primeira equipa da Polícia Judiciária a lá chegar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Isso, agora, é que não sei. Sei que
houve uma outra equipa a lá ir.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe se foi antes ou
depois?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se foi antes, se foi depois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E era comum, neste tipo de
casos, destacarem mais do que uma equipa para um acontecimento destes?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Era, porque era uma equipa da
secção de homicídios, que, de facto, em função do evento, também era
obrigada a deslocar-se lá, penso eu.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quem foi
consigo, de quem fazia parte dessa equipa?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Temos de ir aos autos, porque,
neste momento… Alguns deles, inclusivamente, já faleceram.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem. Mas não se recorda
de nenhum colega que tenha ido consigo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O José Carlos Gualde… Foram
membros que constituíam a SCIACV naquela altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que ordenou a vossa
ida ao local?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que tenha sido o Inspetor
da Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que era…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Na altura, salvo erro, era o Dr.
Paulo Bernardino.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Pedro Amaral foi
convosco?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não foi connosco, porque
ele fazia parte da equipa dos Homicídios. É que nós fomos à área da queda
do avião e eles iniciaram as suas funções, salvo erro, no aeroporto. Foram
do aeroporto até ao local.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois, enfim, naturalmente,
viu o avião, mas o que lhe pergunto é se se deslocou apenas nessa noite ao
local ou se houve mais deslocações vossas ao local depois daquela noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não, só nessa altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E quem é que ficou responsável
por fazer o relatório do que viu nessa noite?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Agora, não me recordo, mas,
salvo erro, quem também fazia parte da equipa era o nosso Subinspetor
Marques Monteiro, salvo erro, e não sei se não terá sido ele a fazer o
relatório, mas, para isso, temos de ir ao processo, porque, de facto, no
processo, está tudo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi o Dr. Marques Monteiro, de
facto, e já foi aqui ouvido, aliás, mencionou que o senhor fazia parte da
equipa que teria estado na investigação.
Mas não esteve na investigação no aeroporto, nomeadamente na
investigação que apurou o rasto dos papéis…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não estive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A sua única intervenção foi
mesmo no local do embate?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — No local… Foi a preocupação de
afastar aquela gente toda, para, depois, se recolherem os vestígios como
devia ser.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, depois disso, qual foi a sua
intervenção no processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — As minhas intervenções foram
várias.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, gostaria que nos
relatasse as mais importantes.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — As mais importantes foram a
audição de pessoas, acompanhar requerimentos dos familiares das vítimas,
porque, na fase de inquérito, já na fase última do processo, dei apoio aos
familiares das vítimas, sempre que eles solicitaram, e pouco mais do que
isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inquiriu várias pessoas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diretamente?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Diretamente.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E, nessas inquirições, recorda-
se, certamente, de relatos divergentes…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Muitos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Uns, dizendo que houve uma
explosão no ar; outros, referindo…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, naquela fase inicial de
audição… A minha intervenção nesse processo foi logo numa fase inicial,
em que a preocupação era a de ouvir as pessoas todas, as testemunhas todas
que, de facto, pudessem dizer qualquer coisa sobre o que tinham visto.
Essa foi a minha intervenção e todas as audições estão no processo.
Agora, não me vai pedir, ao fim de 34 anos, que me recorde de tudo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem.
Diga-me o seguinte: recorda-se de quem fez o relatório final da
investigação?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas havia um inspetor
responsável, que seria o Dr. Paulo Bernardino…
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em princípio, é o inspetor que faz
o relatório final, em função de toda a prova carreada para o processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vamos falar de outro caso, do
caso do Sr. José Moreira, que faleceu em Carnaxide,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … num apartamento, com uma
senhora, uma companheira, supostamente com monóxido de carbono.
Recorda-se deste caso, em 1983?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Lembro-me de isso ter chegado
ao processo, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em janeiro de 1983.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, penso que sim, que seja essa
a data.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E qual foi a sua intervenção
neste processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha foi, praticamente, quase
nenhuma. Acho que foi pessoal dos Homicídios que lá esteve, nós também
lá estivemos…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diz que «também lá
estivemos», mas o senhor esteve lá?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Acho que não, não tenho ideia de
ter lá estado. Só vendo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Carnaxide.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Carnaxide. Não sei se tenho ideia
de lá ter estado… Não tenho ideia. Se tiver aí o processo, agradeço.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou falar-lhe de alguns nomes
que tiveram intervenção: neste processo: o Agente Herculano Morgado,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Mas esse era da secção de
homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mário Mendes,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … Eduardo Dias Costa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Esses são todos da secção de
homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — São todos da secção de
homicídios.
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E a vossa intervenção…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A intervenção foi o resultado que
foi anexado ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao processo de Camarate?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — De Camarate.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi feita uma conexão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se quando foi feita
essa conexão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho ideia. Não me
pergunte datas, por amor de Deus. Não tenho ideia de quando é que isso
foi.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido em 1983?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E nessa conexão, nessas
diligências, o que é que vos foi pedido à vossa Secção para fazerem? Por
que é que foi feita essa conexão?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei, não tenho ideia do que
nós fizemos, sinceramente. Sei que tivemos alguma intervenção nesse
processo, que foi o de juntar o resultado do relatório da autópsia que foi
feito aos cadáveres. Tenho ideia de esta matéria ser junta ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como estavam com a ligação
ao caso Camarate e houve alguém que terá feito essa relação, daí a vossa
intervenção.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Alguém fez essa conexão porque
acho que a vítima era proprietária do avião onde viajou o Primeiro-
Ministro. A conexão foi essa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Era da campanha do General
Soares Carneiro e este senhor viria depor à Comissão de Inquérito de
Camarate uns dias depois da sua morte. De facto, foi feita essa a conexão.
Teve acesso às autópsias? Recorda-se de, na altura, ter visto as
autópsias?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A única coisa que sei das
autópsias e que foram juntas ao processo é que, de facto, a morte tinha sido
ocasionada por monóxido de carbono — um esquentador que funcionava
mal. O casal estaria a tomar banho — é o que tenho ideia do processo — e
a morte deve-se ao monóxido de carbono, ao mau funcionamento do
esquentador. Acho que está provado no processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ajudá-lo a recordar-se e irá
conseguir perceber um pouco o que terá acontecido.
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Em 13 de janeiro de 1983, uma semana depois do acontecimento,
que foi a 6 de janeiro, o Agente Herculano, acompanhado de três
engenheiros, fizeram a análise ao esquentador e aperceberam-se que estava
tudo bem com o esquentador. Não havia problema nenhum, não estava a
queimar mal, estava a queimar muito bem.
Em 18 de janeiro de 1983, vão fazer nova inspeção com alguns
técnicos, nomeadamente do Instituto Ricardo Jorge, onde dizem que o
esquentador está a queimar mal. Ainda assim, nessa mesma medição, não
apuram mais do que 100 unidades de medida que, francamente, não sei o
que é, ppm (parte por um milhão)…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Vamos entrar em aspetos técnicos
que eu não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem, mas estou a ajudá-
lo, porque me disse que estava provado que a morte foi provocada por
monóxido de carbono e é verdade,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A autópsia é o que diz.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … mas também diz que, no
âmbito desse inquérito, foram feitos exames histológicos e, no âmbito
desses exames histológicos, ficou provado que houve rebentamento dos
alvéolos pulmonares. As autópsias foram feitas em janeiro e esse relatório é
apresentado em abril. Existe a dúvida se efetivamente foi dado
conhecimento ao médico que fez as autópsias antes dos despachos finais,
mas a questão é que houve rebentamento dos alvéolos pulmonares.
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E já foi dito quer na altura, quer agora — aliás, foi dito há
relativamente pouco tempo pelo ex-Presidente do Instituto de Medicina
Legal — que só pode ocorrer o rebentamento dos alvéolos pulmonares em
duas circunstâncias: ou colocando a mão na boca, asfixiando-se a pessoa,
situação em que a pessoa não consegue respirar e os alvéolos pulmonares
rebentam, ou, então, pela introdução de gás diretamente na boca. Acontece
também por afogamento, porque a pessoa sustem a respiração e quando
inspira rebentam os alvéolos pulmonares, mas claramente não foi o caso
aqui.
Portanto, objetivamente, a asfixia lenta por monóxido de carbono —
e foi-nos dito aqui, perentoriamente — nunca pode significar e ter como
consequência o rebentamento dos alvéolos pulmonares. E isso consta do
processo.
Admito que possa não ter conhecimento disto, mas a minha pergunta
é esta: tendo conhecimento deste exame histológico em que tem,
precisamente, essa informação, por que é que a Polícia Judiciária, na altura,
não levou isto em atenção?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estou a ter conhecimento disso
agora, nem sabia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas consta do processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, mas nem sabia. Estou a ter
conhecimento agora. O conhecimento que tenho, efetivamente, é que, pela
análise feita — e é uma análise muito objetiva — pelo Instituto de
Medicina Legal, o sangue quando está carbonizado é porque, de facto, a
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morte ocorre por monóxido de carbono. É essa a ideia que tenho, não tinha
outra, está agora a explicar-me.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É inquestionável que foi por
monóxido de carbono. Mas a questão é se foi por monóxido de carbono
libertado lentamente ou se foi forçado.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, mas isso não apurei. Na
altura, nem tive conhecimento desse apuramento.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca ouviu falar nisto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca ouvi falar nisto.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma vez, na sua experiência
profissional, teve casos prováveis de asfixia forçada?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca teve?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca tive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguém que tenha sido
impedido, até com a mão, de respirar, nunca teve conhecimento disso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nunca tive nada disso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ao longo dos seus anos de
experiência profissional, nunca foi confrontado com uma situação dessas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, nunca fui confrontado com
uma situação dessas. Com outras sim, mas com uma dessas, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como agente da altura, a
pergunta que lhe faço é a seguinte: fazem uma primeira análise, em que o
esquentador funciona bem. Depois disso, fazem uma segunda análise, em
que o esquentador, apesar de não funcionar bem, o que liberta não é
suficiente para causar a morte…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só tenho ideia de o esquentador
ter ido para o Instituto Ricardo Jorge ou de alguém do Instituto Ricardo
Jorge ter ido lá.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi lá, foi.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Uma dessas situações.
O que diz no processo é que, efetivamente, aquilo estava…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas, repare, para causar a
morte são necessários os tais 1000 ppm e, neste caso, foram apurados 110
ppm, o que, de acordo com o que consta, inclusivamente, do despacho da
Procuradoria, nem causa sequer dor de cabeça. A conclusão é a de que não
sabem a humidade que estava, não sabem se estava tudo fechado, se os
aquecedores estavam todos ligados, mas, objetivamente, é uma diferença
enorme para poder causar a morte.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sobre essa matéria, não me posso
pronunciar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve uma investigação, um
inquérito, em 1991, à atuação da Polícia Judiciária em 1983. Teve
conhecimento disso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — De facto, fui ouvido na
Procuradoria-Geral da República. Não sei se tem a ver com isso, mas fui
ouvido na Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No início dos anos 90, uns bons
anos depois disto.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, sim. Salvo erro, em 1991.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente.
Recorda-se de quem tinha a condução do processo, na secção de
homicídios?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei, não tenho ideia, mas
devia ser um dos inspetores: ou o Pedro Amaral ou o Dr. Joaquim
Gonçalves, salvo erro, mas não tenho ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Dr. Joaquim Gonçalves não,
porque… Tem noção de até quando é que o Dr. Joaquim Gonçalves esteve
na Polícia Judiciária? Ele foi ouvido aqui, há pouco.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei. Não tenho conhecimento
da data em que ele saiu. Sei que saí da Polícia em 1997, não sei se ele saiu
depois, se saiu antes, mas em 1997 eu estava em comissão de serviço.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas quando diz que não sabe
se ele saiu antes, se depois, admite que se tivesse saído em 1987/1988
recordar-se-ia, foram muitos antes.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, não sei, não tenho ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda foi colega dele?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ainda fui colega dele, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E entrou quando?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu entrei em 1974.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E foi colega dele durante
muitos anos?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Alguns, só que nós estávamos
separados, ele estava na de homicídios e eu estava numa outra secção.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Dias Costa, que
também estava na secção de homicídios,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estava nos Homicídios, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … recorda-se qual era a função
dele?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se ele já era inspetor, se
não, mas conheci-o como agente e depois, mais tarde, como inspetor.
Licenciou-se e, depois, concorreu a inspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem.
Relativamente ainda à questão de Camarate, o Dr. Pedro Amaral
fez…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fez um relatório que, de facto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Conte-me o que sabe sobre esse
relatório.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sei que há uma divergência ou
discrepância entre o que ele relata e o que a comissão técnica diz. É o que
conheço disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E qual é a divergência?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — A diferença é que a comissão
técnica diz que foi um efeito chaminé, que o avião transportou as
partículas, e o Dr. Amaral diz que terá sido causado por um rombo
qualquer no avião que largou os vestígios na pista. É o que sei sobre essa
matéria.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E ele terá visto um rasto de
papéis na pista, certo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ele viu alguma coisa na pista
porque a recolheu. Portanto, ele recolheu e esse material foi até para o
laboratório.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se o Dr. Pedro Amaral,
depois de ter feito esse relatório, continuou com o processo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O processo foi todo ele, salvo
erro, passado para a SCIACV, neste caso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, ele fez o relatório e, a
partir daí, não teve mais intervenção.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Depois, acho que foi ouvido e
prestou as suas declarações na Comissão. Eu também já fui ouvido numa
outra comissão, salvo erro na IV Comissão.
Mais questões? Se eu puder responder…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois deste relatório, em que
houve esta divergência, ele foi abandonado ou foi tomado em atenção?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi tomado em atenção. Acho
que está no processo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, está no processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Portanto, não foi abandonado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas não foram feitas mais
diligências de prova?
Repare, a minha questão é técnica: ou é efeito chaminé ou… Com a
sua experiência, se existir um rasto de papéis na pista até ao local do
acidente, como é que se pode dizer que é efeito chaminé se esse rasto é
evidente?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Se a comissão técnica determinou
que, de facto, foi assim, eu tenho de acreditar que, de facto, foi assim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda que lhe pareça estranho?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me parece estranho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não lhe parece estranho que
existisse esse rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não me parece estranho.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E porquê?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Porque as partículas são
extremamente leves e, segundo o que está no processo, elas foram
transportadas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A minha pergunta é de leigo: o
efeito chaminé espalha para todo o lado;…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pode não espalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … fazendo um rasto, significa
que foi deitado num percurso. É a minha opinião de leigo, é assim que
consigo interpretar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu fundamento-me, única e
exclusivamente, naquilo que a comissão técnica diz, porque eu, também
como leigo, e nessa matéria, só me posso apoiar no que ela diz. Portanto, é
a comissão técnica que o diz e, de facto, está mais avalizada, em minha
opinião, do que o pessoal que não trabalha com essa matéria, com essas
coisas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas a minha interpretação faz
sentido?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pois, não sei. Para mim, não faz
sentido.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não faz sentido?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, não faz.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não acha que pelo facto de
existir um rasto de papéis… Acha que o efeito chaminé pode provocar esse
rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Pelo que está explicado, sim.
Penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, por que é que o Dr.
Pedro Amaral chegou a essa conclusão? Terei de lhe perguntar,…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Nem mais.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … mas por que é que acha que
o Dr. Pedro Amaral terá deixado a essa conclusão?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei qual foi a ideia do Dr.
Pedro Amaral, até porque, inclusivamente, na equipa que ele chefiava há
contradições nessa área. Há contradições. Os próprios funcionários que o
acompanhavam não concordaram com aquilo que estava no relatório.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Das pessoas que ouviu — e não
vou perguntar-lhe quantas ouviu e o que é que ouviu —,…
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ui, Jesus!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … certamente que terá ouvido
pessoas a dizerem que viram a explosão no ar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu só valorizo as declarações que
tomei, porque foram em cima do acontecimento. De facto, as declarações
das testemunhas feitas em cima do acontecimento têm, em minha opinião,
muito mais credibilidade do que a posteriori, se houver outras influências.
É isto que entendo. E daquelas que ouvi, a única testemunha que ficou na
dúvida se era no ar ou se já era no fundo da pista foi o Chefe Inácio Costa.
Foi a única pessoa que, de facto, me disse que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O chefe de segurança?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, o chefe de segurança do Sr.
Primeiro-Ministro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E quantas pessoas ouviu na
altura, logo, que tenham presenciado? Porque ouviu outras pessoas depois,
as tais que poderão ter sido influenciadas.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei o número, mas ouvi
bastantes, nomeadamente residentes do bairro, o controlador aéreo, o
homem que pôs o avião a trabalhar… Foram várias, mas o número não me
pergunte, porque não me recordo.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E fez essas audições nos dias
seguintes?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foram várias, foram sequenciais,
foram várias. No próprio dia, foram ouvidas pessoas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se quanto tempo,
quantos meses ou dias, esteve a ouvir pessoas? Quando é que deixou de
ouvir pessoas?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi durante uns tempos… Foi
ainda durante algum tempo, mas agora temporizar, não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Um mês, dois meses?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Talvez. É que a atividade que eu
tive nesse processo foram audições, foi apoio à comissão de familiares…
Tive uma intervenção no processo muito sequencial, toda ela seguida.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os familiares das vítimas, que
estão aqui e que poderão falar por eles, pediram, na altura, que se
procedesse a uma análise de distâncias no local.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — E foram feitas!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foram feitas. E fiquei com a
impressão, de acordo com a audição do Inspetor Marques Monteiro — a
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qual, aliás, salvo erro, consta da ata — que o Sr. Agente Paulo terá estado
presente. Confirma?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, sim, confirmo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E do que é que se recorda?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Recordo-me de que foram feitas
as medições.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Só. Os familiares pediram várias
diligências, nomeadamente a ida aos destroços do avião, essas medições e
audições, inclusivamente, de pessoal que fazia parte da equipa do Dr. Pedro
Amaral, que também foram concedidas. No fundo, fui designado para
acompanhar os familiares em todas as diligências que eles solicitaram.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mediram as distâncias. Não se
recorda de nada significativo…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não. Foi tudo lavrado no auto e
está no processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Algum dos representantes dos familiares das
vítimas tem alguma questão a colocar?
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Pausa.
Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
Pedia-lhe que falasse mais perto do microfone.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Muito boa tarde, Sr. Paulo Condesso Franco.
Creio que há aqui uma confusão naquilo que diz ou, então, já não se
lembra.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Diga, diga. Coloque a questão.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O senhor diz que a parte técnica da
investigação não explica o rasto, ou que explica o rasto feito através do
efeito chaminé.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, senhor.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ora, a parte técnica da investigação não fala
deste rasto; só fala do rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca. O
resto são mais 500 m, o que faz uma diferença grande. E aqui, na
Comissão, disseram que a Polícia Judiciária não lhes tinha dado
conhecimento daquele rasto.
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Ou seja, há duas equipas no terreno: uma é a vossa (a vossa, ou seja,
a do Pedro Amaral); a outra é a técnica. Aparentemente, estas duas equipas
nunca se encontram…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — O que é que entende por
«técnica»? É que não estou a entender.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Da aeronáutica civil, que também está no
terreno, no dia seguinte.
Uma, trabalha num lado; outra, trabalha noutro e nunca se
encontram. Uma encontra um rasto que vai desde a pista até às casas e a
outra só encontra um rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca.
Ora, o rasto que vai das casas até à Estrada da Charneca pode
eventualmente ser feito por efeito chaminé. Mas esse efeito chaminé já não
é possível ser feito se o rasto vai das casas até à pista.
Não sei se me fiz entender.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fez-se entender. Mas também
não percebo o porquê dessa questão.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É que o senhor fala de um rasto como se a
Polícia…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha equipa não selecionou
rasto nenhum. A equipa do Dr. Pedro Amaral é que, de facto, verificou esse
rasto.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas não foi dado conhecimento desse rasto à
parte técnica, à parte da aeronáutica civil, segundo o que eles vieram aqui
dizer.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se foi, se não foi. Sei é
que aquilo que está no processo é que aquelas partículas que foram
encontradas pelo Dr. Pedro Amaral foram efetivamente resultantes de um
efeito chaminé, quando o avião afocinhou e começou a arder.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não estou a conseguir explicar.
O avião caiu em Camarate, ardeu em Camarate. Formou-se, então,
um efeito chaminé, que transportou as partículas até à estrada. Mas da
estrada até à pista vão mais 500 m. Como é que o senhor explica esses 500
m de rasto?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho de explicar porque não
tenho conhecimento disso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Então, não se pode apoiar, não pode dizer que
o relatório…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu apoio-me naquilo que está no
processo. O processo da comissão técnica da aeronáutica civil diz que as
partículas foram um efeito chaminé. A partir daí…
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Até à pista? Até à pista, não! Até à estrada!
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os senhores também tinham dúvidas nas
medições do Dr. Pedro Amaral? Foram os representantes das famílias que
pediram que fossem feitas as medições.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim. E foram feitas.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Foi por nossa iniciativa que a Polícia foi lá —
e o senhor estava lá, lembro-me muitíssimo bem — e fez as medições.
Acho extremamente estranho ser necessário nós, como
representantes das famílias, pedir uma coisa que a Polícia deveria ter feito
imediatamente. Por que é que não fizeram?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me pergunte a mim por que é
que isso não foi feito. Eu não era o titular do processo, era simplesmente
um agente que cumpria as determinações que estavam na direção da
investigação. Eu cumpri sempre aquilo que me mandaram fazer. E foi
aquilo que fiz. E aquilo que me mandaram fazer está tudo explanado no
processo. É só uma questão de consulta.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Eu conheço o processo.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu também. Até a uma
determinada altura. Agora, há muita coisa de que já não me recordo.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os senhores desmentiram no processo o Dr.
Pedro Amaral, dizendo que as medições estavam todas mal feitas e que não
correspondiam aos métodos que ele tinha proposto.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Eu não vou entrar neste tipo de
confronto.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E, depois, fomos medir e deu que estava certo.
Mas foi por iniciativa nossa, não foi por iniciativa vossa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Foi por solicitação vossa e foi
cumprida.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E por que é que a Polícia não fez isso?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não me pergunte a mim. Já lhe
respondi.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O senhor lembra-se do Agente Guimarães
Costa?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Do Chefe Inácio Costa.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Do adjunto dele, Guimarães Costa.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Também deve estar no processo,
com certeza. Fiz uma série de audições. E se eu fosse agora memorizar
todas as pessoas que ouvi, teria uma memória prodigiosa, mas não tenho.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Guimarães Costa começou por afirmar que viu
o avião explodir no ar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está nos autos?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Está nos autos. E, posteriormente, o Sr.
Inspetor deslocou-se ao emprego dele e elaborou um parecer dizendo que
ele desejava retificar o que tinha dito e que, afinal, a explosão tinha sido no
solo e não tinha sido no ar.
Está consciente disto, ou não?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Estou consciente é de que não
pressionei ninguém para alterar as suas declarações, disso tenho
consciência.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas isto está nos autos.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está nos autos? Se está nos autos
é porque é verdade.
Eu não pressiono ninguém para alterar declarações, antes pelo
contrário.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Então, temos o Agente Costa a mentir?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei. Tem de lhe perguntar a
ele se está a mentir, ou não.
O que está nos autos foi aquilo que, de facto, tomei de declarações às
pessoas. E eu não alterei qualquer auto que as testemunhas tenham
indicado.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É que ele disse aqui que nunca teve intenção
de alterar nada do que tinha dito.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Esse é um problema que já não é
meu. Talvez seja um problema de quem prestou essas declarações.
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Limitei-me a lavrar para os autos aquilo que as pessoas disseram.
Inquiri várias pessoas. Está tudo nos autos, devidamente assinados e
comprovados. A partir daí, não sou responsável por mais nada.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A ida a Carnaxide para investigar a morte do
José Moreira também?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Está a perguntar-me se fui a
Carnaxide?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei se fui a Carnaxide… Sou
de capaz de ter ido… Tenho a impressão de que acompanhei os técnicos do
Instituto Ricardo Jorge, salvo erro — não tenho presente, mas penso que
tenha sido isso.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas que necessidade é que a sua secção tinha
de se envolver na morte do José Moreira, em Carnaxide?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Como?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Qual foi a razão por que a sua equipa de
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trabalho se envolveu na morte do José Moreira, em Carnaxide? Qual foi a
razão por que resolveu investigar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei… Porquê?… Já expliquei
aqui que foi possivelmente por ter relação com o avião sinistrado. Os dos
Homicídios foram lá, depois comunicaram-nos e nós fomos fazer uma
diligência normal, no âmbito do processo de Camarate.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Assegurando, depois, que o José Moreira não
tinha nada a ver com Camarate?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Assegurando depois…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em princípio… A única coisa que
ele tinha a ver com Camarate é talvez com o avião que se sinistrou, não é?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Isso não é verdade, porque o senhor sabe
perfeitamente que o Eng.º José Moreira fez parte de uma equipa de
investigação e, portanto, a relação dele com Camarate era muito mais
íntima e mais importante. Nomeadamente, os testes de voo foram todos
feitos por ele e pelo piloto dele. Portanto, havia uma relação muito mais
próxima e íntima do José Moreira com Camarate. Não era só por ser dono
do avião.
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desculpe, mas não estou a
entender a pergunta.
O Sr. Presidente: — Tem de ser mais explícito, Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Estou a estranhar o facto de o Sr. Inspetor
dizer que ele tinha relação com Camarate porque era dono do avião.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — E não era? Era!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Era. Mas era muito mais do que isso em
relação a Camarate. Ele também participava numa investigação.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Participava numa investigação?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desconheço.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Desconhece?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Desconheço.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas tem conhecimento dos ensaios de voo que
tiveram lugar?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Ensaios de voo daquele avião?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não tenho ideia. Se tive
conhecimento, não me recordo.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, não vale a pena…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Como é que o senhor ingressa na
Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Por concurso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Em 1974?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Em 1974.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi um concurso de ingresso
externo?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Exatamente, um concurso
externo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, antes de ter ingressado na Polícia
Judiciária, qual era a sua atividade?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — A minha atividade? Eu trabalhava
numa firma, que era a Âmbar. Eu trabalhei em várias firmas. Trabalhei na
Administração do Porto de Lisboa, como funcionário público; depois,
trabalhei na Romar; depois, trabalhei na Âmbar; e, depois, concorri à
Polícia Judiciária, em julho de 1974.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Trabalhou na Administração do
Porto de Lisboa, como funcionário público. E depois desvinculou-se da
função pública?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, porque, entretanto, fui para
a tropa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Fez tropa? Onde é que fez tropa?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Fiz tropa aqui, em Lisboa, na
Polícia Militar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não esteve no ultramar?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não, tive muita sorte, não fui.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, foi polícia militar.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, depois, disse que, quando acabou
a tropa…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Quando acabei a tropa, fui para
uma firma, que era a Romar e, depois, fui para a Âmbar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A Âmbar é de materiais de
escritório, não é verdade?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Exatamente.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E a Romar, era de quê?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Era de ferramentas e rolamentos,
etc.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E depois é que concorre e ingressa
na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, em julho de 1974.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Alguma vez se cruzou com um
Lencastre Bernardo, na Polícia Judiciária?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Claro que sim. Ele foi diretor
militar da SCIACV.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Então, foi seu superior?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, foi meu superior.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se recorda em que períodos?
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Deixe-me pensar… Talvez no
ano de 1977, penso… É que houve uma reestruturação na Polícia
Judiciária, em que foi criada esta brigada, porque havia um movimento
bombista, quer de extrema-direita quer de extrema-esquerda. Por isso, foi
criada esta secção.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O SCIACV.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, o SCIACV.
Portanto, houve uma reestruturação na Polícia Judiciária, foi criada
esta secção e, salvo erro por indicação ou por convite do General Ramalho
Eanes, ele foi como diretor militar e servia como elo de ligação com os
militares, nesse período.
Essa é a relação.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O SCIACV é criado por quem?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — É criado pela Polícia Judiciária.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas quem é a pessoa que está…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Quem, na altura, estava a dirigir
era, de facto, o Major Lencastre Bernardo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E é ele que instala o SCIACV? E
quando digo instalar é juntar as equipas.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — É ele que cria. E cria as equipas,
quer dizer, uma equipa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É uma equipa, que estava lá. Depois,
ele juntou as pessoas, criou a orgânica…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sim, éramos uns sete ou oito
elementos, não mais.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E, entretanto, o Lencastre Bernardo
sai…
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Sai e é substituído por um outro
militar, o Major Viegas.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se recorda em que altura é que
isso acontece?
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O Sr. Paulo Condesso Franco: — Não sei… Talvez em… Não sei
se, em 1980, ainda lá estava… Não sei se estaria… Acho que não estava…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Essa era a pergunta que lhe ia
colocar a seguir, como é evidente.
O Sr. Paulo Condesso Franco: — Penso que já lá não estava…
Penso que na altura…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quando acontece Camarate,
Lencastre Bernardo está na PJ?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho memória, mas sei que
há um período em que, de facto, ele é substituído pelo Major Viegas.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Para onde vai Lencastre Bernardo
quando sai da PJ?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Isso, agora, é que não sei.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mesmo depois de sair, continuou a
frequentar a Polícia Judiciária, continuou a ser uma presença na Polícia
Judiciária?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Desligou-se completamente?
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Desligou-se completamente. A
única coisa que havia era um encontro de funcionários com ele, mas em
situações sem ser de trabalho, eram, pura e simplesmente, de convívio,
mais nada.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Em que o senhor também ia?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Também fui.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas não se recorda para onde é que
Lencastre Bernardo foi trabalhar, a seguir?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, não.
Sinceramente que não.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Para a Presidência da República,
talvez?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei. Sinceramente, não sei.
Sei, ultimamente, para onde é que ele foi, mas isso foi falado.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Desculpe, não percebi. Sabe…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sei que, de facto, ele estava numa
universidade, salvo erro… Fazia parte da direção de uma universidade. É a
única atividade de que me lembro, depois de ele ter saído.
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Fazia parte da direção de uma
universidade?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — É aquela ali ao pé do Hospital de
Santa Marta, a UAL (Universidade Autónoma de Lisboa), salvo erro. Era a
UAL.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sobre a questão das equipas que
investigaram Camarate. Havia, então, duas equipas: a equipa da Polícia
Judiciária, a dos Homicídios,…
O Sr. PauloCondessoFranco: — A equipa dos Homicídios, sim!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — … e a equipa da SCIACV.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exato!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Essa equipa era chefiada por si?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não estou a falar na SCIACV, estou
a falar na equipa que estava…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, a equipa que estava no
terreno não era chefiada por mim.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não?! Então?
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Era chefiada pelo Subinspetor
Marques Monteiro e pelo Inspetor Seiça. Um era inspetor, o outro
subinspetor e nós, os agentes. Era assim. A estrutura de chefia era esta.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — O que é que faziam as duas equipas
no terreno ao mesmo tempo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Como já expliquei, uma foi
direcionada para a queda do avião, onde ele estava, no Bairro de Angola…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — A equipa dos Homicídios.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, a nossa, a da SCIACV. E a
equipa dos Homicídios começou a fazer a sua investigação em todo o
percurso do aeroporto.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — E a equipa dos Homicídios era
chefiada pelo Inspetor Pedro Amaral.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exatamente.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Um estagiário.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Isso, agora, é que eu não sei, mas
acho que sim. Não sei! Não tenho ideia se ele era estagiário, ou não. Era
inspetor!
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Estagiário!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Pois.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — A chefiar uma equipa num caso
daqueles?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Mas isso aí…!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É uma coisa muito estranha, não é?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei se é estranho, ou não! De
facto, nem me tinha ocorrido que ele era estagiário.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Esqueça tudo o que aconteceu. Num
caso importante num país, colocar um inspetor estagiário a chefiar uma
equipa num caso desses é uma coisa que não é normal.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ele tinha apoio dos subinspetores
com certeza, que iam com ele, penso eu.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas não se recorda de o Pedro
Amaral ser estagiário nessa altura?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Não?!
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Nesse período em que a SCIACV
foi chamada a ir ao Bairro de Angola por causa da queda do avião, nós
estávamos com muito poucos elementos e direcionámo-nos logo para ali,
nem nos preocupámos se, de facto, havia uma equipa dos Homicídios, ou
não. Só viemos a constatar o facto…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Entenderam que era um caso
importante!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Exatamente! A SCIACV era
insuficiente para… Penso que foi essa a deliberação de quem mandou a
equipa dos Homicídios para o terreno do aeroporto para investigar.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — E o que foi que os senhores
concluíram?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Concluímos como?
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Foram investigar, investigaram e
depois o que é que concluíram da investigação?
O Sr. PauloCondessoFranco: — O que é que concluímos? Nós,
naquela altura, não concluímos nada, nós investigámos. Começámos a
investigar. Todos os pormenores eram investigados: testemunhas… Depois
veio a Comissão Técnica da Aviação Civil, veio o apoio de fora, de
estrangeiros…
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — Certo, mas vejamos: a secção de
homicídios esteve lá, chefiada pelo Pedro Amaral,…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, senhor!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — … que fez um relatório, como
referiu há bocado, relatório esse que foi apenso ao processo. Entretanto, os
Homicídios saem e fica só a SCIACV.
Com aquele relatório, os Homicídios concluíram a sua participação
— apresentaram o relatório, que foi apenso ao processo, que ficou na mão
da SCIACV. Os Homicídios saltaram fora e a investigação continuou com
a SCIACV.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei se eles saltaram
totalmente fora, porque eles foram solicitados várias vezes para dar
esclarecimentos das situações.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Como já passou bastante tempo,
pode dizer-se as coisas, talvez até de uma forma mais desapaixonada:
andaram a investigar, estiveram a fazer a investigação e o que concluíram?
O que é que o senhor acha?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Eu acho que, de facto, foi um
acidente, se quer a minha opinião, que é pessoal e alicerçada por diversas
situações no processo.
Se alguém for ao processo e analisar, temporalmente, como foi
organizada a viagem do Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro da Defesa, é
muito pouco crível que haja uma organização terrorista que,
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temporalmente, consiga fazer um atentado naquele avião, só por uma
questão de tempo. Se analisarem, temporalmente, o que foi feito, desde as
marcações pela secretária do Sr. Primeiro-Ministro, que faz três marcações,
na TAP, no avião da RAR e na CP, e faz isto no dia 3 de dezembro, penso
eu — quero ver se não me baralho —, toda a sequência que depois é feita
até que o avião se vai embora, não sei se…
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sobre a questão das marcações, nós
já temos essa explicação.
O Sr. PauloCondessoFranco: — E então?
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Então, já a temos.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Pois!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas os senhores investigaram muito
mais do que isso, com certeza!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Investigámos mais do que isso?!
Está tudo no processo, é uma questão de verem.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sim, mas agora estou a falar
consigo.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ah, sim, mas…
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O Sr. MiguelSantos (PSD): — O processo está onde estiver. Já cá
esteve!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Ótimo!
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Esqueça agora o processo. Estou a
perguntar a si.
Depois de tantos anos, como é que vê todo este caso Camarate, que
esteve a investigar, que andou bastante tempo a investigar, que ouviu
pessoas?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Vejo, efetivamente, como aquilo
que eu disse: penso que tenha sido um acidente.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Mas por causa das marcações, do
agendamento?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não só! Não só, porque, em
todo o suporte técnico que foi feito, há uma situação que, para mim, é
fundamental para a falta de gasolina no motor esquerdo: o copiloto troca a
mão, penso eu, e, em vez de abrir a trasfega do motor principal direito para
o motor esquerdo, fecha-a. Isto está provado no processo. Na minha ótica,
esta é a questão fundamental para a falta de gasolina no motor esquerdo.
O Sr. MiguelSantos (PSD): — Sr. Presidente, terminei.
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O Sr. Presidente: — Se me permitem, queria só saber se o Sr.
Inspetor, que esteve nessa missão desse departamento especial, conhecia
um senhor chamado Carlos Miranda.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não.
O Sr. Presidente: — Nunca ouviu falar?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não. Deixe-me «puxar» pela
memória…
O Sr. Presidente: — E José Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, esse sim.
O Sr. Presidente: — E contactava com ele?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não contactava com ele.
Fomos solicitados para verificar da veracidade de um comunicado
que a CODECO (Comandos Operacionais da Defesa da Civilização
Ocidental) fez sobre o atentado ao avião, onde referia que, salvo erro, se a
memória não me falha, a causa da queda do avião tinha sido o
estrangulamento na alimentação dos motores. Esse comunicado foi
analisado e chegou-se à conclusão de que não havia estrangulamento
nenhum.
José Esteves era um conhecido antigo da Polícia. Fez parte de
diversas manifestações de rua, mudou uma série de vezes de profissão,
portanto…
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O Sr. Presidente: — À época, como é que o classifica socialmente e
como pessoa?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não crível!
O Sr. Presidente: — Não crível?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não crível! Esta é a opinião que
tenho dele.
O Sr. Presidente: — Farinha Simões, conhece?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não!
O Sr. Presidente: — Não o conheceu na época?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Nunca contactei com ele!
O Sr. Presidente: — Nunca falou com ele?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Nunca!
O Sr. Presidente: — Mas, na época, sabia da existência do José
Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sabia, porque os CODECO
fizeram um comunicado…
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O Sr. Presidente: — Farinha Simões?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Não o conheço. Nunca falei
com ele, nem sei quem é. Farinha Simões, não!
O Sr. Presidente: — Nem na época?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Nem na época! De certeza
absoluta!
O Sr. Presidente: — Portanto, destes três nomes, o único que era
conhecido da Polícia era o José Esteves.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Era o José Esteves, porque foi
interpelado várias vezes por suspeita de várias coisas, desde ter explosivos
em casa, vigarices, uma série de coisas pelas quais foi contactado pela
Polícia.
O Sr. Presidente: — Não tenho mais nada a perguntar.
Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, tem a palavra.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não era esta a pergunta que eu
tinha para fazer, mas, agora, fiquei com uma curiosidade.
Disse, há pouco, que a vossa secção, de alguma maneira, investigava
os grupos terroristas. Certo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Certo!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quer os de extrema-direita,
quer os de extrema-esquerda. Neste caso, o Sr. José Esteves pertencia a
algum desses grupos terroristas?
O Sr. PauloCondessoFranco: — A indicação que tínhamos era a
de que o José Esteves deveria ter pertencido, ou argumentava pertencer, à
FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). Nós tivemos vários
processos contra elementos oriundos de Angola — elementos que criaram
uns grupos que, de facto, andaram aí a pôr bombas — e apreendemos
explosivos e, inclusivamente, um homicida, e José Esteves estava, de certa
maneira, ligado a essa gente.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Disse, mesmo a terminar, que
chegou a apreender explosivos em casa…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, não! Não foi dele! Não
apreendemos explosivos a ele.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Ele não tinha explosivos em
casa?!
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca viram isso?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Os explosivos apreendemos a um
indivíduo que, de facto, era um homicida que conseguimos prender… Foi
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aquele célebre assassínio dos guarda-freios na Cruz Quebrada. Esse
indivíduo fazia parte de um grupo de movimento de extrema-direita, com
pessoal oriundo de Angola, e foi a esse que nós apreendemos explosivos.
Eram grupos de extrema-direita e grupos de extrema-esquerda.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Esse, de alguma maneira,
estava ligado a José Esteves? Conseguiram fazer a ligação entre esse grupo
e o José Esteves?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Penso que sim. Não me lembro
muito bem, mas acho que sim. Estava tudo na mesma sequência de
movimentos de extremas-direitas, em que…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Como investigaram, recorda-se
quem apoiava, financiava, esse grupo de extrema-direita?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Isso não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — A vossa atuação era local…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Era local.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não faziam uma investigação
mais estruturada?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Quer dizer, fazia-se investigação
até ao ponto de se saber se havia organização ou não, mas, em princípio,
não…
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nunca chegaram a…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tinham organização!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Voltando ao caso José Moreira,
apartamento de Carnaxide.
Disse, há pouco, a instâncias do Sr. Augusto Cid, que acha que teve
intervenção, nomeadamente, no acompanhamento aos técnicos do Instituto
Ricardo Jorge que foram fazer a medição do gás do esquentador.
O Sr. PauloCondessoFranco: — Eu penso que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qual era a ligação com o
Agente Herculano Morgado? Refiro-me à vossa secção, porque a do
Agente Herculano Morgado era a de homicídios. Certo?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, mas nós não tínhamos
ligação. A única ligação foi a de eles irem investigar uma situação e nós a
outra, porque não havia conexão.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas admite como possível que
tenham ido agentes, ou inspetores, da secção de homicídios e também da
SCIACV?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sim, porque, após a descoberta
do casal, foi comunicado aos Homicídios, que avançaram logo.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas a minha pergunta é se
admite que o Agente Herculano Morgado também tenha ido a essa mesma
medição do…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, sinceramente.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Digo-lhe porquê. Consta do
despacho da Procuradoria-Geral da República que foi o Agente Herculano
Morgado quem levou os três engenheiros ao apartamento. Portanto, a
intervenção do senhor ou foi com ele, ou, então, não terá estado nessa…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Sei que estive lá, mas agora
como…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se lembra é se foi com o
Agente Herculano ou se foi com as pessoas…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não sei.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não era comum ter dois…
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Nos Homicídios, não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se cruzavam?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Só em situações muito especiais,
mas não me recordo de nenhuma, sinceramente!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se recorda de ter lá estado
com gente dos Homicídios?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia. É provável que
sim, mas não tenho ideia.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas neste caso em concreto?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não tenho ideia, sinceramente!
Muito sinceramente, não tenho.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sr. Presidente, é tudo.
O Sr. Presidente: — Sr. Inspetor, se não se importa, vou colocar
uma última questão.
Durante toda a investigação que fez, a colaboração que deu aos
vários processos relacionados com a queda do avião, sentiu-se alguma vez
coagido? Fez o trabalho de uma forma normal? Sentiu que havia pressões?
O Sr. PauloCondessoFranco: — Não! Em princípio, não!
O Sr. Presidente: — Pressões normais até, para acelerar o processo,
para finalizar o mais rapidamente possível, modificações de orientações…
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O Sr. PauloCondessoFranco: — Não, nunca tive pressões desse
tipo. Nunca! Sinceramente, não!
O Sr. Presidente: — Não havendo mais questões, dou por terminada
esta audição, agradecendo ao Sr. Inspetor a disponibilidade e os
esclarecimentos prestados.
A próxima audição é às 14 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está interrompida a reunião.
Eram 13 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a reunião.
Eram 14 horas e 44 minutos.
Antes de mais, começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, o
Inspetor Herculano Lourenço Morgado, e agradecer-lhe a sua presença.
Sr. Inspetor, peço-lhe, pois, que se identifique.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado (ex-Inspetor da Polícia
Judiciária): — Chamo-me Herculano Lourenço Morgado e nasci em 5 de
novembro de 1936.
O Sr. Presidente: — Passo, agora, a referir o objeto da X Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate: «A Comissão de
Inquérito tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal das causas e
circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a morte do
Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino
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Amaro da Costa e dos seus acompanhantes (…)», designadamente dando
seguimento às recomendações emitidas pela 7.ª e 9.ª Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Pergunto ao Sr. Inspetor se jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Juro dizer a verdade e só a
verdade.
O Sr. Presidente: — Informo-o que, se prestar falso depoimento,
pratica o crime de falsidade de testemunho, punido com prisão até cinco
anos ou multa até 600 dias.
Sobre a grelha de tempos, informo-o que haverá três rondas: a 1.ª
ronda será de 5 minutos, de pergunta e resposta por cada grupo parlamentar
e por representante dos familiares das vítimas; a 2.ª ronda será de 3
minutos; e a 3.ª ronda será de 2 minutos.
Tendo em conta o tema em apreço nesta Comissão de Inquérito,
pergunto ao Sr. Inspetor se quer fazer uma declaração inicial.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não.
O Sr. Presidente: — Pergunto ainda se tem alguma coisa contra o
facto de esta audição ser à porta aberta.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não tenho nada contra.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado do
PSD Pedro do Ó Ramos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar o Sr. Inspetor Herculano Morgado.
Desde já, pergunto: durante quanto tempo foi inspetor na Polícia
Judiciária? Primeiro, agente e, depois, inspetor…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — A designação é inspetor,
mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foi agente.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Fui agente. Fui entre 1976
e 1992, em Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esteve sempre em Lisboa?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Estive sempre em Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A que secção da Polícia
Judiciária é que pertenceu?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — À secção de homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sempre à de homicídios?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sempre à de homicídios,
2.ª Secção. Aliás, nos últimos dois anos, entre 1990 e 1992, não pertenci à
secção de homicídios.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No início dos anos 80 pertencia
a que secção?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — À de homicídios, à 2.ª
Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem era o seu inspetor-chefe
na 2.ª Secção?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O meu inspetor-chefe
naquela altura, sei lá quem era… Foi uma série deles… O Lobão já tinha
morrido, suponho eu,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dr. Joaquim Gonçalves?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Esse era coordenador. O
Sr. Deputado perguntou-me quem era o inspetor-chefe.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Há diferença?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Há diferença, há!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, explique-me lá. É o
coordenador é o superior hierárquico?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O coordenador é o chefe
da secção.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O coordenador é o chefe da
secção e, depois, há o inspetor.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Agora, é inspetor-chefe.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na altura, era inspetor só?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Era subinspetor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de quem era em
1982/83 o coordenador e o subinspetor?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não. Neste momento não
me lembro. Passaram por lá tantos, não me lembro quem era nessa data.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o Dr. Joaquim Gonçalves
foi coordenador?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi coordenador, foi.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que se recorde, quem foi
subinspetor?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Baptista Correia, o
António Lobão… Não me recordo de mais nomes.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Relativamente ao caso
Camarate, o Sr. Agente teve alguma participação?
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca trabalhei em nada
desse processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, havia uma secção de
homicídios onde estava…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Havia duas secções de
homicídios, nessa altura.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Alguma delas teve intervenção
em Camarate? Recorda-se?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que o início da
investigação coube à 3.ª Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que lá estava? Qual foi
o agente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Naquela altura, agentes
havia muitos. Muitos, não, uma meia dúzia deles, não sei quem eram.
Recordo-me que o inspetor-coordenador dessa época era o juiz
conselheiro… A memória fraqueja… qualquer coisa Carvalho. Agora, é
juiz desembargador.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o Dr. Paulo Bernardino?
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Paulo Bernardino nunca
foi meu superior. Entenda-se «superior» em relação às ordens que dava.
Nunca foi meu superior. Conheci-o…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas houve uma secção de
homicídios que esteve envolvida na investigação do caso…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi a 3.ª Secção.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda do agente em
concreto que esteve envolvido.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Agentes em concreto
havia o Fernandes Maciel, o Jorge Gonçalves, havia o… já não me recordo
dos nomes. Não me recordo de mais nomes.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Deixe estar. Já lá vamos
novamente.
O senhor está aqui, em concreto, para nos ajudar a apurar a
investigação ao homicídio do Sr. José Moreira e da companheira, a Sr.ª
Elisabete.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Eng.º José Moreira?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — José Moreira. Ambos morreram
num apartamento em Carnaxide.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Ah, nesse caso, fui eu
próprio…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Consultei o processo e vi que o
Sr. Agente Herculano foi incumbido na investigação em 13 de janeiro de
1983. A morte terá ocorrido um pouco antes, a 6 de janeiro, e o senhor terá
sido incumbido dessa investigação no dia 13. Pelo menos, é a informação
que consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Gostaria que me explicasse
como foi a sua participação e, em traços gerais — e depois iremos ao
pormenor —, o que fez e o que apurou no âmbito dessa investigação.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que ouvi várias
pessoas e sei que fui ao apartamento com uma doutora do Laboratório
Ricardo Jorge e com uma funcionária, foram lá duas pessoas, fazer um
exame sobre o anidrido carbónico resultante da queima do gás do fogão e
do esquentador.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Do que é que se recorda dessa
investigação?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me que havia
óxido de carbono, mas não em quantidade letal, porque estivemos lá dentro
e não sofremos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente.
A informação que temos confere com o que o senhor está a dizer. O
Sr. Agente levou três engenheiros, que estão identificados — e um deles é
de facto essa senhora que referiu —, que mencionam no relatório que tanto
o esquentador como o fogão estavam a queimar normalmente e que não
havia rutura, quer nas bilhas, quer nos tubos de ligação, não se notando
qualquer fuga de gás.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto uma semana depois de
terem sido descobertos os corpos. E deram nota disso mesmo.
Pergunto: tendo em conta esse cenário e depois de se ter verificado
na autópsia que as duas pessoas morreram com monóxido de carbono, qual
foi a sua conclusão?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me de que fiz o
relatório final e que foi arquivado. Não havia crime — foi esta a conclusão
que tirámos da investigação.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: o senhor fez um teste
juntamente com três técnicos, esteve presente nesse teste, certificou-se de
que efetivamente não existiam problemas com o esquentador, que não
existia monóxido de carbono suficiente…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Existiam problemas,
agora…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor disse «não o
suficiente…»…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim… Não foi letal
naquele momento em que nós fizemos o exame — «nós», salvo seja.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A expressão é esta: «‘tanto o
esquentador como o fogão estavam a queimar normalmente (…)’».
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não. Normalmente,
não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isto consta do relatório.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Havia deficiência.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas este relatório conjunto, da
Procuradoria-Geral da República, foi assinado por si e diz mesmo, vou ler,
novamente, o parágrafo:
«Incumbido da investigação, logo no dia 13-1-83 e na sequência de
contacto efetuado em 12-1-83 (…), o agente Herculano Lourenço
Morgado…», o senhor, «… levou ao apartamento os três engenheiros
identificados, (…)»…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não eram três
engenheiros.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … «(…) os dois primeiros, da
Empresa ESSO Gás, Lda, e o terceiro da Associação Portuguesa de Gases
de Petróleo Liquefeitos), os quais fizeram as observações e experiências
que entenderam necessárias, ficando de apresentar relatório conjunto (…),
e adiantaram, desde logo, que ‘tanto o esquentador como o fogão estavam a
queimar normalmente e não havia rotura quer nas bilhas quer nos tubos de
ligação aos referidos aparelhos (…), não se notando qualquer fuga de gás.
Disseram ignorar a proveniência do monóxido de carbono e que para essa
determinação havia necessidade de recorrer a outros organismos’ (…).»
Ou seja, naquele dia não havia qualquer problema.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O que me recordo é que o
esquentador não funcionava… Quer dizer, libertava anidrido carbónico. É a
ideia que eu tenho, agora, neste momento.
Nem me recordava de que lá tinham ido os técnicos da companhia de
gás. Não me recordava disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sei por que é que não se
recorda: porque, nesse dia, não houve problema nenhum e, no dia 18,
houve um novo momento, em que levaram um técnico do Instituto Ricardo
Jorge. E nessa altura disseram que havia má queima do esquentador e
deficiente tiragem de ar e gases.
O senhor recorda-se de lá ter ido uma segunda vez para analisar?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como acabei de dizer:
não me recordo de ter lá levado os técnicos de gás. Não me recordo nada,
mas, se está escrito, é porque foram.
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Recordo-me perfeitamente bem da engenheira do Laboratório Dr.
Ricardo Jorge. Elas estavam assustadas e eu até lhes disse: «Não tenham
medo, porque estou aqui. Se sentirem alguma coisa, eu sei abrir a porta, as
janelas… sei libertar isto tudo!».
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem, há esse
apuramento.
Entretanto, os valores de concentração que encontraram nunca
excederam — e estou a reportar à segunda avaliação, feita pelo Instituto
Ricardo Jorge — 110 ppm, valores obtidos na casa de banho — e recordo
que os corpos estavam entre a casa de banho e o corredor e estavam
deitados. Este valor foi medido na casa de banho, que era um sítio que não
tinha ventilação, e nunca excedeu 110 ppm, depois de 1 hora e 30 minutos
de o esquentador estar a funcionar.
Consta do despacho da Procuradoria — e gostava que comentasse
isto — que quando a concentração de monóxido de carbono no ar atinge os
100 ppm, os efeitos são a ausência de sintomas ao fim de duas horas. E
para provocar náuseas, vertigens e, depois, a morte é preciso haver
concentrações superiores a 1000, 10 vezes mais.
Pergunto: se só apuraram estes 110 ppm, valor manifestamente
insuficiente para provocar uma dor de cabeça, por que é que chegaram à
conclusão de que aquela tinha sido a causa da morte?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Deve ter havido também o
relatório da autópsia, suponho eu. Passados estes anos todos, não me
recordo de pormenores, mas…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório da autópsia
confirma que tinha monóxido de carbono. Inquestionável.
O senhor recorda-se se os exames médicos foram todos feitos na
altura da autópsia, ou houve exames entregues posteriormente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de ter
existido algum exame fora da autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas houve! Houve um exame
histológico…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas não foram juntos ao
processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas foram também.
Esses exames dizem que houve entrada forçada de gás ou, então, que
houve asfixia por modo mecânico precisamente porque os alvéolos
pulmonares rebentaram. Isto consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Que eu lesse, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se de quando
foi feita a autópsia?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não me recordo.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A autópsia foi feita em janeiro
e esses elementos foram juntos ao processo em abril, muito antes do
despacho de arquivamento.
Pergunto: por que é que isto não foi tido em atenção, uma vez que
consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me lembro sequer de
ter junto ao processo algum documento que dissesse que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ler: «Já quanto à não
consideração crítica pelo médico-legista, aquando da elaboração dos
relatórios das autópsias, dos resultados dos exames histológicos, ela é um
facto, uma vez que os relatórios destes últimos são de 7-4-83, enquanto que
os relatórios das autópsias já estavam prontos quase três meses antes (…).
O perito médico (…) disse não se recordar se (…) teve conhecimento
dos relatórios (…), sendo certo que havia a prática de fazê-los passar pelas
mãos do perito (…)».
Do que é que o senhor se recorda, relativamente a isto?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Em termos de pormenor
do que está no processo, já não me recordo.
Agora, quanto aos trâmites, suponho que o processo não poderia ser
arquivado enquanto não estivesse tudo junto. Quer dizer, todos esses
exames, julgo, deveriam estar lá, porque senão o processo não poderia ser
arquivado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo.
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O médico que fez a autópsia não se recorda se teve conhecimento
destes resultados, mas os investigadores tiveram, certamente, consta do
processo. Está aqui. E nos relatórios diz-se: «‘poderá resultar do conjunto
de mecanismos asfíxicos que se verificam na intoxicação pelo monóxido de
carbono, (…)’». Isto consta desse relatório.
Já tivemos nesta Comissão de Inquérito pessoas que testemunharam,
nomeadamente o ex-Presidente do Instituto de Medicina Legal, que se
pronunciou sobre o assunto, uma técnica, a Dr.ª Rosa, que também se
pronunciou sobre o assunto, que disseram que, nunca, em circunstância
alguma, poderia haver rebentamento dos alvéolos pulmonares (e não altura
já se sabia isto) com uma inspiração lenta de monóxido de carbono. Isto só
pode acontecer de duas formas: ou com a asfixia mecânica, vulgo tapar a
boca, ou com afogamento (não era o caso), ou, então, com a introdução de
gás em pressão nas vias respiratórias. Não há forma de ser um acidente por
uma libertação de gás pelo esquentador a fazer rebentar os alvéolos
pulmonares. E os senhores tiveram conhecimento desse relatório.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me lembro
absolutamente de nada que os pulmões tivessem rebentado. Não me lembro
de nada! E, no meu relatório, julgo que não falei nisso, porque, se os
pulmões tivessem rebentado por efeito do monóxido de carbono, sei lá o
que teria feito, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas consta do processo e foi
entregue, sabe? A questão é que foi entregue.
A dúvida é se o perito, o médico legista, teve conhecimento ou não.
Era prática ter conhecimento. Ele diz que não se recorda, apesar de ser
prática.
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A questão é que o investigador teve o processo, teve este relatório na
mão e, passadas duas ou três semanas, faz um despacho de arquivamento,
não considerando isto.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo
absolutamente de nada.
Julgo, neste momento, que se tivesse visto que tinham rebentado os
pulmões, suponho, teria de ter efetuado mais diligências no processo, julgo
eu! Recordar não me recordo, mas…
Quanto aos pulmões rebentarem, não tenho ideia nenhuma. E não me
recordo de ter escrito isso no meu relatório. Julgo que não escrevi, mas se
está lá escrito…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, consta é do relatório
histológico. Consta do relatório histológico que isso aconteceu e não foi
considerado pelos senhores. Os senhores não valorizaram esse mesmo
exame.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como digo, não me
recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Agente, vamos lá ver uma
coisa: o senhor está encarregue da investigação.
Só para precisar, na altura, o senhor tinha essencialmente funções de
gabinete, ou fazia muita investigação fora?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Faz-se o serviço todo.
Quer dizer, um agente da Polícia Judiciária…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não tinha funções de
escriturário…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Um agente faz de
escriturário, porque faz o processo, tem de escrever os autos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo.
Portanto, era indiferente. Os que faziam trabalho de gabinete faziam
investigação fora.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não havia uns agentes que iam
mais para fora e outros que ficavam mais…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Podem colaborar na
investigação, podem fazer serviços para o mesmo processo, mas o
encarregado do processo, nesse caso, fui eu. Há um que é o encarregado do
processo, os outros ajudam, colaboram, fazem trabalho. O detentor do
processo é sempre um.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare, o senhor é detentor do
processo. Existe um relatório que é entregue em abril. O despacho de
arquivamento é proferido duas ou três semanas depois. Aliás, no despacho
final, que é feito pelo Sr. Inspetor Eduardo Dias da Costa sob proposta sua,
diz-se que «não há matéria para»; ele remete-o, em início de maio, para a
comarca de Oeiras, dizendo que, de acordo com o vosso entendimento,
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«não há matéria para». O senhor é titular do processo. Há um relatório
histológico, que é entregue, que consta dos autos e que o senhor diz que
não se recorda, mas que, se se recordasse, se isso existisse, teria feito outras
diligências. O problema é que não foram feitas outras diligências!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Possivelmente, mas esse
exame histológico foi entregue no processo com o mesmo relatório da
autópsia?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório da autópsia é
anterior e o relatório é posterior, mas consta do processo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de ter
recebido qualquer…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas o senhor admite que o
relatório possa ter sido entregue no Instituto de Medicina Legal, constar do
processo, que consta… Estou a citar-lhe passagens do despacho da
Procuradoria-Geral da República, não estou a fazer qualquer especulação,
nem a conjeturar, nem a fazer peça jornalística. Esse relatório constava do
processo.
O que me está a dizer faz sentido: «Se eu tivesse conhecimento
disso, tinha feito», mas não o fez na altura e tinha de o fazer!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pois… tinha de fazer, mas
não me recordo de ter lido isso, esse relatório histológico. Não me recordo
de ter recebido nada a seguir ao relatório da autópsia.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para que fique claro, hoje, o
senhor, se fosse titular de um processo, recebia um relatório da autópsia,
que dizia «monóxido de carbono, níveis superiores» e, passados dois
meses, recebia um outro relatório histológico que dizia «houve
rebentamento dos alvéolos pulmonares». O senhor tinha conhecimento
disto. Com esta apreciação, com esse resultado, o senhor atuaria de outra
forma. Certo?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Julgo que sim.
Quer dizer, se eu visse isso no processo, se tivesse esse
conhecimento, teria feito outras diligências, sei lá… Não me recordo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não terá o senhor lido isso e
não terá feito as diligências porque não entendeu fazê-las?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não! Se eu visse, se
eu lesse isso, claro que fazia! Nunca me poupei a esforços na questão de
investigar! Não me recordo de nesse exame se dizer que rebentaram os
pulmões.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A acrescer, com o tal teste que
o senhor fez com a técnica do Instituto Ricardo Jorge não houve
concentrações de dióxido de carbono superiores aos tais 110 ppm, que
eram manifestamente insuficientes até para provocar uma dor de cabeça.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pois, acredito nisso tudo e
foram as conclusões a que cheguei, só que…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se, passados uns anos,
houve algum inquérito para averiguar a vossa investigação a este caso do
José Moreira?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor nunca foi ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca fui ouvido, nem
tenho conhecimento de que esse processo tivesse resultado de outras
averiguações.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não deve ter percebido.
Sabe se a atuação da Polícia Judiciária foi objeto de um inquérito,
uns anos depois, para apurar se, de facto, a investigação a este caso, a este
homicídio, foi feita corretamente?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não tenho conhecimento
nenhum disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1991 foi feito o inquérito.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o senhor, como agente titular,
não foi ouvido?!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca foi ouvido em 1991,
num inquérito?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não, não. Em 1991, já
não estava na secção de homicídios, mas ainda estava ao serviço da Polícia
Judiciária.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare a minha estranheza: há
um inquérito para apurar as circunstâncias em que decorreu a investigação.
O senhor é o agente titular do processo. E não foi ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor garante que nunca fui
ouvido?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Nunca fui ouvido sobre
esse processo, depois de o processo sair das minhas mãos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, para já, não
tenho mais perguntas.
O Sr. Presidente: — Pergunto se mais alguém deseja usar da palavra
para colocar questões.
Pausa.
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Não havendo mais inscrições, para dar início à segunda ronda, tem a
palavra o Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Sr. Presidente, estou só aqui a
procurar…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Sr. Deputado diz que o
exame histológico foi junto ao processo antes da data do relatório?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Vou já dizer-lhe. Estou à
procura do documento.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É estranho eu não me
lembrar disso. Não tenho ideia nenhuma.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Já encontrei o despacho da
Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público, que passo a ler:
«Finalmente, constam de fls 131 a 133 os relatórios dos exames
histológicos, entregues em mão ao agente Morgado, na secretaria do IML,
em 11-4-83 (…)». Foram-lhe entregues. O senhor disse que não teve
conhecimento deles…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de nada.
Foram-me entregues em mão no Instituto de Medicina Legal (IML)?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Sim.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Isso também não é
normal.
Foram entregues em mão e quem é que faz isso? Então, entregam-me
assim…?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — O Procurador-Geral da
República.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Procurador-Geral, não!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isso consta do despacho final
do Procurador.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O Procurador-Geral da
República, não. Pode ser um Procurador da República na comarca de
Oeiras.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É evidente.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas, então, como é que
ele…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Inspeção do Ministério Público,
José Ribeiro Afonso, que diz, repito: «Finalmente, constam de fls 131 a
133 os relatórios dos exames histológicos, entregues em mão ao agente
Morgado, (…), em 11-4-83 (…)».
O senhor disse que não tinha conhecimento deles.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de nada,
mas também não é normal entregarem-me em mão um relatório…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas recebeu-o.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recebi, pois assinei como
recebi…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor é o agente titular do
processo, recebe o processo, recebe um relatório…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Qual foi a data em que me
foi entregue esse relatório?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi-lhe entregue a 11 de abril
de 1983 e o senhor apresenta o relatório final a 29 de abril de 1983, 15 dias
depois.
Repare, o senhor teve tempo para analisar este relatório, ver que os
alvéolos pulmonares tinham rebentado e, pura e simplesmente, ignorou, ou
quis ignorar.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — É como digo, não tenho
noção nenhuma de ter recebido e de ter lido esse exame. Os exames que
recebi eram sempre juntos ao relatório da autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não foram, o relatório da
autópsia foi feito em janeiro — já lhe expliquei isto — e estes exames
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foram feitos posteriormente e recebidos três meses depois. Foram entregues
em mão ao Sr. Agente titular do processo em 11 de abril de 1983.
O senhor disse-me há pouco que, se tivesse recebido esse relatório,
se tivesse analisado esse relatório, teria feito outras diligências.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recebeu-o. Não me
venha dizer… Não quero parecer irritado, mas não me venha dizer que
recebeu o relatório e que não olhou para ele.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Estou a dizer que não me
recordo nada de ter recebido esse relatório. Não me recordo sequer de tê-lo
recebido.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É o Sr. Procurador que diz que
o senhor recebeu, no âmbito do inquérito à vossa atuação.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Só digo que não me
recordo de tê-lo recebido, de tê-lo lido. Não me recordo!
A ideia que eu tenho é que, quando andava na investigação, passei
pelo tribunal de Oeiras e o Sr. Procurador da República ficou muito
melindrado porque eu não tinha de andar por lá sem ordem dele. E eu
disse-lhe: «Eu ando aqui sob as ordens dos meus superiores, etc., etc.,». E
sei que ele ficou melindrado. Eu disse-lhe que atuava sob as ordens dos
meus superiores, e o Procurador na comarca não é meu superior
hierárquico.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor, como titular do
processo, que diligências de prova fez?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Sei que ouvi pessoas, sei
que assisti a esse exame do laboratório da Dr.ª Antónia, salvo erro, do
Instituto Ricardo Jorge, mas nem sequer me recordava de lá terem ido os
engenheiros da empresa de gás. Também não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esses foram logo os primeiros e
foram consigo.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não estou a duvidar disso,
mas não me recordo. Não posso dizer que me recordo, porque não me
recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se da técnica,
mas não se recorda da primeira vez que vai ao…
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Recordo-me da doutora
do Ricardo Jorge por outras razões. Recordo-me muito bem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Lembra-se de quem apurou que
o esquentador queimava mal, mas de quem dizia que queimava bem não se
recorda.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O que queimava bem?!
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, porque a primeira
inspeção, a do dia 13, disse que o esquentador estava a funcionar
corretamente, e foi o senhor — também consta aqui. O nome do Sr. Agente
está constantemente referido, é normal, era o titular do processo!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Como é que eu me posso
recordar 30 anos depois? Não me recordo. Mas há uma certeza que tenho:
não me recordo de ter lido que os pulmões rebentaram.
Os pulmões rebentaram com monóxido de carbono?! Nunca tinha
ouvido falar disso sequer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, mas já constava do
relatório na altura.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Consta do meu relatório
que os pulmões rebentaram?! Não pode!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não. No do senhor, não, porque
o senhor não faz referência a isso.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Mas no relatório tinha de
fazer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pelos vistos, não, porque não
considerou isso.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Se o relatório estivesse
nas minhas mãos, eu tinha de fazer referência.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas esteve nas suas mãos. Foi-
lhe entregue em mão.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Foi-me entregue em
mão… Dizem eles que me foi entregue em mão. Eu não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi-lhe entregue 15 dias antes.
O senhor ainda não teria o relatório feito, mas já não esteve para olhar para
estes exames!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Quando o relatório é feito,
sai das minhas mãos e nunca mais volta às minhas mãos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor recorda-se se fez o
relatório perto do dia 29?
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Não me recordo de datas,
de absolutamente nenhuma.
Recordo-me de, na altura, constar, por um indivíduo que já tinha sido
expulso da Polícia Judiciária, que o engenheiro fora morto para não
divulgar nada sobre a tragédia de Camarate, tragédia, atentado ou o quer
que seja.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ler-lhe o que consta do
relatório histológico, o tal que o senhor recebeu em mão no dia 11 de abril.
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O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — O senhor diz que eu o
recebi, mas eu não me recordo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É o que consta do documento
da Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Pode não dizer a verdade.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, pode! Pode, de facto, não
dizer a verdade! Não sei quem é que diz a verdade!
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Eu também não sei! Mas
também não estou a dizer que não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas isto é feito na sequência de
um inquérito.
Diz-se aqui: «Em ambos se refere,…», ambos exames histológicos,
«… além do mais, que os pulmões das vítimas apresentam acentuada
congestão vascular e hemorragias, bem como áreas de marcada distensão
alveolar com rotura dos septos, (…)».
Se o senhor tivesse lido isto, diria: «Espera lá, isto não deve ter sido
um adormecimento!».
O Sr. Herculano Lourenço Morgado: — Tinha de ser um
monóxido mais forte.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente! Mas, de facto, isto
foi ignorado.
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É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Há mais alguém que queira colocar questões?
Pausa.
Não havendo mais inscrições, dou por terminada esta audição,
agradecendo ao Sr. Inspetor Herculano Lourenço Morgado a sua presença.
Srs. Deputados, a próxima audição será com o Sr. Agente Mário
Jorge Coimbra Mendes, às 16 horas.
Está interrompida a reunião.
Eram 15 horas e 17 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar retomar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Começo por dar as boas-vindas ao nosso depoente, Sr. Inspetor-
Chefe da Polícia Judiciária Mário Jorge Coimbra Mendes, a quem peço o
favor de se identificar para constar da ata.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes (ex-Inspetor-Chefe da Polícia
Judiciária): — Chamo-me Mário Jorge Coimbra Mendes, sou Inspetor-
Chefe da Polícia Judiciária e estou aposentado há alguns anos. É a minha
situação atual.
Dada a minha inexperiência, nestas situações, se for preciso dizer
mais alguma coisa, façam favor de mo dizerem.
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O Sr. Presidente: — O objeto da X Comissão Parlamentar de
Inquérito à Tragédia de Camarate, que consta do artigo 1.º do
Regulamento, «(…) tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, (…)», designadamente
dando seguimento às recomendações emitidas pelas VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito à Tragédia de Camarate.
Peço-lhe que declare que jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Juro dizer a verdade e só a
verdade.
O Sr. Presidente: — Quero informá-lo de que o falso depoimento
implica a prática do crime punido com a pena de prisão até cinco anos ou
multa até 600 dias.
A audição vai realizar-se com três rondas de perguntas, sendo uma
primeira de 5 minutos para cada grupo parlamentar e representantes dos
familiares das vítimas, uma segunda ronda de 3 minutos e, se tal for
necessário, uma terceira de 2 minutos.
Como a audição vai ser feita de porta aberta, pergunto-lhe se se opõe.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho nada a opor.
O Sr. Presidente: — Pergunto-lhe também se pretende fazer alguma
intervenção inicial.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, vamos dar início à fase das
perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Inspetor-Chefe, muito
obrigado por estar aqui hoje presente.
Pergunto-lhe se foi quadro da Polícia Judiciária (PJ), se prestou
serviço na Polícia Judiciária durante muitos anos e desde quando e até
quando.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado,
efetivamente, ingressei na PJ em 1976 e reformei-me em 2002. Portanto,
tive 26 anos de serviço ativo. Aposentei-me como inspetor-chefe e
trabalhei, ao longo da minha carreira profissional, em vários sectores e
secções.
Posso dizer-lhe que, na altura a que se reportam estes factos, tinha
tomado posse há pouco tempo, há 2 ou 3 anos, e trabalhava no sector de
homicídios e foi nesse contexto que eu fui ao local mais tarde.
Depois, em 1982, ingressei na DCCB, na altura, Direção Central de
Combate ao Banditismo, onde estive cerca de 10 anos, quando fui
promovido, passei para a direção central de combate aos estupefacientes;
estive no Algarve, em comissão de serviço, cerca de 18 a 24 meses; voltei
para a diretoria de Lisboa e, passados alguns anos, reformei-me.
São estas as secções onde estive.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para precisar: esteve na secção
de homicídios?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em que período, recorda-se?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Recordo. Quando passei a
estagiário fiquei logo lá, portanto, em 1976 acabei o curso e, depois, em 14
de maio de 1977, passei a agente de terceira e já estava nos Homicídios e
estive lá cerca de cinco anos até ser convidado para ir para a DCCB.
Portanto, na data dos factos, a 4 de dezembro de 1980, recordo que
estávamos… Como o senhor calculará, volta não volta, havia homicídios
aqui ou noutras zonas do País, e eu estava com os meus colegas e
estávamos de volta de uma situação dessas. Estávamos a jantar,
acompanhados do nosso coordenador da altura, que era Inspetor, o Dr.
Pedro Amaral. Penso que era a hora, mais ou menos, do jantar, o jantar já
estava programado, e, de repente, surge aquela notícia no telejornal que nos
deixou perfeitamente estupefactos.
Já não me recordo, exatamente, mas penso que comemos alguma
coisa e foi decidido, por ordens superiores, deslocarmo-nos para a zona
onde teria caído o avião onde se fazia transportar o Sr. Primeiro-Ministro
Sá Carneiro, acompanhado do Sr. Ministro da Defesa e de outros
acompanhantes.
Foi isso o que fizemos, consoante as horas, fomos para lá, quando lá
chegámos…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe interromper. Foi com
o Dr. Pedro Amaral?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quais eram os elementos da
equipa? Quantos elementos tinha a equipa?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado… Penso
que da brigada dos Homicídios estariam lá cinco, seis… É natural que, na
altura, tenha havido ali algum esforço de juntar mais alguns elementos
porque, eventualmente, poderiam ser julgados poucos na área e penso que
devem ter ido mais alguns funcionários, mas dos Homicídios foram cinco
ou seis, salvo erro, ou mais… Eu, agora, de momento, não posso precisar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi e o que é que viu? O que é
que fizeram?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, na altura,
quando eu lá cheguei, aquela era uma situação muito complexa, muito
complexa, e foi-me distribuído…
O que é que eu vi lá…? Vi lá o avião, os restos do avião… Aquilo
era uma rua muito estreita, tenho ideia de os prédios, os prédios ou as
casas, serem relativamente baixos, não eram muito altas, e vi lá um
amontoado dos vestígios de restos dos corpos provenientes do incêndio.
Nós ficámos… Penso que a GNR já lá estaria no local, e o local
estaria preservado, digamos, dentro das possibilidades, porque aquilo era
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uma amálgama de gente que era brutal, era difícil… Eu já cheguei lá
passado algum tempo do acidente ter ocorrido, do acidente ou o que foi…
Estivemos lá, numa zona sobranceira dos prédios a ver, seguindo as
instruções que nos foram dadas, durante algum tempo… Chegaram
imensas pessoas, algumas altas individualidades, e, depois…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de alguma?
Desculpe interrompê-lo.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Olhe, eu penso… Eu
queria… Pronto, já passaram 34 anos… Eu tenho ideia do General
Ramalho Eanes, mas não sei; tenho uma ideia também do Dr. Pinto
Balsemão e não sei se do Dr. Freitas do Amaral. Não sei se estou
equivocado mas, pelo menos, ficaram-me essas imagens. Não sei…
O que posso dizer? Estivemos lá algum tempo, algumas horas,
talvez, e depois o que interessava, o que era importante e o que era
imperioso fazer-se naquela sequência, nós — e eu, nomeadamente e
juntamente com outro colega — aguardámos pela vinda do Dr.
Sombreireiro do IML (Instituto de Medicina Legal) e fizemos a remoção,
com ele, num carro, levámo-lo para o IML para ele fazer — eram essas as
instruções que havia — começar a fazer as autópsias, os exames.
Foi isso que fizemos. Fomos para o IML com ele, facultámos o
transporte, acompanhámo-lo. O referido Dr. Sombreireiro chegou ao IML e
começou na sua arte… Nós estivemos lá, algumas horas… E pronto!…
Depois, saímos de lá.
O que é que eu queria dizer? E, se calhar, é importante salientar este
aspeto: eu não tenho um acompanhamento contínuo desta situação;
acompanhei isto, inicialmente, nesta fase dos homicídios…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Peço desculpa por interrompê-
lo…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza! Faça favor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Cingindo-me ao que falou,
faço-lhe uma pergunta, muito concreta: não foi a única equipa da Polícia
Judiciária que foi para o local do desastre?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não! Penso que não…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não foi.
O Sr. Inspetor-Chefe disse-nos que foi para os destroços do avião
onde o avião embateu.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente. Junto das
casas onde ficaram os…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo!
Não fizeram qualquer tipo de investigação e avaliação da pista até às
casas?
Digo-lhe porquê. Já tivemos aqui um testemunho que nos disse que a
equipa do Dr. Pedro Amaral encarregou-se dos destroços e do que teria
estado naquela pista…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … na noite de 4 de dezembro,
precisamente 500 m antes do embate.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, admito isso,
simplesmente, eu não fui. Eu fui para o sítio que lhe referi, estive lá e,
depois, acompanhei o Dr. Sombreireiro ao Instituto de Medicina Legal para
ele começar a fazer as autópsias.
Admito — e é possível que tenha acontecido — que tenha havido
uma subdivisão das equipas e que outras tenham tido essa missão, porque
eu, depois, mais tarde, ouvi falar-se nesses colgas que, até, em dias
posteriores terão lá ido para, digamos, fazer ou, eventualmente, ultimar
alguma coisa que tivesse ficado por fazer. Mas eu não tenho conhecimento
direto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Conhece o Inspetor Paulo
Franco?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Conheço, com certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ele esteve consigo nos
destroços?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Esteve, sim, senhor. Eu,
até lhe…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Apesar de fazer parte de outra
secção?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, o Inspetor
Paulo Franco, que fazia parte, na altura, de outra secção, que não a minha.
Eu trabalhava nos Homicídios e o Sr. Inspetor Paulo Franco trabalhava na
SCIACV que, penso eu, terá sido a secção para onde foi encaminhado o
dito processo, que era o processo n.º 998/80. Penso!… Não sei se foi o
único, mas penso que o Sr. Inspetor Paulo Franco foi sempre o titular, não
sei se terá sido, sempre, o mesmo…
Depois queria dizer-lhe, se não estou a ser muito apressado, que,
mais tarde, em 1982, já na DCCB, venho a ter contacto, porque fui colega
de sala do Sr. Inspetor Paulo Franco, que era o titular desse processo n.º
998/80. Eu falava com ele, acompanhava-o naquilo que ele precisasse,
independentemente de eu ter o meu trabalho ou não. Quando era preciso,
eu avançava, apoiava-o naquilo que ele precisava… Pronto! Notificações e,
eventualmente, tratarmos de papelada, ir buscar papelada para se fazer os
exames médicos, para se entregar aos peritos, para se fazer aqueles exames
complementares…
Nessa fase, tomei algum contacto, através do Sr. Paulo Franco, na
sala 608, porque o processo estava lá. Era um processo que era dele, mas,
quando ele me dizia: «Ó Coimbra, faz isto» ou «faz aquilo», eu fazia!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro.
Uma questão prévia: o Dr. Pedro Amaral ficou encarregue de fazer
um relatório?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Tem toda a lógica…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Chefiava a equipa?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Tem toda a lógica, era o
coordenador ou era o responsável da equipa, teria toda a lógica…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que função é que ele tinha, em
1980? Ele era estagiário? Era…?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. O Dr. Pedro do
Amaral era o meu inspetor da secção de homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, não era estagiário?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Agora, não posso dizer-
lhe com rigor, mas penso, Sr. Deputado, que ele já tinha alguns anos… Não
tinha muitos, muitos, mas era uma pessoa que já não era estagiário, já
tinha…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando à questão do
relatório: era normal que fosse ele a fazê-lo, porque ele chefiou essa
equipa?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Só se ele atribuísse,
eventualmente, a outro funcionário mais central nas investigações, que teria
um conhecimento que as pessoas…
Como o senhor compreenderá, o titular do processo é o responsável
pelos autos e é, normalmente, quem faz as informações, quem tira as
conclusões, quem faz os relatórios. Portanto, se ele dissesse a alguém,
eventualmente a uma figura mais central naquele processo todo, para fazer
o relatório, era porque ele estava ciente daquilo que se estava a passar de
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tudo. Mas inclino-me mais para ser o Dr. Pedro Amaral a ter um processo
com esta complexidade e com esta responsabilidade. Eventualmente,
poderia ser ele, embora eu não lho possa garantir…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro!
O senhor recorda-se desse relatório, do que constava desse relatório
que o Dr. Pedro Amaral fez?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nunca ouviu falar, sequer,
desse relatório?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ouvi falar, mas nunca o li,
nem me lembro…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E do que ouviu falar, qual era,
enfim, o seu traço mais distintivo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado, não
tenho, sinceramente, uma ideia muito forte…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Se eu lhe falar de um rasto…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, é possível, um
rasto… É possível…! Foi uma das coisas que ouvi, muitas vezes, mas eu,
depois, desliguei-me completamente do processo, como compreenderá.
Tinha a minha vida profissional, se alguma coisa me era pedido, com
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certeza que faria da melhor maneira e dentro das minhas possibilidades,
mas aquilo estava entregue a uma outra secção, que não estava fisicamente
na Polícia Judiciária, estava numa outra zona do edifício. E, portanto, como
o senhor compreenderá, não era assim tão fácil quanto isso, a pessoa estar
sempre ali a imiscuir-se ou a perguntar isto ou aquilo.
Portanto, sinceramente, não sei nada que o possa ajudar nisso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esse relatório foi feito pela
secção de homicídios, mas, depois, o processo transitou para a SCIACV.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, a ideia que
eu tenho é essa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando à questão dos corpos
e das autópsias, o senhor acompanhou o percurso feito até ao Instituto de
Medicina Legal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A pergunta que vou fazer tem a
ver com a questão das ambulâncias. A ambulância que carregou os corpos
foi a mesma que os levou até ao Instituto de Medicina Legal, ou houve uma
trasfega de ambulância?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho ideia nenhuma
sobre isso, Sr. Deputado, e, em bom rigor, nada posso dizer sobre isso,
porque, quando abandonei o local, em princípio, fui numa carrinha da PJ,
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acompanhado do Dr. Sombreireiro e com outro colega a conduzir, e penso
que os corpos ainda não tinham sido removidos.
Portanto, não sei, sequer, em que ambulância, ou em que carro, é que
foram…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor chegou primeiro ao
Instituto de Medicina Legal. Não acompanhou propriamente…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não acompanhei
propriamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quando chegaram já lá
estava…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não fui incumbido dessa
tarefa, senão acompanharia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro, mas houve colegas seus
que, de certeza, acompanharam.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Admite que sim, mas não tem a
certeza.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não tenho a certeza. Em
bom rigor, não tenho a certeza.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Major Lencastre Bernardo
ainda estava na Polícia Judiciária em 1980?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Major Bernardo…?
Estou a tentar situar-me… Ele era o responsável da SCIACV, aquando da
sua criação em 1982, e ele nunca esteve, acho eu, na DCCB, sendo que
mais tarde apareceu o Sr. Major Viegas, mas já numa fase posterior.
Estou a tentar situar-me… Em 1976, houve a morte de um
funcionário e nós tivemos necessidade de pedir um avião e era o Sr. Major
Bernardo, efetivamente, o diretor do departamento.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1976?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Em 1976. Lembro-me
perfeitamente, porque houve um homicídio no Algarve e tivemos
necessidade de meios aéreos, tivemos necessidade de um meio para nos pôr
no Algarve rapidamente e foram as démarches do Sr. Major Bernardo que
resolveram a questão mais facilmente.
Agora, em 1980, eu estava nos Homicídios… Sr. Deputado,
sinceramente…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe para onde foi trabalhar o
Major Lencastre Bernardo depois de ter sido diretor da Polícia Judiciária?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu acompanhei algum
percurso do Sr. Major Bernardo, agora, sinceramente… Sinceramente, não
sei.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe se foi trabalhar para a
Presidência da República com o General Ramalho Eanes?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim, porque
acho que o Sr. Major Bernardo fazia parte da entourage do Sr. General
Ramalho Eanes —não sei se estou a dizer alguma coisa…
Portanto, admito perfeitamente. Não sei se nessa altura concreta ele
esteve lá fisicamente, mas admito que possa ter ido para lá trabalhar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Disse há pouco, sem grande
certeza, que o General Ramalho Eanes terá estado no acidente.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de o Major
Bernardo ter estado lá nessa noite também? Recorda-se de o ter visto lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não. Inclinava-me mais
para o «não», mas não queria… Inclinava-me mais para o «não». É uma
pessoa que reconheceria bem, forçosamente, e não tenho essa ideia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando ao Dr. Pedro Amaral,
ele fez o relatório. Entretanto, o processo foi entregue ao Inspetor Paulo
Franco.
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O Dr. Pedro Amaral nunca mais teve contacto com o processo?!
Nem os Homicídios?!
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Os Homicídios, não!
Penso que os Homicídios não! Eu nunca mais tive contacto com o
processo, nem soube nada do processo. Se não fizesse qualquer démarche
nesse sentido…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, esteve naquela noite.
A sua participação foi ter estado naquela noite.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, não queria
ser tão restritivo nesse aspeto, dizendo «só naquela noite». Eu admito que
depois ele possa ter estado em contacto durante alguns dias, mas,
posteriormente, nos Homicídios e depois de ter sido entregue, já me custa
um bocadinho mais a crer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em relação a Camarate, tem
mais alguma informação do que ouviu na altura do Inspetor Paulo Franco?
Teve curiosidade em acompanhar?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, sinceramente. Como
deve calcular, com alguma pertinência e para trazer luz, não… O que se
ouvia era teorias desencontradas, umas dizendo que era isto, outras que era
aquilo, mas com pouco rigor. Penso que não têm pertinência.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em 1983, o Sr. Inspetor-Chefe
continuava nos Homicídios?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já estava na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A partir de 1982 passei
para a DCCB.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Teve conhecimento de um caso
de morte de duas pessoas num apartamento em Carnaxide, do Sr. José
Moreira e da sua acompanhante Elisabete Silva?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Estive, sim senhor.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que é que se recorda disso?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que se passou foi que,
como lhe disse estava na DCCB, estava com o Sr. Inspetor Paulo Franco, e,
a certa altura, fomos, já não sei exatamente o mês, mas, em 1983, foi-nos
dada a indicação para nos dirigirmos a Carnaxide a um apartamento onde
teriam aparecido um indivíduo de sexo masculino e um indivíduo do sexo
feminino mortos.
Na altura, o Sr. Paulo Franco era o titular desses autos e nós, os
Homicídios, foi-nos dada essa indicação, fomos lá e tentámos fazer o nosso
trabalho o melhor possível. Fizemos o exame ao local…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os corpos ainda lá estavam?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Estavam.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os senhores foram dos
primeiros a aparecer?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente. Penso que
deve ter sido relativamente rápido. Alguém deve ter comunicado à Polícia
Judiciária e, como nós andávamos na zona em serviço externo, ou perto,
fomos logo para lá, foi-nos dada essa instrução.
Portanto, fizemos aquilo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe, quem foi? Foi o Sr.
Inspetor?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Fui só eu e o Sr. Inspetor
Paulo Franco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só os dois?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Fomos só os dois, sim.
Portanto, fomos lá e fizemos um exame ao local. Vimos os
cadáveres, foi-nos referido que o indivíduo do sexo masculino seria o
indivíduo de que o Sr. Deputado falou que teria alguma ligação… Penso
que seria o dono do avião — não sei se será isto com inteira propriedade —
em que o Sr. Primeiro-Ministro Sá Carneiro teria falecido.
Nesse aspeto, fomos lá, vimos os cadáveres, fizemos exame ao local,
vimos a porta, vimos o apartamento todo, tentámos analisar aquilo como o
que, hoje em dia, se chama vulgarmente de CSI, e fomos ver aquilo com a
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maior profundidade possível, na perspetiva de podermos ajudar em alguma
coisa.
Face àquilo tudo, não vimos sinais nenhuns de violência nos ditos
cadáveres, não vimos nada na casa que nos fizesse pensar em alguma coisa
que pudesse ter havido ali de estranho, embora, quando se vai a um
determinado local, tenhamos de admitir tudo, não podemos ir com ideias
pré-concebidas, temos de ter o espírito aberto e ver, realmente, porque, se
vamos para lá a pensar que é isto ou aquilo, não… Temos de ter o espírito
aberto, temos de ver, de ver os cadáveres.
E, na altura, encaminhou-se a situação — e já não me lembro quem é
que lá estava, não sei se era da GNR ou da PSP —, mas fomos
encaminhados para a cozinha e havia ali… Pronto, já não sei o cheiro a gás
era assim muito intenso, se não era, se era só uma mera suspeita… mas, na
altura, ficou no ar a pairar aquela hipótese de ter havido ali um problema no
gás, mas um problema acidental, em termos da própria canalização, como
pode haver em qualquer casa…
Face a essa situação, fizemos o nosso trabalho, reportámos a situação
e ficámos a aguardar. Ali seria decisiva a questão do IML e do exame de
autópsia dos corpos no sentido de virmos a saber se teria havido suspeitas
de crime, ou não.
Tanto quanto posso dizer, na altura, eu fui ao Instituto de Medicina
Legal e presenciei a autópsia da senhora, de que não recordo o nome…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Elisabete.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Pronto, da Sr.ª Elisabete.
Presenciei a autópsia e reparei, aliás, foi salientado pelo médico, penso que
era o Dr. Sombreireiro, que quando há aquela questão do gás e tudo,
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normalmente eles tiram aquilo e com a sua experiência focou logo e
salientou a questão da pele cianosada, ou seja, da pele com uma cor
diferente, rosácea que poderia ser um indicador disso, e depois, ficou lá.
O senhor fez o seu trabalho e, mais tarde, alguém terá recebido esse
exame de autópsia. Sinceramente, penso que nada apontaria para que
tivesse sido crime, mas, também, não tive mais conhecimento, nem fui
inteirado de mais nada relacionado com isso.
Era isso, digamos, que eu queria dizer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Portanto, o Sr. Inspetor-Chefe
juntamente com o Inspetor Paulo Franco foram os primeiros a chegar ao
local e viram os corpos e, certamente, não sentiram um cheiro forte a gás,
senão ter-se-ia recordado.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim. Podia haver, mas
nada…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nada fora do normal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, senão nós também…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Depois disso, consta das
autópsias que os corpos tinham algumas lesões traumáticas, nomeadamente
ele no ombro e no joelho e ela tinha uma mordedura na mama. Na altura
viram esses mesmos sinais?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, no exame
ao cadáver, às vezes, aparecem esses vestígios que, depois, terão de ser
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dirimidos, digamos, quando não são muito evidentes, pelo Instituto de
Medicina Legal.
Admito que sim, embora, muitas vezes, seja uma questão que fica em
aberto, porque, como estavam no chão, pressupõe-se uma queda e a lesão
poderia ter sido consequência da queda. De qualquer maneira, os peritos do
IML normalmente dirimem essas situações todas, dizendo: isto é objeto de
violência, foi isto, foi um objeto contundente, foi aquilo…. E só então, sim,
é decisório, e é uma opinião que vale.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Também estaria o septo nasal
desviado, partido. Não se apercebeu disso?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, sinceramente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que ficou titular desta
investigação?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, eu nunca
mais tive contacto com o dito processo. Não sei!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido o Agente Herculano
Morgado?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Herculano Morgado?!
Penso que terá sido, talvez, dos Homicídios.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim. Sabe quem é o Agente
Herculano Morgado?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sei, sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se foi ele que ficou como
titular do processo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei, Sr. Deputado.
Compreendo, por um lado, que isto lhes faça alguma confusão, mas
veja: nós estávamos na Malhoa, fisicamente, eu tinha semanas que não ia à
Gomes Freire — os Homicídios eram no 1.º andar da Gomes Freire —, e
passavam semanas que não falávamos com ninguém.
Muitas vezes, eu só ia à Gomes Freire para receber o ordenado, na
altura em que ainda se tinha de ir receber o ordenado. Depois tínhamos
serviço externo, andávamos semanas por fora… Havia alguma dificuldade,
porque não havia aquele contacto, o que poderá até parecer estranho para
uma pessoa outsider ao sistema, mas acontecia muitas vezes e se falava, as
pessoas não conversavam.
Eu conheço o Sr. Herculano Morgado, porque eu passei nos
Homicídios, mas não sei se ele é do meu tempo, penso que era mais novo
que eu, mas sinceramente não sei.
O Sr. Deputado pode perguntar-me: mas não teve curiosidade?
Também não tive, sinceramente. Eu ouvia as coisas, quem tinha o processo,
quem era o titular era o Sr. Inspetor Paulo Franco, e, sinceramente, também
não falávamos muito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Inspetor Paulo Franco teve
esse processo logo no início, depois deixou de o ter?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Foi das primeiras pessoas
que o deve ter recebido, porque aquilo era uma ocorrência, ainda nem era
processo… Aquilo deve ter tido a sua própria evolução processual.
Ele era o titular do processo n.º 998/80. Não vamos ser ingénuos e
alguém deve ter pensado, e era lógico que pensasse, uma vez que esse
senhor era o proprietário do avião em que morreu o Primeiro-Ministro, Dr.
Sá Carneiro, quando aconteceu aquilo, que pudesse uma coisa ter a ver com
a outra. Pode ter aparecido essa ideia, com toda a lógica.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa é uma dedução que
qualquer pessoa faz.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — É uma lógica.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já vi que o Sr. Inspetor-Chefe
tem uma ótima memória e faz-me um pouco de impressão não se recordar
de quem era o agente titular do processo e isto pelo seguinte: houve um
processo de inquérito em 1991, oito anos depois, para averiguar as
circunstâncias em que foi feita esta investigação.
O Sr. Inspetor-Chefe foi ouvido no âmbito desse inquérito e aí,
provavelmente, terá sabido pormenores do inquérito nomeadamente quem
tinha sido o agente que teria levado o processo por diante.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, não
interprete… Se o senhor tiver algum elemento que ache que eu deva… Se o
senhor mo recordar… Eu não tenho absolutamente interesse nenhum em
estar aqui a ocultar aqui alguma coisa.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro, é evidente!
Não, é que, de facto, consta que foi efetivamente ouvido…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Vai-me perdoar, não sabe
a data exata?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, o que eu tenho é o
despacho do Sr. Procurador da República a dizer que: «No âmbito do
presente inquérito prestaram depoimento com interesse para o
esclarecimento deste caso de Carnaxide as seguintes pessoas: Paulo
Bernardino, (…); Lourenço Martins, (…); Marques Monteiro, (…);
Herculano Lourenço Morgado, (…); Mário Jorge Coimbra Mendes, (…);
Artur Mendes Pinto, (…); António Antunes das Neves (…)».
Mário Jorge Coimbra Neves é o senhor, não é?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, Sr.
Deputado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pegando nas palavras e sendo o
proprietário do avião que esteve ao serviço da candidatura do General
Soares Carneiro e fazendo logo essa lógica…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não lhe vou ocultar que a
gente pensa logo qualquer coisa… Um investigador não pode estar ali a
dizer «não, não é, ou é», pensei para comigo…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro que sim!
Não acompanhou o resultado das autópsias?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não sabe o que é que as
autópsias disseram?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sinceramente não, mas se
me permite, eu dir-lhe-ia o seguinte: quero crer que se na nossa ida ao local
tivesse resultado, nomeadamente para mim, e nós estivemos a ver e´, em
princípio, não apontámos para nada de suspeito, apontámos para a questão
do gás, falou-se no gás, pouco ou muito, mas nunca tive nenhum feedback
ou dos Homicídios ou de alguém a dizer que aquilo era, efetivamente, um
crime, porque tinha isto ou porque tinha aquilo…
Eu profissionalmente ficava assim… Nunca tive nenhum feedback e
como nunca ninguém me disse nada… E eu também já disse ao Sr.
Deputado e à Comissão que não tive um interesse especial, porque aquilo
era uma coisa… Eu só trabalhei naquelas situações em concreto e, se não
me diziam nada, eu também não perguntava nada, algumas coisas sabia
outras não sabia, é esta a situação. Mas não soube o resultado das
autópsias, nomeadamente no sentido de que tinha havido uma causa
criminosa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eu antes de lhe pedir um
comentário a algumas questões que ocorreram neste processo pergunto:
recorda-se de como os corpos estavam?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr. Deputado a ideia
que eu tenho daquilo, e vai-me perdoar, é que era uma situação trágica.
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Posso dizer que, na sequência desta situação complexa, foi-nos levantado
um processo disciplinar por causa de umas situações, porque as pessoas
parece que queriam estar mesmo… A questão do local, da contaminação do
local, o estar a ver e tal…
O que é que posso dizer sobre isso? Eu não tenho capacidade para
dizer a este tempo qual a posição… A ideia que eu tenho é que aquilo era
uma situação terrível, era uma amálgama…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não estou a falar de Camarate;
estou a falar do caso José Moreira.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, deixe-me pensar um
pouco, se faz favor…
Tenho ideia que um dos corpos estava na entrada do quarto… Nós
fizemos a nossa leitura daquilo que não tem nenhum juízo sobre nada nem
ninguém, mas eu tenho ideia, se estou bem recordado, que um dos corpos
estava no chão perto da cama à entrada do quarto e o outro não sei se
estava em cima da cama, mas inclinava-me para dizer que estavam os dois
na mesma divisão, mas, sinceramente, não queria estar aqui…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Vou ajudá-lo a relembrar:
estavam os dois, o corpo dele por cima do corpo dela, voltados um para o
outro e desnudados, um em cima do outro.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, o senhor está a
corrigir-me, tudo bem. Desnudados não tinha qualquer dúvida que estavam,
mas, como lhe disse, e esta era a minha ideia sobre isso é que um deles, e
inclinava-me para o masculino, mas, então, pelos vistos mal, estaria no
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chão fora da cama, em decúbito ventral, se calhar não era bem assim, e na
zona da entrada do quarto entre a cama e o… Pelos vistos, não será
assim…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, estavam entre a casa de
banho e o corredor. Metade do corpo estava na casa de banho e a outra
metade estava à entrada da casa de banho…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Disso não me recordo,
efetivamente, mas…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Olhe, agora vou falar-lhe de
três ou quatro aspetos desta investigação e gostava de obter o seu
comentário.
É feita uma análise ao esquentador no dia 13 pelo Dr. Herculano
juntamente com alguns técnicos onde se apura que o esquentador está a
funcionar normalmente, com as torneiras abertas, tudo aberto, uma hora e
meia sem problema absolutamente nenhum.
No dia 18 fazem uma nova análise com o Instituto Ricardo Jorge —
e para além do comentário, pergunto-lhe se teve conhecimento que isto
aconteceu — onde chegam à conclusão que o esquentador não funcionaria
bem, estava a queimar mal e fazem medição do monóxido de carbono…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Os técnicos?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, acompanhados do Agente
Herculano.
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Dessa medição apuram que o índice de monóxido de carbono não é
superior a 110 ppm. Ora, de acordo com os relatórios e o que é comumente
aceite pelos técnicos esse grau não é suficiente para provocar sequer dor de
cabeça, mas ainda assim disseram que queimava mal.
Agora, essa análise que foi feita com tudo aberto durante duas horas,
com o esquentador a funcionar, não permite subir a esse valor que nem
dores de cabeça provocaria quando para provocar a morte são valores 10
vezes superiores a esse mesmo — estes factos constavam deste processo.
Entretanto, o relatório da autópsia diz que as duas pessoas morreram
com monóxido de carbono. O relatório diz isto, só que o exame histológico
é feito a posteriori e é junto a posteriori, o senhor não teve qualquer
conhecimento nem do exame histológico, nem do relatório da autópsia,
nunca ouviu falar?
E no processo de inquérito, este de 1991, quando foi inquirido, nunca
lhe falaram nisto? Por que é que surgiu esse processo de inquérito em que o
senhor foi ouvido?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei, Sr. Deputado…
Um processo de inquérito pressupõe o esclarecimento de alguma coisa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claro. Mas não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor não tem aí nada
que me possa relembrar?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, tenho só a dizer que
prestou declarações. Quer dizer, foi para apurar a investigação da Polícia
Judiciária neste processo, isso foi claramente.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Neste processo do
aparecimento dos dois cadáveres?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, na investigação desse
suposto crime. Não se recorda?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como disse, tive essa
intervenção e reafirmo-a, mas, depois, nunca mais soube nada do que se
passava, do resultado da autópsia, de todos esses pormenores que eram
importantes…
Fomos lá, era importante saber até para saber se se confirmava ou
não a nossa teoria, que, pelos vistos, não se confirmou.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: esse exame histológico
que é junto dois meses e meio depois…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Dois meses e meio depois
da autópsia?!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim. Esse exame revela que
houve rebentamento dos alvéolos pulmonares. Já foi dito, quer na altura,
quer agora, nomeadamente já foi ouvido aqui na Comissão, o ex-Presidente
do Instituto de Medicina Legal, Prof. Nuno Vieira, que só há rebentamento
dos alvéolos pulmonares em caso de asfixia mecânica, ou introdução de
gás, ou afogamento — mas afogamento não era claramente — e que numa
asfixia lenta por mau funcionamento do esquentador isso nunca poderia
ocorrer.
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Esse relatório é entregue ao titular do processo…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ao Sr. Inspetor
Herculano.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Exatamente, consta
inclusivamente deste inquérito.
Depois, não se fez mais diligência de prova nenhuma e concluiu-se
que as pessoas tinham morrido pela libertação de gás do esquentador.
Tendo em conta a associação que o Sr. Inspetor-Chefe fez, e bem, que este
senhor era proprietário do avião que transportava tão ilustres pessoas, com
estes dados, tendo em conta este relatório histológico em que é afirmado
isso, o senhor acha plausível que não se tenha feito mais diligências de
prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, como o
senhor compreenderá não vou tecer grandes considerações…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Gostava de saber a sua opinião.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, há um
conjunto de elementos que são carreados para os autos, que têm de ser
ponderados e que têm de ser submetidos a despacho de um diretor ou de
uma pessoa da hierarquia da PJ que, por sua vez, pondera aqueles factos
todos e decide em função.
Como o senhor compreenderá não tenho capacidade para estar a
avaliar e a ajuizar sobre isso.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito obrigado.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu é que agradeço.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Eva Henningsen.
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecassis): — Há uma coisa que não percebi bem: há bocado falou de um
processo disciplinar em relação às suas investigações sobre Camarate. Não
sei se percebi bem, mas disse isto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Efetivamente disse, mas,
se quiser, posso adiantar-lhe o porquê.
Não tem nada a ver com Camarate mas, sim, com o facto de
estarmos fisicamente em Camarate, porque terá havido um problema com
jornalistas e na altura queixaram-se que elementos da PJ não os terão
deixado trabalhar, pelo que foi só nessa perspetiva, o que é compreensível.
Ali não liga bem uma coisa com a outra e, muitas vezes, é difícil conciliar
liberdade com o nosso papel e com as instruções que temos, e o processo
foi nesse sentido.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Inspetor, não posso deixar de dizer que me
surpreende que alguém com a sua experiência, que já vem dos Homicídios,
acredite no cenário que se lhe deparou em Carnaxide, quando eu sei, por
exemplo, que debaixo da cabeça do Sr. Eng.º José Moreira havia uma
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toalha ensanguentada, que havia sangue no chão, que havia inúmeros
pormenores que não poderiam escapar-lhe.
E não foi o Dr. Sombreireiro que fez as autópsias, foi o Dr. Fonseca
que fez as autópsias, que chamou a atenção para a toalha com sangue e
disse: «É urgente ver a toalha e fazer análises ao sangue nessa toalha» —
isto diz ele no seu relatório.
Essa toalha foi parar ao jornal onde eu trabalhava, foi entregue pelo
sobrinho da vítima e nunca a Polícia Judiciária se interessou, sequer, por ir
buscar a toalha.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que posso dizer sobre
isso, Sr. Augusto Cid, é o seguinte: se eu tivesse… Eu gostava até de ter
uma memória fotográfica para poder reproduzir fielmente aquilo que vi e
que reportei diretamente.
E sou o mais sincero possível, dizendo que não vi toalha nenhuma
com sangue, porque, se eu visse, como o senhor compreenderá, e indo ao
encontro de alguma experiência que eu tinha, porque teria de ter,
forçosamente, uma toalha com sangue numa cena de crime, num local de
crime, esse sangue todo… É difícil não ver uma coisa que está ali, como o
senhor disse! É muito difícil não ver, mas, sinceramente, nada lhe posso
adiantar sobre isso.
Nunca falei com peritos nenhuns. Presumo que o Dr. Fonseca, a
quem o senhor se referiu, seja o perito legal, mas eu nunca falei com ele
sobre esta matéria e o que o senhor me está a dizer é da maior surpresa para
mim.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Inspetor, inclusivamente há fotografias do
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local, tiradas depois da saída dos corpos, e estão lá no chão as manchas de
sangue — aliás, essas fotografias até estão publicadas no meu livro.
Ou seja, a Polícia ignorou completamente a presença de sangue no
local e não teve uma explicação para o facto de estar alguém,
supostamente, no meio do ato sexual, com uma toalha cheia de sangue por
baixo da cabeça.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor está a referir-me
isso e tenho de presumir que será verdade, mas não lhe posso dizer nada
sobre isso.
Acho que, efetivamente, é de haver alguma perplexidade nessa
situação. É isto que posso dizer.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Aliás, isso implicaria a morte simultânea das
duas pessoas, o que é, novamente, estranho, porque uma pessoa é um
homem forte, saudável, e outra é uma mulher, que, se calhar, morreria
primeiro… Mas o que se nos depara é a morte súbita de ambas, o que é
uma coisa impossível de acontecer, caso tivessem inalado…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O senhor está a falar-me
em morte súbita simultânea, porque tem, com certeza, o feedback, o
conhecimento do relatório da autópsia. Eu não tenho, eu não estudei nada
disso, não sei se foi uma morte simultânea ou não, sinceramente, não sei, o
que lhe posso dizer e que vi, efetivamente, foi que havia dois corpos; agora,
se a morte foi…
Não tive conhecimento, não tive acesso ao processo de autópsia, não
falei e não acompanhei, como o senhor calculará, os trâmites processuais
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todos. Quero crer que o Sr. Herculano, titular daquele processo, teve
conhecimento, aquilo tem de ser tudo carreado para os autos, para alguém,
depois de ponderar, decidir e optar por um caminho: foi crime ou não foi
crime, foi isto, foi aquilo…
Sinceramente, não lhe posso adiantar nada, seria uma mera
especulação da minha parte; o que lhe posso garantir é que, quando lá fui, e
não estou a dizer que o senhor não tem razão, não vi absolutamente sangue
nenhum — só se eu fosse cego! —, porque isso seria uma coisa tão
flagrante… Estou a falar consigo abertamente! Estou a tentar ter algum
cuidado com as palavras, mas estou a falar abertamente com o senhor.
Uma pessoa, com n anos de Polícia, habituado a ver cenas de crime,
vai a um local, está ali uma toalha debaixo da cabeça do indivíduo
masculino morto e não a vê?! Vai desculpar-me…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mesmo que não visse a toalha, via o sangue no
chão, porque o sangue está na toalha e no chão.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, a toalha está no
chão…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim, no sítio onde estava a cabeça do…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sinceramente, não vi, nem
sabia que lhe teria sido encaminhado… Se bem percebi, o senhor disse-me
que, depois, teria chegado ao seu poder, à sua posse, a dita toalha. Ou
percebi mal?!
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O sobrinho da vítima foi ao jornal entregar a
toalha, porque ele foi o único elemento da família que foi autorizado a
visitar o apartamento quando os corpos ainda lá estavam.
Aliás, há outro aspeto que tem passado aqui um bocadinho
despercebido, que é o facto de o Eng.º José Moreira não só ser o dono do
avião que estava a fazer a campanha do Soares Carneiro, mas também
colaborar num jornal e ter acabado de escrever, há pouco tempo, um artigo
importante, dizendo que estava na posse de elementos muito graves e que
só podia dizer o que sabia a membros do Governo.
Como esses membros do Governo não se prontificaram a recebê-lo,
então, eu sugeri que ele viesse à Comissão dizer o que sabia e ele estava em
vésperas de vir à Comissão dizer o que sabia, quando foi morto. Isto faz-lhe
algum sentido?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Augusto Cid, na altura,
eu lembro-me de o ver algumas vezes, penso eu, na José Malhoa, umas
vezes sozinho, outras vezes não sei se a acompanhar a D. Manuela de
Freitas, a sogra do Eng.º Amaro da Costa. Penso que me recordo de o ver
lá, porque a senhora tinha-se constituído assistente e tinha o direito de
acesso ao processo, concedido pelo Sr. Procurador-Geral, Dr. Arala
Chaves, e lembro-me de lá ver a senhora várias vezes.
Recordo, como é normal, aliás, até lhe vou dizer que o tempo é bom
para nos dar uma certa ponderação e calma na análise dos factos. Sabe que,
na altura, lembro-me de o senhor — e não me leve a mal, mas havia uma
carga muito negativa, e teria razões certamente, e não quero, de maneira
nenhuma, ajuizar, mas eu também não era culpado por elas — ter uma má
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imagem da PJ e espelhava-o de forma clara quando se relacionava com os
funcionários de lá. Recordo-me de si. Eu falava com o senhor, nunca tive o
mínimo problema com o senhor e posso dizer-lhe que compreendia a sua
posição: o senhor era jornalista, na busca de informações… E, muitas vezes
— isto não é relevante, mas sabe que é daquelas coisas que retive bem,
ficou na minha… —, de uma forma encapotada, ou não, éramos
apelidados… Enfim, não é nada de negativo, mas, muitas vezes, éramos
apelidados de comunistas, a PJ e os funcionários! Havia uma má vontade
em relação à PJ que, sinceramente, não sei… Eu cumpria as minhas
funções, aquilo que me era ordenado fazer eu fazia, e devo dizer-lhe que,
na altura, quando o avião caiu — não posso dizer se foi por esta ou por
aquela razão, nem quero entrar por aqui — e soube que era o nosso
Primeiro-Ministro, não fiquei nada satisfeito. Fiquei muito triste com
aquela situação e havia algum pesar naquilo, porque as pessoas, para além
de serem da PJ, ou disto, ou daquilo, eram portuguesas. Para mim, se me
permite estar com esta conversa, foi considerada uma perda.
Portanto, lembro-me de ver o senhor algumas vezes, e o senhor, com
certeza, não se lembrará de mim ou, se calhar, lembra-se, mas tudo bem, já
tudo passou, o tempo é bom para julgar, para analisar, para esfriar estas
situações e, por isso, no que eu puder ajudar, embora eu saiba muito pouco
para o poder ajudar.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Quero só clarificar um ponto: não tenho nada
contra si, nem…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não, por amor de
Deus! Não quero polemizar nada.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — … nunca persegui a Polícia Judiciária.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Mas eu também não estou
a dizer que o senhor perseguiu; estou a dizer que, às vezes, havia conversas
que eram reveladoras… O senhor sabe, temos já idade suficiente para saber
que não é preciso dizer tudo, às vezes, basta dizer metade. Muitas vezes é
interpretação ou não, mas ficava um pouco aquela não diria litigância, mas
assim uma coisa… Mas, tudo bem, eu compreendo e nem levo a mal, não
interessa. Já estou…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O Sr. Doutor perceba uma coisa: quando sou
autorizado a consultar um processo e passo cinco dias na Polícia Judiciária
a ver as mãos do Sr. Marques Monteiro, e deixar-me ler o processo por
entre os dedos… uma pessoa não pode ficar satisfeita.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ou acha que é uma forma de consultar um
processo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Com certeza, se o senhor
estava autorizado pelo Sr. Procurador-Geral a consultar o processo…
Posso dizer-lhe que a Sr.ª Manuela, penso que é assim que a senhora
se chama, foi lá várias vezes e nunca lhe regateei o processo; se estava
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autorizada e se se constituiu assistente, consultava o processo as vezes que
queria.
Penso que a senhora não terá nada a dizer, da minha parte, em termos
de lhe negar alguma coisa. Fiz sempre aquilo que seria minha obrigação
fazer, até porque lhe posso dizer que há aqui um aspeto humano da questão.
Hoje em dia, tenho outra idade, as pessoas vão pensando e posso dizer-lhe
que devia ser um drama terrível para a senhora… E não há compaixão, não
há nada! Veja uma coisa: devia ser um drama terrível para aquela senhora,
na altura, ter perdido a filha e o genro. E eu olhava para aquilo, porque já
perdi entes familiares próximos e sei que é uma dor muito forte e, às vezes,
isso até poderia, de alguma maneira, atenuar, levar-nos a compreender
certas coisas mais ríspidas que se dizem… E eu compreendi, não tenho
mágoa nem tenho nada contra a senhora e penso que a senhora também não
terá nada contra mim.
Agora, como o senhor compreenderá, fui funcionário da PJ, tentei
cumprir sempre o melhor que podia e sabia, mas não quero estar a ajuizar
sobre colegas ou responsáveis, porque, com certeza, o que fizeram fizeram-
no da melhor maneira possível.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não estou a acusá-lo de nada, portanto…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não está, não. Peço
desculpa, não era isso que eu queria dizer. O senhor não me está a acusar
de nada!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Compreendo, mas também só quero dizer que,
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se houve alguém que defendeu a Polícia Judiciária, fui eu, na pessoa do Sr.
Pedro Amaral, relatando cá para fora o que ele tinha investigado e a forma
como ele foi tratado na própria Polícia Judiciária. Ele, sim, tem coisas a
dizer da Polícia Judiciária, e com razão!
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro do
Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi longa a exposição e as
perguntas que lhe fiz, mas tenho uma última.
Sendo o primeiro inspetor a chegar ao local, juntamente com o
Inspetor Paulo Franco, por que razão não recolheram impressões digitais
das duas vítimas?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, isso não foi
feito na altura, porque, quando fomos encaminhados para lá, não estávamos
habilitados, mas no pressuposto de que, a seguir, iria uma equipa que faria
isso, eventualmente, se fosse necessário.
É que nós andávamos na rua, foi-nos ordenado que fôssemos ao local
e víssemos aquilo — e, quando digo «aquilo», não é de maneria
depreciativa — no pressuposto de que, depois, iria alguém fazer e que teve
de fazer… Não sei se os Homicídios, se calhar, não… Nós fizemos o nosso
relatório — penso que o Sr. Inspetor Paulo Franco que o fez —, mas não
sei se os Homicídios sentiram necessidade de, eventualmente, lá ir, até para
esclarecer ou aclarar algum aspeto.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pois, mas esse pressuposto não
se verificou, ou seja, não foram recolhidas as impressões digitais dos dois
corpos. Isto é normal?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sr. Deputado, veja: se eu
estivesse no local, no pressuposto de que as coisas iam ser todas
encaminhadas, de que ficava lá alguém a tomar conta do corpo e de que
não havia ali possibilidade de nada, de que o corpo iria ser encaminhado,
que iria ser acompanhado, se calhar, eu não teria esse pormenor; agora,
atendendo à eventual complexidade de qualquer coisa, se calhar, às vezes,
o que faz o pouco também faz o muito e o que faz o muito faz o pouco…
Agora, não sei quais foram as diligências que se fizeram após a nossa
saída do local.
Mas o Sr. Deputado acha que isso é uma… Já agora, se me…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga, diga.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que é que pretenderia…
Não me leve a mal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É evidente que não.
A secção de homicídios vai ao cenário, onde encontra dois corpos em
circunstâncias estranhas, há toda uma conexão que é feita com a questão do
avião e a secção de homicídios que, presumo eu, tem como diligência de
prova, efetivamente, recolher impressões digitais, vê que estão dedadas
marcadas no ombro de José Moreira, dedadas essas que são visíveis, e não
tem o cuidado de recolher impressões digitais?! É estranho!
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado quando
está a falar em impressões digitais não se refere às impressões digitais dos
próprios indivíduos, mas às outras impressões…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na casa.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu já estou reformado há
muitos anos, mas quando estamos a ver a televisão o que se vê mais é
aquela panóplia de…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não falemos dos Estados
Unidos da América, mas mesmo em Portugal isso é normal, certo?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, sempre se fez
isso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sempre se fez isso.
Muito obrigado, Sr. Inspetor.
O Sr. Presidente: — Dou, agora, a palavra à Sr.ª Deputada Isabel
Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero apresentar o meu
pedido de desculpas mas, por motivos de força maior, não me foi possível
estar presente mais cedo.
Cumprimento o Sr. Agente Mário Mendes. Não sei se a questão já
foi colocada, se foi, peço desculpa por a repetir,…
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Faça favor.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … mas gostaria de saber que
procedimentos de custódia da prova os senhores adotaram. Ou seja, em
toda a cena do crime a Polícia Judiciária e os órgãos de polícia criminal
têm, nos termos da lei, a necessidade de conservação de todos os meios de
prova até que a equipa chegue e, de facto, se consiga libertar o local.
Há procedimentos específicos relativos à chamada custódia da prova,
isto é, garantir que a prova não seja alterada, não só no local como no seu
transporte, conservação, manutenção e por aí fora. São protocolos que
existem nos órgãos de polícia criminal que têm de ser cumpridos para
garantir, precisamente, a atualidade e a veracidade das provas.
Pergunto: que protocolo de custódia de prova é que os senhores,
sendo os primeiros a chegar ao local, adotaram para garantir a preservação
da prova, qualquer que fosse, que estivesse no local?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como já referi, eu era
colega de sala do Sr. Inspetor Paulo Franco, na DCCB e, inicialmente,
aquando deste problema que focam os autos do processo n.º 998/80, eu
trabalhava nos Homicídios e foi nessa perspetiva, nesse contexto, que fui a
Camarate.
Na altura, quando a DCCB foi criada eu fui para lá e fazia equipa,
digamos assim, entre aspas, com o Sr. Inspetor Paulo Franco, na sala 608.
Ele era o titular destes autos de Camarate e eu, quando era necessário,
ajudava-o. A senhora sabe que o titular é o titular, é quem manda no
processo, mas eu ajudava-o naquilo que ele precisasse e fazia isso sem
problema nenhum.
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Um dia, andávamos os dois na rua, em 1983 — já não me recordo
exatamente da data precisa — e recebemos uma determinação, via rádio,
para nos deslocarmos a Carnaxide, a um prédio perfeitamente identificado,
onde teriam aparecido dois cadáveres, um casal.
Sobre a custódia da prova, devo dizer-lhe que só fui a Carnaxide,
juntamente com o Sr. Paulo Franco, para fazer uma análise dos factos.
Porquê? Nunca questionei o meu diretor, sobre o porquê de ele me ter
mandado lá! Nunca lhe perguntei: «O senhor mandou-me porquê? Porque
eu era dos Homicídios, ou porque eu era isto, ou aquilo…?». Não! A minha
ideia, e já a refleti aqui, é que eu vou lá juntamente com o Sr. Paulo Franco
porque ele era o titular dos autos e eu porque normalmente trabalhava com
ele e estava na DCCB.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quando diz que o Sr. Paulo Franco era
titular dos autos refere-se a que autos?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Inspetor Paulo
Franco era titular dos autos do processo n.º 998/80 que, para a esclarecer,
era o processo do caso Camarate.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas fizeram logo a ligação entre o caso
Camarate e estes cadáveres?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Se a senhora me deixar, eu
explico.
Entretanto, como já disse aqui, eu não tinha grandes conhecimentos
da situação de Camarate; simplesmente, também não podia deixar de saber
que o Sr. José Moreira tinha a ver com o avião que transportou o Dr. Sá
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Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, e restantes
acompanhantes.
O que é que eu penso? A minha ideia é que fomos lá porque,
eventualmente, alguém achou que… Porque, como a senhora calculará e
vai compreender o que vou dizer-lhe, nós temos uma situação de crime e
quem vai para lá e quem manda não pode pensar: não, isto é uma situação
disto ou daquilo… O espírito tem de estar aberto e pode ser tudo e mais
alguma coisa.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Peço imensa desculpa por estar a
interrompê-lo, e também peço imensa desculpa aos meus colegas de
Comissão por estar a pôr questões que, provavelmente, já aqui foram
colocadas, mas a minha questão é esta: então, os senhores foram para lá
porque o Inspetor Paulo Franco era titular do processo de Camarate,
portanto, quando foram para lá já sabiam quem eram os cadáveres, eles já
estavam identificados.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Penso que sim. Tanto
quanto sei essa informação já constava.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E mesmo assim não foi feita a custódia
da prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, Sr.ª Deputada,
porque depois de nós haveria de ir lá alguém, o processo passaria para os
Homicídios e, de acordo com o que fosse apurado em termos de autópsia, o
processo passaria para a secção, a não haver crime — penso eu, mas isso
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depende de quem manda —, como passou, dos Homicídios, que teve um
titular, que recebeu o relatório da autópsia e que…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas que diligências é que foram
tomadas no local para garantir a preservação da prova?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A casa estava fechada,
não havia lá ninguém, já não me recordo qual era o elemento da autoridade
que lá estava, mas a casa estava fechada. Estavam lá os dois corpos e,
depois, aquilo foi encaminhado, esta notícia foi reportada e alguém
tomou…
Sinceramente, não sei se mais tarde foi ventilada a questão — como
já referi aqui — do esquentador, mas eu não sou técnico de esquentadores,
não senti nenhum cheiro brutal, mas também… O que é que nós
esperávamos? Esperávamos que aquilo fosse analisado por um perito de
esquentadores, que seria a diligência subsequente, e que dissesse, preto no
branco, depois de fazer ensaios, se era ou não um problema do esquentador.
De qualquer maneira, na minha perspetiva, a prova que havia lá
dentro estava preservada. Não ficou lá ninguém, partindo do princípio que,
passado pouco tempo, aquilo seria encaminhado para a secção de
homicídios, se fosse o caso disso, ou que nos iriam ser dadas ordens, pelos
nossos superiores, no sentido de aquilo passar à secção A ou B, que tem
uma secção de prevenção que pode tomar conta de qualquer ocorrência…
Portanto, aqui há a ponderação de alguém.
Fizemos o nosso trabalho, reportámos e viemos embora. Eu, como já
disse, nunca mais soube nada disso.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A casa ficou selada?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, acho que não.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Isso quer dizer que qualquer familiar
que tivesse as chaves, ou a empregada, poderia lá entrar?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Todas as hipóteses que a
Sr.ª Deputada puser nesse campo são perfeitamente… Qualquer pessoa o
poderia fazer, até poderia ser alguém que quisesse entrar. Não sei se a
porteira tinha a chave, ou não, mas qualquer pessoa o poderia fazer.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Ou seja, quando os senhores são
chamados… Quem é que deu a notícia do crime? O senhor sabe?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sei, foi o coordenador da
DCCB na altura, via rádio.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Como é que a notícia chegou ao
conhecimento dele?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ah, isso não sei.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É porque alguém encontrou os
cadáveres?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, não houve a preocupação de
selar a porta.
Ou seja, o que estou a dizer é que há notícia da existência de dois
cadáveres num andar e isso significa que a Polícia Judiciária foi alertada
por alguém que teve acesso ao andar, abriu a porta e viu que estavam lá
dois cadáveres…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A senhora agora poderá
questionar como é que alguém teve acesso ao andar, e só pode ter sido, em
princípio, a GNR ou a PSP, a quem foi comunicada alguma coisa pelos
vizinhos ou por outra pessoa que reportou que se passava alguma coisa de
estranho. Não há videntes, não é?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, se tivesse sido a GNR ou a PSP,
se não havia ninguém que tivesse a chave, eles, normalmente, arrombariam
a porta, como sabe, e aí haveria sinais de arrombamento.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Pois, aí haveria sinais de
arrombamento e, neste caso, não havia. A senhora está a partir do
pressuposto que a GNR, não tendo a chave, iria logo arrombar a porta, mas,
às vezes, não é bem assim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Ou sinais de que a fechadura foi
forçada e isso é um sinal, obviamente na minha perspetiva, que deve
constar dos autos ou acompanhar a forma como…
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Ó Sr.ª Deputada, se me
permite, a senhora tem algum elemento que lhe diga que a fechadura tinha
sido destrancada ou algo do género?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, Sr. Agente, não tenho nenhum. A
perceção que tenho, do conhecimento que tenho relativamente a estas
matérias, é que, nos termos da lei, os órgãos de polícia criminal, quando
chegam a um local, à chamada «cena do crime», a sua principal
preocupação é a preservação de todos os vestígios do crime e a custódia da
prova no sentido não só de garantir a sua veracidade como de não ser
deteriorada no seu transporte até ao local onde vai ser analisada.
A minha questão é esta: tendo sido as primeiras autoridades… Aliás,
o senhor não sabe sequer se foram as primeiras autoridades a chegar ao
local…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Da Polícia Judiciária sei
que fomos.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Está bem, da Polícia Judiciária, mas o
que a lei diz é os primeiros a chegar ao local.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Também posso dizer que
não estava lá nenhuma multidão, nem estava lá muita gente no local. A
senhora compreenderá que fosse qual fosse a autoridade de polícia criminal
a lá chegar, como a senhora disse e muito bem, e subscrevo, teria de
guardar aquilo, fazer a custódia, preservar o local e essa coisada toda —
peço desculpa deste termo.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sim, sim.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E isso foi feito.
Mas o que é que posso dizer-lhe, Sr.ª Deputada? Eu concordo
inteiramente consigo e posso dizer que a porta não tinha sido inteiramente
destrancada. Com certeza que na altura isto foi indagado, porque é uma
coisa que é pertinente, mas eu não consigo dizer mais neste momento.
Claro que é normalíssimo chegar a um local que tem lá gente dentro
e perguntar: «Como é que você entrou? Onde é que você foi buscar a
chave?».
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E perguntaram? Identificaram as
pessoas que estavam lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, eram agentes da
autoridade — aliás, não me lembro de lá estar ninguém dos familiares
próximos.
A senhora vai perdoar-me mas, como compreenderá, isto foi há 32
anos e às vezes a memória falha. Por exemplo, poderia ser muito mais
interessante para mim ter acesso aos autos, embora estejam em fase de
arquivo, para relembrar algumas coisas. A Sr.ª Deputada pode até pensar,
ou intuir alguma coisa, mas eu não recordo, percebe?
Eu não tive acesso… Repare: se eu estivesse nos Homicídios, onde
trabalhasse nesta situação, acompanharia o colega, ouviria falar, isto e
aquilo… Agora, eu, fisicamente, estava na José Malhoa, passavam-se
semanas que não ia lá — e isto não é uma desculpa —, não falávamos
muitas vezes com as pessoas, e este é um dos problemas que traz esta
separação física entre departamentos, cada um tinha o seu sector, eu tinha o
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meu trabalho e tinha também de o prestar, não me podia atrasar nos
processos, tinha processos importantes, de assaltos a bancos, isto e aquilo,
aquela coisada toda, como a senhora compreenderá, tinha de o fazer, e
sinceramente…
Mas a senhora poderá dizer: «Ah, mas o senhor poderia ter mais…».
Tudo bem, compreendo isso mas, sinceramente, não tive feedback nenhum.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, prometo que
também não vou demorar muito, queria colocar só uma questão, em função
daquilo que ouvi até agora e, às vezes, mais vale fazermos perguntas muito
claras.
Disse que foi com o Sr. Inspetor Paulo Franco e que ele já tinha
conhecimento que o Sr. José Moreira estava relacionado com o avião no
qual tinha morrido o Sr. Primeiro-Ministro.
A minha pergunta é muito clara: tiveram alguma instrução sobre a
forma como deveriam lidar com este caso? Sim, ou não?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não tiveram? Nenhum tipo de
instrução?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como a Sr.ª Deputada
calculará, o Sr. Inspetor Paulo Franco era uma pessoa conhecedora de todas
estas situações decorrentes do processo.
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Agora, ele é que recebe a comunicação, que, penso, foi via rádio, não
é pessoal — nós andávamos na rua em serviço externo — e eu não ouvi
nada nesse sentido, nem me foi transmitido nada e quero crer que não
houvesse nenhuma recomendação especial, e percebo o que a Sr.ª Deputada
está a dizer. Portanto, é um não.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas pediram ao Sr. Inspetor Paulo
Franco para ir lá, especialmente ele? Ou foi uma mera comunicação e ele
decidiu lá ir?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. Pediram para
ele ir lá comigo, para irmos lá os dois, porque nós os dois fazíamos equipa.
É que, possivelmente, nós éramos os dois elementos da DCCB que,
na altura, estávamos ali o mais próximo possível e, eventualmente,
poderíamos lá ir os dois.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E, portanto, no final, a vossa
responsabilidade era a de fazerem um relatório do que tinham visto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Terá sido forçosamente
feito pelo Sr. Inspetor Paulo Franco. Portanto, forçosamente, tive de ver
esse dito relatório…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Foi também assinado por si, ou
não?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Admito que sim. E,
depois, terá sido encaminhado para quem de direito.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E quem é o «quem de direito»?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O «quem de direito», na
altura, era o Inspetor-Coordenador, o Dr. Paulo Bernardino, se não estou
enganado.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João
Gonçalves Pereira.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr. Inspetor-Chefe,
quero só colocar uma questão, até na sequência da questão colocada pela
minha colega, Deputada do Partido Socialista, que é a seguinte: não acha
estranho que não tenha havido essa mesma recomendação, tendo em conta
a delicadeza do próprio contexto?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Como referi, não ouvi,
mas, sinceramente, penso que nem era preciso invocar isso ou alertar para
isso, porque era um processo de tal maneira complexo, de tal maneira
complicado que todos nós, quando tocávamos naquele processo, fazíamos
tudo e mais alguma coisa para ver se as coisas corriam bem, para ver se não
havia problemas.
Portanto, posso dizer que nem haveria necessidade disso. Eu,
pessoalmente, e, penso, o meu colega Paulo Franco também fazíamos o
nosso melhor e, por isso, talvez não houvesse necessidade disso. Eu, pelo
menos, nunca ouvi nada no sentido de reforçar, eventualmente, algum zelo.
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Claro que nos diziam sempre… Nós víamos o processo em si, a
complexidade, os media, víamos tudo isto, e é evidente que as pessoas têm
sempre um interesse em aclarar, em trazer elementos novos, em carrear
para os autos elementos novos… enfim, em fazer o seu melhor.
O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Ou seja, o que está a
dizer é que houve cautelas adicionais, sem elas terem sido recomendadas.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim, porque já tínhamos
experiência suficiente para isso.
Como o senhor compreenderá, com um processo desta
complexidade, tínhamos sempre… Era um processo complexo, um
processo mediatizado, um processo complicado, e as pessoas tentavam…
Pelo menos, eu via-o assim, era um processo complexo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Já fiz muitas, muitas perguntas,
mas, agora, na sequência destas novas perguntas, vou ter de fazer algumas
novas.
Vou recorrer-me do relatório ao inquérito que foi feito da
investigação da Polícia Judiciária, neste caso de José Moreira, o tal
inquérito de que o Sr. Inspetor-Chefe não se recorda, mas que foi feito em
1991.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O tal de 1991?
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, o de 1991, em que prestou
o seu depoimento.
Segundo o auto de notícia, no dia 5 de janeiro, pelas 12 horas e 15
minutos, foi comunicado pela porteira ao posto da GNR, em Linda-a-
Velha, que se encontravam duas pessoas mortas — portanto, foi a porteira
que fez essa comunicação. A primeira pessoa a lá chegar foi o 1.º Sargento
da GNR, Comandante do referido posto, Artur Mendes Pinto, que se
deslocou ao local.
Na sequência — e aqui é que gostava de obter o seu comentário —,
nesse mesmo local, no dia 5, estiveram dois delegados do Procurador da
República na comarca de Oeiras que ordenaram a remoção dos cadáveres
para o Instituto de Medicina Legal de Lisboa. E, depois, na sequência de
um telefonema do Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária, o piquete desta
veio tomar conhecimento da ocorrência, cerca das 0 horas, do dia 6, e
deslocou dois agentes ao local com motorista para averiguações.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A secção de homicídios?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Aqui diz «(…) Diretor-Adjunto
da Polícia Judiciária, o piquete veio tomar conhecimento da ocorrência (…)
e deslocou dois agentes ao local (…)». Não diz se eram dos Homicídios ou
se da DCCB.
Mas, depois, diz, mais: «Informado da ocorrência…» — e isso
responde muito ao que tem sido perguntado — «… e das conexões que
certa comunicação social logo estabeleceu entre ela e o ‘Caso Camarate’, o
Dr. Paulo Bernardino, Inspetor da DCCB, determinou que os seus agentes
Paulo Franco e Mário Coimbra Mendes procedessem também a
averiguações, (…)».
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Pergunto, muito claramente: estes dois agentes, Paulo Franco e
Mário Mendes, são os mesmos que foram chamados pelo piquete?
E, já agora, o Sr. Inspetor-Chefe disse que não se recordava da
autópsia, mas consta deste relatório…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Desculpe, eu disse que
não me lembrava do relatório da autópsia em termos do seu conteúdo, mas
lembro-me de ter dito — se calhar, expliquei-me mal — que tinha visto o
cadáver na sala de autópsias, a cor cianosada e tudo aquilo que,
eventualmente, é associado a problemas de gás. Lembra-se de lhe ter dito
isso?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Então, é isso. Estive na
sala de autópsias, mas não presenciei a autópsia por completo.
Depois, não tive acesso ao dito relatório da autópsia, que terá ido,
possivelmente, para os Homicídios, para o Sr. Inspetor Herculano
Morgado…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É que aqui diz-se: «Assim,
junto do IML averiguaram…» — os dois inspetores — «… que a causa das
mortes fora a intoxicação por monóxido de carbono (…)». Portanto,
averiguaram isso no próprio Instituto de Medicina Legal, com ou sem
autópsia? É que devem ter perguntado ao perito.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Neste caso, foi o perito.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A minha pergunta é muito clara
e tem a ver com o seguinte: para além dos dois delegados do Procurador da
República, que, pelos vistos, estiveram logo a seguir ao Comandante do
posto da GNR, há dois primeiros agentes que se deslocam ao local pelo
piquete e, depois, existe a vossa intervenção.
Pergunto: são as mesmas pessoas?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado pode
dizer-me a que horas se passou isso?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Posso.
«Na sequência de um telefonema do Diretor-Adjunto da PJ, o
Piquete desta veio tomar conhecimento da ocorrência, cerca das 00 horas
do dia 6 (…) e deslocou dois agentes ao local, com motorista, para
averiguações ainda nessa mesma noite, (…)».
Pergunto: o senhor à meia-noite e meia ou à 1 hora da manhã, foi ao
apartamento de Carnaxide?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E o Sr. Deputado pode
relembrar-me em que dia é que eu lá estive?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No dia 6.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — E a que horas? Não sabe?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não diz a hora.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Então, daí podemos
concluir que o piquete esteve lá primeiro do que nós.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Com dois agentes?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Esses agentes de que
falam aí…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Desculpe interrompê-lo, mas há
uma coisa que não bate certo, que é o seguinte: o senhor diz que viu os
corpos, entretanto estão dois delegados do Procurador a ordenar a remoção
dos cadáveres para o IML, há dois inspetores que chegam à meia-noite e
que, supostamente, ainda veem os corpos (não sei se veem, se não).
A minha questão é: os senhores viram os corpos, ou já só os viram
no IML? É que, se os viram, então, foram os mesmos dois agentes que lá
estiveram chamados pelo piquete.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não. Há uma coisa que
posso dizer claramente: estes dois agentes da Polícia Judiciária do piquete
são os agentes dos Homicídios. Portanto, terão lá estado antes de nós.
Posso dizer-lhe que não sabia — e, na altura, pode ter-se ventilado,
mas não foi importante — dos dois delegados…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Então, na noite, começaram
logo a fazer a conexão relativamente a Camarate.
Portanto, a intervenção do Sr. Inspetor-Chefe é feita no dia seguinte.
Certo?
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Nós andávamos na rua em
diligências no dia 6.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — No dia 6, exatamente. Passou a
noite… E os corpos continuaram lá, ou não? O senhor tem a certeza de que
viu os corpos no local?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado está a
colocar-me uma questão que, agora, devo dizer que…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor, há pouco, disse que
viu e que achava que um estava no quarto e que o outro estava…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Agora, o Sr. Deputado
colocou-me uma questão e, em bom rigor, isto não tem lógica nenhuma.
Se me permite, vou dizer-lhe uma coisa. O Sr. Augusto Cid, há
pouco, suscitou uma questão de que nunca ouvi falar, ao dizer que — e eu
aceito — teriam sido encontradas toalhas ou uma toalha ensanguentada, no
chão ou debaixo da cabeça e vestígios de sangue. Ora, eu nunca vi nada
disso!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E o senhor também já não
consegue precisar, agora, se viu os corpos…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O Sr. Deputado vai
perdoar-me, mas, perante isto, suscita-se aqui uma questão — e não quero
ser teimoso, pois não tenho a certeza desta situação: é que isto, por uma
questão de lógica, põe em causa a minha questão de os corpos lá estarem.
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Possivelmente, não estavam; é que se lá estiveram os delegados, se esteve
lá o piquete, se estiveram todas estas pessoas, não se justificará, de maneira
nenhuma,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não faz sentido.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — … e, por isso, peço
desculpa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Inspetor, há aqui algo que não percebo: quando os
senhores são chamados estão ambos na DCCB,…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — … mas são ambos provenientes dos Homicídios.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, não. Só eu!
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — O Inspetor Paulo Franco já estava na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não, o Inspetor Paulo
Franco não estava na DCCB, porque a DCCB só foi criada em 1982 e,
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nessa formação, é que vão para lá n funcionários, trinta e tal ou quarenta e
tal.
O Sr. Inspetor Paulo Franco trabalhava na SCIACV, que, na altura,
era chefiada pelo Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Exatamente.
Mas, quando os senhores são chamados, já estão ambos na DCCB?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Exatamente, em 1983.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Qual é o protocolo normal quando aparece um duplo
homicídio? É assinalado um duplo homicídio ao piquete da PJ. A PJ,
normalmente, aciona quem?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A PJ, em princípio,
aciona…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A brigada dos Homicídios.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — A brigada dos
Homicídios, que, em princípio, é a brigada competente para isso.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Os senhores, que já são, pelos vistos, os terceiros ou os
quartos a aparecerem no local, não estranharam… Quer dizer os senhores
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andavam na rua em serviço externo, e de repente não estranharam serem
convocados pela DCCB para irem lá? Isso não lhes pareceu estranho?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — O que é que eu hei de lhe
dizer? Foi-nos ordenado que nos deslocássemos, nós fomos lá e reportámos
a situação.
A entidade que nos mandou lá tem toda a legitimidade para o fazer,
com certeza que teve motivos ponderosos para o fazer, e nós fomos lá.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Mas é normal, num caso de duplo homicídio, ao qual, ainda
por cima, se tenta dar imediatamente contornos de escândalo, que seja a
DCCB, que está vocacionada e foi criada nesse sentido, a aparecer lá?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Se me permite, não sei se
lhe quiseram dar contornos de escândalo, mas eu nunca dei contornos de
escândalo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Foi de início.
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Mas, como na altura
referi, eu não era tão conhecedor do processo como o meu colega Paulo
Franco, mas quando ouvi falar do Sr. José Moreira, o dono do avião Cessna
onde teria havido este problema todo decorrente dos autos do processo n.º
998/80, é uma coisa que é automática… As pessoas pensam: por que é que
nós lá vamos? Mas vamos, tudo bem!
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O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sem querer fazer um juízo de valor, onde eu queria chegar
era ao seguinte: alguém da DCCB vos dá ordem para irem lá. Relaciona-se
imediatamente com o caso Camarate…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Eu, pelo menos,
relacionei. Creio que sim.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — E isso não implica imediatamente que os senhores tenham
um protocolo e um procedimento muito mais meticuloso do que com um
simples duplo homicídio? Parece-me…
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Sim…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Se é que pode responder a essa pergunta, sem violar segredos
profissionais e confidencialidades, que instruções vos deram para
aparecerem lá?
Note, eu acho perfeitamente lógico. O Sr. Inspetor é oriundo dos
Homicídios, o Inspetor Paulo Franco está muito dentro do caso Camarate,
portanto tem toda a lógica que os senhores vão lá.
Mas quem vos dá a ordem da DCCB, com certeza deve ter-vos dado
instruções, do género: «Olhe, vão lá apareceram dois fulanos mortos…».
Com certeza que isso obrigaria a um protocolo de uma determinada
exigência. Parece-me… Eu, se estivesse no vosso lugar, era o que faria; a
menos que, claro, tivesse ordens em contrário.
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O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Repare, não foi dito nada
de anormal ou nada de excecional na diligência. Foi-nos dito que fôssemos
lá, foi o que fizemos e reportámos aquela situação.
Aliás, até quero crer que, depois, aquilo dá origem a um relatório e
aquele relatório, depois, terá sido junto ao processo destinatário, que, nesse
caso, será o processo que correu nos Homicídios.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Não se recorda, eventualmente (já passou tanto tempo), se a
casa estava ventilada ou não? Se as janelas estavam todas fechadas, se…?
O Sr. Mário Jorge Coimbra Mendes: — Não sei. Mas posso dizer-
lhe que não havia nenhum ambiente assim… A ser gás, não havia nenhum
ambiente opressivo. Achei o ambiente perfeitamente normal.
Eventualmente, na zona da cozinha, poderia haver qualquer… Mas não
achei nada assim opressivo, assim uma coisa que saltasse à vista e que
ficássemos mal dispostos ou com dor de cabeça ou uma coisa do género…
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais questões, dou por terminada
esta audição.
Srs. Deputados, a próxima audição iniciar-se-á às 17 horas e 30
minutos.
Agradeço, desde já, ao Sr. Inspetor-Chefe Coimbra Mendes a sua
disponibilidade e a ajuda que nos deu com os seus esclarecimentos.
Estão suspensos os trabalhos.
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Eram 17 horas e 17 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 17 horas e 38 minutos.
Dou as boas-vindas ao Sr. Coordenador Superior da Polícia
Judiciária e agradecer a presença e a sua disponibilidade para estar aqui
connosco. Pedia que se identificasse.
O Sr. EduardoDiasdaCosta (ex-Inspetor-Coordenador Superior
da Polícia Judiciária): — Chamo-me Eduardo Dias da Costa e sou
Coordenador Superior da Polícia Judiciária aposentado.
O Sr. Presidente: — Começo por dizer que a X Comissão
Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate «(…) tem por objeto dar
continuidade à averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no
dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro
Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e
dos seus acompanhantes, nos termos do disposto na Resolução da
Assembleia da República n.º 91/2012, (…)», designadamente dando
seguimento às recomendações emitidas pela VIII e IX Comissões
Parlamentares de Inquérito.
Informo ainda que este depoimento é feito sob juramento, nos termos
do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Penal, pelo que pergunto se
jura dizer a verdade e somente a verdade.
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Juro dizer a verdade e só a
verdade!
O Sr. Presidente: — Informo-o ainda de que o falso depoimento
implica a prática de crime, previsto no artigo 360.º do Código Penal,
punido com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.
Dou-lhe, também, conhecimento da grelha de tempo que cabe a cada
grupo parlamentar. A primeira ronda são 5 minutos, de pergunta e resposta,
numa conversa normalíssima, a cada grupo parlamentar e representante dos
familiares das vítimas, a segunda ronda será de 3 minutos e a terceira ronda
de 2 minutos, sendo que temos aligeirado esta questão e têm-se utilizado
muito menos tempo.
Pergunto se pretende que a audição se realize à porta fechada, ou se
não tem nenhum inconveniente que decorra à porta aberta.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não tenho inconveniente!
O Sr. Presidente: — Pergunto se pretende fazer alguma intervenção
inicial, e a questão que se coloca, aqui, é, como já referi, o caso Camarate e
também a morte do Sr. José Moreira e companheira.
Pretende fazer alguma intervenção inicial?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: — Então, passamos à fase das perguntas e
respostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos, do PSD.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Coordenador
Superior, muito obrigado por estar aqui hoje.
Antes de mais, quero perguntar-lhe quanto tempo esteve na Polícia
Judiciária e as funções que exerceu.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Estive 25 anos na Polícia
Judiciária, seis anos como agente e os restantes como inspetor e inspetor-
coordenador.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aposentou-se na Polícia
Judiciária?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Aposentei-me na Polícia
Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E há quanto tempo?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Há 16 anos.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Já se aposentou há 16 anos…!
Em 1980, qual era a função do Sr. Coordenador?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Em 1980, não estava nos
Homicídios, estava no furto qualificado, na 6.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E quando é que passou para os
Homicídios?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — No início de 1982.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Relativamente ao caso
Camarate, teve alguma intervenção?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nunca acompanhou?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Nada, nada!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nem teve conhecimento
porque, na altura, o Dr. Pedro Amaral teve intervenção no processo de
Camarate, apesar de depois ter seguido para outra secção? É que,
inicialmente, os Homicídios tiveram intervenção no caso Camarate.
Conhecia o Dr. Pedro Amaral?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, ele era inspetor da 3.ª Secção
e ainda fomos contemporâneos, eu na 2.ª e ele na 3.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E falou com ele sobre o
assunto? Soube que ele teve intervenção em Camarate?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, soube que ele teve
intervenção em Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E em que medida?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A 3.ª Secção foi a primeira a ir ao
local quando foi do acidente e terá sido o Dr. Pedro Amaral e os agentes da
secção dele que foram a Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Sabe se ele produziu algum
relatório?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Eu tive conhecimento de que ele
produziu um relatório dessa deslocação a Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E recorda-se do que constava
nesse relatório?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não me recordo.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E da existência de um rasto de
papéis na pista até ao local de embate, não se recorda?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não me recordo.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Nem ouviu falar depois?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Pormenores disso não retenho, já
lá vão tantos anos…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, o senhor nunca teve
qualquer conexão com Camarate?!
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O Sr. Coordenador Superior era
o responsável máximo da secção de homicídios em 1983?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Na altura, era responsável das
duas secções de homicídios, porque o Dr. Pedro Amaral já tinha ido para
Macau e eu estava com a 2.ª e com a 3.ª Secções.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Estava com as duas, portanto,
era o responsável máximo.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O Sr. Agente Herculano
Morgado trabalhava…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Na minha secção, na 2.ª Secção.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na sua secção. Portanto,
respondia perante si.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Ele estava na segunda brigada,
que era chefiada por um subinspetor, aliás, como as outras duas brigadas.
Cada secção tinha três brigadas e o Herculano Morgado estava na segunda
brigada.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aqui já nos explicaram que
havia agentes que eram mais de gabinete, mais escriturários e outros mais
de terreno, de investigação — isto foi-nos dito por um colega seu.
Gostava que me precisasse se, de facto, dentro de uma brigada uns
tinham mais competências para estar a fazer trabalho de gabinete, de
secretariado, e outros mais de recolha de provas e de investigação.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Nos Homicídios, não, Sr.
Deputado. Nos Homicídios todos os agentes tinham as mesmas
competências e as mesmas atribuições.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Tanto faziam trabalho fora
como dentro?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na altura, o Agente Morgado
era… Diga-me, a brigada tinha quantos elementos?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A brigada tinha seis elementos.
Cada brigada tinha um subinspetor e seis agentes.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E a atribuição dos casos era
feita por si?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — A direção distribuía os processos
pelas secções e nós e o inspetor da secção distribuíamo-los pelas brigadas.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Na prática, quando o Agente
Herculano tinha um processo, era distribuído por si?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era, eu distribuía os processos à
brigada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E qual era o critério de
distribuição? Era aleatório ou…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, era seguido.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Ia seguindo: tu tens este e eu
este…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, sim.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Recorda-se deste caso do José
Moreira e acompanhante?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, recordo-me.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — De que é que se recorda e por
que é que se recorda?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Recordo-me dado o dramatismo
do aparecimento dos cadáveres das pessoas, e, depois, porque logo,
inicialmente, na imprensa, começaram a estabelecer ligações entre as
mortes em Carnaxide e as mortes de Camarate.
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É o que retenho de mais vivo da altura, dessa ocorrência.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O senhor confirma que este foi
um caso seguido pelos Homicídios?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Foi seguido pelos Homicídios.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quem era o agente titular?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Era o Morgado.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Era o Herculano Morgado. E
foi…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Mas, Sr. Deputado, inicialmente,
os corpos… Foi nos primeiros dias de janeiro (já não posso precisar o dia)
que os corpos apareceram e foi chamada a GNR de Linda-a-Velha. Depois
de a GNR estar no local, o Ministério Público de Oeiras vai ao local, liberta
os corpos, a Delegada ou o Delegado de Saúde manda os corpos para o
Instituto de Medicina Legal e só nessa noite é que o piquete da Polícia
Judiciária tem conhecimento do caso, porque o caso não foi comunicado,
logo, à Polícia Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Olhe que louvo a sua memória!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — E essa averiguação é iniciada pela
DCCB.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Recorda-se de quem eram os
agentes ou os inspetores?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Isso já não recordo. Sei que,
depois, a DCCB manda a averiguação para a Diretoria de Lisboa, onde
constituímos um processo, que é o processo que foi distribuído à minha
secção e que eu distribui à segunda brigada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E quando esse piquete dá o
alerta, que agentes é que lá foram? Foram agentes da DCCB ou dos
Homicídios?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Foi-nos dito, aqui, que teriam
sido os Homicídios.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, quem foi lá foram agentes
da DCCB.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Os primeiros agentes a irem lá?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quando o piquete avisa o
diretor…
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Quando o piquete vai à casa onde
os corpos tinham aparecido, eles já não estão lá, os corpos já estão no
Instituto de Medicina Legal.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Porque foram libertados?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sim, sim.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, se eu percebi, a GNR,
o Sr. Comandante do posto, é o primeiro a chegar ao local, é a primeira
autoridade a chegar ao local.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Da GNR, não sei quem foi, mas
foi a GNR.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Depois, vão dois delegados do
Procurador, que dão ordem para libertar os corpos.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não sei se são dois delegados…
Sei que o Ministério Público está no local, liberta os corpos e a Delegação
de Saúde, depois, manda os corpos para o Instituto de Medicina Legal.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — O que o senhor me está a dizer
é que nenhum agente ou inspetor da Polícia Judiciária viu os corpos no
local?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não, não!
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aparentemente, só foram vistos
pela GNR e pelo Ministério Público.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E é normal que isso aconteça?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, isto só é possível
porque as autoridades que chegam ao local tipificam logo aquilo como um
acidente; daí não ter sido chamada a Polícia Judiciária.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas foi chamada depois?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Depois, a Polícia Judiciária toma
a iniciativa e é quando a DCCB vai lá a casa, terão falado com os porteiros,
depois vão ao Instituto de Medicina Legal e fazem o exame aos cadáveres,
mas no Instituto de Medicina Legal, não na casa.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Repare: aparecem duas pessoas
mortas, alguém, os delegados ou o Ministério Público, dá autorização para
os corpos saírem; entretanto o piquete, nessa noite, dá a informação…
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Terá sido ainda nessa noite que o
conhecimento chegou ao piquete.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Vão lá e os corpos já não estão
no local?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não! Já não estão.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Portanto, a Polícia Judiciária
não foi logo chamada, mas esteve lá no próprio dia?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Suponho que os corpos
apareceram ainda de manhã, porque são descobertos por amigos e
familiares das vítimas, que estranharam eles ainda não terem aparecido e
dirigem-se ao local. Depois, terão sido essas pessoas mais a porteira a
verem os corpos na casa, em Carnaxide. Provavelmente, ainda nessa
manhã, terão chamado a GNR, que comunica ao Ministério Público de
Oeiras e o delegado do Ministério Público vai ao local. Só nessa noite
(desconheço a que horas) é que o piquete da Polícia Judiciária tomou
conhecimento do ocorrido.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Vou socorrer-me de uma cábula
para lhe dizer por que me faz confusão o facto de os corpos terem saído.
Explico porquê. De facto, dois delegados do Procurador da República na
comarca de Oeiras estiveram lá a ordenar a remoção dos cadáveres para o
IML de Lisboa, a fim de serem autopsiados e, depois, dizem: «em virtude
de importar esclarecer as causas da morte, atentas as circunstâncias
anormais e invulgares da ocorrência».
Pergunta: perante este cenário, como se libertam os corpos sem que a
autoridade que vai fazer a investigação tenha visto esses mesmos corpos no
local?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não posso responder a isso.
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O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas não é comum isso
acontecer?!
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, na altura, perante
uma situação qualificada como acidente, podia acontecer a Polícia
Judiciária não ser chamada.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Mas aqui não dizia
propriamente que era acidente, dizia: «(…) as circunstâncias anormais e
invulgares da ocorrência».
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Pois, as circunstâncias daquelas
mortes…
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Aliás, foi na sequência de um
telefonema do Diretor-Adjunto da PJ, que o piquete veio a tomar
conhecimento da ocorrência.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente! Terá sido isso.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Há pouco, não estava a ser
irónico quando estava a louvar a memória do Sr. Coordenador, não estava
mesmo, porque, inclusivamente, já tivemos aqui o agente titular do
processo que se lembrava de muito pouco e, de facto, louvo-o, porque tem
conhecimento muito próximo e muito presente de tudo o que aconteceu.
Depois, então, esta análise é feita pela DCCB. Certo? Que vai ao
Instituto de Medicina Legal, e, depois, quando é que vocês, Homicídios,
tomam o processo?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Não posso precisar, mas foi dias
depois.
É quando a DCCB, invocando que não se justificava aquela
investigação continuar na DCCB, que devia ser competência da Diretoria
de Lisboa, manda a averiguação para a Diretoria de Lisboa.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E tem noção por que é que foi
inicialmente entregue à DCCB?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Sr. Deputado, eu penso que foi
imediatamente entregue à DCCB, porque logo no dia em que os factos
ocorreram e em que são noticiados começa-se logo, na imprensa falada, a
estabelecer uma conexão ou uma relação entre aquelas mortes e as mortes
de Camarate. E, nessa altura, estava um processo a decorrer, um inquérito,
na DCCB, ao caso Camarate.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Por causa da questão do
proprietário do avião, que esteve ao serviço da campanha do General
Soares Carneiro.
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Exatamente!
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — Quando o Agente Herculano
Morgado pega nesse processo, que provas é que tinham sido preservadas
para ele poder carrear elementos para a investigação?
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O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Ó Sr. Deputado, inicialmente,
tudo apontava para um acidente, para um acidente por inalação de
monóxido de carbono.
O Sr. PedrodoÓRamos (PSD): — E por que é que inicialmente
apontava para…?
O Sr. EduardoDiasdaCosta: — Logo que os agentes chegaram ao
local não houve uma unanimidade em relação ao facto de haver ou não gás.
O que eles deviam ter sentido foi aquele ambiente próprio onde esteve a ser
produzido monóxido de carbono, que é um ambiente pesado. O monóxido
de carbono é inodoro, mas faz com que fique um ambiente pesado e pode
até provocar uma certa irritação na garganta.
Mas os corpos estavam carminados, aquela cor carmim que é típica
da morte por monóxido de carbono. Tudo apontava para aí. Partimos dessa
base, de a morte ter sido provocada pelo monóxido de carbono, mas as
causas do surgimento desse monóxido de carbono deveriam ter sido
determinadas.
Lembro-me que pedimos à empresa que fornecia o gás para casa — e
havia lá duas bilhas de gás — e ao Instituto Ricardo Jorge para fazer o
exame à forma como o esquentador estava a funcionar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Isso foi feito no mesmo
momento? Ou seja: recorda-se de ter havido um primeiro exame, uma
primeira análise, os primeiros testes ao esquentador no dia 13 e, uns dias
depois, ter sido feito um segundo exame com outro agente?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso não posso dizer… Mas é
provável que tenha sido em dias diferentes, porque também estávamos
dependentes da disponibilidade dos peritos, designadamente dos do
Instituto Ricardo Jorge.
Portanto, terá sido em dias diferentes que isso foi feito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se do que é que essas
medições deram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O Instituto Ricardo Jorge fez as
medições e, depois de umas horas de o esquentador estar a funcionar, havia
monóxido de carbono pela casa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se em quantidade
suficiente para causar a morte de alguém?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Bem, as quantidades eram
elevadas. Para além das circunstâncias que rodearam essas mortes, isso
também potenciou aquele resultado ou podia, eventualmente, potenciar
aquele resultado.
Aquilo ocorreu no mês de janeiro, estava frio, a casa estava toda
fechada, completamente fechada, eles estiveram a fazer comida,
provavelmente terão tomado banho. Havia muita humidade em casa, estava
frio, havia aquecedores e podiam ter tido os aquecedores ligados. O
aumento da temperatura, a humidade, a falta de corrente de ar, o esforço
físico… Eles tiveram relações sexuais. Na autópsia, foram detetados
espermatozoides… Logo, essas circunstâncias potenciam aquele resultado.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Acho que o vou ajudar se lhe
disser o seguinte: no primeiro teste, feito em 13 de janeiro, o esquentador
estava a funcionar normalmente, não acusou monóxido de carbono
absolutamente nenhum para além do normal, depois de estar muitas horas
em funcionamento.
No dia 18, quando lá foi a funcionária do Instituto Ricardo Jorge, de
facto, aperceberam-se de que o esquentador estaria a funcionar mal. Mas,
ainda assim, o valor obtido nas medições foi de 110 ppm de monóxido de
carbono. De acordo com uma tabela que consta de relatórios judiciais e que
consta, inclusivamente, deste processo, 100 ppm de concentração de
monóxido de carbono diz que dá ausência de sintomas ao fim de duas
horas, sendo que para provocar a morte temos de chegar a valores
superiores a 1000, portanto 10 vezes mais.
A pergunta que faço é: tendo apurado apenas este número, como é
que chegaram à conclusão de que isso foi suficiente, estando a casa
fechada, tendo radiadores, tendo havido exercício físico do ato sexual?
Como é que chegaram a essa conclusão? Porque, de facto, são valores
muito inferiores para provocar sequer uma dor de cabeça.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Na casa, também havia anidrido
carbónico, por certo, em quantidade. Mas tenho a ideia de que o Instituto
Ricardo Jorge disse, no relatório, que todos esses elementos poderiam
determinar a morte das pessoas.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O relatório que está nos autos
não diz isso.
O senhor teve acesso às autópsias?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não. Aos relatórios tive.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Aos relatórios, naturalmente.
Recorda-se do que diziam as autópsias em relação à causa da morte?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Os relatórios da autópsia disseram
que foi morte por intoxicação por monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se foram feitos exames
complementares?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Tiveram de ser feitos, de certeza,
exames complementares.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nomeadamente histológicos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Viu esses exames histológicos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Vi, de certeza. Estavam no
processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A autópsia foi feita em janeiro,
logo passados poucos dias e os resultados dos exames histológicos
apareceram em início de abril. Recorda-se desses resultados?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não me recordo. Mas é normal,
Sr. Deputado, os exames complementares demorarem mais tempo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Normalmente, esses exames,
quando são posteriores, são dados a conhecer ao perito que faz a autópsia?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Aliás, os exames são mesmo
pedidos pelo perito médico que faz a autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O normal é ele ter
conhecimento disso, tal como o agente titular do processo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Após os recebermos,
despachamo-los logo para juntar ao processo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, o relatório da autópsia
confirma que as pessoas morreram por intoxicação com monóxido de
carbono, em percentagens muito superiores, mas esse relatório histológico
diz-nos que os alvéolos pulmonares rebentaram.
Já, na altura, foi mencionado e ainda com mais ênfase, por parte do
ex-presidente do Instituto de Medicina Legal e pela Dr.ª Rosa, que isso só
pode acontecer em três circunstâncias: por afogamento, porque a pessoa
está a reter a respiração e quando abre a boca inspira muito e rompe os
alvéolos pulmonares; por asfixia mecânica, nomeadamente quando se
coloca a mão, ou outro tipo de asfixia; ou, então, com a introdução de um
gás.
Não é possível — isto é dito cientificamente —, com toda a certeza,
alguém morrer silenciosamente devido ao gás de um esquentador e que
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tenha ocorrido o rebentamento dos alvéolos pulmonares. Isto consta do
processo. Ou seja, em abril, antes mesmo do relatório final feito pelo
Agente Herculano, isso consta.
Pergunto: por que é que isso não foi tido em consideração?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, nós, investigação,
cingimo-nos ao que a autópsia nos disse. E a autópsia foi perentória a dizer
que não havia sinais de violência nos cadáveres e que a causa da morte foi
por inalação de monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estamos de acordo. Foi, de
facto, inalação de monóxido de carbono…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, se me dá licença,…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Diga, diga!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … a autópsia, na altura, até deu
uma explicação para aquela hemorragia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Está a falar de que hemorragia?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Da hemorragia nasal que o
engenheiro teve e que foi provocada, segundo o relatório da autópsia, pela
congestão pulmonar e determinada pela intoxicação pelo monóxido de
carbono.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Estamos de acordo. O relatório
da autópsia diz o que aconteceu. Evidentemente, foi bem-feita. Aliás, o
Professor Nino Vieira diz que foi muita bem-feita e não tem nada a
apontar; a questão é que não tinha acesso aos resultados do exame
histológico. O que nos diz é que essa introdução do monóxido de carbono é
que não foi feita na via apurada pela Polícia Judiciária, ou seja foi forçada.
Disse, ainda há pouco, e bem, que, se esse relatório consta do
processo, tínhamos de ter conhecimento desse relatório e tê-lo em
consideração, mas, pelos vistos, não tiveram. O Agente Herculano esteve
hoje nesta Comissão e disse que nem se lembra desse relatório, apesar de
constar dos autos que lhe foram entregues em mão no Instituto de Medicina
Legal.
O senhor foi confrontado com uma situação em que sabe que as
pessoas morreram com monóxido de carbono, mas há um relatório que diz
que, com esse rebentamento dos alvéolos, isto foi forçado, mas o senhor
continua com a mesma conclusão? É que isto faz toda a diferença. É a
minha interpretação.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não sei, não tenho presente… O
relatório da altura diz que o monóxido de carbono foi inalado de forma
forçada?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, diz que houve o
rebentamento dos alvéolos pulmonares.
E, na altura, já se sabia — foi-nos dito aqui e, inclusivamente, até um
ex-diretor, não este último, mencionou o mesmo, ainda nos anos 80 — que,
e não é uma descoberta da ciência de há pouco tempo; o rebentamento dos
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alvéolos pulmonares só podia ocorrer nessas circunstâncias e esse relatório
diz que houve rebentamento de alvéolos pulmonares.
O relatório foi entregue no dia 11 de abril ao Sr. Agente Herculano,
no dia 29 ele produz um relatório a dizer que foi acidente e hoje ele disse-
nos aqui que nem teve conhecimento desse relatório, quando o mesmo lhe
foi entregue em mão.
Pergunto: por que é que isso não foi tido em atenção?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não se levou em consideração
essa questão, porque continuava a ser determinante a conclusão do relatório
da autópsia e o facto de aquela hemorragia ter sido provocada por
congestão pulmonar determinada pela inalação de monóxido de carbono.
O que é uma inalação forçada de monóxido de carbono? Não há
produção de monóxido de carbono. O monóxido de carbono só é produzido
por má queima de esquentadores, de carros, de lareiras… Depois, é
traiçoeiro, porque o gás cheira, o monóxido de carbono é inodoro, provoca
uma morte lenta, não dá para perceber. São umas tonturas… Quando a
pessoa se apercebe de que há qualquer a correr mal, normalmente, já não
tem força para reagir.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Repare: na questão da
introdução forçada de ar pode ocorrer hemorragia. São os relatórios que o
dizem, aliás, ambos os relatórios histológicos referem, além do mais, que
os pulmões das vítimas apresentam acentuada congestão vascular,
hemorragias, bem como áreas de marcada distensão alveolar com a rutura
dos septos. Ou seja, o facto de haver hemorragias não significa que tenha
sido uma lenta inspiração de gás.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Atenção: aquela inalação não é
como se alguém estivesse na cama a dormir. Não! Eles fizeram atividade
física, o que também pode ter influenciado e determinado isso. Mas só os
médicos é que o poderão dizer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se lembra de ver este
relatório histológico?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr. Deputado, já lá vão tantos
anos… Mas eu vi-o, de certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Como tem uma ótima memória,
pergunto: recorda-se deste relatório em si?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, concretamente. Mas vi-o de
certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sabe se o perito que fez a
autópsia teve conhecimento dele?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Deve ter tido, porque esses
exames complementares são pedidos precisamente pelo médico que faz a
autópsia.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ainda que agarrados ao
relatório da autópsia, à hemorragia, se tivessem analisado bem este
relatório o senhor admitia fazer novas diligências?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Se o relatório da autópsia tivesse
apontado, ainda que levemente, para uma hipótese de haver mão de
terceiros nesta morte, tinha-me mexido, com certeza.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eu falo do relatório histológico
que refere o rebentamento dos alvéolos pulmonares.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil, porque tínhamos aquela
informação antecedente a dizer que a congestão pulmonar tinha sido
provocada precisamente pela intoxicação por monóxido de carbono.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas sem o resultado
histológico não se conseguia ter uma avaliação correta e completa. Certo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Os exames complementares
normalmente são feitos para determinar se são encontrados outros tipos de
gases ou… Só por isso era capaz de ser pouco.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Recorda-se de ter sido
apresentado o relatório final pelo Agente Herculano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Recordo.
Aliás, foi com base no relatório final dele — e já tenho junto ao
processo os relatórios da autópsia e os relatórios das perícias feitas por essa
empresa de distribuição de gás e pelo Instituto Ricardo Jorge — que remeti
o processo para o Ministério Público junto do tribunal de Oeiras.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Concordando com o relatório
do Sr. Agente?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Exatamente.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve algum inquérito às
condições e às circunstâncias em que ocorreu esta investigação por parte da
Polícia Judiciária uns anos mais tarde?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Que eu saiba, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não se recorda de ter havido,
em 1991, um inquérito sobre estas mesmas…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tem a certeza? Não se recorda?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não. Na altura, em 1991, estava
em Setúbal; daí pensar que teria sabido disso…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Teria sabido?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Houve, de facto, esse inquérito
em 1991. Não consta, pelo menos aqui, que o Sr. Coordenador tenha sido
ouvido, mas foram ouvidas várias pessoas, que cito: Paulo Bernardino,
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Lourenço Martins, Marques Monteiro, Herculano Morgado, Mário Jorge
Mendes, Artur Mendes Pinto, que era um senhor da GNR.
Quando o Sr. Agente Herculano Morgado é ouvido no âmbito do
inquérito seria normal o senhor ter conhecimento?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, Sr. Deputado, porque, na
altura, já não estava nos Homicídios, estava a dirigir a inspeção de Setúbal.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sim, mas, repare, há muita
gente que não estava nos Homicídios e que aqui foi ouvida.
O senhor nunca ouviu falar neste inquérito?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O inquérito é à atuação da
Polícia Judiciária na condução da investigação de inquérito a Camarate e o
processo tem o n.º 699/83, que é precisamente este.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Faria todo o sentido, porque eu
era o responsável pela 2.ª Secção quando foi feito e organizado esse
inquérito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Voltando um pouco atrás,
quando o processo transita para os Homicídios, a DCCB concluiu que não
havia conexão nenhuma com Camarate?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E só por isso é que mandam a
averiguação sumária que tinham…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E recorda-se do que eles
disseram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, isso já não posso precisar.
Mas não se justificava a continuidade daquela averiguação sumária
na DCCB e, por isso, era remetido à diretoria de Lisboa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Que diligências de prova foram
feitas pelo Agente Herculano nesse inquérito da morte do José Moreira e da
acompanhante? Recorda-se?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Todas aquelas circunstâncias que
tinham produzido o monóxido de carbono para determinar a morte
daquelas pessoas e terão sido ouvidas também testemunhas.
Mas essencialmente isso: os exames, as perícias feitas ao
esquentador, a audição de testemunhas — já não posso precisar quem, mas
foram ouvidas várias pessoas. Terão sido estas, essencialmente, as
diligências.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que temos para os autos é o
seguinte: no dia 2 é feita uma análise ao esquentador e está tudo bem; no
dia 18 é feita uma análise e não estão tão bem, mas o grau, a percentagem
de monóxido de carbono no ar não passa os 110 ppm; em abril junta-se um
relatório de um exame histológico onde se diz que há rebentamento dos
alvéolos pulmonares e, neste cenário todo, nesta circunstância toda, com a
conexão que inicialmente foi feita ao caso Camarate…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Desculpe, Sr. Deputado. Esse
exame, que diz que não há produção de monóxido de carbono, é feito por
quem? Não é pelo Instituto Ricardo Jorge.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Digo-lhe já. «(…) no dia 13 de
janeiro (…) o agente Herculano Lourenço Morgado levou ao apartamento
três engenheiros identificados (…) (técnicos, os dois primeiros, da Empresa
Esso Gás, Lda., e o terceiro da Associação Portuguesa de Gases de
Petróleos Liquefeitos) (…)», que fizeram essa análise e que disseram que
estava tudo bem; depois, no dia 18, aparece a outra análise feita pelo
Instituto Ricardo Jorge.
O primeiro exame foi feito por estes técnicos, da Esso Gás e da
Associação Portuguesa dos Gases de Petróleos Liquefeitos, que
consideraram que estava tudo bem; no dia 18, diz-se que não estava tudo
bem, mas que, ainda assim, a concentração, sendo acima do normal, era
muito baixa para produzir a morte.
Portanto, com estes factos e com o relatório histológico, ainda assim,
acha normal terem concluído como concluíram?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso só foi possível porque, logo
na altura, foi entendido, pelo Herculano Morgado e por nós, que esse
exame, feito pelos engenheiros dessa empresa, como disse, da Esso Gás,
não teria sido feito de forma completa…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Tudo bem. Mas, mesmo o
segundo exame que foi feito, que apurou uma concentração um bocadinho
maior, diz que aquela concentração nem sequer provocaria dores de cabeça.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O do Instituto Ricardo Jorge?
Mas eles não deixam de dizer que, se entrarmos em linha de conta
com os outros fatores, isso pode determinar a morte.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eles não concluem isso.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Era a ideia que eu tinha disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Esses fazem o relato objetivo.
Sabe se os corpos tinham algumas marcas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A única marca que havia era
numa das mamas, já não posso precisar, que tinha uma pequena lesão. Mas,
depois, o Instituto de Medicina legal confirmou que aquilo teria sido
provocado pela arcada dentária do engenheiro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E dedadas marcadas no ombro
do engenheiro e nos joelhos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Havia ligeiras escoriações. Mas
ter-se-á chegado à conclusão que até poderiam ter sido provocadas post
mortem.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não analisaram em concreto,
nomeadamente as dedadas e as lesões?! Mas post mortem como? Os corpos
são arrastados?!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — As dedadas que ele tinha, na
altura, pensou-se que também podiam ter sido provocadas por ela.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas pensavam…
Gostava que explicasse um bocadinho isso do post mortem. Os
corpos foram arrastados?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles foram levados dali… Já não
posso precisar, mas os corpos foram levados do andar para o elevador…
Não posso já dizer em concreto…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Os corpos foram encontrados
um em cima do outro. Sabe disso?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sei, sei.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Outra estranheza é o facto de
eles terem morrido ao mesmo tempo, que é muitíssimo improvável, porque
um tem mais resistência do que outro, naturalmente.
Pergunto: estando um em cima do outro, tendo morrido ao mesmo
tempo, isto também não vos fez confusão? É que esta é a versão oficial da
Polícia Judiciária: a de que morreram ao mesmo tempo.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil dizer se morreram ao
mesmo tempo, ou se um morreu 10 minutos ou um quarto de hora depois
do outro, porque aquilo é um processo lento que conduz à… A pessoa fica
inanimada. Portanto, é difícil dizer se morreram ao mesmo tempo ou se um
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morreu primeiro do que o outro. Até é natural… Dá-me ideia que o
engenheiro…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A vossa conclusão é a de que
morreram ao mesmo tempo.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É muito arriscado dizer isso,
determinar a morte dessa forma. É um processo lento de «inanimação» e é
difícil dizer quem é que morreu primeiro.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — De facto, é estranho. Mesmo
que seja 10 ou 15 minutos depois, que é o normal…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas é irrelevante, porque já estão
inanimados.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E um não se apercebe e
continua em cima?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É possível que o engenheiro se
tenha apercebido. Tenho ideia que… Não sei se é o braço direito, se é o
esquerdo, mas ele tem um braço estendido e lembro-me disso, porque
disseram-me, a posteriori, que já estavam com rigidez cadavérica quando
foram encontrados e tiveram dificuldade com o braço por causa do
elevador. Ele tinha um dos braços estendidos, não sei se o direito, se o
esquerdo, porque é capaz de se ter apercebido de qualquer coisa; só que,
provavelmente, já não teve força para se levantar.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ou estava com o braço
estendido, porque ficou assim. Não consegue determinar se ele queria fazer
força para…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Ele tinha mesmo o braço
estendido. É possível que ele se tivesse apercebido.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Havendo dedadas no corpo do
engenheiro, a secção de homicídios, quando tem um caso destes, não tira
impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não valia a pena tirar impressões
digitais ali.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Porquê?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Dada a quantidade de humidade
que havia no apartamento, era difícil.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O senhor disse há pouco que
presumiram que as dedadas fossem dela. Presumiram! Mas a minha
pergunta é: não era possível tirar as impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não! Na pele, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Porquê?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Com a humidade…
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É impossível?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Acho que sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E na casa havia assim tanta
humidade que não se conseguiam recolher impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Havia muita humidade. Lembro-
me que um dos agentes, depois em conversa, ter-me-á dito que até por cima
do frigorífico havia uma camada de água…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa é uma dica notável que
estamos a dar aos criminosos: ponham humidade no local do crime que não
se consegue recolher impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles agora usam luvas, Sr.
Deputado!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Se não usarem garante-se que
havendo muita humidade que não se consegue recolher impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A humidade dificulta.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Dificulta, mas não é
impossível!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso só um técnico das impressões
digitais poderá explicar melhor do que eu.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas neste caso sabe que não
foram recolhidas impressões digitais.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não foram, não.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Quem é que determinou a não
recolha das impressões digitais?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Achou-se que não…
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Terá sido o Agente Herculano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Possivelmente, eu. Eu é que era o
responsável da secção.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr. Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, agradeço ao Sr.
Coordenador a sua disponibilidade.
Primeira questão: os senhores são alertados para esta situação, e vou
citá-lo porque registei as suas primeiras palavras, «dado o dramatismo do
aparecimento dos cadáveres e a sua ligação a Camarate». Portanto, a
Polícia Judiciária começa por ter a notícia de que foram encontrados dois
cadáveres e de que é feita a ligação a Camarate.
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Pergunto: a Polícia Judiciária ficou sempre na tese do monóxido de
carbono e não acautelou nenhum outro meio de prova?
Ainda há pouco esteve aqui o Sr. Coordenador Mário Jorge Coimbra
Mendes que disse que esteve no local à noite, que saiu e que fechou a porta.
Perguntei-lhe: «mas ficou selada?» Ele disse: «Não, a porta ficou fechada».
Eu disse-lhe: «Mas alguém tinha as chaves da casa?». Ele respondeu: «Não
sei». E eu perguntei: «Então, como é que acautelaram essa…?».
Suponho que, já em 1983, quando há a notícia de cadáveres, mesmo
que seja um atropelamento, procura preservar-se os meios de prova para
que a investigação possa ser seguir todos os rumos que os indícios
apresentem. Certo? Ou seja, numa investigação criminal, tanto quanto julgo
saber, inicialmente pode haver um conjunto de indícios que…
Repare: o indício é o facto conhecido que nos vai dar o facto
desconhecido e é esse que queremos provar. Portanto, temos um conjunto
de indícios, há um feixe de indícios que aponta para uma causa provável,
mas há os outros indícios. O problema aqui é que faltam os outros, o
problema aqui é que atendeu-se àquele indício, ou seja, parece que a
investigação ocorreu ao contrário, ou seja, a causa é o monóxido de
carbono, agora, vamos à procura dos indícios, e não o contrário, ou seja, a
recolha dos inícios para confirmar a tese do monóxido de carbono.
Digo isto porquê? Porque perguntei que tipo de diligências foram
feitas no local para preservar eventuais meios de prova, não só a questão da
impossibilidade de impressões digitais, mas, por exemplo, o próprio acesso
ao local, saber se havia a possibilidade de as vítimas terem sido removidas
posteriormente por alguém que tivesse entrado.
Pergunto: que outros indícios é que existiam e que foram afastados
pela sua não comprovação? Pela sua não sustentação?
Percebe o que estou a dizer? Não sei se me faço entender!
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, penso que os
elementos da Polícia que foram ao local não terão encontrado nenhum
elemento que indiciasse minimamente estarmos perante um crime de
homicídio. Tudo estava no local, não havia falta de nenhum objeto, que se
soubesse, e o hábito externo dos cadáveres não apresenta nenhum sinal de
violência. Só por isso é que não se avançou mais noutro caminho qualquer.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, precisamente, e utilizando as suas
palavras, dado o dramatismo e a ligação a Camarate, não se impunha que,
naquele caso, se procurasse exatamente — até porque a humidade estava
dentro de casa, não estava fora da porta — recolher as impressões digitais
na porta de entrada, saber se a porteira sabia se tinha estado, ou não, lá
gente, se havia pegadas, fosse o que fosse?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não havia elemento algum.
Também tenho de tirar impressões digitais na porta, mas já lá tinha a
GNR, já lá tinha estado a porteira e já lá tinham entrado amigos das vítimas
quando deram com os corpos…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E as chaves da casa ficam à guarda de
quem?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Suponho que… Não posso
garantir quem que é que ficou com a chave da casa… Se calhar,
possivelmente, a porteira… Não sei, não posso garantir, porque isso
desconheço.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quando aparecem dois corpos, cuja
morte se desconhece, que tipo de diligências é que são feitas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Quando se não sabe a causa de
morte?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exatamente!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Normalmente, é a autópsia que
determina a causa de morte.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E, além da questão da autópsia, há
outros elementos que se procuram recolher no local, para saber,
precisamente para verificar se há ou não outros indícios? Essa questão foi
vista, então? Ou seja, aquilo que posso concluir…
Farei a pergunta de outra maneira: é legítimo concluir que essa
recolha dos indícios foi feita pelos elementos da GNR…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não, não!… É o pessoal da
DCCB que vai ao local e que faz logo o exame ao local; não é o pessoal da
GNR! A GNR ter-se-á limitado, ali, a comunicar ao Ministério Público; o
Ministério Público veio, analisaram a situação e a GNR, aí, de certeza que
não fez mais nada.
Agora, o exame ao local foi feito, de certeza, pelos elementos da
DCCB que lá vão, depois, quando tomam conhecimento do facto.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E o facto de os próprios procuradores
terem referido que havia suspeita relativamente a eventuais causas de morte
não terá levado a que se procurassem, de facto, mais indícios?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, se o Ministério
Público tivesse tido um qualquer elemento que indiciasse, ali, a prática de
um crime, teria chamado a Polícia Judiciária.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não o fez?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão, como o meu colega acabou
de ler, é que o relatório diz: «(…) os dois (…) Delegados do Procurador da
República na comarca de Oeiras, que ordenaram a remoção dos cadáveres
para o IML de Lisboa a fim de serem autopsiados ‘em virtude de importar
esclarecer as causas da morte, atentas as circunstâncias anormais e
invulgares da ocorrência’ (…)».
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, mas não é dito aí que há uma
suspeita de crime, não é?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Inspetor, todas as casas têm o grau
de humidade que aquela tinha?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É difícil. É difícil porque só tem
explicação por… O apartamento é pequeno, tem uma sala, tem um quarto
que estava fechado…
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Em que andar era?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O 7.º ou o 8.º andar, um andar
alto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E naquela prumada, todos esses
andares têm esse problema?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu lembro-me de que foi referido
e identificado, na altura — já não sei por quem, se pela empresa do gás, se
pelo Instituto Ricardo Jorge —, que o sistema de tiragem dos gases no
edifício era deficiente em todo o edifício.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas não houve lá outras mortes por
monóxido de carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas há aí uma outra coisa, Sr.ª
Deputada: é que, não posso já precisar quem, mas gente que tinha habitado
aquele andar e que tinha utilizado aquele esquentador referiram que já
havia quem se tivesse sentido mal.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Admito que sim, Sr. Coordenador.
É que, repare uma coisa: a própria Polícia Judiciária está alertada
para as circunstâncias anormais que esta situação pode ter precisamente
dada a sua ligação a Camarate.
Portanto, deve haver aqui uma maior precaução…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E houve! E houve!…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … no sentido de afastar todos os
indícios…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E houve, Sr.a Deputada! Houve!
O pessoal da DCCB que faz o exame ao local, inicialmente, mesmo que
não tivessem estabelecido nenhuma ligação a Camarate, mas se tivessem
detetado, ali, a prática de qualquer crime, teriam mandado o processo com
essa ressalva para a Diretoria de Lisboa.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, aquilo que o Sr. Coordenador
está a dizer é que é um pouco como a exclusão de partes: não podiam ter
morrido se não por aquela ingestão de monóxido de carbono provocada por
aquele esquentador.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem foi determinada outra
possibilidade de provocar aquelas mortes.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão é saber se foi por exclusão
de partes, ou seja, não há mais causa nenhuma, porque não há mais indício
nenhum; não pode ter sido provocado por mais nenhuma outra causa, que
não aquela — essa é uma coisa, é uma conclusão, é uma via de chegar a
uma conclusão, é uma metodologia; outra, diferente, é, como eu disse há
pouco, partir da informação inicial e, depois, verificar que os indícios
encaixam na versão inicial.
É uma questão de metodologia…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu percebo, eu percebo.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … e que os resultados são,
naturalmente…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas, de qualquer forma, se
tivesse surgido qualquer elemento, no exame ao local, ou no exame ao
hábito externo das vítimas, ou por qualquer testemunho que fosse
transmitido, ainda, por via particular à Polícia Judiciária, ter-se-ia seguido
esse caminho. O facto é que não foi!
Nem o hábito externo dos cadáveres indiciava a prática de qualquer
crime, nem do exame feito ao local foi recolhido qualquer elemento que
apontasse nesse sentido — aliás, a única coisa que restou foi a autópsia a
dizer: estas mortes foram provocadas por inalação de monóxido de
carbono.
Depois, o Instituto Ricardo Jorge fez um exame, a que teremos,
necessariamente, que dar mais credibilidade, que aponta no sentido de o
esquentador ter uma má tiragem, estar a queimar mal e a produzir
monóxido de carbono.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, Sr. Coordenador, a verdade é que
os inspetores chegam ao local à meia-noite.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu não sei quando é que a DCCB
lá chegou. Sei que foi muito depois de…
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Aqui, no relatório, diz que chegaram à
meia-noite e que a outra equipa foi no dia seguinte de manhã e que o local
não estava selado.
Portanto, pergunto: enquanto não há o resultado da autópsia, que
meios de preservação da prova foram tomados para garantir que?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas, Sr.a Deputada, compreenda,
não me posso pronunciar sobre isso, porque, nessa altura, esses factos não
estavam a ser averiguados pela minha secção. Era a DCCB que estava…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Certo. Mas, de facto, é assim: estamos
com o resultado da autópsia que aparece dias depois. Até lá, não foram
tomadas, pelo que aqui foi dito, quaisquer diligências, no sentido de selar o
andar, enfim, de tomar aquelas providências para poder…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A GNR, possivelmente, ficou
com a chave; se não ficou, deveria ter ficado!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Bem, o Sr. Coordenador, que saiu
daqui, há pouco, disse que quem abriu a porta foi a porteira; disse que tinha
a ideia de que tinha sido a porteira.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Está mal!…
Mas eu, quanto a isso, não posso…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — A questão que coloco é: a autópsia
foi… O resultado da autópsia é dias depois! Até lá, teria de se procurar os
outros ou qualquer outro indício. Não é?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso foram, foram! No exame ao
local, foram procurados outros elementos, qualquer elemento indiciário…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas quando é que esse exame ao local
foi feito, Sr. Coordenador? Porque, há uma equipa que chega à meia-noite,
outra, em que foi o Agente Herculano Morgado e o Agente Mário
Mendes… O Coordenador Mário Mendes acabou de dizer que entrou e
saiu!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Paulo Franco!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sim, Paulo Franco, exatamente!
Acabou de dizer que entrou e saiu!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas isso é pessoal da DCCB,
continua a ser pessoal da DCCB.
Volto a dizer: os corpos apareceram, talvez, de manhã. Há a
deslocação do Ministério Público…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Às 14 horas e15 minutos.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E só nessa noite é que o piquete
da Polícia Judiciária, não sei a que horas…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É à meia-noite.
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … à meia-noite, é que o piquete
da PJ tem conhecimento.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, o que significa que não posso
excluir…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É quando a DCCB vai ao local
fazer o exame.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Coordenador, não querendo insistir
e admitindo que tenham sido feitas diligências no sentido de procurar
outros meios de prova, outros indícios, a verdade é que também não há aqui
indícios de que tenham sido tomadas providências no sentido de acautelar
eventuais outros indícios, que, porventura, possam ter existido no local.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, mas eles foram procurados,
de certeza.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas por quem? Por quem?!
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Pela equipa da DCCB quando
toma conhecimento e vai ao local.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — À meia-noite?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não sei.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Às 14 horas foram os delegados…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu não sei a que horas é que eles
lá foram.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas foram à meia-noite! E, depois, foi
lá outra equipa, no dia seguinte, e que acabou de dizer aqui que entraram,
saíram e que fecharam a porta.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É porque não viram qualquer
elemento que indiciasse prática do crime.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Bem, os indícios não são meramente
visuais. Certo, Sr. Coordenador?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Mas é suposto eles terem
procurado.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É tudo, Sr. Presidente.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, permite-me o uso
da palavra?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.a Deputada Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Eu aproveito para intervir, porque assim, se calhar, escusamos de
estar a fazer uma e duas rondas.
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Só gostava de intervir agora, porque, de facto, tenho aqui o relatório
da Procuradoria sobre a atuação da Polícia Judiciária na condução da
investigação, que diz que uma força de GNR de Linda-a-Velha foi
notificada às 12 horas e 15 minutos. Portanto, suponho que se terão
deslocado imediatamente. O Sr. Coordenador Superior diz que é porque,
entretanto, já lá estavam amigos da vítima. É isso? Quem descobriu os
corpos foram os amigos das vítimas?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eu tenho a ideia de que é o facto
de, no dia seguinte, eles não terem aparecido nos locais onde era suposto
estarem que alerta esses amigos das vítimas — já não sei se dela, se dele —
, que se dirigem ao apartamento e que, depois de baterem à porta e de
ouvirem música lá dentro, vão ter com a porteira — para além disto, o
carro do engenheiro estava lá em baixo, à porta do prédio —…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … e eles dizem: «aconteceu
qualquer coisa de mal». E é quando a porteira vai com eles e se deparam
com os cadáveres.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, é a porteira que abre a
porta e não noticiam a GNR…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só depois é que chamam a GNR.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só depois é que chamam a GNR.
Muito bem! O que dizem é que, depois, consta do relatório, cerca das 14
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horas, chegam, então, os Delegados do Procurador da República, que não
são os agentes da DCCB.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — São diferentes?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A Polícia Judiciária, nessa altura,
ainda não tinha conhecimento desse facto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim. É que, neste relatório, não
vêm, sequer, mencionados os agentes da DCCB.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem podia, porque o Ministério
Público liberta os corpos, mas, entretanto, a Delegação de Saúde teve de
estar presente, no local, para coordenar a remoção dos corpos para o
Instituto de Medicina Legal. E isto terá sido lá pelas três ou quatro horas da
tarde.
E é só nessa noite…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — À meia-noite, é que o piquete
avisa…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — … que o piquete da Polícia
Judiciária é avisado da ocorrência daquelas mortes.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está a dizer-me que quem estava a
dirigir a investigação eram os agentes da DCCB. Foi o que o Sr.
Coordenador disse.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A partir do conhecimento desse
facto e da ida ao local.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Anterior à Polícia Judiciária?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Anterior à Diretoria de Lisboa.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, diga-me: quem é que,
destas pessoas, tem, de facto, competência, não estando lá a Polícia
Judiciária, para decretar se é, ou não, acidente, se é, ou não, suspeito?
Qualquer um deles?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eles não decretaram coisa
nenhuma. Eles foram ao local, quando tiveram conhecimento das mortes,
os cadáveres já estavam no Instituto de Medicina Legal…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço desculpa por estar a
interrompe-lo, mas antes da remoção dos corpos. Aqui diz-se que são os
Delegados do Procurador da República que ordenam a remoção dos
cadáveres, e di-lo com a afirmação: «… ‘(…) atentas as circunstâncias
anormais e invulgares da ocorrência’ (…)».
O que o Sr. Coordenador diz é que, no fundo, a Polícia Judiciária não
é chamada, antes…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Se o Ministério Público tivesse
logo, ali, no local, detetado qualquer elemento que apontasse para a prática
de um crime, de certeza que os corpos não saiam dali sem, primeiro, a
Polícia Judiciária lá ir.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, terá sido o Ministério
Público a achar que não havia prática de crime?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É a única explicação para os
corpos irem sem a PJ ser chamada.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas o que é um bocado
contraditório, depois, com o parecer em que eles dizem: «‘(…) atentas as
circunstâncias anormais e invulgares da ocorrência’ (…)».
O que é que se entende, na gíria legal, por «circunstâncias anormais e
invulgares»? O que é que considera, normalmente, uma circunstância
anormal e invulgar?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É normal as pessoas morrerem
nos apartamentos por inalação de monóxido de carbono, apesar de ser mais
frequente do que se pensa.
Se calhar, atendendo às circunstâncias muito particulares em que os
corpos apareceram — penso eu que seria isso que os Magistrados do
Ministério Público quiseram dizer.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O facto de estarem entre um
corredor e uma casa de banho e…
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, sim, sim!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — … estarem despidos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Penso que sim, sim.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Bom, toda a gente tem salientado
que, desde o início, se faz a ligação deste caso com a questão de Camarate.
Assim, pedia ao Sr. Coordenador Superior — e sei que tem sempre
dificuldades em dar opiniões que não sejam automaticamente
fundamentadas por factos, e isso percebo dada essa ligação imediata —,
que me dissesse se este não era um caso que, à partida, deveria merecer
todos os cuidados possíveis? Ou seja, não há aqui também, na forma como
isto foi lidado e na forma como se diz «bom, não há indícios de crime,
apesar de ser anormal os corpos serem encontrados desta forma, neste
sítio», uma vez que se passam 12 horas até à Polícia Judiciária ser
chamada, desde a primeira altura em que são encontrados (e não encontro
outra palavra), algum desleixo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, de certeza que nem
a GNR, quando veio ao local, nem os magistrados do Ministério Público,
quando estão no local, estabeleceram qualquer paralelo entre uma coisa e
outra. Aliás, não sei por que via é que o piquete toma conhecimento de
madrugada deste facto, mas foi já porque, de certeza, alguma imprensa
estava a estabelecer esta conexão e foi quando avisam a Polícia Judiciária
desse facto.
Inicialmente, de certeza que nem o Ministério Público, nem a GNR
estabeleceram logo essa ligação.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, o que me está a dizer é
que considera que a Polícia Judiciária só é chamada porque a imprensa
começa a fazer uma relação que não teria feito de início.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Nem faz sentido serem avisados,
como a Sr.ª Deputada diz, de madrugada ou à meia-noite.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Peço desculpa. Sr. Presidente, se me
permite interromper.
Sr. Coordenador, eu não digo que seja estranho o piquete ser
chamado à meia-noite; é chamado à meia-noite, à 1 hora, às 2 horas, às 3
horas ou às 4 horas! Na recolha de indícios é que, normalmente, o local é
preservado, acautela-se o local e depois volta-se lá para fazer um trabalho
mais aprofundado.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Logo que aparecem os corpos…
Quando aparece um corpo e há suspeita da prática de um crime é logo
chamada a Polícia Judiciária e o corpo nem retirado do local.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Eu gostaria de colocar outra questão
que é a seguinte: o alerta foi dado por volta do meio-dia. A sua memória
permite-lhe referenciar quando é que este casal entrou para o apartamento,
dos testemunhos ouvidos?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não podemos dizer a que horas é
que eles entraram no apartamento. Há uma testemunha que diz que esteve
na tarde anterior, cá em Lisboa, não sei a que horas já, a tomar uma
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refeição, não sei se a almoçar, se a jantar, com eles, na véspera da
ocorrência desses factos. Logo, terá sido algum tempo depois, mas não
sabemos a que horas é que eles entraram no apartamento.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Eu coloco esta questão, porque quando
os amigos e os familiares são alertados para o facto de as pessoas não terem
aparecido — e isto é mais ou menos ao meio-dia —, significa que,
provavelmente, às 9 horas ou 9 horas e 30 minutos não entraram no
emprego, isto poderá significar que estavam lá já de véspera. Certo?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, sim. Aliás, a rigidez
cadavérica que os cadáveres apresentam, quando são encontrados, e os
livores cadavéricos já fixados pressupõem que os cadáveres já estavam ali
há umas horas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E lembra-se, mais ou menos, a que
horas foi determinada a morte?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Isso não sei. Não me recordo já.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O que eu queria perceber era a que
horas é que, provavelmente, o casal entrou no apartamento.
Repare, há indícios de…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sr.ª Deputada, desculpe
interrompê-la. Eles não jantaram em Lisboa, porque foram encontrados
vestígios de terem feito uma refeição lá no apartamento.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — E não foi o pequeno-almoço?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Pequeno-almoço não foi, porque a
rigidez cadavérica que eles apresentam quando são encontrados pressupõe
que já tinham falecido durante a noite.
Aqueles restos de comida que foram encontrados terão sido de fazer
um jantar ou uma ceia.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só para terminar, Sr. Coordenador.
O relatório diz: na sequência de um telefonema de um Diretor-
Adjunto da PJ, o piquete desta veio a tomar conhecimento da ocorrência
cerca da meia-noite e deslocou dois agentes ao local.
Pelos vistos, então, houve um Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária
que avisou o piquete que, depois, enviou dois agentes. Quem era este
Diretor-Adjunto?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não me recordo. Não está aí o
nome dele?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não, aqui não está. O que diz é
que o próprio piquete — há bocado estava a dizer que não se lembrava — é
avisado por um Diretor-Adjunto da Polícia Judiciária.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Então, foi porque esse senhor, a
essa hora, ouviu alguma notícia já a estabelecer essa ligação entre
Camarate e Carnaxide e avisou o piquete.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, o senhor acha que a
Polícia Judiciária só entra em ação quando, de repente, percebe que pode
haver uma ligação com Camarate. Antes disso, não…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não tínhamos sido avisados. Não
fomos alertados para esse facto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas quando diz que quem estava a
tomar conta era a DCCB, que era a DCCB é que estava a coordenar a
investigação, isso era quando? Antes de os senhores chegarem ou depois de
os senhores chegarem?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Quais senhores, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A Polícia Judiciária.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A DCCB e a Diretoria são todos
Polícia Judiciária.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está bem.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só que a DCCB é a divisão de
combate ao banditismo. Nós, na Diretoria de Lisboa, só posteriormente é
que temos conhecimento desta situação.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço desculpa, eu é que fiz
confusão aqui. Estava a ver dois agentes, mas, então, há quatro agentes da
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Polícia Judiciária: dois da brigada de combate ao banditismo e outros dois.
Peço desculpa, eu é que fiz confusão.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr. Coordenador, com a sua larga experiência,
neste campo, quantas mortes conhece por intoxicação por monóxido de
carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Várias. Tive várias situações.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — São as chamadas mortes passivas. São
normalmente pessoas que estão a dormir…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, normalmente acontece
quando as pessoas estão a dormir. Acontece com muita frequência.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não conheço nenhum caso, mas não sou
especialista, de duas pessoas acordadas e empenhadas ativamente em
qualquer coisa, em qualquer esforço, que caiam simultaneamente as duas
para o lado com monóxido de carbono. Não conheço e tenho impressão que
isso está ainda para acontecer…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Há situações de pessoas que
sobrevivem e que ficam com a sensação de que se têm demorado mais um
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bocadinho naquele local ou naquelas circunstâncias teriam, provavelmente,
desmaiado.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Exatamente, isto porque há fases por que as
pessoas passam: dores de cabeça, tonturas, vómitos, vertigens, por aí fora,
até chegarem a um ponto em que adormecem.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — É o adormecimento, é!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ora, estas pessoas não estavam nessa situação.
E se estivessem, tinham interrompido o ato, com certeza. Ninguém fica a
ter um ato sexual e a ter vómitos ao mesmo tempo e a ter vertigens e a ter
mal-estar.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Só um médico é que poderá
explicar esse processo da…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Está aqui explicado. Está aqui dito, no
relatório que a Procuradoria-Geral da República mandou, e estão aqui os
efeitos todos de acordo com as percentagens.
Ninguém pode acreditar nisto, Sr. Coordenador. Por mais que eu
queira acreditar neste relatório, no vosso relatório, isto não tem lógica e
estas coisas têm de ter uma determinada lógica. E as pessoas que realmente
são vítimas de monóxido de carbono estão sempre a dormir, são apanhadas
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na cama, ou no sofá onde adormeceram; não são apanhadas em pleno ato
sexual, ou a comer à mesa, ou a jogar pingue-pongue!
Depois há outro aspeto interessante: o sobrinho da vítima que, nessa
altura, tinha 15 ou 16 anos — não tenho precisa a idade que ele tinha —,
era a pessoa que ia lá dentro e nos trazia fora elementos preciosos, tais
como o facto de os restos de comida que encontraram terem ovos (e o Eng.º
José Moreira era alérgico a ovos e nunca os comia), ou de os sapatos do
Eng.º José Moreira estarem escondidos no armário da cozinha!
Há coisas que não batem certo. Por exemplo, foi detetada na autópsia
a presença dessa comida. Se foi detetada, depois, nos cadáveres, também
deveria ter sido procurada.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — E de certeza que foi. Não me
lembro já, mas de certeza que foi lá que detetaram qual era a comida, ou se
tinham alguma comida no estômago, eventualmente.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Quero dizer que não é culpa sua, obviamente,
mas para acreditar nisso tinha de acreditar no Pai Natal também e eu não
acredito no Pai Natal.
O Sr. Presidente: — Passo a palavra ao Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Coordenador, disse há pouco que foi um Diretor-Adjunto
da PJ, mas que não se lembra o nome, o que é natural depois destes anos
todos.
Pergunto apenas uma coisa: quantos diretores-adjuntos havia na PJ?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Cá em Lisboa, havia um diretor-
adjunto na Diretoria Geral, havia um diretor-adjunto na Diretoria de
Lisboa. Eram os únicos diretores-adjuntos… Ah, havia também um diretor-
adjunto militar.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — O Sr. Coordenador poderia indicar quais eram os nomes
deles? Lembra-se deles, ou não?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — O meu, da Diretoria de Lisboa,
era o Dr. Vasco Tomé. E havia também um diretor-adjunto na DCCB.
Havia um outro que era o Dr. Antunes e haveria um diretor-adjunto militar,
que, suponho, na altura, era o Major Bernardo. São os nomes dos diretores-
adjuntos de que me recordo.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Não se lembra qual é que foi? Foi um deles.
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Esta pergunta pode parecer um bocado estúpida, mas hoje ao
longo das perguntas que foram feitas, disse-se que a casa estava
perfeitamente fechada. Eu perguntei se a casa teria sido, eventualmente,
ventilada ou não. Não sabe nada sobre isso?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não. Sr. Engenheiro, a casa,
quando as primeiras pessoas chegam ao local, está completamente fechada,
porque logo, inicialmente, da primeira vez que vão lá os familiares ou os
amigos das vítimas, eles têm o cuidado de abrir as janelas. Portanto, a casa,
quando as primeiras pessoas entram, está totalmente fechada.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A casa estava fechada. Não cheirava a gás?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não há unanimidade quanto a
isso; umas pessoas diziam que havia um cheiro a gás; outras são
perentórias a dizer que não havia cheiro a gás.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — É natural que as testemunhas se confundam, na altura. Mas, o
que é um facto é que a partir do momento em que se induz que eles terão
morrido por intoxicação por monóxido de carbono, forçada ou não, a
primeira coisa a fazer é ventilar a casa, até por uma questão de segurança
para evitar uma eventual explosão. Acho eu!
Disse-me que havia problemas na exaustão do prédio também…
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Essa preocupação está presente
nas primeiras pessoas a entrar no local, porque abrem as janelas e alguém
vai fechar as bilhas de gás.
Mas, de certeza, que não era gás, porque se tivesse estado durante
aquela noite toda, durante aquele período, com o funcionamento ali perto
de um frigorífico, aquilo, provavelmente, teria terminado numa explosão.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Coordenador, apenas uma
pergunta que tem que ver com o perito médico que fez o relatório destas
autópsias, Dr. Fernando Fonseca, que já foi ouvido numa Comissão de
Inquérito de Camarate e que disse que não se recorda de lhe ter passado o
exame histológico pelas mãos, contrariando o que é normal, que era ter tido
conhecimento.
Assim, se ele, que foi o médico que fez as autópsias, não se recorda
de lhe ter passado o exame histológico pelas mãos, o senhor pode dizer-nos
se se recorda de esse relatório lhe ter sido entregue?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — A quem? Ao Doutor? Não posso
garantir nada disso.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — As botijas de gás eram de gás
butano?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Eram gás de garrafa.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O gás butano tem monóxido de
carbono?
O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Não, não tem. O monóxido de
carbono é produzido por uma má queima de um aparelho.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Só por isso?
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O Sr. Eduardo Dias da Costa: — Sim, não há produção industrial.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Representantes dos
Familiares das Vítimas, não havendo mais perguntas só me resta agradecer
ao Sr. Coordenador Superior Eduardo Dias da Costa os esclarecimentos
que nos deu, a disponibilidade que teve em responder a todas as questões e
da forma clara como o fez e, mais uma vez, a sua presença aqui.
Pausa.
Srs. Deputados, as audições marcadas para amanhã de manhã serão,
por princípio, à porta fechada.
Colocou-se aqui a hipótese de as fazer à porta aberta, pelo que
gostava de ouvir os grupos parlamentares sobre esta situação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a
questão foi levantada por mim, porque, por princípio, é o contrário, isto é,
as audições são à porta aberta, pelo que para serem à porta fechada tem de
haver algum fundamento para isso ocorrer e, na nossa perspetiva, essa
avaliação deverá ser feita amanhã.
Todavia, não vemos razão para que, agora, até ao final dos trabalhos,
ocorram audições à porta fechada, a menos que alguém, como deve ser,
argua uma razão para se proceder às audições à porta fechada e a
fundamente para, depois, podermos avaliar a questão, caso a caso.
Portanto, é esta a minha perspetiva.
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O Sr. Presidente. — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente,
compreendo a questão colocada pelo meu colega Deputado Miguel Santos,
mas quando nós requeremos estas audições fizemo-lo como a continuação
das audições anteriores e feitas ao abrigo do mesmo regime que já
decidimos e votámos. Não se nos colocou, sequer, a necessidade de
fundamentar outra vez.
Esta questão foi devidamente debatida e fundamentada na altura,
quer relativamente às audições que foram feitas, quer a uma outra
acareação que ocorreu.
Foi também devidamente ponderada e tida em conta, sem
necessidade de novo requerimento, quando foi do ofício para as
embaixadas, pedindo que se pronunciassem sobre isso — e, aliás, essa
matéria foi de novo recordada até nesse caso contra nós no sentido de que
tinha de ser respeitado esse regime.
Portanto, no nosso entender, uma vez que procuramos apenas
confirmar ou infirmar afirmações que foram feitas já em inquirições
anteriores, entendemos que estas audições devem decorrer ao abrigo da
deliberação que foi tomada quanto à forma como ouvimos estas pessoas.
Agora, a memória pode trair-me, mas creio que foi uma deliberação
tomada quanto às inquirições dessas pessoas, deliberação essa
fundamentada e analisada, na altura, face à lei dos inquéritos parlamentares
e a outras questões que me dispenso de recordar.
Portanto, no meu entender, estas audições devem decorrer no mesmo
regime jurídico que decorreram as anteriores.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr. Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, esta questão deverá
ser discutida com a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, que é a coordenadora.
Pela minha parte, e creio que não temos exatamente a mesma
posição, acho que é bom relembrar que nós decidimos a audição à porta
fechada até por uma questão de prestígio da Assembleia dadas as pessoas
que iam ser inquiridas.
Infelizmente, penso que esta questão da porta fechada protegeu
teoricamente o prestígio da Assembleia, mas também veio atribuir uma
espécie de credibilidade a estas pessoas que fizeram figuras absolutamente
lamentáveis nesta Comissão, sendo que tivemos de assistir a episódios
absolutamente vergonhosos onde, provavelmente, à porta aberta a opinião
pública teria a noção das figuras e dos propósitos que foram aqui tidos.
Portanto, eu, pessoalmente, não veria nenhum inconveniente, sei que
a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, ainda na ideia do prestígio da Assembleia, e
porque sabemos que estas pessoas adoram protagonismo e querem
aproveitar todas as ocasiões para ter protagonismo, considera que se deve
defender a Assembleia e eu não me vou opor a isso, mas quero que fique
claro aqui com a porta aberta e em registo que estamos a fazer isso, mas
não significa, nem pode significar, uma credibilização destas pessoas se
elas continuarem a vir fazer as figuras que fizeram da outra vez.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, nós já
tivemos este debate e eu gostava de dizer, em nome do CDS, o seguinte: se
votámos a favor do regime da porta fechada foi ponderando, única e
exclusivamente, o interesse do próprio inquérito parlamentar e a utilidade
das audições, porque para espetáculos de circo não teria a menor utilidade.
Portanto, repito, foi ponderando, única e exclusivamente, esse interesse que
nós votámos.
Quanto ao grau de credibilidade ou não credibilidade que daí resulta
creio que não resulta nenhum em especial e isso caberá à Comissão e ao
relatório final avaliar e ponderar o que cada um de nós entender.
Eu dispenso-me de, antes do inquérito acabar, declarar qualquer
posição a esse respeito, mas creio que, em homenagem ao interesse do
inquérito parlamentar, única e exclusivamente disso, e à seriedade do
processo, se mantém todas as razões que foram devidamente ponderadas
pela Comissão com maior participação dos grupos parlamentares do que
agora temos e que esse regime continua a afetar o depoimento dessas
pessoas.
Houve, também, testemunhas que requereram ser ouvidas até com
proteção do anonimato e isso foi sempre mantido relativamente a essas
pessoas que depuseram, até em comissões anteriores, com proteção da
confidencialidade da sua identidade, e isso foi sempre entendido como
matéria que era tão objetiva que vinculava até as comissões subsequentes.
Portanto, a meu ver, é a mesma normalidade processual que se aplica.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Julgo que o regime normal de
audições à porta fechada deve decorrer das próprias pessoas que vêm cá
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prestar os seus depoimentos solicitarem que isso aconteça por questões que
depois arguem e que têm de fundamentar para nós podermos avaliar.
De facto, nestes casos aconteceu uma coisa diferente, que foi a
Comissão, pelos motivos que os Deputados José Ribeiro e Castro e Inês de
Medeiros já referiram, entender fazer uma avaliação e, como resultado
dessa avaliação, fazer uma audição com reserva, digamos assim, à porta
fechada.
Julgo que o que está em causa, e ao que o Sr. Deputado José Ribeiro
e castro se está a referir, são as três pessoas que vêm cá amanhã logo de
manhã: o Sr. Fernando Farinha Simões, o Sr. José Esteves e o Sr. Carlos
Miranda.
Sobre a credibilidade destes senhores cada um terá a sua opinião,
como é evidente. Aliás, eu também tenho a minha opinião sobre a
credibilidade deles e até posso partilhá-la, porque não faço segredo disso,
dizendo que acho que a credibilidade deles está pelas ruas da amargura, na
minha opinião, na avaliação que eu faço.
Mas deixem-me dizer-vos que também passaram por aqui várias
pessoas a prestar depoimentos, inclusive hoje, cuja credibilidade, na minha
opinião, se não me levaram a mal que a partilhe convosco, também está
pelas ruas da amargura; pior do que isso e, no entanto, até parecem pessoas
com alguma credibilidade, mas por aquilo que eu ouvi fiz a minha
construção e a minha avaliação.
Portanto, a questão que aqui se coloca é se, com base nos argumentos
do Deputado José Ribeiro e Castro, ainda se faz uma avaliação sobre os
pressupostos que nos levaram na altura a tomar a decisão de fazer as
audições com reserva, à porta fechada.
Assim, eu julgo que é essa avaliação que tem de ser feita. Os Srs.
Deputados entendem que esses pressupostos se mantém? Que o tal
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argumento de proteção deve continuar a existir e que, depois, de termos
ouvido estas pessoas durante várias horas que esses pressupostos se
continuam a manter?
Se a Comissão entender, se os Grupos Parlamentares do CDS e do
PS entenderem, que a audição deve ser feita com reserva nós
acompanhamos essa posição, porque entendemos que não é uma questão
principal para estar aqui a argumentar, contra-argumentar e fazer finca-
pé…!
Para concluir, e com base nos argumentos utilizados, o que pergunto
é se os Srs. Deputados entendem que os pressupostos se continuam a
manter para se fazer a audição com reserva à porta fechada. Se entenderem
isso nós acompanharemos. Repito, não fazemos questão nesta matéria.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, sobre essa matéria penso
que o problema dos senhores que vamos ouvir amanhã está
proporcionalmente na ordem inversa daquilo a que temos assistido aqui: é
que enquanto os senhores que passam por aqui não se lembram de nada os
outros lembram-se de tudo e de mais alguma coisa e de pormenores que
não batem certos uns com os outros…! É este o problema! É
proporcionalmente inverso.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Os que ouvimos hoje também não
batem certo!
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exato, mas isso é porque quando
chegam cá não se lembram; os outros lembram-se de tudo e mais alguma
coisa!
Põe-se aqui um problema, não tanto da própria credibilidade, porque
acho que isso aí afere como entender, mas aquilo que esteve também no
pressuposto era por termos a noção de que a capacidade de relato dos
acontecimentos feitos por estes senhores, às vezes, excede um bocadinho
aquilo que pode ser a imaginação.
Portanto, era um pouco para acautelar terceiros que, eventualmente,
sejam citados, e lembro-me que isso, na altura, também foi referido, ou
seja, procurar também acautelar, pelo menos da nossa parte — creio que a
Assembleia da República tem essa obrigação —, determinado tipo de
terceiros que, depois, têm de ser chamados para o contraditório e que os
coloca também numa situação muito desagradável.
Portanto, acho que a audição deve ser à porta fechada e se se
entender, depois, a própria Comissão no seu relatório fará nota do que foi
dito.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou voltar
a recordar coisas que já ponderámos.
Primeiro: o facto de ser à porta fechada não quer dizer que não seja
público. Há gravações das audições e também há transcrições das audições
e essas questões serão públicas encerrado este inquérito. Portanto, não há
nenhuma quebra da publicidade normal do funcionamento do Parlamento,
como foi ponderado na altura e eu faço fé que é esse o regime.
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Se nós alterássemos agora a orientação que definimos antes de os
ouvir a primeira vez, então as audições de amanhã teriam um caráter
completamente novo, tornar-se-iam como se fosse uma primeira audição e
não um simples remate, que foi nesse sentido que nós as solicitámos. Isto é,
se amanhã as audições fossem à porta aberta e públicas com transmissão,
nós não conseguiríamos despachar estas audições, como eu tenho
esperança que despachemos, na manhã de amanhã, mas, porventura,
teríamos três dias, três semanas, três meses, de grande espalhafato e a
Comissão Parlamentar de Inquérito não existe para isso.
Portanto, nós, que requeremos, aliás, uma nova vinda destes
depoentes, tínhamos um objetivo preciso que se prende com a confirmação
ou a infirmação de afirmações que fizeram quando da primeira audição.
Assim, uma vez mais, repito, por questões que se prendem, única e
exclusivamente, com a utilidade dos trabalhos da Comissão Parlamentar de
Inquérito e a nossa responsabilidade, que é procurar aportar a verdade que
nos for possível, acho que se deve manter sem alteração o regime
processual que foi decidido relativamente a estas pessoas antes de virem
depor.
Esta audição de amanhã é a continuação das anteriores e, portanto,
será feita exatamente no mesmo regime.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, pelo que percebi da declaração
do Sr. Deputado Miguel Santos, se os dois grupos parlamentares acharem
que os pressupostos não são de alterar, o Grupo Parlamentar do PSD
acompanharia os Grupos Parlamentares do PS e do CDS-PP, o que me
parece ser o caso.
A questão foi-me colocada pelo coordenador do PSD na Comissão,
pelo que eu teria de a trazer ao conhecimento de todos os Srs. Deputados.
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Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Presidente, amanhã está pedido um depoimento à porta
fechada, por pedido do próprio, de alguém que vem aqui por sua própria
iniciativa e que eu conheço de ginjeira e que também anda à procura de
protagonismo, mas essa é outra história.
O Sr. Presidente: — Sr. Engenheiro, agradeço a sua intervenção e
queria dar a seguinte informação: o Sr. Coronel João Santos Fernandes
pediu a audição à porta fechada, que é a última de amanhã, e o Sr. Dr. João
Múrias, cuja audição está agendada para dia 14, terça-feira, também pediu
a audição à porta fechada. São as únicas audições à porta fechada que estão
pedidas por escrito.
Srs. Deputados, declaro encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 11 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
28 de Novembro De 2013
(49.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1.Audições na sequência de novos dados referentes às circunstâncias da
morte de José Moreira e companheira:
Procurador-Geral Adjunto da Procuradoria-Geral da República
(jubilado) Dr. João Dias Borges
Procurador-Geral Adjunto da Procuradoria-Geral da República
(jubilado) Dr. José Ribeiro Afonso;
2. Outros assuntos.
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SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 14
horas e 47 minutos.
O Sr. Dr. João Dias Borges, ex-Procurador-Geral Adjunto da
Procuradoria-Geral da República (jubilado), respondeu aos Srs. Deputados
Pedro do Ó Ramos (PSD), Inês de Medeiros e Isabel Oneto (PS), José
Ribeiro e Castro (CDS-PP) aos Srs. Representantes dos Familiares das
Vítimas Dr. Luís Filipe Rocha e Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso, ex-Procurador-Geral Adjunto da
Procuradoria-Geral da República (jubilado), respondeu aos Srs. Deputados
Isabel Oneto (PS), Raúl de Almeida (CDS-PP) e Pedro do Ó Ramos (PSD)
e ao Sr. Representante dos Familiares das Vítimas Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Está aberta a reunião.
Eram 14 horas e 47 minutos.
Srs. Deputados, começo por dar as boas-vindas e por agradecer a
presença do nosso depoente, o Dr. João Dias Borges, Procurador-Geral
Adjunto (jubilado), a quem peço que se identifique, para ficar registado em
ata.
O Sr. Dr. João Dias Borges (ex-Procurador-Geral Adjunto da
Procuradoria-Geral da República): — João Dias Borges, 72 anos de idade,
residente na Rua Manuel Teixeira Gomes, n.º 9, 10.º Direito, Carnaxide.
O Sr. Presidente: — Informo que «A Comissão de Inquérito
Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal das
causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu a
morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…)».
Informo ainda o Sr. Procurador que o depoimento é feito sob
juramento, nos termos do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo
Penal, pelo que pergunto ao Sr. Procurador se jura dizer a verdade.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Juro dizer a verdade.
O Sr. Presidente: — Informo-o ainda de que, se prestar depoimento
falso, pratica o crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º
do Código Penal, punido com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
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Dou ainda conhecimento da grelha de tempos: a 1.ª ronda é de 5
minutos por grupo parlamentar e por representantes dos familiares das
vítimas, que será de pergunta e resposta direta; a 2.ª ronda é de 3 minutos
por grupo parlamentar e por representantes dos familiares das vítimas; e a
3.ª ronda é de 2 minutos a cada Deputado e a cada representante dos
familiares das vítimas que queiram colocar mais alguma questão.
Pergunto ao Sr. Procurador se pretende fazer uma intervenção inicial.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não pretendo fazer qualquer
intervenção.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, dou a palavra ao Sr. Deputado
Pedro do Ó Ramos, do PSD.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Procurador, é
um gosto tê-lo nesta Comissão e muito obrigado por estar presente.
A audição do Sr. Procurador foi requerida por ter tido em mãos uma
investigação à morte do Sr. José Moreira e sua companheira, num
apartamento em Carnaxide, investigação esta que resultou de uma
recomendação feita pela IV Comissão de Inquérito à Tragédia de Camarate,
denunciando efetivamente algumas incongruências em relação à primeira
investigação que foi feita aquando da morte destas pessoas.
Gostaríamos que o Sr. Procurador nos falasse um pouco dessa
investigação, salvo erro, de 1992.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Creio que aqui há um lapso.
A investigação que fiz, ou, melhor, um inquérito, com o meu colega
que também está para ser ouvido, o Dr. José Ribeiro Afonso, é na
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sequência de uma CEIAC (Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de
Camarate) que imputava determinadas deficiências quer à Polícia
Judiciária, quer ao Instituto de Medicina Legal, quer mesmo, salvo erro, ao
LNETI. Essas conclusões foram enviadas para o Sr. Ministro da Justiça —
tanto quanto me recordo, porque, decorridos vinte e tal anos, há já muitas
coisas de que não me recordo —, que proferiu um despacho a solicitar à
Procuradoria-Geral da República que averiguasse da atuação destas duas
instituições que dependiam, hierárquica e disciplinarmente, do Sr. Ministro
da Justiça, ou seja, a Polícia Judiciária, de um lado, e o Instituto de
Medicina Legal, do outro. Recebida essa solicitação na Procuradoria-Geral,
foi designada uma equipa para proceder ao inquérito, com objetivos
disciplinares, sobre a atuação da Polícia Judiciária e do Instituto de
Medicina Legal.
A parte correspondente à atuação da Polícia Judiciária foi distribuída
ao meu colega José Ribeiro Afonso. A parte da atuação do Instituto de
Medicina Legal foi atribuída a mim e a investigação era coordenada pelo
então Vice-Procurador-Geral da República, hoje já falecido, o Dr. Dias
Bravo.
Portanto, o objeto do inquérito não era, de modo algum, apurar das
circunstâncias quer da tragédia de Camarate, quer do caso do Sr. José
Moreira. Não era isto que averiguava mas, sim, a eventual responsabilidade
disciplinar dos intervenientes da Polícia Judiciária e do Instituto de
Medicina Legal naquele dossier.
Portanto, quaisquer que fossem as nossas conclusões seriam sempre,
como foram, no âmbito disciplinar. Não havia qualquer possibilidade de a
comissão de inquérito a que pertenci ter qualquer intervenção na
investigação da morte, apenas fomos ver a intervenção da Polícia Judiciária
de um lado e do Instituto de Medicina Legal do outro. Não é perfeitamente
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correto dizer-se que fomos encarregados de apurar as circunstâncias em
que ele faleceu.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Agradecemos a precisão do Sr.
Procurador, mas a questão vem na sequência desse dossier. Esse inquérito é
levantado porque se percebeu que, de facto, houve insuficiências e
incongruências no âmbito dessa investigação, razão por que se avança com
a questão de eventuais procedimentos disciplinares.
Pergunto, Sr. Procurador: a investigação foi mal feita? Para se chegar
à conclusão quer do Instituto de Medicina Legal quer da Polícia Judiciária,
é porque a investigação daquelas duas mortes foi mal feita?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Pergunta-me se eu entendo que foi
mal feita.
As conclusões a que chegámos sobre o modo de atuar quer de uma
das instituições quer das outras instituições foram vertidas no relatório
final, que, depois, foi introduzido num processo de inquérito disciplinar e
foi enviado ao Sr. Ministro da Justiça. O Sr. Ministro da Justiça apreciou o
relatório respetivo, como, provavelmente, também apreciou todo o dossier
em papel que o acompanhava, e, tanto quanto me parece — agora já não
me recordo e não sei se, porventura, tive conhecimento da decisão —,
acolheu as nossas conclusões.
Portanto, isto significa que na vertente meramente disciplinar se
entendeu (entendemos, nós, comissão) que não havia sido cometida
nenhuma infração disciplinar por nenhum dos intervenientes nessa
investigação.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Na altura, aquando da primeira
investigação e da autópsia, os resultados histológicos não eram conhecidos.
Aliás, esses resultados, essas análises apareceram mais tarde.
Há pouco tempo, estiveram nesta Comissão o Presidente do Instituto
de Medicina Legal da altura e uma técnica a confirmarem que, a coberto de
uns novos estudos histológicos, houve, de facto, rutura dos septos
pulmonares, dos alvéolos pulmonares, o que vem demonstrar que era
impossível haver uma morte por, vulgo, descarga ou eventualmente de
gases libertados pelo esquentador. Ou seja, teria de haver uma ação
mecânica para conduzir à morte aquelas duas pessoas.
Esses estudos histológicos, em 1992, eram conhecidos. Não foram
conhecidos aquando da realização da autópsia, mas em 1992 já eram.
Portanto: por que é que esses estudos não foram tidos em atenção? Por eu é
que não foi mandado reabrir o processo, uma vez que na altura não havia o
caso da prescrição, que, neste momento, provavelmente já exista?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Quero fazer o seguinte
esclarecimento aos Srs. Deputados: eu já não me recordo propriamente de
qual foi o objeto da parte em que fui encarregado de averiguar.
Ao falar hoje com o meu colega Dr. Ribeiro Afonso disse-lhe que
não me recordava nada de ter feito a investigação sobre este caso concreto
do Sr. José Moreira. Não me recordo disto! Recordo-me de alguns
episódios de outro âmbito, designadamente das autópsias dos acidentados
em Camarate, mas, deste caso em concreto, não me recordo. Não me
recordo!
O Sr. Deputado perguntou-me agora se, porventura, esses elementos
eram conhecidos. Eu não sei se eram conhecidos. Não sei, não me recordo!
Mas, de todo o modo, quer fossem ou não, o que estávamos a averiguar era
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a responsabilidade disciplinar de quem fez as autópsias, não propriamente
com o eventual efeito que pudesse ter do respetivo processo-crime, se é que
existiu. Não sei, não me recordo! Não sei, nem tenho de saber se existiu o
processo-crime em concreto sobre a morte do Sr. José Moreira.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Claramente que já passaram
muitos anos, mas os Sr. Procurar, no relatório que fez e nas suas conclusões
finais, fala desta questão. Fala também da questão das autópsias de
Camarate, mas fala concretamente da questão da morte do José Moreira,
mencionando «(…) resultar inconsistente a explicação para a morte de José
Moreira e companheira, inalação de gás, produto de má queima de um
esquentador; poder a morte ter sido provocada por introdução de um gás
sob pressão no nariz e boca, (…)». Portanto, é o Sr. Procurador quem
levanta todas essas questões; ou seja, o âmbito também seria este.
Quanto à questão dos exames histológicos, eles estão datados de 7 de
abril de 1983, e o Sr. Procurador menciona que esses exames não foram
levados a conhecimento do perito médico tanatologista e que este tenha
feito algum comentário sobre os mesmos, ou seja, já eram conhecidos.
Portanto, o Sr. Procurador, em 1992, sabia da existência desses
exames e tanto o Sr. Prof. Nuno Vieira como, salvo erro, a Sr.ª Prof.ª Rosa
mencionaram-nos aqui, numa audição, e do ponto de vista científico foram
categóricos, que não conheciam nenhum caso em que, existindo a tal rutura
que há pouco mencionei, isso pudesse ocorrer por alguma fuga de
esquentador, para além de terem mencionado que a consequência de ter
sido encontrado gás butano ou gás propano seria totalmente diferente.
Esta Comissão estranha o facto de, sendo já conhecidos esses exames
em 1992, apesar de efetivamente estar concentrado numa questão
disciplinar, a Procuradoria não dizer de alguma maneira: «Atenção, há aqui
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um facto novo e este facto novo pode merecer a reabertura do processo». A
Procuradoria não podia dizer isto?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Como o Sr. Deputado sabe, a
reabertura de um qualquer processo criminal tem um procedimento próprio.
Quando se está a fazer uma averiguação sobre a responsabilidade
disciplinar, essa questão passa ao lado do respetivo inquiridor. Eu, pelo
menos, não sabia que elementos estavam no respetivo processo-crime, que
provavelmente existiu, mas houve um processo de inquérito na altura.
Aliás, não sei se já era inquérito ou se era instrução preparatória, já não me
recordo bem, mas houve um processo que foi aberto. Ora, todos esses
elementos a serem carreados era para lá, e nós estávamos a fazer um
inquérito sobre a responsabilidade disciplinar e não propriamente a fazer
uma averiguação ou uma avaliação do modo de decisão sobre aquele
processo-crime.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Nessa averiguação disciplinar,
para chegarem a alguma conclusão, tiveram de conhecer a substância do
caso, ou seja, o conteúdo da investigação.
Pergunto: tendo conhecimento desse conteúdo e de que efetivamente
houve dados que não foram tidos em atenção na investigação, o Sr.
Procurador não podia dizer: «Atenção, eu tenho só a questão disciplinar a
meu cargo, mas parece-me que existem aqui factos relevantes que
eventualmente devem merecer uma análise para ver se realmente se
justifica uma reabertura do processo»?
O Sr. Procurador, para saber se há moldura disciplinar ou não, tem
de conhecer as insuficiências e os pormenores da investigação, e, no âmbito
dessa investigação, teve conhecimento desses factos. Pergunto se os factos
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não foram relevantes para merecerem de facto uma atuação diferente por
parte da Procuradoria.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Em relação à parte que eu entendi
que era relevante, tomei as respetivas iniciativas. Que me recorde, não tive
nenhuma iniciativa vocacionada para qualquer dos processos.
Não tenho de memória de ter tido qualquer iniciativa relativamente
aos processos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Dou a palavra à Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar o Sr. Procurador e por agradecer, desde já, a sua presença
nesta Comissão de Inquérito.
Já percebi a correção que o Sr. Procurador quis trazer aqui, logo de
início, ou seja, que este seu relatório é, no fundo, para avaliar, em função
das conclusões que tinham sido trazidas pela Comissão de Inquérito ao
Acidente de Camarate — ainda era esta a designação utilizada na
designação das comissões —, se o comportamento do Instituto de Medicina
Legal e da Polícia Judiciária, o Sr. Procurador e os seus colegas, tinha sido
correto ou não, não foi tanto para avaliar o caso em si mas para avaliar o
funcionamento destas duas entidades. É isto?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — De algum modo, sim. De algum
modo é para avaliar, mas não é uma questão totalmente de erro, porque há
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erros técnicos que não são geradores de responsabilidade disciplinar, como
provavelmente a Sr.ª Deputada sabe.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, é para avaliar e para,
depois da avaliação feita, fazer, no fundo, uma segunda avaliação, afim de
ver quais é que são sujeitos a recriminações ou a consequências, para ver se
há processos disciplinares ou não. Há sempre uma avaliação à partida,
imagino.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Há sempre uma avaliação sobre a
atividade de qualquer dos agentes, para se saber se têm ou não
responsabilidade disciplinar.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O que significa que teve de estudar
com atenção a forma como tanto a Polícia Judiciária como o Instituto de
Medicina Legal agiram na sua investigação.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Temos de averiguar como é que eles
agiram na sua investigação, na sua atuação. Certo.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E tentar perceber se as conclusões
a que chegam são sustentadas ou não por dados fornecidos pela
investigação.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não é forçoso, porque a intervenção
de uma perícia, em termos de processo penal, tem, na sua essência, como
pressuposto, de que o magistrado não tem conhecimentos técnicos para
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averiguar, ou não, do bem fundado da perícia. E, por regra, os elementos,
as conclusões periciais são aceites pela entidade judiciária.
Portanto, em termos de processo disciplinar, aquilo que por regra o
perito faz, como especialista que é, tem o pressuposto de que estará a atuar
com correção em termos técnicos. Eu não teria nunca conhecimentos para
saber se ele teria, ou não, atuado, em termos técnicos, com total correção
nas autópsias.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Vamos ver, então, se entendi bem.
O Sr. Procurador cita no seu relatório, e bem, o despacho final do
magistrado do Ministério Público em relação a este caso. E o que eu acho
surpreendente é que, nas conclusões deste despacho final, descreve-se a
cena onde foram encontradas as duas vítimas, que não vou repetir aqui, as
circunstâncias, onde e como foram encontradas — basicamente, descreve-
se a posição dos corpos, onde estavam, se estavam no corredor, se estavam
mais ou menos vestidos —, e depois acrescenta-se, a esta enumeração de
circunstâncias, o facto de não ter havido «(…) desaparecimento de
quaisquer valores em dinheiro, fios de ouro, relógios, alianças, à arrumação
da casa, à ausência de lesões, ao sigilo dos encontros, levaram a afastar
(…) a hipótese de homicídio. Restava a morte natural ou a provocada pelos
próprios.»
Lendo isto, eu, que não sou uma especialista, estranho um bocado
esta conclusão. Quer dizer, não é por uma casa está arrumada, não é por
não ter havido roubo, não é por não haver sinais de luta ou por as vítimas
não terem sido agredidas de forma visível que posso, automaticamente,
concluir que não houve homicídio. Ou posso?
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Eu tenho a sensação de que está a
fazer a transcrição de qualquer coisa que não vejo a pertinência em pôr isso
no meu relatório,…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está aqui, no relatório!
O Sr. Dr. João Dias Borges: — … poderá ser, eventualmente, do
relatório do meu colega. No do Instituto de Medicina Legal, não estou a ver
que eu tenha mencionado que estava assim ou assado, isso são coisas da
investigação das circunstâncias do caso. Mas, como lhe digo, já passaram
vinte e tal anos e não me recordo. Não me recordo disso, nós trabalhámos
muitas coisas em conjunto, mas, em princípio, no meu relatório, na parte
que me tocou, há grande probabilidade de eu não ter feito essa afirmação.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — De facto, está citado no seu
relatório — o que tenho aqui é o seu, está assinado por si, e cita este
despacho final. Mas diz-me que não teria posto esta conclusão.
Em contrapartida, há algo que já diz respeito especificamente ao
Instituto de Medicina Legal, que é saber da possibilidade de terem ingerido
gás, de forma acidental ou forçada, e também aqui, e não vou ler
excessivamente, houve aliás vários depoimentos e, inclusivamente, as
declarações do médico-legista Fernando Fonseca, na IV Comissão de
Inquérito, e aí, sim, fazem o objeto do seu próprio relatório.
Resumindo, o que se pode concluir, até dos exames histológicos, é
que a morte teria sido provocada por gás administrado a grande pressão,
tanto mais que o inquérito do Ministério Público como a primeira autópsia
concluíam que se tratava de monóxido de carbono, mas punham a questão
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de ser do gás do esquentador. Ora, o gás do esquentador era gás butano, de
botija, que não tinha monóxido de carbono.
Ou seja, há uma série de contradições flagrantes entre os vários
relatórios, inclusivamente da parte do Instituto de Medicina Legal.
O Sr. Procurador, de facto, põe essas contradições no seu relatório,
analisa com cuidado as declarações do Dr. Fernando Fonseca, não há nada
aqui que diga que não há contradições. De facto, ao lermos o seu relatório,
percebemos que elas existem, mas, em contrapartida, conclui que «As
causas da morte mostram-se corretamente determinadas, em termos
médico-legais, não sendo adequado atribuir aos exames médico-legais
qualquer correlação para se considerar que a explicação das mortes de José
Moreira e companheira resultam inconsistente.» Ou seja, que todas as
outras hipóteses que não sejam a do acidente são inconsistentes. Não sei se
fui muito clara, mas estou a tentar ser o mais clara possível.
Ou seja, há contradição nos exames feitos pelo Instituto de Medicina
Legal, entre as primeiras conclusões e as segundas conclusões, vindas dos
exames histológicos, que demonstram que a morte só podia ter sido
causada por indução de gás sob pressão. Esta contradição é referida no seu
relatório, mas, apesar de tudo, considera que os primeiros exames do
Instituto de Medicina Legal, aqueles que determinam que foi acidente, são
os corretos.
Pode explicar-nos porquê?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Como lhe digo, tenho de invocar de
novo o tempo decorrido, pois não me recordo do caso em concreto da
autópsia do Sr. José Moreira. Não me recordo.
Agora, não se pode ler o relatório só por si, porque o relatório não é
mais do que a síntese do que está no respetivo processo de inquérito que foi
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feito. É que não tivemos só os dados que tinham passado por uma das
comissões de inquérito, ouvimos também as diversas pessoas,
designadamente aquelas que procederam às autópsias. Não me recordo
nada dessa parte, de ter feito essa referência.
Pergunta-me se eu tenho alguma explicação, eu não tenho
explicação. O que posso dizer é que as conclusões a que cheguei da parte
que averiguei foram depois triadas pela entidade que havia solicitado esse
inquérito, no caso era o Ministro da Justiça, que concordou com uma coisa
ou concordou com outra — e também não me recordo do despacho que
proferiu —, que era a quem cumpria, ele é que tinha o poder disciplinar, ou
concordar com as conclusões ou, porventura, discordar delas. O objetivo
foi esse, foi um objetivo disciplinar e não propriamente saber se a causa da
morte teria sido aquela ou outra qualquer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Começo por cumprimentar todos os
presentes e o Dr. João Dias Borges e agradecer-lhe a sua presença nesta
Comissão.
O Sr. Dr. João Dias Borges foi encarregue de proceder a um
inquérito disciplinar, a uma investigação disciplinar na sequência de um
processo de inquérito. Certo?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não! Foi um processo de inquérito
disciplinar na sequência de um relatório de uma comissão de inquérito da
Assembleia da República.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exato.
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A questão que coloco vem a propósito de uma afirmação que o Sr.
Dr. João Dias Borges fez há pouco: o pressuposto das perícias.
Precisamente porque a prova pericial é uma prova que exige
conhecimentos técnicos relativamente ao objeto está excluída até da livre
valoração do julgador. Mas ele pode discordar dos pressupostos, aquilo de
que o julgador não pode discordar é das conclusões. Mas pode discordar
dos pressupostos a partir dos quais a perícia é feita. E, se lermos a
jurisprudência, vemos que é exatamente isso que acontece.
Podemos não estar de acordo, podemos não contrariar as conclusões
ou, para as contrariar, temos de ter outras conclusões que as contrariem,
mas posso dizer que não concordo com os pressupostos a partir dos quais
aquela perícia foi efetuada, e, portanto, as conclusões estão viciadas e é por
aqui que, muitas vezes, se discorda das perícias.
Quando teve de fazer o processo disciplinar teve de averiguar a
conformidade do comportamento, relativamente àquilo que era o padrão
normal de conduta num determinado processo, para saber se houve ou não
infração disciplinar, se houve negligência, pelo menos, relativamente ao
comportamento, à conduta, daquela pessoa que estava obrigada a agir de
uma outra maneira.
Pergunto: lembra-se exatamente de todo o contexto em que fez esse
processo disciplinar, analisando os pressupostos a partir dos quais foram
feitas as perícias?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Já há pouco afirmei que não me
recordo, designadamente desta questão em concreto, da vítima José
Moreira, não tenho ideia sequer de ter feito a averiguação, mesmo em
termos de Instituto de Medicina Legal.
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Hoje, não recordo, em concreto, os pressupostos de que parti, a
averiguação, etc. Não me recordo! Vinte e um anos depois e com tantos
casos de acidentes. Realmente, não me recordo disso!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Doutor, então, vou só pedir, para
nos situarmos…
O Sr. Presidente: — Peço que seja curtinha, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Vou ser muito curtinha, Sr. Presidente.
Relativamente a este processo, do que é que se lembra quanto à sua
intervenção?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Do processo de José Moreira,
quanto à minha intervenção, não me lembro de nada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, começo
por cumprimentar o Sr. Procurador Dr. Dias Borges e agradecer a sua
comparência perante esta Comissão de Inquérito.
Começo por pedir ao Sr. Procurador que se lembre, uma vez que é
nisso que se baseiam as diligências desta Comissão de Inquérito, no facto
de as pessoas conseguirem recordar-se das matérias sobre as quais
baseamos as perguntas.
Esta é uma matéria que creio ser dificilmente apagável, porque é uma
circunstância controversa. É um ato importante num quadro de alguma
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controvérsia que existiu a partir de certa altura entre a Assembleia da
República e o Ministério Público, uma vez que, justamente, havia uma
divergência, que se manteve até ao final, entre o que foram as conclusões
oficiais do Ministério Público, que persistiu sempre em não acusar ninguém
no processo de Camarate, e da Assembleia da República, que, inquérito
sobre inquérito, entendeu sempre que havia matéria para acusar. Portanto,
era uma matéria contenciosa.
Assim, pergunto-lhe, Sr. Procurador, se, quando lhe foi pedido ou
determinado que fizesse este inquérito, este relatório, recebeu algumas
instruções para divergir da Assembleia da República ou se pôde apreciar a
matéria com total liberdade, isenção e desprendimento, sem nenhuma
instrução fosse do Ministério Público ou de qualquer entidade.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não recebi qualquer instrução e se,
porventura, alguém tivesse tentado dar alguma instrução, obviamente que
eu não a aceitaria.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Procurador, este
inquérito, que versou sobre o conjunto de autópsias relativas ao processo de
Camarate — havia duas, mais propriamente as autópsias das vítimas do
desastre de Camarate, da tragédia de Camarate, e, depois, as autópsias deste
caso, que é um caso separado mas que pode ter conexão com a questão de
Camarate pelas circunstâncias que já foram afloradas nesta audição…
Neste incidente específico, da morte do José Moreira e da sua
companheira, sempre que revisitamos a matéria, não deixa de impressionar
o facto de haver um conjunto de elementos do processo que apontam para o
possível incumprimento de um crime, porque nada bate certo. Quem
consulta os indícios — enfim, a posição dos corpos, encenando a prática de
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um ato sexual, o esquentador que, afinal, funcionava e não podia produzir o
excesso de monóxido de carbono… Quer dizer, há uma série de
circunstâncias, quer factuais quer da prova médico-legal que foi sendo
reunida, que apontam para uma encenação.
Pergunto se, quando examinou esta matéria, apenas se debruçou
sobre a questão das autópsias e dos exames histológicos ou se também
avaliou o contexto geral que acabo de referir. Pergunto se, como
magistrado, não o impressionou a fragilidade aparente com que o caso
tinha sido tratado.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Volto a repetir que, realmente, não
me recordo deste caso em concreto nem, mesmo, de toda a envolvência,
mas cumpre-me dizer que, ao fazer este inquérito, só me terei atido à parte
da atuação do Instituto de Medicina Legal e não propriamente a toda a
envolvência. Não tenho ideia nenhuma de, alguma vez, ter consultado este
processo, que estaria no Ministério Público ou no Juízo de Instrução
Criminal. Não me recordo, mas, em princípio, não terei consultado o
processo.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Enfim, quanto às vítimas
de Camarate, sabíamos do que se tratava, eram vítimas da queda de um
avião. O Sr. Procurador, ao examinar este caso, sabia que as suspeitas eram
de que tinha sido uma morte acidental, como foi a conclusão oficial da
Polícia Judiciária na altura, ou de que tinha sido um crime de homicídio,
aliás, dois crimes de homicídio e, portanto, um crime particularmente
grave.
Sabia disto e, portanto, não fazia apenas um exame técnico sobre um
relatório, que tinha uns exames histológicos, examinava um caso que tinha
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interesse para a descoberta da verdade sobre se tinha havido dois
homicídios ou se tudo tinha sido um acidente de intoxicação.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Que me recorde, não me debrucei
sobre essa perspetiva. O que me cumpria averiguar era se a atuação do
Instituto de Medicina Legal e das pessoas que, então, terão feito as
autópsias tinham, ou não, cometido a infração disciplinar. Terá sido só
sobre esta perspetiva, tanto quanto me lembro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Procurador, não vou
contestar o que está a dizer-me, mas, enfim, há conclusões que estão
formuladas e que não são expressas, do ponto de vista da responsabilidade
disciplinar, nem dos médicos que fizeram as autópsias ou de quem tenha
feito os exames histológicos. Não é isto que está a ser valorado, o que está
a ser valorado é a verdade material em si própria.
Por exemplo, o Sr. Procurador afirma: «As percentagens de
monóxido de carbono encontradas no Eng.º José Moreira e companheira,
não são susceptíveis de alterar as conclusões médico-legais levadas aos
relatórios autópticos, não sendo fundamento para, a partir delas, se poder
concluir pela morte acidental ou não.» Ainda há dias tivemos aqui peritos
médico-legais que nos declararam exatamente o contrário, que as simples
percentagens encontradas eram suficientes para pôr em dúvida a morte por
intoxicação.
Portanto, não se está a valorar a responsabilidade disciplinar de quem
fez, está-se a confirmar uma morte acidental. Assim como antes, «Nem o
Dr. Fernando da Fonseca declarou que a morte poderia ter sido provocada
por introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca, como se fosse
uma máscara para anestesia, nem essa hipótese (…) tem o mínimo
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fundamento em dados objetivos (…)», aqui foi-nos declarado exatamente o
contrário, que os exames histológicos e, nomeadamente, o rebentamento
dos alvéolos indiciam exatamente isso.
Portanto, o que está a ser relevado não é a responsabilidade
disciplinar do médico que foi negligente ou competente, não é isto que
estamos a examinar, mas a própria verdade material da causa da morte do
Eng.º José Moreira e da sua companheira. É isto que está aqui a ser feito.
Por isso é que pergunto se o Sr. Procurador, ao fazer este relatório,
necessariamente, teve de ultrapassar o plano da mera apreciação da
competência ou incompetência, para efeitos disciplinares, de quem fez
estes exames.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Invoco, de novo, o facto de não me
recordar, mas, de todo o modo, devo que o que avaliei naquele momento
em concreto em que produzi o relatório e retirei as conclusões foi a
responsabilidade disciplinar dos médicos-legistas do Instituto de Medicina
Legal.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Procurador, se, num
inquérito sobre determinada matéria, inclusive numa perspetiva disciplinar,
detetasse que a matéria que estava a apreciar apontava, de uma forma
gritante, para a prática de um crime de homicídio e não para uma morte
acidental, qual era o seu dever, do ponto de vista oficioso? Se, no exame de
um processo, o Sr. Procurador detetasse que a prova que se desenvolvia
diante dos seus olhos apontava gritantemente para a existência de um crime
mal investigado, qual era o seu dever oficiosamente? O que é que
oficiosamente deveria fazer, mesmo que o processo em que estivesse a
atuar tivesse apenas a finalidade disciplinar?
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Oficiosamente, o que a lei impõe é
dar notícia de um crime. A partir do momento em que o facto em si,
enquanto crime abstrato, está noticiado, só se eu fosse superior hierárquico
é que poderia tomar uma atitude, porque, ao fazer uma averiguação, não
tinha, forçosamente, de tomar qualquer posição oficiosa sobre essa questão.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — O Sr. Procurador ao
detetar que havia um crime mal investigado não teria, oficiosamente, que
participar e tomar iniciativa para que ele fosse devidamente investigado?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não teria. Em termos legais, não
teria de tomar essa iniciativa, porque o modo de reagir às decisões
processuais criminais está regulamentado no Código do Processo, segundo
o qual, são as partes ou o superior hierárquico que podem, realmente,
intervir, e eu não era superior hierárquico. Ao fazer este inquérito, eu não
era superior hierárquico de qualquer dos magistrados.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, nesta
altura, nada mais tenho a perguntar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Boa tarde, Sr. Procurador Dias
Borges.
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O Sr. Procurador já invocou aqui bastantes vezes que não se recorda
de nada e que sobre a morte do José Moreira então é que não se recorda
mesmo de nada.
O seu relatório de inquérito, o relatório final do processo de inquérito
ao Instituto de Medicina Legal sobre as autópsias do Eng.º José Moreira e
companheira tem 28 páginas.
O Sr. Procurador não quis avivar a memória, antes de aqui chegar,
relendo o seu próprio relatório?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Eu não dispunha do relatório para
avivar a memória.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mas poderia tê-lo pedido.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não sei a quem. Se, porventura, era
para ser interrogado sobre uma questão do meu próprio relatório, os
elementos… Eu fui convocado para vir a esta audição há dois dias, salvo
erro, e nem sequer sabia sobre o que vinha ser, realmente, instado.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
Sr. Presidente, solicito um bocadinho de paciência, mas vou ter de
citar algumas passagens do relatório do Sr. Procurador, uma vez que não se
lembra de nada.
Primeira questão: Sr. Procurador, na pág. 92 do seu relatório,
depois…
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O Sr. PedrodoÓ Ramos (PSD): — Sr. Presidente, peço desculpa,
mas gostaria de dar uma sugestão.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. PedrodoÓ Ramos (PSD): — Sr. Presidente, como vamos ter
a seguir a audição com o outro Procurador, se concordarem, fornecemos o
relatório ao Sr. Procurador para ele o ir ler e, depois, voltaríamos a ter uma
conversa.
Se o Sr. Procurador concordar…
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Procurador.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — O relatório só por si, lê-lo sem ter os
elementos em que me baseei para o produzir,…
O Sr. PedrodoÓ Ramos (PSD): — Não adianta!
O Sr. Dr. João Dias Borges: — … adiantará pouco. Poderá, quanto
muito, reavivar-me alguma memória.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Procurador, de qualquer das
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formas, li com atenção o seu relatório e vou colocar-lhe algumas questões,
citando passagens do relatório que, entendo, contém inexatidões,
incorreções e algumas lacunas, puramente factuais, afirmadas por si.
O Sr. Procurador, em cinco páginas do seu relatório, transcreve um
diálogo entre o Sr. Dr. Fernando Fonseca, o Sr. Augusto Cid, a Sr.ª
Deputada Cecília Catarino e o Prof. Xavier de Brito e, subitamente, para
com a transcrição de cinco páginas e diz: «Na instância continua-se com
perguntas e respostas sobre rupturas dos alvéolos pulmonares…» e,
curiosamente, não transcreve essas respostas, que estão na mesma página,
onde a última citação que o Sr. Procurador fez no seu relatório se encontra.
E essas respostas do Dr. Fernando Fonseca são: «Se houvesse rupturas,
haveria a mesma coisa que há, por exemplo, nos afogados, ou seja,
pequenas hemorragias justamente pelo rebentamento dos alvéolos
pulmonares.»
Na página seguinte: «(…) devo dizer…» — continua o Sr. Dr.
Fernando Fonseca — «… que essa pressão provocaria o rebentamento dos
alvéolos e, se as vítimas estavam vivas, provocava hemorragia.» Na
continuação desta audição, o Sr. Dr. Fernando da Fonseca afirma que o que
pode ter provocado a rutura e a distensão foi uma insuflação de gás, ou
seja, um aumento de pressão exterior.
Mais adiante, insistindo na insuflação, o Sr. Dr. Fernando da Fonseca
diz «(…) insuflação é meter ar. Ou seja, é meter uma máscara e despejar aí
ar à pressão». E, finalmente, ao contrário do que o Sr. Procurador afirma no
seu relatório e também do seu colega, o Dr. Fernando da Fonseca afirmou à
Comissão Parlamentar de Inquérito, está nas atas, o seguinte: «Sr.
Presidente, eu já o disse. Poderia ter sido provocado pela introdução de um
gás sob pressão no nariz ou na boca, exatamente como se fosse uma
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máscara para anestesia, tendo havido uma pressão maior que entrou e que
rompeu os alvéolos, ou seja, aqueles saquinhos que há dentro do pulmão.»
Portanto, o Sr. Procurador cita cinco páginas com diálogos da
Comissão e subitamente pára quando se começa a falar da distensão dos
alvéolos e da rutura dos septos.
Mais adiante, invocando também o seu colega Afonso, afirma que
esta afirmação que acabei de ler nunca foi produzida pelo Dr. Fernando da
Fonseca, pelo que gostaria, por favor, que comentasse.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Eu não tenho comentário algum a
fazer! O senhor disse que está aí, assim, o que agora me acabou de ler…
Não comento nada, não tenho nada a comentar!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Na pág. 95 do seu relatório, e ainda
sobre esta questão o Sr. Procurador afirma perentoriamente: «E o que
resulta apurado é que nem a testemunha referiu tal,…», ou seja, as
declarações da testemunha que eu acabei de ler na ata da Comissão
Parlamentar de Inquérito, «… nem elementos há, sequer, a indiciar que a
morte tenha sido provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz
e na boca.» O Sr. Procurador afirma perentoriamente isto, tendo lido as
declarações do Sr. Dr. Fernando da Fonseca que afirma, exatamente, que a
distensão dos alvéolos e a rutura dos septos o que pode indiciar é,
exatamente, a introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca. E,
portanto, lendo exatamente o mesmo que eu li o Sr. Procurador afirma
exatamente o contrário, dizendo que nem o Dr. Fernando da Fonseca
declarou o que ele declarou, nem se pode deduzir que tenha havido a
introdução por gás.
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Quer comentar?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não produzo comentários. Tanto
quanto me parece, não estou aqui para comentar nada. Estou aqui para
responder a perguntas, comentários não faço!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Então, faço-lhe a pergunta: por que é
que tendo lido, exatamente, a declaração do Dr. Fernando da Fonseca a
dizer o que acabei de ler o Sr. Procurador conclui que o resultado apurado é
que a testemunha não referiu o que referiu e que não há hipótese de daí
passar para a insuflação de gás?
Estou a referir-me ao seu relatório. Estou a ler passagens do seu
relatório.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — A entidade a quem apresentei o
relatório concordou ou, eventualmente, não, não sei, não sei qual foi o
resultado… Mas a essa entidade cumpriria concordar ou discordar das
minhas conclusões e da minha proposta.
É a única coisa que posso dizer a este respeito.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O que significa que essa entidade teria
de refazer o inquérito para perceber se o Sr. Procurador o teria feito como
deve de ser. Se estou a acabar de referir frases inteiras do seu inquérito, de
uma série de declarações produzidas por uma pessoa que aqui esteve, que é
o médico que fez as autópsias, que não só não aparecem no seu inquérito
como, em relação a uma delas, à mais importante, o senhor afirma, e o seu
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colega Afonso também, que ele nunca a fez, então, se calhar, a autoridade
que analisou o seu inquérito teria de o refazer todo para perceber isto.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — A entidade que apreciou o meu
inquérito tinha diversíssimas coisas para fazer: ou nos pressupostos em que
baseei as conclusões, porque foi sobre a documentação que constituía o
processo, ou, sobre isso, eu teria tirado más conclusões ou teria feito má
proposta. E, portanto, tiraria daí as respetivas conclusões.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O Sr. Procurador afirma no seu
relatório que as percentagens de monóxido de carbono encontradas nos
corpos das vítimas não são relevantes para se concluir se foi acidente ou se
foi crime.
Todos os médicos que aqui foram ouvidos acharam as percentagens
exageradíssimas para uma morte acidental. O Dr. Fernando da Fonseca, no
relatório da autópsia, logo no dia 19 de janeiro, achou exageradíssimos para
uma morte acidental os níveis de carboxihemoglobina, nos dois, assim
como as duas peritas que fizeram os exames histológicos e que vieram
depor à Comissão Parlamentar de Inquérito, e o Dr. Duarte Nuno Vieira e a
Dr.ª Rosa, que aqui estiveram há cerca de 15 dias. Todos eles mostram uma
enormíssima estranheza sobre a percentagem de 85% no José Moreira e de
75% na Elisabete e todos eles, sem exceção, afirmam que são percentagens
exageradíssimas para uma morte acidental. Porém, o Sr. Procurador, no seu
relatório considera que não.
Pode explicar-me em que é que se baseou para chegar a essa
conclusão?
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Eu não posso explicar em que é que
me baseie para essa conclusão. O que posso garantir é que se retirei essa
conclusão foi na minha convicção, perante os elementos que recolhi no
inquérito a que procedi.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Na autópsia ao Sr. José Moreira, o Dr.
Fernando da Fonseca afirma: «No sangue do cadáver foi revelada a
presença de carboxihemoglobina atingindo a saturação de 85%, bastante
mais elevada que a considerada limite mortal». A mesma coisa é dita no
relatório da autópsia da Elisabete Silva; isto está no relatório da autópsia.
Depois, o Dr. Fernando da Fonseca, afirmou a esta Comissão: «(…)
há monóxido de carbono a mais nas vítimas (…) o monóxido de carbono é
um gás leve, inodoro, insípido, que sobe e que o facto de ter descido,
atingindo uma concentração dessas, é muito estranho».
Portanto, o próprio médico que autopsiou chama a atenção para uma
exagerada percentagem de carboxihemoglobina no sangue das vítimas e
reafirma que é muito estranha a quantidade de monóxido, e não estou a
falar da inspeção que foi feita ao esquentador, que prova, rigorosamente,
que jamais poderia, por muitas horas que todas as torneiras estivessem a
funcionar, chegar a estes níveis de monóxido de carbono. Isto é claríssimo
no relatório da perita do Instituto Ricardo Jorge.
Pergunto: como é que perante estes dados, factuais e científicos, o Sr.
Procurador diz não terem relevância para sequer abrir a porta à
possibilidade de um crime?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Eu não posso ter feito a afirmação
de que não há base para que haja crime. Isso estava para além do objeto da
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minha averiguação, que era meramente disciplinar. Essa afirmação quase
que posso garantir que não a terei formulado!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — «A quantidade de monóxido de
carbono não é um elemento científico que por si só possa determinar se as
mortes resultaram acidentais ou não.», é a sua afirmação. E, de facto, por si
só não chega, mas, por si só, é mais do que suficiente para admitir, como
admitiram as peritas do Instituto de Medicina Legal, como admitiu o Prof.
Fernando da Fonseca, como admitiram os médicos que vieram
recentemente, a hipótese de um crime.
Portanto, a sua afirmação é exatamente esta: «A quantidade de
monóxido de carbono não é um elemento científico que por si só possa
determinar se as mortes resultaram acidentais ou não.»
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sim, e que conclusão é que quer
tirar daí?
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — A conclusão que se tira daqui não sou
eu, são os médicos. É que a quantidade de monóxido de carbono,
independentemente das ruturas dos alvéolos e dos septos, já era, em si
mesmo, um indício para se poder admitir a hipótese de um crime.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Se houvesse a hipótese de um
indício de crime, esse elemento deveria ser carreado para o processo onde
se estava a averiguar o crime. Não foi esse que eu averiguei, como há
bocado respondi ao Sr. Deputado que me fez a pergunta.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O problema é que, efetivamente, o seu
inquérito era exatamente para esclarecer se no Instituto de Medicina Legal
os procedimentos tinham sido todos, digamos, disciplinarmente ou
processualmente regulados.
Há ainda uma outra questão que eu também gostava de trazer à
colação, e esta, sim, parece-me particularmente reveladora. O Sr.
Procurador afirma, a certa altura, que os relatórios dos exames histológicos
— o que é verdade — estão datados de 7 de abril e que foram juntos ao
inquérito preliminar, cuja junção ocorreu no dia em que foram recebidos no
Instituto de Medicina Legal. Sabemos, por si e pelo seu colega Afonso, que
esses relatórios histológicos foram entregues em mão pelas peritas do
Instituto de Medicina Legal ao agente Herculano, que os colocou no
processo nesse mesmo dia. No mesmo dia 11 em que os recebe coloca-os
no processo.
O Sr. Procurador afirma que o perito médico tanatologista, que é o
Dr. Fernando da Fonseca, não se recorda se, na altura, teve conhecimento
dos relatórios histológicos. O médico diz que não se recorda, mas o Sr.
Procurador, no parágrafo imediatamente a seguir afirma: «Certo é que os
relatórios dos exames histológicos deverão ter passado pelo perito
tanatologista, como era prática, e de tal modo que este teve oportunidade de
os verificar».
Portanto, o perito, o Dr. Fernando da Fonseca, diz que não se recorda
de ter visto os exames; os exames, por si, é claramente dito, foram
recebidos em mão no dia 11 e entraram diretamente no processo. Nada aqui
nos diz se o Dr. Fernando da Fonseca no dia 11 de abril estaria no Instituto
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de Medicina Legal, nem isto sabemos, mas o senhor afirma ser certo que os
relatórios passaram por ele.
Mais! Já perto das suas conclusões, volta a dizer: «Os relatórios dos
exames toxicológicos, sendo negativos,…», custa-me a perceber por que é
que são negativos se, ainda por cima, apresentam dados positivos de rutura
de alvéolos e de septos pulmonares, «… foram enviados em aditamento,
com expresso apreço do perito tanatologista». Volta a afirmar que o perito
tanatologista, Dr. Fernando da Fonseca, deu o seu apreço expresso aos
relatórios.
Sr. Procurador, peço-lhe imensa desculpa, mas, de relatórios que são
entregues em mão no dia 11 a um agente que os coloca, provavelmente,
imediatamente no processo e de um médico que diz não se lembrar de os
ter visto, o senhor retira que foi absolutamente certo e que o apreço do
médico é indiscutível para os relatórios tanatológicos?! O médico, em sede
de Comissão Parlamentar, mostrou o seu espanto porque nunca os tinha
visto!
Pergunto-lhe como são possíveis estas afirmações.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Está a fazer-me perguntas sobre
coisas que eu não domino, não tenho o dossier.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não é um dossier! É o seu relatório!
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Se fiz essa afirmação… Esse
relatório é a conclusão de um inquérito com diversíssimas diligências a que
procedi. Fiz a análise do respetivo inquérito e retirei daí as conclusões que
me pareceram pertinentes e que, certamente, são as vertidas no relatório.
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Agora, pergunta-me como é que cheguei a essa conclusão. Está a
dar-me dados, mas eu não sei o que é que estava no dossier que eu instruí e
sobre o qual elaborei esse relatório. Não faço ideia!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, vou terminar, vou
encerrar esta questão.
Não estou a dar-lhe dados, estou a apontar-lhe, humildemente,
contradições suas no seu próprio relatório. Quem diz que os exames
histológicos foram entregues no dia 11 ao agente que os colocou no
processo é o senhor! Quem diz que o Dr. Fernando da Fonseca não se
recorda de ter tido conhecimento dos relatórios é o senhor! E quem
imediatamente diz que é certo que ele teve conhecimento e que teve até o
apreço para os colocar no relatório é o Dr. Dias Borges!
Portanto, não estou a falar das investigações que fez, estou a falar de
contradições, para mim, muito flagrantes, no seu próprio relatório, que são
de uma linha para a outra. Depois, passa-se duas páginas para voltar ao
apreço, mas aqui é de uma linha para a outra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. João Dias Borges.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Se há ou não contradições, a
entidade a quem foi presente o relatório e o respetivo dossier é que as
avaliou… Se concordou ou discordou isso agora não sei, era a entidade…
O Sr. Presidente: — Antes de prosseguirmos a audição, quero
prestar um esclarecimento ao Sr. Procurador.
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Nós contactámos a Procuradoria-Geral da República para autorizar a
vinda do Sr. Procurador à Comissão. Fizemos contactos com o Sr.
Procurador e no ofício da notificação para a vinda do Sr. Procurador a esta
Comissão está bem esclarecido que, como referido no requerimento
mencionado, o presente pedido surgiu na sequência do registo de novos
dados relativos às circunstâncias envolvidas na morte do Sr. José Manuel
da Silva Moreira e companheira, Elisabete da Piedade Silva. Acho que está
bem esclarecido o motivo por que o Sr. Procurador foi chamado à
Comissão.
Se me permitir que retire uma ilação, eu, se fosse chamado a uma
Comissão de Inquérito ou à Procuradoria, ao Sr. Procurador, e se me
dissessem qual era o motivo, estudaria o processo e traria o meu relatório.
Só quero deixar esta nota sobre aquilo que a presidência da
Comissão fez neste caso. Claro que não faço mais comentários, queria só
esclarecer que os dados foram bem indicados. Aliás, devo dizer que muitas
das pessoas que são convocadas para virem a esta Comissão solicitam-nos
mais dados. Porém, neste caso até havia acesso do próprio aos dados dos
relatórios, tanto mais que foi o Sr. Procurador-Geral da República quem
autorizou a vinda do Sr. Procurador João Dias Borges, neste momento
jubilado, a esta Comissão.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sr. Presidente, quero esclarecer que
não sei quais foram os contactos desta Comissão com a Procuradoria-Geral
da República.
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Este documento, que trago em mão, que é o ofício da Sr.ª
Procuradora-Geral a enviar-me, foi-me entregue ontem sensivelmente às 11
horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Sr. Procurador, se me permite, com todo o
respeito…
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sobre isto, passados 21 anos, nem
mesmo depois de falar com o Dr. Ribeiro Afonso, continuo a dizer que não
me recordo nada deste caso em concreto, de tal ordem que quando depois
recebi isto, disse: «Mas isto aqui assim não deve ter a ver comigo, porque
não me recordo de ter feito a averiguação sobre os exames do Instituto de
Medicina Legal relativamente a este Sr. José Moreira».
Era este o esclarecimento que queria dar.
O Sr. Presidente: — Sr. Procurador, como Presidente desta
Comissão, tenho a obrigação de esclarecer todos os Srs. Deputados que
fazem parte da mesma das circunstâncias em que foram feitos os contactos,
quais foram e de que maneira foram.
Portanto, da minha parte, tenho a consciência tranquila de que fiz o
melhor para que esta audição corresse da melhor forma.
Para dar início à 2.ª ronda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Procurador,
vou continuar um bocadinho na senda daquilo que o Dr. Luís Filipe Rocha
mencionou a propósito do seu relatório.
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O Sr. Procurador disse-nos que tinha como objeto saber se havia ou
não motivo para infração disciplinar e cuida de saber do procedimento do
Instituto de Medicina Legal. Desculpe-me a expressão, mas é espantoso
que quem está a averiguar se o procedimento foi correto ou não mencione
«Certo é que os relatórios dos exames histológicos deverão ter passado pelo
perito (…), como era prática, (…)». Ou seja, o rigor resume-se à palavra
«deverão».
Estamos preocupados em saber se, de facto, os procedimentos foram
corretos e, então, presumimos que deverá ter acontecido. Não temos a
certeza se aconteceu, deverá ter acontecido, porque era a prática.
Depois, Sr. Procurador, a propósito das conclusões, voltando à
questão da rutura dos septos pulmonares, o Sr. Procurador menciona, no
ponto 152 do Relatório, que «(…) resultou com toda a probabilidade do
conjunto de mecanismos asfíxicos que se verificaram na intoxicação pelo
monóxido de carbono, não significando necessariamente (…) que fosse
consequência da introdução de ar sob pressão;».
Quem lê isto diz logo, como disse a Prof.ª Rosa Gouveia, usando
uma expressão que os juristas muito utilizam, «Nem nos livros eu vi isto,
nem por mera hipótese académica admito que uma intoxicação normal por
fuga de esquentador provocasse a rutura dos septos pulmonares». Ela não
admite isso! E se o Sr. Procurador diz «não necessariamente» é porque,
para quem lê isto, admite que o normal era que fosse de facto por
introdução. E fica no ar, como o Sr. Procurador menciona, como mil outras
questões que se poderiam pôr, nenhuma com fundamento em factos a
indiciá-los, mas depois temos todos os outros factos.
Sr. Procurador, quando todos estes indícios existem, o Sr. Procurador
limita-se a averiguar a questão disciplinar, por um lado, e não vê com o
rigor que acho que deveria ver se os procedimentos foram todos seguidos
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no Instituto de Medicina Legal, por outro lado?! De facto, isto «cola»
muito mal, Sr. Procurador. Estamos aqui há uma hora a pedir um
comentário seu a propósito desta questão.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Dr. João Dias Borges.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Creio que o Sr. Deputado não estaria
presente quando referi esta questão ao Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
Portanto, não tenho nenhum comentário a fazer.
Quanto ao modo de eu atuar oficiosamente, enquanto encarregado de
fazer uma averiguação disciplinar, devo dizer que não tinha de transportar
qualquer elemento para o processo em que se estava a averiguar a morte,
porque esse processo, em si, tinha um modo procedimental próprio,
previsto no Código de Processo, para reagir, para reabrir ou para requerer
diligências. Eu não tinha de fazer isso oficiosamente, porque eu não era
nem parte no processo nem superior hierárquico do magistrado, que, ao fim
e ao cabo, tinha dado o despacho no inquérito.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Procurador, não consegui
perceber e digo-lhe porquê.
Estou a investigar determinado procedimento; chego à conclusão de
que houve uma série de indícios que deveriam ter sido tidos em atenção e
que não o foram e, como tal, fica a dúvida no ar. Perante isto, o que o Sr.
Procurador diz é: «Para mim, pouco importa que, neste caso, o Instituto de
Medicina Legal tenha lido ou não, seja mais um indício ou não de crime,
acho que é indiferente e, como tal, concluo pelo arquivamento do
procedimento disciplinar».
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Ou seja, faz-me muita confusão que, existindo, de facto, esses
indícios, que poderiam levar a outro tipo de investigação e de
procedimento, também por parte do Instituto de Medicina Legal, nem
sequer os considera, porque, como eram hipóteses, não procurou saber
quais seriam, ainda que me apontassem para um determinado caminho. Já
não vou dizer que o Sr. Procurador — aliás, também comecei por dizer isto
—, tendo tido conhecimento desses factos, provavelmente, deveria reportá-
los, e já explicou que por lei não era obrigado a fazê-lo. Mas, do ponto de
vista do procedimento, há aqui, de facto, elementos que nos dizem que,
efetivamente, o comportamento deveria ter sido outro, ainda assim, o Sr.
Procurador diz-nos que nada tem a ver com a substância, que nem quer
perceber, apesar de a citar várias vezes e até de entrar, muitas vezes, em
contradição, porque do que queria saber era da questão disciplinar. Mas a
questão disciplinar, Sr. Procurador, não pode dissociar-se da questão
substantiva em si, de como é que foram praticados determinados atos.
Sr. Procurador, tenho muita dificuldade em perceber. Confesso que
não consigo perceber.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Se não consegue perceber, também
não consigo explicar-lhe.
O Sr. Presidente — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Procurador, faço minhas as
palavras de todos os anteriores intervenientes, mas vou ter de fazer-lhe uma
pergunta.
O Sr. Procurador lembra-se que houve uma tragédia em Camarate?
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sim, recordo-me disso.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Recorda-se de quem faleceu nessa
tragédia? Pode dizer-nos quem é que faleceu?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — O Sr. Primeiro-Ministro e o Ministro
da Defesa, pelo menos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, concorda em que esta é
uma matéria de Estado. Por muito terríveis que sejam os outros crimes, este
não é, se me permite, um crime como outro qualquer.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Que era um crime… Digamos, que
era um episódio que era necessário averiguar e que foi averiguado, acho
que sim.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sabe também por que é que este
caso do José Moreira, que estamos a falar, surge numa comissão de
inquérito de Camarate?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não conheço os pormenores todos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Quais são os pormenores que
conhece?
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Sei que quem faleceu ou era
proprietário de um avião ou de qualquer coisa do género, mas não me
recordo dos pormenores.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas cita no seu relatório
justamente conclusões da comissão de inquérito que na altura estava a
averiguar o acidente ou a tragédia de Camarate.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não sei se cito, se não cito. Como
lhe digo, não me recordo do relatório, mas, provavelmente, sim, não sei.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não se recorda que lhe foi pedido
para fazer uma averiguação, em função das conclusões de uma comissão de
inquérito?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Recordo-me que o relatório da
comissão de inquérito foi para o Sr. Ministro da Justiça, que solicitou à
Procuradoria-Geral que averiguasse da atuação do Instituto de Medicina
legal e da Política Judiciária, mas, tanto quanto me recordo, em sede de
procedimento, de responsabilidade disciplinar.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Estou a fazer-lhe estas perguntas,
porque, se me permite, em relação às suas respostas e à sua falta de
memória para as questões, até parece que pediram ao Sr. Procurador para
fazer um relatório sobre um fait divers,que foi notícia durante dois dias e
que depois desapareceu da opinião pública, do qual nunca mais se falou,
isto obviamente sem qualquer desrespeito por vítimas de fait divers ou de
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outros crimes. Mas estamos a falar, apesar de tudo, de um eventual crime
de Estado.
O Sr. Procurador tem consciência disso, ou não?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Tenho consciência da importância
do episódio. Tenho consciência disso.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Inclusivamente, nas suas
conclusões, até refere dados sobre as autópsias feitas aos pés do piloto
Jorge Albuquerque. Lembra-se disto, ou não?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Recordo-me na medida em que era
uma das deficiências apontada à atuação do Instituto de Medicina Legal, o
desaparecimento de uma amostra. Desse episódio recordo-me, mas da
autópsia do José Moreira não.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ou seja, do objeto principal do seu
inquérito não se recorda, mas recorda-se dessa questão específica sobre as
análises aos pés do piloto falecido. É isto que me está a dizer?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não é isso que estou a dizer, porque
esse episódio do eventual desaparecimento de uma amostra era uma das
conclusões que a comissão de inquérito, então chamada CEIAC, tinha
tirado. Essa era uma das questões que eu tinha de averiguar.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Pelos vistos também não se
recorda do que escreveu em relação às outras investigações no caso do José
Moreira.
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O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não me recordo do que escrevi,
como não me recordo do que escrevi relativamente ao episódio dessa
amostra. Também não me recordo do que escrevi.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O Sr. Procurador diz que só tirou
conclusões em função dos materiais e da documentação que lhe foi
fornecida. Quem é que lhe forneceu os elementos para o Sr. Procurador
escrever o seu relatório?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Os elementos de que me servi e que
estou aqui a referir um pouco de memória foram retirados do processo-
crime em si sobre a questão de Camarate, que era um processo de não sei
quantos volumes que estava na altura, e por isso estou a recordar-me, no
Tribunal de Monsanto, para onde fui e aonde estive várias semanas a colher
diversos elementos, a consultar o processo que lá estava e no qual também
estavam, em apensos, relatórios e transcrições das comissões de inquérito
parlamentares.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não estava a totalidade das
conclusões da…?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não sei dizer, Sr.ª Deputada. Só sei
que está lá. Agora, se estava a totalidade, não faço ideia, não me recordo
disso. Sei que eram imensos volumes, era uma sala cheia de volumes.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está a dizer-me que não leu todas
as intervenções do Dr. Fernando Fonseca na Comissão de Inquérito sobre a
qual estava a analisar as conclusões?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não estou a dizer isso. Aquelas que
colhi, analisei-as, como depois também me recordo de ter ouvido, no
próprio inquérito a que eu estava a proceder, o Dr. Fernando Fonseca.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Procurador, muito
simplesmente: leu ou não leu todo o depoimento do Dr. Fernando Fonseca?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Pressuponho que o li todo.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Então, volto a fazer a pergunta que
lhe foi colocada há bocado: por que é que só escolheu estas intervenções
dele para pôr no seu relatório e não a totalidade?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não sei, neste momento, o que colhi
ou deixei de colher, porque não me recordo, sequer, do relatório que
produzi.
Agora, aquilo que levei quer à descrição quer às conclusões foi o que
me pareceu relevante para o objeto do processo que eu estava a fazer.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Assume, então, que foi uma opção
sua e só sua.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não assumo que foi uma opção
minha e só minha. Assumo que foi uma opção da investigação da verdade
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material com base nos elementos que tinha no processo, que juntei lá e que,
depois de analisados, retirei as respetivas conclusões e produzi o relatório.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Procurador, quem era o
responsável por essa averiguação?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — O responsável era eu, que estava
inserido numa equipa, para fazer a averiguação.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ou seja, o responsável era o Sr.
Procurador. Portanto, se o Sr. Procurador só pôs estes excertos, foi por uma
opção sua. Talvez por sugestão da sua equipa, mas a opção foi sua, a
responsabilidade é sua, imagino.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não falo em responsabilidade. Eu
tinha uma função, que era a de fazer o inquérito. Para lá disso, colhi e
transportei o que me pareceu relevante, traduzi no relatório aquilo que me
pareceu relevante.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — É o que estou a dizer, Sr.
Procurador. Ao Sr. Procurador, só pareceram relevantes estas questões e
não as outras. Portanto, foi uma opção sua, da sua responsabilidade, porque
o relatório é da sua responsabilidade.
Sr. Presidente, não tenho mais perguntas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro, do CDS-PP.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, quer-nos
parecer que, não tendo o Sr. Procurador tido oportunidade nem de recordar,
pela leitura, o texto do seu relatório nem os factos que o rodeiam, hoje não
iremos conseguir ir muito mais longe do que estamos a ir.
A questão que ponho ao Sr. Procurador é a seguinte: não estamos
aqui nem para fazer qualquer tipo de polémica com o Ministério Público,
atual ou passado, nem para procurar a responsabilidade disciplinar de quem
quer que seja, mas para apurar a verdade, na medida do possível,
relativamente aos factos de Camarate. É isto que nos importa.
Portanto, basicamente, neste caso, o que nos interessa saber é se,
relativamente à morte do José Moreira e da sua companheira, foi crime ou
acidente, se se atuou bem ou se atuou mal, sendo que há evidência
abundantíssima no sentido de que se atuou mal, porque, muito
provavelmente, foi um crime, aliás foram dois homicídios, de uma
testemunha que é relevante para o processo de Camarate; depois, teríamos
de estabelecer rigorosamente o nexo de causalidade da sua morte, apurado
que foi um crime. Mas isto é um facto da maior importância — quer o facto
da morte quer o facto do encobrimento são da maior importância. Portanto,
a avaliação por um magistrado experimentado como o Sr. Procurador, para
nós, também tem importância.
Assim, sugeriria que o Sr. Procurador lesse outra vez o seu relatório,
que compulsasse os dados que, por certo, esta Comissão lhe fornece e
voltaríamos, depois, a conversar com o Sr. Procurador numa outra ocasião,
em que esteja avivada a sua memória e nos possa ajudar com o seu juízo
hoje, face à evidência que nos impressionou, ou seja se essa evidência
também o impressiona a si, ou não. E, portanto, que nos dissesse se,
perante essas circunstâncias, seria ou não de reabrir uma investigação séria
sobre as circunstâncias da morte do José Moreira e da sua companheira,
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porque eu creio, ao contrário do que o Sr. Procurador disse, que, até nós,
temos a responsabilidade oficiosa de, revelando-se diante de nós factos de
encobrimento de um crime, o denunciar às autoridades para que o
averiguem na medida do possível.
É este juízo que eu gostaria de poder partilhar com o Sr. Procurador,
aqui, num debate, depois de o Sr. Procurador poder reler os documentos,
alguns escritos por si, outros de depoimentos e os inquéritos mais recentes,
que nos foram trazidos pelo Instituto de Medicina Legal, para nos ajudar na
reflexão necessária sobre uma matéria que pode ter a maior importância,
desde logo para esclarecer as circunstâncias da morte de dois cidadãos
portugueses, o que é importante, e pelas conexões que pode ter com este
caso de Camarate, tratando-se de uma testemunha que podia ser muito
importante na altura.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Procurador.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Não tenho nada a referir sobre o que
acaba de dizer o Sr. Deputado.
Efetivamente, não me recordo. Poderei, perfeitissimamente, ler o
relatório, mas o relatório, só por si, não me dá a noção do que apurei no
respetivo inquérito. Sem isso não tenho essa noção.
Por outro lado, o meu depoimento parece-me irrelevante em termos
de saber se houve ou não crime no caso do Sr. José Moreira. Parece-me
irrelevante, porque não tenho conhecimento de factos que possam
demonstrar, que possam provar, se houve crime ou se foi mero acidente.
Isso não sei, não posso afirmar com esse valor probatório. Mas não tenho
qualquer problema em vir cá quando o entenderem.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Procurador, é
evidente que, não se recordando, não pode mesmo ajudar-nos de forma
nenhuma.
O que sugeri foi que fossem facultados ao Sr. Procurador os
elementos relativos a este caso, até a prova factual deste processo, para que
o Sr. Procurador possa conversar connosco já conhecedor das matérias
sobre as quais faremos as perguntas e nós, depois, aferiremos da relevância
que isso tem ou não. É evidente que nós não podemos aqui, nem eu tenho
essa pretensão, julgar se foi crime ou não. Mas obviamente que tenho, e o
Sr. Procurador também, inteligência suficiente para se poder discernir sobre
um conjunto de indícios se são suficientemente fortes ou não para apontar
num sentido diferente das conclusões que levaram ao arquivamento
prematuro de um caso e, portanto, a determinar, apesar do tempo passado,
uma reapreciação desta matéria. Isto porque há uma questão para que esta
Comissão não está muito disposta, e eu, de certeza, também não, que é a da
indiferença diante dos factos. A isto decerto não estaremos dispostos.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Procurador.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Só quero comentar que, se esta
Comissão não está indiferente perante os factos, eu também nunca estive
indiferente.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Assim, reafirmo o que
disse: creio que era importante facultarmos os elementos ao Sr. Procurador
para, depois, numa nova data, podermos dialogar com o Sr. Procurador já
no conhecimento, pelo menos, dos mesmos elementos do processo que
geraram a nossa preocupação.
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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, considero isso um requerimento
oral, que discutiremos na reunião de amanhã a oportunidade do mesmo,
depois de tirarmos as conclusões desta Comissão.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Ou já a seguir, se o Sr.
Presidente quiser.
O Sr. Presidente: — Não temos quórum de votação, porque senão
seria já no final das audições de hoje.
Tem a palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Sr. Procurador, quero só fazer-lhe uma pergunta.
A minha inteligência não é muito brilhante, por vezes baralho-me um
bocado com a especificidade da linguagem dos juristas, mas confesso que
gostava de o ouvir definir, concretamente, o que entende por um inquérito
sobre responsabilidade disciplinar.
Pela sua boca, o que é um inquérito sobre responsabilidade
disciplinar? Já agora pergunto: ele incidiu apenas sobre o Instituto de
Medicina Legal ou também sobre a atuação da Polícia Judiciária?
O Sr. Dr. João Dias Borges: — A distinção fundamental entre um
inquérito de relevância disciplinar e um inquérito criminal é que num
inquérito criminal averiguam-se crimes e num processo de inquérito
disciplinar averiguam-se as responsabilidades das infrações disciplinares.
Esta é a principal distinção.
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No inquérito em concreto a que procedi com o meu colega
averiguou-se da atuação do Instituto de Medicina Legal, parte de que fui
encarregado, e da atuação da Polícia Judiciária, parte de que foi o meu
colega Ribeiro Afonso encarregado.
Não sei se respondi à sua questão.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A essa parte respondeu.
Mas, apanhando um bocadinho o que o Sr. Deputado Ribeiro e
Castro disse, suponhamos que houve um acidente de automóvel em que
aparece um cadáver sem cabeça; a polícia toma nota da ocorrência; o
cadáver vai para o Instituto de Medicina Legal, que chegou à conclusão de
que a cabeça tinha sido separada do corpo por impacto súbito, mas,
entretanto, alguém vem provar que a cabeça foi separada do corpo através
de um objeto cortante, porque o corte é perfeitamente liso. O Sr.
Procurador, que está encarregue do inquérito disciplinar à atuação do
Instituto de Medicina Legal, não fica surpreendido que o corte tenha sido
tão liso, tão impecável e que isso indicie que o cadáver foi morto antes do
acidente? Esse espanto manifesto não implica que tenha o dever
deontológico de alertar para cima, para baixo, seja quem for?!
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Está a pôr uma hipótese que é,
penso, do absurdo. Mas, de todo o modo, o objeto do processo de inquérito
a que estaria a proceder, na hipótese que pôs, sobre uma infração
disciplinar, era essa infração disciplinar. Seria o Instituto de Medicina
Legal que tinha feito a autópsia do primeiro caso, no pressuposto de que a
cabeça estava só separada, que, provavelmente, comunicaria, em
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aditamento ao respetivo relatório, as suas conclusões, não era eu que teria
de o fazer.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Concordo, mas teria de haver um alerta. Ou seja, neste caso,
por que é que não instruiu o Instituto de Medicina Legal sobre certas
irregularidades que eram evidentes? No caso do assassínio do Eng.º
Moreira e da sua companheira, nada disto tem pés e cabeça. Não é preciso
ser um perito em engenharia química para se concluírem determinadas
coisas: que o monóxido de carbono, que é mais leve que o ar, sobe; que o
gás butano, que é mais pesado que o ar, desce; que há uma poça de sangue
junto dos cadáveres; que houve uma inalação forçada…! É claro que,
agora, há novos dados, mas tudo isto não era suficiente, não justificaria,
que se interrogasse disciplinarmente o Ministério? Eles foram
competentes?! Não foram!
O Sr. Dr. João Dias Borges: — A falta de competência, só por si,
não é infração disciplinar.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Muito obrigado, Sr. Procurador, respondeu inteiramente a
muita coisa que me vai pela cabeça.
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, gostaria de começar
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por subscrever integralmente a proposta do Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro, porque é muito penoso estar a questionar o Sr. Procurador sobre um
relatório, escrito e assinado por ele, do qual não se lembra e não teve
possibilidade de reler.
Sr. Procurador, devo dizer-lhe que teve mais sorte que eu, porque
soube ontem às 11 horas da manhã o que vinha aqui fazer, eu soube à noite
e, entre a 1 hora e as 3 horas da manhã, li o seu relatório e o do seu colega,
que vamos questionar a seguir.
Eu gostava muito de voltar a conversar com o Sr. Procurador, tendo
o senhor lido o seu relatório, porque, e volto a afirmar algo que já deixei
semiexplícito, mas totalmente implícito, na minha anterior intervenção, o
seu relatório tem importantes inexatidões — repito, inexatidões —, sendo,
nomeadamente, a mais grave (em meu entender, mesmo muito grave) o
senhor afirmar, por duas vezes e uma terceira citando o seu colega Afonso,
que o Dr. Fernando Fonseca não disse o que efetivamente disse nesta
Comissão. Isto parece-me grave até porque é reafirmado explicitamente,
dizendo claramente o Sr. Procurador que ele nunca afirmou tais palavras,
que estão à minha frente.
Por outro lado, o seu relatório contém importantes incorreções. É,
para mim, profundamente incorreto que o senhor tenha afirmado
perentoriamente que o perito tanatologista, Dr. Fernando Fonseca, viu os
relatórios, quando ele próprio lhe disse que não tinha memória de os ter
visto, e não há nada, mas rigorosamente nada, que nos permita saber sequer
se ele estaria no dia 11 de abril no laboratório.
Finalmente, o seu relatório tem lacunas, para mim, muito, mas muito
inquietantes. A supressão das declarações mais importantes do Dr.
Fernando Fonseca, tendo o senhor o cuidado de dizer: «Na instância
continua-se com perguntas e respostas sobre rupturas dos alvéolos
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pulmonares, hemorragias, (…) de todo o modo (…)». E, depois, diz assim:
«Fomos um pouco longe nas transcrições,…», que são as cinco páginas que
o senhor transcreveu e que não têm relevância nenhuma para aquilo que
está aqui a ser discutido, «… mas elas servem para as restantes questões
que vamos tratar, e de todo o modo permitem-nos afirmar que sobre o
assunto em apreço é tudo o que consta do depoimento.» Por amor de
Deus!… Citei-lhe várias declarações importantíssimas e decisivas do Dr.
Fernando da Fonseca e o senhor diz que, as que citou, são tudo o que
consta o depoimento?!
Portanto, repetindo, verifico graves inexatidões, verifico uma
gravíssima incorreção, para não adjetivar de forma pior, e verifico lacunas,
para mim, muito perturbantes e que me deixam uma enorme perplexidade.
Já percebi que não vale a pena estar a relembrá-lo, estar a insistir em
questões para as quais o Sr. Procurador invoca, como resposta, ou que não
se lembra, ou que não releu, ou que a entidade que acima de si decidia
aprovou.
Portanto, gostaria de exortar a Comissão a aprovar a proposta do Sr.
Deputado José Ribeiro e Castro.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para dar início à 3.ª ronda, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Isabel Oneto, que neste momento é a única inscrição que tenho.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, serei muito breve.
Gostaria que o Sr. Procurador esclarecesse, agora em abstrato, uma
vez que no concreto o Sr. Procurador não tem, como já aqui ficou referido,
memória dos factos, o que é que, em seu entender, quando se faz um
processo de averiguação, no âmbito de um processo disciplinar, para
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verificar se foram, ou não, cumpridos todos os procedimentos por aquele
que estava obrigado a cumpri-los — neste caso, o Instituto de Medicina
Legal —, se deve fazer? Se o Sr. Procurador hoje tivesse de fazer esse
inquérito, o que é que exatamente iria fazer? Quais seriam os elementos de
prova que o Sr. Procurador iria recolher para verificar se houve, ou não,
negligência, ou dolo, fosse o que fosse, em matéria de procedimento
disciplinar? Isto, porque, o Sr. Procurador, não podendo, obviamente,
contrariar as conclusões das perícias efetuadas pelo Instituto de Medicina
Legal, com certeza que apurou, pelo menos, a forma como os quesitos
foram elaborados, em relação às perícias, porque as perícias decidem-se em
função dos quesitos que são questionados.
O Sr. Procurador diz que esteve no tribunal. Pergunto-lhe se foi ao
Instituto de Medicina Legal e se, tendo lá ido, viu toda a documentação
relativa a este processo. Ou seja, diga-nos qual foi o procedimento que
utilizou ou que utilizaria hoje para conseguir apurar se num determinado
processo, relativamente ao Instituto de Medicina Legal, há ou não matéria
de procedimento disciplinar, de infração disciplinar.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Procurador.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Há pouco referi que a base primeira
de que parti para a averiguação foi colher, no processo-crime sobre a
tragédia de Camarate, fotocópias das diversas intervenções, dos diversos
elementos que, da leitura de todo aquele dossier, me pareceram com relevo
para o processo. Colhidos esses elementos, tirados em fotocópia, fiz o
respetivo dossier, que depois reavaliei e reli. Foi da leitura de todo o
dossier que retirei o campo para fazer a averiguação, designadamente de
quem teve intervenção nas autópsias, e todas essas pessoas foram ouvidas,
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ouvi todas essas pessoas. E é depois de todo esse manancial de
documentação, de transcrições, etc., etc., que, no final, fiz a minha síntese
de avaliação para produzir o relatório, sempre com o objetivo de saber se
houve ou não infração disciplinar, para fazer a respetiva proposta final.
Hoje, faria nos mesmos termos o que então fiz.
A Sr.ª. Isabel Oneto (PS): — Muito obrigado, Sr. Procurador.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições,
agradeço ao Sr. Procurador, ficando já a nota de que, após avaliação desta
audição, poderemos convidá-lo novamente a vir à Comissão, se esta for a
opinião da Comissão.
O Sr. Dr. João Dias Borges: — Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos
por 5 minutos.
Pausa.
Srs. Deputados, retomamos os trabalhos da Comissão…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr.
Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, não vou
repetir o pedido que há pouco fiz e que o Sr. Presidente interpretou, e bem,
como um requerimento oral do CDS, mas desejo juntar um pedido nessa
mesma sequência.
Soube há pouco que nós, Assembleia da República, não temos o
relatório histológico original, datado de 1983, nos longos arquivos deste
processo, mas que existirão na Policia Judiciária.
Assim, a confirmar-se o facto que estou a relatar, requeiro em nome
do CDS-PP que a Comissão o requeira com a maior urgência à Polícia
Judiciária, uma vez que também precisamos de ter cópia desse relatório
original. Seria útil, aliás, que o obtivéssemos imediatamente para que fosse
não só distribuído à Comissão mas também ao Sr. Procurador Dias Borges,
para que, quando o voltássemos a ouvir, também o pudéssemos questionar
sobre esta matéria, que ele comenta no seu relatório e que foi objeto de
exame oral noutras inquirições, em anteriores comissões de inquérito, e não
fossemos de novo confrontados com um «não sei… não conheço… não me
lembro…».
Queríamos certificar-nos disto, e por isso considero este pedido um
anexo ou, melhor, um pressuposto do requerimento oral que há pouco
apresentei.
O Sr. Presidente: — Já pedi aos serviços para formalizarem um
ofício à Polícia Judiciária para nos cederem essas informações.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, autoriza-me que
acrescente uma informação que facilita?
O Sr. Presidente: — Faça favor.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — É o relatório das peritas que já cá
estiveram, a Dr.ª Isabel Pinto Ribeiro e a Dr.ª Maria Eduarda Marques
Silva, com data de 7 de abril de 1983 e que entrou no processo a 11 de abril
de 1983.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, continuando a nossa reunião,
começo por dar as boas-vindas e agradecer a presença do nosso depoente,
Dr. José Ribeiro Afonso, Procurador-Geral Adjunto (jubilado), a quem
peço que se identifique perante a Comissão.
O Dr. José Ribeiro Afonso (ex-Procurador-Geral Adjunto da
Procuradoria-Geral da República): — José Ribeiro Afonso.
O Sr. Presidente: — Começo por informá-lo que «A Comissão de
Inquérito Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos acompanhantes, nos termos do disposto na
Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…)».
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Informo-o que este depoimento é feito sob juramento, nos termos do
n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Penal, pelo que lhe pergunto se
jura dizer a verdade e somente a verdade.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Juro dizer a verdade.
O Sr. Presidente: — Dou-lhe ainda conhecimento de que se prestar
depoimento falso pratica o crime de falsidade de testemunho, previsto no
artigo 360.º do Código Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou
multa até 600 dias.
Informo o depoente e relembro os Srs. Deputados da grelha de
tempos: a 1.ª ronda é de 5 minutos por grupo parlamentar e por
representantes dos familiares das vítimas, que será de pergunta e resposta
direta; a 2.ª ronda é de 3 minutos por grupo parlamentar e por
representantes dos familiares das vítimas; e a 3.ª ronda é de 2 minutos a
cada Deputado e a cada representante dos familiares das vítimas que
queiram colocar mais alguma questão.
Pergunto ao Sr. Procurador José Ribeiro Afonso se pretende fazer
alguma introdução ou uma intervenção inicial.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Acho que será melhor não a fazer
porque não sei bem aquilo que interessa, obviamente, à Comissão.
O Sr. Presidente: — Sendo assim, para dar início a esta audição, dou
a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Oneto, em nome do Partido Socialista.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Começo por agradecer a presença do
Sr. Dr. José Ribeiro Afonso aqui, nesta Comissão, e por perguntar-lhe do
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que se recorda exatamente, em relação à intervenção que teve no processo
de Camarate.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Fui informado de que viria aqui
anteontem e, como tinha lá por casa uma grande parte das peças relativas
ao meu relatório, que é de 1992, dei-lhe uma leitura, mas pareceu-me que
esta audição iria incidir sobre aquele caso que é referido no processo como
«caso Carnaxide». Portanto, vi melhor isto do que o resto, mas posso falar
sobre tudo o que quiserem.
Tenho conhecimento, que considero mais ou menos abrangente, da
factualidade que entendi que deveria considerar indiciada, e está nas
conclusões finais do meu relatório tudo aquilo que considerei que merecia
relevância para, de algum modo, apurar eventual responsabilidade
disciplinar dos elementos da Polícia Judiciária, porque era isso que estava
em causa no meu caso. Digo isto porque acho que a Comissão Parlamentar
de Inquérito começou por pedir uma sindicância às entidades envolvidas e
o Sr. Ministro da Justiça, que na altura era o Dr. Laborinho Lúcio, acabou
por ordenar um inquérito, que, enfim, pela sua natureza, respeita à
responsabilidade disciplinar dos elementos da Polícia Judiciária. Foi isso
que fiz e, afinal, concluí que não havia elementos que me permitissem
desencadear responsabilidade disciplinar a partir desses mesmos elementos.
O relatório foi feito lado a lado com o meu colega que acabou de ser
ouvido e o coordenador, o diretor do inquérito, era o Sr. Vice-Procurador-
Geral da República, Dr. Dias Bravo, Conselheiro já falecido. Depois o
relatório foi ao Sr. Procurador-Geral, que não teve nenhuma objeção a
fazer, e foi remetido para o Ministro da Justiça, que, tanto quanto sei e fui
informado, homologou as conclusões do relatório.
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Portanto, não é um relatório, digamos, apenas pessoal, acaba por ser
de uma equipa que trabalhou em conjunto e que considerou que aqueles
factos eram os que se indiciavam e que tinham o enquadramento jurídico
que lhes foi dado.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Portanto, o Sr. Dr. Ribeiro Afonso
considerou que todo o procedimento dos inspetores da Polícia Judiciária,
em relação ao chamado «caso Carnaxide», cumpriram os procedimentos
corretos, em termos de investigação criminal, para concluírem que tinha
sido acidente e não homicídio.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sobre isso, o meu relatório, tanto
quanto me lembro, tem mais de 30 páginas sobre o assunto e refere-se à
investigação feita pela Polícia Judiciária, inclusive, que, de início, foi a
DCCB e que, depois, passou para os homicídios, e, portanto, foi de algum
modo investigado como podendo ser um homicídio. As conclusões das
perícias, das autópsias, do gás e dessas coisas todas conduziram,
precisamente, a que se considerasse que a única causa possível da morte
daquele casal teria sido uma inalação de gás, a qual não se apurava dos
relatórios, nomeadamente da autópsia, que tivesse sido forçada — é esta a
ideia que tenho. Foi ouvida muita gente, inclusivamente elementos da
Polícia Judiciária, e eu, no próprio inquérito, não cheguei a conclusão
diferente. Não sei.
Aliás, penso que há um apenso, mas, obviamente, não vi, ao meu
processo de inquérito que tem todo o processo de Carnaxide fotocopiado,
certificado. Portanto, as conclusões pareceram-me pertinentes, face à
factualidade apurada no momento.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Dr. José Ribeiro Afonso, tenho só
mais uma questão, uma dúvida relativamente a todo este processo, que é a
seguinte: é normal que a morte de duas pessoas por intoxicação, numa casa,
numa sala, num quarto, ocorra exatamente ao mesmo tempo?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não tenho conhecimento que
tivesse sido ao mesmo tempo. A verdade é que eu não tinha de fazer uma
investigação sobre a investigação. Eu tinha de fazer uma averiguação sobre
a pertinência dos processos da conduta, do comportamento processual dos
agentes da Polícia Judiciária, dos inspetores, etc., e aquilo que me pareceu
que ali se apurava não conduzia a que se considerasse ter ocorrido um
crime de homicídio. Não obstante, como disse, a determinada a
investigação competiu, a requerimento, segundo penso, do Ministério
Público, à secção de homicídios da Polícia Judiciária.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Então, se bem entendo, o Sr. Doutor
verificou as ações e não as omissões.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Provavelmente, quem tenha outra
tese é capaz de considerar que se omitiram ali algumas diligências. Não sei,
mas, em princípio, não me parecia. Provavelmente, também não foram
feitas de um modo cientificamente muito… De início, pareceu-me que
havia ali uns peritos, que nem eram peritos, a dar algumas pistas para
eventual causalidade, mas, afinal, não havia realmente elementos que
permitissem considerar que aquela introdução do gás tivesse sido feita por
terceiros. Há quem fale dessa coisa de inocular o gás através de uma forma
violenta, mas as autópsias não revelam essa violência. É só isto, não sei
dizer mais nada!
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Tenho uma memória muito vaga destas coisas, porque fiz este
relatório há 21 anos! Agora, só sei aquilo que lá está, tudo o que for
marginal, não é possível.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Doutor, a minha pergunta é na
globalidade, não é sobre uma tese ou outra tese.
Pergunto se a sua investigação, embora incidindo sobre a
responsabilidade disciplinar de quem procedeu à investigação, suponho,
abarca quer as ações quer as omissões.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro, a responsabilidade
disciplinar tanto pode ser de ações como de omissões, a questão é que ali as
ações praticadas pareceram-me pertinentes para chegar àquela conclusão. E
não houve uma conclusão de que foi um acidente. Houve a conclusão de
que não se provava o homicídio, o que é diferente. As pessoas, às vezes,
acham que, pelo facto de não se provar uma coisa, prova-se a outra, não.
Como é evidente, ali, o que parecia era não haver indícios, face à
factualidade, e eu não fiz uma investigação, não ouvi as pessoas todas que
eles ouviram. Não estávamos a fazer senão uma averiguação sobre a
pertinência da investigação e se havia até um eventual encobrimento de
crime, como se chegava a dizer na Comissão Parlamentar. Por acaso, dessa
Comissão Parlamentar, li atentamente dezenas de milhares de páginas e,
verifiquei, muitas vezes, que davam como provados factos que, depois, vim
a ver, nos depoimentos que diziam que eram os que conduziam àquela
conclusão, que esses depoimentos não conduziam àquela conclusão. No
entanto, estavam lá como uma conclusão. Não sei onde foram buscá-la,
lamento dizer isto, mas é verdade.
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De algum modo, havia ali conclusões que os depoimentos para os
quais remetiam (a própria Comissão), se os fossemos ler, não conduziam
àquilo. Poderia dar-lhe alguns exemplos, mas acho que não vale a pena.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Lembra-se, por acaso, de terem sido
feitas várias análises ao esquentador e de verificarem que ele não tinha
avaria e que, mesmo que fosse utilizado durante largos períodos, nunca
produziria o monóxido de carbono suficiente para causar as mortes?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Vamos lá a ver, nós não
estávamos a ali como peritos dos peritos, digamos.
Dizia-se que tinha havido essa introdução forçada de gás, mas
também havia quem dissesse que aquele gás poderia ser o bastante para
causar a morte, e até me parece que foi um perito que disse isto, mas eu não
tenho uma memória muito correta disso. Mas a ideia, mais ou menos, é
esta: aquele pouco gás que eventualmente se considerava que… Alguns
diziam que as vítimas tinham-no demais, mas isso nunca foi, a meu ver,
testemunhado nestes termos. A verdade é que o gás, se inalado nas
circunstâncias que diziam ser as existentes (um ambiente fechado, um
compartimento, segundo parece, com humidades, os aquecedores ligados, e
a existência de um esforço físico decorrente de uma relação sexual, que
aconteceu, comprovadamente, entre o casal), neste conjunto de elementos,
para alguns, era considerado bastante para causar a morte por inalação, sem
nenhuma intervenção alheia.
Esta conclusão não será suficiente para dizer: «Provou-se que foi um
acidente!», mas permite dizer que não se provou que foi um atentado ou
um homicídio, neste caso.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Nem o facto de, como referi desde o
início, os corpos terem sido encontrados na posição em que foram e de
terem morrido em simultâneo. É que normalmente nestas situações — e
isto é da apreensão geral da vida, da experiência da vida — há sempre uma
pessoa que dá um primeiro sinal. A outra pessoa pode não ir a tempo de a
socorrer, mas uma delas dá sinal de que está a inalar monóxido e que está a
cair, e há uma tentativa de ajuda por parte da outra pessoa. Não me parece,
pela posição em que os corpos foram encontrados, que algum deles se
tivesse apercebido de que o outro estava a desfalecer por via daquela
inalação, o que, por si só, talvez fosse suficiente para se averiguar,
efetivamente, como é que isso terá sido possível ou em que circunstâncias é
que isso terá sido possível numa situação como a que é concluída naquele
inquérito. Não sei se me estou a fazer entender.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Está!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Pode dizer-se que não se conseguiu
provar o homicídio. Pergunto: foram feitas todas as diligências necessárias
para, de facto, conseguir, com segurança, apurar que não teria sido
homicídio?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não sei até que ponto a
investigação foi no terreno. Isso são os elementos da Polícia Judiciária…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Peço desculpa, mas isso era da sua
responsabilidade, para verificar se houve ou não houve…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não, não!
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … negligência na investigação.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não, não! Nós não estávamos ali
a fiscalizar a atuação no terreno da Polícia Judiciária nesse contexto. Quer
dizer, estávamos a verificar se, processualmente, as coisas foram feitas de
um modo correto, com pertinência, com rigor, com distanciamento, com
isenção, estas coisas assim. Não me pareceu que fosse de apontar ali outras
diligências a fazer que, eventualmente, depois, com outros elementos de
prova, que eu não sei se têm aquisição probatória posterior, porque isso eu
não domino, fiz aquele retrato com referência à factualidade que encontrei
no processo naquela altura, em 1991, e os factos eram de 1983, salvo erro.
Porém, o inquérito foi ordenado quase 10 anos depois. Então, se já havia
tantas omissões graves na atuação da Polícia Judiciária, o inquérito deveria
ter sido feito antes. O Dr. Laborinho Lúcio fê-lo porque o Diretor Nacional
da Polícia Judiciária, o Dr. Lourenço Martins, o solicitou, para além de o
Ministro da Justiça ter entendido que deveria fazer-se, antes, nunca
ninguém se lembrou disso! Depois, àquela distância, também não se
consegue colmatar ou abranger tudo o que se poderia ter feito. É sempre
possível fazer coisa diferente, em muitos aspetos, tecnicamente mais
apurada, sei lá, uma série de coisas. Mas isso não é suscetível de
configurar, a meu ver (e não foi só a minha opinião), irresponsabilidade
disciplinar.
Quanto ao enquadramento jurídico dos factos apurados, ele foi
discutido com o meu colega, com o Sr. Vice-Procurador-Geral Dias Bravo
e com o Sr. Procurador-Geral da República, na altura era o Sr. Dr. José
Narciso Cunha Rodrigues. Entendemos que, realmente, os erros técnicos
que apontei no meu relatório — e estão referenciados, salvo erro, vários —
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não configuravam irresponsabilidade, eram meros erros técnicos sem
dignidade disciplinar, parece que foi assim que me exprimi.
Portanto, a meu ver, não podemos ir a essa minudência quando
estamos a apurar responsabilidades disciplinares, há coisas que se fazem de
uma maneira ou de outra, conforme as aparências. De início podem parecer
indicar: «Ah, isto não parece senão um acidente!» e, depois,
eventualmente, aparecem outros dados que talvez justificassem um
procedimento diferente, mas não em termos de se poder concluir que a
coisa foi um homicídio ou que o que está ali realmente patenteado é uma
indiciação de homicídio.
Mais não sei dizer sobre isto. A minha memória sobre isto é aquela
que está no relatório. As explicações, as justificações, etc., estão todas lá,
tanto quanto sei, não sei dizer mais sobre isto, a não ser que também
estejam a apurar a minha responsabilidade disciplinar como relator.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — De modo algum!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Esta é a questão, nós…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, nós só queremos…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não tem problema. Estas coisas
estão todas prescritas, como sabe. Há a prescrição dos procedimentos e nós
nem fizéssemos essa referência liminar no relatório por considerarmos
interessante apurar as coisas por uma questão de impacto social, etc.
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada permite-me?
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Sr. Procurador, com todo o respeito pela
instituição onde trabalhou durante muitos anos e por respeito ao Sr.
Procurador e à sua função, devo dizer que, se a justiça tivesse feito o seu
trabalho, nós hoje não estaríamos aqui. Deixo só esta nota.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro!
O Sr. Presidente: — Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Doutor, eu estava a tentar,
enquadrar o objeto do inquérito em que participou, nomeadamente à Polícia
Judiciária, precisamente para ver onde é que também nós podemos detetar
se o inquérito que lhe foi dado para fazer pressupunha apenas, no âmbito
do apuramento de responsabilidade disciplinar, verificar os procedimentos
efetuados pelos inspetores da Polícia Judiciária. Até posso admitir que os
procedimentos, em si, tenham sido corretos! De facto, pode-se concluir que
se fizeram os despachos às tantas horas, que se receberam às tantas horas,
que se emitiu o outro despacho às tantas horas, que se fez esta diligência às
tantas horas… Agora, atendendo à natureza do que estava em causa,
nomeadamente depois de a comissão parlamentar de inquérito ter suscitado
uma série de dúvidas, aquilo que me parece é que se procurasse verificar,
até poderia chegar-se à conclusão que determinadas omissões não tinham
sido negligentes a ponto de ter dignidade de infração disciplinar, mas
também essas, provavelmente, poderiam ter sido averiguadas. É neste
sentido que quero colocar a questão, para entender, exatamente, o que é que
tinha sido objeto de inquérito de procedimento disciplinar. Era só isto!
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Já agora, deixe-me dizer que eu
não fui encarregado de fazer o inquérito à atuação dos peritos médico-
legais, este competiu ao meu colega que acabou de depor, eu fui só
encarregado de fazer o inquérito à atuação da Polícia Judiciária. Portanto,
obviamente, tem-se sempre de se falar e aproveitar os relatórios das
autópsias e de outras perícias. Mas, digamos, essa parte médico-legal e as
conclusões tiradas a esse respeito, eu não tinha de as estar a apreciar. Nós
fizemos um relatório em que eu inclui alguns excertos do relatório do meu
colega. Porquê? Porque faziam parte do conjunto de imputações de graves
omissões, essas que a comissão parlamentar de inquérito referia, com
epígrafes que correspondiam exatamente às conclusões, e eu em algumas
delas, como disse, considerei que havia uns reparos a fazer à atuação da
Polícia Judiciária. Acho que tenho meia-dúzia de reparos, mas
consideramos, no entanto, que, enfim, não tinham relevância disciplinar.
De qualquer modo, digamos que houve ali uma interpenetração dos
relatórios e uma revisão conjunta e as conclusões a que chegámos, parece-
me, foram coerentes, justas e corretas.
Tenho de repetir que algumas conclusões que a Comissão
Parlamentar de Inquérito refere, e digo-o expressamente no meu relatório,
não correspondem aos depoimentos que eles próprios referem como tendo
sido a base para essas conclusões. Há casos assim! Há casos em que o
inquiridor introduz a questão que vai colocar à testemunha fazendo um
depoimento prévio, ele próprio, o inquiridor, sobre o que aconteceu e não
aconteceu, e depois pergunta à testemunha se foi aquilo ou não. Isto é uma
violação clara do processo penal, visto ser uma pergunta sugestiva e é
agressiva às vezes. Os elementos da Polícia Judiciária que foram ouvidos,
às vezes, eram inquiridos com uma prévia censura agressiva, o que lhes
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tirava a serenidade e a tranquilidade para poderem responder à questão que
lhes estava a ser colocada.
Portanto, verifiquei que muitos dos elementos da Polícia Judiciária e,
aliás, pessoas com um passado irrepreensível em matéria de investigação
criminal se consideravam muito perturbados pelo modo como estavam a
ser ou como disseram que foram inquiridos na Assembleia. Enfim, há
coisas que também têm de ser ditas!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Procurador, naturalmente que o
senhor fez o inquérito à atuação da Polícia Judiciária e o Dr. Dias Borges
fez à atuação do Instituto de Medicina Legal e, obviamente, tiveram de
cruzar a informação.
O Sr. Procurador importa-se de nos explicar, quando é necessário
fazer uma perícia, como é que ela se processa?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Bom, eu tenho os conhecimentos
que…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Quando é necessário requerer a
realização de uma perícia, como é que ela se processa?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr.ª Deputada, os conhecimentos
que tenho sobre isso são os de qualquer magistrado do Ministério Público,
que sabe que, quando é preciso fazer uma perícia, se indicam os peritos e,
eventualmente, os quesitos sobre os quais se deve responder. Ou, então, dá-
se-lhes margem para definirem, digamos, aquilo que verificaram em todos
os aspetos e, depois, o jurista tira as conclusões que considerar apropriadas.
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De qualquer modo, o perito sempre diz que há, eventualmente, uma
indiciação de homicídio, ou não, ou de ser voluntário… Quero dizer,
depende das lesões que verifique, se for uma perícia desse género, mas, se
for uma outra perícia qualquer, evidentemente que é, por regra, preferível
que se apresentem quesitos a respeito dos quais ele se deva pronunciar.
Mas há coisas para as quais não é preciso quesitos, porque eles sabem de
antemão exatamente aquilo que devem verificar, até porque são informados
do efeito para o qual aquela perícia é sugerida, ou suscitada, ou solicitada.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Para concluir, era exatamente aí que eu
queria chegar. É a relação entre os quesitos que são dados, que, no fundo, é
aquilo que se pretende obter, direcionando. Como se sabe, elaboram-se os
quesitos precisamente para sabermos se ocorreu ou não determinado facto,
com base nos conhecimentos técnicos que são exigidos para chegar àquela
conclusão; nós damos apenas as premissas.
O Sr. Procurador lembra-se de ter analisado os quesitos que foram
feitos nas várias perícias neste processo?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr.ª Deputada, não me lembro de
ter visto isso e, como disse, a atuação dos peritos não foi da minha alçada.
Sobre o modo como…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Procurador, desculpe interrompê-lo,
mas os quesitos não são elaborados pelos peritos, são elaborados pela
investigação criminal.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr.ª Deputada, os quesitos, como
eu disse, para certas perícias, nem são apresentados, a meu ver, de um
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modo geral, porque não se justifica, uma vez que o perito sabe de antemão
aquilo que interessa ao investigador, à autoridade policial, neste caso, à
Polícia Judiciária e ao Ministério Público, porque aqui há intervenções
diversas de diversas entidades.
Mas isto, a meu ver, não tem nenhuma incorreção. Por exemplo, o
perito sabe, se está a ver um cadáver, o que é pertinente a respeito disso e
tem de fazer uma autópsia como deve de ser. Também sabemos que há
peritos que fazem autópsias assim um bocado aligeiradas, em alguns casos.
Não digo que tenha sido este o caso, não sei!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl de
Almeida.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Procurador, começo por
cumprimenta-lo e por fazer uma primeira pergunta: em termos valorativos,
um homicídio será bastante diferente de um acidente? É assim?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sem dúvida!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — O Sr. Procurador foi-nos
dando aqui pistas de pensamento e de análise desta questão que não deixam
de me provocar alguma perplexidade.
O Sr. Procurador acaba de nos dizer que um homicídio será sempre
diferente de um acidente, que tem um carácter valorativo diferente, e
também nos diz que admite que quem tenha outra tese possa ter razões para
pensar que houve negligência.
Portanto, quando estamos perante um facto que pode ter duas vias,
ou homicídio ou acidente, e se admite que existe outra tese que pode pôr
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em causa a solidez de quem seguiu a tese de, digamos, desprezar a questão
mais importante, isto não faz soar campainhas de alarme?!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Deputado, tanto quanto sei o
senhor está a falar dos chamados «juízos preconcebidos», aquela coisa
inicial… Nunca houve juízo preconcebido! Desde início que a Polícia
Judiciária atribuiu a investigação àquela Direção Central de Combate ao
Banditismo — que, na altura, se chamava outra coisa — e, depois, aos
homicídios. Quero dizer, se calhar, o juízo preconcebido foi de homicídio
ou de atentado — estou a falar do caso Camarate e não no de Carnaxide. É
ao caso de Carnaxide que o Sr. Deputado se está a referir?
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Carnaxide, Carnaxide!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Então, o caso de Camarate
também tem as suas…!
Então, o de Carnaxide, como acabei de dizer, se bem me lembro da
leitura rápida que fiz, de início, foi investigado pela Direção Central de
Combate ao Banditismo, que pôs de lado a hipótese imediata de haver
indícios de homicídio, que logo tinham sido suscitados, repare, pela
comunicação social, e, portanto, nessa altura, eles já estavam alertados, e,
depois, o próprio Diretor Nacional da Polícia Judiciária, o Dr. Lourenço
Martins, disse que aquele era um caso de especial melindre e que
justificava uma investigação endereçada para uma hipótese de homicídio.
Daí, a requerimento até do Ministério Público, ter sido sugerido, a meu ver,
pela Polícia Judiciária a posterior atribuição da investigação à secção de
homicídios.
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Portanto, não há um juízo preconcebido quando se atribui a uma
secção especializada em homicídios, que tinha a possibilidade de fazer uma
investigação mais apurada e pertinente para eventual verificação de um ato
doloso, de homicídio. Acho que não se seguiu uma pista de acidente. Quer
dizer, de início, a configuração que aparecia foi mais de acidente, mas,
depois, entendeu-se que a investigação deveria ser aprofundada em sede de
secção de homicídios. Lembro-me — li agora — de que a magistrada do
Ministério Público disse que houve até um conjunto de diligências tão
amplo que nem era habitual fazer-se em casos daquele género. A Polícia
Judiciária empenhou-se mesmo profundamente na investigação.
Portanto, não enveredaram pela tese de acidente sem mais!
Realmente, parece que se preocuparam em verificar se houve ou não
homicídio.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Procurador, limitei-me a
repetir uma frase que o senhor disse aqui, hoje, nesta audição. Não
especulei. Portanto, o Sr. Procurador disse: «quem tenha outra tese pode ter
razões para pensar…», se não foi textualmente assim poderemos ver na ata,
mas o sentido é este, «… que houve negligência».
O Sr. Procurador disse, e corretamente, que não era perito dos
peritos, nem estava a investigar os peritos, estava a investigar a atuação da
Polícia Judiciária neste caso.
Não entende que a Polícia Judiciária se deve apoiar, de forma
consolidada, no papel dos peritos quando estes estão acreditados?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro que sim! Tem sempre de o
fazer. E, aliás, fá-lo sempre, tanto quanto sei!
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O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente, e também nos
parece que assim seja.
Estes peritos fizeram — e aqui tive algum cuidado, porque, às vezes,
o tempo passa rápido —, nas coisas em que científica e tecnicamente se
poderia ter alguma certeza nesta altura, avaliações, até das inspeções de
segurança que já eram feitas há data e de tudo isso, e disseram que havia
uma improbabilidade enorme de ter havido uma intoxicação por via do
esquentador ou de qualquer fuga de gás na casa.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Nem todos o terão dito, Sr.
Deputado, tanto quanto me lembro e li.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Ó Sr. Procurador, nem todos!
Mas volto sempre à questão…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Deputado, aquela ideia de
inoculação, pelos vistos, foi sugerida por um representante dos familiares
das vítimas e o perito disse: «(…) um conto de Sherlock Holmes (…)»! Foi
assim que ele se exprimiu, se bem me lembro!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Bom, de qualquer das formas,
e gostava de deixar clara esta posição, entendo que, a partir do momento
em que haja indícios ou, pelo menos, indícios contraditórios, voltando à
questão inicial da valoração entre homicídio e acidente, seria de valorizar e
de eliminar, por prova contrária, os indícios que pudessem apontar no
sentido de homicídio. Estou correto, ou não, Sr. Procurador?
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Há perícias, como as autópsias,
que não revelaram violência sugestiva de inoculação forçada e há as
perícias relativas ao gás — o Sr. Deputado está a referir-se a isto —,…
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — … que consideram que, por si e
naquelas condições, aquela inalação não era suficiente para provocar a
morte, mas havia elementos potenciadores que também têm de ser
considerados, que são aqueles que já referi: as condições do
compartimento, o não haver uma tiragem adequada (há uma perita que diz
que o exaustor não fazia a tiragem adequada), o esforço físico do tal ato
sexual um tanto violento, visto que até há uma lesão mamária, enfim.
Depois, parece que se refere sangue — há, pelo menos, um perito que
refere um corrimento post mortem, embora haja, ao que parece, quem fale
em poças de sangue. Mas nenhuma testemunha falou, foi, salvo erro, um
elemento familiar das vítimas que fez essa referência, mas não está, na
audição, como testemunha. Ao fazer uma inquirição apresenta aquela tese,
que está no livro sobre Camarate.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Volto ao tema, pois parece-
me relevante e peço desculpa pela insistência.
O que nos parece, perante a análise dos factos, é que o menos
provável, pelo menos da leitura que fazemos, é ter sido um acidente. Como
o Sr. Procurador disse, não era completamente impossível, há luz da análise
dos factos, que tivesse sido um acidente.
Voltando à questão valorativa, acho muito estranho que, entre a
possibilidade de acidente e a possibilidade de homicídio, se vá pela tese de
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acidente, valorando-se mais esta tese, partindo do princípio que não é
impossível que ele ocorra.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Volto a repetir o que disse há
pouco: considerar-se que não está indiciado, com segurança, um acidente,
não significa que tenha de decidir-se que foi um homicídio. Fez-se a
investigação pela secção de homicídios, foi tudo averiguado, ao que parece,
no sentido de se verificar se houve, ou não, um homicídio. Como não se
considerou existir indiciação de homicídio, o processo tinha de ficar a
aguardar melhor prova. Pronto, ficou a aguardar melhor prova, que é o que
acontece quando não há prova que permita uma acusação. Aquisições
posteriores probatórias ou indiciárias, não sei se existem. Se existem, têm
de ser consideradas agora com referência ao momento em que ocorreram.
Naquela altura, não me pareceu nada impertinente um arquivamento com
base na inexistência de indícios de homicídio.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Mas, inexistência de indícios
de homicídio ou suficiência mínima…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Suficientes, como é óbvio!
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — … de indícios?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sempre que se diz «inexistência
de indícios» quer dizer-se indícios suficientes para produzirem uma
acusação. Têm de ser devidamente conjugados entre si e tornar plausível
uma condenação em julgamento, para se fazer uma acusação, como o Sr.
Deputado sabe.
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O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — E sentiu que foram
escalpelizados até ao limite esses indícios?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pareceu-me! E também as
audições que fiz — e fiz a várias pessoas — não conduziram a uma ideia
diferente sobre o que se passou. Aquilo não foi, realmente, a meu ver, uma
coisa líquida. Não pode dizer-se que está demonstrado que foi um acidente,
só que também não há indícios suficientes para acusar por homicídio, e,
portanto, o caso está bem arquivado.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Só para terminar as minhas
perguntas nesta ronda, o Sr. Procurador referiu-nos que teve queixas de
agentes da Polícia Judiciária que vieram à Comissão de Inquérito, dizendo
que se sentiram incomodados pelo tipo de perguntas feitas pelos Deputados
nesta Casa. Recordo, ao Sr. Procurador não é necessário, porque é um
homem de leis, a legitimidade dos Deputados para fazerem as perguntas
nestas comissões de inquérito.
Pergunto: era normal este tipo de comunicação, de desabafo e de
procura de conforto dos agentes da Judiciária junto de quem os
inspecionou?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Deputado, a meu ver, basta
ler. Como sabe, nós lemos, eu li, os depoimentos na íntegra e com as
perguntas incluídas. Em alguns casos as perguntas são, claramente, para
além do permitido em processo penal, os senhores agentes foram, de algum
modo, postos perante uma censura prévia do inquiridor, e isto não é
permitido.
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Por isso é que digo que eu sei como foram feitas as perguntas. Os
Srs. Deputados podem fazer as perguntas todas que quiserem, como é
evidente, têm essa legitimidade. Agora, não podem é fazê-las de qualquer
modo, a meu ver, e eu também não posso, como magistrado. Temos de as
fazer de um modo que ponha a testemunha à vontade, de forma a responder
com serenidade e de modo a que não fique um pouco perturbada com
aquilo que lhe está a ser perguntado. Parece que já fizeram um juízo antes
de ouvirem o depoimento e, depois, parece que aparecem, de algum modo,
conclusões que são mais baseadas nas perguntas do que nas respostas.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Para terminar, devo dizer que
não consigo contextualizar essa necessidade de desabafo das testemunhas
junto do Procurador que as avaliou no seu procedimento.
Não tenho mais perguntas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:— Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Procurador,
os nossos cumprimentos.
Sr. Procurador, reportando-me ao relatório que fez, refiro a questão
da concentração de monóxido de carbono, nomeadamente o facto de o
esquentador queimar bem ou queimar mal e da concentração que terá
provocado.
O Sr. Procurador recorda, certamente (aliás, menciona isso no
relatório), que passado uns dias do acontecimento foi feito um teste
exaustivo relativamente à medição de gases, nomeadamente da
concentração de monóxido de carbono, naquele apartamento. Citando o
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relatório do Sr. Procurador, começo por dizer: «Embora junto da
campânula se tivessem obtido concentrações de monóxido de carbono que
atingiram os 500 ppm,…» — penso que é parte por milhão — «… ao nível
das vias respiratórias as concentrações nunca excederam…», nas condições
de medição, «… 110 ppm, valor esse obtido na casa de banho depois de
hora e meia de o esquentador estar a funcionar com as torneiras da casa de
banho e da cozinha abertas.» E, depois, o Sr. Procurador tem o cuidado, e
bem, de mencionar os efeitos que provoca, nas pessoas, a concentração de
monóxido de carbono, e vemos que os efeitos dos tais 110 ppm — a
referência que temos é 100, os tais 100 ppm — são a ausência de sintomas
ao fim de 2 horas. Não há qualquer sintoma ao fim de 2 horas. E foi isto
que foi testado durante hora e meia com as torneiras todas abertas. Gostaria
que o Sr. Procurador comentasse um teste desta ordem de grandeza,
porque, depois, aos 200 ppm há ligeira dor de cabeça ao fim de 2 ou 3
horas, aos 400 ppm há dores de cabeça, náuseas e vómitos decorridas 1 a 2
horas, aos 600 ppm há dores de cabeça e náuseas ao fim de 1 hora. Ou seja,
depois do que foi testado os indicadores são muito variados. Agora, estes
que foram apurados, depois deste teste, de facto não dariam sequer dores de
cabeça.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Como eu disse, a meu ver, essa
perícia tem de considerar-se bem fundada, mas, há que verificar que, no
caso concreto, houve outras circunstâncias que, pelos vistos, eram
suscetíveis de provocar a morte com esse gás na quantidade aí referida,
aquelas que há pouco referi: as condições do compartimento, a humidade, o
esforço físico da cópula, todas aquelas coisas que, às vezes, ao ouvir-se as
pessoas, não se referenciam. É esta a tese que acho que tem algum
fundamento.
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Mas, volto a dizer, só me apareceu não existirem indícios suficientes
para uma acusação por homicídio. É possível que tenha sido um homicídio,
nunca está excluída esta hipótese. Geralmente, não é fácil dizer: «É um
acidente, está totalmente provado.»
Por exemplo, em relação ao caso Camarate, também há quem diga:
«É um acidente, está provado.» Mas a maioria das pessoas diz, ou disseram
durante muito tempo, que os elementos existentes não eram suficientes para
considerar a existência de um atentado.
Aqui, é um pouco o mesmo raciocínio. É possível que tenha havido
um homicídio, é até provável, só que não havia indícios neste sentido que
permitissem uma acusação. Dizer que a investigação deveria ser mais
apurada, mais concludente, com mais perícias ou coisa do género, é sempre
possível dizer, mas nem sempre há uma disponibilidade completa de meios
técnicos e humanos. Neste caso concreto, houve muita gente a ser ouvida
pela secção de homicídios.
Enfim, não me pareceu que fosse censurável qualquer atuação nesse
domínio, nomeadamente a conclusão a que se chegou, de não haver
indícios bastantes da existência de um homicídio.
Mais não sei dizer.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Procurador, voltando à
questão do esquentador, está a dizer que, apesar de o teste denunciar o
indicador mais baixo da tabela, que nem sequer dá dores de cabeça, e de ter
sido feito no local onde ocorreu, efetivamente, o acidente, o homicídio, o
que for, só o facto de as duas pessoas terem estado em relação sexual
provocava a morte?
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não, não é só isso! É também
pelas outras condições ocorrentes no compartimento.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas quais condições?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Isso é referenciado!
Ó Sr. Deputado, a deficiente tiragem, a humidade do compartimento,
os aquecedores ligados por ser inverno… do que me lembro, Sr. Deputado.
Não me lembro de mais nada e não tenho mais nada a acrescentar a isto
senão o que está no relatório.
Curiosamente, serem inquiridos os inquiridores…! Nós fizemos uma
averiguação sobre se havia, ou não, elementos para processar
disciplinarmente os elementos da Polícia Judiciária. De todo o conjunto de
elementos de prova que recolhemos, incluindo as comissões parlamentares,
etc., não me pareceu haver razão para optar por sugerir sancionamento
disciplinar aos envolvidos.
Não sei dizer mais nada sobre isto. Isto também é uma coisa um
tanto violenta, ao fim de vinte e tal anos vir aqui depor sobre a matéria. Eu
só sei o que está aí!
Já tenho sido, algumas vezes, testemunha em processos e digo assim:
«Olhe, tenho o direito de pôr primeiro por escrito, pois exprimo-me melhor
por escrito do que verbalmente, por um lado, e, por outro, tenho o
direito…»… Enfim, tinha direito, mas aqui, perante a Comissão, pelos
vistos é só do Presidente da República e do Primeiro-Ministro. Mas,
noutros sítios, faz-se deste modo. Porquê? Porque é preciso refletir, às
vezes, sobre as respostas e, aqui, eu não sei dizer se haveria outros
elementos, na altura em que fiz o relatório, que pudessem ser aí
mencionados, por exemplo. Não sei, acho que não!
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Portanto, só sei responder ao que está aí. Explicar por que é que
respondi assim… Olhe, reporto aos depoimentos prestados e considerei que
essas perícias não eram bastantes para, só por si, dizer «Há indícios de
crime.» Se por acaso existissem, quem é que era acusado?
Portanto, como o Sr. Deputado sabe, está no processo e é dito pelo
Sr. Diretor Nacional da Polícia Judiciária que teve especial cuidado na
investigação, entregando-a aos homicídios, eles estavam todos devidamente
alertados para as conexões com Camarate, que a comunicação social vinha
estabelecendo. Estavam todos alertados para isso e, não obstante, não se
chegou a nada, nomeadamente quanto a quem terá sido o autor de tão grave
homicídio. É óbvio! Não há nenhuma indicação neste sentido.
Portanto, no mínimo, o processo teria de ficar a aguardar melhor
prova por não haver elementos quanto à autoria da infração. Não só quanto
à natureza como, também, quanto à autoria.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Procurador, vou discordar,
e, como advogado de profissão, tenho acesso ao despacho de arquivamento
da colega do Sr. Procurador, que diz que não há indícios de crime ou
suicídio. Uma coisa são os indícios objetivos, quando há, de facto, a certeza
de que foi cometido algum crime ou suicídio; outra coisa é quem,
eventualmente, terá praticado. E a Sr.ª Procuradora foi muito clara ao dizer
que não há indícios de crime, ponto final!
O Sr. Procurador de facto menciona outros fatores, e, de facto, tem
de se ver a temperatura, a humidade, a velocidade de movimentação do ar
ambiente, a concentração, tudo isto, imagino, em circunstâncias extremas.
Pergunto-lhe se a conclusão que tem é científica, presumo que não seja.
Mas não podemos esquecer que, de facto, tínhamos 110 ppm, que nem
provoca dores de cabeça, num teste em que as torneiras da casa estão todas
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abertas, e ainda assim esta situação não provoca dúvidas aos procuradores e
aos inspetores.
Não quero que me digam que tinham a certeza que isto, de facto, só
por si, era homicídio. A minha questão é saber se estes dados não são
relevantes para que a Polícia Judiciária tivesse tido outra preocupação em
vez de encerrar a investigação passado pouco tempo, porque este processo,
esta investigação, demorou menos de seis meses. Até haver o despacho da
Sr.ª Procuradora, demorou menos de seis meses e em todas estas
circunstâncias.
Sr. Procurador, foram recolhidas impressões digitais neste processo?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não sei. Eu não consigo… Esse
processo, pelos vistos, está completamente certificado num apenso, e eu
não sei tudo o que lá está. Sei que a Sr.ª Procuradora foi ouvida por mim —
essa Procuradora está agora no Supremo, salvo erro —, e havia um
pormenor, para o qual havia uma chamada de atenção por parte da
Comissão Parlamentar, que era o ela não dizer a origem. Ela dizia que
morreu por inalação de gás, mas não dizia a origem, não dizia qual foi a
fonte da inalação. Ouvi-a sobre este pormenor e ela disse: «Bom, não disse,
mas estava implícito que foi a inalação de gás que era de um esquentador
com má queima». É o que está no depoimento dela, tanto quanto verifiquei.
Portanto, quando ela diz que não há indícios de uma coisa nem de
outra, se calhar, não está a exprimir-se da melhor maneira, mas isto
significa que não há indícios para se dizer que foi mesmo um acidente e
também não há indícios para se dizer que foi um homicídio.
Quer dizer, há alguns indícios que são equívocos, tanto dão para uma
coisa como para outra. E, portanto, enquanto não houver outros elementos,
nomeadamente quanto a um eventual autor que ter-se-á lembrado de fazer
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aquilo, o destino do processo é este, e é o de milhares e milhares de
processos. Eu, como inspetor, também fiz algumas inspeções aos processos
da Polícia Judiciária; agora já não são feitos pela inspeção do Ministério
Público.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Com o devido respeito, uma
vez mais, o Sr. Procurador, agora, está a dizer coisa diferente da que diz no
relatório. O Sr. Procurador agora está a dizer que não há indícios nem para
um lado nem para o outro. Vou ler-lhe o último parágrafo do seu relatório,
Sr. Procurador: «Do quanto se deixou exposto, se conclui, sem margem
para dúvidas, que ao contrário do que se afirma no Relatório da Comissão
de Inquérito de Camarate, não existem os mais fortes indícios de que José
Moreira e Elisabete Silva foram assassinados. É que, em verdade, nenhuns
indícios existem nesse sentido, tudo apontando para uma morte por causa
acidental».
O Sr. Procurador nem sequer equaciona «a possibilidade de…», o Sr.
Procurador diz logo: «Indícios, não houve nenhuns. Foi morte acidental».
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu digo isso porque os indícios
existentes são, realmente, sugestivos de um acidente. Esses, pelo menos!
Agora, de homicídio é que é preciso mais qualquer coisa, a meu ver, face
ao que exprimi no relatório. É com este sentido! Posso não me ter
expressado muito bem, mas a verdade é que é este o sentido. De acidente,
pelo menos, havia! Em relação ao possível homicídio, por isso se diz «nem
uma coisa nem outra», teria de haver, sobretudo, outras provas,
nomeadamente sobre uma eventual autoria, para que se pudesse
desencadear a investigação nessa vertente. Não sei.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Em relação à questão da
inalação, o Sr. Procurador menciona no seu relatório, citando um outro, a
propósito dos resultados histológicos, que, de facto, foram juntos
posteriormente, o seguinte: «(…) ‘poderá resultar do conjunto de
mecanismos asfíxicos que se verificam na intoxicação pelo monóxido de
carbono, e não significa necessariamente que hajam resultado de
introdução de ar sob pressão’». Ou seja, quem lê isto tem esta
interpretação: «O normal, quando acontece isto, é porque há introdução de
ar sob pressão, mas não é sempre assim!».
Tivemos aqui, há três semanas, uma professora do Instituto de
Medicina Legal que fez um novo exame histológico e que concluiu, sem
dúvida alguma, que, de facto, houve administração por via nasal sob
pressão — ou por asfixia mecânica ou em inoculação gasosa por pressão
nas vias aéreas e, portanto, obstruindo-as — e disse-nos, e isto constará da
ata certamente, que nem por hipótese académica consegue entender
(porque nem consta sequer dos livros) que esta rutura dos septos
pulmonares possa ser provocada pela inalação de fugas de esquentador.
A pergunta, Sr. Procurador, é mais uma vez a mesma: se não
significa necessariamente que haja um resultado da introdução, então, é por
que o normal é que, apesar de tudo, seja sob pressão? Tem esta
interpretação? A mesma que eu tenho?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não posso corroborar isso assim,
desse modo.
Sr. Deputado, vamos lá a ver, na altura em que tudo isto aconteceu
não houve ninguém que aparecesse nos processos a constituir-se assistente,
a requerer diligências, nada! Apostaram no «tabuleiro» parlamentar para
fazer o inquérito. Acho estranho, parece que se lembraram de se
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constituírem assistentes já tardiamente, quase na fase da prescrição, teria
sido, se calhar, oportuno, na altura, terem levantado essa questão.
Quer dizer, agora, ao fim de 20 anos, vir uma senhora perita dizer
essas coisas, parece que está um pouco a fazer uma lucubração teórica, que
não sei se dará para reabrir o processo. De qualquer modo, decorrido tanto
tempo, enfim, parece já quase uma inutilidade.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para terminar, Sr. Presidente.
Falei na questão deste novo exame, mas o que eu queria era o seu
comentário ao relatório da altura, onde se diz que essa inalação não
significa nomeadamente a rutura dos septos pulmonares, não significa
necessariamente que haja resultado da introdução de ar de sob pressão, ou
seja, dizendo que o normal é que tenha sido por essa mesma inalação. E os
investigadores fizeram tábua rasa disto mesmo, tal como na questão do
teste do esquentador.
Sr. Procurador, no seu relatório não vejo sequer que tenha sido
recomendado outro tipo de investigações que não tivessem sido feitas. O
Sr. Procurador já disse que provavelmente deveriam ter sido feitas outras,
mas eu não vejo isso aqui. O que vejo são, de facto, indícios que
apontavam para a necessidade de fazer outras investigações e essas, mesmo
sendo já conhecidas na altura, não foram tidas em atenção.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não me pareceu pertinente estar a
sugerir que se fizessem outras investigações. Quer dizer, aquilo, como eu
disse, foi transmitido ao Ministério da Justiça para averiguar a
responsabilidade disciplinar. E, até esse ponto, enfim, se a investigação
falhou no aspeto médico-legal ou de perícias não é motivo para se dizer que
houve infração disciplinar. É sempre possível, mesmo num processo
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qualquer de investigação, fazer-se melhor ou fazer-se com outras perícias.
Na altura, poderiam ter sugerido outras! Não sei se essa senhora perita era
viva na altura, se já teria nascido.
A verdade é que ninguém veio ao processo pedir outras coisas para
além do que foi feito. Portanto, também houve omissão grave,
provavelmente, da parte das famílias das vítimas, porque não quiseram
requerer outros meios de prova que poderiam ser eventualmente mais
esclarecedores.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Boa tarde, Sr. Procurador, vou
começar pelo fim.
O Sr. Procurador já referiu três vezes que acha que as comissões
parlamentares de inquérito tiraram conclusões de depoimentos que a elas
não concluíam e criticou, por duas ou três vezes, as comissões
parlamentares por isso.
Vou começar por perguntar o que é que acha do que vou revelar-lhe
sobre o seu próprio relatório.
Sr. Procurador, na pág. 274 do seu relatório, analisando uma
declaração que, para si, é suposta, do Dr. Fernando Fonseca à Comissão
Parlamentar, dizendo que a morte do José Moreira poderia ter «(…) ‘sido
provocada pela introdução de um gás sob pressão no nariz e na boca,
exatamente como se fosse uma máscara para anestesia, tendo sido uma
pressão maior que rompeu os alvéolos…’ (…)». Partindo desta citação das
declarações do Prof. Fernando Fonseca, o Sr. Procurador começa por
invocar o relatório do seu colega, Dias Borges, para dizer que, em verdade,
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o Dr. Fernando Fonseca nunca fez, perante a Comissão Parlamentar, a
citada afirmação. Depois, passa para o diálogo curto sobre o Sherlock
Holmes, que, aliás, a sua memória já nos reproduziu aqui, entre…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Foi uma leitura!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Exatamente.
Depois, termina esta parte dizendo: «Importante é que se repita que o
Dr. Fernando Fonseca não fez a referida afirmação que lhe é atribuída,
tendo-se limitado a admitir uma ideia sugerida pelo Dr. Xavier de Brito».
Muito bem, são palavras suas.
Pegando nas declarações do Dr. Fernando Fonseca, começo por
estranhar, como já há pouco estranhei em relação ao seu colega Dias
Borges, responsável pela investigação do Instituto de Medicina Legal, que
as citações que os senhores fazem do Dr. Fernando Fonseca tenham parado
subitamente no Sherlock Holmes, porque, na mesma página, repito, na
mesma página, em que ele responde «Não nego isso. Foi o que eu disse há
pouco, entramos num conto de Sherlock Holmes.», cinco linhas abaixo, o
Dr. Fernando Fonseca diz «Se houvesse rupturas…», dos alvéolos e dos
septos, «… haveria a mesma coisa que há, por exemplo, nos afogados, ou
seja, pequenas hemorragias justamente pelo rebentamento dos alvéolos
pulmonares.».
Na página seguinte, o Sr. Dr. Fernando Fonseca diz: «(…) devo dizer
que essa pressão provocaria o rebentamento dos alvéolos e, se as vítimas
estavam vivas, provocava hemorragia». Na página seguinte, o Sr. Dr.
Fernando Fonseca volta a referir exatamente a mesma coisa. Isto, logo a
seguir ao Sherlock Holmes. Curiosamente, estas declarações do Dr.
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Fernando Fonseca não aparecem nem no relatório do Dr. Dias Borges, nem
no seu relatório.
Agora, vamos à questão da frase que os senhores dizem que o Dr.
Fernando Fonseca nunca disse e que se limitou a confirmar uma sugestão
do Prof. Xavier de Brito.
Quem está a questionar o Dr. Fernando Fonseca, quando ele (já
vamos ver) proferiu essa frase, não é o Dr. Xavier de Brito, é o Presidente
da Comissão, que lhe pergunta: «(…) tirando a putrefação, qual poderia
ser, por hipótese, a acção mecânica que pudesse ter provocado esta ruptura
e esta distensão?». O Dr. Fernando Fonseca responde: «Uma insuflação de
gás, ou seja, um aumento de pressão exterior».
Na página seguinte, o Dr. Fernando Fonseca esclarece: «(…) disse
porque uma insuflação é meter ar. Ou seja, é meter uma máscara e despejar
aí ar à pressão».
Finalmente, na pág. 6301 das atas, o Sr. Presidente, não é o Prof.
Xavier de Brito, pergunta: «A minha dúvida é relativa à acção mecânica
que poderia originar essa ruptura e essa distensão.», e o Dr. Fernando
Fonseca responde «Sr. Presidente, eu já o disse. Poderia ter sido provocado
pela introdução de um gás sob pressão no nariz ou na boca, exatamente
como se fosse uma máscara para anestesia, tendo havido uma pressão
maior que entrou e que rompeu os alvéolos, ou seja, aqueles saquinhos que
há dentro do pulmão.»
Ó Sr. Doutor, eu vou ser delicado, mas entendo que isto é uma
omissão de declarações do Dr. Fernando Fonseca, que são muito mais
importantes do que as do Sherlock Holmes, e que há aqui, sobretudo, uma
questão muito grave, que é a de o seu colega, Procurador Dias Borges, e o
senhor, por duas vezes, afirmarem que o Dr. Fernando Fonseca nunca
proferiu estas declarações na Comissão Parlamentar de Inquérito, e eu
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acabei de lhas ler, declaradas por ele, em resposta a uma pergunta do Sr.
Presidente e não a uma sugestão do Prof. Xavier de Brito, como os
senhores afirmam.
Gostaria, por favor, que me dissesse o que tem a esclarecer sobre
isto.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Bom, quanto a esses depoimentos
prestados na Comissão Parlamentar, não tive oportunidade de verificar
quais foram. Se bem me lembro, esse senhor perito também foi ouvido no
nosso inquérito e disse sobre isto, a certa altura, que não passava de
fantasias, salvo erro — também me parece que isto está aí referido. Não sei
se o Dr. Fonseca, entretanto, mudou de opinião, mas a verdade é que, se
bem me lembro, e está no nosso inquérito, feito por mim e pelo meu colega
(essa parte acho que fui eu, embora ele ouvisse peritos…), ele falou sempre
disso como uma especulação.
Portanto, possível, é. Volto a falar do caso Camarate, onde também
se dizia que podia ser uma bomba fumígena, podia ser uma bomba de
estilhaçamento, essas coisas todas, e, depois, iam ver-se as perícias e elas
não mostravam nada. Aí, também há esse possível efeito de uma
inoculação. Mas há inoculação?! Onde é que, no corpo da pessoa, há
indícios de ter havido uma injeção forçada?! A não ser que não tenham
andado por lá a fazer… Bom, isso é a tal coisa. A verdade é que isso não
está no corpo das vítimas. É a mesma coisa que a respeito do avião,
também não está no avião aquilo de que se fala, as teses do Albarran e…
Portanto, sobre isso, ele disse que eram meras fantasias. O tal «conto
de Sherlock Holmes» era dizer assim: «Bom, em abstrato, era possível ser
assim». Isso poderia ser, realmente, produzido dessa maneira, mas a
verdade é que não há elementos que nos levem a concluir que foi produzido
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dessa maneira. É isto que significa o que está aí. Não há omissão nenhuma
minha, nem eu sou de omissões!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não, não! Desculpe,…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu até faço o relatório com
excessivas, a meu ver, remissões, porque procurei colocar lá as palavras
que as pessoas disseram e aquilo que me interessava para as interpretar. E,
nesse caso, todas essas coisas que o Dr. Fernando Fonseca diz, a meu ver,
são ditas neste contexto e com esta expressividade que resulta de ser uma
especulação, que pode fazer-se sempre, como eu disse. Pode ter havido um
homicídio? Pode, mas não há elementos nesse sentido!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O Sr. Procurador vai desculpar-me,
mas eu não falei das declarações do Dr. Fernando Fonseca. Eu falei da
omissão, nos relatórios do Sr. Procurador e do Sr. Procurador Dias Borges,
de declarações, que reputo como importantes, às Comissões Parlamentares
de Inquérito e falei, sobretudo, de uma afirmação, repetida no seu relatório,
de que esta declaração nunca tinha sido feita pelo Dr. Fernando Fonseca.
Referi-me ao seu relatório e à sua afirmação, que não só não é correta como
não é verdadeira. Referi-me lendo-lhe as declarações do Dr. Fernando
Fonseca.
Portanto, não estou a dizer que as declarações do Dr. Fernando
Fonseca são mais ou menos, que ele depois se desdisse, quando se sentou à
sua frente, não é isto que está em causa. O que está em causa é que o Sr.
Dr. Fernando Fonseca, na Comissão Parlamentar de Inquérito de 1986,
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quer em abril quer em novembro, produziu declarações que os senhores
não tomaram em consideração e que apontam, claramente, para uma
opinião dele — e já vou dizer-lhe porquê —, para a possibilidade de
insuflação de gás, e, sobretudo, os senhores afirmam uma coisa que não é
verdade, que ele não disse o que efetivamente disse. Mais: dizem que ele
não disse e que se limitou a corroborar uma afirmação do Prof. Xavier de
Brito. Também não é verdade! O que ele diz, acabei de lhe ler, é aquilo que
os senhores dizem que ele não disse e em resposta ao Presidente.
Portanto, só estou a falar do seu relatório. Estou a falar daquilo que,
para mim, constitui uma omissão e, ao mesmo tempo, uma deturpação. Por
isso é que eu disse que ia começar pelo final.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não posso garantir que as coisas
sejam como acaba de dizer…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mas eu posso garantir-lhe, porque
tenho à minha frente o seu relatório e as atas!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não, não! Não é necessário!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Eu sei que não é necessário!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não é necessário, porque o que
interessa é a ideia e não propriamente as palavras, se ele disse de uma
maneira e, depois, de outra… O que interessa é que a ideia que transmitiu
foi que era meramente especulativo, Sr. Doutor. É isto que…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não, não!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — A meu ver, era assim que
suscetível de ser interpretado.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ó Sr. Procurador, desculpe lá!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Foi assim que interpretei, se
interpretei mal…! Mas acho que não!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Desculpe lá! Quando o senhor afirma
e reafirma que ele não disse o que disse, não interessa ideia nenhuma. O
senhor está a dizer…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Estava a referir-me aos factos.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Repare no que está escrito por si:
«Importante é que se repita que o Dr. Fernando Fonseca não fez a referida
afirmação que lhe é atribuída, tendo-se limitado a admitir a ideia sugerida
pelo Dr. Xavier de Brito.» Então, vou dizer-lhe: isto é mentira! Isto, que
está no seu relatório, é mentira!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Olhe, eu nem…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Porque ele não só fez a afirmação…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu nem sei se isso é extraído do
meu relatório. Quer dizer, o meu relatório tem algumas coisas que estão…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Na Procuradoria-Geral da
República…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não é isso! Não é nesse sentido,
Sr. Doutor. Há algumas coisas que são trazidas pelo meu colega e outras
que sou eu que as leva aos autos. Não sei, agora, só vendo os apensos e o
contexto é que percebo se sim ou não, se pode dizer que a referência que
ele faz é sugestiva de que houve ali um homicídio. A meu ver, estava só a
especular sobre a hipótese que lhe foi posta.
É a ideia que me interessa e não tanto as palavras. Peço desculpa!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Uma vez mais, não é isso que está em
causa, é o seu relatório.
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
Haverá ainda uma outra ronda.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Vou concluir, Sr. Presidente.
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Quero só recordar-lhe o seguinte: referiu que a perita que aqui esteve
há uns 15 dias apareceu 20 anos depois dos factos. Mas a perita que aqui
esteve não veio dizer nada que as peritas que fizeram os exames
histológicos em 1983 não tivessem já dito. Elas disseram (e estou a falar do
depoimento delas, muito prudente e, devo dizer, em meu entender, muito
medroso, à Comissão Parlamentar): o quadro não excluía a hipótese de
crime (Isabel Pinto Ribeiro); o facto da rutura dos alvéolos ser nos dois
indivíduos ao mesmo tempo é muito comprometedor (Eduarda Marques da
Silva); diria exatamente o mesmo, que não é de excluir crime (Isabel Pinto
Ribeiro); «Provavelmente, admirei-me muito de ver a ruptura alveolar.
Recordo-me de me ter admirado.» (Eduarda Marques da Silva); e,
finalmente, ainda a Dr.ª Eduarda Marques da Silva: «Acho estranho que
não houvesse pelo menos um deles que tentasse fugir, ou que tentasse
defender-se.»
Portanto, este é o espanto, a perplexidade e a admiração das peritas
que, em 1983, fizeram os exames histológicos, não é da perita que veio cá
há 15 dias, foram elas, que falaram assim.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Disse: «não exclui a hipótese de
crime», eu também não excluo!
Quer dizer, é outra vez a mesma coisa. Vamos lá ver,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Procurador, deixe-me só
perguntar-lhe uma coisa, porque há pouco ouvi uma afirmação sua…
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Vamos lá a ver, quando se diz
que não existem indícios de acidente, nem indícios de crime, é no sentido
de que não são bastantes para se dizer que houve um homicídio.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sim, sim!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Há uma hipótese de ser,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não, não há!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — … como há uma hipótese de ser
um acidente.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Para os senhores, nunca houve!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Nunca houve?!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Nunca houve! Está escrito, como disse
há bocadinho o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos,…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Tudo isso foi investigado pela
secção de homicídios…
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Que sempre excluíram a hipótese de
crime!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Excluíram a hipótese…?!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Excluíram e o senhor confirmou, no
seu relatório, como há pouco foi lido.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Excluíram a hipótese de crime…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Mais: o Sr. Doutor, há bocadinho, fez
uma afirmação que eu queria que me esclarecesse. O Sr. Doutor disse
assim: «Não, a hipótese de crime… a gente tem de pensar se aparece um
autor…». Então, só há crime quando há autor?!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não! Claro que não!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Claro que não, não é?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro que não!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ah!…
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Mas se houver possibilidade de ir
ao encontro do autor, talvez se consiga perceber como é que aquilo
aconteceu e se houve um ato da autoria de alguém. Senão ficamos no
domínio das hipóteses. É outra vez o domínio das hipóteses!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Em relação a factos concretos, acho
que não há hipóteses, Sr. Doutor. Não há!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Mas os factos concretos são
equívocos, nesse sentido!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Já vamos ver a seguir!
É tudo, por agora, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para dar início à 2.ª ronda, tem a palavra à Sr.ª
Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª IsabelOneto (PS): — Sr. Procurador, estive a reler o seu
relatório e a pergunta que gostaria de fazer é a seguinte: para além de todas
as perícias que foram efetuadas à medição de gás e ao facto de as vítimas
terem falecido com monóxido de carbono, que outras diligências foram
feitas para afastar a hipótese de homicídio?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não posso responder a isso. Se
quiser, isso é um processo-crime e… Não faço ideia. Agora, só vendo o
processo é que posso perceber mais alguma coisa.
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Acho que houve audições variadas ou recursos a várias pessoas que
não se podiam considerar peritas mas que, de algum modo, poderiam ter
alguma ideia sobre o modo como aquele evento terá ocorrido. Não faço
ideia! Sobre isso, não tenho memória. Ao fim de 21 anos, eu sei lá!
O que está aí é o que me levou às conclusões, é o que está escrito
nesse… E só sei que foi isso, porque, agora, reli, nessa parte. O resto,
enfim, os factos têm 30 anos, o meu relatório tem 20 e já não esperava ser
incomodado para vir falar sobre este assunto, ainda por cima nestas
circunstâncias de prescrição.
A Sr.ª IsabelOneto (PS): — Sr. Procurador, de facto, ao ler o
relatório e as diligências que foram efetuadas, não vejo nenhuma outra
diligência que tivesse sido efetuada no sentido de averiguar se podia, ou
não, ter sido homicídio. Ou seja, o que está no relatório sobre as
diligências, as perícias, que foram efetuadas é que todas elas foram feitas
no sentido de verificar se a libertação de gás do esquentador poderia ou não
ser causa da morte das vítimas. Tirando esse cenário, que aponta para um
acidente natural, não há no relatório nenhuma indicação, até para se poder
concluir que não há homicídios — já agora, devo dizer que, normalmente,
só depois de se ter indícios de crime é que se procura o criminoso, porque,
até lá, ou ele se autoconfessa ou dificilmente se chega a ele —, não há uma
única diligência, em termos do que já na altura a Polícia Judiciária
dispunha, no sentido de «Bom, e se não fosse o esquentador? Vamos lá ver
o resto!». Não há uma única diligência neste processo neste sentido, e é isto
que me espanta, porque, para afastar a hipótese de homicídio, não basta ter
uma causa provável para a morte. Todos os homicídios tendem a
demonstrar que há uma causa provável para a morte ou, pelo menos, aquele
que se querem… Olhe, por exemplo, no caso de Camarate, há uma causa
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provável para a morte, que é a queda do avião. Ou seja, normalmente, os
homicídios simulados, aqueles que não são evidentes, procuram que esteja
associada uma causa para a morte.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro!
A Sr.ª IsabelOneto (PS): — Aqui não foi feita nenhuma outra
diligência até, como se diz no próprio auto de notícia, pelas características
atípicas da situação em que os corpos foram encontrados e também pelo
facto de terem falecido ao mesmo tempo e de não haver sinais de ter havido
sequer uma interajuda, no sentido de se aperceberem da situação, apesar de
não terem ido a tempo e de terem falecido. Mas, provavelmente, também o
cenário, em termos de corpos, poderia ter sido diferente, e nem isso sequer
foi averiguado neste processo.
Por isso, há pouco, perguntei se o objeto da sua intervenção, do seu
inquérito para procedimento disciplinar, tinha ficado pelo que foi feito ou
se também abrangia aquilo que poderia ter sido feito e não foi.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Além dos factos, tínhamos de
averiguar eventuais omissões suscetíveis de serem consideradas, em termos
disciplinares.
Repito o que disse: a investigação pareceu concludente e as perícias
talvez pudessem ser mais completas. Na altura, os familiares que foram
notificados não reclamaram; com certeza que houve inspeções aos
processos, que também não verificaram a existência ali de omissões.
Quer dizer, nós só estávamos a ver o comportamento dos agentes e
dos inspetores no sentido de saber se foi pertinente… Agora, pergunta-me
se foi exaustivo, nunca é exaustivo, a meu ver! É isto que em todos os
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processos acontece. E aqui, na altura, também ninguém levantou essas
questões.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Procurador, mal estará o País, devo
dizer-lhe,…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro, claro!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … e a Justiça…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Com certeza!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … se a investigação de um homicídio
depender do andamento dos familiares das vítimas!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu não estou a dizer…!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Porque nem sequer é um crime!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu não estou a dizer…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mal seria se a investigação de um
homicídio, ou de um possível homicídio,…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro! Estou absolutamente de
acordo!
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … estivesse influenciada pela
intervenção dos familiares das vítimas!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Estou absolutamente de acordo
quanto a isso! O que me parece ser extraordinário é que as questões estejam
a ser levantadas agora e aqui 30 anos depois!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas, Sr. Procurador, 30 anos depois…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro que alguma vez havia de
ser.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … ainda estamos a discutir Camarate!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Exato! Já vamos na X Comissão!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Trinta anos depois! Quer dizer, as
coisas são como são!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Volto a dizer: discutimos
Camarate, mas, como a Sr. Deputada sabe, na Assembleia da República
também houve comissões a dizerem que os indícios eram de acidente e
outras a dizerem que eram de atentado. Dependia da maioria, como sabe.
É por isso que, de algum modo,…
O Sr. Presidente: — Ó Sr. Procurador, peço desculpa, mas não
depende da maioria!
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pois, não!
O Sr. Presidente: — Não sei se quer retirar o que disse, mas sinto-
me ofendido, porque há…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pronto, quero retirar o que disse
nestes termos…
O Sr. Presidente: — É melhor! Eu já não digo mais nada…!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — … assim, puros e duros, porque
era a ideia com que se ficava nas primeiras Comissões.
Portanto, é preciso perceber que estávamos na IV Comissão
Parlamentar de Inquérito e esta Comissão Parlamentar fez acusações muito
graves à atuação da Polícia Judiciária e do Instituto de Medicina Legal.
Nós, nestes inquéritos, chegámos à conclusão de que essas acusações eram
infundadas e algumas não tinham sequer prova no contexto da Comissão.
Não tinham! É isto! Portanto, acabava por haver, conforme a maioria,
naquelas comissões iniciais… Repito, não estou a falar destes anos todos
subsequentes mas daquela altura, foi o que nos ficou, e o inconveniente de
eu estar aqui a falar, ao fim de todos estes anos, é que o retrato que tenho é
o daquela altura. Agora, se houve aquisições posteriores probatórias,
indiciárias, etc., que indicam outras pistas, tudo bem! Eu não fico nada
perturbado se se concluir que houve um homicídio, como é óbvio,
independentemente do apuramento da autoria. Assim, sempre que vejo os
relatórios das Comissões Parlamentares a serem remetidos para os
tribunais, vejo sempre o mesmo despacho. Porque será?! Não sei por que é
que todos os que deram pareceres, promoções e decisões, até judiciais,
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neste caso, foram sempre contra a tese do atentado. Não é porque não fosse
admissível, é porque não havia indícios suficientes nesse sentido. Só isso!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Procurador, permita-me que volte a
essa questão. Os indícios têm de ser procurados.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Claro!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Os indícios têm de ser procurados!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu fui magistrado do Magistério
Público,…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Se formos a um local…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — … aposentado ao fim de 40 anos
de serviço!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … e não procurarmos os indícios…!
Portanto, a questão que coloco é esta: apontou-se de início para a
questão de acidente, era causa provável, e ficou-se por aqui. É o que se
retira…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr.ª Deputada, não se ficou por
aí!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … deste relatório,…
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Discordo!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — … porque não foi feita nenhuma outra
investigação. Aliás, porque a questão estava na comunicação social e havia
a ligação com Camarate, eu até compreendo a preocupação de se ter
procurado serenar, retirando-a da brigada de banditismo e colocando-a na
secção de homicídios da Polícia Judiciária. Eu, isto, até entendo. o que não
consigo entender, neste cenário, é por que é que não se foi além. Isto é que
eu não consigo entender!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — O Sr. Diretor Nacional, nessa
altura chamava-se «Diretor-Geral», Lourenço Martins diz que a
preocupação de a retirar do combate ao banditismo era, precisamente, para
continuar a especulação, mas diz também que a atribuição aos homicídios
foi a mais correta, precisamente por ser uma secção especializada,
especialmente vocacionada para encontrar elementos no sentido de poder
ser um homicídio. Se não encontrou, vendo, nomeadamente, as perícias,
etc., não me parece que… Talvez possa dizer-se, então, que essa secção de
homicídios era bastante inábil, mas não me parece que fosse, porque, pelo
que vi de algumas inspeções à Polícia Judiciária, era especialmente
qualificada, como sabe que são as secções de homicídios na Polícia
Judiciária portuguesa.
Portanto, aqui há, realmente, uma implicação muito grande de
perícias e nós, magistrados, não somos os mais habilitados para… Enfim,
não somos peritos dos peritos, como se costuma dizer dos juízes, mas a
verdade é que os inspetores da Judiciária e os agentes estão muito
habilitados para saber tirar ilações do que veem. Na altura, se calhar, aquilo
não pareceu assim tão pertinente ou, então, a Sr.ª Doutora está a sugerir que
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aquilo foi arquivado à pressa para acabar com a questão. Mas não me
parece! Eles, realmente, implicaram muita gente, como digo no meu
relatório, muito mais até do que é habitual nestes casos, segundo é dito pela
própria magistrada do Ministério Público, acho que é ela que o diz.
Portanto, houve um envolvimento grande de pessoal. A Sr.ª Doutora
poderá dizer que, se calhar, também deveria haver envolvimento de outro
tipo de pessoal, de peritos mais habilitados ou mais capazes de dar
indicações mais concretas à Polícia Judiciária que lhes permitisse trilhar
outros caminhos.
Sobre isto, visto a esta distância, não consigo dizer melhor.
A Sr.ª IsabelOneto (PS): — Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl de
Almeida, do CDS-PP.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Procurador,
a primeira afirmação que faço é que me deixa completamente perplexo,
para dizer o mínimo, relativamente ao facto de ter aparecido morto,
juntamente com a sua companheira, o proprietário do avião que, de alguma
forma, estava ligado ao crime de Camarate na véspera de vir depor a uma
comissão de inquérito, ouvir o Sr. Procurador dizer que, à altura, ouviu que
a comunicação social já andava a ligar Camarate a Carnaxide e que era
preciso ter cuidado com isto.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sim!
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O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Então, é por a comunicação
social falar e não pelos indícios que existem que se investiga na Polícia
Judiciária?! É normal este tipo de leveza, com que se encara isto?! A mim,
parece-me do mais estranho possível.
Depois, sobre a falta do autor, obviamente que, a não ser que fosse
em flagrante delito, o autor faltaria sempre e tem de se presumir o crime
para se ir à procura do autor. Também não compreendi!
Há uma coisa, Sr. Procurador, que tenho de dizer com toda a
frontalidade e sem rodeios: o Sr. Procurador diz que está a ser incomodado
para vir aqui falar sobre este assunto, que já não tinha de estar a falar sobre
este assunto passados 20 anos.
Morreram o Primeiro-Ministro, o Ministro da Defesa e os seus
acompanhantes naquela noite. Há a possibilidade forte e com um grande
grau de evidência de haver um presumível crime ligado a essa noite.
Lembro, Sr. Procurador, que, nos Estados Unidos, e fez agora, por estes
dias, 50 anos sobre a morte de John Fitzgerald Kennedy, continuam
equipas a trabalhar para descobrir quem o matou. Não acredito, nem acho
aceitável, que algum americano deixe de ouvir quem quer que seja para
deixar de maçar quem quer que seja.
Também nós, nesta Assembleia da República, quer os Deputados
que, hoje, têm mandato conferido pelo povo português quer aqueles que o
terão no futuro, por mais manifestações de incómodo que haja com as
comissões parlamentares de inquérito, não deixaremos, com certeza, de
fazer o nosso trabalho, incomodando quem quer que seja, passando o
tempo que passar, porque a verdade não prescreve e a História obriga-nos a
isto.
É só, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, se me permite, subscrevo na
totalidade a sua intervenção.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Mas isso…
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Dr. José Ribeiro Afonso.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Deputado, para já, falo de um
autor só porque, se, de algum modo, houvesse um suposto autor, isso talvez
permitisse encontrar o fio que levasse a uma autoria, digamos, violenta e
dolosa do ato. Mais nada! Não é preciso encontrar o autor para… Entenda-
se! É assim que refiro, é com este sentido.
Quanto à legitimidade das comissões, isso de me sentir incomodado,
enfim, eu já sou quase septuagenário, e, portanto, de algum modo, acho que
tudo aquilo que falta fazer não é agora, questionando-nos, que se chega lá,
teria de ser solicitado a quem o possa fazer. Não seríamos nós, eu e o meu
colega, no contexto de um inquérito destes, a prosseguir, eventualmente.
Não me parece pertinente que tenhamos de fazer esse tipo de diligências,
que consideram que deveriam ter sido feitas e que não foram, a não ser que
queiram ressuscitar a responsabilidade disciplinar dos senhores agentes ou
inspetores, mas, essa, está prescrita.
Portanto, digamos que «Sim, senhor. Acho muito bem que
continuem a investigar!». A minha perplexidade é que eu não sou capaz de,
ao fim de todos estes anos, dizer mais do que já disse. Por isso, alguns
entendem até que nós neste papel que tivemos, de inquiridores num
processo destes termos, nem deveríamos ser convocados para isto. Essa
questão, a meu ver, foi posta anteriormente em circuito fechado, digamos, e
considerou-se que nós, o que tínhamos a dizer, tínhamos a obrigação de o
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ter dito no relatório, e dissemo-lo, o resto…! Enfim, se acham que era
preciso fazer mais qualquer coisa, não somos nós que temos de ser
questionados sobre isso, é quem fez a investigação, que, eventualmente,
nós considerámos ser pertinente e rigorosa e que os Srs. Deputados acham
que não foi. Mas não somos nós que temos de colmatar…
Protestos do Sr. Deputado do CDS-PP Raúl de Almeida.
Não, é que falou de insuficiências, omissões graves, encobrimento,
essas coisas todas… Por favor!
Protestos do Sr. Deputado do CDS-PP Raúl de Almeida.
Estou a falar do relatório da IV Comissão Parlamentar.
O Sr. Presidente: — Sim, mas tem de se cingir à nossa Comissão, é
do que estamos a tratar.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Presidente, só estou a explicar
por que motivo é que, a esta distância, acho isto relativamente incómodo.
Sou um cidadão que gosta de cumprir as regras e, portanto, não questiono a
Comissão Parlamentar.
A única coisa que estava a questionar era o modo como inquiriu
algumas testemunhas, e basta ler.
O Sr. Presidente: — A IV Comissão?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — A IV Comissão!
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O Sr. Presidente: — Ah!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sr. Presidente, só estou aqui a
falar da IV Comissão. As outras não conheço, são posteriores, nem tenho
obrigação de conhecer os factos que, entretanto, foram adquiridos nas
vossas comissões, só tenho conhecimento pela comunicação social.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Raúl de Almeida.
O Sr. Raúl de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, vou ser rápido.
De facto, o tempo pesa de forma diferente. A IV Comissão foi, de
facto, há muitos anos e, para umas coisas, 20 anos são uma eternidade e
deixam de justificar a procura da verdade ou comprometem-na, pelo
menos, e, para outras, tornam presentes memórias traumáticas.
Sr. Procurador, para terminar, deixo uma nota, em nome daqueles
que nos antecederam e em nome dos que aqui estão e, eventualmente, dos
que nos sucederão em futuras comissões que venham a haver e que se
justifique que haja: foi no Parlamento e foi o Parlamento que chegou a
conclusões a que a justiça não conseguiu chegar.
Só isto, muito obrigado.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Mas que não conduziram a
acusação nenhuma!
A justiça, então, como diz o Sr. Deputado, face aos elementos que
lhe foram transmitidos, não fez o que devia, porque devia acusar. E,
continuo a dizer, devia acusar alguém. Quem (para começar)?
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Quanto ao resto, dizer-se que há indícios seguros de atentado… A
aquisição posterior de prova pode conduzir neste sentido, mas isso eu não
sei.
Portanto, continuo a achar que não somos nós, os inquiridores de há
20 anos, que temos de dar uma saída a isto. Peço imensa desculpa, mas…
Peço muita desculpa se, de algum modo, ofendi alguém, acho que
não, porque, quanto às questões postas, basta ler, e eu li e eram dezenas de
milhares de páginas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó
Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, começo por duas
notas prévias.
Sr. Procurador, as últimas comissões de inquérito a Camarate
concluíram, por unanimidade, que Camarate foi um atentado.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu sei!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por unanimidade!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Eu sei!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Segundo, como, aliás, muito
bem diz o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha, a justiça portuguesa concluiu,
passados todos estes anos de investigação ao caso de Camarate, que o avião
caiu. É a conclusão da justiça portuguesa relativamente ao caso de
Camarate.
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O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Caiu mesmo!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — A conclusão, depois de todos
estes anos, é que o avião caiu. Qualquer pessoa consegue perceber isto.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pois claro!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O Sr. Procurador disse, a
propósito do relatório, que ainda tinha considerado, eventualmente, a
necessidade de fazer outras diligências. Mas, eu reforço, não foi só na
conclusão, o Sr. Procurador subscreve tudo o que foi feito, e vou citar, mais
uma vez, o seu relatório: «Fazendo uma rápida apreciação sobre o mérito
da investigação realizada, há que conhecer que a Polícia Judiciária efectuou
as diligências de prova que se impunham e que o relatório final se mostra
bem fundado, designadamente quanto à causa das mortes e à proveniência
de monóxido de carbono que as provocou, de modo que se justificava
perfeitamente o arquivamento dos autos sem necessidade de efectivação de
outras diligências, conforme determinado pelo Ministério Público.»
Portanto, o Sr. Procurador, passados 11 anos, considerou que, de
facto, tinha sido bem feito.
Estou a ser chato com a questão do esquentador, mas tenho de falar
outra vez nela.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não domino essa matéria!
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Mas quero dizer-lhe que, na
altura, fez-se aquele teste mas temos de o cruzar com outros dois factos:
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primeiro, o esquentador estava desligado, e o teste é feito com o
esquentador ligado e com as torneiras todas abertas (as primeiras pessoas
que chegam a casa deparam-se com o esquentador desligado), e, segundo,
não havia sinal nenhum de humidade na casa de banho. Nenhum! Nem na
banheira, nem em lado nenhum!
Portanto, a tese de que havia uma grande concentração de humidade
e que a casa estava muito quente, já na altura se percebia que não podia
colher. A verdade é que para prosseguirmos com um procedimento
criminal (e o Sr. Procurador sabe muito melhor do que eu, de longe! Quem
sou eu?) basta, de facto, haver indícios. Perante os factos que conseguimos
apurar, apenas de ler os relatórios e de os perceber, conseguimos perceber
que existiam indícios e que estes já eram conhecidos na altura.
O que faz confusão a este conjunto de Deputados e aos
representantes dos familiares das vítimas é que isto não tenha sido
devidamente levado em conta e que o Sr. Procurador, passados 10 anos,
tenha considerado que, efetivamente, as diligências foram bem-feitas e que
não se poderia concluir de outra forma.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Procurador Ribeiro Afonso, vai
desculpar-me uma pergunta de cariz pessoal, mas invocou que é quase
septuagenário. Posso saber a sua idade?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Faço, na segunda-feira, 70 anos.
É por isso que digo que estou mesmo a ser septuagenário.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — E fez o seu curso de Direito em
Lisboa?
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não, em Coimbra.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pouco tempo foi aquele em que
estive em Lisboa.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Eu fiz este mês 66 anos, fiz o meu
curso de Direito em Lisboa e fui juiz durante algum tempo.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Por acaso, sei disso.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado.
Depois, exatamente por não ser capaz de enfrentar certo tipo de
situações, abandonei essa atividade.
O Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos já se adiantou, mas quero lembrar
que, ao fim de 20 anos de investigação e, sobretudo, de recusa de aceitar
tudo o que lhe foi sendo enviado pelas comissões parlamentares de
inquérito, o Acórdão que arquiva o processo de Camarate, que tem como
relatora a Dr.ª Juíza Margarida Blasco, que é agora da IGAI, termina
dizendo que a única coisa que se pode dar por certo é que o avião caiu e
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que a causa que a justiça, durante 20 anos, manteve como a causa de um
acidente (a falta de gasolina no motor esquerdo à descolagem) é
absolutamente inadmissível. Terá conhecimento disto e, portanto, sobre a
justiça portuguesa, no caso Camarate, penso que o acórdão final é
eloquente e elucidativo.
Voltando a esta questão, vou ser relativamente preciso no que vou
dizer. O Sr. Procurador lembrar-se-á de que os primeiros agentes da Polícia
Judiciária a chegarem ao apartamento de Carnaxide são dois, que vão com
um condutor depois de terem recebido um telefonema de um diretor-
adjunto da Polícia Judiciária à meia-noite. Eles chegam ao apartamento por
volta das 3 horas da manhã; acordam a porteira; estão 2 horas no
apartamento e voltam. Sobre o que estes agentes viram, cheiraram,
apuraram e investigaram não há uma palavra, nem sequer o nome deles!
Estes são os primeiros agentes da Polícia Judiciária a chegar e chegam 15
horas depois de os corpos terem sido descobertos e 10 horas depois de
terem sido retirados.
Depois, o Sr. Procurador continua: «No dia seguinte, o Sr. Inspector
Paulo Bernardino, inspector da DCCB, preocupado com as questões que a
comunicação social levantava, enviou os Srs. Agentes Paulo Franco e
Mário Coimbra Mendes.» E, o Sr. Procurador diz que estes dois agentes da
DCCB, enviados pelo Inspetor Paulo Bernardino, todos eles envolvidos
seriamente na investigação de Camarate, no local apuraram que o
esquentador instalado na cozinha funcionava mal, deixando um forte odor a
gás, e que era deficiente o sistema de exaustão do prédio.
Sr. Procurador, são estes dois agentes que, no dia 6 de janeiro, fixam
as causas do acidente. Elas são fixadas por estes dois agentes, cuja
preparação para investigarem exaustores, esquentadores e afirmarem
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perentoriamente o que afirmaram, permito-me pôr em dúvida! E é a partir
da fixação destas causas que, depois, toda a investigação é feita.
Quando, uma semana depois, o agente Herculano começa a
investigar, antes de levar a perita do Instituto Ricardo Jorge, como o Sr.
Procurador aqui relata, levou três engenheiros, dois da ESSO,
provavelmente a marca do gás que lá estava, e um terceiro engenheiro. Os
três engenheiros fizeram, como o senhor diz, as experiências que
entenderam dever fazer, fizeram os testes que entenderam dever fazer e
concluíram que tanto o esquentador como o fogão estavam a queimar
normalmente e que não havia rutura quer nas bilhas quer nos tubos, não se
notando qualquer fuga de gás. Disseram ignorar a proveniência do
monóxido de carbono.
Depois disto, o agente Herculano vai, então, buscar uma quarta
engenheira, a Sr.ª Engenheira do Instituto Ricardo Jorge, e é esta senhora
que faz as medições e que apresenta as tabelas, segundo as quais, como já
aqui foi amplamente documentado, para que os dois pudessem morrer,
mesmo com esse circunstancialismo que os senhores da Judiciária criaram
— não foi ela, Instituto Ricardo Jorge, mas a Judiciária —, de estarem a
praticar o ato sexual, etc. (em nenhum momento vi referido que os
aquecedores estavam ligados, mas, enfim, mesmo com isso tudo ligado),
para que eles tivessem os níveis brutais de carboxihemoglobina no sangue
(já falamos neles) eram precisas não sei quantas horas de todas as torneiras
a funcionar com a água quente e não sei quanto anidrido carbónico, que
normalmente sobe, como aqui disse o Dr. Fernando Fonseca, e não desce.
Estes são os factos relacionados com o esquentador e com o monóxido de
carbono.
Quero chamar a sua atenção para o seguinte: no dia 5, são
encontrados os corpos; no dia 6, vão os dois agentes da DCCB afirmar o
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que aconteceu ali, são eles que afirmam, pela primeira vez; e, no dia 7, o
Sr. Subinspetor Polónio, da Polícia Judiciária, dá uma entrevista aos
jornalistas, onde apresenta imediatamente as conclusões.
A investigação ainda estava por fazer, mas, no dia 7, o Sr. Inspetor
Polónio afirma aos jornalistas que se tratou de um acidente por intoxicação
de gás (antes dos resultados das autópsias aparecerem, o que só aconteceu
12 dias depois), que o esquentador ainda estava aberto (o que é mentira),
que o apartamento estava inundado de gás (o que é mentira), que todas as
janelas estavam encerradas (o que é verdade), que as duas vítimas ainda
tinham as toalhas na mão (o que não é verdade) e que um dos agentes que
lá foi (e não se sabe se foi o Paulo Franco, se o Coimbra ou se aqueles três
agentes não identificados da primeira brigada que lá vai durante a noite)
quase desmaiou com o cheiro a gás.
Estes são os factos e são reforçados quando, no relatório das
autópsias do dia 19, o médico tanatologista, Dr. Fernando Fonseca,
considera que os níveis de carboxihemoglobina, quer num quer noutro, são
bastante mais elevados que os considerados como limite mortal. Ou seja,
não consigo perceber — confesso, provavelmente é minha incapacidade —
como é que, com isto tudo, se insiste num acidente. É como em Camarate:
insiste-se num acidente que é impossível. Pode ter sido outro, eu sempre
disse isto em relação a Camarate, mas o que é espantoso é que as
autoridades (Polícia Judiciária, Procuradoria-Geral da República e, no caso
de Camarate, magistrados judiciais) insistiram sempre num acidente, que,
20 anos depois, acabaram por perceber que não podia ter acontecido.
O que eu acho espantoso nisto é, de facto, continuar a insistir-se, e é
só por isso que me choca tanto o seu relatório como o do Dr. Dias Borges,
porque vão claramente confirmar uma coisa que é mal-amanhada, uma
coisa que não faz muito sentido, e que, ainda por cima, tem esta coisa
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espantosa: quem afirma o que ali se passou são os dois agentes do Inspetor
Paulo Bernardino que vão lá.
Depois, há os exames histológicos, que é uma coisa que os senhores
nunca se… Quer dizer, como é que os exames histológicos, que trazem um
claríssimo sinal vermelho de alarme, são entregues em mão ao agente
Herculano, entram nesse mesmo dia nos autos e não são vistos pelo Dr.
Fernando da Fonseca, apesar de os senhores dizerem que ele não se recorda
mas de certeza que os viu? Mas nós nem sabemos se ele estaria nesse dia,
porque tudo se passou no dia 11 de abril de 1983.
Sr. Doutor, custa-me, de facto, dizer-lhe o seguinte: este relatório é,
para mim, um relatório que, por um lado, me entristece muito e, por outro,
me inquieta, porque as obstruções, as deturpações, as lacunas (para mim,
importantíssimas) e esta vontade de não ver coisas que estão à frente… Ou
seja, não podia ser! A própria perita diz que há 500 ppm na campânula do
esquentador, mas que lá em baixo não se consegue passar dos 100…! Ao
fim de hora e meia com as torneiras abertas na cozinha, na casa de banho,
em todo o lado?! Até a descrição do cenário: dois corpos ali, a roupinha
toda arrumada, os sapatinhos postos, as meias desapareceram… Tudo isto é
uma coisa muito…! E, de repente: «Não! É acidente! É acidente! É
acidente! É acidente!»
Para mim, não é! E vou dizer-lhe o seguinte: os crimes prescrevem
penalmente, como o senhor sabe muito melhor do que eu, mas passem 30,
40 ou 50 anos, não há tempo para que prescreva a vontade de se descobrir
se houve efetivamente um crime. Isto não prescreve! E, sobretudo, não há
tempo para se perceber se, de facto, houve ou não uma má investigação,
eventualmente uma ocultação de factos que são importantes e uma teimosia
e persistência numa coisa que era visivelmente difícil de acontecer.
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Agradeço-lhe que há pouco tenha dito, no fundo, «os indícios de
acidente… indícios de crime…!» Não, não! O que o senhor disse, nesta
altura, no seu relatório, foi que era, claro e definitivamente, um acidente,
como, aliás, foi dito pela Judiciária…
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Sobre não haver indícios
suficientes… Não sei, exatamente, como me exprimi!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Não?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Procurador, eu ajudo-o. Foi
«nenhum»!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — «De tudo quanto se deixou exposto, se
conclui, sem margem para dúvidas,…» — isto tem não só uma conotação
em português como jurídica — «… que, ao contrário do que se afirma no
relatório da IV Comissão, não existem os mais fortes indícios de que José
Moreira foram assassinados. É que, em verdade, nenhuns indícios existem
nesse sentido, tudo apontando para uma morte de causa acidental».
Dispenso-me de adjetivar, quer intelectual quer profissionalmente!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Pois, mas eu não disse «não
existem nenhuns mais fortes indícios»?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não, não!
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Diz à frente «nenhuns»!
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — É provável que a expressão não
seja essa…!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, não tenho mais nada a
dizer.
O Sr. Presidente: — Não sei se o Sr. Procurador quer responder.
O Sr. Dr. José Ribeiro Afonso: — Não sei se vale a pena. Estas
coisas não domino, senão examinando os processos.
O Sr. Presidente: — Então, Sr. Procurador, se não há mais questões
a colocar, agradeço a sua presença, em nome da Comissão.
Dou por terminada a nossa reunião.
Eram 18 horas e 35 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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INiCF
RELATORIO DE EXAME IIISTOPATOLOGIC()
Proteso n: 59/83 Lisboa natse Ihstologica n : 59 83
Nonie: José Manuel Silva Ioreira
Idade: 43 aims Seo: Masculino
Entrada: Agosto 2013 (‘ncluslio: 1010/2013
Blocos de parafina corn: I— NicIeos da Base (21). 11 — Baço (11). III — Figado (Ii). IV — Pulmão (20. V —Miocárdio (2Q. VI Rins (21)
Face a evoluçao tecnologica. Os rnicrntornos actuais nan permitern o cone de hiocos amigos (cujasdirnensñes c formatos nao são sla,ida,di:adu.s): raião pci qLiaI o fragmentos dos hlocos dc parafinaoriginais tivcrarn dc scr desincluldos c re—inciLlidos (lu/c docurnenlação Iotograhca).,\s lârninas Ioran coradas corn He,natoxilma-Eo.sina. IS. Per/s. ErG e Trjcromjo de 1ason.
— Jodos Os organs fragmentos estudados apresentarn coiigestao vascular marcada e dilusa.
— Parénquirna puirnonar corn thsrensao 111/1110 proc’mm(’nle (/05 (1I/COl(E, a(l(’l”aiOIfleilt() dos ScJ2tOsin’ralic’olarcs C Oft rI(J)tUra do ,iiesiiio.s c’ coIlsequente coilfluencia dL’ e.spaço.s ale’olares (ride liguras,).
— Parénquima hcpálico corn ectea(ose inacroie.sicalar marcada (7(Y ) e difusa. Tern calcificaçocssubcap sulares.
A congestao vascular generahzada e as alteraçoes dc.scritas no purénquirna pulmonar podern senobservadas cm situaçOes de:
1) Asfixia Mecãnica. norneadarnente por ohstrução das vias areas supeniorcs.2) Insuflação gasosa. sob pressão, nas vias aéreas.
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No caso cm apreço. a supramencionada situaçao 2) poderia cnquadrar-sc corn os elevados niveissangumneos de carboxihernoglobina.Bates dados deverão ser avaliados no contexto juridico-periciaL
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RELATORIO DE EXAME HISTOPATOLOGI(O
Processo n°: 60/83 Lisboa-\milise If tuIogca n’: 60/83
‘orne: Elisabete da Piedade Silva
Made: 28 anos Sexo: Feminino
I’ntrada: Agosto 2013 Uonchis/io: 10/10/2013
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Blocos de parafina corn: I— Nüclcos da Base (21’), II
— Baço (1 I). Ill— FIgado (11). IV — Pulrnão (21’), V
—Miocardio (21). VI— Rins (21). VII
— Saco Arnniático corn ernhrião’? (21). VIII Marnilo dtreilo (31).Face i evoluçao tecnologica. OS rnicrok)rnos actuais nao permitern 0 corte de blocos antigos (cujasdirnensöes e Iorrnatos nao sao srandardi:ados ): razao pela qual Os fragmenios dos hIoco’ de parafina’originais liverarn de scr desincluidos e rc-incluidos (dde docurnentacão lologralica).As lárninas forarn coradas corn Hematoxthna—Eosina, PS. Per/s. ErG e Jru’romio c/u 1a soij.
Descrieáo
I’odos os orgaos Iragmentos estudados apresentarn congestao vascular marcada e dilusa.
— Parênquirna puirnonar corn disten.sdo motto proeminente dos !l5L’olOV. ade/gaçainctito (/0.5 S(’J)tO.Sintera/s’eolare.s e ott rupture c/Os iiiesnio.s C coflSetJUelIte contluencia (IC espaços alveolare.s (ride lIgura\)Ha. ainda, ft)cos de aIxéolo, corn edema e rnacrófago’ corn pigrnento castanho maloritariamenic ‘Pens’positivo (hemossideról’agos).
— Pan2nquirna hepático corn liepatite cranica portal ligeira a niodcrada. corn sinais de aclix idade focal(interface) c dc cronicidadc (evolução parafibrose).
- Utero corn presenca de sinais gravIdicos (decIdua e vilosidades coriónicas). Não se observarn pecasemhrionárias (nesta arnostra).
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A congestao vuscular generalizuda e as alteraçoes descritas no parénquimu pulrnonar p0(1cm serobservadas em situaçOes de:
1) Asfixia Mecânica, nomeadamente por ohstruçao das vias aéreas superiores.2j Insullacao gasosa. sob pressao. nas vias aéreas.
No caso em apreço. a supramencionada situaçao 2) poderia enquadrar-se corn os elevados nIveissangumeos de carhoxihemogiobina.Estes dados deveräo ser avaliados no contexto juridico-pericial.
Prof’ Douoa Rosa Henriques de Gouveia
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
1 de Novembro De 2013
(42.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1. Audição da Sr.º Diana Andringa, jornalista da RTP;
2. Outros asuntos.
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SUMÁRIO
O Sr. Presidente (José de Matos Rosa) deu início à reunião às 15
horas e 10 minutos.
A Sr.ª Diana Andringa, jornalista da RTP entre 1978 e 1998, após
uma intervenção, respondeu aos Srs. Deputados Isabel Oneto (PS), José
Ribeiro e Castro (CDS-PP), Miguel Santos (PSD), Inês de Medeiros (PS) e
Pedro do Ó Ramos (PSD) e aos Srs. Representantes dos Familiares das
Vítimas Augusto Cid, Dr. Luís Filipe Rocha e Eva Henningsen.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 47 minutos.
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O Sr. Presidente (José de Matos Rosa): — Srs. Deputados, declaro
aberta a reunião.
Eram 15 horas e 18 minutos.
Gostaria de dar as boas-vindas e agradecer a presença da nossa
depoente, a Sr.ª Jornalista Diana Andringa, a quem peço que se identifique,
dizendo o nome.
A Sr.ª Diana Andringa (Jornalista da RTP entre 1978 e 1998): —
Diana Marina Dias Andringa, mas, normalmente, uso só Diana Andringa.
O Sr. Presidente: — Começo por dizer que «A Comissão de
Inquérito Parlamentar tem por objeto dar continuidade à averiguação cabal
das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro de 1980, ocorreu
a morte do Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro, do Ministro da Defesa
Adelino Amaro da Costa e dos seus acompanhantes, nos termos do
disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 91/2012 (…)».
Informo ainda que este depoimento é feito sob juramento, nos termos
do n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Penal, pelo que pergunto se
jura dizer a verdade e somente a verdade.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim.
O Sr. Presidente: — Informo também de que, se prestar depoimento
falso, pratica o crime de falsidade de testemunho, previsto no artigo 360.º
do Código Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou de multa até 600
dias.
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A audição da Dr.ª Diana Andringa foi solicitada por ter feito uma
reportagem no dia e no local da tragédia, onde se fez a cobertura televisiva,
para a RTP1. A Comissão solicitou a sua presença para, no fundo, saber a
sua opinião acerca do que se passou, do que houve e até do que aconteceu
com a sua peça jornalística, o que efetivamente foi ou não para o ar, em
suma, para saber o que se passou naquele fim de tarde e madrugada.
Pergunto se deseja fazer um pequeno depoimento antes de passarmos
às perguntas dos Srs. Deputados.
A Sr.ª Diana Andringa: — Posso fazer, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito bem, mas, antes de lhe dar a palavra, dou
conhecimento da grelha de tempos: a 1.ª ronda é de 5 minutos por grupo
parlamentar e por representantes dos familiares das vítimas, que será de
pergunta e resposta direta; a 2.ª ronda é de 3 minutos por grupo parlamentar
e por representantes dos familiares das vítimas; e a 3.ª ronda é de 2 minutos
a cada Deputado e a cada representante dos familiares das vítimas que
queiram colocar mais alguma questão. Já houve reuniões em que ficámos
pela 1.ª ronda. Porém, se os Srs. Deputados acharem que estão
esclarecidos, poderão prescindir das rondas seguintes.
Tem, agora, a palavra para a sua intervenção inicial.
A Sr.ª Diana Andringa: — Em primeiro lugar, quero cumprimentar
todos, especialmente os familiares das vítimas.
Quero dizer que tudo quanto sei é aquilo que me aconteceu, enquanto
jornalista que foi ao local neste dia. Não averiguei mais sobre o caso de
Camarate, não estudei mais o caso de Camarate. Tive, apenas, algumas
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discussões com camaradas de trabalho, que, mais tarde, estavam a trabalhar
sobre o caso de Camarate.
Era jornalista da área internacional, na RTP1. Estava na redação, já o
telejornal estava no ar e, por isso, a redação da RTP1 estava praticamente
vazia, as pessoas já se tinham ido embora, quando, de repente, chega um
dos responsáveis do telejornal (não tenho a certeza absoluta, penso que era
o Adriano Cerqueira, mas não tenho a certeza) a dizer: «caiu um avião em
Camarate, temos de fazer uma reportagem!». E não havia ninguém para
fazer a reportagem. A mim não me competia, porque era jornalista de
internacional, mas disse: «Bom, se não está ninguém na redação, eu posso
ir!». Foi arranjar-se, a correr, uma equipa, para eu ir para Camarate com
essa equipa.
Cair um avião em Camarate era notícia suficiente para nem sequer
colocar a questão «será ou não uma pessoa importante». Era um avião que
tinha caído em Camarate.
Quando ia a sair, já no carro, com a equipa, a jornalista Margarida
Marante vem ter comigo, visivelmente nervosa, e diz-me: «Diana, posso ir
contigo?». Fiquei muito espantada e disse: «Podes», mas, como ela era
jornalista da área nacional — é verdade que da política nacional e não da
nacional sociedade — disse-lhe: «Ó Margarida, se tu vais, se calhar, não
preciso ir eu. Quer dizer, não é preciso irem dois jornalistas por causa de
um avião que caiu em Camarate». Ela respondeu: «Não, não! Eu vou
contigo!». Eu disse-lhe: «Tudo bem, então vem».
Antes de chegarmos a Camarate (leva tempo a organizar-se uma
equipa para sair), já tinha saído o Henrique Garcia, que, esse sim, pertence
à primeira equipa a chegar ao local e faz uma cobertura sem ainda saber
quem está no avião, ou seja, faz uma cobertura sobre um avião que caiu em
Camarate, se há corpos, etc.
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Quando chego a Camarate, a primeira pessoa que vejo, mas não sei
identificar, é um senhor que eu conhecia como guarda-costas dos gabinetes
ministeriais, dos corpos ministeriais. É daquelas pessoas que, enquanto
jornalista, encontrei várias vezes em serviço quando, por acaso, ia a algum
sítio fazer uma reportagem, por isso, conhecia o senhor de vista.
Perguntei-lhe: «O que é que o senhor está aqui a fazer?!». Ele
respondeu: «Estou de folga». Achei aquilo uma resposta estranha e disse-
lhe: «E o senhor costuma passar sempre as suas folgas na Charneca de
Camarate?», ao que ele respondeu «Bom, estou de folga, porque era, até há
poucos minutos, guarda-costas do Sr. Primeiro-Ministro». Nessa altura,
percebi que tinha caído o avião com o Primeiro-Ministro. Como não era um
assunto que me competia cobrir, nem sequer calculava quem eram as outras
pessoas que estavam no avião.
Perante isso, fomos, obviamente, ao local onde o avião estava caído;
os corpos ainda estavam destapados, os bombeiros estavam a começar a
tratar das coisas. Começámos a filmar e comecei a entrevistar os moradores
que tinham assistido à queda.
Nessa altura, já as pessoas estavam a levar restos do avião para casa,
na ideia de que «caiu um avião em Camarate, quero guardar esta
recordação».
Em todas as descrições que me fizeram (já não me lembro de quantas
pessoas entrevistei, mas cinco ou seis, pelo menos), todas as pessoas
disseram a mesma coisa, ou seja: isto aqui é um sítio onde passam muitos
aviões; passou um avião, ouvimos um barulho, que parecia que o motor
estava a funcionar mal e, depois, o avião veio por aí abaixo, bateu num fio
de eletricidade e incendiou-se; depois, bateu aí na casa e partiu-se todo.
Esta foi a versão que ouvi, pelo que fiquei completamente convencida de
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que se tratava de um acidente, nem me ocorreu qualquer outra explicação,
na altura.
Entretanto, começaram a chegar outros jornalistas, naturalmente.
Chegou o Joaquim Furtado, que penso que foi o terceiro jornalista a chegar,
depois começaram a chegar jornalistas das rádios e dos jornais. Entretanto,
chegou o Dr. Eurico de Melo, que era, na altura, o Ministro da
Administração Interna, que mandou retirar dali os jornalistas, nem que
fosse à pancada, e fomos retirados do local. Nessa altura, eu, o operador e o
assistente fomos pedir a uma vizinha (já não sei quem é, naturalmente) se
nos deixava filmar a partir de cima, e estivemos a filmar, a partir de cima, o
que se passava e a gravar as imagens do que estava a acontecer.
Cheguei à redação, fui imediatamente fazer as montagens; estive a
montar os depoimentos e as imagens que tínhamos recolhido. Fizemos
várias peças e nessa altura, já sabíamos quem é que estava, já tinha havido,
também, a declaração do Vice-Primeiro-Ministro. Na sala ao lado, estava,
salvo erro, o Furtado em montagem também. E penso que saí dali por volta
das 3 horas da manhã, deixando peças montadas. Quando cheguei a casa,
referi ao meu marido as peças, etc., e também ele passou a conhecer o que
as peças diziam e ele ainda se lembra de as ter visto, no dia seguinte, no
Jornal da Uma. No Jornal da Uma terão passado; no Jornal da Noite
tinham desaparecido.
Cada vez que vou à procura desses depoimentos, não os encontro.
Tenho uma vaga esperança de que ainda existam na Eurovisão e nos países
aderentes à Eurovisão, porque as imagens e as reportagens que fizemos,
quer eu, quer o Furtado, foram enviadas para Eurovisão, porque, como é
natural nestas coisas, evidentemente, vários países quiseram as imagens.
Sei que a RTP até recebeu um louvor pelo magnífico trabalho que tínhamos
feito. Esse magnífico trabalho desapareceu. Daí decorreram as minhas
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discussões seguintes sobre Camarate, que tiveram a ver com o trabalho que
se seguiu, que é do Barata-Feyo e do Artur Albarran. Mas sobre isso,
provavelmente, o Barata-Feyo saberá falar muito melhor do que eu, porque
discordei do ângulo de atentado que ele estava a dar, quando, pela
descrição que as pessoas me tinham feito, me parecia absolutamente natural
que tivesse sido um acidente. E estranhei o desaparecimento das nossas
imagens e não serem utilizados os depoimentos que tínhamos recolhido,
que, aparentemente, de facto, cada vez que falo nisso, não aparecem.
Portanto, isto é o que sei sobre Camarate. O que vim a saber mais
tarde — tinha quase a certeza, mas agora tenho a certeza porque li o livro
do Barata-Feyo — foi que o trabalho que ele fez foi praticamente
encomendado para demonstrar que era um atentado, mas, no final, tendo
ele chegado à conclusão de que, pelo menos, os peritos estrangeiros não
indicavam que fosse um atentado, quis alterar a posição do filme e tudo o
que lhe foi permitido pela direção foi pôr, no fim, uma legenda.
Devo dizer que tivemos a informação (e, aliás, apresentámos queixa,
penso eu, aqui, na Assembleia, não numa Comissão de Inquérito de
Camarate mas num inquérito sobre a RTP) de que, nessa noite, ou seja, na
noite de 4 para 5, um grupo de pessoas — entre as quais o Dr. Proença de
Carvalho, ao tempo Presidente do Conselho de Administração da RTP, o
Duarte Figueiredo, ao tempo Diretor de Informação da RTP, a Maria Elisa,
ao tempo Diretora de Programas, e uma pessoa amiga — teria estado a
trabalhar sobre essas imagens e sobre a questão de Camarate.
Portanto, estas são as únicas informações que eu tenho, do resto não
sei.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, começo por
cumprimentar a Sr.ª Jornalista Diana Andringa pela sua disponibilidade em
estar aqui presente e por ajudar-nos nesta matéria.
Vou dividir as questões, em dois grupos, sendo sobre um aquilo que
efetivamente viu na noite de 4 de dezembro e, o outro, sobre as imagens da
RTP.
Em relação àquilo que viu, gostaria que nos relatasse, se possível,
exatamente, além do guarda-costas do Primeiro-Ministro e dos bombeiros,
que forças de segurança, efetivamente, estavam no local quando lá chegou.
Gostaria que nos fizesse um relato, tanto quanto a sua memória lho
permita, que reconstituísse aquilo que viu até sair do local, em termos de
dispositivos de segurança, de perímetro de segurança do local, enfim, tudo
o que possa lembrar-se sobre esta matéria.
A Sr.ª Diana Andringa: — Ora, bem, quando cheguei, não havia
forças de segurança. Havia este senhor, que eu identifiquei por conhecer de
vista e de quem não sei o nome (isto é um erro meu, porque,
provavelmente, deveria ter tomado logo nota do nome, mas, confesso, não
foi a coisa que mais me preocupou, na altura), e havia os bombeiros.
Portanto, estivemos completamente à vontade, como digo, a filmar
os corpos que, aliás — lamento dizê-lo, feliz ou infelizmente, não sei —,
eram reconhecíveis. Ou seja, era possível reconhecer aqueles que
conhecíamos e pudemos filmar completamente à vontade. Estávamos só
nós, bombeiros e populares; não estava, rigorosamente, mais ninguém.
A certa altura, de facto, aparece o Dr. Eurico de Melo e aparecem
forças da PSP. Evidentemente que, entretanto, se houvesse elementos quer
da PSP quer da PJ (Polícia Judiciária) desfardados misturados com a
vizinhança, não os poderia reconhecer. Mas forças de segurança enquanto
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tal, identificadas, só chegaram já nós estávamos a filmar — a minha
equipa, seguramente, e acho que até a equipa do Furtado. Portanto, levaram
tempo a chegar e começaram a agir depois da ordem do Ministro Eurico de
Melo. Até aí, de facto, eram bombeiros, jornalistas (poucos) e populares.
Não havia, rigorosamente, mais ninguém.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não tem ideia de ter havido, de
imediato ou mesmo depois de as forças de segurança terem chegado ao
local, uma preocupação de acautelar a cena do acidente? Ou seja, tem ideia
de que tivesse havido uma preocupação de estancar o local, de procurar, no
fundo, independentemente de ser um acidente ou um atentado, preservar o
local logo após a ocorrência, para, depois, se fazer a investigação?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
Durante o período em que lá estivemos e, como digo, até chegar o
Ministro Eurico de Melo, as coisas estiveram completamente abertas, os
corpos estavam destapados (só mais tarde é que os bombeiros começaram a
tapá-los), aproximámo-nos mesmo dos corpos e havia pessoas a levarem
pedaços de avião para casa. Quer dizer, pedaços de avião, restos, etc., na
ideia de que «caiu aqui um avião, vamos guardar uma recordação». É uma
coisa que me tem feito alguma confusão. Quando oiço falar do inquérito,
penso: «E essas peças?! Alguém foi procurá-las a casa das pessoas?» —
porque nós vimos. Até para nós, jornalistas, era um bocado estranho,
porque, apesar de tudo, num acidente costuma haver peritagens! Diria que
houve uma atitude muito portuguesa! Quer dizer, há um acidente pára toda
a gente a ver, levam uns restinhos para, depois, dizer aos outros: «Olha,
houve aqui um grande acidente, etc.».
Portanto, no princípio, ninguém sabia quem era e, como não se sabia
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quem era, até de facto chegar o «aparato», que foi quando chegou o
Ministro da Administração Interna e a polícia, até aí, era um acidente
completamente banal, em que, infelizmente, já não se podia fazer nada
pelas vítimas e que, portanto, estava-se apenas a observar. Os bombeiros,
depois, colocam as lonas para cobrir os corpos, mas nós, jornalistas,
andávamos ali tranquilamente, sem nenhum problema, até à chegada do Dr.
Eurico de Melo.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Lembra, por acaso, por quem foi feita a
identificação? Foram os bombeiros que estavam no local, uma vez que
foram os que mais se aproximaram das vítimas? Quem é que dá,
efetivamente, a notícia de quem estava no acidente?
Viu, de alguma forma, objetos pessoais das vítimas, que tenham
circulado ou que tenham sido recolhidos na altura pelas forças de segurança
ou por populares?
A Sr.ª Diana Andringa: — Bom, eu não sei quem é que deu a
notícia. Quando saí da RTP, aparentemente, alguém saberia, alguém já teria
tido a informação de que poderia estar naquele avião o Primeiro-Ministro
ou, pelo menos, alguém saberia que estava o Eng.º Amaro da Costa,
porque, nitidamente, quando saí, aquele enervamento da Margarida
Marante era por já saber que no acidente estava alguém ligado ao Governo,
ligado a pessoas que, neste caso, a Margarida conheceria bastante melhor
do que eu, mas não sei quem deu essa notícia, não sei de onde é que a
notícia veio. Estamos a falar de uma direção da RTP que era muito próxima
do Primeiro-Ministro. O Duarte Figueiredo tinha vindo do Gabinete do
Primeiro-Ministro, tinha sido essa, aliás, uma das razões por que nós,
conselhos de redação, o tínhamos contestado. Mas não sei quem deu a
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notícia.
A notícia começou a espalhar-se, porque quando aparece um
ministro, quando aparecem jornalistas, quando começa a aparecer uma
série de gente, as pessoas começam a desconfiar que é uma pessoa
importante. Eu devo dizer que, provavelmente depois de se saber ou de se
suspeitar… Por exemplo, o Dr. Sá Carneiro era profundamente
reconhecível e era possível às pessoas fazerem essa identificação. As
pessoas que tivessem essa capacidade visual facilmente faziam essa
identificação. Eu, de facto, conhecia mal os outros, só conhecia
razoavelmente o Dr. Sá Carneiro e a Snu e andei a ver se a encontrava, mas
tive dificuldade, todavia o Dr. Sá Carneiro foi identificável.
Portanto, acho que isso começou muito rapidamente a correr e,
entretanto, os jornalistas que chegam também já sabiam, vinham das
redações onde já se sabia o que era.
Sobre objetos pessoais, eu não vi, mas também tenho de dizer que
um jornalista, quando está a trabalhar — e alguns já foram jornalistas e
sabem isso —, está atento a umas coisas e não está atento a outras. Quando
está a entrevistar uma pessoa, outra pode estar a meter qualquer coisa no
bolso que nós não vemos, porque estamos com os olhos fitos naquela
pessoa.
Por outro lado, depois de sermos mandados sair dali tivemos de
procurar uma casa, cujos moradores não se importassem que fossemos para
lá filmar e, portanto, também durante esse tempo não estivemos ao lado dos
corpos, nem do avião caído. Portanto, não tenho uma resposta concreta
para lhe dar.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — (Por não ter falado ao microfone, não
foi possível registar as palavras da oradora.)
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — As imagens que filmou na noite de 4 de
dezembro desapareceram completamente? Essas imagens já não se
encontram na RTP? A RTP não tem essas filmagens?
A Sr.ª Diana Andringa: — Essa é uma pergunta muito difícil a que
não sei responder.
É assim: a RTP tinha essas imagens e tinha-as prontas para irem para
o ar. Deixou de as emitir e elas deixaram de aparecer nos tempos seguintes.
Quando foi feito o filme do Barata-Feyo essa questão voltou à baila,
quando questionámos, por que é que ele não ia buscar as nossas
declarações, que eram, a nosso ver, declarações não contaminadas, porque
as pessoas ainda não sabiam que era o Primeiro-Ministro e o Ministro da
Defesa… E, como é natural, diziam as coisas normalmente, diziam:
«Acabamos de ver um acidente…» e estavam a descrevê-lo, todos sabemos
que as pessoas são subjetivas no descrever de cada coisa, mas aquelas
declarações não estavam inquinadas por nada, e, por isso, pareciam-nos que
eram importantes, e, nessa altura, o que me disseram foi que essas imagens
não existiam.
Eu já por várias vezes disse a pessoas que têm estado ligadas a esta
investigação: «Procurem essas imagens, pois parece-me que são
importantes, porque são as primeiras declarações», mas essas imagens
nunca se encontram.
No entanto, acontece muitas vezes na RTP ou acontecia muitas
vezes, nós próprios, com a velocidade, etc., não guardávamos
imediatamente as coisas e o arquivo pode tê-las guardado sem sequer ter
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feito o registo, ou seja, sem se ter dito que aquelas imagens correspondem
ao acidente, mas um dia destes as imagens podem aparecer, quando a RTP
estiver, novamente, a fazer um trabalho de arquivo. A verdade é que eu
penso que elas foram apagadas e depois substituídas pelas dos jornalistas
que no dia seguinte foram fazer a reportagem, mas isto é o que eu penso.
Se um dia destes me disserem: apareceram!… Bom, a meu ver, a
maneira mais simples de tentar encontrá-las será, eventualmente, através da
distribuição pela Eurovisão onde poderão ter sido guardadas. Aliás, eu
própria já andei a ver se as encontrava, por exemplo, no INA francês, para
dizer: «Eu sonhei?! Aconteceu isto… eu filmei estas imagens, estas
imagens existem e não aparecem aqui…», e penso que estas imagens
poderiam ser úteis quando se está a fazer um inquérito, refiro não,
obviamente, à minha opinião mas às declarações das pessoas, que, a meu
ver, eram importantes serem ouvidas.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Referiu há pouco, no seu depoimento
inicial, que, depois da sua reportagem, foi feita uma reportagem pelo Pedro
Barata-Feyo e pelo Artur Albarran que sustentavam a tese de atentado.
Pode explicar-nos, se tem alguma indicação por que razão é que os
jornalistas Barata-Feyo e Artur Albarran queriam ir para a questão da tese
de atentado, quando, precisamente, a tese oficial era a de acidente? Que
informações, porventura, eles teriam ou que motivações teriam no sentido
de procurar a tese de que fosse acidente? É que, tanto quanto sei, é
imediatamente no dia a seguir…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não!? É dias depois?!
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A Sr.ª Diana Andringa: — Muito tempo depois!
Primeiro, a minha reportagem é uma reportagem de telejornal, ou
seja, eu vou, faço a reportagem, digo que caiu um avião, que soubemos
quem são as pessoas, que aconteceu isto assim e assim, relatámos a
situação. Portanto, era uma reportagem pequeninha de telejornal, só que em
várias peças, porque umas são sobre como está o avião partido, outras
peças têm as entrevistas com as pessoas, outras… Mas são peças de
telejornal, não são mais do que isto.
O trabalho do Barata-Feyo é começado uns tempos depois. Se me
perguntar: por que é que no dia seguinte desapareceram as nossas? Eu diria
que algumas pessoas, provavelmente, consideraram deixar no ar uma
hipótese de atentado — mas isto é uma conjetura, não é mais do que isso
— e haver uma vítima, em véspera de eleições, que estavam em riscos de
perder… Isto, infelizmente, já se tem visto usar em alguns países e poderia
nascer-lhes essa ideia na cabeça ao ver oito horas de direto do enterro, mas
isto são conjeturas! O que é facto é que as nossas foram reportagens…
Como lhe digo, eu até era jornalista de internacional, não fazia coisas
nacionais, fui porque não havia ninguém para ir. E, portanto, as minhas
reportagens são de telejornal, não defendem tese alguma, nem que foi
acidente, nem que não foi; têm as declarações das pessoas e dessas
declarações, a meu ver, qualquer pessoa concluiria, como eu, que tinha sido
um acidente, mas não tem nenhuma conjetura minha. São peças simples.
Mais tarde, o diretor de informação — e estou a servir-me do que
vocês todos podem ler em primeira mão, que é do livro do Barata-Feyo,
porque ele o diz claramente… Eu sei que ele fez o trabalho porque achava
que tinha sido atentado, por ligações, salvo erro, até com a família do
piloto, que teriam tido informações, por outras informações, de que poderia
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ser ou não para o Dr. Sá Carneiro mas para o Dr. Amaro da Costa. Bom,
houve muitas conjeturas que surgiram sobre isto, e o que o Barata-Feyo
diz… Eu sei que ele estava a trabalhar na perspetiva do atentado, aliás, até
tentou entrevistar uma daquelas pessoas que está sempre a dizer que
cometeu o atentado, que é o José Esteves, dando origem a uma cena um
bocadinho grotesca, porque ele estava a tentar gravar sem o José Esteves se
aperceber e o José Esteves apercebeu-se e aquilo ia dando mau resultado na
nossa pequena redação, mas isto já para a Grande Reportagem. Agora, o
que ele diz é que o Duarte Figueiredo o mandou chamar e disse-lhe para ele
e o Albarran fazerem uma investigação, uma grande averiguação, para
verem exatamente qual era… E eu penso que há uma coisa que é humana
nos jornalistas: os jornalistas gostam de descobrir grandes coisas e um
acidente é muito menos interessante para um jornalista do que um atentado.
Nós somos uma espécie de vampiros: quanto pior corre para os outros,
melhor é para o jornalista! É triste dizê-lo, mas é verdade. E, portanto, eles,
obviamente, partiram à procura do atentado e tiveram meios como nunca
ninguém teve. Trouxeram dois especialistas estrangeiros que estiveram cá
não sei quanto tempo, exumaram corpos, fizeram não sei quantas coisas,
que se qualquer um de nós pedisse para um outro trabalho era, no mínimo,
despedido no minuto seguinte, mas eles tiveram todos esses meios. Depois,
o que é mais grave é que quando chegaram ao fim da reportagem — eles
foram construindo a reportagem que era para ser rápido e à medida que a
iam construindo iam apontando sempre na suposição de que seria um
atentado —, no final, chega o relatório dos peritos, que dizem «Não, não
foi atentado. Não vale a pena continuar a procurar, porque não foi atentado
nenhum!». Nessa altura, o Barata-Feyo diz ao Albarran para suspender a
linha em que estava a ser feito o programa e para a alterar e o Albarran
nega-se — esta é a versão Barata-Feyo, que acabei de ler e que vocês
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também podem ler. O Barata-Feyo levou a questão ao diretor de
informação e o diretor de informação, que, volto a salientar, tinha
trabalhado no Gabinete de Sá carneiro, e era muito próximo de Sá
Carneiro, Duarte Figueiredo, diz: «Então, vamos fazer isto da seguinte
maneira: a reportagem continua como está e como o Albarran montou, mas,
no final, já depois da ficha técnica, entra uma legenda a dizer que os peritos
acham que não houve atentado», o que para qualquer pessoa que costume
ver televisão, para qualquer jornalista de televisão ou para qualquer
documentarista, é, na minha opinião, uma desonestidade intelectual total!
Então, o que é que acontece? A peça passa e o que a peça aponta é
no sentido de que houve um atentado; o que diz no final e que ninguém vê
é que os peritos acham que não.
Segundo o Barata-Feyo isto foi uma espécie de «encomenda» feita
pelo Duarte Figueiredo… Convém dizer que as relações no interior da RTP
eram, como sempre são — onde é que eu já ouvi esta história… —, tensas!
O Dr. Proença de Carvalho achava que nós todos éramos uns terríveis
esquerdistas, amigos do General Ramalho Eanes e, portanto, em primeiro
lugar, proibiu-nos de fazer a cobertura noticiosa como deveria ser feita
durante as eleições Soares Carneiro/Eanes, e nós, conselhos de redação,
apresentámos queixa contra isso. Portanto, ele desconfiava de nós todos,
mas não desconfiava tanto do Barata-Feyo porque eram os dois da mesma
terra e porque se conheciam desde pequenos. Logo, obviamente, para fazer
uma coisa séria terão ido buscar aquela pessoa em quem tinham confiança,
não viriam buscar certamente a mim, porque achavam que era uma
horrorosa esquerdista! Foram buscar o Barata-Feyo e o Barata-Feyo — e eu
entendo-o perfeitamente —, como qualquer jornalista a quem é dito «há
aqui este assunto, que é, obviamente, importante, tens os meios que
quiseres para o averiguar…», começou a averiguar e certamente com toda a
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seriedade, não estou a pôr isto em causa. Ele agora diz — e eu acho que é
uma prova de como isto o incomodou e de como ele pretende ser sério em
relação a isto — que foi, para ele, a maior desilusão enquanto repórter,
porque, de facto, convenceu-se de uma coisa que não era e que, portanto,
foi, digamos, uma antirreportagem não foi uma reportagem.
Mas por que é que foi pedido? Eu estou convencida de que foi
pedido porque, provavelmente — há questões políticas, mas eu já nem vou
para as questões políticas —, as pessoas eram amigas e estariam em estado
de choque. O Duarte Figueiredo era, com certeza, amigo do Sá Carneiro e,
provavelmente, estaria em estado de choque e terá dito: «Epá, vamos lá
averiguar isto a sério! Vamos lá ver se alguém o matou!». Não me parece
assim tão estranho que isto tenha acontecido. A única coisa que é estranha,
em termos jornalísticos, é que, quando se chega à conclusão de que a nossa
tese não é correta, costuma-se corrigir antes de acabar, corrigir depois da
ficha técnica é que eu nunca tinha visto, mas… são originalidades!
Por outro lado, e penso que não estou errada ao dizer que podem
haver declarações sobre isto aqui, nesta Assembleia — e já não me lembro
concretamente, porque já passaram 33 anos, além de que, definitivamente,
não é assunto que eu tenha continuado a trabalhar —, não numa comissão
de inquérito a Camarate mas numa comissão de inquérito à RTP, em que
falámos precisamente das limitações do direito a informar que tivemos no
período do Dr. Proença de Carvalho, e penso que este foi um dos aspetos
referidos, mas, como digo, passaram 33 anos e não posso dar a certeza
absoluta.
Já agora devo dizer que estranhei que me tivessem convocado, se
bem que o mínimo que posso fazer, do pouco que sei, é dizê-lo aos
Deputados que estão a averiguar esta questão, porque há não sei quanto
tempo ninguém falava comigo sobre Camarate. É verdade que saiu
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recentemente o livro do Barata-Feyo e, pelo meio disto, recebo em casa, já
há uns meses, um telefonema de um dos homens da bomba (eu já não sei
quantas pessoas já se acusaram deste atentado, que, para mim, não é
atentado, mas pronto), o Francisco Simões, que telefonou da cadeia. Não
sei como é que ele conseguiu o meu número de telefone, mas ele disse-me
que tem muitas fontes, mesmo dentro da cadeia, e telefona-me para me
dizer que gostava muito de falar comigo sobre o caso de Camarate, e eu
disse-lhe: «Olhe, perde o seu tempo!». Ele queria contar-me como é que
era o autor do atentado, mas eu disse-lhe: «Acho melhor falar com alguém
que acredite mais nessa tese, e há várias pessoas. Eu, por acaso, não
acredito muito e não tenho muita vontade de falar consigo». Ainda por
cima, ele começou imediatamente a dizer mal da Margarida Marante, e eu
levo a mal que digam mal de pessoas que conheci, com quem tive
divergências mas que estimei e, sobretudo, que já não se podem defender.
Portanto, disse-lhe: «Acho que nós não temos nada a dizer um ao outro e eu
não quero saber. Tem, com certeza, muitos jornalistas interessados em
entrevistá-lo, mas não é o meu caso. Não trato deste assunto e não
estou…». Mas não deixa de ser curioso que, tantos anos depois ele tenha
achado interessante falar comigo.
Queria só dizer isto como uma nota, que não consigo interpretar e
penso que vocês, provavelmente, também não conseguirão, mas fica a nota.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Falou, há pouco, que na noite do
acidente, Proença de Carvalho, que na altura era Presidente da RTP, Duarte
Figueiredo, que era Diretor de Informação, e a jornalista Maria Elisa ter-se-
iam reunido na RTP. Sabe do que trataram nessa reunião?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Como se diz nos filmes policiais, só sei
por ouvir dizer e não pude confirmar, naturalmente.
Noto que também não entendo nisto nada de extraordinário, porque,
apesar de tudo, tinham morrido um Primeiro-Ministro e um Ministro da
Defesa, o que não era muito costume em Portugal, pois desde a queda do
Dr. António de Oliveira Salazar que não acontecia morrer de repente
alguém do governo ou de o governo de repente ficar impedido, e, portanto,
era uma situação complicada. O que nos foi dito, por pessoas ligadas à
montagem de vídeo e aos serviços de produção, foi que eles tinham estado
a ver as peças montadas e tinham estado a remontá-las. Portanto, tinham
estado, obviamente, a tentar averiguar o que tínhamos conseguido, o que
havia, os nossos brutos, porque, como vocês todos sabem, nós filmamos…
E, então, num caso destes, que é um acidente e que percebemos que é
importante, filmamos o tempo que for possível e, depois, pomos no ar uma
coisa muito mais pequena. Portanto, disseram-nos que eles estiveram a ver
tudo e que fizeram uma remontagem. Nessas remontagens, que eu depois
vi, de facto, naquilo que foi para o ar depois, não havia os depoimentos que
eu tinha recolhido, nem os do Furtado, sei porque eu tinha espreitado para a
sala ao lado e, portanto, sabia mais ou menos o que ele tinha feito. Os dele
também não apareciam. E havia, o que até nem me parece mal, devo dizer,
mais contenção na mostra dos corpos. Aliás, nós mandámos mais imagens
dos corpos para a Eurovisão — isto tanto quanto me lembro, como digo,
mas passou muito tempo — do que passámos cá, por uma razão: aqui há
familiares, e é desagradável serem confrontados com estas imagens,
naturalmente. Portanto, cá fomos mais contidos. Filmámos, porque é um
testemunho que tem de se fazer, mas cá as imagens eram menos gráficas,
digamos, menos explícitas do que naquelas que mandámos para fora.
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A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Permita-me só uma precisão: fizeram a
remontagem da peça, mas com imagens que tinha recolhido naquela noite?
A Sr.ª Diana Andringa: — Fizeram a remontagem com imagens
colhidas durante a noite. Noto que foram três as equipas que estiveram no
terreno: primeiro, a do Henrique, sem saber o que era, e esta, então, esteve
completamente à vontade, não se via ninguém nas proximidades, e
«ninguém» quer dizer forças da ordem ou, sequer, bombeiros; a minha, que
foi a segunda; e a do Furtado. Portanto, o trabalho das três pode estar
misturado, porque, a partir daí, os brutos são todos da RTP, mas foram
imagens colhidas durante a noite por uma das três equipas. Foi, com
certeza, uma destas equipas que as recolheu. O que, de facto, não estava
eram as entrevistas, mas as imagens estavam, como digo, mais expurgadas
da presença dos corpos, já numa fase um pouco posterior, quando chegou o
Dr. Eurico de Melo.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Uma vez que a notícia da morte do
Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa continuou a ser notícia durante
muito tempo e que, como disse há pouco, no Jornal da Uma, suponho que
seja o jornal das 13 horas, ainda tinham ido para o ar imagens da sua
reportagem, por si selecionadas — repare que o acidente foi, creio, numa
quinta-feira, tanto quanto me recordo foi de quinta-feira para sexta-feira,
sexta-feira foi o último dia da campanha eleitoral e o funeral foi, tanto
quanto me recordo, no sábado, véspera de eleições —, lembra-se que
imagens é que foram para o ar até às eleições?
A Sr.ª Diana Andringa: — As imagens que foram para o ar foram,
penso, ainda as do avião caído, dos restos, e, depois, algumas entrevistas.
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Mas começou a entrar em força, sobretudo, a opinião dos comentadores
políticos e a dos políticos em relação a isto. Foi repetida imensas vezes,
como é natural, a intervenção do Vice-Primeiro-Ministro e foram ouvidos
testemunhos mais neste âmbito — é do que me lembro. Depois, no sábado,
há, de facto, o direto do enterro do Dr. Sá Carneiro, e lembro-me
perfeitamente de o Raúl Durão estar horas, horas e horas a falar, enquanto
percorria as ruas. E dessa altura são as imagens que penso que deram, não
sou capaz de dizer, em termos de peças do telejornal, o que passou; com
franqueza, não sei.
O Sr. Presidente: — Dou a palavra ao Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro, do CDS-PP.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, um muito
obrigado à jornalista Diana Andringa, que cumprimento em meu nome
pessoal e no do CDS, por se dispor em vir aqui, à Comissão de Camarate.
Creio que a sua presença foi requerida porque este seu episódio, de
que já falou, foi mencionado num livro recente de uma jornalista espanhola
que vive cá, Virginia López — creio que é assim, que vem nesse livro
mencionado.
Pergunto: alguma vez falou com a Virginia López sobre esta
questão?
A Sr.ª Diana Andringa: — O Sr. Deputado está a pôr-me um
problema difícil, porque, que me lembre, não falei com ela, mas acontece-
me muitas vezes haver pessoas que me telefonam a fazerem-me perguntas
sobre isto e aquilo e eu tento, dentro do que posso e sei, ajudar, quando são
camaradas que estão a fazer um trabalho… Que me lembre, não! Está a
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dar-me uma novidade, nem sabia que vinha citada neste livro. Nem li o
livro, que vergonha!
O Sr. Presidente: — Já agora, Sr. Deputado, só para termos
conhecimento do livro, acho que era oportuno, se o pudesse passar
agradeceríamos.
A Sr.ª Diana Andringa: — Ah, fantástico!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não é meu o livro…
A Sr.ª Diana Andringa: — Mas eu prometo não o roubar!
Risos.
O Sr. Presidente: — É só para vermos a passagem…
A Sr.ª Diana Andringa: — É só para dar uma vista de olhos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, posso adiantar um
bocadinho aqui?
O Sr. Presidente: — Sabe qual é?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sei, sei…
O Sr. Presidente: — Se o Sr. Deputado Ribeiro e Castro o permitir,
porque ele é quem está no uso da palavra…
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Não queria entrar nisso,
porque sabia que…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, era só para mostrar o livro, já
que a Sr.ª Diana Andringa não conhece…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, o que está aqui, no
livro da Virginia López, é o que a Diana Andringa escreve no Público em
1995.
O Sr. Presidente: — Pronto, está esclarecido.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Possivelmente ninguém falou, foram
aqui buscar os dados, os factos, porque o texto até é parecido.
A Sr.ª Diana Andringa: — Quero acreditar que não disse nada de
diferente do que vos disse agora, portanto…
O Sr. Presidente: — Muito bem. Faça favor de prosseguir, Sr.
Deputado Ribeiro e Castro, e agradeço a intervenção de todos.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Creio que essa será a
linha de interrogatório, ou uma das linhas de interrogatório dos meus
colegas, não vou entrar por aí.
Tanto quanto presumo, o seu conhecimento é que desapareceram as
peças montadas e desapareceram também os brutos.
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A Sr.ª Diana Andringa: — O meu conhecimento é que
desapareceram as peças montadas. Os brutos de imagens não creio que
tenham desaparecido. Os brutos de entrevistas penso que sim, porque, pelo
menos, sempre que alguém fazia um trabalho sobre Camarate, eu
lembrava-lhes isso e dizia-lhes: «Eh pá, vão ouvir, porque são as primeiras
pessoas…!», e nunca os encontraram. Os brutos de imagens do avião, etc.,
penso que ficaram, até porque são utilizados na remontagem; o que há para
remontar são as imagens que nós recolhemos nessa noite — quando digo
«nós» refiro-me ao Henrique Garcia, ao Joaquim Furtado e a mim, que
fomos as equipas… quer dizer, mais precisamente, aos operadores de
câmara que iam connosco.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Ainda que a pergunta
tenha algo de especulativo e, porventura, a sua resposta também, e peço
desculpa por isso, pergunto se, na sua ideia, o descaminho dessas peças e
dos brutos teria acontecido nessa altura, portanto, quando foi interrompida
a sua normal transmissão nos noticiários da televisão, ou mais tarde,
quando é feito o tal outro trabalho de reportagem de fundo, que é, creio,
sensivelmente um ano e meio a dois anos depois, em 1982 — antes do fim
do ano, sensivelmente ao longo do ano de 1982 —, do desastre de
Camarate.
A Sr.ª Diana Andringa: — Penso que essas imagens terão
desaparecido praticamente logo a seguir, senão nessa mesma noite, porque,
de facto, a partir daí nunca voltaram a ser exibidas, e falou-se muitas vezes
de Camarate. Quando referi isto ao Barata-Feyo — bem sei que,
normalmente, eu e o Barata-Feyo temos relações conflituosas — ele terá
desconfiado que eu poderia estar a dizer-lhe só por discordar dele, mas a
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verdade é que, pelo que me lembro, eles disseram que não encontravam
essas imagens. Portanto, penso que elas terão desaparecido, se não na noite
de 4 para 5, por esses dias mais próximos.
Como digo, nem sequer ponho totalmente de parte a hipótese de elas
virem um dia a aparecer, porque acontecem coisas dessas de vez em
quando com arquivos: de repente, aparece uma coisa que estava arquivada
com um nome completamente diferente. Parece-me estranho, mas…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Apelo à sua memória do
ambiente da época, quer em geral, quer relativamente a este sinistro,
porque, enfim, a memória que eu tenho é que nessa altura não era sequer
controverso que fosse um acidente ou atentado. Rapidamente pegou,
diríamos «de estaca», usando o plebeísmo, que tinha sido um acidente.
Chegou a haver declarações oficiais de dirigentes do PSD neste sentido,
uma nota oficiosa… A dúvida sobre se é acidente ou atentado aparece
bastante mais tarde, talvez a partir de fevereiro, quando há notícias de
dúvidas não esclarecidas, a partir de março, a seguir ao relatório da DGAC
(Direcção-Geral de Aeronáutica Civil), quando há as dúvidas que eles
próprios suscitavam, e depois há, enfim, todo um processo… Portanto,
custa-me a compreender que houvesse uma atitude deliberada de omitir
elementos que iam em conformidade com aquela que até era a convicção
oficial ou a tese oficiosa nessa altura que circulava. A menos que a Diana
Andringa tenha memória — e esta é a minha pergunta — que, no ambiente
interno da RTP, esse debate, acidente ou atentado, já existia. Não tenho
conhecimento disso e a memória que tenho é que esse debate começou uns
meses mais tarde.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Como digo, não acompanhava
normalmente estes casos, fazia internacional, mas não tenho memória de
que essa discussão tenha havido a não ser em torno do facto estranho de as
nossas peças terem sido alteradas e de terem sido retirados precisamente
aqueles testemunhos que mais apontavam no sentido de acidente. E devo
dizer que — enfim, não sou particularmente adepta de teses da conspiração,
mas não consigo deixar de pensar sobre as coisas — a forma como todo
este assunto foi tratado, nomeadamente o aproveitamento dos funerais dois
dias depois, nos permitia, pelo menos a mim me permitiu, pensar que pode
ter passado pela cabeça de algumas pessoas, nomeadamente aquelas que
dirigiam a RTP, deixar em aberto essa hipótese. Podia não estar em
discussão em mais lado nenhum, mas que alguém pensou que podia ficar a
questão em aberto… Isto porque acho estranho que tenham desaparecido
informações que eram informações ingénuas, de pessoas que assistiram ao
acidente e que o estão a descrever. Agora, não me lembro de ter havido
discussão, de facto, nem sequer logo no mês a seguir. Não sei dizer-lhe
mais do que isto.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Passo a uma outra
questão, que se prende, em parte, com esta matéria.
Noutras fases deste inquérito — e, nomeadamente, noutras
comissões parlamentares de inquérito — foi um eventual episódio, algumas
vezes referido e investigado, de que teriam sido deliberadamente
descaminhados vestígios do sinistro, que teria havido uma brigada da GNR
que teria batido os terrenos dentro da pista do aeroporto e o local do
sinistro, fazendo uma limpeza de alguns indícios. São algumas referências,
nunca confirmadas, nunca verificadas, nunca se conseguiu ir muito mais
além disto que estou a dizer.
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Uma vez que referiu que prestou atenção de que o local estava pouco
guardado, de que as pessoas circulavam à vontade, imagino que, com o
desaparecimento das suas próprias peças, a guarda ou não guarda quer de
materiais quer dos seus registos possa ter sido uma matéria conversada
entre colegas. Pergunto: alguma vez ouviu, nessa altura, nesses dias e não
mais tarde, ou presenciou factos que possam reforçar esta denúncia?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Quando eu estive no local não se
via a GNR a recolher coisíssima nenhuma. Não sei as horas a que terei
saído de lá, mas devo ter chegado já passava, certamente, bastante das nove
horas e devo ter-me vindo embora perto das onze, onze e tal, meia-noite.
Não me lembro de ter visto isso, mas, como digo, a nossa atenção principal
estava no próprio local do acidente.
Não! Lamento, mas não me lembro, nem me lembro de ter ouvido, a
não ser muito mais tarde, devo dizer, discutir essa questão.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, muito
obrigada, Sr.ª Jornalista Diana Andringa, não temos mais perguntas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Muito boa tarde.
De facto, enquadrou bem o nosso requerimento para que se
disponibilizasse para vir aqui dar-nos alguns esclarecimentos, e eles de
facto acontecem porque escreveu este artigo no Público, em 1995. Não sei
se tem outras publicações sobre Camarate, pelo menos esta tem, e, depois,
há o livro…
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A Sr.ª Diana Andringa: — Confesso que já nem me lembrava.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já nem se lembrava, mas nós fomos
ver e o livro, que é recentemente publicado, vem buscar todas as suas
declarações.
Gostava de colocar algumas questões, no fundo, quase a três tempos,
ou seja, a ida para Camarate, o momento em que esteve no local, esse dia à
noite e, depois, posteriormente.
Sobre a ida para o local, já nos disse que a Margarida Marante foi
consigo no carro e, presumo, também o cameraman, que era o…
A Sr.ª Diana Andringa: — João Filipe.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — João Filipe.
Depois, quando chega ao local, já lá está uma equipa do Henrique
Garcia.
A Sr.ª Diana Andringa: — Já se tinha ido embora.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já tinha, inclusive, vindo embora. E
veio-se embora não se sabe porquê. Será que foi porque soube que também
ia para lá?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. A situação é esta: na altura,
tínhamos equipas diferentes, o Canal 1 e o Canal 2, mas a coordenação das
equipas era a mesma e terá sido, talvez, por aí que o primeiro canal soube.
Quer dizer, terá sabido porque o segundo canal ia fazer a cobertura de um
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avião que tinha caído em Camarate e alertou o primeiro. Não sei, mas pode
ter acontecido isto.
A equipa do Henrique Garcia vai e volta. Na altura, não havia
diretos. Quer dizer, na altura, era preciso voltar ao estúdio para fazer a
reportagem. Portanto, o Henrique Garcia vai, faz um vivo no local, filma
também o avião e faz o relato de um acidente de um avião que caiu, sem
nenhuma referência a quem possam ser os ocupantes, porque não sabe, de
facto, e regressa. Eu saio a seguir. Eu saio acompanhada pelo João Filipe,
de quem nunca me lembro o apelido — mas é um colega nosso que, depois,
teve um grande acidente na Guiné e que fez umas filmagens absolutamente
extraordinárias nesse dia —, e pelo assistente que é quem, penso, vai a
conduzir a carrinha, e a única coisa estranha que há aqui é a Margarida
Marante pedir-me para entrar, o que não seria normal.
A Margarida Marante, quando encontrei, aparentemente, vinha da
zona da Direção. Portanto, provavelmente, ter-lhe-ão dito alguma coisa,
porque, como ela era da política nacional, é natural que lhe tenham dito,
além de que tinha relações de amizade. Por isso, podem-na ter chamado
para lhe dizer. Esta é a única coisa estranha, o resto é perfeitamente normal.
É uma equipa que vai a sair para fazer a cobertura de um acidente, e é
quando a Margarida entra. Para já, começa a haver muito nervosismo na
RTP para um avião que caiu.
Eu explico: às vezes, ao fim do dia, as pessoas estão cansadas. Às
oito horas ou 8 horas e 17 minutos da noite, que é quando se passa, já
estava no ar o telejornal. Portanto, a maior parte das pessoas tinha ido para
casa e os que vinham fazer o 24 horas, porque havia um jornal à noite,
estavam na hora do jantar ou coisa que o valha, além de que o 24 horas era
feito com muito pouca coisa atualizada das peças do dia, pelo que não
havia ninguém disponível para sair em reportagem.
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A única coisa que achei um bocado estranha foi, de repente, a
direção da RTP, nomeadamente os chefes de redação estarem cheios de
vontade de cobrir uma coisa. Quantas vezes tinha acontecido eu dizer
«aconteceu uma coisa muito importante, vamos cobrir» e não haver uma
equipa! Naquela altura, arranjou-se uma equipa, foi tudo muito rápido, o
que dava a entender que havia qualquer coisa bizarra, mas eu não sabia o
que era.
De qualquer maneira, acho que, quando há um trabalho urgente para
se fazer — e, como eu disse, um avião que cai em Camarate é notícia em
qualquer dos casos —, vai-se fazer. A única coisa estranha, à partida, é o
nervosismo da Margarida Marante e é também o facto de ela sentir-se mal,
quando ela não chegou a ver os corpos. Quer dizer, é natural que uma
pessoa que vê corpos mortos se sinta mal. Há pessoas que se sentem mal,
acontece, mas ela sentiu-se mal logo à chegada ao local, e, portanto, dava
ideia que eram pessoas próximas dela. Estas são as únicas coisas estranhas.
Aliás, há uma entrevista que a Margarida dá, penso que uma das últimas,
na qual fala disso, de que foi comigo e que fui eu que fiz a reportagem
porque ela se sentiu mal. Estas foram as únicas coisas estranhas.
Depois, a partir daquele momento, em que há um senhor que me diz
que era, até há poucos minutos, guarda-costas do Primeiro-Ministro, eu não
fico com grandes dúvidas. Acho uma maneira bizarra de dar a notícia a um
jornalista, mas não fico com grandes dúvidas, até porque, como digo,
conhecia o senhor de cara, de o ver nas comitivas ministeriais. Portanto,
identifiquei-o enquanto tal.
A partir daí, é uma reportagem, obviamente, toda ela com momentos
de exaltação…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se importa?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Faça favor.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Peço desculpa por interromper, mas,
se não se importa, eu gostaria de ir mais passo-a-passo, um bocadinho mais
devagar.
A Sr.ª Diana Andringa: — Com certeza.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vamos já arrumar a questão desse
senhor, desse segurança, do qual conhecia a fisionomia, por já o ter visto
anteriormente, e do qual não sabe o nome. Não o viu mais? Não digo nessa
noite, mas nos anos seguintes.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Não, mas convém dizer que eu
tenho uma péssima memória visual. Pode até ser que, depois disso, me
tenha cruzado com ele, que o senhor esteja com os cabelos brancos ou mais
gordo, como acontece comigo, e eu não o tenha reconhecido. Quer dizer,
dou isso de barato, porque…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estava a pensar logo…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … nos dias ou meses seguintes,…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — … sendo um segurança de um
gabinete ministerial…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Nunca mais o viu?!
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, mas porque eu não fazia nacional,
fazia internacional, e, portanto, no fundo, eu só encontrava os seguranças
que estavam mais ligados a coisas internacionais.
Por exemplo, houve uma altura em que passava os meus dias no
aeroporto de Lisboa. Nessa altura, Portugal era um sítio por onde passavam
muitos dignatários estrangeiros e, como havia aquela desculpa de que eu
falava francês e inglês menos mal, passava o tempo no aeroporto a
entrevistar cada um que passava, a fazer-lhes perguntas.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito bem.
A Sr.ª Diana Andringa: — E aí, por exemplo, se estivesse o Dr. Sá
Carneiro, como aconteceu por vezes, que recebeu no próprio aeroporto, na
sala VIP, algumas pessoas que vinham, lá estava o segurança.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Esse?
A Sr.ª Diana Andringa: — Esse segurança, que não tenho a certeza
de que fosse do Dr. Sá Carneiro, ele é que mo disse. Via-o por vezes e,
portanto, conhecia a cara, mas, de facto, nem sei o nome do senhor. E não
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me lembro de o ter visto mais, mas achei aquela história tão extraordinária,
porque acho uma forma… Eu diria que uma pessoa que dá a notícia assim,
à partida, embora sendo segurança do Dr. Sá Carneiro, provavelmente não
gostava muito dele, mas é um direito que qualquer segurança tem não
gostar muito da pessoa que guarda, não é obrigado a amá-lo perdidamente.
Isto porque é uma maneira estranha de dar a notícia. «Eu era até há pouco
da segurança e agora estou aqui de folga…» é uma maneira bizarra de pôr a
questão.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Gostava de centrar um bocadinho
mais,…
A Sr.ª Diana Andringa: — Centre.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … se me permite, e peço que não me
leve a mal estar a interrompê-la.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não duvidou que ele fosse
segurança, porque já o tinha visto anteriormente. Era segurança e estava lá.
Ainda não tinha chegado a PSP, mas ele já lá estava.
A Sr.ª Diana Andringa: — Ele já lá estava.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — De qualquer das formas, a
identificação dele não é possível, porque nunca mais o viu.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, através de si, não
conseguiu a identificação…
A Sr.ª Diana Andringa: — Se posso dizer, porque ele me disse «até
há poucos minutos era…», fiquei com a ideia de que fosse uma pessoa que
o tivesse acompanhado até ao aeroporto, que se tivesse apercebido de que o
avião tinha caído e que tivesse ido para lá. Esta foi a ideia que eu formei,
mas é uma ideia, não tenho provas nenhumas para dizer isto.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Muito bem.
A Sr.ª Diana Andringa: — Foi a ideia com que fiquei.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Agora, vamos às equipas.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A primeira equipa é do Henrique
Garcia, que filma, e quando a Diana Andringa chega já ele lá não está,
porque já regressou.
A Sr.ª Diana Andringa: — E até já pôs a peça no ar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já a pôs no ar.
Portanto, o Henrique Garcia filma imagens do local… Viu as
imagens do Henrique Garcia?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Eu saí quando estava a entrar a peça do
Henrique Garcia. Portanto, essa primeira peça, não a vejo…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Saiu da RTP.
A Sr.ª Diana Andringa: — Saí da RTP, porque estava à espera de
sair. Entretanto, o Henrique fez uma peça muito rápida, porque isto
acontece às 8 horas e 17 minutos e o Jornal 2, na altura, ia para o ar às 9
horas. Portanto, é uma peça mesmo muito rápida, só que, se não estou
enganada, abre o telejornal a dizer que caiu um avião.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tem ideia se as imagens colhidas
pelo Henrique Garcia têm entrevistas com residentes, com pessoas que lá
estavam, ou se são só mesmo do panorama do local?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não sei dizer. Não posso afirmar com
certeza, mas a ideia que tenho é que são só imagens do local, é mesmo uma
breve, uma notícia muito breve e, depois, segue o Joaquim Furtado, que
também é do Jornal 2…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já vamos à terceira equipa.
Estas imagens do Henrique Garcia também desapareceram ou sabe
se…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não faço a mais pequena ideia, porque
são imagens do avião caído, dos restos do avião, etc., e as três equipas têm
imagens, no fundo, muito semelhantes. Podem ter estado a filmar de um
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ângulo ou de outro, mas as imagens são muito semelhantes. Eu diria que, se
mas pusessem à frente, já não saberia distinguir as que eu tinha feito das
que tinham sido feitas pelo Henrique e das que tinham sido feitas pelo
Joaquim. Quanto muito, lembrar-me-ia das que fiz de cima, mas, de resto,
não tenho…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — São diferentes.
Há a segunda equipa, que é a sua,…
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … na qual vem a Margarida
Marante, por acréscimo, nas circunstâncias que já nos explicou.
Durante a viagem, a Margarida Marante não lhe disse nada?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Nem por que estava ali consigo,
nem…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não comentou nada. E, chegados ao
local, a Margarida Marante afastou-se, não esteve…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas, depois, regressou consigo?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, sim, porque a Margarida, como eu
disse, parecia que ia desmaiar. Portanto, sentei-a no beiral de uma porta,
pedi a uma senhora que olhasse por ela e fui filmar. Depois, naturalmente,
vim buscá-la, porque não iria regressar sem a Margarida.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Às tais onze da noite, onze e tal da
noite…
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim. A Margarida pode ter andado por
ali, isso não sei, mas voltei a encontrá-la no mesmo sítio.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Isso também não é relevante. Pelo
menos, para nós, não me parece que isso seja relevante.
As imagens que recolhe são imagens do local, aéreas, entre
parêntesis, da casa…
A Sr.ª Diana Andringa: — Primeiro, são normais…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, primeiro, são do local e,
depois, quando é obrigada a retirar, é que vai… e as entrevistas. Não é?
Repare que estou a tentar ser muito objetivo,…
A Sr.ª Diana Andringa: — Com certeza!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … mas também vou meter aqui um
pouco de subjetividade.
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Há bocado — e também utilizou aqui alguma subjetividade —
referiu que os residentes disseram que ouviam muitos aviões, que ouviram
um motor interromper o barulho e, depois, a queda. Isto porquê? Porque, de
facto, na altura, houve uma precipitação para afirmar que Camarate era um
acidente.
Portanto, essa precipitação, que houve e que durou anos, anos e anos,
até que esta Assembleia declara, por unanimidade, ter sido um atentado,
começou logo, foi imediata, foi logo inaugurada pelo Prof. Freitas do
Amaral. Logo! Mas, depois, houve…
Nessa perspetiva, as declarações dos residentes eram de todo
enquadráveis nessa linha; na perspetiva que nos disse, de o motor que…
Portanto, não seria por aí que haveria razão para as imagens
desaparecerem. Isto, agora, é a parte subjetiva.
A Sr.ª Diana Andringa: — Nessa parte subjetiva, discordamos,
porque o senhor está a partir do princípio que o Dr. Proença de Carvalho e
o Dr. Duarte Figueiredo tinham exatamente o mesmo pensamento que o Dr.
Freitas do Amaral, por exemplo. Eu não estou tão certa de que fosse
exatamente assim. E, portanto,…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Eu não estava a pegar tanto por aí,
estava mais…
A Sr.ª Diana Andringa: — Mas como foram eles que mexeram nas
imagens, não foram outras pessoas, não foi o Dr. Freitas do Amaral.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas não viu isso, isso foi o que lhe
disseram.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não os vi mexer, foi o que me disseram.
Normalmente, a gente do vídeo, quando nos diziam essas coisas, sabia do
que estava a falar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já vai ter oportunidade de nos dizer
quem eram essas pessoas do vídeo.
A Sr.ª Diana Andringa: — Acha que 33 anos depois me lembro dos
nomes de todos?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Digo-lhe uma coisa: de muitas
pessoas que por aqui passaram e até desta Comissão de Inquérito é das que
tem uma memória mais avivada. Há aqui pessoas que têm uma memória
mesmo muito fraca.
A Sr.ª DianaAndringa: — Se calhar, é porque sei tão poucochinho.
Só sei este bocadinho e com este bocadinho não mudo de opinião.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Pode ser.
De qualquer forma, aquilo que é relevante, no que lhe estava a
perguntar, tem a ver com os testemunhos das pessoas serem convenientes
para…
A Sr.ª Diana Andringa: — Para a tese de acidente, sim.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Apesar do que disse há bocado, que
podia haver ali alguma coisa que indicasse um atentado. Também o disse,
há bocadinho.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Disse, disse, que eu ouvi.
A Sr.ª Diana Andringa: — Eu disse que havia alguma coisa que
indicasse um atentado?! Não, não disse! Disse que, depois, mais tarde,
quando tentam fazer o filme, tentam demonstrar que há coisas… O que eu
disse…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, não! Referiu-se às…
A Sr.ª Diana Andringa: — Não! Referi-me a outra coisa…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não vale a pena teimarmos, está
gravado.
A Sr.ª Diana Andringa: — Quando me falam da hipótese de
atentado e me falam dos inquéritos, penso que é sempre um espanto que me
refiram as peritagens, porque vi as pessoas levarem coisas para casa como
coisa de memória, pelo que, depois, a meu ver, as peritagens ficam sempre
um pouco postas em causa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não sabe, nem tem a mínima ideia,
se essas coisas foram recuperadas posteriormente?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não faço a mínima ideia. Como
disse, não segui o caso de Camarate.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É que, se me permite, e não leve a
mal, fez aqui algumas declarações que também vou comentar e, dentro da
subjetividade que utilizou, vou utilizar a mesma subjetividade.
A Sr.ª Diana Andringa: — Claro.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não faz a mínima ideia se as peças
foram recuperadas, mas o último relatório de peritos que foi elaborado,
com os peritos internacionais, a pedido de uma comissão parlamentar de
inquérito, dá o avião como completo, com as peças todas. E ele ainda está
lá no hangar.
Portanto, há aqui alguma subjetividade associada, o que é uma
matéria que, se calhar, percebe tão bem como eu, até pela carreira que teve.
Tem imagens do local, tem imagens do local visto de cima e tem as
entrevistas. E, depois, há uma terceira equipa, que é a do Joaquim Furtado,
que chega depois de si.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, e eu ainda lá estou. Quando essa
chega eu ainda lá estou, porque o Joaquim Furtado… Na altura, como eu
disse, tínhamos equipas separadas para o primeiro canal e para o segundo
canal, eu era da RTP1 e ele era da RTP2 e, portanto, ele vem fazer a
reportagem para a RTP2. Uma vez que o Henrique Garcia saiu antes de
saber do que se tratava, o Joaquim, já sabendo do que se tratava, vem fazer
uma reportagem mais aprofundada.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — A equipa do Joaquim Furtado sai
antes ou depois de si?
A Sr.ª Diana Andringa: — Do local?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim.
A Sr.ª Diana Andringa: — Disso já não me lembro, mas acho que
saímos quase à mesma hora, porque, depois, estivemos os dois nas salas de
montagem ao lado um do outro. Portanto, penso que foi quando já
tínhamos filmado, já não estava a acontecer nada que pudesse ser evidente
para as câmaras de televisão, por volta das 23 horas e 30 minutos ou meia-
noite. Penso que eu saio e o Furtado ainda fica, mas não tenho a certeza
absoluta.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas viu as imagens da equipa do
Joaquim Furtado.
A Sr.ª Diana Andringa: — Vi algumas imagens, enquanto ele estava
a montar ao meu lado, porque aquilo tem portas de vidro e, portanto, vamos
vendo o que é que o outro também tem, e tínhamos coisas muito
semelhantes.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Também tinha entrevistas?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Tinha. Tinha, porque falámos das
entrevistas. Falámos das entrevistas, porque era, obviamente, uma
questão…
Como digo, não pus a hipótese de atentado, mas é daquelas coisas,
cai um avião e a gente tenta perceber como é que foi, como é que as
pessoas contaram a história, se contaram da mesma maneira a si e a mim.
Estas coisas também são delicadas, porque, depois, também é a nossa
imagem, de quem fez o trabalho, que fica em causa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Pergunto porque existem
depoimentos de residentes que falam na explosão, existe, inclusive, um que
diz que viu um clarão, agora, o que não existe são as imagens da RTP em
que as pessoas dizem uma coisa algo diferente. Mas o Joaquim Furtado
tinha imagens do local e também tinha entrevistas.
A Sr.ª Diana Andringa: — Acho que sim. Tanto quanto me lembro,
sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E a estas do Joaquim Furtado
também aconteceu o mesmo que às suas, também desapareceram?
A Sr.ª Diana Andringa: — No dia seguinte, essas entrevistas
deixaram de aparecer.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Também as da equipa do Joaquim
Furtado?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Todas as entrevistas feitas na altura
deixaram de aparecer.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tudo o que eram entrevistas…
A Sr.ª Diana Andringa: — Penso que as entrevistas que existem, e
espero não estar… É subjetivo, não sei dizer-lhe, mas acho que são
entrevistas feitas a posteriori, não são na própria noite. Mas isso, em
princípio, será fácil de verificar pelo ambiente em redor.
Penso que às do Joaquim aconteceu a mesma coisa, porque creio —
como digo, passaram 33 anos — que falámos sobre isso, sobre essa
questão.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Utilizavam cassetes Beta ou uma
coisa assim do género, não era?!
A Sr.ª Diana Andringa: — Está a fazer-me uma pergunta… Tenho
estado aqui a torturar-me a dizer…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não era o seu pelouro.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não, espere aí, o pelouro… Claro
que todos nós sabemos com que trabalhamos, porque depois fazemos a
montagem, A parte mais grave é que tenho estado aqui a pensar: «Pois, isto
deve ter sido exatamente na altura em que mudámos para o vídeo, porque
estou a ver o João Filipe, e o João Filipe costumava fazer filme». Não
tenho dúvidas de que é o João Filipe quem está, porque fica pendurado pelo
cinto das baterias e não sei quê, e, portanto, é vídeo, e quando estivemos a
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montar foi em salas de vídeo. Portanto, tenho estado aqui a pensar e,
naquela altura, deveriam ser cassetes Beta.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Existirão cassetes Beta da equipa do
Henrique Garcia, cassetes Beta da sua equipa e cassetes Beta da do
Joaquim Furtado e, depois, existirão as peças editadas de cada uma das
equipas.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, estamos a falar de três, ou
seja, um, um e um e mais um, um e um.
A Sr.ª Diana Andringa: — Exato.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Pelo menos, existe isso.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não se esqueça de uma coisa, de que
estamos a falar também de uma época em que ainda havia uma fraca noção
de arquivo na RTP e, portanto, até pode ter acontecido, embora eu espere
que não, terem sido desgravadas por mera questão de, às tantas, haver
cassetes a menos, serem precisas cassetes de urgência e desgravarem-se
estas. Não é coisa que não tenha acontecido, embora em relação a uma
situação destas, se aconteceu, foi extremamente grave. Presumo que não
terá sido por aí.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Estas gravações, o registo histórico
que estas cassetes representam poderia dificultar que isso acontecesse, mas
mais difícil seria acontecer…
A Sr.ª Diana Andringa: — Tão depressa.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … a todas, em simultâneo! Em
simultâneo não, a todas.
A Sr.ª Diana Andringa: — Mas eu não sei se aconteceu a todas.
Quanto aos brutos, como lhe digo, não sei.
Por outro lado, pode ter acontecido uma coisa que só me ocorreu
agora, quando ouvi as notícias de que vocês tinham pedido os brutos, que é
as próprias entidades que fizeram os inquéritos, nomeadamente a DGAC, a
PJ, etc., terem pedido os brutos e ninguém nos ter dito nada. É que,
infelizmente, foi preciso esperarmos vários anos para conseguirmos que
ficasse assente que as cassetes gravadas por um jornalista lhe pertencem
tanto quanto o caderno de apontamentos do jornalista. Antigamente, não
era assim. Lembro-me, por exemplo, quando cobri o «caso D. Branca», de
a PJ ter ido buscar cassetes e de ninguém me avisar que tinham entregue as
cassetes à PJ. Já foi há muitos anos o «caso D. Branca», mas pode ter
havido uma coisa deste género.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Deixo essa parte um bocadinho mais
para o fim da lógica que aqui tenho.
Há uma quarta equipa de uma televisão espanhola, a TVE?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não me lembro, mas é muito provável,
porque havia cá um representante da TVE que era altamente ativo e que
aparecia sempre em todas as coisas. Portanto, é muito natural que tenha
aparecido, mas eu já não me cruzei com ele.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não se recorda de o ver. Recorda-se
do nome desse representante?
A Sr.ª Diana Andringa: — Nessa altura, não sei se era o Diego
Carceda…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Acho que sim, porque também é o
nome que tenho.
A Sr.ª Diana Andringa: — Acho que sim, que seria o Diego
Carceda…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — E acho que ele também esteve lá…
A Sr.ª Diana Andringa: — É muito natural que tenha estado,
porque, repare, obviamente, a partir daí, todas as cadeias internacionais vão
tentar fazer reportagem e o Diego não deixava passar uma coisa destas. Era
um jornalista…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Bom, nós tivemos a informação de
que havia uma equipa da TVE e era o Diego Carcedo, mas não dê isto
como definitivo, porque pode não ser.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Mas acredito, porque o Diego Carceda é,
nesse momento, o representante da TVE aqui e, portanto, é fortemente
provável.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A verdade é que, depois, regressa à
RTP e está até às 3 horas da manhã, na RTP, a fazer…
A Sr.ª Diana Andringa: — Montagens.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … montagem e edição, tal como o
Joaquim Furtado ao seu lado. E adiantou-nos aqui o facto de ter estado, na
noite de 4 para 5 de dezembro, uma equipa ou um conjunto de pessoas, que
eram o Proença de Carvalho, o Duarte Figueiredo, a Maria Elisa e mais um
quarto elemento, cujo nome, sinceramente, não apanhei…
A Sr.ª Diana Andringa: — Também não sei o nome, não tenho a
certeza do nome e, portanto, tenho medo de indicar uma pessoa e de não ter
sido ela. Tenho a ideia de me lembrar de que era o Nuno Cintra Torres, mas
posso estar a dizer um disparate completo.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vou tomar nota com um ponto de
interrogação.
A Sr.ª Diana Andringa: — Ponha mesmo muitos pontos de
interrogação, porque pode não ser — coitado! — e, depois, vem dizer:
«Mas por que é que sou metido nisto?!»
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Portanto, este grupo esteve na RTP à
noite, mas a Diana Andringa não viu o grupo.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Isto passava-se tudo no Lumiar.
No Lumiar, quando entrávamos, havia, à direita, a redação da RTP2
e, seguindo-se em frente, a montagem vídeo; havia, à esquerda, a RTP1,
digamos, o arquivo e a montagem filme; virando à esquerda, mas do lado
direito, havia os gabinetes…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Já me perdi, de qualquer das
formas…
A Sr.ª Diana Andringa: — Se eu desenhar, é capaz de se perder
ainda mais.
Quero com isto dizer que podia entrar gente para a direção que nós
não víamos, pura e simplesmente, tal como eles não viam se eu estava ou
não na montagem vídeo. Eram entradas completamente diferentes.
Passávamos por um portão, aquilo era ao ar livre… Quer dizer, passávamos
por um portão, atravessávamos um pátio e íamos para sítios completamente
diferentes. Além do mais, note: seria completamente natural, no dia em que
morreu um Primeiro-Ministro, estarem lá o diretor de programas, o diretor
de informação e o presidente. Mal seria que não estivessem. Agora, se por
acaso estiveram a remontar peças, isso é que já não lhes cabia, mas estarem
lá era o mínimo!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Nós temos de ir aí com mais alguma
precisão. Temos de utilizar mais alguma precisão.
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O ser normal, é normal; agora, às 3 e 4 horas da manhã já não sei
se… Mas também não é relevante e admitamos que sim.
A verdade é que às 3 horas da manhã sai da RTP, depois de acabar o
seu trabalho, e não viu este grupo. Portanto, é alguém que lhe diz que
esteve lá este grupo reunido.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, é no dia seguinte, quando
regresso… Se bem me lembro, eu entrava da parte da tarde ou ao final da
manhã, e ao regressar, quando vou ver as peças do alinhamento, porque,
como é natural, quando fazemos coisas gostamos de saber se elas estão
presentes, elas não estavam, e vi que não estavam as imagens que eu tinha
recolhido. Falo nas que eu tinha recolhido, porque dividíamo-nos entre a
RTP1 e a RTP2 e, portanto, não era esperado que eu, no telejornal, visse as
peças do Furtado, que estariam no Jornal 2. Mas as minhas não estavam e
eu fui perguntar. Ainda por cima…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tirando o Jornal da Uma, o jornal
das 13 horas, porque nesse jornal ainda passaram.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, tirando o jornal das 13 horas,
porque aí ainda passaram imagens e seguiram para a Eurovisão.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Da peça que tinha montado?
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim. E as primeiras EVN (Exchange
Vídeo News) são de manhã, penso que por volta das 10 horas da manhã, e,
portanto, ainda foram para o estrangeiro na primeira EVN, e estava à
espera de continuar a vê-las. Quando vejo que não vão e, sobretudo, que
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tinham desaparecido aquelas declarações, naturalmente, andei a perguntar.
E como eu era, na altura, aliás, penso que o Joaquim também era, logo
éramos os dois, dos conselhos de redação, as pessoas, obviamente,
informavam-nos do que se passava e tínhamos o direito de perguntar. O Dr.
Proença de Carvalho e o Duarte Figueiredo nem por isso, mas as pessoas
normais informavam-nos do que se passava. E, quando perguntámos,
disseram-nos: «Eh pá, houve aí um grupo que esteve a remontar… Esteve a
montar peças e eram umas peças diferentes das que vocês tinham deixado».
Perguntei quem foi esse grupo e disseram-me que tinham sido essas
pessoas.
Mas, também aqui, há duas coisas estranhas: primeiro, estar uma
pessoa estranha à RTP, mas seria amiga de uma das pessoas presentes;…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quem é essa pessoa estranha?
A Sr.ª Diana Andringa: — O tal que, eventualmente, será o Nuno
Cintra Torres, que, de facto, não fazia parte da direção.
Segundo, não é costume e, como o senhor sabe, é mesmo altamente
interdito alterar peças jornalísticas, mesmo que seja pelos diretores, sem
dizerem nada aos jornalistas.
Portanto, essa questão é o que há de estranho.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sem questão. Aliás, porventura,
davam-nos muito jeito e não estaríamos aqui hoje, porque essa é uma das
razões principais para termos pedido a sua colaboração.
A Sr.ª Diana Andringa: — De facto, sugeria-vos que vissem, não
vos quero dar mais trabalho, e sei que têm trabalhado muito, que
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procurassem os depoimentos, que são da altura em que o Dr. Proença de
Carvalho é Presidente da RTP, dos conselhos de redação, que vêm aqui
depor, e se queixam de várias coisas, e uma das coisas de que se queixam, e
espero que a memória não me falhe, é desse próprio dia. Queixámo-nos de
muitas coisas, porque houve imensa censura na véspera das eleições, mas
creio que essa é uma das coisas de que nos queixámos. Isso deve estar
gravado, presumo eu.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Claro.
Diga-me uma coisa: quem é a pessoa que diz que esteve lá esse
grupo e que fez o que fez?
A Sr.ª Diana Andringa: — Foi alguém da montagem, mas já não sei
dizer quem foi.
Passei 21 anos na RTP, mudámos várias vezes de operadores de
montagem, se me perguntar por aqueles com quem fiz trabalhos longos, sei
os nomes. Agora, quem é que, no meio de uma videotape, me diz «Olha
que esteve aí um grupo e não sei quê…», francamente, não consigo mesmo
dizer-lhe.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Compreendo tudo o que disse,
mas…
A Sr.ª Diana Andringa: — Gostava que eu me lembrasse, eu
também, mas não me lembro.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — … precisava do nome, porque, sobre
o grupo que esteve à noite e sobre o que estiveram a fazer, foi alguém que
lhe disse, mas que não…
A Sr.ª Diana Andringa: — Foi gente da montagem da videotape,
mas não sei dizer exatamente quem, aliás, já nem me lembro dos nomes
dos operadores de montagem dessa altura.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Depois, discutiram isto no conselho
de redação; procuraram saber o que aconteceu, não conseguiram saber o
que aconteceu; foi ao arquivo, à hemeroteca… É assim que se chama?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não! A hemeroteca é o que tem os
jornais. Chama-se «videoteca» e chama-se «arquivo», porque, na altura,
ainda havia arquivo de filme e arquivo em vídeo.
Mas não terá sido exatamente assim. Eu não fui procurar saber.
Perguntei o que tinha acontecido e tive essa informação. O que aconteceu
foi que, mais tarde… Como sabe, nós, na televisão, todos os anos fazemos
as efemérides, quer dizer, todos os anos temos de falar de Camarate, todos
os anos temos de falar do 25 de Abril, todos os anos temos de dizer que é
Natal. E, obviamente, de todas as vezes, metia uma cunha, a dizer «Vejam
lá se encontram as minhas imagens, vejam lá se encontram essas coisas», e
elas não apareciam. Mas quando as procurei, que foi logo nos dias a seguir,
por curiosidade, de facto, não as encontrei, não encontrei cópia. Mas,
depois, nunca mais as procurei.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi procurá-las passados uns dias?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Penso que, passados uns dias, fui
procurá-las, mas depois disso deixei de as procurar, o que fazia era lembrar
às pessoas…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Foi procurar aonde? À videoteca?
A Sr.ª Diana Andringa: — Ao arquivo, que era o arquivo comum.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tinha de ser aí, se estivessem…
A Sr.ª Diana Andringa: — Fui ao arquivo perguntar: «Estão, por
acaso, aí as minhas coisas?», e não estavam.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Passados uns dias, as suas imagens
já não estavam no arquivo.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim. Íamos todos os dias ao arquivo e,
quando íamos fazer montagens, pedíamos, naturalmente, imagens da
véspera, só que eu não fiz mais trabalhos. Ou seja, nos dias a seguir voltei à
minha humilde profissão de jornalista da área internacional, deixei de tratar
de Camarate. Portanto, foi só por curiosidade, por não ver as peças no ar,
que me interessou saber o que tinha acontecido, e, depois, cada vez que se
ia fazer um filme eu falava disso, nomeadamente, de facto, quando foi a
vez do Barata-Feyo, porque a RTP entrou praticamente em pé de guerra.
De vez em quando, nós tínhamos a brigada de minas e armadilhas a
irem visitar-nos à Grande Reportagem, para ver se estávamos a ser vítimas
de atentado. A Fernanda Bizarro recebeu uma prenda e veio a brigada de
minas e armadilhas abrir o presente, porque podia explodir. Depois, iam lá
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os CODECO, mais precisamente o José Esteves, etc., tudo aquilo era um
filme, e, neste filme, de facto, eu conversava, porque via que estavam a
tratar da questão de Camarate, e dizia: «Mas, olha lá, há ali umas
declarações que acho que vão noutro sentido…».
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sobre o Barata-Feyo — aliás, não é
o Barata-Feyo mas o trabalho dele —, que também fez um conjunto de
considerações, a verdade é que ele se encaminhava para a tese do atentado,
mas, depois, foi para a do acidente. Nem de propósito, por coincidência,
passado pouco tempo de ter início esta Comissão de Inquérito, sai um livro
de Barata-Feyo, outra vez, com a tese do acidente. Abrimos a Comissão de
Inquérito e sai um livro outra vez, continuando a encaminhar-se para a tese
de acidente.
Mas aquilo que eu sei, até pela leitura do livro, é que ele ignora
completamente um conjunto de dados mais recentes. Estes dados não são
contrariados, são mesmo ignorados no livro, e são dados determinantes,
fiquei até com a ideia de que aquilo era uma coisa que já estava feita. Mas
isto não interessa, é um aparte.
Para terminar, uma vez que, eventualmente, não faremos uma 2.ª
ronda de perguntas, quero só referir-me às imagens da RTP.
As suas imagens desapareceram e todas as outras imagens, na
verdade, continuam inacessíveis. Podemos fazer uma pesquisa na Internet e
apanhamos imagens da RTP, não serão as imagens das três equipas, são
umas pequenas peças. Portanto, vai-se à Internet e consegue-se aceder a
imagens, mas a verdade é que solicitámos à RTP que nos cedesse as
imagens em bruto. Por isso é que a questionei sobre as equipas e sobre
quantas imagens é que tem. E a RTP não nos disse que não tinha as
imagens, mas também não perguntámos pelas suas imagens, perguntámos
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pelas imagens em bruto. A RTP nunca disse que não tinha as imagens,
disse que não as cedia ao abrigo do sigilo profissional.
Sendo a pessoa experimentada, que é, experiente, com uma larga
carreira em conselhos de redação, em funções sindicais, que também são
muito relevantes, não quero pedir-lhe um parecer, mas algumas destas
imagens também são suas, e há bocado dizia que esta situação era como a
carteira de um jornalista. Ou seja, acha que esta questão está sujeita a
segredo profissional?! Acha que, passados trinta e tal anos, esta Comissão
de Inquérito não pode visualizar as imagens em bruto, que foi aquilo que
pedimos?!
A Sr.ª Diana Andringa: — Vou dar-lhe a minha opinião, Sr.
Deputado.
Eu era presidente da direção do sindicato quando conseguimos impor
que as cassetes fossem tratadas exatamente como o caderno de notas de um
jornalista, e fizemo-lo, em parte, pela minha triste experiência com a
história da «D. Branca», de, nas minhas costas, terem passado cassetes à
Judiciária.
Normalmente, nestes casos, a obrigação é que o jornalista, a pessoa
que fez as imagens seja ouvida e tenha de as proteger. Posso dizer-lhe, por
exemplo, que tenho entrevistas feitas… Não sei como está agora
exatamente, mas na RTP havia uma ideia estranha, que era a de que o que
está gravado em cassete pertence à RTP, o que lá está dito pertence-me a
mim, mas eu só tenho a autoria moral, porque o resto, o que está gravado,
pertence, de facto, à RTP. Portanto, em princípio, eu tenho lá coisas
gravadas, que não pude apagar, porque não são minhas, não me pertencem,
mas está dito que a pessoa que deu esta entrevista diz que não quer que do
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minuto tal ao minuto tal passem, porque o entrevistado tem direito a isso.
Estou só a explicar qual é a teoria.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas refere-se à «D. Branca», não é?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Por acaso, refere-se até a um outra
coisa completamente diferente, tem a ver com uma entrevista ao Dr. Álvaro
Cunhal.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não é sobre Camarate.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não é sobre Camarate.
Isto acontece, por um lado, para defender as fontes, porque, muitas
vezes, as fontes falam mas, depois, não querem ser identificadas e, como
sabemos, as fontes podem correr riscos e queremos protegê-las, e, por
outro, também pelo próprio trabalho do jornalista, porque o jornalista pode
ter feito entrevistas e ter chegado à conclusão de que a pessoa mentiu com
quantos dentes tem na boca, por outras coisas que viu aqui, ali e acolá e não
a vai pôr. E, portanto, gostava que não a passassem, uma vez que vai fazer
incorrer em erro outra pessoa que vá usar essas imagens sem estar
precavida.
São estas várias questões que estão em causa.
Neste caso, não posso ter uma opinião diferente da que tive quando
entregaram imagens de uma manifestação que decorreu em frente ao
Parlamento, sem autorização do jornalista, à polícia. Portanto, não mudo de
opinião neste aspeto, acho que não as podem entregar, mas têm uma
obrigação, que é a de perguntar ao jornalista que fez as imagens. Eles
sabem quem são as equipas, as equipas estão identificadas, devem
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perguntar-lhes se aquilo está sob sigilo, ou não, se abrem, ou não. A pessoa
até pode dizer: «Olhe, para a comissão de inquérito, sim, sob sigilo para o
resto. Ou seja, não é para uso irrestrito, é para não sei o quê.», cada um de
nós poderá dizer o que entende.
Devo referir que não fui contactada pela RTP, li na Internet e nos
jornais que vocês tinham pedido as imagens e que eles tinham dado uma
resposta, desta vez, absolutamente certa do ponto de vista ético, coisa que
há tempos tinham falhado, e pensei: pronto, evidentemente que aconteceu
isto…
Agora, ainda não passou o tempo de abertura dos arquivos e este é
um problema que existe em Portugal e que não pode ser decidido de outra
maneira, a não ser da forma que referi: consultarem os próprios jornalistas
e os representantes dos jornalistas para tomarem uma posição sobre o
assunto.
Agora, há brutos para os quais não vejo problema em serem vistos!
Que problema poderia haver em ver que o avião caiu, está lá, são as
imagens de um avião caído, são, infelizmente, as imagens dos corpos,
desde que seja defendida a privacidade! Por exemplo, posso perfeitamente
compreender que a família diga «eu não quero ver aquelas imagens
exibidas». Provavelmente, se fosse um familiar meu, eu diria a mesma
coisa.
Portanto, todos estes aspetos contam, mas, tratando-se de uma
comissão de inquérito e de as imagens serem vistas aqui, entre vós, acho
que seria de se perguntar aos jornalistas e de se ver o que seria possível
fazer-se.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — A verdade, portanto, é esta: as suas
imagens desapareceram…
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A Sr.ª Diana Andringa: — Volto ao princípio: as entrevistas
desapareceram; as imagens não sei dizer.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Quanto às imagens não sabe dizer,
mas as suas entrevistas desapareceram. Para nós, Comissão de Inquérito
Parlamentar, que tem uma determinada dignidade penal, as imagens estão
inacessíveis, e isto acontece 33 anos depois de um facto absolutamente
histórico. Estamos a falar de imagens que não pretendemos projetar numa
sala de cinema, apenas pretendemos ver. No seu caso são imagens em
bruto, nos casos de Joaquim Furtado e de Henrique Garcia não sabemos.
Mas, no seu caso, também ninguém lhe perguntou se «sim» ou «não».
A Sr.ª Diana Andringa: — Não.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Dou, agora, a palavra ao Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sr.ª Diana Andringa, começo por apresentar-
lhe os meus cumprimentos e por dizer-lhe que vou fazer duas ou três
perguntas, que gostaria que respondesse, se for possível.
As pessoas que entrevistou em Camarate nessa noite estavam na
ruazinha estreitinha aonde o avião caiu, ou não?
A Sr.ª Diana Andringa: — Já não me lembro se foi exatamente na
ruazinha estreitinha. Sei que foi ali ao redor do sítio onde tinha caído o
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avião, não sei localizar se foi na ruazinha estreitinha, ou se foi noutra ao
lado.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Mas eram moradores de Camarate.
A Sr.ª Diana Andringa: — Eram moradores de Camarate.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os moradores de Camarate moravam
exatamente nessa rua, na rua das Fontainhas, onde as janelas e portas da rua
em questão não tinham visibilidade alguma para o aeroporto.
Disseram-lhe que viram o avião cair; cortar os fios de eletricidade,
incendiar-se e cair — foi isto que depreendi das suas declarações. Ao
contrário do que disse, depreendo que estas afirmações são extremamente
graves e indicativas de que o avião vinha a arder. Ou seja, eles não têm
acesso visual ao corte dos fios, os fios estão a 100 m de distância, o que
veem é o avião a vir já a arder e cair. É a minha interpretação.
Há um outro aspeto que acho curioso. Não identificou a pessoa, o
guarda-costas, mas disse aqui que essa pessoa assistiu à descolagem ou,
melhor, deve ter assistido à descolagem e que só depois foi para o local
onde caiu o avião. Que melhor testemunha ocular poderia ter para
entrevistar? Não considera ter havido aqui, da sua parte, uma falha muito
importante?
A Sr.ª Diana Andringa: — Em primeiro lugar, eu disse que era uma
conjetura minha e não mais do que uma conjetura, que fosse isso que
tivesse acontecido.
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Devo dizer que, quando cheguei ao local, a surpresa de encontrar ali
aquela pessoa e de ela me dizer o que disse foi tão grande que, na verdade,
como eu disse há bocado, por erro meu, nem lhe pedi a identificação, nem
lhe perguntei o nome, talvez porque o conhecia de vista e queria ir para a
zona do acidente. Foi, de facto, uma falta minha, já disse que sim, e tenho
imensa pena, aliás, ao longo de todos estes anos tenho tido imensa pena em
não o ter feito.
Não me pareceu que fosse o entrevistado ideal, preferi, de facto, as
pessoas que estavam na vizinhança. O que elas me disseram, e de facto não
tinham visão para o aeroporto — e, por isso, provavelmente, também
fizeram uma dedução —, foi que, primeiro, ouviram um avião e só o viram
a arder depois de ter embatido, de ter passado por uns fios elétricos. Se isto
é uma conclusão dessas pessoas por, ao terem chegado lá, visto os fios
tombados e o avião próximo, também não sei dizer. O que estou a dizer é
que estas foram as declarações dessas pessoas, e o Cid conhece bem o
trabalho dos jornalistas.
Portanto, quando se está a trabalhar para fazer uma coisa à pressa e
não se está à espera (e não se estava à espera) de que vá haver o problema
de ser ou não um atentado, é um acidente, acabou de acontecer tudo isto,
estamos interessados em recolher as imagens, em ouvir as pessoas que
estão ali próximas e que dizem como ouviram as coisas que aconteceram.
Na verdade, provavelmente, se eu tivesse continuado a trabalhar
sobre isto, se tivesse conseguido encontrar as imagens, se quisesse um dia
fazer um filme sobre Camarate, teria tentado encontrar aquelas pessoas e
verificar como eram as suas memórias. Naquele momento, registou-se a
descrição de pessoas que assistiram a um acidente, de pessoas que estão ali
e que são as testemunhas mais próximas de um acidente.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Essa pessoa que identifica como sendo o
guarda-costas do Dr. Sá Carneiro era um polícia ou um civil? Quem era? Já
o tinha visto várias vezes.
A Sr.ª Diana Andringa: — Já o tinha visto várias vezes, conhecia-o
de o ver em comitivas a acompanhar ministros, nomeadamente, presumo, o
Dr. Sá Carneiro, mas isto já não poderei jurar. Penso que pertencia ao
corpo da PSP, mas não estava fardado. Ele não estava fardado, e eu já o
tinha visto não fardado. Ele é que me disse que era guarda-costas do
Primeiro-Ministro, mas que pertencia à segurança que normalmente os
rodeava é um facto.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E não achou importante saber a opinião dele?
A Sr.ª Diana Andringa: — Como disse, em primeiro lugar, achei
mais importante ouvir as pessoas dali, que, a meu ver, dar-me-iam
informações mais soltas, e depois, e tenho refletido sobre isto, tenho a
convicção bastante profunda de que ele me disse aquilo e de que não me
diria rigorosamente mais nada, porque, com a experiência e com o tempo,
vamo-nos apercebendo de que há pessoas que dizem aquilo e é aquilo que
nos querem dizer, a partir daí podemos falar com a parede que tem mais ou
menos o mesmo efeito.
Contudo, reconheço que deveria ter insistido mais e, sobretudo,
deveria ter-lhe pedido a identificação, o que não fiz, e foi um erro.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado. É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe
Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Voltamos ao segurança de Sá
Carneiro.
Na noite de 4 de dezembro, há dois seguranças que acompanham o
Primeiro-Ministro até à entrada no avião. O Chefe da segurança Comissário
Inácio Costa e o agente Guimarães Costa. Deduzo que a pessoa com quem
a Diana se cruza é o Chefe Inácio Costa. Estranho que, depois, não o
identifique como chefe da segurança do Presidente Mário Soares, de quem
ele, depois, também veio a ser chefe da segurança. Há declarações do
Presidente Mário Soares a dizer que foi o Chefe Inácio Costa que, pela
primeira vez, o fez pensar seriamente e quase convencer-se de um atentado
em Camarate.
O Chefe Inácio Costa provavelmente já lá estava quando lá esteve o
Henrique Garcia, porque o Chefe Inácio Costa vê o avião despenhar-se,
pede a presença da PSP e vai imediatamente para o local. A Diana não tem
conhecimento de que ele tenha falado com o Henrique Garcia?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Eu não tenho conhecimento. Mas é
preciso ter em conta — e saberá particularmente bem estas coisas — que,
naquele momento, não temos tempo para falar uns com os outros, porque
estamos a filmar. Portanto, não tenho conhecimento. A peça do Henrique
vai para o ar, quando estou eu a sair da televisão para ir para lá.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — De qualquer forma, queria que
soubesse que o Chefe Inácio Costa afirmou, desde essa noite, que viu
claramente uma explosão no ar.
A Sr.ª Diana Andringa: — Li isso agora. Quando estava a ler o livro
do Barata-Feyo, li essas declarações. Não sei se foi o Chefe Inácio Costa
que eu vi. Aliás, com a minha falta de sentido para identificar pessoas,
admito que sim, mas não tenho a certeza.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Ele afirmou, desde aí, desde janeiro de
1981, que viu, porque ele estava a olhar para o avião.
Quanto às testemunhas, disse no início aquilo que, de facto, o
Augusto Cid já relevou, ou seja, elas falam de um avião com o motor a
fazer barulho e deduzem que terá embatido nos fios e que caiu a arder.
Penso que a questão dos fios tem a ver com um corte de eletricidade que
houve na altura. Portanto, não é que tenham visto, mas que tenham
deduzido.
Mas, se calhar, terá tido conhecimento, pelo menos, nessa altura, de
que há testemunhas (não dentro do bairro, de onde não se vê o percurso do
avião, nem se vê o aeroporto), nomeadamente uma enfermeira que vem a
sair de um posto médico, uma senhora que está num lavadouro, etc., que
viram o percurso do avião no ar. Não teve conhecimento disto na altura?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Não tive conhecimento na altura.
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Volto a insistir: eu não segui o caso de Camarate, fiz aquela
reportagem porque não havia mais ninguém para a fazer. E foi daí que
fiquei com curiosidade em saber o que tinha acontecido a seguir, mas não
segui o caso de Camarate.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Desde o início, estava aqui a pensar
no seguinte: não consigo ter a certeza absoluta de que, em dezembro de
1980, já se fizesse tudo em vídeo, não sei se ainda haveria a utilização do
reversível, não do negativo mas do reversível. Não tenho a certeza!
Se, de facto, foi tudo em vídeo, e independentemente de qualquer
instrução para destruírem, apagarem ou o que quer que seja, devo dizer que
tive conhecimento direto, ao longo dos anos, de cassetes de vídeo que
foram sendo usadas, regravadas e regravadas, e se apagaram coisas
absolutamente decisivas, e não vejo razão para que isto também não tenha
acontecido com estas cassetes.
Gostaria de saber a sua opinião.
A Sr.ª Diana Andringa: — Eu disse isso há pouco. Infelizmente, é
verdade. Eu fiz uma filmagem com um major do PAIGC, em Madina do
Boé, da qual se salvou a segunda parte, porque, quando a íamos meter na
câmara, eu disse «mas essa cassete já está gravada» porque reconheci as
imagens, mas ela ia ser usada como virgem. E também já me apagaram
entrevistas que eu tinha deixado com um recado, dizendo «isto é histórico,
guardem por favor».
Portanto, o que digo é que, nessa fase, apagavam-se cassetes.
Agora, como referi há pouco, estou com uma dificuldade, porque
lembro-me sempre do João Filipe em filme, mas, depois, tenho a memória
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de estar a fazer a montagem e de ver o Joaquim Furtado a montar. Ora, se
fosse — e conhece a RTP — nas antigas casinhas de montagem de filme,
eu não o veria. Portanto, tem de ser nas de vídeo, e também para a
montagem e remontagem serem mais fáceis, obviamente, mas estamos
precisamente na fase daquela passagem.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Agora, vou fazer uma pergunta
absolutamente contra a corrente. Ocorreu-te, em algum momento, que a
supressão das entrevistas — feita, como tudo indica, por instruções do Dr.
Proença de Carvalho, Duarte Figueiredo, Maria Elisa, enfim, por quem tu
quiseres, mas, sobretudo, por Proença de Carvalho — poderia ter como
principal motivação uma questão eminentemente jurídica, vindo o Proença
de Carvalho da Procuradoria-Geral da República?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Ocorreu-me que Duarte Figueiredo,
vindo do Gabinete de Sá Carneiro, soubesse até eventualmente coisas que
nós não soubéssemos e que pensasse «pode haver aqui uma hipótese de ser
um atentado e estas entrevistas não parecem isso». Confesso que pensei
mais nisto, porque não estou a ver, tirando a questão dos corpos, o que
pudesse causar problemas jurídicos. Todos nós sabemos que os jornalistas
gravam entrevistas e essas entrevistas funcionam, mas nem sequer são
grande prova em tribunal.
Não, essa não me ocorreu, confesso. Mas, naquela altura, é preciso
dizê-lo, havia uma guerra, completamente declarada, entre o Dr. Proença
de Carvalho e os jornalistas. E, a meu ver, isto bastaria.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Eu pergunto isto porque acho uma
coisa absolutamente prematura, acho muito extravagante que, nessa mesma
noite — que eu acompanhei, a par e passo, só não fui nessa noite a
Camarate, mas, como deves calcular, depois investiguei durante quase dois
anos —, houvesse, mesmo por parte do Dr. Proença de Carvalho e do
Duarte Figueiredo, uma pretensa intenção de, exatamente nessa noite e no
dia seguinte, tentar fazer aparecer a sombra de um atentado. Isto, para mim,
é uma coisa muito inconcebível, de um ponto de vista político. Por isso é
que eu estava a colocar previamente a questão jurídica.
E saberá que a tese do Mário Mesquita é sobre a transmissão direta
do funeral do Sá Carneiro e, isto sim, é provavelmente o momento mais
impressionante de propaganda política que a televisão portuguesa fez em
toda a sua história (nem sequer no enterro do Dr. Salazar). Por isso, acho
um pouco… mas, enfim.
Não tem, portanto, dúvidas de que o que apareceu nos noticiários das
10 horas da manhã e das 13 horas do dia 5 de dezembro foram materiais
seus remontados por estas pessoas durante a noite e não as suas peças.
A Sr.ª Diana Andringa: — Eu tenho a ideia, mas não tenho a
certeza, de que no noticiário das 10 horas da manhã ainda eram as nossas
peças. Não tenho a certeza em relação ao das 13 horas. A partir daí, não
são. No noticiário das 10 horas da manhã podem ter sido, porque, como
digo, foram para a EVN e a EVN era por volta das 10 horas da manhã.
Portanto, podem ter sido usadas peças dessas. A partir daí, no noticiário das
13 horas, dizem-me que viram, mas pode haver confusão com o das 10
horas. Não tenho a certeza, não a posso dar com certeza.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados,
começo por cumprimentar a jornalista Diana Andringa.
Vou começar por uma questão técnica, pedindo desde já desculpa
aos meus colegas Deputados pois a mesma já foi colocada.
De facto, estive a verificar, num documento sobre os arquivos da
RTP, que o Beta, enquanto formato vídeo, só chega em 1986, pois, na
altura, era o U-Matic e o BCN. O U-Matic, que entra em 1977, altura em
que havia mais peças — aliás, em 1977, há, ao todo, 25 000 peças. E há
também a questão do reversível, porque o reversível tem a particularidade
de não ter negativo; ou seja, fosse reversível, fosse em vídeo, a grande
particularidade é que não há negativo.
Portanto, será que o cameraman João Filipe se recordaria em que
formato é que filmou?
A Sr.ª Diana Andringa: — Estava aqui a tentar lembrar-me e a
pensar: «Não era Beta… Se não era Beta, o que é que era? Não era com
certeza BCN, porque as BCN eram aquelas enormes que cheguei a levar
para algumas reportagens, mas que aqui não se usava». De facto, era o U-
Matic.
Quanto ao João Filipe, eu já não sei dele há muito tempo e não sei
qual é o estado em que se encontra neste momento, pois ele sofreu um
acidente muito grave em filmagens na Guiné e, durante algum tempo,
esteve afásico e teve problemas. Não sei como é que ele está, penso que
está a recuperar bastante bem, mas não sei é se a memória dele foi afetada
ou não, em relação a isso.
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Agora que foi a pessoa que filmou comigo e que fez, aliás,
extraordinárias imagens, não tenho dúvidas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Seja como for, em princípio, se
estavam os dois a montar no mesmo sítio, foi o mesmo formato em que o
Joaquim Furtado filmou.
A Sr.ª Diana Andringa: — É essa a noção que tenho. O que me faz
dizer que é vídeo é a noção de que estávamos a montar um ao pé do outro.
Evidentemente, convém dizer que, mesmo quando estávamos a
montar em filme, de vez em quando, as pessoas também iam espreitar o
que é que o colega do lado estava a fazer.
Mas tenho quase a certeza que não, que estava a ver ao mesmo
tempo. Confesso que, 33 anos depois, não consigo ser muito precisa sobre
isto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A Diana Andringa tem mais ou
menos a noção de quantas pessoas exatamente entrevistou? Quantos
testemunhos, quantos depoimentos obteve? Três, seis, uma dúzia?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não foram tantos. Tenho a ideia de
que foram entre cinco a sete. Aliás, penso que foram cinco, mas não tenho
a certeza absoluta. Tenho a impressão de que foram cinco.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Diz que, entretanto, chegaram
outros jornalistas. De que «outros jornalistas» está a falar? E estamos
sempre a falar dos momentos que antecederam a chegada do Ministro
Eurico de Melo e das forças de segurança. É isto?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não. O Joaquim Furtado, tanto quanto
julgo lembrar-me, ainda chega antes de Eurico de Melo e, depois, penso
que praticamente a par, o Henrique volta ao local do crime e chega a rádio
(a ideia que tenho é de um jornalista da rádio). Depois, começam a chegar
fotógrafos e instala-se a habitual (não era tão grande como agora) junção de
uma série de pessoas que vêm fotografar e filmar. Mas a impressão que
tenho é que a maior parte dos outros já chega depois da chegada de Eurico
de Melo ou até quase a par com o Eurico de Melo.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E, nessa altura, que medidas é que
tomam exatamente? Para onde é que dizem que os jornalistas podem ir? É
que nós temos vários testemunhos — a saber, neste livro da Inês Serra
Lopes que reproduz o artigo da Diana Andringa no Público. Depois, o
Diário de Lisboa protesta pela forma como os jornalistas foram tratados,
dizendo que populares andavam no meio dos escombros, mas os jornalistas
tinham sido postos de parte. Confirma isto?
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, sim. A partir do momento em que
chega o Ministro da Administração Interna, ele manda afastar dali os
jornalistas — aliás, até diz mesmo «nem que seja à pancada, tirem-nos
daqui» —, nós somos afastados e é feito um perímetro de segurança.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas para toda a gente, os
populares não continuavam lá a circular.
A Sr.ª Diana Andringa: — Isso não posso garantir, por uma razão:
quando acontece uma coisa destas e aparece um Ministro, às tantas, já não
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sabemos se parte das pessoas que não estão fardadas são da segurança do
Ministro, da Polícia Judiciária ou de uma direção-geral seja do que for. Não
sabemos.
Por outro lado, a minha preocupação foi encontrar um sítio de onde
filmar o que estava a acontecer.
A partir daí, os corpos são cobertos, é feito um perímetro e proíbem-
nos de continuar a filmar daquele local (as poucas câmaras que lá estavam)
e a tirar fotografias, etc., e cada um de nós tenta encontrar um sítio de onde
filmar. No nosso caso, foi uma moradora que nos permitiu irmos para a
janela.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Voltando aos depoimentos, o que é
que as pessoas diziam exatamente? Lembra-se?
A Sr.ª Diana Andringa: — Exatamente, exatamente, convém ser
cuidadoso, porque, depois, prendem-me durante cinco anos por declarações
falsas…
Do que me lembro, as pessoas falavam do ruído de um motor (aliás,
acho que um deles até usou a palavra «raté», o que é estranho, mas
enfim…), diziam que o motor começou a falhar; depois, e ainda agora o
Luís Filipe Rocha falou disso, as pessoas saem, porque fica escuro, a
eletricidade falha (é exatamente isso), veem (e não me falam de qualquer
explosão) o avião bater nos fios elétricos, incendiar-se (é o que dizem),
bater contra uma parede ou qualquer coisa e fragmentar-se.
O que descrevem é isto: tínhamos um avião a passar por cima,
sentimos que o motor estava a funcionar mal, a seguir, houve isto… Mas a
razão pela qual eles veem é porque, de repente, falha a eletricidade.
Portanto, as coisas são quase simultâneas.
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Era isto que as pessoas diziam. Tinha-me esquecido de dizer que as
pessoas saem porque lhes falta eletricidade.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Por que é que fica com a ideia de
ter sido um acidente?! Imaginando que houve uma explosão, que é, aliás, a
teoria quando se fala em atentado, por que é que fica com a noção de que
estão a descrever um acidente?!
A Sr.ª Diana Andringa: — Se me falam de um motor a funcionar
mal, não me falam de explosão, não me falam de um ruído no ar, falam-me
de vir por ali a baixo, de bater em fios e a seguir de se incendiar, parece
perfeitamente um acidente.
Moro num sítio onde passam aviões por cima a todo o momento e,
portanto, digamos que se consegue perceber os ruídos dos aviões. Logo, se
houver alguma coisa esquisita, dou por isso. Portanto, pareceu uma coisa
normal. Quem mora ao pé do aeroporto sabe que estas coisas acontecem.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Também tenho uma pergunta
sobre a Margarida Marante.
Consoante o que nos conta, no fundo, acha que ela já sabia quem
tinha falecido na queda do avião, quando lhe pede para vir. Não estranha
que, ao chegar ao aeroporto, se ela soubesse, não a tivesse avisado a si,
Diana Andringa?! É que ela não lho diz, pois não?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não estranho nada. É preciso
perceber o ambiente na RTP. Éramos hostilizados diariamente pelo
presidente e pelo diretor. O diretor, uma vez, chegou a dizer-me, proibindo-
me de ir fazer uma reportagem a um sítio no estrangeiro, para o qual eu até
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tinha convite: «A ti só te deixo ir para um sítio onde tenha a certeza de que
levas um tiro nos cornos!», desculpem a linguagem.
Portanto, as relações eram bastante tensas. Apresentámos queixa
contra o Proença de Carvalho, que despediu uma pessoa do Conselho de
Redação, o Zé Mensurado. Enfim, eram relações profundamente tensas. Ele
passava por nós e achava que erámos todos eanistas. Também foi a
primeira pessoa a querer que uma cobertura jornalística fosse
cronometrada, uma coisa que acho perfeitamente atentatória do trabalho
dos jornalistas.
De facto, as relações não eram tensas, eram tensíssimas! Portanto,
acho perfeitamente normal que ninguém me dissesse o que aconteceu e que
dissessem à Margarida Marante. A Margarida Marante, penso não ser um
grande segredo, era próxima do PSD, era, tanto quanto julgo saber (foi ela
que mo disse, mas, como já morreu, não pode confirmá-lo), amiga do
Proença de Carvalho, perdão, também era, mas era amiga do Sá Carneiro.
E, portanto, acho normal que lhe tenham dito a ela e não tenham dito nada
a mim e a Margarida deve ter achado… ou não tinha a certeza absoluta.
Provavelmente, o que lhe devem ter dito foi «Parece que o Primeiro-
Ministro…». Presumo que tenha sido uma coisa deste género e, portanto,
ela não me disse claramente o que é que se passava.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Quanto à denúncia do
desaparecimento das imagens, penso que ela foi feita numa comissão de
inquérito sobre a RTP, que estava a decorrer nessa altura, porque diz que
vieram aqui, à Assembleia, denunciar isso pouco tempo depois.
Lembra-se de quem veio consigo fazer essa denúncia? Terá sido o
Joaquim Furtado, ou não? Gostava de saber quem veio consigo fazer essa
denúncia e se se lembra de quem fazia parte dessa comissão de inquérito,
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uma vez que estamos à procura desses documentos e gostaríamos de os
encontrar.
A Sr.ª Diana Andringa: — Julgo que a nossa queixa não teve
diretamente só a ver com esta questão, teve a ver com toda a tensão
existente na RTP e toda a diminuição da liberdade de informar que foi feita
durante a campanha eleitoral Soares Carneiro e Eanes.
Vieram pessoas do conselho da redação, eu vim, penso que o
Joaquim Furtado também veio, não sei se veio o Mensurado, porque,
entretanto, e penso que foi nessa fase, chamou «maquiavel à moda do
Minho» ao Dr. Proença de Carvalho e, por isso, foi despedido. Não me
lembro de todos os Deputados, certamente, mas tenho a noção de que o Dr.
Silva Marques fazia parte da comissão de inquérito, porque, como já o
conhecia de outros mundos, tive a ocasião de me pegar algumas vezes com
ele, e, portanto, são aquelas coisas que uma pessoa recorda.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — A certa altura diz que viu pessoas
tirarem pedaços do avião para levarem de recordação. Lembra-se se alguém
pegou em objetos pessoais das vítimas? Seria possível alguém ter ido
buscar uma mala ou um objeto pessoal, como um casaco, uma pasta?
A Sr.ª Diana Andringa: — Eu não vi. A única coisa que vi levar
foram fragmentos, que me pareceram ser da fuselagem, portanto, coisas
metálicas.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas que tinham caído na estrada,
que tinham…
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A Sr.ª Diana Andringa: — Que as pessoas apanhavam ali ao redor
do avião.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Por fim, como lembrou, para a
visualização das imagens de arquivo, os jornalistas que as fizeram têm de
ser contactados e, de alguma forma, autorizar, aliás, em princípio, o Código
Deontológico é assim que funciona.
Gostava que nos dissesse já aqui, poupa-nos trabalho se nos disser e
fica registado em ata, se autoriza esta Comissão a ver as imagens filmadas
por si nessa altura.
A Sr.ª Diana Andringa: — Pessoalmente, autorizo. Não creio que
haja nada a opor-se, a não ser que alguma das pessoas entrevistadas entre
em contradição. Hoje em dia, não creio que haja qualquer razão ou que
alguém proíba, mas, como digo, acho que há imagens, das que nós fizemos,
que compreendo que só possam ser vistas em restrito devido à questão da
privacidade da intimidade das famílias. São coisas sérias e que têm de ser
tratadas com cuidado. Quanto às restantes, não me oponho.
Ficarei é profundamente triste se, por acaso, a minha memória estiver
a falsear alguma coisa, mas, pronto, prefiro saber que estou a falsear do que
não vos deixar ver as imagens. Pessoalmente, se a RTP me perguntar, não
me oponho a que as vejam, com certeza.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, para terminar, realço
esta conclusão do desaparecimento das imagens, que é, de facto, uma das
razões desta audição.
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Entretanto, antes de o Sr. Presidente dar por terminada esta audição,
gostaria de saber se ainda se não conseguiu recordar, se ainda não lhe veio
à memória o nome da pessoa que lhe referiu ter estado um grupo de
pessoas à noite, na RTP.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Quer dizer, nós fazíamos a
montagem com várias pessoas diferentes. É alguém que, nessa altura, fazia
montagem, a meu ver, de vídeo. Mas, com franqueza, não me consigo
lembrar do nome. Foi alguém que estava de serviço naquele dia e que nós
saímos…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Que pode ter comentado.
A Sr.ª Diana Andringa: — E que comentou isso, mas não me
lembro…
O Sr. Miguel Santos (PSD): — De qualquer forma, há uma
conclusão que não me parece lógica, se me permite, que é a seguinte: essa
pessoa, que não identifica, refere que houve um grupo de pessoas a montar,
a desmontar, a editar e a cortar durante a noite, mas a peça passa às 10
horas da manhã e às 13 horas — há bocadinho disse-me que às 13 horas
passou a sua peça. Isto não faz sentido na minha perspetiva.
Se as pessoas estão às 3 e 4 horas da manhã a mexericar e a mexer
numa peça que está montada por si e, depois, no dia seguinte a peça passa,
então não valeu a pena estarem a fazer aquele trabalho. Foi inglório. Na
perspetiva daquilo que nos conta, só a partir da tarde é que a peça terá
desaparecido. Está a perceber o meu ponto de vista, não é?
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Quer dizer, foi um bocado inglório essas pessoas terem estado ali a
mexericar, se é que estiveram, e, depois, às 10 horas da manhã e às 13
horas, a peça passa na mesma. Não deveria ter passado, deveria ter sido
cortada, não tinha de ter passado, se esse era o objetivo desse suposto grupo
que ali esteve.
A Sr.ª Diana Andringa: — Como digo, em primeiro lugar, não me
lembro de ter visto a peça à uma da tarde. Em conversa com o meu marido,
quando vinha para aqui, ele disse-me que tinha a impressão de que à uma
da tarde ainda passaram. Eu não vi. Às 10 horas da manhã é fortemente
provável, porque as peças estavam feitas e iam para a EVN. Portanto, as
peças também vêm de diferentes sítios e, estando preparadas para ir para a
EVN, é provável que tenham ido para o noticiário também.
No entanto, também é preciso ter em conta — e hoje em dia temos
menos esta noção — a importância do telejornal em comparação com
qualquer outra coisa, por exemplo, com o jornal da manhã, que ninguém
via, ou com o jornal da tarde, que muito pouca gente via. Quer dizer, não
tinha rigorosamente nada a ver com o telejornal, que era à hora da grande
comunhão dos portugueses em torno da televisão.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É verdade.
A Sr.ª Diana Andringa: — Agora, qual é a razão não lhe sei
explicar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É verdade, mas tem de ir muito para
além disso, porque, repare, isto é uma questão lógica para mim,
naturalmente. Só para mim.
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Se há um grupo que está de madrugada a cortar, a colar e a alterar
aquilo, não é pela importância do jornal das 10 horas, das 13 horas ou das
20 horas, é para não passar mesmo! Muito menos para ficar o registo de
que passou duas vezes, às 10 e às 13 horas, como está aqui a dar-nos essa
memória, referida pelo seu marido, e que depois desapareceu. Por isso é
que aqui estamos e por isso é que a convidamos a vir cá.
A Sr.ª Diana Andringa: — Note uma coisa: em princípio, houve um
sítio para onde foram mandadas certamente, que foi para a EVN. A partir
daí, fica a prova de que existiram. Em princípio, existem, porque seguiram
para a EVN. Deverão existir. Não sei se deitaram tudo fora ou se noutros
países existe alguma coisa. Tenho, de vez em quando, referido isso.
Experimentem perguntar no INA se por acaso há alguma coisa. No outro
dia procurei «morte do Primeiro-Ministro Sá Carneiro», etc., para tentar
perceber se encontrava.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Mas, se me permite, para mim está
dado como adquirido, com base no seu testemunho, que esteve lá, gravou,
filmou, montou, editou e foi-se embora.
Quanto ao resto, até com base no seu não conhecimento direto e o
não conseguir referir quem é que…, já estamos num campo com alguma
subjetividade e, na minha interpretação, ficam muitas dúvidas. Isto porque,
é como digo, se há um grupo que está às 3 ou 4 horas da manhã no corta e
cose, ali a tentar…, e, depois, fica uma prova de que as peças passaram às
10 e às 13 horas e, inclusive, até que foram enviadas, não bate certo uma
coisa com a outra. Se o objetivo era esse, as peças não podiam, nem
deveriam, ter passado.
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Fico-me por aqui, agradeço o seu esforço de memória e a sua
colaboração, naturalmente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, são apenas duas
questões.
Na altura, a RTP tinha, naturalmente, muito poucos meios, aliás, não
tinha os meios que tem hoje, é natural. Mas foram mobilizadas três equipas
para o local do acidente, embora de forma sucessiva, e é possível que
tenham ido equipas de filmagem para outros locais, nomeadamente para a
sede do PSD, para a sede do CDS, porque, na altura, as redações
mobilizaram os jornalistas, mesmo aqueles que já estariam fora das
redações, para fazerem várias coberturas. Pese embora o local do acidente
fosse o essencial em termos jornalísticos, havia outras reportagens,
nomeadamente para acompanhar a presidência do Conselho de Ministros,
que imediatamente reuniu, e as principais sedes partidárias, para ver,
precisamente, as reações.
Tem ideia de se ter apercebido, na redação, se a RTP enviou outras
equipas de reportagem para outros locais?
A Sr.ª Diana Andringa: — A partir daí confesso que não estive a
seguir o envio de outras equipas, mas certamente que houve envio de outras
equipas, porque, no dia seguinte, havia material de outras equipas. Vai-se
sempre ouvir… Ainda por cima, em vésperas de eleições, com o problema
do estado de divisão que existia no País, é, óbvio, que foram recolher-se
reações de vários sítios e que, então, entrou toda a gente a trabalhar. Mas
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não entraram logo, nesse período da noite já não era muito fácil fazer
regressar toda a gente. Acredito que tenham começado logo de manhã.
Tenho de confessar que uma outra razão por que não posso saber até
que horas as pessoas estiveram lá a trabalhar exatamente foi porque
também fui dormir um bocado. Uma coisa que acontece mesmo aos
jornalistas é estarem cansados ao fim de trabalharem não sei quantas horas
e terem de descansar um bocado.
Mas saíram, obviamente, muito mais equipas. Foram feitas muitas
mais reportagens. Nessa altura, se bem me lembro, há, por exemplo,
imediatamente, uma declaração do Dr. Freitas do Amaral — agora, estou
em dúvida sobre se ele vem a estúdio ou se vai uma equipa ter com ele.
Confesso que nessa altura eu estava a fazer outra coisa.
De facto, quem é jornalista tem uma ideia. O Dr. Miguel Santos tem
uma noção do tempo que é a noção, eventualmente, do tempo parlamentar,
que, embora tenha semáforos, pode levar 33 anos a investigar um caso. Não
é o caso dos jornalistas. Os jornalistas não levam 33 anos a investigar um
caso. Às vezes, levam, claro, se se dedicam àquele e se se destinam àquele.
Há pessoas, aqui, que têm formação jornalística e que têm seguido
este caso, mas, naquele caso, a pessoa está a fazer a correr, está a despachar
e, no dia seguinte, chega e já está a tratar de outro assunto, porque, como eu
disse, e parece-me importante reter isto para algumas das minhas faltas de
memória, eu não era da política nacional, nem da sociedade, eu era do
internacional. Portanto, no dia seguinte, regressei, naturalmente, ao meu
trabalho do internacional e a única coisa que notei foi: «por que é que no
telejornal não passam as peças, que me pareciam ser interessantes, por
causa dos testemunhos». E, obviamente, na altura, não pus em causa os
testemunhos, pareceu-me que eram completamente espontâneos e aquela
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coisa normal de, quando há um acidente, as pessoas pararem, comentarem,
etc., mas não sei explicar.
No entanto, acho que há, com certeza, alguma razão que pode levar
pessoas a pensarem «não vamos pôr estes testemunhos». Até pode ser uma
questão tão simples como a de «estes testemunhos apontam numa direção e
nós entendemos que ainda é cedo para apontar em qualquer direção». Até
pode ter uma explicação tão simples quanto esta, o certo é que eu,
pessoalmente, estranhei e, como havia um conflito latente na RTP,
evidentemente, dei-lhe algum significado político.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Pergunto isto porque tivemos a
preocupação de pedir as imagens da noite do acidente, e creio que
precisámos a questão das imagens de Camarate, mas, provavelmente,
haverá outras imagens, porque — e foi uma coisa que testemunhei, era a
jornalista que estava mais próxima da Buenos Aires e fui enviada para lá —
o que se gritava à porta da sede do PSD era: «Mataram-no!». A questão do
acidente pode ter sido óbvia para muita gente, face àquilo que percecionou,
mas, para os militantes, que, imediatamente, se dirigiram para a sede do
PSD, a questão de atentado foi imediatamente colocada, às 9 horas da
noite.
Por isso é que digo que a recolha da vária informação que foi
surgindo era importante para, a esta distância e com aquilo que entretanto
fomos apreendendo ao longo destes tempos, podermos chegar a outras
conclusões. Na sua perspetiva, a esta distância, apesar de tudo, apesar dos
testemunhos que na altura obteve no local, por aquilo que, entretanto, foi
apreendendo e atendendo ao clima que existia, de grande tensão política,
acha que seria possível um atentado, face às circunstâncias políticas que se
viviam no momento?
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A Sr.ª Diana Andringa: — Isso é que é completamente subjetivo. É
assim: parece-me completamente evidente, muito mais para todos vocês,
que têm estado a averiguar isto, que um atentado contra o Primeiro-
Ministro não seria certamente, porque ninguém sabia que ele ia apanhar
aquele avião. Diz-se que teria sido um atentado contra o Dr. Amaro da
Costa, confesso que não tenho dados para dizer nem uma coisa nem outra.
A minha convicção é de que foi um acidente. Até agora, em face de
todas as coisas que li, mas também não tenho, de todo, a pretensão de ler
tudo, aliás, como disse, não segui atentamente a questão de Camarate, não
trabalho, há 33 anos, sobre a questão de Camarate, a minha noção é a de
que foi um acidente e que, precisamente pela grande tensão existente no
País, houve essa noção.
Evidentemente, havia câmaras em muitos outros sítios. Ia haver um
comício, no Porto, do General Soares Carneiro no Porto, um comício, no
Rossio, do General Ramalho Eanes e, pelo menos aí, havia, obviamente,
equipas.
Para dizer a verdade, quando cheguei à redação, já corria uma
anedota: alguém tinha ido dizer ao Dr. Freitas do Amaral «Houve um
grande acidente, morreu o Primeiro-Ministro», ele olhou para o relógio e
disse «Mas já são oito e um quarto?!». Portanto, isto foi imediato! Estamos
em Portugal! E, em Portugal, são, imediatamente, criadas anedotas sobre
todas as coisas e correm, imediatamente, as suspeitas.
Que o clima, nessa altura, era extremamente tenso, era! Era um clima
extremamente tenso, nomeadamente nas redações. Os senhores, hoje,
provavelmente, já não têm essa crispação e, no entanto,… Mas vamos
fingir que, neste momento, não há a mesma crispação.
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Lembro-me de que éramos tratados pelo Dr. Proença de Carvalho
como se fôssemos, no mínimo, um bando de terroristas que estávamos ali
para boicotar a ordem pública, e éramos jornalistas, membros dos
conselhos de redação, etc. Éramos tratados, de facto, como pessoas
perigosas, para quem a lei era cumprida da seguinte forma: «Venham cá.
Vou nomear este Sr. Diretor. O que é que vocês acham?»; nós dizíamos
«Somos contra, porque ele vem de um gabinete ministerial, não garante a
imparcialidade, blá, blá, blá, blá»; por fim, ele dizia «Ouvi-vos. Portanto,
ele está nomeado!». Era assim que a lei era cumprida. Portanto, obviamente
que, na RTP, o clima era de «cortar à faca», mas cá fora não era melhor.
Portanto, como disse, até sou capaz de entender que tenham dito: «O
quê?! Ainda por cima foram a Diana e o Furtado…» — éramos os dois dos
conselhos de redação — «… que fizeram estas reportagens! Vamos já
alterar isto!». Por que é que as deixaram sair às 10 horas? Na minha
opinião, por mera… Também há incompetência, de vez em quando, que
justifica coisas que parecem extraordinariamente esquisitas. Olhe, por
exemplo, a minha por não ter recolhido o nome do senhor que me disse
essa frase, é uma incompetência da qual me penitencio há 33 anos. E,
provavelmente, foi isso: a peça está pronta, vai para a EVN; já está mesmo
pronta, está na montagem e segue aquela para o jornal das 10 horas. Mas,
como digo, para o jornal das 13 horas já não tenho a certeza — se o
Alfredo tem essa memória, eu não tenho —, para o jornal das 8 horas da
noite, certamente, não foi e, na minha opinião, começou a preparar-se aí o
clima de que pode ter sido um atentado ou, pelo menos, deixou-se em
aberto as duas ocorrências, que, a meu ver, é a minha interpretação, é
depois reforçada, quando assisto ao funeral do Dr. Sá Carneiro, que, como
disse há pouco o Luís Filipe Rocha, é a maior operação de propaganda que
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jamais foi feita em Portugal. Portanto, obviamente, estava a preparar-se
qualquer coisa.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas antes de
prosseguir, quero dar uma pequena explicação a todos.
Como depreendi que a Comissão prescinde da 3.ª ronda de
perguntas, pelo que esta será a última ronda, estou a dar uma maior
abertura em termos de tempos a todos os intervenientes, não só aos Srs.
Deputados como também aos Srs. Representantes dos Familiares das
Vítimas, que fazem parte integrante da Comissão, que se encontram
inscritos.
Queria dar esta explicação por uma questão de lealdade.
Quanto à questão das imagens, se me permitem que eu dê a minha
opinião, entendo que temos todo o direito de ver as imagens em bruto,
porque fazem parte da Comissão, além dos Srs. Deputados, daquilo que
representam e do que esta Comissão representa em termos legais, os
representantes dos familiares das vítimas, que estão presentes. Essas
imagens nunca serão passadas lá para fora, serão sempre vistas em circuito
fechado, em Comissão. Temos muitas reuniões da Comissão à porta
fechada e, para visionarmos essas imagens, fá-lo-íamos, com certeza, à
porta fechada, e nunca seriam passadas para o exterior.
Então, para concluir, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, faça favor.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, prometo que é a última
pergunta.
Pergunto à jornalista Diana Andringa, uma vez que estava no
internacional, se acompanhou a questão do embargo na guerra Irão/Iraque,
as notícias que, pouco antes do acidente, diziam que Portugal teria
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«furado» o embargo e que estava a fornecer as armas e se, depois, fez o
follow-up, o seguimento dessas notícias.
A Sr.ª Diana Andringa: — Sim, segui essas notícias, mas não foi
um assunto que tivesse estudado de perto. Gosto de distinguir isto, que é
para depois não dizer erros. Mas, obviamente, segui sim, sabia que as
notícias existiam e, depois, em 1985, tive oportunidade de, durante uma
filmagem no Iraque, filmar uma G3 cedida por Portugal na altura do
embargo. Portanto, sim, filmei a G3, dei-lhe até bastante destaque, porque,
teoricamente, não estaríamos a fazer chegar G3 ao Iraque.
Depois, claro que já ouvi falar não sei quantas vezes na questão das
armas, e segui outras, porque, nessa altura, eram muitas as questões das
armas, os Contra, o Irão. Todas estas questões estavam muito quentes.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro do
Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Presidente, são só duas ou
três questões rápidas.
Mas, antes, gostaria de dizer que as últimas Comissões de Inquérito à
Tragédia de Camarate, fortemente suportadas por uma equipa
multidisciplinar que foi constituída na VIII Comissão, com peritos
estrangeiros e portugueses, concluíram, sem qualquer dúvida, pela tese de
atentado.
Tirando este comentário, já disse há pouco que a relação com
Proença de Carvalho e Duarte Figueiredo era muito crispada, muito
mesmo. Pergunto se, relativamente a Maria Elisa, também era crispada.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Em primeiro lugar, quero dizer que
sobre estes assuntos eu não diria «sem dúvida nenhuma». Para mim, é mais
ou menos como a existência de Deus, que também permite dúvidas;
portanto, nunca poderia dizer que é «sem dúvida» isto ou aquilo.
As minhas relações pessoais com a Maria Elisa eram muito antigas,
vinham do tempo da Faculdade de Medicina. Nessa altura, as minhas
relações com ela não eram muito fortes, mas não eram crispadas.
Cumprimentávamo-nos muito bem e dizíamos «Olá, estás boa?!», aquelas
coisas normais. Por outro lado, a Maria Elisa não tinha nenhuma relação
direta connosco, a Maria Elisa estava na parte dos programas e, portanto,
relacionava-se pouco connosco. A nossa relação direta, de telejornal e de
informação 2, era com o Duarte Figueiredo.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pergunto-lhe isto, porquê?
Porque, tendo conhecimento de que estiveram pessoas durante aquela noite
a alterar as filmagens, tendo, apesar de tudo, uma relação cordata com a
Maria Elisa, não seria normal, não lhe passou pela cabeça perguntar à
própria Maria Elisa, que conhecia bem: «Ouve lá, tive conhecimento de
que vocês estiveram a fazer isto. Por que é que o fizeram e o que é que
aconteceu ao meu material?».
A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Eu parti do princípio de que a
Maria Elisa teria sido chamada por uma razão: de todas aquelas pessoas, a
Maria Elisa era a única que percebia de televisão. Nem o Dr. Proença de
Carvalho nem o Dr. Duarte Figueiredo sabiam alguma coisa de televisão e,
portanto, era natural que tivessem chamado a Maria Elisa para se
pronunciar.
Não, não lhe perguntei.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Uma última questão, que,
penso, já terá referido há pouco, mas gostaria de ficar com a certeza. Nunca
foi questionada agora, pela RTP, sobre se autorizava a divulgação dessas
imagens. Sabe se Henrique Garcia e Joaquim Furtado foram questionados?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não faço a mínima ideia.
Desde que recebi a vossa convocatória não falei com nenhum deles
e, confesso, não pensava em Camarate há muito tempo, pelo que fui para a
net procurar aquelas coisas, isto é, saber o que tem estado a ser discutido,
quais são as últimas coisas, etc. Mas não falei com nenhum deles para lhes
perguntar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Obrigado.
O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Dr. Luís Filipe
Rocha.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sr. Presidente, Diana Andringa,
voltamos à montagem. Com quem montou? Quem era o operador?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não me lembro. Lembro-me do operador
de imagem, porque estive a segurar o cinto, porque ele estava pendurado,
mas não me lembro com quem fiz a montagem.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Penso que, na intervenção inicial,
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referiu que foi para casa por volta das 3 horas da manhã, o que significa
que o Proença de Carvalho, a Elisa e o Duarte Figueiredo começaram a
mexer nas coisas a partir das 3 horas da manhã.
A Sr.ª Diana Andringa: — É uma hipótese ou até terão começado…
A versão que me deram foi a de que tinha sido à noite, mas até pode ter
sido ao princípio da manhã, mas eu não estava na RTP nessa altura, e,
portanto, não sei dizer.
O que me disseram foi que tinha sido à noite, mas pode ter sido
depois. Sim, porque, para visionar as nossas coisas, tinham de esperar que
estivessem montadas. Tinham a do Henrique Garcia, porque a do Henrique
Garcia já tinha ido para o ar, as nossas… Tenho estado aqui a pensar e, na
altura, acho que tínhamos um jornal, o 24 horas. Já não me lembro se
tínhamos, ou não, mas não me lembro de ter ido… Não tenho ideia.
Portanto, eles só podem ter pegado depois, porque as coisas estavam
connosco.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Portanto, só podem ter pegado…
A Sr.ª Diana Andringa: — Só podem ter pegado depois.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Penso que já foi perguntado há pouco,
mas, confesso, não ouvi. Também não sabe quem foi o operador que esteve
com eles.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Não. Obviamente que há bocado estava
a pensar nisso e tem de ter estado alguém com eles,…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Claro.
A Sr.ª Diana Andringa: — … porque eles não sabiam montar
sozinhos. Portanto, obviamente que esteve alguém, mas essas coisas,
normalmente, eram caladas, porque havia sempre problemas.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
Há uma pergunta que não posso deixar de fazer, dada uma fortíssima
convicção manifestada por si, por mais do que uma vez, de que foi um
acidente. Penso que saiba, então, as causas do acidente.
A Sr.ª Diana Andringa: — Não sei as causas do acidente, exceto
aquelas que, na altura, foram tornadas públicas. E, como disse, a primeira
coisa de que as pessoas me falaram foi a de um motor a falhar no ar. Isto
acontece aos aviões. Até já fiz experiências dentro de um, em que se
cortava o combustível ao motor de propósito. Portanto, sim, conheço…
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Eu cortei o combustível a um motor e
não caí.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Continuou a andar. Eu também andei por
cima de São Tomé a experimentar o avião e a cortar o combustível e não
aconteceu nada, mas pode acontecer.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Sim, claro!
A Sr.ª Diana Andringa: — Por outro lado, sou ou, melhor, era,
porque ele já morreu, irmã de um aviador. Dos companheiros dele de curso
terão morrido mais de 50%, Portanto, para mim, cair um avião é uma coisa
relativamente normal. Não nos grandes aviões de hoje, mas, para mim, os
acidentes ocorrem nos aviões.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito bem.
O Sr. Presidente vai desculpar-me, mas não resisto a dizer que a
causa do acidente invocada pela justiça portuguesa, durante 20 anos, foi
falta de gasolina no motor esquerdo no momento da descolagem, o que é,
rigorosamente, impossível. Era só para dizer que esta é a causa oficial do
acidente para a justiça portuguesa.
Enquanto esteve em Camarate, viu lá passar o Viana Baptista e o
General Eanes?
A Sr.ª Diana Andringa: — Enquanto eu lá estive, não.
Aliás, a meu ver, na minha cabeça, o General Ramalho Eanes, a estar
em algum lado, estaria algures pelo Rossio. Não, não o vi enquanto lá
estive.
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O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — O Eanes esteve lá. Esteve lá o Viana
Baptista (e isto realmente é uma coisa que me faz um bocadinho de pena
que não tenha percebido quem tinha à sua frente), a quem o Chefe Inácio
Costa declarou que tinha visto o avião sofrer um relâmpago no ar, uma
explosão no ar. Tenho muita pena que tenha tido esse homem à sua frente e
que não tenha… porque ele não só disse isso ao Ministro Viana Baptista
nessa noite — que lhe disse: «isso é muito importante e você irá declarar
sobre isso» — como, logo nessa noite, reportou isso aos superiores
hierárquicos da PSP, chefiada, como se deve lembrar, pelo Major Aparício.
A Sr.ª Diana Andringa: — Resta saber se a pessoa que eu vi era
mesmo esse senhor.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Pela forma como ele se apresentou,
não podia deixar de ser, porque foi uma das primeiras pessoas a chegar lá,
juntamente com… — e há aqui uma coisa que há bocadinho disse e que é
uma imprecisão sua. Há bocadinho disse que quando o Garcia lá chegou
ainda não havia bombeiros. Havia! Havia os bombeiros do aeroporto, que
foram os primeiros a lá chegar. O Gaspar Frade, que é o controlador aéreo,
vê e chama imediatamente os bombeiros do aeroporto, que vão diretamente
para lá.
Por último, segundo percebo, nunca foi ouvida pela Polícia Judiciária
sobre a sua passagem pelo local da tragédia.
A Sr.ª Diana Andringa: — A menos que eu esteja com amnésia,
não. Não!
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Mas acho que o que eu disse há bocado sobre o Henrique… não sei
se falei dos bombeiros, porque estavam a interrogar-me mais sobre a
polícia, mas também não me lembro de ver os bombeiros na peça do
Henrique.
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Há! Vejo-os nas imagens do
Henrique, foram as que utilizei no meu filme.
A Sr.ª Diana Andringa: — Pois!
O Sr. Dr. Luís Filipe Rocha (Representante dos Familiares de Jorge
Manuel Moutinho Albuquerque): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra à Sr.ª Eva Henningsen.
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecasis): — Peço desculpa, mas também vou atrás daquela pergunta
sobre o Chefe, porque comprei o tal livro de Inês Serra Lopes e está aqui
escrito que, vou citar: «questionado pela jornalista, este responde…», a
jornalista é você,…
A Sr.ª Diana Andringa: — Sou eu!
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecasis): — «… ‘Estou de folga!’», disse a tal pessoa que encontrou,
«Diana Andringa insiste e ele diz ‘É que deixei de ter patrão. Era, até há
cerca de uma hora, o guarda-costas do Primeiro-Ministro!’».
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Pode confirmar esta pequena conversa? Provavelmente, não se
lembrará disto.
A Sr.ª Diana Andringa: — Referi essa conversa não exatamente
nesses termos, mas comecei por referir essa conversa. Isto foi escrito por
mim, mas, de vez em quando, admito que tenha… Eu acho que até lhe
perguntei, porque ele me disse que estava de folga: «E costuma passar as
folgas aqui?!», e ele disse-me «Não, é que eu era até há…», tenho ideia de
que ele nem disse «uma hora», mas, se o escrevi nessa altura, que era mais
próxima, é porque deve ser verdade, «… guarda-costas do Primeiro-
Ministro». Foi como eu tive a confirmação de que tinha morrido o
Primeiro-Ministro ali.
Agora, é, de facto, um erro meu, do qual não tenho desculpa, mas a
verdade é que foi imediatamente aquele «cerrar», que sabemos que a seguir
não nos vão dizer mais nada.
O Sr. Presidente: — Não tem mais questões?
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecasis): — Não, Sr. Presidente.
Então, tem a palavra ao Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A Diana Andringa vai perdoar-me mas tomei
nota aqui da sequência que, mais uma vez, referiu sobre as testemunhas
oculares.
Ouviram um barulho de ratés, um barulho do motor. A seguir, o
avião corta uns fios elétricos, incendeia-se e cai.
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Essa sequência não dá acidente, dá atentado, no mínimo, porque o fio
é um cabo de baixa tensão que está a 100 m do local onde o avião cai. Isto
significa que o avião se incendiou a 100 m do local onde cai, ou seja, chega
ao sítio onde cai já a arder. Só que o cabo de baixa tensão que o avião corta
não incendeia avião coisa nenhuma, porque é cortado com a ponta da asa
que não ardeu, o que significa que o avião já vinha a arder.
As pessoas que estavam em casa, associaram ao corte de eletricidade
o incêndio do avião. Ou seja, eles estavam em casa sossegados, ouvem um
barulho, a seguir ficam sem eletricidade, o avião aparece a arder e cai e eles
dizem «o avião cortou os fios elétricos e incendiou-se». É uma dedução
completamente errada, mas que é fácil e eu percebo por que é que a fez, e
não estou a culpá-la por isso. Estou a dizer que a sua descrição vai ao
encontro, claramente, de uma suspeita de atentado. Pode ser esta a razão
por que lhe alteraram o filme ou o retiraram; quer dizer, pelas razões
contrárias ao que pensa. A quem estava a defender a tese de acidente não
interessava nada essa versão.
Por outro lado, a Diana Andringa refere-se a duas coisas que fez, à
recolha destes documentos e à filmagem das pessoas que iam no avião.
Ora, a filmagem das pessoas que iam no avião tinha proteção, compreendo,
eram imagens chocantes, não eram para passar na televisão; as declarações
das pessoas que entrevistou eram contrárias à tese de acidente. Portanto,
aparentemente, o seu filme não interessava a alguém, pelas razões opostas
àquelas que pensa, percebe?
Isto é o que eu penso depois de passar muitos anos a estudar o
assunto.
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A Sr.ª Diana Andringa: — Estamos no âmbito da interpretação;
obviamente, o Augusto Cid trabalha neste assunto há 33 anos e eu, como
disse, trabalhei-o na noite do dia 4 de dezembro de 1980.
Não fiz essa interpretação, duvido que, nesse dia, alguém a tivesse
feito e que essa interpretação, pela maneira como as pessoas descreviam,
desse a ideia de um atentado.
Acho que aquilo que decorria da descrição era: «houve um acidente,
falhou o motor no ar, o avião veio por aí abaixo, caiu, partiu os fios e
incendiou-se». Se se incendiou nos fios ou ao bater no chão, confesso
que… O que as pessoas dizem é que elas saem… Há bocado não me
lembrei deste pormenor, da falta da eletricidade, e é isto que, além do
barulho do avião, do estrondo, que as leva à rua. Pode ter sido por aí.
Quanto às imagens, tentei dizer há bocado que fizemos montagens
diferentes: a versão para passar aqui, em Portugal, e a versão para ir para a
Eurovisão. Ou seja, as imagens da peça que queríamos passar cá não
estavam desfocadas, mas estavam de mais longe e não tinham pormenores
por razões de respeito, precisamente, para com a família, os amigos e as
pessoas que os conheciam. Para o estrangeiro, porque se tratava, de facto,
de uma coisa que podia dar não digo polémica, porque não pensei nisso,
mas, com certeza, imensas notícias, etc., tínhamos um trabalho mais
pormenorizado.
A razão por que as imagens foram cortadas, no que toca a qualquer
um dos grupos, é uma interpretação… Na altura, a interpretação que eu fiz
foi esta e continuo a achar que faz algum sentido, sobretudo em relação ao
que se seguiu. Ainda não li as conclusões de todas as comissões de
inquérito, nem todos os depoimentos, mas até agora, por enquanto,
mantenho a minha interpretação.
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Como digo, não é um assunto que eu vá discutir. Fui chamada aqui,
vim dizer o pouco que sabia e o que me lembro e é só isto. Se um dia
quisesse trabalhar sobre este assunto, então, iria estudar o assunto a sério e
iria, com certeza, formar uma opinião mais balizada. Mas, por enquanto,
não vejo que o que recolhi, ao contrário do que o Cid, ao fim de tanto
tempo de pesquisa, entende, indique que não possa ser um acidente. Mas,
pronto, são opiniões. Não tenho provas, mas também entendo que o Cid
não tem.
Devo dizer que algumas das declarações que li (podem dizer-me que
foram retiradas de contexto e que por isso são enganosas, etc.) feitas nas
anteriores comissões de inquérito por alguns peritos, parecem-me
simplesmente ser de recusar por qualquer comissão de inquérito.
Por outro lado, a ser verdade a história do eletrão, que vem contada
no livro do Barata-Feyo, confesso que não percebo como é que alguém
pode declarar uma coisa daquelas e ser considerada uma pessoa séria. Se
calhar, sou só eu que fico chocada com algumas coisas.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Desculpe, não percebi a última passagem
agora.
A Sr.ª Diana Andringa: — O Barata-Feyo cita alguém que depôs
numa das comissões de inquérito e que explica que houve um eletrão que
atravessou o avião, bateu no piloto, o piloto caiu e fez tombar o avião.
Bom, todos nós sabemos que, a cada momento, estamos a ser atravessados
por eletrões. Portanto, como é que alguém pode dizer isto com um ar sério?
Se foi dito! Só estou a basear-me no que li, não posso basear-me em mais.
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Há coisas que sei, há coisas que sei por ouvir dizer e há coisas de que
me lembro ou não. Tentei trazer aqui as precisões e as imprecisões que eu
tinha na minha memória. Não quero fazer interpretação sobre outra coisa.
Esta é a minha memória e na minha memória estes acontecimentos
apontam, na minha interpretação, para acidente.
O Cid diz: «Não, não, porque era um cabo de baixa tensão e não se
tinha incendiado!». Pronto, averiguou isso.
Na altura, confesso que, naquelas duas ou três horas em que estive ali
a filmar, não cheguei a essa conclusão. Não sabia, nem tive tempo de fazer
essa investigação, e, portanto, só posso aceitar que a sua investigação tenha
chegado aí, e respeito.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Estou nesta Comissão há muitos anos…
A Sr.ª Diana Andringa: — Eu sei.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — … e nunca ouvi ninguém falar de eletrões.
Nunca ninguém aqui falou de eletrões, mas talvez seja uma pergunta a
fazer ao Sr. Barata-Feyo. Nós desconhecemos eletrões a passar por dentro
do avião.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Já agora, como boa jornalista que é (também já
vi muitas peças suas e reconheço o seu mérito), gostaria de aproveitar para
oferecer-lhe o livro Camarate, Relatórios Finais das Comissões
Parlamentares de Inquérito.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD) — Vai começar a investigar
Camarate?
A Sr.ª Diana Andringa: — Não, não vou.
Estão aqui pessoas, que conheço, e conheço profissionalmente, que
estão há muito tempo a investigar isto. Além disso, confesso, tenho outros
assuntos que me interessam mais do que este, sem ofensa para ninguém.
Cada qual tem as suas áreas de investigação e eu ainda estou mais atrás,
ainda não passei muito para além de 1974. Acho que ainda há muita coisa
para contar para trás.
O Sr. Presidente: — Se algum dia se interessar, neste livro, que lhe
ofereço, tem o resumo de todas as comissões de inquérito, com a verdade
que conseguimos apurar.
Agradeço-lhe a disponibilidade que teve para nos ajudar.
Srs. Deputados, dou por encerrada a reunião.
Eram 17 horas e 47 minutos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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X COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À TRAGÉDIA DE
CAMARATE
8 de abril De 2015
(52.ª REUNIÃO)
Ordem de trabalhos:
1.Audição do Sr. José Farinha Simões;
2.Audição do Sr. José Esteves
3.Audição do Sr. Carlos Miranda Gonçalves
4.Audição dos Srs. Prof. Henrique Botelho de Miranda e José Cavalheiro —
porta aberta
5.Audição do Sr. Coronel João Santos Fernandes.
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SUMÁRIO
(…)
O Sr. Presidente (Pedro Lynce) reiniciou a reunião às 14 horas e 39
minutos.
Os Srs. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda e Prof. Dr. Eng.º
José Cavalheiro responderam aos Srs. Deputados José Ribeiro e Castro
(CDS-PP), Clara Marques Mendes (PSD), Inês de Medeiros (PS) e Pedro do
Ó Ramos (PSD) e aos Representantes dos Familiares das Vítimas Augusto
Cid, Eva Henningsen e Nuno Cerqueira.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce) suspendeu a reunião eram 17 horas e
19 minutos.
(…)
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(…)
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Srs. Deputados, muito boa tarde
a todos, vamos retomar os nossos trabalhos.
Eram 14 horas e 39 minutos.
Antes de ouvir os nossos convidados, quero apenas acertar uns
detalhes com os Srs. Deputados. Não sei se repararam que esta ordem de
trabalhos tem três depoentes simultaneamente. Porquê? Porque a matéria é
análoga. Por isso, se porventura concordarem, utilizaremos a seguinte
metodologia: depois de os nossos convidados entrarem, de fazerem a
identificação e o juramento, perguntar-lhes-emos se desejam fazer alguma
intervenção inicial e só, depois, passaremos à fase das questões, que serão
colocadas conforme cada um dos Srs. Deputados e os Srs. Representantes
dos Familiares desejarem.
Srs. Deputados, se não houver objeções, peço aos serviços que façam
entrar os nossos convidados.
Pausa.
Começo por dar as boas-vindas e agradecer a presença do Sr. Prof.
Henrique Botelho Miranda e do Sr. Prof. Eng.º José Cavalheiro aos quais
pedia o favor de se identificarem perante a nossa Comissão, bastando, para
tal, dizerem o vosso nome.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Chamo-me José Cavalheiro.
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Chamo-me
Henrique Botelho de Miranda.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Certamente conhecem qual é a
finalidade, mas passo a ler: «O inquérito tem por objeto dar continuidade à
averiguação cabal das causas e circunstâncias em que, no dia 4 de dezembro
de 1980, ocorreu a morte do Primeiro-Ministro, Francisco Sá Carneiro, do
Ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, e dos seus
acompanhantes, designadamente dando seguimento às recomendações
emitidas pelas VIII e IX comissões parlamentares de inquérito (…)».
Certamente têm conhecimento de que, antes de se iniciar a audição,
têm de prestar juramento. Prestar juramento é responder com verdade às
perguntas que lhes forem dirigidas. Assim, peço-vos o favor de o declararem.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Declaro
responder com verdade e total honestidade às questões que me forem
colocadas.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Declaro que responderei a
todas as questões que me forem colocadas no respeito completo pela
verdade.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Muito obrigado, Srs. Professores.
De todo o modo, não quero deixar de esclarecer, de informar, porque faz
parte das nossas normas, que o falso depoimento implica a prática de crime,
punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
Temos uma determinada grelha de tempos para as perguntas, que
poderão ser feitas em três rondas.
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Pergunto aos Srs. Professores se desejam fazer alguma declaração
inicial.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Sr. Presidente, se assim é,
eu gostaria de…
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Com certeza. Faça favor.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Eu só pretendo chamar a
atenção da Comissão para o facto de, tendo eu colaborado, desde o início e
de forma voluntária, neste caso, nem sequer fui convocado para o efeito, fui
eu que entrei no processo, e isso está descrito, ter recebido, o que lamento,
uma convocatória nos termos em que é feita.
Portanto, no fundo, quando me mandam uma convocatória que refere
que posso incorrer em pena de prisão e não sei que mais, e eu sei que isso é
regimental, parece-me bastante deselegante! Penso que isso poderia vir em
nota de rodapé para informar as pessoas, mas mandar um convite nos termos
«venha cá ajudar-nos, senão pode ser preso…!», acho profundamente
deselegante!
Portanto, gostaria de deixar aqui a minha nota de desagrado em relação
a esta situação.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Muito obrigado, Sr. Professor.
A única coisa que podemos afirmar é que, para além de ser de facto
regimental, é enviado a todos os convidados, dentro da mesma perspetiva, a
de nos poderem ajudar, ofício idêntico.
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Passando à fase das perguntas, atendendo a que se trata de um pedido
do Centro Democrático Social, tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, gostei de
ouvir «Centro Democrático Social»! Gostei de ouvir!
Risos.
Começo por agradecer a presença do Prof. José Cavalheiro e do Prof.
Henrique de Miranda, bem como a colaboração, que já deram em Comissões
anteriores. Compreendo o reparo e desabafo do Sr. Prof. José Cavalheiro,
mas, de facto, são as normas por que os serviços se regem. No entanto, do
ponto de vista pessoal, compreendo o que sentiu ao receber o postal.
Quer o Prof. José cavalheiro quer o Prof. Henrique de Miranda são
pessoas reputadas do meio académico, pelo que pedia, para que ficasse
registado em ata, que declarassem as suas formações académicas para que
fiquemos com a noção de quem estamos a ouvir. Isto é, peço-vos que digam
quais são as vossas qualificações técnicas na universidade portuguesa.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Neste momento,
estou aposentado e aposentei-me com o grau de Agregado, de Professor
Associado com agregação.
A minha área de lecionação, de investigação e de trabalho prático foi
sempre a da exploração de minas. Daí decorre, ou decorreu, a familiarização
com dois aspetos claramente envolvidos aqui, em toda esta investigação: um,
o dos explosivos, que é uma ferramenta básica da nossa atividade, e, o outro,
o da atmosfera das minas, que é um assunto altamente sensível e ao qual
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dediquei, em termos de dimensionamento de redes de ventilação mineira e
de qualidade do ar, muito do meu tempo. Isto porque, como eu dizia, é um
ponto altamente sensível do funcionamento das minas, sobretudo quando
numa mina sobrevém um incêndio, em particular se se tratar de minas de
carvão e de minas de pirite. E isto porquê? Porque, tratando-se de ambientes
em que o ar está confinado, gerando-se um foco de incêndio, e, portanto, um
foco de temperatura, se na atmosfera dessas minas existirem finas partículas
de carbono ou de enxofre em suspensão, a elevação da temperatura fará com
que o carbono e o enxofre entrem em combustão ao ligarem-se ao oxigénio,
dando, num caso, SO2 e, no caso do carbono, CO2 ou CO, monóxido de
carbono.
O perigo de uma situação destas é que qualquer uma das reações, seja
do enxofre ao oxigénio ou do carbono ao oxigénio, é uma reação isotérmica.
Isso quer dizer que, uma vez iniciada, essa reação toma ou recebe uma
retroalimentação positiva, um feedback positivo e, então, desencadeia-se,
inicia-se, autoalimenta-se e propaga-se numa mina a velocidades que podem
atingir os 100 m/s.
Por exemplo, acidentes como o que houve recentemente na Ucrânia,
podemo-nos perguntar: mas uma explosão de grisu mata dezenas de homens?
Pode matá-los, não por impacto direto mas por um fenómeno destes, de
propagação, a velocidades da ordem de 100 m/s, de uma frente de chamas
que apanha as pessoas em lugares distintos e distantes do foco do
acontecimento.
Basicamente, acho que isto chega para apresentar o fundamental do
meu perfil e do meu interesse por esta questão objetiva.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Eu sou doutorado em
engenharia metalúrgica. Estou, atualmente, aposentado.
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Trabalhei durante muitos anos em biomateriais, concretamente em
materiais para a regeneração do tecido ósseo, e tive oportunidade,
inclusivamente, de orientar vários doutoramentos na área de medicina
relacionados com biomateriais. Portanto, a minha entrada neste processo
resultou, exatamente, da sensibilidade que eu tenho para a observação de
radiografias e de metais implantados no tecido ósseo. Este é um dos aspetos
importantes.
O outro aspeto importante tem a ver, obviamente, com a parte que vem
a seguir à observação de radiografias, um trabalho que desenvolvi
relacionado com o controlo de qualidade, portanto, relacionado com a
utilização do raio X como processo de avaliação da sanidade estrutural de
peças metálicas.
Portanto, foram essas as duas componentes que estão relacionadas
com a minha participação neste processo.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Muito obrigado!
A colaboração do Prof. José Cavalheiro com as Comissões de
Inquérito vem de há muitos anos, salvo erro, desde a V Comissão, se a
memória não me trai, em meados da década de 90. A colaboração do Prof.
Henrique de Miranda, creio, foi na VIII Comissão, na Comissão
Multidisciplinar de Peritos, coordenada pelo Dr. Laureano Santos. E, mais
uma vez, quero agradecer as colaborações técnicas de altíssima qualidade
que deram aos trabalhos parlamentares nesse contexto.
Vou começar pelo Prof. Henrique de Miranda, olhando,
nomeadamente, o chamado «Anexo XXI».
Na altura, tivemos ocasião de falar ao telefone porque uma vez o Dr.
Laureano, que foi o coordenador, aqui numa das nossas sessões, declarou
que, se a comissão multidisciplinar tivesse podido trabalhar mais umas
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semanas, teriam conseguido determinar exatamente o engenho explosivo que
teria deflagrado ou a matéria… Como sabemos, a VIII Comissão de
Inquérito, para a qual a Comissão Multidisciplinar de Peritos trabalhou,
funcionou na Legislatura de 2002 a 2005 e, portanto, coincidiu com a
dissolução da Assembleia da República no tempo do Governo Santana
Lopes. E, portanto, teve de terminar precipitadamente os seus trabalhos, o
que contaminou o trabalho e o calendário da Comissão Multidisciplinar de
Peritos que teve de acabar com maior rapidez, do que tinha planeado, os seus
trabalhos.
Assim, a pergunta que faço ao Prof. Henrique de Miranda é se
confirma, ou não, esta impressão que eu retive de umas declarações do Dr.
Laureano, de que, se tivesse havido mais algum tempo, ter-se-ia,
provavelmente, chegado à determinação da bomba ou do material explosivo
que tinha sido usado. Das reflexões e dos estudos que fez, posteriormente à
apresentação do relatório desta Comissão Multidisciplinar de Peritos, o que
é que pode acrescentar a este respeito? Isto é, pode dizer algo mais preciso,
primeiro, quanto à absoluta certeza de que deflagrou um engenho explosivo
no avião que caiu em Camarate e, segundo, quanto ao grau de certeza que
tem, ou não tem, ou que se pode ter, no que respeita ao tipo de bomba, de
engenho explosivo e de materiais que foram usados?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Efetivamente,
creio que essa observação que foi feita pelo Dr. Laureano Santos se refere a
dois aspetos, que vou explicar.
Quando os trabalhos da Comissão de peritos tiveram de ser
interrompidos abruptamente e os relatórios concluídos naquele tempo
record, sob pena de ficar sem efeito todo o trabalho desenvolvido, eu tinha
na minha ideia pedir, através do Dr. Laureano Santos e dos canais
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competentes, a comparência do Sr. José Esteves perante a Comissão
Multidisciplinar de Peritos, para que ele esclarecesse, de uma vez por todas,
quais os materiais que tinha usado para fabricar a bomba que vem referida,
num depoimento de uma Sr.ª Elsa qualquer coisa — uma senhora que com
ele privou estreitamente e que terá declarado que viu sobre a bancada de
trabalho dele a tal bomba — como tendo o feitio de um livro. Por outro lado,
também com origem no Sr. José Esteves, sabe-se que ele terá ido buscar os
materiais a uma drogaria próxima.
Bem, a dúvida que isto me suscita é a seguinte: os vestígios dos
explosivos encontrados em peças da aeronave não se compram numa
drogaria. Ninguém pode comprar nitrocelulose, nem nitroglicerina, nem
PETN — o nome mais vulgar por que esse explosivo é conhecido atualmente
por toda a gente é Semtex, muito utilizado em ações terroristas em vários
sítios do mundo —, nem o RDX, atualmente conhecido por «C-4», numa
drogaria. Não são materiais que se possam obter numa drogaria, mas, por
exemplo, já numa mercearia pode obter-se material que pode servir para criar
uma bomba fumígena, um bocado de açúcar. Já toda a gente assistiu ao efeito
de uma pá quase incandescente posta em cima de creme que levou açúcar,
levanta fumo, cuja respiração nem sequer é agradável.
Portanto, eu tinha na ideia convocar o Sr. José Esteves para nos dizer,
efetivamente, que materiais ele tinha ido buscar para fabricar a tal bomba e
nos esclarecer um outro aspeto que, ao longo de depoimentos e de entrevistas
que terá dado, nunca ficou claro, que é o modo de ignição dessa bomba.
Quem preparou o dispositivo detonador da tal bomba? Foi ele? Que
conceção lhe deu? Esta é uma das perguntas que eu gostaria de ver
esclarecida com o autor confesso do engenho explosivo ou, pelo menos, de
parte dele.
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Um outro elemento que ficou por recolher tem a ver com um lapso de
transmissão de informação entre a Comissão Multidisciplinar de Peritos e a
Sociedade Portuguesa de Materiais (SPM), que, na altura, procedeu à análise
de partículas recolhidas das peças suspeitas, chamemos-lhes assim, da
aeronave. Isto é, quando se pediu à SPM a análise de partículas recolhidas
no rebordo do tal Orifício A, que se apresentava recurvado no sentido de fora
para dentro, foi pedido, simplesmente, a análise daqueles vestígios, mas a
SPM indicou no final os teores dos elementos ou grupos elementares
presentes, quando o meu objetivo era pedir a identificação das espécies. Era
possível. E, então, seria certamente mais inequívoco do que o relatório que
foi produzido pela SPM e que indicava que os altos valores de azoto e
oxigénio presentes indicavam uma origem em substâncias orgânicas.
Ora, salvo raríssimas exceções, todos os explosivos industriais e
militares são substâncias orgânicas. Portanto, muito logicamente, teria
aquelas quantidades anormais de azoto e oxigénio, pois teriam tido origem
em substâncias orgânicas explosivas.
Respondendo à pergunta do Sr. Deputado Ribeiro e Castro, creio que
o Dr. Laureano Santos se referia efetivamente a esse… não foram lapsos,
foram incompletudes por falta de tempo.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Faça favor de prosseguir, Sr.
Deputado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Já agora, e relativamente
à sua resposta anterior, gostava de fazer duas perguntas sobre dois aspetos.
Quanto à questão que agora referiu da Sociedade Portuguesa de Materiais,
pergunto: é possível, vale a pena, encomendar de novo à SPM os tais exames
que faltaram, agora com correção, ou isso já não é possível?
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A segunda questão tem a ver com depoimentos do Sr. José Esteves. O
Sr. Professor citou um depoimento, mas há outros depoimentos do Sr. José
Esteves que dizem coisa diferente, dizem que a bomba que ele fabricou não
foi a que explodiu em Camarate, e, portanto, foi uma diversão. Ele diz que
ele próprio a terá transportado e entregue no aeroporto, mas ele sabe, tem a
certeza, que não foi o engenho dele que explodiu, tinha sido uma diversão,
foi uma outra bomba mais profissional aquela que terá explodido. Ele relata
até que foi acionada por um telecomando, e, portanto, a acreditarmos neste
depoimento, o mecanismo de ignição foi uma coisa mais profissional do que
o engenho fabricado na marquise da casa do Cacém, como aqui foi relatado
nos depoimentos anteriores.
Portanto, não podendo contar com a fidedignidade de um depoimento
do Sr. José Esteves para chegar à caraterização do engenho explosivo,
gostaria de saber se é possível, a partir dos registos físicos e químicos que o
Sr. Professor detetou, estabelecer, como aparentemente acabou de dizer, que
se trata, inequivocamente, de uma coisa mais profissional. Eu não sou
especialista disso, não sei sequer do que estou a falar, mas ouvi-o referir
PETN (tetranitrato de pentaeritrite), o que deve ser uma coisa…,
nitrocelulose — disto já ouvi falar, mas não faço ideia o que é PETN — e
uma outra componente, e, portanto, de um engenho explosivo.
Gostaria também que respondesse a uma outra questão que passo a
expor. Quando falamos da bomba em Camarate, não falamos de um grande
engenho, não estamos a falar de uma explosão que fizesse fragmentar todo o
avião, porque isso toda a gente teria visto, saberíamos logo que tinha sido
um atentado, e esta história, que continua ao fim de 30 anos, ter-se-ia
esclarecido no próprio dia.
Quando estamos a falar de Camarate, falamos de um pequeno engenho
explosivo, dificilmente visível, porventura feito com o propósito de iludir
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um acidente. É um atentado que procura criar a ilusão de que foi um acidente.
É um engenho explosivo de suficiente eficácia, mas de pequena potência.
Portanto, gostaria de saber se a sua observação confere com isto, que
foi sempre uma dúvida pendente nas Comissões de Camarate, e se pode
determinar, daquilo que foi a observação dos registos físicos e químicos
encontrados, não contando, portanto, com depoimentos, o tipo de engenho
que terá sido utilizado.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — O trabalho da
Comissão Multidisciplinar de Peritos resultou na construção de algo a que
eu comparo a um puzzle, que, por ser muito usado, foi tendo algumas das
suas peças estragadas, uma ou outra peça perdeu-se, mas, no entanto,
remanesceu o suficiente para que fosse possível montar o puzzle, apesar
dessas lacunas, e dizer «Aqui estava representado um animal, um
monumento, uma figura histórica…», fosse o que fosse, resultava
perfeitamente compreensível o tema desse puzzle.
Portanto, se me pergunta se se pode extrair do estudo que eu fiz a
conclusão inequívoca de que esteve ali um engenho explosivo, pode, os
vestígios de explosivos de substâncias encontradas dentro do avião apontam
para aí. Os efeitos do rebentamento de uma carga explosiva estão também,
por exemplo, no modo como os cabos de comando do avião foram
seccionados. É um tipo de seccionamento que não se consegue por
estiramento, por tração pura, que não ocorreu, de certeza absoluta, por efeito
de corte com machadas ou com alicates hidráulicos ou outros poderosos
como poderia ter sido o caso, se os bombeiros quando acorreram quisessem
remover a estrutura e tivessem necessidade de desencarcerar eventualmente
os corpos das vítimas ou, simplesmente, separar partes para as tornar
transportáveis. Ouvi o depoimento dos bombeiros e de um deles, já
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reformado, que acudiu ao acidente disse: «Não usámos material nenhum
desses, não foi necessário. O que resultava da estrutura estava tão fragilizado
que pegar nas peças foi o suficiente.» Então, o que imediatamente ocorria
era saber o que poderia provocar nos cabos de comando da aeronave um tipo
de rutura que, forçando um bocadinho a comparação, era em «vassouras», só
a incidência de uma quantidade de energia, que pode nem ser muita,
transmitida instantaneamente a velocidades da ordem de 3000 m/s, 4000 m/s,
como é corrente nos explosivos industriais, já para não ir para os explosivos
militares, porque aí as velocidades podem ir até 8000 m/s, como é o PETN,
é que pode provocar.
Portanto, um corte daqueles era perfeitamente possível recorrendo a
uma fonte de energia que, instantaneamente, fosse transmitida àquele cabo.
Bom, era uma hipótese e a Comissão comprovou-a com ensaios de campo
feitos sobre cabos exatamente iguais e com cargas explosivas diversas.
Verificou-se, então, que, por exemplo, uma carga de fósforo posta na
proximidade não conseguia romper aquele cabo. O fósforo é,
essencialmente, um explosivo incendiário que tem a particularidade de, uma
vez iniciado, ser dificílimo ou quase impossível de apagar; só quando a
matéria-prima se extingue é que a combustão se extingue. Mas já com uma
pequena quantidade de gelamonite, por exemplo, que é um explosivo
industrial correntíssimo nas nossas pedreiras, consegue-se aquele efeito: o
cabo experimentado resultava cortado e com aquele aspeto de «vassouras»
nos dois pedaços separados.
Portanto, indo à pergunta do Sr. Deputado, querer inferir, do que se
detetou em termos de explosivos, e apenas disso, a existência inequívoca de
uma carga, sobretudo com as características x, é impossível. Agora,
agarrando nas peças todas do puzzle, então, podemos afirmar que houve aqui
uma carga explosiva, não muito grande, mas de grande intensidade nos seus
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efeitos e que induziu o despenhamento da aeronave. E devo dizer que, em
termos de conceção, independentemente de juízos de valor ou éticos, isto foi
feito com extrema habilidade, foi feito por um profissional e não digo que
seja genial, mas é uma ideia digna de admiração. Do mesmo modo que o é o
derrube das torres gémeas de Nova Iorque. Foi feito com quê? Com dois
cocktails molotov gigantescos, ou seja, dois aviões que levariam dentro entre
20 t a 30 t de combustível, eram cocktails molotov carregados de passageiros.
Mas foi! Esses dois cocktails derrubaram aquelas torres e, olhando para elas,
eram indestrutíveis. Não! Gasolina, pura e simplesmente, deu cabo daquelas
estruturas.
Aqui, o que é que foi feito? Uma ação induziu o desgoverno da
aeronave ou por razões mecânicas, porque os ailerons deixaram de ser
comandáveis e o leme traseiro deixou de obedecer, ou por incapacitação do
piloto e do copiloto ou, então, ainda, pelas duas causas em simultâneo,
atendendo ao que é possível reconstituir do que foi o ambiente da aeronave
durante escassos segundos. Poderia dizer que, simultaneamente, ou quase,
com o desgoverno mecânico da aeronave, ocorreu a impossibilidade de a
aeronave ser governada pelo piloto, porque o piloto já estava num estado em
que aquilo que pudesse fazer já não tinha lógica. Esclareço um pouco
melhor: o monóxido de carbono, em quantidades muito baixas, pode ser
respirado durante horas e horas e horas que não deixa sequelas no organismo;
em quantidades um pouco maiores, começam a sentir-se efeitos e,
curiosamente, para concentrações baixas, o primeiro efeito até é de euforia.
No caso de mineiros expostos ao combate a um fogo numa mina de carvão,
por exemplo — e, antigamente, os meios de socorro não eram o que são hoje
—, era preciso os responsáveis, os capatazes, os engenheiros, os vigilantes,
fosse quem fosse, estarem atentos ao seu comportamento, porque, quando
um mineiro se sentisse capaz de resolver aquilo tudo, de arrancar as pedras
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todas, concluía-se: «Alto, porque este homem atingiu um ponto de inalação
de monóxido que já está… Tem de ser retirado para fora».
Com teores de monóxido de carbono um bocadinho maiores, a
capacidade de raciocínio lógico das pessoas começa a ser afetada (e, no caso
de um piloto não poder tomar as decisões mais lógicas, imperiosas, de súbito,
que se impõem, e impunham, isso pode ser fatal); com concentrações ainda
um bocadinho maiores, a pessoa entra em inconsciência, mas continua a
respirar; e com concentrações ainda maiores, a morte sobrevém em poucos
segundos.
De modo que, atendendo ao que foi possível reconstituir do que terá
sido a pressão que reinou dentro da cabine (a suficiente para arrancar parte
da bolha do cockpit), atendendo ao sistema em análise, chamemos-lhe assim,
àquele ar confinado dentro da estrutura do avião que sofre, por influência de
um foco térmico, isto é indubitável, uma elevação de pressão dessa ordem,
além de uma elevação da temperatura de tal ordem, isto, combinado,
acelerou a reação de combinação do monóxido de carbono com a
hemoglobina a um ponto tal que, naquele brevíssimo espaço de tempo de
aproximadamente 20 de segundos que durou o voo da aeronave, os
passageiros e o piloto ficaram mortalmente contaminados com a
carboxiemoglobina. É evidente que as autópsias, depois, detetaram
percentagens de carboxiemoglobina de 62% e de 42% no piloto.
Posso esclarecer esta Comissão de que, na altura, esta questão dos
teores de monóxido foi objeto de larga discussão na Comissão
Multidisciplinar de Peritos e até de uma divergência séria de opiniões,
concretamente entre uma médica presente, a Dr.ª Maria João Aleixo, salvo
erro, e o Dr. Duarte Nuno Vieira, que era Presidente ou Diretor do Instituto
de Medicina Legal. O que é que alegava uma das partes? Alegava que era
impossível, numa exposição tão breve ao monóxido de carbono, terem-se
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gerado teores de carboxiemoglobina tão elevados como aqueles. E, portanto,
segundo esta tese até poderia nem ter ocorrido uma explosão a bordo e os
passageiros teriam morrido carbonizados quando o avião adotou a sua
posição final — o avião esteve uns instantes em ponte entre os dois prédios
e, depois, afocinhou, passo o termo, e o consumo, por incêndio, deu-se já
com o avião nesta posição — e deflagrou o incêndio da gasolina nele contida.
Mas, atendendo a que, numa atmosfera propícia, em termos de pressão
e temperatura, o ritmo de absorção do monóxido de carbono pela
hemoglobina aumenta extraordinariamente — é 200 vezes maior do que o
do oxigénio, aliás, dizemos que a afinidade da hemoglobina para o monóxido
de carbono é 200 vezes maior do que para o oxigénio —, se,
simultaneamente, a pressão e a temperatura aumentarem, a velocidade de
reação, ou seja, de incorporação do monóxido pela hemoglobina aumenta.
Isto quer dizer que, para uma sobrepressão, que terá reinado na cabine e
inferida através dos estudos oriundos da SPM, da atmosfera de 0,97, mais
concretamente, acompanhada da elevação da temperatura concomitante, terá
havido, então, uma inalação de monóxido de carbono em tal quantidade e
ritmo que, quando o avião se despenhou, já todas as pessoas estariam mortas.
Eventualmente, o piloto estaria num estado que se poderia dizer terminal,
mas já sem qualquer possibilidade de ação.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Faça favor, Sr. Prof. Henrique de
Miranda.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Gostava de
concluir apenas com uma observação: a precipitação com que foram
encerrados os trabalhos desta Comissão impediu que eu acrescentasse um
relatório não sobre os explosivos mas sobre uma questão suscitada numa
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conversa perfeitamente banal, embora dentro do assunto, entre mim e o Prof.
Mendes Sousa, que, na altura, estava no Canadá, mas vinha periodicamente,
com uma periodicidade de cerca de um mês, às reuniões da nossa Comissão.
Quando já tínhamos como adquirido que, efetivamente, dentro da
cabine do avião tinha ocorrido um foco de incêndio, tinha havido uma
situação anómala, em termos de pressão e de temperatura, quando já
tínhamos centrado a nossa atenção no estudo do tal Orifício A, que estava
por baixo dos pés do piloto — o tal que apresentava aquele rebordamento
em tulipa, para dentro —, surgiu, em conversa, a pergunta: perante condições
de pressão entre o interior e o exterior da cabine, a que velocidade sairiam
os fragmentos resultantes da combustão de papéis, dos forros do avião, das
napas dos assentos, dos detritos que foram encontrados naquele rasto? Bom,
entretanto, o Prof. Mendes Sousa regressou ao Canadá, mas, pelos vistos, a
questão ficou a bailar-lhe no espírito, porque, na reunião seguinte, ele disse-
me: «Olhe, peguei naquela ideia, estive a fazer os meus cálculos e chego a
uma velocidade de saída dos fragmentos de 290 m/s». Mostrou-me os
cálculos e eu disse-lhe: «Olhe, eu também não me esqueci do assunto,
também o abordei e fiz cálculos com base, obviamente, em conceitos e
princípios da mecânica dos fluidos, mas não segui a via de cálculo que
seguiu». Quais foram os resultados que obtive? Obtive 313 m/s. Bem, como
ordem de grandeza, temos a 300 m/s fragmentos a escaparem-se por aquele
orifício. O que é que tínhamos ali? Passe a comparação, tínhamos a cabine
do avião a comportar-se como um spray, uma lata de spray. Então, estava
perfeitamente explicada a natureza do rasto que foi estudado pelos Profs.
Brederode e Mário Nina e que, na altura, o estudo foi combatido e até de
uma maneira deselegante. O estudo feito por esses dois professores dizia
estar perfeitamente compatível com um sopro desta natureza, com uma
aeronave a voar a esta altura e com uma brisa levíssima de 8 km/hora ao
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nível do solo, porque, nessas condições, formar-se-ia um rasto deste tipo,
desde o momento em que houve o foco de incêndio até que o avião se
despenhou.
Há ainda um outro aspeto que ficou por averiguar, só para exaurir a
questão. Eu sabia que a GNR e a Judiciária, quando fizeram o varrimento da
pista ao longo desse tal rasto — curiosamente, soube-o, pela primeira vez,
em conversa com o Prof. José Cavalheiro —, teriam encontrado a cabeça de
uma granada e uma lata de tinta chamuscada. Uma das diligências que eu
queria que tivesse sido empreendida era a de que fosse feita uma busca para
localizar, estivesse onde estivesse depositada, essa cabeça de granada e a lata
da tinta, porque encontrarem-se objetos desta natureza numa pista de aviação
é algo insólito. Basta pensarmos que o avião Concorde caiu por uma pecinha
de metal que se havia desprendido de outra aeronave ter entrado no reator!
Isto quer dizer que periodicamente as pistas de aviação são cuidadosamente
limpas. Como é que objetos desta natureza escaparam?!
Agora, mais do que insólito torna-se, a meu ver, suspeito,
significativamente suspeito, que essa cabeça de granada tenha sido
encontrada no final do rasto, junto da rede do aeroporto. Isto remetia para
quê? Para uma conjetura — eu tenho uma, e o Tenente-Coronel Oliveira
Marques tinha uma conjetura semelhante — quanto ao modo como a carga
foi iniciada, como se deu a iniciação da carga, a iniciação pode perfeitamente
ter sido com a cabeça de uma granada do nosso Exército.
Há aqui pessoas que fizeram a tropa e por isso estão familiarizadas,
mas certamente as outras já viram até em filmes, e sabem que as granadas
são objetos mais ou menos esféricos ou cilíndricos que têm uma asa
encostada. Essa asa está provida de uma mola e permanece encostada
enquanto estiver travada por uma agulha a que damos o nome de cavilha. É
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evidente que, tirando a cavilha e soltando a granada da mão, a pessoa tem 3
segundos para se pôr no abrigo, porque aquilo detona mesmo.
Na altura, pelo menos, as nossas, as granadas eram formadas como?
Eram constituídas por uma espoleta de PETN e por um corpo de explosivo,
que era TNT (trinitrotolueno), e os militares chamam-lhe trotil. Era facílimo,
bastava desroscar a cabeça da granada, fixá-la no bojo inferior do avião — e
esse avião, nessa zona, até dispõe de um suporte de antena em forma de
chifre, que servia perfeitamente para ocultar um objeto tão pouco volumoso
como este —, por baixo dos pés do piloto, fixada fortemente, com fita
adesiva, e ligar um fio de pesca à cavilha, que, por sua vez, estava ligada à
roda da frente do trem de aterragem. O avião levantava, o trem de aterragem
começava a recolher e, quando estivesse praticamente recolhido, a cavilha
da granada era tirada. Essa espoleta detonava e, ao detonar, fazia a ignição
da carga, da tal carga perturbadora, fumígena, etc., que estava ou que foi
colocada debaixo dos pés do piloto, entre a parte inferior da fuselagem e os
cabos de comando do aileron.
Essa carga poderia ter na sua composição um pouco de nitrocelulose
e de nitroglicerina, que são fáceis de obter, porque são constituintes do
gelamonite, um explosivo correntíssimo nas nossas pedreiras. Aliás, a
nitrocelulose e a nitroglicerina são os constituintes das chamadas pólvoras
de base dupla e estas encontramo-las num simples cartucho de uma G3, e
basta tirar-lhe a bala, o pó que sai de dentro do cartucho é uma base dupla,
onde está a tal nitrocelulose e a nitroglicerina. Se nesse artifício de fogo de
ignição, em vez de apenas a espoleta, o PETN, ficasse, por uma questão até
de segurança, um pouco do trotil, do TNT que envolve a cápsula, então, isso
explicaria facilmente também a presença do TNT nos vestígios de
explosivos.
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Quanto à presença do sulfato de bário, que tanto se especulou, é
perfeitamente explicável se, em vez de gelamonite, tiver sido utilizado, para
compor a bomba, um pouco de sismogel, um explosivo que tem
sensivelmente a composição do gelamonite a 33%, só que tem uma
percentagem de sulfato de bário à volta de 6%. E porquê? Porque o sulfato
de bário é um sal natural, dotado de alta densidade. Ora, há circunstâncias
em que nos interessa socorrermo-nos de explosivos altamente densos, como
no caso de uma prospeção sísmica ou de um rebentamento subaquático, para
garantir que as cargas não sofrem o efeito de impulsão hidrostática e que,
portanto, levantem do fundo da furação. Nestas circunstâncias pode recorrer-
se a um explosivo que tenha, garantidamente, densidade superior à da água,
como, por exemplo, o sismogel.
Então, se, em vez de gelamonite, tivesse sido utlizado sismogel, o
sulfato de bário poderia aparecer aspergido em diversas peças do avião, não
só naquela que sobreviveu, e ainda bem, porque ficou esse testemunho.
A minha convicção, Sr. Deputado, é a de que, efetivamente, isto foi
um atentado e muito ardilosamente implementado. Já agora, creio que não
se perde nada em referir que quando aderi a participar nos trabalhos da
Comissão Multidisciplinar de Peritos, o fiz com uma relutância muito
grande.
Na altura, fui contactado pelo Sr. Deputado Duarte Pacheco, que me
perguntou se eu queria integrar a Comissão Multidisciplinar de Peritos. Mas
que ideia tinha eu da questão de Camarate? Na minha forte convicção, isto
tinha sido um acidente, embora, periodicamente, se levantassem zunzuns,
que eu sempre interpretava como ruído de fundo, como arma de arremesso
político enviada por umas pessoas a outras. Com que intuito, não sei, mas
era esta a minha convicção. De modo que pedi ao Deputado Duarte Pacheco
2 ou 3 dias para pensar, mostrei-me muito relutante. Ele disse-me: «Mas
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convinha, para ver se há uma decisão final sobre esta coisa…!». Pedi-lhe 2
ou 3 dias e, ao fim de três dias, contactei-o para lhe dizer: «Olhe, aceito e por
uma razão, porque, como português, como patriota, sinto uma vergonha
tremenda por ao fim de 21 anos a nossa justiça ainda não ter conseguido dizer
«sim» ou «sopas», passo a expressão, sobre essa questão. Portanto, se da
minha colaboração resultar algo para ajudar a dar essa resposta, então, sim,
senhor!», e liguei-me à Comissão Multidisciplinar de Peritos. E iniciei a
minha atividade com uma posição de reserva tremenda a tudo o que fosse
teses ou indícios virados para um atentado.
Curiosamente, e não sei se por coincidência, quando fomos
inspecionar minuciosamente os destroços do avião, um dos pedaços de chapa
que me passou pelas mãos foi aquela que tinha o Orifício A e, ao passar-lhe
os dedos por dentro, eu disse: «Há aqui qualquer coisa de diferente em
relação a todos os buracos que já inspecionei!». Enquanto os outros tinham
o aspeto típico de metal que desapareceu por simples fusão, com os rebordos
fininhos, que quase cortavam, aquele, como disse, sentia-se, passando os
dedos. Como é que a chapa podia ter revirado desta maneira? Só com um
impulso poderosíssimo de baixo para cima! E esse impulso poderia ser
criado pela detonação do detonador de uma granada vulgaríssima do nosso
Exército que, por sua vez, ao fazer passar uma onda de choque através da tal
massa do explosivo, que continua por se saber ao certo o que era — o Sr.
José Esteves saberá, se é que sabe, porque ele já fez declarações
contraditórias —, onde houvesse restos de nitrocelulose e de nitroglicerina,
provocaria uma detonação maior dessa carga, com os efeitos que depois
vieram a ser atestados por testemunhos indiretos, testemunhos físicos,
sobretudo.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Uma última pergunta:
relativamente aos materiais que identificou e que encontrou, são mais
usados, pela literatura, em engenhos civis, militares e mistos? Tem notícia
de terem sido usados noutros atentados? Na sua convicção, o engenho que
deflagrou em Camarate tinha de ser produzido ad-hoc? Quer dizer, quando
fala de uma granada, acha que era uma granada que teria sido adquirida como
suporte, mas trabalhada especificamente para produzir aquele atentado, e não
teria sido uma granada apanhada ali, em Braço de Prata, e colocada… Não,
tinha sido alguma coisa especificamente produzida para a ocorrência daquele
atentado?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Estou
convencido de que não. Não era preciso recorrer a um sistema de ignição
muito sofisticado. Se alguém teve, por mais de uma ocasião, acesso à
aeronave e até vagar para andar em torno dela, poderia ter montado um
dispositivo puramente mecânico, porque o era, socorrendo-se de uma coisa
elementar, como era a cabeça de uma granada do nosso Exército. Não era
preciso sofisticar o sistema de disparo. Aliás, é compatível com esta
conjetura o facto de a explosão só ter sido vista por inúmeras testemunhas
quando o avião já tinha ganho alguma altura, ou seja, quando a roda da frente
do trem de aterragem tinha tido tempo de recolher e tirar a cavilha da cabeça
da granada. Então, a partir daí, decorrem 3 segundos até se dar a detonação.
E daí desencadeou-se todo o processo.
Portanto, digamos que, de uma posição de dúvida profunda em relação
ao atentado, mercê deste estudo e sempre, sempre, fortemente crítico,
autocrítico e com críticas dos outros elementos da Comissão, cheguei à
convicção de que na origem deste despenhamento houve uma
intencionalidade de tipo criminoso, ou seja, que foi um atentado.
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O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Professor, essa
experiência que teve de, primeiro, estar convencido de que era um acidente
e, depois, pelo estudo, chegar à conclusão de que se tratava de um atentado
pode ser testemunhada por várias pessoas, que passaram pela mesma
experiência, incluindo eu próprio. Portanto, agradeço-lhe a franqueza desse
seu depoimento.
Passando ao Prof. Eng.º José Cavalheiro, volto a agradecer-lhe as
várias colaborações que deu voluntariamente a diferentes comissões
parlamentares de inquérito e, basicamente, faço-lhe uma pergunta genérica
sobre o exame aos destroços do Cessna e, posteriormente, a outras
intervenções que já teve em comissões. O que é que o Sr. Professor tem a
acrescentar, quer seja de novo, quer seja em reforço de contributos que já
deu para os inquéritos parlamentares?
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Creio que o Sr. Deputado
terá feito distribuir um relatório-síntese que eu produzi há uns anos, porque,
uma vez que, como o meu colega acaba de dizer, a Comissão teve de terminar
os seus trabalhos de forma muito acelerada, o relatório final foi feito sob uma
enorme pressão, eu, posteriormente, tive acesso à totalidade dos relatórios e
fiz um relatório-síntese, no qual me parece perfeitamente indesmentível ter
havido ali, de facto, uma situação de atentado.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Eu creio que o Sr.
Professor se refere a um relatório-síntese, que, de facto, mandou, mas já no
final dos trabalhos da IX Comissão Parlamentar de Inquérito, da comissão
da seguinte, e que eu, na altura, distribui.
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O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Sim.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Efetivamente, fez-me
chegar por correio eletrónico, no final dos trabalhos, mas, enfim,…
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Era uma coisa chamada «O
fim da dúvida»…!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sim. Se o Sr. Professor
nos pudesse enviar novamente,…
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Com certeza!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — … juntar-se-ia, também,
ao espólio original desta Comissão como complemento do depoimento que
hoje, aqui, nos fizer.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Terei muito gosto.
Então, se calhar, as pessoas desta Comissão não terão tido acesso ao
documento e penso que aí as coisas estão muito sistematizadas e têm duas
partes. Vim a lê-lo no comboio, por acaso, só li menos de metade e até
comecei a ficar bastante irritado com aquilo que li, porque havia coisas de
que já me tinha esquecido.
Este relatório-síntese foi escrito numa perspetiva um bocado
jornalística para, depois, terminar num final mais técnico, e a minha
experiência pessoal, no caso de Camarate, de facto, é absolutamente
paradigmática do que se passa na justiça portuguesa. O que acontece é que
nós temos um comportamento comprovado do Ministério Público que, para
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já, é um atentado à inteligência, e foi por isso que me envolvi no processo,
porque me senti insultado quando me apercebi como é que o Ministério
Público estava a trabalhar.
Para além disso — e podem ler, porque estão lá os factos — dei queixa,
em tempo útil, desses factos nos organismos respetivos, ou seja, no Provedor
de Justiça e no Conselho Superior do Ministério Público. E o que se verifica,
face aos meus depoimentos, é que há um comportamento, ao longo de todo
o processo, por parte do mesmo agente do Ministério Público que
acompanhou todo o processo de Camarate — concretamente, para não haver
confusões, o Procurador Boaventura Marques da Costa —, o que se verifica,
repito — e acho que isto deve ficar em ata —, é que há uma falsificação
completa da metodologia e das conclusões que ele tira, passo a passo, do
processo. E esse senhor teve a distinta «lata» de construir uma narrativa,
como agora se diz, em torno de hipóteses que não tinham qualquer
sustentabilidade e às quais, na altura, por ingenuidade, aderi, que era a
hipótese de os tais bombeiros terem cortado os cabos e de isso ter provocado
o aparecimento de esquírolas, que, depois, apareciam estranhamente no pé
do piloto e que, depois, veio a descobrir-se, por baixo, na zona onde aparece
o tal orifício em que se deu a explosão.
Portanto, esse senhor teve a distinta «lata» de ter formulado, sem
qualquer fundamento, essa hipótese — e eu até ajudei, dizendo «Até podia
ter sido um bocado de ferrugem da chaminé do prédio quando o avião bateu
ou qualquer coisa do género!» —, de ter partido dessas hipóteses, depois de
ter ouvido o meu depoimento a pedir a observação de radiografias que diziam
que estavam extraviadas e que, realmente, estavam nos cofres da Caixa Geral
de Depósitos, depois de tudo isso, ter dito que eu não tive qualquer dúvida
em apoiar as conclusões oficiais do processo.
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Portanto, isso é uma falsificação. Esse senhor cometeu um perjúrio
completo e eu apresentei queixa dele. No entanto, o nosso Ministério Público
é supervisionado por um conselho presidido por si próprio. Isto é, ainda hoje
em dia (e, espantosamente, parece que ninguém aprendeu nada com o que
aconteceu), o Conselho Superior do Ministério Público é presidido por
quem? Pela Procuradora-Geral da República, no caso presente. E quem são
os assessores? São os procuradores distritais. E são estes senhores que vão,
depois, analisar o comportamento, mais regular ou menos regular, dos
próprios procuradores que fazem parte da corporação. Portanto, digamos que
é uma equipa de futebol que é arbitrada pelo treinador e pelo presidente da
direção. Ora, isto não tem pés nem cabeça, mas continuamos exatamente na
mesma.
Ora, esse ambiente permitiu que este procurador, ao longo de anos e
anos de permanência no processo, tivesse feito atentados brutais à lógica, em
primeiro lugar, e cometido, digamos, não erros, porque são intencionais e
sistemáticos,… Portanto, eu gostaria que ficasse em ata que é minha opinião
que esse senhor, hoje, deveria estar preso.
Em relação ao processo e àquilo que me interessa agora, do ponto de
vista técnico, e foi por isso que aqui vim, no caso de Camarate e do ponto de
vista estritamente material — já não contando as histórias de tudo o que está
no processo, porque, depois, tive oportunidade de ler os vários processo e o
filme está lá todo, a ligação das peças é que não está, mas estão lá todos os
fotogramas necessários para fazer o filme —, costumo dizer, ao comparar o
conjunto de provas encontrado depois da VIII Comissão de Inquérito: «Vou
na rua e encontro uma chave. Dirijo-me a uma casa próxima, meto a chave
na fechadura e a chave abre a porta. Posso dizer que, em princípio, foi alguém
desta casa que perdeu a chave, mas não posso afirmá-lo com certeza, porque,
às vezes, uma chave alheia entra numa fechadura. Mas se eu, em vez de
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encontrar uma chave, encontrar um molho de chaves, com seis ou sete
chaves, em que a primeira abre o portão do jardim, a segunda abre a porta da
entrada, a terceira abre uma porta interior, a quarta abre a porta da cave…
Quer dizer, todas as chaves do molho abrem portas daquela casa. Então,
posso dizer, com uma probabilidade superior à de ter o primeiro prémio do
Euromilhões, que aquele molho de chaves era de alguém que morava naquela
casa».
Ora bem, neste momento, para mim, do ponto de vista estritamente
material e pondo de parte toda a especulação, todas as histórias que correm,
tudo isso, que, no fundo encaixa perfeitamente no processo, temos
exatamente isso. E nesse relatório-síntese tive o cuidado de fazer uma tabela
em que digo quais são as provas essenciais, vestígios que, por si só, cada um
deles seria suficiente para concluirmos fortemente no sentido de uma
explosão a bordo, mas, depois, todos eles encaixam no tal puzzle que o meu
colega acaba de referir.
Portanto, neste momento, não tenho provas em contrário (mais
facilmente poderia ser filho de um marciano) e, no campo das probabilidades
ínfimas, posso admitir isso. Assim, neste momento, a hipótese de a tragédia
de Camarate não ser resultante de uma explosão existente a bordo, quando o
avião estava a levantar, será extremamente inferior. Isto porque as provas
materiais encaixam todas.
Devo recordar que fui — é outra das bizantinices da nossa justiça —
a primeira pessoa, do ponto de vista técnico, que se debruçou sobre aquilo
que era conhecido publicamente, que eram os vestígios radiográficos do pé
do piloto do avião. O que na altura me chamou a atenção — e eu estava
exatamente como o meu colega, em relação a Camarate, naquela posição de
pensar que Camarate foi um acidente e fizemos aqui especulações sobre isso
—, foi, por acaso, uma vez ter ouvido, na televisão, falar sobre o caso e onde
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apareceu uma radiografia do pé do piloto, com umas partículas lá dentro.
Nessa altura, olhei para o écran e disse: «Mas isso são estilhaços!». Por
acaso, a televisão até estava sem som, porque eu nem estava a ligar ao
programa, mas liguei o som e ouvi um advogado das famílias a explicar que
o Ministério Público dizia que aquilo eram vestígios metálicos da liga
aeronáutica. Eu tinha andado a fazer, no âmbito dos biomateriais, calibrações
radiográficas, utilizando umas escadinhas de alumínio, isto é, várias chapas
de alumínio sobrepostas para fazer a medição densitométrica da evolução do
tecido ósseo, em termos de regeneração, usando partículas de hidroxiapatita,
mas, agora, para o caso não interessa. A verdade é que eu tinha uma perfeita
sensibilidade para saber qual é o contraste do alumínio ou de uma liga de
alumínio face ao tecido ósseo, e aquilo que vi na televisão não era compatível
com isso. Portanto, embora, como é óbvio, eu não soubesse qual era a
dimensão no plano perpendicular à imagem, uma esquírola não era.
Assim, acabei por me envolver no processo precisamente porque, de
repente, saltou-me aos olhos, literalmente, uma discrepância entre aquilo que
era a história oficial e aquilo que eu estava a ver ali. Havia alguma coisa de
estranho.
O que acontece é que, de facto, como eu trabalhava com biomateriais,
neste caso, tecido ósseo, e no Porto, na altura, era a única equipa do País que
trabalhava em tecido ósseo em montagens suscetíveis depois de observação
em microscopia eletrónica de varrimento e que permitia a microanálise,
portanto, a análise química, ofereci-me ao Procurador da República, dizendo:
«Como vão fazer a exumação dos corpos, teremos possibilidade de colaborar
nisso. E veja lá, porque, se isso não for feito com cuidado, passados todos
estes anos, a corrosão vai com certeza afastar os vestígios».
Na sequência disso, e nesse texto estão lá estes episódios dessa
situação, vim a demonstrar, por análise densitométrica, que efetivamente
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relativamente aquelas duas ou três partículas, que vários médicos no
processo, há muito, tinham dito serem estilhaços e que o Procurador insistia
em que não se podia saber a composição química através de uma radiografia
— e, portanto, dizer que aquilo era uma coisa de um metal cujo número
atómico era mais alto do que a generalidade do osso que envolvia aquilo…
—, e no relatório está explicado como é que isso foi feito, o número atómico
seria perfeitamente compatível com o do ferro, que é o componente essencial
do aço.
Eu próprio submeti depois esse trabalho — e isso já foi feito na
sequência de pedidos feitos pela Assembleia — e tive o cuidado de pedir o
contraditório, na medida em que parti do princípio de que as pessoas da
Comissão não estavam tecnicamente capazes de avaliar aquilo que eu estava
a dizer. E pedi exatamente o contraditório de alguém com capacidade técnica
e que, eventualmente, até tivesse tido, no passado, alguma posição contrária
a essa — e, no caso concreto, era uma pessoa do LNETI (Laboratório
Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial).
Essa acareação foi feita e ficou muito claro que aquilo que eu dizia,
em relação à natureza das partículas estranhas implantadas no calcanhar do
piloto, apontavam inequivocamente para partículas de aço, que não se
percebia como apareciam ali.
Mais do que isso — e isso também resultava de uma outra experiência
profissional minha no que diz respeito à atomização de metais para trabalhos
no âmbito da pulverometalurgia —, detetei, em algumas dessas radiografias,
partículas, vestígios, neste caso, de liga de alumínio, ou seja, material
metálico fundido de muito pequenas dimensões e chamou-me logo a atenção
que não era possível, numa situação correspondente àquilo que era a
descrição oficial do incidente, que as partículas fossem tão pequenas. E fiz
inclusivamente um trabalho experimental que levei à Comissão. O que é que
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eu fiz? Muito simples: peguei na liga de alumínio 20/24, que é a liga
estrutural do Cessna, fiz uma fusão dessa liga, deixei-a cair de uma altura
máxima que seria a que existia entre a parte mais elevada da cabine (suponho
que o avião caiu de cauda entre os prédios e que o incêndio posterior levou
à fusão incipiente da liga e, daí, os tais orifícios que aparecem nos destroços)
e vi qual seria o tamanho das partículas que resultavam da queda de gotas de
alumínio. E, como eu esperava, as gotas de alumínio, devido a questões de
tensão superficial (porque o alumínio fundido forma imediatamente uma
camada de óxido que tem de ter uma tensão superficial muito grande), as
gotas líquidas tinham dimensões da ordem, digamos, de um grão de milho,
uma coisa desse género.
Na altura, levei isso para a Assembleia e disse: «Se o alumínio que
aparece no pé do piloto fosse alumínio resultante da fusão da estrutura do
aparelho, as partículas que os senhores iriam encontrar teriam a ordem de 1
mm, 2 mm, daí para cima, mas nunca frações do milímetro!». Portanto, esta
foi uma segunda conclusão.
O que é que provoca, ou pode provocar, a fragmentação e a fusão?
Exatamente, uma situação explosiva destas. Este foi o segundo incidente.
O terceiro, da minha colaboração técnica, foi, depois, a observação da
tal chapa do aparelho, que, depois, foi levada para a Faculdade de
Engenharia, com pompa e circunstância, acompanhada pela GNR num
caixote — portanto, um destroço VIP (very important person) —, e, depois,
por observação feita em microscopia eletrónica, pude observar o seguinte:
primeiro, aquela chapa tinha sido sujeita a uma temperatura muito grande,
os elementos de liga já não estavam distribuídos uniformemente como
deveriam e a chapa estava completamente fragilizada por esse processo. O
que significava que, relativamente ao tal rebordo metálico aqui referido e
que existia no tal painel, painel esse que estava por baixo dos pés do piloto,
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devido à fragilidade que resultou do incêndio e, portanto, da elevação de
temperatura da chapa, eu não consegui dobrar a chapa mais do que 30º. Ora,
elas estavam rebatidas completamente para o lado. Portanto, aquele
fenómeno de rebatimento dessas rebarbas, chamemos-lhe assim, tinha
ocorrido antes da parte final do incêndio do aparelho.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Peço para fazermos uma
pausa por uma necessidade orgânica.
Pausa.
É um outro caso de resistência de materiais…
Risos.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Sr. Deputado José Ribeiro e
Castro, o Sr. Professor vai prosseguir com a resposta.
Faça favor, Sr. Professor.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Eu estava a falar da questão
do alumínio.
De facto, a pequena dimensão das partículas de alumínio permitia
concluir que não seriam compatíveis com a simples fusão.
Depois, o facto de a chapa estar fragilizada…
Por outro lado, também não foi encontrada, e tive o cuidado de
recorrer aos meus colegas do departamento de metalurgia e de lhes dizer:
«Um painel, uma chapa metálica de alumínio, que era a tal que estava por
baixo dos pés do piloto, que apresente um rombo destes sem deformação do
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resto da chapa… Portanto, a chapa está plana e tem um buraco no meio com
as tais rebarbas rebatidas…». Tive o cuidado de dizer isto aos meus colegas,
e agora imaginem uma situação normal, apenas entrando em linha de conta
com a possível queda do avião, que pudesse provocar um buraco deste tipo,
sem deformar a chapa. De facto, sendo um material dúctil, a chapa, numa
situação normal, tendo batido num ferro — podia ter sido num telhado, na
fase final da passagem, num poste ou numa coisa qualquer —, ficaria sempre
deformada e não apresentando aquilo… Portanto, só realmente uma situação
de alta velocidade é que fura a chapa e provoca, no limite, a projeção dos
rebordos e isso aconteceu quando a chapa ainda tinha ductilidade suficiente
para ter sido dobrada, nunca depois do incêndio. Isto é, não poderia, na
remoção dos destroços, ter levado uma pancada ou ter sido empurrada por
alguém, ou qualquer coisa desse género. E, portanto, isso foi afastado.
Depois, como consta do dito relatório, é o encadeamento de todos os
factos. É que, efetivamente, os cabos que estão cortados estão cortados na
zona que fica atrás do buraco da chapa, e o que está por cima do buraco da
chapa é o pedal do comando do avião, e o que está por cima do pedal do
avião é o pé do piloto. Portanto, se houvesse uma explosão em baixo, ela
viria, com certeza, lançar fragmentos na direção do pé do piloto e,
inclusivamente, do passageiro detrás, que era o Eng.º Amaro da Costa.
Curiosamente, o Eng.º Amaro da Costa — tive oportunidade de verificar em
radiografias — tem uma quantidade de sucatas (desculpem o termo), uma
quantidade de fragmentos metálicos debaixo de um braço e não tem nada no
outro. É precisamente o braço que está virado para o corredor (parece que
havia uma espécie de corredor) do avião e que está em linha reta com o tal
orifício, com tudo isso.
Depois, a tal chapa que apresenta vestígios de sulfato de bário, onde é
que está? Continuando em linha reta, está junto à janela, na parte de cima.
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Portanto, perante tudo isto, mais uma vez, remeto para a forma como
o inquérito foi feito.
O que me disse, na altura, o técnico da Judiciária com quem falei,
porque a minha primeira… — no texto isso está explicado. Conheci esse
senhor, por mera circunstância, num curso de MIG (metal inert gas) para
eletrónica de varrimento e, na altura em que ofereci os meus préstimos,
chamemos-lhe assim, ao Procurador-Geral da República, mandei com
conhecimento ao Laboratório Científico da Polícia Judiciária. E, mais tarde,
quando descobri que, finalmente, não estavam a ser utilizados os nossos
serviços e quis saber o que se passava telefonei para esse senhor e, apesar de
eu ter um relatório de receção do fax a dizer «Laboratório Científico da
Polícia Judiciária de Lisboa, ok», o que significava que tinha sido recebido,
ele disse-me, ao telefone, que não tinha recebido absolutamente nada. Foi,
para mim, uma surpresa muito grande.
Mais tarde, na sequência da tal presença no TIC (Tribunal de Instrução
Criminal) (isso também está relatado, pelo que agora não vou entrar em
pormenores), o que se verifica é que fui falar com o Dr. José Anes e ele veio
dizer-me que tinha sido fortissimamente pressionado e, inclusivamente,
acusado de ter andado a plantar provas falsas, que eram nomeadamente esses
vestígios químicos sobre a situação.
Portanto, o Ministério Público comportou-se de uma forma
completamente inaudita, digna de uma «república das bananas», não só por,
sistematicamente, combater todos os depoimentos das testemunhas visuais,
que existem ao longo do processo, como por ter reações no sentido de tentar
desmontar a posição dos nossos colegas do Técnico que analisaram os
vestígios, e, para isso, ele pôs em causa a metodologia da Polícia Judiciária.
Portanto, todo o processo é verdadeiramente vergonhoso, e o que se
passou comigo e as conclusões que ele extraiu do meu depoimento no TIC,
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que são de uma falsidade absoluta, levaram-me a apresentar queixa contra
ele. A quem? Ao Conselho Superior do Ministério Público, ou seja, a tal
arbitragem que é constituída pelo presidente da direção do clube. O resultado
disso foi que o processo foi arquivado.
Portanto, há uma obstrução sistemática e este só é um caso complicado
porque desde a primeira hora foi feita uma anti-investigação.
No caso de investigação, falou-se aqui, por exemplo, do caso do
Concorde, em que houve uma chapinha que foi encontrada, que não fazia
sentido, porque não era daquele avião e concluiu-se: a) «foi isto que atirou o
avião abaixo». E havia uma chapinha. Mas aqui não há uma chapinha, há um
monte de sucata, há uma quantidade de coisas enormes. Foi sempre negado
o acesso aos destroços; só nessa comissão é que houve um grupo de peritos
que teve acesso aos destroços.
Quando trabalhei para a V Comissão (já não sei, uma dessas
comissões…) pedi explicitamente para ter acesso aos destroços e foi-me
negado. Inclusivamente, há um relatório do RARDE (Royal Armament
Research and Development Establishment), onde aparecem outra vez
partículas microscópicas de alumínio — portanto, é mais numa
comprovação, neste caso, por uma fonte externa, e eles não deram o devido
valor ao aspeto dimensional das partículas. Sei que as próprias famílias
tiveram uma luta judicial para terem acesso a esse relatório, porque houve
até o obstáculo de apresentar um relatório técnico sobre os vestígios.
Portanto, há aqui uma situação, e gostaria que a Assembleia retirasse
as devidas conclusões, que é a seguinte: parece-me que, passados todos estes
anos e pelo que tenho visto, o Ministério Público continua com o mesmo
sistema de gestão do seu comportamento. Mais: ainda há uma ou duas
semanas, a pessoa que foi eleita para o sindicato dos magistrados reconheceu
que não havia uma avaliação do comportamento e do desempenho, e que,
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portanto, no fundo, não se valorizavam as pessoas que realmente se
empenhavam. E tenho verificado, por alguns casos em que colaborei
posteriormente, que o Ministério Público continua exatamente na mesma.
Portanto, é gravíssimo para o País termos um Ministério Público em
que se pode fazer o que se quiser, em que se podem fazer atentados à lógica,
deturpar-se as coisas, porque, depois, as pessoas saem impunes e não
acontece nada.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Agradeço a exposição
detalhada. Creio que ficámos com uma ideia bastante gráfica do terá
acontecido quer no depoimento do Prof. Henrique Miranda quer agora no do
Prof. José Cavalheiro e também da história da sua descoberta no contacto
com este processo.
Se o Sr. Presidente autorizar, queria só mostrar dois documentos que
estavam na posse do Sr. Augusto Cid, porque, se se tratar do documento que
o Sr. Professor referiu há pouco — e creio que sim, mas queria que
confirmasse —, com a licença do Sr. Augusto Cid, peço que ele seja
fotocopiado e distribuído à Comissão.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada
Clara Marques Mendes.
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Depois destas explicações
tão pormenorizadas não tenho propriamente questões para colocar, mas não
quero deixar de agradecer aos Srs. Professores a presença e a colaboração
que prestaram hoje e que têm vindo a prestar ao longo das várias comissões
parlamentares.
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De facto, tinha várias questões para colocar, que se prendiam com
conclusões que foram vertidas na VIII Comissão, designadamente quanto a
matéria probatória, mas já foram aqui devidamente explicadas, bem como o
esclarecimento adicional feito por parte do Sr. Prof. Henrique Miranda pela
não inclusão no relatório de alguns aspetos, designadamente do tipo de
explosivos.
Já temos também o relatório-síntese a que se referiu o Sr. Prof. José
Cavalheiro, pelo que agradeço, mais uma vez, a presença e os contributos
que nos deram para os trabalhos desta Comissão.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada
Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Também agradeço a presença dos
Srs. Professores e a exposição muito claro que, obviamente, vamos
completar.
Srs. Professores, sou uma total e absoluta, nem digo leiga, ignorante
nestas matérias. Portanto, hão de perdoar-me se houver até alguma
ingenuidade nas minhas perguntas.
Gostaria, apesar de tudo, de fazer duas ou três perguntas em relação
ao que já foi dito, e aproveito a presença de dois especialistas para perguntar
diretamente.
Há uma pergunta, em relação à qual não sei se o Sr. Professor
Henrique Miranda já respondeu, que é a seguinte: considera que a detonação
pode ter sido feita por um controlo remoto? Sim, ou não?
Já que falou da possibilidade mecânica, com o trem de aterragem a
recolher, e aqui já se falou muito da possibilidade de uma detonação
telecomandada, pergunto: acha isto também uma possibilidade, ou não?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Obviamente que
há sempre uma possibilidade. Mas a minha especialidade não é propriamente
a de sistemas de ignição de cargas explosivas por esses meios. Estou muito
mais familiarizado com o que se usa em minas e pedreiras, que são sistemas
de ignição de cargas, que são clássicos.
O que eu quis salientar foi que, para se conseguirem os efeitos que
foram conseguidos, não era preciso uma sofisticação de disparo muito
grande. Era simples de implementar pelo modo que eu aventei. Não posso
comprová-lo, mas já tinha sido aventado por mim e, antes, pelo Sr. Tenente
Coronel Oliveira Marques, num depoimento que consta no arquivo da
Assembleia. Já não me lembro exatamente da data.
Teoricamente, é perfeitamente possível recorrer a um sistema de
ignição de disparo por controlo remoto.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mesmo na questão da granada? Ou
isso excluía a hipótese da granada?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Poderia ser outro
dispositivo, outro modo de acionamento Não era necessária, efetivamente, a
cabeça de uma granada. Esta hipótese ganha plausibilidade porque no meio
dos objetos encontrados na pista estava esse objeto estranhíssimo. Qualquer
objeto metálico numa pista de aviação é estranho e é um perigo. E é insólito
que esse objeto seja a cabeça de uma granada.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Já agora, posso fazer uma
observação?
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim, claro!
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — É uma questão meramente
lógica. De facto, um dispositivo mecânico deste género pode ser, do ponto
de vista dos efeitos, o ideal, porque eu, para ter um dispositivo de comando
à distância, tenho de estar à espera do avião, saber que é aquele avião e,
depois, ir acionar.
Se foi uma situação como a que aqui foi aventada, temos um processo
automático de garantir um momento ótimo para a coisa acontecer. Qual é o
momento ótimo? É o momento em que o avião vai em pleno esforço a subir.
Penso que, do ponto de vista da aeronáutica, uma das situações mais críticas
é aquela em que o avião sai de terra para o ar e precisa de toda a potência dos
motores, etc., e a recolha do trem de aterragem faz-se imediatamente a
seguir. Colocar um engenho simples destes, que é um fio e uma cabeça de
granada, ligado ao trem de aterragem garante que aquilo vai rebentar no
momento ótimo, isto é, depois de o avião ter descolado do solo e de a coisa
ser, digamos, mais difícil de perceber do que se rebentasse, por exemplo,
durante o rolamento na pista ou coisa do género.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Perguntei porque tivemos nesta
Comissão o Sr. José Esteves a falar de controlo remoto, a dizer que ele
próprio tinha construído uma bomba, mas que não tinha sido a bomba dele a
que detonou, e que o Sr. Lee Rodrigues tinha uma outra bomba que tinha
detonado com controlo remoto.
Os Srs. Professores dizem-me que não são especialistas, eu ainda
menos, mas somos confrontados com muitas versões. Por isso, aproveito a
presença de especialistas para saber se «sim», se «não» ou para tentar
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começar a excluir hipóteses. Mesmo leiga, percebo a hipótese, a
possibilidade que apontou aqui.
Agora, em relação a duas ou três coisas que disseram, se percebi bem,
os rebordos estavam rebatidos para dentro. Portanto, significa que a explosão
se fez de baixo para cima.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — (Por não ter
falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Professor, isso significa que o
engenho explosivo estaria dentro ou fora do avião, por baixo?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não. A carga
iniciadora seria a espoleta da granada, que é uma quantidade de explosivo…
É como um cigarro, tem praticamente o tamanho e o diâmetro de um cigarro.
Percebe?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas estaria por fora do avião?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Por fora,
adossado à chapa, encostado.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas na parte exterior do avião?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Na parte exterior
do avião…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ah!
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … estaria a
cabeça da granada com a respetiva asa. Quando a roda do trem de aterragem
recolhesse, a cavilha seria tirada, a asa da granada faz isto, abre,…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Explode.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … e dá-se a
explosão do detonador.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E por dentro é que estariam, então,
outros materiais explosivos.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Estaria uma
carga que seria constituída por materiais diversos, entre os quais poderiam
estar pequenas quantidades de nitrocelulose, de nitroglicerina, até de TNT.
Quem mexeu na granada podia ter usado o próprio TNT que envolve a
espoleta para também compor aquele rolo.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O Sr. Professor disse que o orifício
funcionava como um spray.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim, sim.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Se funcionava como um spray,
significa que o avião, que está plano, faz assim, levanta. Ou não?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não! Não é
preciso o avião estar a subir. Esse orifício é gerado e, por efeito da explosão,
dá-se um aumento de pressão e de temperatura na cabine do avião. Ora, por
efeito dessa sobrepressão, há detritos de chamuscados que começam a ser
projetados para o solo através desse orifício. Portanto, é toda a cabine que
funciona como uma lata de spray através desse orifício.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas, se percebo bem, havendo ar a
sair, o avião levanta.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, não!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não?!
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não tem
intensidade suficiente para conseguir…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas isso não pode explicar o facto
de ele ter caído de rabo?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, não! Ele
só caiu de cauda no final de todos os embates, no final da queda. Ou seja, já
depois de roçar numa chaminé, em telhados e tudo. Digamos que é na parte
final do despenhamento.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Se me permitem, é apenas
para dizer que esta teoria do spray, chamemos-lhe assim, é confirmada nos
vestígios materiais pelo facto de um rebordo metálico que prende o para-
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brisas do avião estar todo virado para fora. Ou seja, há um vestígio material
inequívoco de que houve uma sobrepressão dentro da cabine.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Uma segunda explosão dentro da
cabine?
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Não! Quando se deu esta
explosão, ela terá lançado um volume de gases para dentro da cabine que
provocou uma sobrepressão que foi calculada na ordem de 1 bar. Portanto,
mais uma atmosfera. E essa sobrepressão é perfeitamente compatível com a
deformação do rebordo metálico que prende a cabine, que está todo torcido
para fora. Salvo erro, foi o técnico que fez esse estudo, não foi?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Foi, foi.
Não é bem torcido, está rasgado.
Repare: suponha que isto é o rebordo que prende a bolha do cockpit.
A bolha encaixa no rebordo, mas dentro da cabine gerou-se uma pressão e,
pelo estudo do técnico, foi uma pressão uniformemente distribuída, não foi
uma coisa pontual. Então, o que é que aconteceu? A bolha tendeu a inchar,
exerceu este trabalho, o de desencaixar, e o que nós vimos foi que os rebites,
que seguram o caixilho, atravessando o plástico e apertando do outro lado,
tinham rasgado o rebordo do caixilho. E foi esse esforço que nos diz que
dentro da cabine houve instantaneamente um aumento de pressão.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — É um incêndio que se alastra
imediatamente, até pela elevação das temperaturas. O que está a dizer é que
haveria morte instantânea?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Aquele estudo
laborioso que eu apresentei como anexo destinou-se ao seguinte: eu já sabia,
em virtude da minha formação, que a inalação de monóxido de carbono, em
tempos brevíssimos, pode ser, mesmo em pequenas quantidades, tão letal
como a absorção de monóxido em tempo longo para teores mais baixos. Mas
aqui falava-se de intervalos de 10 a 20 segundos.
Há gráficos que estão nesse estudo que apresentei que mostram que
para esses intervalos de tempo as curvas lá representadas já têm uma fórmula
assintótica. Ou seja, aproximam-se do eixo das ordenadas do gráfico.
Se eu quisesse fazer leituras na ordem de 1 ou 2 segundos, bastava um
pequeníssimo erro ou desvio para cometer imediatamente um erro enorme
na leitura das ordenadas. Daí que eu tenha feito a tradução analítica dessas
curvas, introduzindo nelas todos os parâmetros relevantes (pressões,
temperaturas, concentrações) para poder lidar com aquilo, mas em termos de
números e nunca em termos de leituras sobre gráficos, que estão sempre
sujeitas a erros de pelo menos 5%.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O avião está a subir e já na altura
em que o trem de aterragem, vamos supor, está a recolher — portanto,
quando já vai a estabilizar — e dá-se a explosão.
Pergunto: dando-se uma explosão dessa violência…
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Não, não!
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não! É pouco
violenta, pois o segredo é a habilidade.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ah!…
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Então, o avião não mudava de rota automaticamente?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, não.
Repare: quando eu falava de habilidade na implementação desta ação,
ela está precisamente aí. A carga utilizada foi o suficiente para, de duas, uma:
ou perturbar mecanicamente o comando do avião, ou perturbar as qualidades
dos pilotos, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Percebe? E, para isso, não
era preciso uma carga muito violenta. Não era preciso colocar uma carga por
debaixo dos pés do piloto, bastava fazer explodir uma granada, mesmo uma
granada defensiva. Não era preciso uma granada com espiral de aço,
ofensiva, não! A explosão da granada desconjuntaria o avião e, então, a
evidência de atentado estaria ali patente. O avião ia a subir e, de repente, a
cabine desconjuntava-se. Alguma coisa teria acontecido.
Se se conseguisse induzir um incêndio na cabine, bastaria perturbar os
pilotos, torná-los incapazes de governar a aeronave e, provavelmente, ela iria
despenhar-se. Mas ali até se conseguiu tornar a aeronave ingovernável do
ponto de vista mecânico, pois os cabos de comando dos lemes de
profundidade foram cortados. Então, desde que a aeronave começou a descer
era impossível fazê-la subir.
Repare na manha desta coisa: faz-se despenhar o avião; o avião
descolou, como norma, com os depósitos cheios; cai e leva um incêndio a
bordo. No fim, tudo aquilo ficaria calcinado e não haveria vestígios de um
atentado. É nesse sentido que eu digo que a congeminação e a
implementação disto foram habilidosas. Foi efetivamente habilidosa, quase
digna de elogios, se não fosse uma coisa tão trágica.
Aliás, eu fiz a comparação com as torres de Nova Iorque, e realmente
é genial! Deitaram-se abaixo dois edifícios gigantescos com dois cocktails
molotov.
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O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Chamo a atenção para o
seguinte: sobre a tese de que houve uma ingestão, ainda em voo, de
quantidades muito elevadas de monóxido de carbono, isso resulta do facto
de o avião, quando parou, não ter tido um embate fortíssimo. Se bem me
lembro, apenas uma das vítimas tinha um osso fraturado. Portanto, significa
isto que, se a pessoas não sofreram fraturas nos ossos e estavam dentro de
um avião que, pura e simplesmente, como era a tese oficial, por razões de
falha de motor ou de gasolina, ou de qualquer outra coisa, caiu, quando o
avião começou a arder, as pessoas estariam conscientes, pelo menos
algumas. Ora, a verdade é que não se ouviu barulho nenhum dentro do avião
e ele caiu entre casas habitadas. Portanto, como é evidente, qualquer pessoa
que esteja a ser assada viva faz muito barulho e nota-se em qualquer lado, e
não aconteceu nada disso. Portanto, as pessoas estavam efetivamente, quase
ou completamente, inconscientes. Ora, pela tese oficial, elas só estariam
inconscientes se a pancada que deram no fim fosse suficiente para causar
isso. O avião realmente não se esborrachou contra uma casa, ele bateu num
poste de alta tensão, bateu no telhado de uma casa e depois caiu a uma
velocidade já muito baixa, de tal maneira que não ficou todo desfeito, nem
as pessoas sofreram. Portanto, algumas das pessoas estariam, com certeza,
conscientes se não tivessem sido anestesiadas, entre aspas, anteriormente.
Isso parece-me mais um facto de peso para apontar que esta situação
de intoxicação muito rápida fez com que em poucos segundos as pessoas
perdessem os sentidos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só mais uma pergunta: um
dispositivo desses, mesmo que seja relativamente simples, leva, do seu ponto
de vista, quanto tempo a montar num avião? Ou seja, quanto tempo é que
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quem o colocou, partindo do pressuposto que o colocaram, precisaria para
montar um dispositivo desse género?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Nós não fizemos
um ensaio desse tipo, de tentar arranjar uma carga de explosivos com a dita
forma de um livro e tentar metê-la debaixo dos pedais do piloto, o que é fácil
porque há uma janela de visita, precisamente para a substituição de cabos e
inspeção. Agora, quanto tempo que demora a fazer isso e a colocar a tampa
de modo a não deixar vestígios, não faço a mínima ideia.
Colocar o sistema de ignição, que na minha convicção, como se
insistiu, na cabeça de uma granada, para isso não era preciso muito tempo.
Bastava dispor de fita-cola poderosa, de um bocado de fio de nylon, colocar
aquilo e fixá-lo na chapa do avião, estender o fio e ligá-lo ao trem de
aterragem, de modo a que quando ele encolhesse o fio esticasse e retirasse a
cavilha à granada, não exigiria muito tempo.
Pelo que li dos depoimentos, as pessoas envolvidas, em particular um
tal Sr. Sinan Lee Rodrigues terá tido entrada, quase diria, franca nas zonas
técnicas do aeroporto. Ele fez-se passar por comandante de aviação e
circulou ali com um certo à vontade e, portanto, terá disposto de tempo para
montar essa história.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Só estou a dizer isso, porque, de
facto, é importante. Com toda a questão dos calendários, da decisão final de
quando vai, ou não vai, para nós é importante tentar perceber, minimamente,
como é que um dispositivo, seja esse ou outro… Uma coisa é colocar só uma
bomba — é esta a tese que tem sido apresentada — e, depois, cá de baixo,
como é telecomandada e está toda pronta… Outra coisa é tentar montar todo
esse dispositivo, e daí a minha pergunta.
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Agora, voltando ao Prof. Eng.º José Cavalheiro, em relação às
denúncias que fez e ao relatório que enviou, pergunto: sabe exatamente
quando é que enviou este relatório para a Polícia Judiciária? Sabe a data do
fax?
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Eu não sei se este
documento tem a data, mas eu tenho isso e posso ver.
A sequência é esta: começo por oferecer os préstimos ao Procurador-
Geral da República; simultaneamente mando o fax para o Dr. José Eanes…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mas isso quando exatamente?
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Não sei. Neste momento,
não sei dizer-lhe.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Quando é que oferece os seus
préstimos?
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Sim, sobre isso tenho a carta
do Procurador que, aliás, é uma coisa muito interessante, porque é uma carta
dentro de outra. Aquilo tem um aspeto até de filme de ficção. Veio um
envelope com um outro envelope dentro e, depois, lá dentro tem um
excelente papel a agradecer e não sei quantos.
Passados meses, nesse relatório eu refiro que uns cinco meses depois,
descubro que, afinal, os ingleses vieram cá e que, efetivamente, não foi
pedida a nossa colaboração e fiquei na dúvida se não teriam sido cometidos
erros graves logo nessa fase.
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Vim, posteriormente, pelo estudo do relatório do RARDE, a verificar
que, efetivamente, aquilo que eu pensava que poderia acontecer aconteceu
mesmo. Isto é, para fazer a observação em microscopia eletrónica de
varrimento, que exige vácuos muito elevados, normalmente é preciso fazer
uma limpeza das amostras e essa limpeza faz-se com ultrassons. Ora, se eu
tiver partículas, não metálicas, já na forma corroída de óxidos, e as submeter
aos ultrassons, aquilo sai tudo. Portanto, em grande parte daquilo que foi
observado pelo RARDE, após uma limpeza das amostras, em microscopia
eletrónica de varrimento tinha sido retirada parte dos vestígios possíveis. E,
portanto, a minha metodologia seria a de um embebimento prévio daquilo
em resinas, para que fixassem tudo, e só depois é que faria a observação.
Esse erro, por acaso, foi cometido. Porquê? Porque os ingleses não andavam
à procura de pequenos vestígios, era mesmo de «tudo ou nada» — lembro
que na altura havia o IRA e, normalmente, as questões das explosões do IRA
vinham na primeira página, não era coisa soft.
Provavelmente, o método que eles utilizaram não foi o mais cuidadoso
para os vestígios que foram encontrados ou, melhor, que foram estudados
num corpo que já estava enterrado há não sei quantos anos, 10 anos… não
sei há quantos anos, mas há uma série de anos. São situações que, se calhar,
não são correntes nesta atividade forense.
Outra coisa para a qual chamo a atenção dos Srs. Deputados e que
ficou perdida no meio de toda esta história, mas faz parte da minha
experiência pessoal nestas Comissões, é uma história macabra acessória, que
ficou para trás. Esta história foi relatada numa das Comissões, não sei se na
IV, e tem a ver com o Engenheiro Moreira, que tinha um avião semelhante.
Este sujeito fez umas experiências e ia relatá-las, suponho, a um ministro —
já não sei exatamente quem era —, acho que disse isto publicamente, e foi
encontrado morto dois dias depois.
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A verdade é que o relatório oficial dessa morte diz que as mortes
teriam sido por inalação de monóxido de carbono, mais uma vez o tal
monóxido de carbono, o malfadado nestas histórias. Desta vez, parece que o
monóxido de carbono tinha atacado no quarto, embora o esquentador, que
seria a provável fonte dessa substância, estivesse no quarto de banho. É uma
coisa muito estranha, ele e a mulher estarem no quarto e serem intoxicados
por um esquentador que se encontra no quarto de banho — não se sabe se
foi por algum fantasma estar a tomar banho nessa altura.
Depois, ainda mais estranho é o Professor Conchero Carro, que era
(não sei se ainda é vivo) do País Basco, quando ouviu ler o relatório da
autópsia desse casal morto nessas circunstâncias (de alguém que tinha feito
uma experiência com um avião idêntico e essa experiência tinha sido
concludente de que alguma coisa de errado se passava na versão oficial), ter
dado um salto na cadeira (como ele estava ao meu lado na Comissão, eu
notei) e ter dito: «Não, isso que está nessa autópsia não é a descrição de um
acidente de alguém que morreu intoxicado por monóxido de carbono. Eu
tenho dezenas e dezenas de casos…», enfim, as pessoas, no norte de
Espanha, quando estão à lareira, fecham a porta e, depois, morrem por
inalação de monóxido de carbono, «… e o que acontece ao nível do tecido
alveolar não é nada disso».
Portanto, mais um caso curioso nesta história que ficou para trás.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Não, esta Comissão tem tratado
desse caso. Ainda ontem tivemos audições sobre ele.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Acrescento uma
coisa que me ocorreu agora, ao ouvir o José Cavalheiro falar nas
partículas,…
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O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Sim, sim.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … mas, depois,
esqueceu-se de uma coisa, que é significativa e que interfere, digamos, com
a minha área de investigação. Chegaste à conclusão de que era dificílimo
pulverizar alumínio àquele grau,…
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Sim.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … mas, depois,
também detetaste a presença de partículas ferrosas e com forma de esquírola.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Exato!
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Isso tornou-se
altamente suspeito, porquê? Porque arrancar esquírolas de aço só é possível
mediante uma substância explosiva, que tenha uma pressão de detonação
muito alta. O TNT tem.
A pressão de detonação, para fazer uma ideia do que é, obtém-se
multiplicando a densidade do explosivo pelo quadrado da velocidade de
detonação, que é a velocidade de reação. A decomposição de um explosivo
é sempre uma reação química que se dá a velocidades absurdamente altas.
No caso do TNT anda à volta de 4000 m/s.
Portanto, elevando 4000 ao quadrado e multiplicando pela densidade
do explosivo, tem-se ideia da ordem de grandeza da pressão gerada, que anda
à volta de 20 000 a 30 000 atmosferas. Quer dizer, uma pressão desta
natureza a incidir sobre materiais metálicos, neste caso sobre os cabos de
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aço, conseguiria arrancar esquírolas finíssimas, fazê-las atravessar os sapatos
do piloto e embuti-las nos calcanhares do piloto. Só que, se para o alumínio
seria uma função fácil para um explosivo até não tão potente, para arrancar
esquírola de aço já seria preciso um explosivo potente.
Portanto, as próprias informações que o Cavalheiro foi recolhendo e
as convicções que foi adquirindo, depois, começaram a jogar com aquelas
que eu fui adquirindo sempre com relutância, sempre resistindo, sempre
acolhendo as críticas dos outros membros da Comissão. Para quê? Para ter
uma atitude científica perante as coisas e porque eu próprio, à partida, parti
altamente descrente, e, portanto, eu precisava de me convencer, de aceitar os
argumentos que eu próprio ia construindo não deliberadamente, mas porque
a lógica das coisas me dizia isso, a matemática dizia-me isso, a química dizia-
me isso, a termodinâmica dizia-me isso, então, tinha de ser assim.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Dá-me licença que
acrescente algo sobre a questão do alumínio?
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Com certeza.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Posso dizer que eu tinha
feito atomização de liga aeronáutica, que, por acaso, foi um projeto inicial,
semelhante a esta do avião para o fabrico de pulverometalurgia, que é um
processo de conformação, e tinha conseguido obter partículas desta ordem
de grandeza, utilizando duas bombas de água de alta pressão convergindo
num ponto e fazendo, então, cair alumínio líquido nesse ponto. Portanto, só
nessas condições, que são muito violentas, em termos da força de dois jatos
de água que se encontram, é que eu conseguia, de facto, partículas tão
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pequenas como aquelas que apareceram nos vestígios e que estão no relatório
do RARDE e nas radiografias.
Isso só, sem mais nada, perante gente de boa-fé, chamemos-lhe assim,
era o suficiente para dizer «houve aqui uma detonação», sem margem para
dúvidas. Só isso! Tudo o resto, se virem o relatório, é o tal puzzle, o tal molho
de chaves…Têm até o armário da cozinha onde servem as chaves todas!
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Mesmo para terminar, e é sempre
bom fazer uma pergunta muito clara: segundo os Srs. Professores, não há
possibilidade que essa explosão ter ocorrido sem um engenho exterior que a
provocasse? Não há, mecanicamente, no avião… Ou seja, não é possível que,
por uma razão qualquer, por uma deficiência mecânica — não sei, também
não sou especialista em aviões —, a explosão pudesse acontecer?
Forçosamente, teve de haver um engenho explosivo do exterior? O avião, só
por si, nunca poderia ter sofrido uma explosão desse tipo?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Essa parte do
exame não foi, obviamente, conduzida por mim, mas foi e esteve mais a
cargo do Sr. Queirós Neves, que é inspetor de acidentes de aviação e que era
uma pessoa extremamente escrupulosa. Era um homem que fazia tudo de
acordo com os protocolos de investigação, fazia tudo by the book, como se
costuma dizer. Até as diligências que se via, claramente, que eram
supérfluas, ele cumpria. De modo que, desse ponto de vista, foram
examinados todos os restos do avião por ele e por um outro membro da
Comissão, o Eng.º Luís Alves, salvo erro, engenheiro mecânico, para,
precisamente, tirarem conclusões acerca da possibilidade de ter sido
qualquer dispositivo próprio do avião que tenha sofrido um acidente desse
tipo, fosse ele elétrico, mecânico… mas, provavelmente, elétrico, não é?!
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Mas, como digo, essa parte da investigação não esteve a meu cargo, aí, fiz fé
nas conclusões que eles tiraram.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — E ele concluiu que…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Que não, que
não havia. Não havia ali causas mecânicas, uma circunstância qualquer de
origem, puramente, mecânica.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Muito obrigada.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra o Sr. Augusto Cid.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Srs. Professores, tiveram acesso a declarações
do controlador da torre?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Eu li, na altura,
qualquer coisa relativa ao controlador de voo, que estaria na torre, mas,
sinceramente, já não me recordo daquilo que li, do teor das declarações que
ele terá feito.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Elas são curiosas e importantes e também vão
ao encontro, basicamente, das vossas conclusões.
O avião, inicialmente, cai sobre a asa direita, de tal maneira que ele
julga que não vale a pena sequer perguntar ao piloto o que está a acontecer.
Ou seja, o avião mete o nariz, praticamente, no chão. O avião está a 25 m e,
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de repente, pica sobre o chão, quase a direito. Eu perguntei-lhe: «Por que é
que não perguntou ao piloto o que é que se passava?», e ele disse-me que
não havia tempo. É, nessa altura, que ele aciona os bombeiros e os manda
para o final da pista. Ele depreende que o avião caiu no final da pista.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Caiu para lá da
pista, para lá da torre, já dentro do bairro de Camarate. Já foi para lá da torre.
O avião, efetivamente, descaiu.
Se a torre perguntou qualquer coisa ao piloto, duvido que o piloto
Albuquerque, nesse momento, já conseguisse responder fosse o que fosse ou
fazer fosse o que fosse. Já iria com uma carga de carboxiemoglobina no
sangue de tal ordem que, provavelmente, estaria ou já morto ou na iminência
da morte. Teores desses, de 42%, são mortais.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O que eu quero dizer é que isto aconteceu e está
dito, várias vezes, pelo controlador da torre. Mas o que se passou foi que,
realmente, o piloto conseguiu, numa manobra de emergência, recuperar
dessa posição, que parecia definitiva, e nivelar o aparelho. A partir daí, o
piloto foi-se embora também e deixou o avião a voar sozinho, num voo cego.
O avião não perde a altura, o avião nunca entra em perda, o chão é que sobe,
direito ao avião, porque ele sai do ponto zero e a cota onde ele caiu é de 25
m.
Portanto, o avião viaja em voo nivelado e, se não tem tocado nos fios
elétricos, que alteraram a sua rota, tinha passado por cima de Camarate e iria
cair muito mais longe.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Pois, pois.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Portanto, o rasto do avião ficou a dever-se a essa
manobra do piloto, que conseguiu evitar a queda no momento da explosão.
Percebe…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim, mas
suponho que aquilo que está a dizer-nos em nada contradita, digamos, aquilo
que foi já a descrição geral do despenhamento.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não, não! Vem, justamente, ao encontro
daquilo que os senhores também apuraram.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Pois, pois,
pois…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E explica por que é que foi possível partir para
a investigação devido à existência do rasto, porque, se o avião tem caído no
momento da explosão, não havia rasto.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah! Sim, sim!
Se a explosão tivesse ocorrido, por exemplo, por efeito de uma granada, em
poucos minutos ou em poucos segundos depois de o avião se ter posto a
andar, se ter posto em movimento, então, efetivamente, nem teria havido
tempo para haver rasto, o avião teria sido esfrangalhado ali mesmo, a cabine
teria sido destruída. Isto se tivesse sido usada uma granada sob ele. Assim,
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ainda houve tempo para o avião levantar e, quando já estava a ganhar alguma
altitude, então, sim, senhor, deu-se a explosão, que foi vista por inúmeras
testemunhas,…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Claro!
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … a começar
pelo chefe de segurança do Primeiro-Ministro Sá Carneiro, que assistiu
àquilo tudo e descreveu, várias vezes, inclusive perante mim e os outros
membros da Comissão. Ele descreveu toda aquela sequência de
acontecimentos, desde a porta do avião se ter fechado, até ter começado a
deslocar-se, tudo. E, como ele, mais 10 pessoas corroboraram,…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Pois…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — … com mais
pormenor, com menos pormenor, o ter havido uma luz brusca dentro da
cabine, uns referem a existência de fumo, outros a de uma luz também para
baixo… Bom, corroboram o que, há pouco, dizia à Sr.ª Deputada Inês de
Medeiros, ou seja, que, eventualmente, o que provocou a deflagração da
carga no interior do avião foi uma pequena carga detonante que poderia ser
uma simples espoleta. Daí, o clarão que foi visto por esse senhor chefe da
segurança do Primeiro-Ministro e o clarão que depois se desenvolveu dentro
da cabine e que é relatado por inúmeras testemunhas. Efetivamente, aquela
carga que estava ali deflagrou e iluminou a cabine, subitamente.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — O que estou a dizer é que o rasto acabou por
funcionar como a caixa negra do avião.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah! Sim, sim.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Percebe o que quero dizer?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Se o avião tem caído imediatamente após a
primeira explosão, a explosão que cortou os cabos, não tínhamos nada para
pegar, porque a explosão iria confundir-se com a explosão do avião
provocada pela gasolina e, portanto, a explosão seria…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Pois, pois, pois,
consumiria toda a estrutura, a estrutura derreteria e, no fim, nada ficaria ou
ninguém se lembraria de ir procurar explosivos em restos tão calcinados!
Provavelmente, não ficaria nada, nada, como vestígio. E a intenção de quem
implementou o atentado foi essa precisamente, foi fazer despenhar o avião
de uma maneira discreta, fosse por impossibilidade do funcionamento
mecânico do avião, fosse por afetação dos pilotos ou pelas duas coisas em
simultâneo. Conseguiram-no, efetivamente; cortaram órgãos de comando do
avião e a deflagração que se gerou dentro do avião foi suficiente para
intoxicar todas as pessoas presentes, até ao grau de morte.
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Quando o avião se despenhou, a minha convicção absoluta é a de que
aquelas pessoas já estavam mortas. Portanto, quando o avião se despenhou,
o avião ardeu, mas as pessoas não sofreram, porque estavam mortas, pura e
simplesmente. Teores de carboxiemoglobina daquela ordem são mortais.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Ó Sr. Professor, eu não estou a contrariar o que
diz, pelo contrário, o que estou a tentar dizer…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim, sim, acho
que percebi que o valor que atribui ao rasto é o de um indício
importantíssimo!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É que o plano deles, que diz que foi muito bom,
teve uma grande falha, porque foi contrariado pelo piloto, que conseguiu
voar muitos mais metros do que eles imaginavam que ele seria capaz de
fazer.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Acredito. Um
piloto, com a experiência que tinha o piloto Albuquerque, muito terá feito e
tomado providências quase que automaticamente.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Exatamente!
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sentiu o avião a
fugir e reagiu de acordo com o que estava treinado e rotinado. É
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perfeitamente coerente o facto de o avião se ter aguentado. Agora, se ele
estava ingovernável, porque um dos lemes traseiros não obedecia à manche
ou aos pedais, então, ele tinha de se despenhar mesmo, não é?! Se não fosse
por aí, seria por incapacitação do piloto, porque tinha inalado monóxido de
carbono a mais.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Os Srs. Professores usam a expressão blast…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — A expressão
blast é uma designação inglesa que traduz o fenómeno que se observa.
Sempre que rebenta uma carga explosiva há uma deslocação de ar, violenta,
e há um efeito sonoro associado a isso. É evidente que, tudo dependendo da
distância dos objetos ao blast, os efeitos mecânicos dessa deslocação
violentíssima de ar serão gradualmente mais baixos quanto mais longa for a
distância.
Mas pode traduzir blast, aproximadamente, por rebentamento.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Há aqui um mistério. O NTSB (National
Transportation Safety Board) — sabe o que é o NTSB? São os investigadores
americanos —…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim, sim.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — … estranhou que não houvesse a existência da
porta de emergência. Esta porta desapareceu.
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Desculpe, não
consegui…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Desapareceu a porta de emergência, não havia
porta de emergência no avião.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Havia…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não foi encontrada.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Havia! O avião
tinha a porta normal de acesso à cabine…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Tinha, mas não estava presente nos destroços.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah! Bom!
Bom,…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Nem a porta de emergência, nem nenhum
bocadinho da porta de emergência estava presente. Tanto assim é que,
conforme o papel que forneci e que o Sr. Professor deve ter na mão, eles,
praticamente, perguntam onde está a porta de emergência. Ou seja, não
perguntam, mas dizem que a porta de emergência não foi encontrada.
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O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Posso só dizer uma coisa?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Com certeza.
O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Nessa altura, em que andei
envolvido nisso, lá nos primórdios, recebi um telefonema de uma pessoa do
Porto que tinha em casa, como recordação, uns destroços do Cessna.
Portanto, houve gente que, na altura, andou a colecionar recuerdos desse
género.
Houve uma pessoa que me telefonou e disse-me: «Ah! Até tenho na
minha sala, tenho lá pousado, um bocado do avião, porque eu estava em
Lisboa, nessa altura, e trouxe!».
Portanto, não sei se pelo desaparecimento de uma porta se pode tirar
grande conclusão. Pode ser que alguém a tenha, neste momento, em alguma
arrecadação como recordação.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Tal como os vidros da frente do avião foram
projetados ou saíram do encaixe com o blast, a porta de emergência, que sai
facilmente, porque sai para fora através de um trinco, também pode ter sido
projetada no momento da explosão. E, se foi projetada nesse momento da
explosão, caiu na pista.
Há bocado, o Sr. Professor estava a falar de objetos perigosos na pista
e a porta de emergência do avião pode ter caído na pista.
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Então, teria sido
recolhida pelas equipas da GNR e da Judiciária que, depois, percorreram o
rasto, desde o ponto em que ele aparece formado até à barreira, à rede
periférica!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A Polícia Judiciária só fez esse percurso no dia
seguinte, de manhã.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah! No dia
seguinte…! Bom, então,…!
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — E, durante a noite, andou outra polícia a recolher
objetos metálicos, ao longo do trajeto.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — No entanto,
existe um depoimento de um Cabo da GNR, cujo nome é Luís Manuel
Almeida Pereira, que foi quem recolheu essa cabeça de granada. Agora, o
que terá sido feito desse vestígio, onde é que ele foi armazenado, se ainda é
recuperável, se ainda é analisável, era interessantíssimo saber! Eu tencionava
fazer isso, era uma das diligências que tinha programado para a minha ação
dentro da Comissão Multidisciplinar de Peritos, mas já não tive tempo de
acionar essa diligência. Queria procurar, efetivamente, esse vestígio e
submetê-lo a todo o tipo de análise, em particular a análise química, com
vista à procura de substâncias, para ver se teria, pelo menos, TNT ou
vestígios de PETN que é o explosivo utilizado nas espoletas. O TNT é,
propriamente, a carga-base.
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A minha pergunta é no sentido de saber se há
alguma possibilidade de esse blast ter projetado a janela para fora.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Projetado,
arrancado do cockpit, a bolha do cockpit, em frente ao piloto? Eu acredito
que…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Não, a porta-janela de emergência…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah, a porta…
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sim, a porta-janela de emergência, porque era
uma janela…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Agora, deixe-
me recordar a arquitetura do avião. A porta de emergência aonde é que se
situava?
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Sobre a asa direita.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sobre a asa
direita…
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No entanto, o sulfato de bário aparece no lado esquerdo, entre as duas
janelas, o que sugere, talvez, que a parte principal da ação de blast dessa
expansão tenha incidido, sobretudo, no lado do piloto, o que está conforme
com o facto da secção da bolha do cockpit que se despegou, e que nós
analisámos, ter sido, precisamente, a do lado do piloto e não a do copiloto.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — É preciso ter em atenção que estamos a falar de
um avião muito pequeno, em que as distâncias de piloto para copiloto são
quase como daqui para aqui, ou seja são muito curtas.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Exato! Estive
dentro de um avião desses, de um avião muito parecido, no qual até voei para
fazer ensaios, como desligar os motores e tentar ligá-los de novo, para ver se
entravam em perda ou não. Isto também foi feito. Uma das experiências que
a Comissão quis fazer foi a simulação de circunstâncias de voo, como
desligar o motor, tentar ligá-lo, ver se o motor pegava bem, etc.
Portanto, estivemos dentro de um avião muito semelhante ao avião
que se despenhou — as diferenças eram insignificantes —, em termos de
conceção, de dimensões, de tudo.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Há um documento que fiz distribuir, não sei se
o Sr. Professor o tem…
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sobre a saída de
emergência?
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O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — A saída de emergência.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas é só o trinco da porta
de emergência que falta.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Está mal traduzido. Na língua original, os
americanos estranham a não existência da porta; no português, a porta não
existe, o que se diz é que o trinco desapareceu.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, Sr.
Augusto Cid, creio que… Não sei que conclusões possa tirar daquilo que me
relata, da ausência da tal porta de emergência. É especulativo! É especulativo
demais! Até porque, logo no início do trabalho da Comissão Multidisciplinar
de Peritos, uma das primeiras diligências que tomámos foi a de limpar todo
o hangar onde estavam as peças, e colocar os restos do avião em cima de
oleados, pois as peças até lama tinham, porque, como o telhado estava cheio
de buracos, chovia ali. Colocámos as peças remanescentes na posição
aproximada àquela que teriam num avião intacto. E o que pudemos verificar
é que faltavam grandes partes da fuselagem do avião, inúmeras peças, que
tinham sido consumidas ou que teriam desaparecido por outras causas. O
certo é que não estavam lá!
Diz-me que a porta de emergência não estava lá. Bom, tenho de aceitar
esse facto! Agora, porquê? Não sei dizer.
Do mesmo modo, haverá peças que se pode estranhar que tenham
desaparecido… Também nos causou estranheza, devo dizer, mas ainda bem
que isso aconteceu, o facto de ter havido um caixote que, durante 21 anos,
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praticamente, permaneceu fechado e que continha peças recolhidas no local
do despenhamento do avião. Mas foi precisamente nesse caixote que o Eng.º
Acácio Lima, eu próprio e o Inspetor Queirós Neves encontrámos os cabos
de comando do avião, que estavam cheios de pó e de lama. Durante 21 anos,
todas aquelas peças estiveram ali metidas, sem inspeção.
Creio que o modo como as peças do avião foram tratadas, logo após o
despegamento e a recolha, aponta para algum descuido e, em termos de
investigações posteriores, também para algum descuido mas de outro género.
Houve pessoas que se pronunciaram e observaram aquilo e não se deram ao
trabalho de ir ver o que estava numa caixa, que permaneceu intacta quase 20
anos.
Acho que é especulativo tentar saber o que aconteceu.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Nessa caixa foi onde foi encontrado o
Fragmento 7.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, o
Fragmento 7 acho que foi encontrado antes da abertura dessa caixa.
O Sr. Augusto Cid (Representante dos Familiares de Jorge Manuel
Moutinho Albuquerque): — Estava no fundo de uma caixa.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Isto porque
havia várias, não era uma só. E uma delas ainda não tinha sido mexida.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra o Sr. Deputado
Pedro do Ó Ramos.
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O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr. Prof. Henrique de Miranda,
aproveitando o facto de estar aqui e de ser especialista em explosivos e em
monóxido de carbono, a pergunta que vou colocar tem a ver com o caso, que
foi falado agora, do Eng.º José Moreira.
Pergunto, muito claramente: o que é preciso para que uma pessoa
tenha 85% de monóxido de carbono no sangue? Os 85% é uma percentagem
muito superior, é o dobro dos 42%. Que exposição é necessária para atingir
esta percentagem?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — É a morte
imediata.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Certo! E resulta de uma
exposição muito demorada, forçada…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não! É imediata.
Suponha que tinha a infelicidade de ser mergulhado numa atmosfera onde
houvesse 85% de monóxido de carbono. Ao fazer uma inspiração morreria
por paralisação do sistema nervoso central.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Eu concretizo a pergunta.
Um esquentador, a libertar monóxido de carbono, durante quanto
tempo tem de estar a trabalhar para que a pessoa atinga 85% de monóxido
de carbono no sangue?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não chega a
atingir esse nível. Esse é um nível teórico, porque, quando chegar perto dos
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40%, entra em inconsciência e, como continua a respirar, a morte sobrevém
com uma percentagem ligeiramente maior.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ligeiramente maior.
Faço-lhe uma outra pergunta. Um esquentador, cujo monóxido de
carbono, que é medido, tem 110 partes por milhão — acho que é a unidade
de medida do monóxido de carbono — …
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sim, sim.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — … o que, segundo todos os
gráficos, nem sequer dá dores de cabeça. Como é que é possível que alguém,
estando exposto a esse esquentador, que tem essa tiragem de monóxido de
carbono, possa morrer?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Pode. Se o
tempo de exposição for suficiente, efetivamente, a carboxiemoglobina vai-
se formando. O que há de traiçoeiro na carboxiemoglobina é que quem for
exposto a ela não é asfixiado, morre envenenado, porque o monóxido de
carbono combina-se com a carboxiemoglobina e forma um composto que é
altamente irreversível. Se a quantidade de monóxido de carbono que inalou
não for muita e se for socorrido e metido numa câmara hiperbárica, com uma
atmosfera rica em oxigénio, consegue reverter essa reação. Se não for assim,
como a carboxiemoglobina é um composto praticamente irreversível,
envenena, paralisa o sistema nervoso central e a pessoa deixa de respirar.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Qual é percentagem necessária
para uma pessoa normal morrer?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Tudo depende
do tempo de exposição e das condições termodinâmicas vigentes. Se isso
acontecer nas condições de pressão e temperatura normais, temos os gráficos
que estão elaborados, como pode ver, nesse estudo que fiz. Se as condições
termodinâmicas forem diferentes — se houver uma pressão maior, embora
com a temperatura baixa, ou uma temperatura mais alta, mesmo mantendo-
se a pressão, ou as duas coisas altas ao mesmo tempo —, então, todo o ritmo
de absorção de monóxido pela hemoglobina se modifica, e, concretamente,
a velocidade de reação de incorporação de monóxido de carbono pelo sangue
aumenta extraordinariamente. É por isso que centrei o estudo no que
aconteceria, em breves segundos, se, dentro do avião, em vez de haver
pressão e temperatura normais, surgisse uma pressão anómala acompanhada
de uma elevação de temperatura também anómala. Então, naquele tempo de
voo, de 20 segundos, estariam geradas as condições de inalação suficientes
para que as pessoas morressem antes de o avião ter tocado o solo, no
despenhamento.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Muito obrigado, Srs. Deputados,
Sr. Representante dos Familiares das Vítimas…
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, tenho uma dúvida,
relativamente ao que disse o Sr. Augusto Cid.
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O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Do que estivemos a falar, terão
havido, forçosamente, duas explosões, se percebi bem. Fala-se, muitas vezes,
em duas explosões: uma primeira, onde o piloto ainda poderia ter tentado
reagir e, depois, uma segunda, onde já não haveria nenhuma hipótese…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Não, não!
Ora bem, vamos lá a ver. Se nós tivéssemos capacidade de destrinça
auditiva, então, poder-se-ia ouvir a detonação da espoleta, supondo que a
ignição foi assim, e, a seguir, a da carga. Mas, repare, isto… Com que
dispositivos auditivos se poderia fazer essa destrinça de tempos, sabendo que
o TNT se decompõe a uma velocidade de 3000 m/s e que aquela mistura que,
provavelmente, estaria encostada praticamente à espoleta tem velocidade de
detonação que se aproxima desse valor?!
Não houve duas explosões! Houve uma explosão única desencadeada
por uma espoleta. Não houve «pum!, pum!». Não, foi «pum!».
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Portanto, logo na primeira explosão,
o piloto poderia, ou não, reagir? Há pouco estávamos a falar nisso. Teria
possibilidade de reagir, de endireitar o avião, ou…?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Acredito que
tenha tentado fazer isso. O piloto Albuquerque não era um novato, já tinha
bastantes horas de voo. Ele teria quase que automatismos de reação perante
situações de emergência. Se sentiu qualquer coisa no avião, ele terá tentado
segurá-lo.
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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Está bem. É, portanto, uma espécie
de reação incontrolada.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Exato! E repare
numa outra coisa: a sequência da retirada dos corpos de dentro do avião
revelou uma surpresa. O corpo do copiloto Afonso teria sido dos últimos a
ser removido quando… Suponha que o avião caiu de focinho no chão, então,
os últimos corpos a serem removidos serão os do piloto e do copiloto. O dele
terá sido removido depois dos corpos dos passageiros. O que quer dizer isto?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Foi ao contrário! O avião
caiu de cauda.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah, caiu de
cauda?
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Portanto, ele estava
debaixo dos outros corpos…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Estava debaixo
dos outros corpos… No meu entender, o que é que isso significa? Significa
que, quando se gerou aquela fumarada toda dentro da cabine, o copiloto ter-
se-á deslocado para a cauda do avião com a ideia de abrir a porta e criar uma
corrente de ar que dissipasse aquela fumarada toda. Não conseguiu porque o
monóxido de carbono apanhou-o e faleceu. Naquele momento, o avião caiu,
de cauda, e, portanto, ele foi dos primeiros a formar a pilha de corpos.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sim.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Eva Henningsen.
A Sr.ª Eva Henningsen (Representante dos Familiares de Snu
Abecasis): — Acerca da bomba ou da granada, disse que era muito bem feita,
que foi encontrada a cabeça da granada… Pode explicar como é que estava
feita e por que é que estava tão bem feita? Quem acha que a terá feito, um
português ou um estrangeiro?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Suponho que
uma pessoa com um mínimo de experiência militar improvisaria um engenho
desses, um modo de disparo desses com muita facilidade.
Ora, pelo que se sabe, o Sr. José Esteves tinha mais do que
antecedentes desse género, em Angola e, depois, aqui, com atividades
bombistas. O Sr. Sinan Lee Rodrigues também é um cavalheiro de indústria,
e, portanto, com atividades muito esquisitas, não só em Portugal, como
noutros países.
Qualquer pessoas dessas, minimamente familiarizada com engenhos
militares e com ações desse tipo, era capaz de congeminar e de implementar
uma coisa dessas.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra o Sr. Deputado
Pedro do Ó Ramos.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Pergunto: uma explosão com
efeito chaminé nunca provocaria um rasto?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — «Uma explosão
com efeito chaminé», o que é que quer dizer com isto?
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Foi ontem dito por um inspetor
da Polícia Judiciária que terá havido uma explosão com efeito chaminé, onde
todos os fragmentos saltaram, e foi dito que isso poderia provocar esse rasto.
Ou seja, o rasto só aconteceu por causa do orifício.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Sr. Deputado,
eu não ouvi esse depoimento, de modo que intriga-me o que ele chamou de
«efeito chaminé» e com a descrição que me acaba de fazer também não
consigo vislumbrar o que seja um efeito chaminé.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — O que eu entendi foi que, quando
se dá uma explosão, os fragmentos espalham-se e, provavelmente, espalham-
se na vertical.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Provavelmente,
o tal blast que se terá gerado sob os pés do piloto terá provocado um efeito
desse tipo, e isso explica perfeitamente a pressão incidente na bolha de
plexiglass da cabina e explica que tenha havido reflexos e aspersão de
partículas de explosivo para cima e para trás e aparece o Fragmento 7
contaminado.
O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Há pouco falou na questão do
efeito spray por causa do orifício e eu percebi que isso também tinha
provocado o tal rasto, certo?
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O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Repare: dá-se
uma explosão que inicia um incêndio; instalado o incêndio dentro do avião,
e isto está revelado pelos restos chamuscados no rasto, o efeito explosivo
tinha passado e, agora, o que permanecia dentro do avião era uma combustão
intensa. Portanto, um crescimento contínuo da temperatura e da pressão,
fazendo com que esses fragmentos chamuscados começassem a sair, através
daquele orifício, com um efeito spray, dada a diferença de pressão que terá
reinado dentro da cabina.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem, agora, a palavra o Sr.
Deputado José Ribeiro e Castro.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr. Presidente, é apenas
para esclarecer esta questão do efeito chaminé.
Eu não assisti ao depoimento de ontem, mas conheço bem a polémica
do efeito chaminé.
Portanto, não se trata de uma explosão com efeito chaminé mas, sim,
de um conflito entre a tese que a Judiciária, às tantas, procurou manter, de
que o depósito dos fragmentos decorreria do incêndio final do avião,
provocando o tal efeito chaminé. Ou seja, o avião estaria na combustão final
entre as duas casas, na rua, e levantou detritos, resíduos queimados, que
teriam sido depositados em efeito chaminé,…
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah…! Já estou
a ver o que é que quer dizer.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — … com um rasto que supõe
uma deposição ordenada ao longo de uma linha, como foi descrito por quem
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recolheu e, depois, documentado graficamente numa planta da DGAC
(Direcção-Geral de Aeronáutica Civil), isto em contraste com os relatos
verbais, e confirmado pelo Professor Brederode e Mário Nina na sua
interpretação.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Exatamente.
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Portanto, este dito «efeito
chaminé» é desmentido pela forma como o rasto foi encontrado, também
pela quase ausência de vento que havia nessa noite, que seria de 4 ou 5 nós,
salvo erro, ou seja de 8 km/h, e pelos registos que existem do levantamento.
Portanto, é esse efeito chaminé que «bailou» de facto no espírito da
Judiciária, da DGAC.
O que está na origem do rasto é, de facto, o que o Sr. Professor hoje
aqui designou por efeito spray.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Exato!
O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Mas, nesse caso, o avião
tinha de ter um incêndio a bordo, tinha de ter um buraco por onde ia
expelindo os fragmentos que estavam queimados e que foram sendo
depositados ao longo do seu percurso de queda, desde o ponto em que se
produziu a deflagração até perto do local do embate final.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Tem a palavra o Sr. Prof. Dr.
Eng.º José Cavalheiro.
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O Sr. Prof. Dr. Eng.º José Cavalheiro: — Já agora, já não como
técnico, mas como quem acompanhou o processo nas anteriores Comissões
de Inquérito, gostava de dizer que, a certa altura do processo, julgo que no
Tribunal de Instrução Criminal de Loures, falou-se na existência de um
hipotético relatório dos serviços secretos franceses que poderia estar
relacionado com a questão da venda de amas e que estaria na posse do
Ministro Amaro da Costa.
Lembro-me de, na altura, e já lá vão muitos anos, ter perguntado ao
Deputado Pedro Roseta, que pertencia a uma dessas comissões, por que é
que não se fazia uma diligência muito simples, que era a seguinte: se existia
um relatório dos serviços secretos franceses e se havia um vestígio, que era
um fragmento queimado escrito em francês, recolhido de entre os fragmentos
recolhidos, por que é que a Assembleia da República não pedia aos serviços
secretos franceses uma segunda via do dito relatório, se é que ele existia?
Não sei se, até hoje, alguém fez esta diligência, mas deixo aqui a
pergunta.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Os Srs. Deputados decidirão se,
eventualmente, aceitarão, ou não, essa sugestão, e, depois, teremos de tirar
conclusões.
Tem a Palavra o Sr. Eng.º Nuno Cerqueira.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — A resposta à minha pergunta é de «sim» ou «não».
É possível o rebentamento de uma granada, não de uma granada
ofensiva, que faria menos estragos do que os provocados por uma granada
defensiva, como é óbvio, como todos sabemos infelizmente, mas de uma
granada exclusivamente de fósforo, ser compatível com todas as análises e
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conclusões que fizeram? Ou seja, se o objetivo fosse o de provocar um
incêndio com as respetivas consequências, que incapacitasse, etc., esta
deixaria muito menos vestígios do que outro tipo de engenho. Esta hipótese
é compatível, ou não, em face de todas as análises que foram feitas?
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Era compatível
com um grande incêndio.
O fósforo tem uma temperatura de combustão elevada e a
particularidade que há pouco referi: só quando a matéria-prima se extingue
é que a combustão se extingue. E nós comprovamos isso com ensaios no
Regimento de Infantaria N.º 1, de Cernache, onde fizemos ensaios com
explosivos diversos, inclusive com o fósforo. Verificámos que o fósforo não
conseguia partir os cabos. Porquê? Porque é uma combustão extremamente
rápida, mas não é um processo detonatório, não é uma decomposição da qual
resultem pressões instantâneas da ordem dos 20 000 ou 30 000 atmosferas
como é típico destes explosivos, TNT, PETN, etc.
O Sr. Eng.º Nuno Cerqueira (Representante dos Familiares de Sá
Carneiro): — Mas uma granada de fósforo associada a um explosivo
dirigido, no sentido de cortar os cabos, é possível.
O Sr. Prof. Eng.º Henrique Botelho de Miranda: — Ah, sim!
Subsiste a grande incógnita, a de saber qual era a verdadeira composição do
«bolo» de que fala o José Esteves, e faltou essa diligência. Era fazer uma
entrevista com o homem, apertar com ele e perguntar-lhe: «O que é que você
lá pôs? O que é que foi buscar à drogaria? O que é que foi buscar à mercearia?
O que é que juntou? Onde é que foi buscar a nitrocelulose e a
nitroglicerina?». Bom, isso até é fácil, não era é na mercearia, mas ele ou
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alguém refere a presença dele e do Lee Rodrigues na fábrica de Explosivos
da Trafaria. E numa fábrica de explosivos é fácil obter meia dúzia de gramas
desses componentes. Não é? Não é a falta dessa quantidade de explosivos
que vai abalar o stock ou, sequer, acionar um alarme. Qualquer vela de
gelamonite pesa pelo menos 100 gramas, e não era preciso 100 gramas de
explosivos para fazer um efeito daqueles.
O Sr. Presidente (Pedro Lynce): — Srs. Deputados, não se registando
mais nenhum pedido de palavra, resta-me agradecer aos Srs. Professores a
sua presença e a colaboração que deram aos nossos trabalhos neste debate,
que foi bastante esclarecedor e do qual, certamente, tiraremos as conclusões
que são devidas.
Srs. Deputados, a nossa próxima audição terá lugar às 18 horas.
Estão suspensos os trabalhos.
Eram 17 horas e 19 minutos.
(…)
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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Exmo. Sr. Presidente da X Comissão Parlamentar de Inquérito à Tra-
gédia de Camarate
Na qualidade de Representantes dos Familiares das Vítimas, entendemos
dever manifestar-lhe a nossa preocupação pela dedicação quase exclusiva
da Comissão, de há semanas a esta parte, à audição dos depoimentos de um
pequeno grupo de pessoas que ao longo de décadas se tem aplicado a tentar
confundir, desinformar, manipular e influenciar os trabalhos das Comissões
Parlamentares de Inquérito, com objectivos para nós claros de protagonis-
mo e exibicionismo mediáticos e, sobretudo, de evidente e intencional ten-
tativa de obstrução a toda e qualquer investigação que os ignore.
Ao cabo de muitos anos, de muitas audições e de muitas declarações avul-
sas ou escritas, o que hoje se evidencia dos testemunhos desse pequeno
grupo de pessoas é um caótico amontoado de fantasias inverosímeis, des-
conexas e contraditórias, de afirmações e de factos nunca provados nem
comprovados, de conclusões e suspeitas nunca sustentadas ou sequer man-
tidas durante muito tempo, tudo permanentemente alterado e refeito ao lon-
go dos anos e ao sabor dos efectivos progressos obtidos pelas várias Co-
missões Parlamentares de Inquérito.
Como estamos absolutamente convictos dos objectivos referidos, que te-
memos possam atingir e colocar em causa a própria credibilidade dos traba-
lhos e das conclusões desta Comissão, entendemos ser nosso dever não os
caucionar mais com a nossa presença nas futuras audições dessas pessoas,
salvaguardando alguma situação de excepção em que algum dos signatários
entenda estar presente. Desse entendimento demos prévio conhecimento
aos Familiares das Vítimas, que honradamente representamos, os quais
apoiaram esta nossa decisão.
Continuamos disponíveis e empenhados para prosseguir a investigação do
que nos parecia constituir o objectivo central da Comissão:
- o Fundo de Defesa Militar do Ultramar e o Gabinete do Estado-Maior
General das Forças Armadas;
- o comércio e o tráfico de armamento;
- as relações entre os militares e o poder político;
- os erros e as deliberadas obstruções, omissões e manipulações da investi-
gação policial e judicial;
- e tudo o que de novo e credível for considerado e apurado no sentido de
aprofundar “a averiguação cabal das causas e circunstâncias” em que, no dia 4 de Dezembro de 1980, ocorreu um atentado em Camarate.
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Sobre esses temas, apresentámos, aliás, requerimentos e sugestões cujo
agendamento e sequência ignoramos.
Aproveitamos para repudiar veementemente as declarações do sr. Farinha
Simões ao jornal Público de dia 20, garantindo-lhe, sr. Presidente, que ne-
nhum de nós falou com ele e, muito menos, o aconselhou a solicitar de no-
vo uma ida à Comissão.
Remetemos cópia desta declaração aos grupos parlamentares.
Enviamos a V. Exa. os nossos melhores cumprimentos.
Lisboa, 24 de Junho de 2013
Alexandre Bettencourt (representante da família Amaro da Costa)
Augusto José Sobral Cid (representante da família do piloto Jorge Albuquerque)
José Luís Bonifácio Ramos (representante da família de M. M. Amaro da Costa)
Eva Henningsen (representante da família de Snu Abecassis)
Luís Filipe Rocha (representante da família do piloto Jorge Albuquerque)
Luís Garção (representante da família Sá Carneiro)
Maria do Rosário Carneiro (representante da família Amaro da Costa)
Norberto A. Gomes de Andrade (representante da família de M. M. Amaro da Costa)
Nuno Cerqueira (representante da família Sá Carneiro)
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Homenagem devida ao piloto Albuquerque.
À luz dos muitos factos apurados ao longo das dez Comissões de Inquérito à tra-gédia de Camarate, torna-se imprescindível repor agora a verdade no que toca à actuação e profissionalismo do Cte do Cessna 421, Jorge Albuquerque, cuja me-mória foi ao longo dos últimos 35 anos, inúmeras vezes injusta e maldosamente ofendida, na sua honra e profissionalismo, através de acusações infundadas e ten-denciosas, visando unicamente desacreditá-lo como piloto e pondo em causa a sua real competência.
Com base na minha experiência como Piloto de Linha Aérea e de instrutor de Voo de Acrobacia, tentarei, de uma forma sucinta, dar-vos conta de uma manobra de invulgar perícia, levada a efeito com grande auto-domínio, apesar de ter ocorrido em circunstâncias particularmente críticas.
Assim, do que me foi dado ler nas sucessivas declarações de um atento Controla-dor da Torre a (folhas-1618 a1623-), podemos concluir com segurança, que a ac-tuação do Cte Albuquerque possibilitou, na verdade, que o avião não se tivesse despenhado de imediato na pista.
O facto de ter conseguido manter o avião a voar por mais alguns segundos, permi-tiu não apenas tornar o incêndio a bordo visível a inúmeras testemunhas oculares, como também deixar um rasto no terreno, à vertical da sua trajectória de voo, rasto esse, que viria a funcionar como uma verdadeira " Caixa Negra", contribuindo, de-cisivamente, para restabelecer as verdadeiras causas que estiveram na origem da tragédia.
Com efeito, a deflagração dum engenho explosivo colocado a bordo, terá danifica-do alguns cabos dos comandos (ailerons), tendo a ruptura desses cabos provoca-do, por momentos, uma perigosa atitude descendente e com um pranchamento pronunciado (inclinação das asas), para o lado direito - situação que obrigou o con-trolador, que acompanhava visualmente a descolagem, a acionar de imediato o sis-tema de alarme dos Bombeiros do Aeroporto e direccioná-los para o final da pista 36.(folhas 1634), pois só poderia ser essa a trajectória expectável após a atitude observada nesse primeiro momento.
A não ter havido mais nenhum input por parte do Cte. Albuquerque, teria ocorrido o inevitável despenhamento imediato da aeronave na pista.
Não surpreende, portanto, que tenha sido sobre o Comandante do Cessna, que se abateram as mais absurdas acusações, que foram desde o estar alcoolizado, à
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ameaça de ser julgado por homicídio por negligência, não tivesse ele sucumbido na tragédia, o que não deixa de ser de um insuportável cinismo.
Essa manobra exímia de recuperação da situação crítica inicial, executada com os comandos ainda efectivos (rudder e elevator) e nos seus derradeiros segundos de consciência, em que o Jorge Albuquerque, já muito ferido com estilhaços nos membros inferiores e enfrentando um incêndio no cockpit com temperaturas da ordem dos 500 graus, terá sido a última efectuada por ele, dado que terá ficado logo de imediato incapacitado, mas dado que o avião estaria compensado para a atitude de descolagem, o avião manteve-se ainda num voo cego e fatal, apontado a CAMARATE.
Tive acesso a vários testemunhos das capacidades impares do Cte.Albuquerque como piloto, além de algumas situações de emergência em voo vividas ao longo da sua carreira profissional, dos quais se depreende, sem sombra de duvida, que ele era de facto aquele tipo de piloto em que o avião não passa de uma extensão de si próprio, com uma excepcional capacidade de adaptação e reacção a situa-ções inesperadas, mantendo sempre uma enorme calma e presença de espírito.
Foram essas características, demonstradas tantas vezes no passado noutras situ-ações menos infelizes, que contribuiram, de forma decisiva, para se contrariar um "exército" de vontades de que Camarate não passasse de um mero acidente !
Luis Garção.Piloto de Linha Aérea.Representante dos familiares de Francisco Sá Carneiro .Luis Filipe Rocha e Augusto Cid, ambos representantes dos familiares do piloto.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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