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Sexta-feira, 9 de Novembro de 2002 II Série-C - GOP-OE - Número 8

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

COMISSÃO DE ECONOMIA E FINANÇAS

Reunião de 8 de Novembro de 2002

S U M Á R I O


Pelas 10 horas e 25 minutos, o Sr. Presidente (João Cravinho) reabriu o debate, na especialidade, das propostas de lei n.os 27/IX - Grandes Opções do Plano para 2003 e 28/IX - Orçamento do Estado para 2003.
Usaram da palavra, sobre o orçamento do Ministério das Finanças, além da Sr.ª Ministra (Manuela Ferreira Leite) e dos Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Valdez) e do Orçamento (Norberto Rosa), os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira (PS), Lino de Carvalho (PCP), Francisco Louçã (BE), José Sócrates e Leonor Coutinho (PS), Hugo Velosa (PSD), Fernando Serrasqueiro (PS), Honório Novo (PCP) e Victor Baptista (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 14 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente (João Cravinho): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à reunião da Comissão de Economia e Finanças com a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.
Como é usual, primeiro, os representantes dos grupos parlamentares terão oportunidade de intervir durante 10 minutos, ao que se seguem as inscrições de outros Srs. Deputados.
Estão, desde já, inscritos os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Lino de Carvalho e Francisco Louçã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Não vou falar da questão da solicitação de prisão de uma ministra feita pelo Sr. Eurodeputado Manuel dos Santos, porque já entendi que se tratava de uma brincadeira. Vamos, então, entrar nas questões sérias.
A primeira questão tem a ver com o seguinte: tem-se falado bastante do significado das cativações e das descativações - nós próprios já apresentámos algumas propostas nesse sentido. A reunião com o Sr. Ministro de Estado e da Defesa contribuiu para introduzir alguma confusão nesse processo. Sendo que as declarações quer da Sr.ª Ministra quer do Sr. Primeiro-Ministro são, a meu ver, entendíveis, a minha primeira questão é esta: em que condições precisas e com que objectivos a Sr.ª Ministra pensa que poderá eventualmente proceder a descativações?
A segunda questão tem a ver com o seguinte: tomámos conhecimento dos congelamentos de algumas despesas em 2002. A minha pergunta é esta: que impacto poderão ter esses congelamentos no arrastamento de alguma despesa para 2003?
A terceira questão (e tenho de fazê-las sinteticamente, dada a praxe aqui instituída, diferente da do tempo em que V. Ex.ª presidia a esta Comissão, mas, enfim, será para utilizarmos melhor os 10 minutos de que dispomos) é a seguinte: como se posiciona o Governo a que V. Ex.ª pertence face ao debate actual na União Europeia sobre a questão do défice e o próprio conceito de défice? Ou seja, em vários governos europeus, começa a haver governantes que se pronunciam sobre a possibilidade de se voltar à discussão da questão de o investimento apoiado por fundos comunitários não contar para o cálculo normal do défice. Queria saber se, independentemente da preocupação que tem expressado e com a qual somos solidários (com a preocupação, mas não necessariamente, como sabemos, com os caminhos), a Sr.ª Ministra pondera esta possibilidade de, eventualmente, rediscutir-se com alguma profundidade a questão do cálculo do défice, tendo em conta ou não o investimento.
Enfim, não vou obviamente pedir-lhe para se pronunciar sobre as expressões utilizadas pelo Dr. Romano Prodi para classificar o pacto, pois penso que o Pacto de Estabilidade e Crescimento tem aspectos muito positivos. Julgo que o problema é enquadrarmos a questão do conceito do défice e a questão de até que ponto ponderar o cálculo do investimento nesse domínio será ou não correcto, em torno do debate que, hoje, se processa nessa matéria na União Europeia.
A quarta questão é a seguinte: será que, no caso de mesmo eventualmente se cumprirem os 3%, ou ficando um pouco acima ou um pouco abaixo, as alterações que se estão a verificar em termos de investimento, de despesa, e em termos da própria conjuntura económica não aconselharão, no seu ponto de vista, a fazer uma revisão, ainda que moderada, no cenário macroeconómico que nos foi apresentado? Ou considera a Sr.ª Ministra que, como o cenário macroeconómico tem, apesar de tudo, algum intervalo de variação, ainda estaremos em condições de trabalhar nos pontos menos optimistas desse cenário macroeconómico?
A quinta questão tem a ver com o seguinte: tem-se discutido muito a questão da aplicação dos critérios do défice. Na Comissão Permanente aqui realizada, em finais de Julho, isso foi relativamente discutido. Nós até recomendámos - e a Sr.ª Ministra manifestou abertura e até, de certa forma, um compromisso - homogeneizar o critério de cálculo dos défices com outros países europeus. Não sei se, entretanto, terão sido feitas diligências nesse sentido ou até que ponto terão sido feitas. Alguma imprensa de outros países, quer jornais económicos quer suplementos económicos de jornais de referência, tem feito algum trabalho sobre isso. Ainda recentemente, o conhecido El País publicava uma análise com critérios similares aos que foram aplicados em Portugal, a partir do relatório tripartido (quer dizer das três organizações, tri-institucional), que conduziria a um défice, em Espanha, muito mais elevado do que aquele que é apresentado oficialmente pelo governo Aznar.
Portanto, a questão é esta: por um lado, se, a nível europeu, começa ou não a haver uma maior homogeneidade, em termos dos critérios do défice, e, por outro, se nas contas de 2002 e de 2003 (partindo do princípio de que estarão no Governo e, nomeadamente, que a Sr.ª Ministra será Ministra das Finanças) se manterá constante o critério - será, digamos, o chamado, talvez abusivamente, "critério Constâncio" ou será um critério de circunstância, um critério "Circunstâncio"? Quer dizer, era importante sabermos se o parâmetro medido é o mesmo.
A sexta questão tem a ver com o seguinte: apresentámos uma proposta no sentido de aquele "cavaleiro orçamental" das aposentações na Administração Pública desaparecer do mapa e recolher ao "estábulo". Por isso, gostaria que a Sr.ª Ministra, por um lado, se pronunciasse sobre o eventual impacto financeiro dessa nossa proposta e, por outro, dissesse se isso se liga com algum projecto de reforma da Administração Pública, que ainda não é visível para nós. Até porque, dada a importância que damos a esse tipo de matérias, demos o nosso acordo a que algumas das questões ligadas à Administração Pública fossem discutidas em Plenário.
A sétima questão é esta: pela análise que fazemos do orçamento das Forças Armadas, eu, muito sinteticamente, numa pequena conferência de imprensa (pequena, mas estavam lá bastantes jornalistas e até alguns cameramen ou camerawomen), e o meu colega, amigo e camarada Marques Júnior, neste Hemiciclo, na reunião conjunta da Comissão de Economia e Finanças e da Comissão de Defesa Nacional, chamámos a atenção (chamou ele, nomeadamente) para a dificuldade que existe, praticamente impossibilidade, em cumprir, com base no orçamento do Ministério da Defesa, as promessas eleitorais - não as promessas eleitorais do partido ganhador das eleições, que, contrariamente ao que alguns pensam, não foi o CDS-PP,

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mas o PSD - do Dr. Paulo Portas, quando candidato. Nomeadamente, como sabemos - a Sr.ª Ministra sabê-lo-á melhor do que eu -, havendo um corte no plafond proposto pelo Ministério da Defesa, há várias coisas que, na nossa análise, não podem ser cumpridas, desde o regime do voluntariado a várias promessas eleitorais que não constavam sequer no programa do PSD mas tinham sido feitas por Paulo Portas.
Assim sendo, gostaria de saber se a Sr.ª Ministra está convencida de que se podem cumprir essas promessas eleitorais ou se, de facto, em relação a alguns desses pagamentos, a parte da dotação provisional que não está sujeita a cativação pode vir a ser deslocada, para cumprir os pagamentos das Forças Armadas que corresponderão não ao Programa do Governo mas às promessas eleitorais do Dr. Paulo Portas.
A oitava questão tem a ver com a eventual perda de fundos comunitários. A Sr.ª Ministra já foi muito clara, há algumas semanas, na reunião da Comissão de Economia e Finanças, quando equacionou a questão da eventual perda de fundos comunitários versus a eventual perda de todos os fundos, no caso de incumprirmos a questão do défice.
Ora, estando essa questão já clara para nós, o problema que quero suscitar diz respeito às autarquias. Tendo nós feito uma proposta quanto a abrirmos excepções ao endividamento autárquico, que a Sr.ª Ministra e o Governo tinham proposto na alteração orçamental, ou seja, no Orçamento rectificativo, gostaria de saber se, caso a maioria parlamentar não aceite a nossa proposta, também vai haver alguma perda de fundos comunitários em relação às autarquias e como é que analisa esse problema.
A nona e última questão tem a ver com algumas receitas não fiscais do Estado. Em relação à venda da rede fixa, que todos os dias agita os debates públicos e comunicacionais, a Sr.ª Ministra podia informar-nos se, nas receitas não fiscais de 2003, virá a entrar a venda da rede fixa, ou considera que ainda há a possibilidade de ela ser vendida em 2002?
Relativamente ao património edificado, a hasta pública que foi feita, pelas notícias vindas a lume, não terá atingido 10% do que estava em licitação. Por isso, gostaria de saber, Sr.ª Ministra, se, em sua opinião, o processo prolongado poderá trazer outro tipo de resultados, também eventualmente em 2003.
Quanto à tão falada questão da Brisa, a Sr.ª Ministra entende que a venda da participação do IPE na Brisa, processando-se com grande velocidade, poderá ainda ter lugar em 2002 (como sabe, essa distinção tem a ver com o processo de "arrumação" do IPE), ou julga que essa é também uma receita com a qual só contaremos em 2003? Isto, no sentido de analisarmos algumas destas receitas consoante a data em que apareçam, pois, como sabe melhor do que eu, elas terão uma localização diferente nestes dois orçamentos.
Eram estas as nove questões que queria fazer-lhe, agradecendo-lhe, desde já, a sua atenção para elas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças (Manuela Ferreira Leite): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, o Sr. Deputado não perde o seu estilo e acho bem que o mantenha, porque a Assembleia até ficaria mais pobre sem a sua forma de fazer perguntas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Já ganhei o meu dia! Mesmo que responda torto, a partir de agora, já ganhei o meu dia!

Risos.

A Oradora: - Era exactamente para isso que me estava a preparar, Sr. Deputado.

Risos.

Vou tentar responder-lhe pela ordem por que me fez as perguntas.
Quanto à primeira questão, sobre o significado das cativações e das descativações, Sr. Deputado, não tenho qualquer critério próprio nem pessoal de cativações ou descativações. O Sr. Deputado conhece a técnica orçamental bastante bem e sabe o que significa uma cativação. Não é uma anulação; a cativação tem simplesmente um sentido orientador daquilo que se pretende que seja o nível da despesa.
O orçamento da despesa, como também já tenho dito e os senhores sabem, é uma autorização de máximos a gastar, não é uma obrigação de mínimos a gastar. Nessa circunstância, o Governo define como objectivos determinados limites, que estão impostos pelas cativações. A descativação só será feita no sentido de tornar flexível a gestão do orçamento, que, como os senhores sabem, é extremamente rígida e obriga, muitas vezes, a ter de se anular de um lado para alterar do outro. Portanto, há uma compensação entre a cativação e a descativação.
Assim, quando se pensa na possibilidade de descativações quando há cativações, não se está a pensar com certeza em eliminar as descativações no sentido de aumentar o nível da despesa autorizada, mas no de ela poder compensar qualquer outra cativação, ou seja, descativa-se de um lado para se cativar de outro. É esse o significado, não tem nenhum significado especial. Isto é um instrumento de gestão orçamental, que é útil, especialmente quando se está perante orçamentos com margens de maleabilidade extremamente rígidas e com uma margem de execução muitíssimo apertada. Portanto, é esse exclusivamente o significado, não tem outro.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado coloca a questão do congelamento no orçamento de 2002 e se isto tem arrastamento de despesas para 2003. Sr. Deputado, se tiver, não tem efeitos no défice, porque despesa realizada em 2002 mas apenas paga em 2003 será necessariamente contabilizada como despesa de 2002. Nessa circunstância, é evidente que, se houver esse efeito, em nada altera o défice das contas nacionais de 2002. Portanto, é evidente que um congelamento em 2002 só terá efeito nas contas de 2002, caso não corresponda a realização de despesa não paga - criação de dívidas, como sabe, não tem efeitos em termos de contas.
Assim sendo, quando se pensa num congelamento adicional no Orçamento de 2002 tenta-se evitar especialmente que em rubricas de despesa corrente, como os senhores sabem, haja a tendência muito generalizada dos serviços para no final do ano se fazerem despesas exclusivamente para gastar a rubrica, para gastar a dotação orçamental.

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É evidente que, havendo cativação, só é possível proceder-se a alguma despesa nessa área caso ela se mostre absolutamente indispensável, e, nessa altura, descativa-se, mas tem de evitar-se a tentação generalizada nos serviços públicos de até ao dia 31 de Dezembro se esgotarem todas as dotações. Quando se pretende controlar a despesa, esta situação tem de ser evitada a todo o custo e não tem qualquer tipo de arrastamento para a despesa de 2003.
A terceira questão tem que ver com o posicionamento do debate - e penso que se estava a referir, obviamente, na União Europeia - sobre o conceito de défice e a questão do investimento. Sr. Deputado, devo dizer-lhe o seguinte: para além das notícias na comunicação social e de alguns artigos de opinião, até à data, nunca esteve este ponto em discussão nas negociações e nas discussões nos órgãos competentes, neste caso no ECOFIN. Portanto, não tem passado de artigos de opinião, de opiniões de alguns governos, de alguns países, que têm tentado fazer algum esforço no sentido de se passar a discutir um novo conceito de défice, mas a verdade é que esse conceito ainda não está em cima da mesa.
Se por qualquer motivo vier a estar em cima da mesa, penso que não há nenhum motivo para nós não querermos considerar um conceito de défice menos rigoroso do que aquele que neste momento está consagrado, mas não deixo de dizer que uma coisa é nós não deixarmos de alinhar, direi assim, com quaisquer outros conceitos de défice que pudessem aliviar essa situação, outra coisa é eu ou o Governo considerar que neste preciso momento isso era útil para Portugal. Eu direi até que poderia aceitar isso, em termos comunitários, mas não ficaria impressionada com esse facto para passar a utilizar outros critérios dentro do País.
Isto porque o nosso problema é de excesso de despesa e de excesso de endividamento e, portanto, se quero reduzir a despesa vou ter de reduzi-la independentemente dos conceitos que me venham de fora, dizendo que isto conta ou não.
Pode contar ou não contar para o défice, mas não deixa de ser despesa e, neste momento, estamos numa situação em que qualquer acréscimo de despesa se traduz em acréscimo de endividamento e é esse ponto que estamos a combater.
Portanto, nessa circunstância, até me podiam que nenhuma despesa conta para o défice que eu continuaria a pensar, e a defender, que a despesa por motivos internos tem de ser reduzida, porque nós neste momento nos financiamos através de um acréscimo de endividamento.
Assim, esse ponto não alteraria em nada a questão com a qual nós nos debatemos neste momento. O haver um novo conceito de défice definido pela Comissão Europeia não resolve em nada o problema do nosso desequilíbrio externo. A despesa está lá e a forma de financiá-la também, pelo que eu não alteraria em nada esse conceito.
Quanto à quarta questão que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira colocou, tomei um apontamento que agora…

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A questão é sobre se o cenário macroeconómico precisa, ou não, de sofrer alguma alteração, ou se podíamos trabalha no ponto mais baixo, ou menos optimista, do cenário macroeconómico.

A Oradora: - Penso que sim, Sr. Deputado, penso que, neste momento, não existem motivos para fazer qualquer alteração ao cenário macroeconómico que está definido para 2003. Neste momento, não vejo, ainda, motivos para isso.
Sobre os critérios do défice e os critérios de cálculo, aqui penso que já se referia à questão de critérios de homogeneidade. É evidente, Sr. Deputado, que esta análise comparativa entre os países só tem sentido se houver critérios de cálculo do défice homogéneos, sendo os critérios aplicáveis a todos.
Não sei, mas calculo, que isso não tenha sido até à data a prática corrente, nem por parte da Comissão nem por parte do Eurostat, mas acredito também que, neste momento, um dos pontos mais debatidos no ECOFIN tem sido a noção da necessidade de transparência das estatísticas e a importância que isso tem para a política económica que tem de ser seguida.
Penso que se houve pontos em que houve um salto qualitativo em todo este problema relacionado com os défices, e com os défices excessivos, foi exactamente a consciência que todos tomaram que não era possível continuar-se mais com critérios que não fossem verdadeiramente transparentes e homogéneos, entre todos os países, no que respeita a informação estatística.
A sexta questão tem que ver com a aposentação. O Sr. Deputado chamou-lhe o "cavaleiro orçamental" e sei o que quer dizer com isso, mas devo dizer-lhe que, para além dos problemas que têm sido levantados sobre esta matéria, sobre a qual penso que já explicitámos suficientemente, na Assembleia e nas diferentes comissões, qual é a nossa posição do ponto de vista da sua introdução, ou não, no Orçamento e a forma como ela foi apresentada, devo dizer-lhe que não é intenção do Governo alterar a sua política nesta matéria por motivos vários, que já foram explicitados, pelo que não vale a pena tornar a referi-los.
No entanto, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que no último ECOFIN, esta semana, um dos temas mais abordados por todos os países foi o problema do envelhecimento das populações e a gravidade da situação dos sistemas de segurança social dos diferentes países da Europa relacionada com o envelhecimento da população. Devo dizer-lhe que me senti um bocadinho no século atrás, porque nós ainda estamos a resolver problemas de antecipação de aposentações. Estamos muitas dezenas de anos atrás em relação ao problema que neste momento se coloca a todos nós.
Portanto, Sr. Deputado, é evidente que este ponto tem de ser encarado com toda a determinação, considerando que não é mais possível continuar-se com esta questão, que, efectivamente, é "explosiva" em termos de Caixa Geral de Aposentações e que, ainda por cima, tem tido, como sabe, o efeito perverso de não estarem a ser cumpridas as regras que estavam verdadeiramente subjacentes a este critério e que tinham que ver com a dispensabilidade dos funcionários nos serviços.
Quando existem dezenas de directores clínicos que estão a ser aposentados de forma antecipada, isso significa que a norma que estava em vigor era altamente perversa para toda a sociedade e nós, perante as perversidades, temos de encará-las rapidamente e qualquer adiamento, seja de semanas ou de meses, é mais um prejuízo que estamos a infligir a todos nós.
Quanto à sétima questão, o orçamento das Forças Armadas e o cumprimento das promessas eleitorais do Partido Popular ou do PSD, o Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu que aquilo a que temos de responder perante esta Assembleia é relativo a um programa de Governo que foi

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aprovado aqui. Nenhum de nós está aqui a responder sobre programas eleitorais, de partidos, que, neste momento, fazem parte de uma coligação governamental. Essa coligação tem um programa, que foi aprovado nesta Assembleia, e é perante esse programa que nós responderemos.
Quanto à oitava questão, sobre a eventual perda de fundos comunitários, digo-lhe o seguinte: Sr. Deputado, continuo confiante que não iremos perder fundos comunitários e tentaremos captar todos aqueles fundos comunitários a que temos direitos. Como sabe, a execução financeira de utilização dos fundos comunitários está a um nível que não se pode considerar que seja baixo, bem pelo contrário, é um nível elevado comparado com outros anos.
Portanto, quanto a todas as restrições que tem havido em termos de congelamento ou cativações de rubricas relacionadas com investimento público (ainda agora fizemos algumas) tivemos o cuidado que fossem, apenas, relacionadas com projectos que não têm que ver com comparticipações comunitárias.
Porém, o Sr. Deputado ligou isto à questão das autarquias e à questão da limitação ao acréscimo de endividamento líquido das autarquias sem excepções.
Sr. Deputado, tenho poucas dúvidas de que os autarcas, responsáveis como são, irão reorientar as suas prioridades e, dentro do seu plano de investimentos, terão de dar prioridade àqueles que correspondem às suas prioridades. Portanto, tanto a questão da habitação social como a questão das comparticipações nacionais para fundos comunitários deverão ter prioridade nos projectos de investimento das diferentes autarquias.
Mas, Sr. Deputado, há ainda um ponto que temos alguma dificuldade em ultrapassar, que é a questão do endividamento. O nível de endividamento das autarquias tem de ser um ponto relativamente ao qual estamos num combate; esse endividamento não é só do sector Estado, é um endividamento de todos os subsectores da Administração Pública e não é possível reduzir-se esse endividamento colectivo se cada uma das parcelas que para ele contribui não fizer o seu esforço.
Portanto, Sr. Deputado, admito que não seja agradável as pessoas, as instituições e os subsectores terem de ter alguma contenção, direi mesmo bastante contenção, no seu acréscimo de endividamento líquido, o que evidentemente se põe porque o nível de endividamento dos diferentes subsectores atingiu os limites máximos possíveis para qualquer entidade sobreviver.
Assim, neste momento de ajustamento, pode haver necessidade de abdicar de algumas coisas, mas, se houver necessidade disso, penso sinceramente que não será nada de significativo, porque o que há é reajustar as diferentes prioridades e estou absolutamente convicta que os autarcas o conseguirão fazer.
Quanto à nona questão, sobre as receitas não fiscais e venda da rede fixa, espero, Sr. Deputado, efectivamente, consumar o negócio da venda da rede fixa até ao final deste ano. Espero também, ao fazê-lo, comunicá-lo à Assembleia da República.
Efectivamente, a questão relativa ao património não tem corrido bem, não conseguiremos a receita que tínhamos estimado obter. Isto é um facto e, como tal, não estou a escamoteá-lo, pois é um processo que não tem corrido da melhor forma.
O Sr. Deputado falou ainda da questão da BRISA e do IPE, perguntando se é em 2002 ou em 2003. Sr. Deputado, aqui está um facto que interessa pouco que seja em 2002, 2003 ou em 2004, relacionado com o défice, porque nunca a venda da participação do IPE na BRISA, ou da BRISA no IPE, poderá ser uma receita contabilizável como abatendo ao défice, porque é uma troca de um activo por outro activo e, em termos de contas nacionais, não contará para o défice.
Penso que respondi a tudo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço-lhe que me dê 10 segundos…

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra das Finanças, pareceu-me muito importante esclarecer esse aspecto porque, como a Sr.ª Ministra e os Srs. Deputados sabem, não é isso que tem vindo publicado nalguns casos. Foi por essa razão que me pareceu importante o esclarecimento prestado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra das Finanças, é hoje evidente que todas as projecções que foram apresentadas no Orçamento rectificativo, designadamente em matéria de aumento da receita fiscal, em particular em sede de IRC, que tínhamos previsto aquando do debate do Orçamento rectificativo estão a falhar, para não dizer que já falharam.
Segundo a execução de Setembro, até ao final do ano, a receita arrecadada de IRC situa-se 11,1% abaixo das vossas projecções. Não é nada que nos tenha surpreendido, uma vez que, como a Sr.ª Ministra está recordada, na altura do debate do Orçamento rectificativo dissemos que as projecções apresentadas pareciam-nos ser de um completo irrealismo, só explicado por esta "obsessão" do controlo do défice, que se confunde com disciplina das finanças públicas e que vai ter tradução, em 2003, na própria quebra da dinâmica económica, do crescimento económico.
Portanto, esta é uma "medicação" meramente "financeirista" e monetarista, que não faz uma avaliação dos efeitos da dimensão destas medidas na chamada "economia real", na vida das pessoas. Além do mais, elas não estão a traduzir-se em resultados, o que significa que são medidas desgarradas, pontuais, sem uma projecção de longo prazo e que obrigam a que, de três em três meses, venham a ser tomadas novas medidas.
A Sr.ª Ministra acabou de confirmar a venda de património do Estado nas condições mais atrabiliárias possíveis, em que se vende património que está integrado em planos directores municipais já com outras finalidades. Ou seja, pede-se uma lista aos serviços, consulta-se a lista, põe-se na Internet a dizer "Vende-se" e, mais tarde, verifica-se que o mesmo não pode ser vendido por variadíssimas razões!
Para além dessa forma atrabiliária, que resulta da emergência de, de três em três meses, tomar medidas por causa de uma obsessão completamente irracional, quando, aliás, neste momento, os outros países - basta ler as notícias hoje publicadas em relação ao governo espanhol - já chegaram à conclusão e formaram um movimento (naturalmente, mantendo a disciplina das finanças públicas) no sentido

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de se encontrarem formas de esta obsessão do controlo do défice não acabar por "matar o doente com a medicação", esta obsessão pelo controlo do défice, dizia, faz com que o Governo seja obrigado a tomar medidas avulso, como fez recentemente, proibindo que, até ao final do ano, seja gasta metade das despesas de investimento (esclareceu agora a Sr.ª Ministra que tal se aplicava apenas ao investimento não co-financiado) e metade das despesas ainda disponíveis em matéria de aquisição de bens e serviços correntes.
Mas a questão não é tão simples como a Sr.ª Ministra acabou de referir, porque o problema não se resume apenas ao facto de, no final do ano, os serviços serem tentados a gastar as verbas das rubricas que ainda estavam por usar. Admito que seja uma prática, mas o problema não é esse.
O problema prende-se com a seguinte situação: devido à subdotação de outras rubricas de despesa corrente, a Sr.ª Ministra sabe que existe uma prática na Administração Pública e, por exemplo, em muitos ministérios (não estou a dizer que ela seja legal do ponto de vista das normas orçamentais) de se ir buscar às despesas de serviços correntes verbas que ainda restam para pagar salários. Esta prática existe, não a podemos ignorar! Aliás, não é por acaso que, durante esta semana, vários directores de serviço e directores-gerais de ministérios estiveram reunidos e afirmaram que se esta medida for adoptada, nos termos em que é colocada, para travar esta prática da Administração Pública, que não foi corrigida anteriormente - portanto, estão em causa medidas avulsas tomadas em cima de outras medidas, sem qualquer correcção estrutural -, criará problemas insuperáveis na Administração Pública.
Portanto, Sr.ª Ministra, nesta matéria, pergunto que medidas estão a ser preparadas para evitar que as decisões agora tomadas não vão traduzir-se em mais problemas, seja ao nível dos próprios investimentos que estão em curso (mesmo não sendo co-financiados), seja ao nível de medidas de completo descontrolo e de desorganização ainda maior dos serviços da Administração Pública, com repercussões nessas práticas que têm sido adoptadas.
Gostaria ainda que a Sr.ª Ministra me confirmasse o seguinte: penso que o Governo, ou a Sr.ª Ministra, não tem a certeza de que esta decisão que acabou de tomar seja suficiente para chegar ao final do ano com um défice de 2,8%, valor a que se propõe chegar - e todas as projecções apontam para que tal não aconteça. Portanto, gostava que a Sr.ª Ministra aqui confirmasse se é ou não verdade que o Ministério das Finanças está a preparar como nova medida de contenção da despesa não pagar o décimo terceiro mês aos trabalhadores da Administração Pública, optando por uma de duas hipóteses: ou fazer esse pagamento em Janeiro ou pagar, no todo ou em parte, em certificados de aforro, em Dezembro.
Gostava que a Sr.ª Ministra fosse clara na resposta à questão que lhe estou a colocar porque, obviamente, isto levanta problemas gravíssimos, designadamente de ordem social, e, se for verdade, é necessário que a Assembleia da República e, em particular, os milhares de trabalhadores afectados também tenham conhecimento desse facto para organizarem as suas vidas.
O que pergunto é se, neste momento, já foram dadas instruções aos serviços para suspender o processamento do 13.º mês enquanto se está a apurar se essa decisão vai ou não ser tomada.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): - É bom que se diga!

O Orador: - A Sr.ª Ministra já respondeu à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira quanto às eventuais derrapagens das despesas não efectuadas agora e transferidas para o próximo ano. Em todo o caso, como referi, as projecções feitas revelaram-se irrealistas, e isto tem a ver com 2003, Sr.ª Ministra. Aliás, aquando do debate na generalidade, afirmámos que as projecções de receitas fiscais para 2003, tal como tínhamos afirmado no âmbito do Orçamento rectificativo, eram claramente irrealistas.
As projecções fiscais para 2003 têm de ser feitas em função da execução de Setembro. Ora, pegando na execução de Setembro, a conclusão a que chegamos é que, para se atingirem, em 2003, os valores que a Sr.ª Ministra e o Governo previram no orçamento de arrecadação de IRS, de IRC e de IVA - apenas para falar nestes três impostos mais significativos -, ter-se-ia que dar um salto, em relação à receita de 2003, superior a 8%, o que significa qualquer coisa como 342 milhões de contos (ou cerca de 1700 milhões de euros) de aumento de receitas só no âmbito destes três impostos. Sr.ª Ministra, olhos nos olhos, esta previsão parece-lhe realista?
Uma outra questão tem a ver com as cativações. A Sr.ª Ministra já deu uma explicação técnica para as cativações e descativações. Mas, para além dessa reflexão técnica, há umas reflexões mais simples que são feitas pelos Srs. Ministros que passam por aqui, em sede de especialidade. E tanto o Sr. Ministro das Obras Públicas como o Sr. Ministro da Defesa Nacional consideraram que contam com as cativações para gerirem os respectivos Ministérios, ou melhor, contam com as cativações descativadas! Contam com o dinheiro das cativações para gerirem o seu Ministério durante o ano.
Aliás, o Sr. Ministro da Defesa Nacional, questionado sobre qual o real valor do orçamento que lhe foi atribuído, foi muito claro na resposta, ao dizer: "O que os Srs. Deputados vão votar é o mapa das despesas e, nesse mapa, estão lá previstas as verbas descativadas, isto é, a totalidade das verbas. Portanto, é com essas que contamos para fazer a gestão do Ministério".
Sr.ª Ministra, voltamos ao mesmo: temos um orçamento virtual, "para Bruxelas ver", e um orçamento real, que os Deputados vão aprovar, e este aponta para um défice - não tenho qualquer problema com o défice, mas quero transparência no orçamento - de 3%, ou até, face aos ajustamentos das contas da segurança social, de 3,1%.
Portanto, em que é que ficamos, Sr.ª Ministra? As cativações são para valer? Ou o que é para valer são as declarações aqui proferidas pelos Srs. Ministros? Como é que vamos gerir o processo neste quadro?
Quanto à questão do sigilo bancário, já foram anunciadas por alguns partidos propostas para o levantamento das informações protegidas pelo sigilo bancário.
Neste momento, Sr.ª Ministra, quero dizer-lhe que estamos satisfeitos com o que está estatuído na lei; não somos tão radicais como o Partido Socialista, que, agora, na oposição, quer ver levantado o sigilo bancário. Repito, estamos satisfeitos com a Lei n.º 30-G/2000, na qual já foram introduzidos quatro ou cinco requisitos que permitem o levantamento das informações protegidas pelo sigilo bancário em determinadas condições, e essas condições ainda não foram anuladas, como sucedeu na questão das mais-valias.

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Só que, Sr.ª Ministra, se essas medidas fossem executáveis, accionadas - aliás, parte delas foram propostas por nós, aquando da feitura da lei da reforma fiscal -, porventura, nesta fase, poderiam ser um passo em frente importante no combate à fraude e evasão fiscais. Acontece que elas não são accionadas e, portanto, se perguntarmos quantos processos houve de levantamento de sigilo bancário ao abrigo das normas que foram introduzidas na reforma fiscal, não sei se a resposta não será zero, ou pouco mais do que zero! E porquê, Sr.ª Ministra?
Como a Sr.ª Ministra sabe, na Lei n.º 30-G/2000, a seguir à norma que define as condições em que pode ser levantado o sigilo bancário para determinados objectivos, existe uma disposição que afirma que tal só terá execução prática depois de a administração tributária definir as condições práticas em que isso deve ser feito, para respeitar princípios de confidencialidade, etc. Só que isso não foi feito e, como não foi feito, a eficácia da norma é zero.
Neste Orçamento do Estado, vamos apresentar uma proposta de alteração que aponta no sentido da definição das regras necessárias à execução dessa norma da Lei n.º 30-G/2000 até 31 de Março e da obrigatoriedade de o Governo apresentar anualmente à Assembleia da República - com o Orçamento do Estado, porventura - uma informação, não de carácter individual mas estatística, sobre o uso deste instrumento legal, isto é, sobre o número de processos levantados.
Pergunto se o Governo concorda com esta norma, que aponta, por um lado, para um princípio da regulamentação com prazo definido e, por outro lado, para que o Governo entregue à Assembleia da República uma informação estatística sobre o número de processos levantados. Gostaríamos, pois, de conhecer qual é a posição do Governo, até porque não se propõe nada de novo, apenas se pretende encontrar uma forma de executar o que está previsto, podendo a maioria estar disponível para aprovar esta norma, e estou convencido que o Sr. Deputado Hugo Velosa estará, com certeza.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a audição da Sr.ª Ministra das Finanças é extremamente importante e compreendo que os Srs. Deputados queiram aproveitar este momento para esclarecerem todas as suas dúvidas e conhecerem a opinião da Sr.ª Ministra, enfim, todos os pareceres e opiniões que sejam úteis para o nosso trabalhos, e eu procurarei fazer com que assim seja. Todavia, gostaria de esclarecer desde já que, por razões de agenda, deveríamos terminar às 13 horas e 30 minutos, o mais tardar. Portanto, sem tirar do uso da palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria que, entre nós, se estabelecesse uma autodisciplina, porque é o único método realmente eficaz e que é conforme à melhor tradição parlamentar.
Pode prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a fazer perguntas muito concretas, como sabe, só que esta audição, sem desprimor…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não estou a negar isso!

O Orador: - … para as restantes audições dos Srs. Ministros, é a audição-chave, é a final do orçamento, pelo que há uma série de questões que temos de clarificar hoje, antes de passarmos à votação.
Sr.ª Ministra, quanto às pensões antecipadas, gostava que a Sr.ª Ministra confirmasse, ou não, a afirmação da Sr.ª Secretária de Estado na Comissão de Trabalho, que não corresponde exactamente à resposta que a Sr.ª Ministra nos tinha dado em sede de generalidade, mas admito que tenha havido uma evolução do pensamento do Governo nesta matéria e, portanto, gostava que a Sr.ª Ministra confirmasse esta tese.
A Sr.ª Secretária de Estado, segundo a informação que tenho da reunião da Comissão de Trabalho, e que vem na imprensa e não foi desmentida, disse que todos os processos de pedido de reforma antecipada que derem entrada nos serviços até ao final deste ano serão pagos de acordo com a actual lei, uma vez que se trata de atrasos que resultam não das pessoas mas do próprio funcionamento dos serviços. A minha pergunta é se a Sr.ª Ministra confirma isto, ou seja, que todos os requerimentos de pedidos de antecipação de reformas que entrem até ao final do ano serão tratados de acordo com a legislação actual, para isto ficar claro e ser confirmado aquilo que disse. Aliás, isto já veio na imprensa e não foi desmentido, pelo que é só uma confirmação em sede de finanças.
Outra questão, Sr.ª Ministra, é a seguinte: a Sr.ª Ministra sabe que esta matéria do artigo 8.º é uma matéria que está obrigada, pela legislação aplicável, a um processo de negociação com os sindicatos da Administração Pública - nem sequer é só audição, Sr.ª Ministra, é negociação. E a falta desse critério, que é, como sabe, Sr.ª Ministra, o artigo 5.º da Lei n.º 23/98, leva a que esta norma seja ilegal e, por via disso, seja inconstitucional, porque fere este direito de negociação e a Assembleia não pode votá-lo.
Portanto, Sr.ª Ministra, a minha pergunta é se (aliás, à semelhança do que já aconteceu em orçamentos anteriores sobre normas deste tipo, que acabaram por ter de ser retiradas por propostas das maiorias) a Sr.ª Ministra e o seu Governo entendem que esta norma viola claramente o princípio da negociação colectiva. E posso ler: "Direito de negociação colectiva da função pública - São objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração das pensões de aposentação ou de reforma", entre outras. Portanto, é claro que isto não pode estar em sede de orçamento, como "cavaleiro orçamental", e, nesse quadro, não pode ser votado, tem de ser retirado, porque, obviamente, fere o princípio da legalidade em sede de negociação colectiva e, por via disso, da constitucionalidade. Gostaríamos que também desse a sua opinião sobre esta matéria.
A sexta questão refere-se à taxa da RDP. Sr.ª Ministra, o Sr. Ministro Morais Sarmento veio ontem dizer-nos duas coisas: primeiro, que a taxa da RDP ia ser aumentada ou, depois, numa versão mais soft, actualizada de acordo com a inflação. Ora, como não há nenhuma proposta do Governo nesta matéria, suponho que a maioria irá apresentar uma proposta - o Sr. Deputado Hugo Velosa diz que sim com a cabeça…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Não, não! Não é isso!

O Orador: - Não? Não está a dizer nada?! Está só a pensar! Então, não disse nada.
Suponho que a maioria terá de apresentar uma proposta de alteração, uma vez que o Governo deixou de ter iniciativa orçamental desde que o orçamento entrou na Assembleia da República.

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Só que o Sr. Ministro Morais Sarmento disse outra coisa, Sr.ª Ministra. Disse que esse aumento da taxa serviria para financiar o serviço público de televisão. Como a Sr.ª Ministra sabe (o Sr. Ministro Morais Sarmento poderá não saber, aliás, ele nem sabia que tinha de passar pela Assembleia!), uma taxa é a contrapartida por um serviço prestado por uma determinada entidade, portanto, vai para a receita dessa entidade e não pode ser desviado para outra entidade, nem no plano jurídico, nem no plano orçamental! Acresce que esta taxa - a que alguns chamam imposto, porque vem no recibo da electricidade, pelo que há aí uma discussão doutrinal sobre isto, mas não vamos agora abordar isso -, este valor que nós pagamos é um valor adstrito ao contrato de concessão e, no contrato de concessão da RDP, está claramente expresso que esta é a contrapartida para o serviço público prestado pela RDP. Se a memória não me falha, trata-se do artigo 16.º do contrato de concessão.
Portanto, a menos que o Governo apresente aqui um decreto-lei para alterar a configuração desta taxa da RDP, o Sr. Ministro Morais Sarmento não pode, no seu gabinete, fazer aquilo que lhe convém! Gostava que a Sr.ª Ministra também nos clarificasse esta matéria.
Sr.ª Ministra, quanto ao Serviço Nacional de Saúde, já procurámos esclarecer junto do Sr. Ministro da Saúde mas não foi claramente esclarecido o seguinte: o SNS tem, na receita, 400 milhões de euros de dotações de capital para a chamada empresarialização dos hospitais - portanto, é dotação do Orçamento de Estado. É claro que a estes 400 milhões de euros de receita deveria corresponder um valor idêntico para imobilizações, que é capital que sairia para os hospitais com esse objectivo. Ora, acontece que não é assim, porque aos 400 milhões de euros do dotações de capital na receita, depois, o que corresponde em imobilizações são só 274 milhões de euros. Isto significa, Sr.ª Ministra, na prática, que a diferença está em despesas correntes, ou seja, o Governo está a registar em dotações de capital, por razões de défice, 400 milhões de euros mas, de facto, destes 400 milhões de euros, pelo menos 126 milhões são despesas correntes, deveriam ser para despesas correntes. Isto não é nada transparente, pelo que gostaria de ouvir a opinião da Sr.ª Ministra.
Acresce ainda, para terminar, que a receita do SNS em fornecimento de serviços é cerca de 101% superior à do ano passado. O Sr. Ministro da Saúde, perguntado porque se dava este salto, dizia que isto, no essencial, era o resultado do aumento das receitas resultantes dos pagamentos dos sub-sistemas por aumento das tabelas. Ora, isto significa que, no que se refere aos sub-sistemas que são financiados pelo Orçamento de Estado e pelo Ministério das Finanças, este vai ter de pagar mais: Portanto, pergunto que sentido tem, do ponto de vista global, haver estes aumentos para o dobro das tabelas dos sub-sistemas de saúde, dado que uma parte dos quais tem a ver com encargos que vão recair sobre o Ministério das Finanças e, tanto quanto verificamos, não estão no orçamento do Ministério das Finanças. Também gostávamos de esclarecer esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado das Finanças: - Sr. Presidente, tenho muito gosto em responder. Há aqui algumas perguntas que não são surpresa, porque já as tinha lido algures, em artigos que costumo ler, mas tenho todo o gosto em responder, já que não tenho respondido por escrito também.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas quando quiser, pode escrever-me!

A Oradora: - Nesse caso, escreveria no Diário Económico!
Sr. Deputado, na sua primeira questão diz que todas as projecções do Orçamento rectificativo estão a falhar, nomeadamente no IRC, e que isso constitui aquilo de que já o PCP tinha falado, ou seja, o irrealismo da estimativa da receita no Orçamento rectificativo, e o senhor liga isto à ideia de que de três em três meses estamos a tomar medidas diversas.
Sr. Deputado, o controle de uma execução orçamental é exactamente isto! Não é de três em três meses, Sr. Deputado, nem sequer de três em três semanas! Na situação orçamental com que nos debatemos e dentro do curto prazo de tempo que temos, é evidente, Sr. Deputado, que não fazemos alterações de três em três meses. Há um controle que é feito todas as semanas senão mesmo todos os dias. E daí o benefício de haver um controle orçamental! Obviamente que há ajustamentos, obviamente que se acompanham todos os elementos da receita e da despesa, para ver quais os ajustamentos que têm de ser feitos para se atingirem os objectivos que foram pré-definidos.
Parece que o senhor diz isso com algum sentido de crítica, mas creio isto que é aquilo que deve ser um controle de execução orçamental. Se não for assim, então, Sr. Deputado, agora apresentamos aqui o orçamento, que, espero e desejo, será aprovado e vou ficar de férias até ao próximo ano! Sr. Deputado, não é nada disso! Vamos exactamente fazer o contrário! Tem de haver um trabalho muitíssimo aturado e de todos os dias, temos permanentemente de verificar como é que está a despesa e como é que está a receita, tomando as medidas necessárias para ir fazendo ajustamentos até se atingirem os objectivos que temos pré-definidos.
Aquilo que acontece quando isto não se faz é que só por um enorme milagre é que efectivamente se executa aquilo que se previu. Só por um milagre! Só por uma sorte que não é própria dos mortais! É exactamente isso que fazemos.
Portanto, Sr. Deputado, não se admire de estarmos permanentemente a tomar medidas de que não se está à espera, é exactamente isso que estamos a fazer, todos os dias! E tenho dito várias vezes que tomarei as medidas que forem necessárias para ajustar o orçamento de forma a ele atingir os objectivos que pretendemos. Disse isso variadíssimas vezes! Nunca disse: "está aqui o Orçamento rectificativo e agora vou descansar!". Se não chegar, se não for possível, se não for suficiente, tomar-se-ão as medidas necessárias adicionais e é isso que tenho estado a fazer, verdadeiramente em acordo com aquilo que sempre anunciei, pelo que não estou aqui a dar nenhuma novidade.
Depois, o Sr. Deputado fala na obsessão do défice. Isso é um ponto que já várias vezes temos discutido, nunca é demais discutir e eu continuo a afirmar aquilo de que estou convicta: Sr. Deputado, não se trata de uma obsessão! Já tenho dito várias vezes que não se trata de uma obsessão, trata-se daquilo que considero que é absolutamente essencial e inadiável. E quando o Sr. Deputado reafirma aquilo que também já tem dito várias vezes - e, de resto, o PS também o tem afirmado algumas vezes -, ou seja,

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que as medidas que estão a ser tomadas têm como consequência reduzir a dinâmica de um hipotético crescimento económico, isto é, que se está a matar o doente não pela doença mas pela cura, recuso liminarmente essa afirmação, porque considero que, em termos económicos e de política económica, está totalmente errada.
O senhor pode dizer isso as vezes que quiser mas está a laborar num profundo erro! Isto é, se tomássemos neste momento medidas para aumentar o investimento, para fomentar o consumo, estaríamos a afundar o País cada vez mais! Isso não tem efeitos! E tanto não tem efeitos, Sr. Deputado, que, nos últimos sete anos, a despesa pública aumentou cerca de 50% e o País não converge desde 1997! Isto significa que, quando a economia está em determinado tipo de situação, bem pode atirar-lhe para cima com recursos financeiros que só tem efeitos perversos - pioramos e não melhoramos!
Portanto, como estou absolutamente convicta de que isto é certo, não sou capaz de me convencer, nem ninguém vai ser capaz de me convencer, dentro de uma análise económica correcta, de que, agora, o que devíamos estar a fazer era o contrário! Não há ninguém que consiga dizer que uma política diferente, neste momento, tinha efeitos no crescimento económico! Tinha era efeitos no aumento do endividamento!
Sr. Deputado, a sua teoria baseia-se num facto que, esse sim, é completamente irrealista: o senhor baseia-se no facto de que, se nós tomássemos aqui determinadas medidas, então, Portugal começava a crescer.
Portugal não começa a crescer antes da Europa entrar em retoma. Portugal não tem capacidade para crescer sozinho - nem a França, quanto mais Portugal! Portanto, nessa circunstância, enquanto a Europa não se relançar, Portugal não tem hipótese de entrar neste relançamento, pelo que a única coisa que deve fazer, neste momento, é criar as condições para ser arrastado pela Europa, quanto esta começar a crescer.
Antes disso, qualquer coisa que façamos significa estarmos a piorar a nossa situação. E como estou absolutamente convicta disso, penso que se fizesse a política que os senhores sugerem estaria a agravar a nossa situação. Portanto, o que temos de fazer é rigorosamente isto.
O senhor disse: "estão a fazer essas coisas sem efeitos reais". Sr. Deputado, sem efeitos reais?! O senhor vê a inflação a disparar ou vê a inflação a entrar dentro dos limites que tínhamos apontado?! O senhor vê o desequilíbrio externo a melhorar ou a piorar?! O senhor vê-o a melhorar! Portanto, não me venha dizer que estamos simplesmente com uma política diversa… Estamos no Governo há seis meses, não estamos há seis anos!…
Portanto, Sr. Deputado, trata-se de um ponto de orientação política que é diverso do dos senhores. Mas a experiência histórica também não tem dito que o aumento da despesa dá crescimento económico, porque não dá! Na circunstância em que o País está, isto é, altamente endividado, tanto nas famílias como nas empresas, se o Sr. Deputado quisesse aumentar o consumo das famílias, como é que o fazia? Através de um acréscimo do endividamento das famílias. Mas elas já não podem estar mais endividadas do que o que estão e o senhor quer aumentar o consumo através do endividamento das famílias?! Sr. Deputado, repito, isto é um problema de orientação política completamente diversa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E a nossa é que está certa!

A Oradora: - O Sr. Deputado está convicto de que o senhor é que está certo sem ser capaz de demonstrar em que é que se baseia, e dou-lhe o exemplo da situação em que está o País seguindo a vossa política.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A nossa?!…

A Oradora: - O País devia estar próspero, o País devia estar melhor do que a Espanha! A Espanha não aumentou a despesa 50% nos últimos anos. Portanto, se a política correcta é fazer despesa, então, devíamos estar no topo da Europa!…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nós nunca dissemos isso assim!

A Oradora: - Não, os Srs. Deputados não dizem isso, os senhores acham que os impostos devem ser reduzidos e acham que a despesa deve ser aumentada!
Portanto, mais uma vez digo que o problema do défice não é um problema de obsessão mas de necessidade imperiosa de o País não entrar numa situação verdadeiramente incapaz de ultrapassar.
O Sr. Deputado falou do caso espanhol, que tem um problema de um défice orçamental que não existe, está com um crescimento económico verdadeiramente explosivo e o senhor vem fazer comparações com Espanha?! É só para nos humilhar! O melhor é nem falarmos disso!...

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

O melhor é nem falarmos nisso!
O Sr. Deputado levantou uma questão, à qual não lhe respondi, que tem a ver com o congelamento das verbas de aquisição de bens e serviços que poderão servir para pagar salários. É exactamente isso, Sr. Deputado. Não vão os serviços lembrar-se de mobilar de novo todas as instalações em vez de pagar os impostos…

Risos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

Não se ria, Sr. Deputado, que é para eu não lhe dar exemplos!
Com certeza que serão descativados, se isso for necessário, para pagar salários. Ora aí está uma boa utilização desta reserva de aplicação de bens e serviços: pagar salários em vez de gastar noutras coisas.
Por conseguinte, quando o Sr. Deputado diz: "quando há serviços que podem…", pois hão-de poder e, se necessitarem, com certeza que lhes será dado. Não lhes será dado é para aplicação noutras finalidades que neste momento se consideram supérfluas.
Depois, o Sr. Deputado fez-me aquela que assinalei como primeira pergunta. porque o resto direi foram considerações, que tem a ver com o facto de saber se o pagamento do 13.º mês aos funcionários se adia para Janeiro ou se é pago em certificados de aforro.
Sr. Deputado, torno a fazer a afirmação que fiz, que é a seguinte: se essa medida fosse feita era para quê? Em contas nacionais, o valor seria sempre atribuído a 2002. Portanto, seria realmente uma medida que não tinha…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Estão com problemas de tesouraria!

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A Oradora: - Não estamos com problemas de tesouraria, Sr. Deputado. Como tal, se me passasse pela cabeça adiar um pagamento de uma dívida que é de 2002, mas que ia pagar em 2003, ela vinha sempre cair nas contas nacionais de 2002. Portanto, é evidente, Sr. Deputado, que não tenciono tomar qualquer espécie de medida que venha a ter exactamente esses efeitos. Sr. Deputado, fique tranquilo porque estamos a trabalhar com contas nacionais, estamos diariamente a contactar com o Eurostat.
Assim, em primeiro lugar, devo dizer que essa ideia não me atravessou o espírito. Isso tem acontecido com várias ideias, mas essa, por acaso, não; ao Sr. Deputado com certeza que já atravessou porque já houve uma vez em que essa medida foi tomada, mas só por esse motivo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É "espírito santo de orelha"!

A Oradora: - Não, não é "espírito santo de orelha". Uma vez essa medida foi tomada, numa situação um pouco semelhante àquela em que estamos neste momento, e é por causa disso que os senhores se lembraram. Simplesmente, neste momento, não é nada disso que está em causa, porque temos como objectivo determinar um défice em termos de contas nacionais para o qual isso não contava. Portanto, não tomo medidas fantasiosas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a questão que gostaria que ficasse clara é muito precisa. Sr.ª Ministra, não só não adia para Janeiro o pagamento do 13.º mês como não pensa pagar, todo ou em parte, em certificados de aforro, em Dezembro?

A Oradora: - Sr. Deputado, não só não adio para Janeiro, porque não teria qualquer efeito nas contas nacionais, como não tenciono pagar em certificados de aforro, porque o meu problema não é de tesouraria.
Portanto, Sr. Deputado, estejamos tranquilos quanto à matéria dos vencimentos porque tudo o que seja obrigações do ano de 2002, pagas em 2003 e em 2004, serão contabilizadas no ano de 2002.
O Sr. Deputado disse ainda que, em função da execução da receita de 2002, é irrealista a receita orçamentada para 2003. Sr. Deputado, dir-lhe-ei que é um objectivo difícil, porque exige monitorização do que se vai passando e das medidas que vão tendo de ser executadas, mas não me parece que seja irrealista ou impossível de alcançar quando temos um ano pela frente e não dois ou três meses. Portanto, devo dizer que não considero o objectivo completamente irrealista.
Relativamente a 2002, o Sr. Deputado tem razão quando diz que a receita do IRC é mais baixa do que a que foi estimada no Orçamento rectificativo. Não o nego, porque assim é. Mas se o Sr. Deputado vir todos os impostos em conjunto, também não falou em irrealismo para menos da estimativa da receita do ISP.
A receita do IVA está dentro do que foi estimado para o Orçamento rectificativo, com uma diferença apenas na parte referente às transacções extra-comunitárias, pois nas intra-comunitárias está dentro dos padrões que tínhamos previsto. Portanto, em conjunto, admito que a execução da receita prevista no Orçamento rectificativo possa parecer mais baixa do que aquela que poderá verificar-se, mas não é uma diferença tão grande assim. Penso mesmo que a receita final poderá não ficar longe do que estava estimado, depois do efeito que espero ter sobre o pagamento das despesas atrasadas até ao final de 2002.
Portanto, penso que a nível da receita não haverá uma grande diferença entre o que está estimado no Orçamento rectificativo e aquilo que possa vir a verificar-se.
Quanto à sua terceira questão, que tem a ver com as cativações e com a ideia do orçamento virtual e do orçamento real, já disse, no debate na generalidade, que o orçamento real, assim como o virtual, está, todo ele, na Assembleia. Se o senhor quer chamar-lhe virtual ou real, pode chamar-lhe o que entender, mas a verdade é que o senhor tem à sua frente todos os elementos, que foram fornecidos pelo Governo, para poder fazer esse tipo de afirmações. Não é uma descoberta pessoal. Está tudo no Orçamento.
A maior das transparências no Orçamento está aqui explicitada, está cá tudo! Está aqui um orçamento de enorme restrição e, como tal, para ser gerido ao longo do ano, obviamente que tem que ter alguma flexibilidade na sua gestão, aquela que evidentemente é permitida ao Governo, e é só nisso que consiste o problema das cativações, que também são referidas no Orçamento. Nada está encoberto, está cá tudo! E sempre, toda a vida, Sr. Deputado, o Orçamento, ao ser autorizado pela Assembleia como máximos a gastar, evidentemente que terá um défice mais alto se todo esse máximo for gasto e terá um défice bastante mais baixo se esse máximo não for atingido. Toda a vida foi assim, porque é o significado do Orçamento da despesa. O significado do orçamento da despesa é exactamente esse, tendo sempre um intervalo entre aquilo a que o Governo está autorizado e aquilo a que se propõe gastar.
Sempre foi assim, porque não há uma obrigatoriedade, nem são mínimos, são autorizações de máximos a gastar, aos quais o Governo tenta não chegar - umas vezes tenta mais, outras vezes tenta menos e nós tentaremos não lhes chegar. A Assembleia toda a vida autorizou isso e não estamos a introduzir nenhuma flexibilidade especial, nenhum conceito ou regra que não seja perfeitamente legal, como o conceito de orçamento da despesa, que é diferente do orçamento da receita. O orçamento da despesa tem rigorosamente este conceito.
Quanto ao sigilo bancário, o Sr. Secretário dos Assuntos Fiscais, no final da minha intervenção, poderá fornecer números mais concretos, pois não os tenho aqui neste momento. Mas, a propósito desta questão, quero dizer-lhe que é evidente que também considero que as regras legais que permitem o levantamento do sigilo bancário por motivos de natureza fiscal são suficientes. Penso que não tem sido um instrumento muito utilizado e que deve ser incentivado a sê-lo cada vez que for necessário. Estou absolutamente de acordo com isso.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A Sr.ª Ministra deu "luz verde" para a maioria aprovar a nossa proposta.

A Oradora: - Sr. Deputado, não disse absolutamente nada sobre isso, primeiro, porque não tenho que dar "luz verde" à maioria e e, em segundo, tenho que lhe dizer, com franqueza, que ainda não li a sua proposta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Depois de a ler verá que está de acordo!

Risos.

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A Oradora: - Vinda do Sr. Deputado tem de ser lida nas entrelinhas. No outro dia, para ser simpática com o Sr. Deputado, aceitei uma aprovação que me saiu bem cara, em termos físicos, não em termos de preço.
Quanto à questão das pensões antecipadas, é verdade, Sr. Deputado, que consideramos que todos os pedidos de pensões entrados na Caixa Geral de Aposentações e devidamente informados pelos serviços até ao dia 31 de Dezembro devem seguir a regra que está em vigor neste momento. Deve ser assim porque, por um lado, é evidente que a Caixa Geral de Aposentações leva algum tempo a deferir os pedidos e, por outro, é natural que possa haver algum afluxo superior àquilo que é normal e não poderemos deixar que haja qualquer discricionariedade no deferimento desses processos.
Portanto, espero que fique bem claro que todos os processos entrados na Caixa Geral de Aposentações, devidamente informados pelos serviços - e quanto digo "devidamente informados pelos serviços" quero dizer que só tem sentido este pedido de aposentação desde que o dirigente do serviço considere que a pessoa não é necessária e que, portanto, pode ir-se embora - obedecerão ao regime que vigora neste momento.
Quanto à questão da participação ou da negociação que o Sr. Deputado levantou, devo dizer-lhe que a negociação nesta matéria faz-se apenas para alterações a nível dos regimes de pensões. Ora, não há alteração alguma no regime de pensões, Sr. Deputado Lino de Carvalho. Por isso, este processo não é matéria de negociação sindical. É matéria, sim, Sr. Deputado, de participação sindical, pelo que os sindicatos devem ser ouvidos e devem participar neste processo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não foram!

A Oradora: - Sr. Deputado, penso que a Sr.ª Secretária de Estado da Administração Pública já teve oportunidade de explicar em sede da respectiva Comissão qual é a posição do Governo sobre esta matéria, posição que, de resto, mantemos.
A posição do Governo é a seguinte: se tivéssemos optado por um pedido de autorização legislativa, é evidente que deveríamos ter ouvido os sindicatos. Acontece que não optámos por um pedido de autorização legislativa, enviámos à Assembleia da República uma proposta, que cabe aos Srs. Deputados aprovar ou rejeitar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Claro!

A Oradora: - Então, íamos ouvir os sindicatos?! E se chegássemos a um acordo com eles e depois os Srs. Deputados discordassem? Diga-me lá, Sr. Deputado, como é que fazíamos?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não aplicavam!

A Oradora: - Não aplicávamos?! Como é que não aplicávamos se já tínhamos negociado?!
O Sr. Deputado acha que é um processo de negociação. Portanto, eu negociava com os sindicatos, acordava tudo, mandava para a Assembleia e a Assembleia entendia uma coisa diferente. Como é que eu resolvia o problema em termos de uma negociação que tinha feito com os sindicatos?!
Sr. Deputado, não é a primeira vez, não é a segunda, nem será, por certo, a última que esta decisão pertence à Assembleia e não ao Governo. Não estamos a fazer um pedido de autorização legislativa e, portanto, eu não teria de ouvir os sindicatos. Se os senhores entendem que devem fazer esse processo de audição, poderá o mesmo ser feito pela Assembleia e não pelo Governo.

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

Mas ouça, Sr. Deputado! Se os Srs. Deputados vierem a entender que este processo não é assim, estaremos a atrasá-lo por duas ou três semanas, porque não será por esse motivo que o Governo vai deixar de tomar esta medida, uma vez que ela tem de ser tomada em nome do futuro da Caixa Geral de Aposentações e em nome do futuro dos outros funcionários públicos.
Por isso, em nome do futuro das pensões dos funcionários públicos, não podemos andar a brincar a "mandar pessoas para a reforma" com 45 anos, e o Sr. Deputado sabe isto muito bem! Portanto, como o Sr. Deputado sabe isto muito bem, não vale a pena continuarmos a brincar com uma matéria que é profundamente séria para os funcionários públicos.
Não vale a pena defendermos a situação de pessoas que, legitimamente, poderiam querer aposentar-se com a reforma por inteiro aos 45 anos, pondo em causa aqueles que trabalham até aos 60 ou 70 anos e que depois não têm reformas para receber. O Sr. Deputado sabe isto perfeitamente e, portanto, vamos todos tentar perceber que há determinado tipo de medidas que podem não ser simpáticas mas que, em nome de certas pessoas, têm de ser adoptadas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas, em democracia, a forma é um requisito essencial!

A Oradora: - Em democracia?! O Sr. Deputado já me está a falar em negociação quando isto não é um processo de negociação, porque esta norma não faz parte do Estatuto da Aposentação e o Sr. Deputado também sabe isto muito bem.
Entendamo-nos, Sr. Deputado, não há aqui qualquer alteração no Estatuto da Aposentação. Se estivéssemos a alterar o Estatuto da Aposentação, o senhor estava com a razão; como, na verdade, não se trata de alterar o Estatuto da Aposentação, e como, além disso, não se trata de um direito adquirido, porque é um direito que está sempre dependente de uma decisão do dirigente do serviço, pelo que nem todas as pessoas o conseguiam, especialmente se estão num serviço em que são absolutamente essenciais - a menos que os senhores queiram dizer que, efectivamente, só por se ser funcionário público é-se sempre dispensável… Quando se afirma que se está perante um direito adquirido, estamos a dizer que qualquer funcionário público, desde que tenha 36 anos de serviço, pode ir-se embora, ou seja, por definição, um funcionário público não faz falta! É isso que o Sr. Deputado quer dizer dos funcionários públicos?! Eu não digo isso!
Portanto, é evidentemente que estamos a falar de um direito que depende de alguma coisa, não é um direito adquirido, e, uma coisa é certa, não faz parte do Estatuto da Aposentação. Foi uma medida pontual, tomada em determinado momento para descongestionar a Administração Pública, que começou a ter efeitos altamente perversos, especialmente quando tudo passou a contar para tempo de serviço, como o senhor bem sabe.

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Na verdade, devido a essa medida, neste momento, alguém com vinte e poucos anos de serviço pode ver o seu tempo de serviço contado como se tivesse os 36 anos. Se assim não fosse, não existiriam casos de pessoas que aos 45 anos têm 36 anos de serviço. É que isto corresponde a ter começado a trabalhar aos 14 anos, o que não é verdade. O que acontece é que existem bonificações que vão sendo acumuladas e que, portanto, levam a que as pessoas tenham mais tempo de reforma por inteiro do que tempo no activo.
Pergunto: o Sr. Deputado acha que há alguma Caixa de Aposentações que aguente uma coisa destas? Aguenta por agora, porque para nós, se calhar, já não vai aguentar!
Sr. Deputado, este é um ponto muito sério, seríssimo mesmo, em que estão em causa centenas de milhar de pensionistas. Ora, em nome dessas centenas de milhar de pensionistas, não vou abdicar do direito de os defender. E como não vou abdicar de os defender, enfrento com toda a determinação aquilo que poderá ser menos simpático para algumas centenas deles, especialmente para aquelas centenas que, com facilidade, vão novamente trabalhar para outro lado. Quando um director clínico se aposenta aos 45 anos só pode ser para ir trabalhar outro lado. Não acredito que aos 45 anos vá para casa dormir!
Passando à questão relativa ao aumento da taxa da RDP, é evidente que, se a mesma vai ser aumentada, terá de haver uma actualização no Orçamento do Estado, já que essa medida não está lá considerada. Terá, portanto, de haver algum ajustamento na proposta de lei para ela poder contemplar esta medida. É tudo quanto lhe posso dizer.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A outra pergunta ligada a esta resultava da intervenção do Sr. Ministro Morais Sarmento, em que o Sr. Ministro afirmou que esta taxa, ou parte do aumento da mesma, seria afecta ao serviço público de televisão. Ora, a Sr.ª Ministra sabe tão bem como eu que isso não possível.

A Oradora: - Por isso estou a dizer ao Sr. Deputado que, para ser tomada essa medida, terá de haver uma alteração no Orçamento, nomeadamente na questão das compensações a cada uma das empresas, pondo-se mais numa e menos noutra, como é evidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, se me permite a interrupção, gostaria de lembrar que, por uma questão de forma, esta matéria é muito importante, na medida em que só a Assembleia da República pode fazer propostas de alteração, sendo que, até este momento, não há qualquer indicação de que a afirmação do Sr. Ministro Morais Sarmento seja suportada por qualquer outro acto necessário para a efectivar.
Ora, tendo o Sr. Ministro Morais Sarmento sido perfeitamente claro no sentido de que essa é a política do Governo e não tendo o Governo feito a proposta necessária à sua efectivação, estamos numa situação de afirmação sem suporte, pelo que quero pedir à Sr.ª Ministra que esclareça este assunto.

A Oradora: - O Sr. Presidente sabe bem que se afirmação não tem suporte, passará a tê-lo se houver algum Sr. Deputado que possa fazer essa proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Portanto, não é uma afirmação que esteja em condições de ser legitimada pelo próprio Governo e espera-se que haja uma legitimação.

A Oradora: - Não, Sr. Presidente, não é isso! Com certeza que está legitimada pelo Governo. Contudo, há uma tradução orçamental dessa legitimação que, provavelmente, terá de ser introduzida na proposta de lei do Orçamento do Estado para que essa medida possa ser concretizada.
Portanto, a afirmação está legitimada no sentido de que é uma decisão do Governo. Aquilo que eu disse foi que, não estando ainda contemplada na proposta de lei que foi apresentada à Assembleia da República, com certeza que terá de haver um ajustamento na proposta de lei, o que, evidentemente, só pode ser feito por iniciativa de algum Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Ministra.

A Oradora: - Relativamente à ultima questão colocada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, se o Sr. Presidente me permitir, passo a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para dar a resposta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Antes disso, se o Sr. Presidente me permitir e só para terminar, ainda em relação à questão da função pública e das reformas antecipadas, a Sr.ª Ministra tem com certeza presente que fez à Assembleia da República duas propostas: uma em relação ao problema das deduções nas pensões antecipadas e outra referente à alteração da forma de cálculo da própria pensão.

A Oradora: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, então deixe-me dizer-lhe que pensei que estava só a falar da questão das deduções nas pensões.
Em relação à forma de cálculo, Sr. Deputado, ela foi sempre a mesma. E tanto assim é que não há aqui alteração alguma. O que sucede é que a Caixa começava por pagar praticamente o ordenado por inteiro, mas depois estava uma série de anos sem actualizar a aposentação até dar o valor correspondente aos 90%, porque sempre considerou que o Estatuto dizia exactamente isso.
Portanto, não há aqui alteração alguma no Estatuto, há, sim, uma alteração na forma de pagamento.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas a Sr.ª Ministra alterou o artigo concreto que altera a fórmula de cálculo!

A Oradora: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas quem nos solicitou que introduzíssemos esta alteração no Orçamento foi o Sr. Provedor de Justiça. E fê-lo pela simples razão de que há uns anos, quando esse pagamento era feito, o ajustamento demorava um ano ou dois porque a taxas de inflação eram muito elevadas e, portanto, as actualizações eram também mais elevadas, mas agora esse ajustamento demora vários anos. Ora, ao fim de um ano ou dois, as pessoas começam a reclamar e a perguntar por que é que toda a gente tinha a sua pensão actualizada e elas não, porque passam vários anos até perfazer o montante a que têm efectivamente direito. Daí que começassem a reclamar junto do Sr. Provedor de Justiça. Ora bem, foi, exactamente, para evitar situações destas que o Provedor de Justiça nos disse: "Façam logo isso como deve ser, para que depois as pensões sejam actualizadas todos os anos". Por isso, repito, não há aqui alteração alguma ao Estatuto da Aposentação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas porque é que alteraram o artigo?! Se alteram a lei, tem de haver negociação!

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A Oradora: - Não, Sr. Deputado. As pessoas sempre tiveram direito apenas a esses 90%. Aquilo que se faz agora é uma mera clarificação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso não quer dizer nada!

A Oradora: - Sr. Deputado, tanto assim é que é o Sr. Provedor de Justiça que nos pede para deixarmos de fazer este tipo de ajustamento. Mais, Sr. Deputado: se os funcionários tivessem direito a esses tais 100%, então, pergunto-lhe por que é que eles depois não eram aumentados quando eram aumentados os outros pensionistas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é a prática!

A Oradora: - Não é uma prática, Sr. Deputado, é um direito. E aí pergunto-lhe por que é que existiam pensionistas que eram aumentados enquanto outros não eram. Onde é que está norma que diz que há uns reformados que podem ser aumentados e outros que não podem? Onde é que está essa lei?! Em sítio nenhum!
O ajustamento ia sendo feito como que em prestações, até ser atingido o limite legal estabelecido na lei para a aposentação. O que sucede é que esse processo, neste momento, demora muitos anos e, portanto, as pessoas estão muitos anos sem verem as suas pensões actualizadas. Ou seja, recebem as pensões, mas passa muito tempo sem que as mesmas sejam actualizadas. Agora, passam a ser actualizadas logo no ano a seguir, ou seja, sempre que haja actualização de pensões, os pensionistas têm o direito à actualização da sua pensão.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas partem de uma base mais baixa!

A Oradora: - Não, Sr. Deputado. E se o Sr. Deputado acha que é assim, então, pergunto por que é que o Sr. Deputado nunca levantou aqui o problema de haver pessoas que tinham as suas pensões actualizadas enquanto que havia outras pessoas que ficavam vários anos sem ver as suas pensões actualizadas. Se o Sr. Deputado acha que era de direito as pessoas receberem esse valor, não sei por que é que nunca levantou este problema?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se alteram a lei, tem de haver negociação!

A Oradora: - Não altero lei nenhuma, Sr. Deputado! Não há aqui alteração de lei nenhuma!

O Sr. Presidente: - Peço-lhes que não entrem em diálogo.
Sr.ª Ministra, o esclarecimento está dado e o Sr. Deputado Lino de Carvalho deverá agora trabalhar sobre os elementos fornecidos.

A Oradora: - Com certeza, Sr. Presidente.
Se me dá licença, Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais continuará a responder às questões colocadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Valdez): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em relação à questão que colocou, há dois aspectos que gostaria de esclarecer. Em primeiro lugar, a lei do sigilo bancário actual consta da lei geral tributária, artigo 63.º, b), sendo uma competência dos directores-gerais dos impostos ou das alfândegas a utilização do acesso ao sigilo bancário em duas situações concretas.
Não vale a pena, neste momento, entrar em pormenores demasiado técnicos para explicar em que circunstâncias se pode utilizar o acesso a contas bancárias, mas posso referir que, num dos casos, esse acesso é feito com algum automatismo e no outro com relativo automatismo, porque permite uma interposição de recursos com efeito suspensivo da parte do contribuinte.
Como é sabido, esta norma encontra-se em vigor desde 1 de Janeiro de 2001 e não foi utilizada, tanto quanto julgo saber, antes de este Governo entrar em funções.
Estes directores-gerais estão em exercício de funções há relativamente pouco tempo, a sua competência é própria, como deve calcular,…

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, percebo a importância destes esclarecimentos, pelo que sugiro que o Sr. Deputado se inscreva para fazer uma intervenção em tempo próprio, o que é perfeitamente legítimo.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.

Orador: - Depois desta explicação técnica muito sucinta e como a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças acabou de salientar, gostaria de referir que, do ponto de vista do Governo, não há qualquer óbice à utilização dessa competência; se houvesse, evidentemente que teríamos proposto a alteração ou a revogação dos normativos em apreço.
Portanto, isto significa, evidentemente, que não temos qualquer óbice à utilização, por parte dos Srs. Directores-Gerais, dos mecanismos que a lei lhes confere, sempre que o exercício das suas competências assim o entenderem.
No entanto, só para efeitos de informação estatística, devo dizer que, em relação a 2002, houve, até agora, 33 pedidos de levantamento de sigilo bancário, neste caso concreto a Srs. Magistrados, dos quais 5 foram indeferidos, 19 deferidos e os outros ainda se encontram pendentes de decisão.
Se a V. Ex.ª também lhe interessa saber, em matéria de correcções, daí resultou uma correcção de imposto da ordem de 4,6 milhões de euros, qualquer coisa como 900 000 contos.
Basicamente são estes os casos de que posso dar conta ao Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Norberto Rosa): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, relativamente à questão que colocou sobre o processo de empresarialização, penso que este assunto já tem sido analisado, quer na Comissão de Execução Orçamental quer nesta Comissão de Economia e Finanças.
Quando se procede à empresarialização de um hospital, o processo que está pensado é o seguinte: elabora-se um balanço da instituição, apurando-se os respectivos activos

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e passivos, e, simultaneamente, faz-se uma dotação de capital, para a qual se tem utilizado um conjunto de critérios económico-financeiros, que dependerá fundamentalmente do nível de dimensão do hospital que está associado à produção de serviços clínicos. Portanto, com base nos activos e passivos actuais do hospital e com essa dotação de capital, que posteriormente será adicionada a esse hospital, ficamos com a empresa.
O que é que é importante? É importante que esse hospital-empresa seja financeiramente viável. Ou seja, elaborar-se-á um plano provisional para três anos, de forma a garantir que tenha uma conta de exploração equilibrada. É nessa perspectiva que ficamos aqui com uma empresa, e este é o processo normal. Quando se constitui qualquer empresa a partir de fusão de várias empresas, apuram-se os activos e os passivos, elabora-se o respectivo balanço e, depois, se houver necessidade, pode fazer-se uma nova dotação de capital. Portanto, ficamos com uma nova empresa, que tem o respectivo capital, que tem os seus activos e que poderá ter alguns passivos, mas o que é fundamental é que os rácios financeiros normais sejam realistas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é gestão empresarial!

O Orador: - Isso não significa, naturalmente, que, num primeiro momento, parte desse capital possa ser parcialmente utilizado para utilização de fundo de maneio, como é natural em qualquer empresa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Do ponto de vista do Serviço Nacional de Saúde, isso é o imobilizado! Tudo o resto é gestão interna do hospital!

O Orador: - Pois! Mas o que é fundamental é que, ao apurar o balanço do hospital-empresa, tenhamos um balanço equilibrado!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Estamos a falar das contas do Serviço Nacional de Saúde! E eu e a Sr.ª Ministra batemo-nos aqui contra práticas internas em anteriores orçamentos!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, chamo a atenção para o que disse há bocado, porque, de outro modo, os direitos dos seus colegas podem ficar prejudicados.
Pode continuar, Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Orador: - Já terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, quero colocar-lhe algumas questões e vou começar directamente pelas mais específicas.
Em primeiro lugar, não quero deixar de assinalar que, sendo esta a penúltima reunião da Comissão, havendo, portanto, apenas mais uma, há uma falta de clareza muito grande, que nos é imposta pelo facto de termos apenas as emendas apresentadas pelos partidos da oposição. Vários ministros referiram-se aqui a emendas - e, aliás, a Sr.ª Ministra também o fez em relação a alguns casos particulares - que são necessárias por parte dos partidos da maioria, no entanto não temos conhecimento delas, o que quer dizer que vamos directamente para a fase das votações em Comissão e, depois, para o Plenário sem nunca termos tido a oportunidade de nos referirmos cruzadamente a essas propostas de alteração. Isto já aconteceu em orçamentos anteriores, mas quero assinalar que é lamentável do ponto de vista da clarificação e das responsabilidades parlamentares.
Dito isto, a primeira pergunta que lhe quero fazer, Sr.ª Ministra, é sobre o imobiliário. V. Ex.ª disse-nos que as vendas não têm corrido bem. É público que não têm corrido bem. Creio, no entanto, que há aqui dois problemas. V. Ex.ª referiu-se ao primeiro, isto é, que o Estado não tem tido o encaixe financeiro de que o Governo estava à espera, que se vendeu muito pouco daquilo que foi à praça, mas eu quero referir-me ao segundo. É que, agora como no passado, a transparência destas operações de vendas é muito pequena.
Aquando da discussão na generalidade, registei que, a este respeito, a Sr.ª Ministra me respondeu que o Governo estava disponível para apresentar toda a informação sobre o preço a que é levado à praça, a quem é vendido e a que preço é feito o ajustamento directo, e, tomando como boa, como não podia deixar de tomar, a sua resposta categórica nesse sentido, o meu grupo parlamentar apresentou uma emenda sugerindo exactamente, nos termos da pergunta que fiz e da resposta que obtive, a introdução de um critério de apresentação regular desta informação, que presumo terá o seu acordo.
Quero sublinhar este aspecto não só porque ele deve dar origem a uma decisão do Parlamento, que vincula o Parlamento e o Governo, mas também porque suponho que terei o seu acordo na insistência de que nesta matéria só pode haver transparência absoluta e nunca pode haver qualquer dúvida de que as operações de venda são feitas em função dos potenciais compradores e não em função das decisões do Estado.
Segunda questão, também sobre o imobiliário e sobre a questão da sisa. O Sr. Primeiro-Ministro anunciou uma alteração para 2003, mas nem ele nem a Sr.ª Ministra deram, na ocasião, qualquer esclarecimento sobre o que o Governo pretende fazer nesta matéria. No entanto, um dos seus secretários de Estado disse à comunicação social que o que se pretende fazer é manter, com taxas mais reduzidas, o imposto de sisa e, pelo que eu entendi, fazer uma revisão das matrizes. Pedia-lhe que nos desse alguns esclarecimentos sobre esta matéria.
Terceira questão, que é suscitada pela anterior, tem a ver com um comentário que levantou aqui, que é de máxima importância, que é saber que políticas alternativas é que se podem contrapor à consolidação orçamental tal como o Governo tem entendido. A Sr.ª Ministra disse que qualquer política alternativa baseada no aumento do consumo das famílias teria efeitos de endividamento, e eu estou de acordo consigo nessa matéria. Lembro-me mesmo de um debate que tive com o governo anterior, em que eu disse que a política de juros baixos derivada da entrada no euro induzia a uma facilidade de endividamento das famílias, tendo, na altura, o ministro Ferro Rodrigues manifestado a sua discordância muito veementemente. E eu não estava de acordo com o governo nesta interpretação.
É claro que, sendo o juro fixado internacionalmente, como é hoje, esse era o juro que tínhamos, essa política era incontornável.
Mas o endividamento das famílias resultou particularmente agravado pelo facto de não termos uma reforma do imobiliário

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nos últimos anos. Ou seja, em Portugal compram-se casas muito mais caras do que em Espanha. Temos um preço do imobiliário inflacionadíssimo, não temos um mercado de arrendamento de habitação e temos um mercado completamente controlado do ponto de vista da compra de habitação a preços exorbitantes. E por isso o juro baixo estimulou a entrada no endividamento das famílias de uma componente de preços caríssimos na compra de casa.
Portanto, creio que podemos reflectir sobre este problema, pensando que uma das tragédias da economia das famílias portuguesas é a componente de compra de casa, que se vai agravar nos próximos anos pelo facto de o boom da compra de casas vir a ser penalizado pelo fim do período de isenção na contribuição autárquica, sendo que as habitações mais recentes são aquelas que vão pagar mais, porque estão taxadas a um preço aproximadamente real.
Ora, isto dá grande importância à condução deste processo de reforma da tributação do imobiliário não só nas transacções mas sobretudo nos registos, na determinação da contribuição autárquica, naquilo que, paralelamente, possa permitir criar um mercado de compra de habitação muito mais barata, porque isso é possível, obviamente, desde que o IVA oculto seja explicitado, e também na criação de um mercado de arrendamento. Esta é a terceira questão que lhe queria colocar, deste ponto de vista mais geral, dos impactos desta alteração e do que pretende fazer a este respeito.
Quarta questão: disse-nos que a precisão que pretende fazer no regime de cálculo das aposentações foi proposta pelo Provedor. Quero chamar-lhe a atenção para o facto de estarmos confrontados com outras matérias quanto ao sistema de aposentações de importância igual ou até superior. É que há um Acórdão do Tribunal Constitucional, que é o Acórdão n.º 254/2000, que declara inconstitucionais duas normas do Decreto-Lei n.º 61/92, de 15 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 204/91, de 7 de Junho, que têm a ver com o cálculo das pensões degradadas na função pública. Estamos, portanto, perante uma situação de inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional.
Percebo que o Provedor deva ser ouvido - com certeza que sim! - para fazer precisões na legislação; repare, no entanto, que aqui temos um órgão competente para intervir nesta matéria, que é uma matéria de imensa sensibilidade, visto, aliás, como nos disse, que é preciso resolver perversidades.
Há problemas por resolver, disse a Sr.ª Ministra. Temos o caso de pensões na função pública em que pessoas exactamente com a mesma carreira contributiva e com as mesmas responsabilidades só porque o processo entrou na Caixa Geral de Aposentações um mês antes, com um mês de diferença, podem ter diferenciais de pensão da ordem das centenas de contos ou, enfim, de uma ordem muito significativa de 50 ou 60%.
Esta é uma situação inaceitável, por isso peço-lhe, Sr.ª Ministra, que nos diga se tenciona tomar alguma medida - eu, aliás, apresentei propostas nesse sentido - e como pensa responder a esta questão, até porque, lembro-me das suas intervenções e das intervenções da sua bancada, quando estavam na oposição, quando esse assunto foi discutido aqui e quando o governo de então manifestava grandes resistências a tomar medidas a este respeito.
Quinta questão, sobre o registo das operações transfronteiriças de capitais: apresentei uma proposta nesse sentido, partindo do pressuposto de que temos no regime financeiro internacional, e em Portugal também, uma situação completamente anómala, é que todas as transacções de propriedade são registadas devidamente - quem compra, porque preço e a quem compra -, mas as transacções que são operações transfronteiriças de capitais não são registadas devidamente para efeitos de informação do sistema tributário, da administração fiscal ou do Ministério das Finanças.
Por exemplo, aquando da reforma fiscal anterior, foi dito e insistido que tinha havido um fuga de capitais da ordem dos 700 milhões de contos. Isto é uma fantasia absoluta, porque não há qualquer dado na posse do Ministério das Finanças que permita, com certeza razoável, dizer que foi isto, que foi muito mais ou que foi muito menos, porque não existe qualquer informação do Estado português a este respeito - naturalmente que os operadores financeiros têm essa informação, em função das operações a que procedem -, e isto permite uma vulnerabilidade enorme do sistema financeiro e, enfim, do sistema económico português.
Por isso, pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, se está disponível para introduzir iniciativas no sentido de dar conhecimento às autoridades devidas, que é o seu Ministério, deste tipo de operações.
Sexta questão, sobre consolidação orçamental: a Sr.ª Ministra referiu-se já muito a isto, de forma que eu não vou voltar ao tema geral, vou apenas pedir-lhe alguns complementos.
O meu ponto de partida é que estamos numa situação em que se apregoa a necessidade de consolidação orçamental, mas estamos perante uma situação de deslize orçamental: colapso das receitas no IRC; política de avales para contornar o endividamento zero nas regiões autónomas, em particular na Madeira; venda de património a toda a pressa; taxa da RDP; o episódio da "prisão" dos funcionários dos correios a respeito de certificados de aforro; a política sobre cativações; e, finalmente, esta amnistia fiscal a que a Sr.ª Ministra ainda não se referiu aqui em detalhe, e eu gostaria que o fizesse.
Digo isto, tanto mais que a Sr.ª Ministra tem, no passado, uma história coerente de posição contrária a iniciativas de facilidade nesta matéria. Aquando do debate do Orçamento rectificativo, disse-nos que qualquer decisão de amnistia fiscal seria "o maior dos impulsos à evasão fiscal". No entanto, propõe-nos agora, pelo que se percebe por uma atitude desesperada de obtenção de algumas receitas, uma amnistia fiscal parcial.
Portanto, creio que se pode tirar uma conclusão, com a qual porventura discordará: em vez de consolidação orçamental, transparência, segurança e tranquilidade nesta matéria, estamos, pelo contrário, perante uma exuberância de intranquilidade, de posições casuísticas, de decisões avulsas, de alteração de estratégias, de incoerências e de medidas que vão sendo tomadas em função da "caixa".
Entendo o seu ponto de vista sobre as cativações, e creio que o Governo, tal como ficou explícito no debate, tomou uma posição evidente para todos, ou seja, gastará até 85% do investimento e só se as receitas ultrapassarem o presumível é que utilizará os 15% que ficam cativos. Portanto, um orçamento na versão reduzida terá o défice de 2,4%; se as receitas forem maiores, então poderá ser feita qualquer outra despesa, mas nesse caso, evidentemente, não teremos défice de outra ordem, porque se toda a despesa suplementar aos 85% for compensada por receita suplementar, então nesse caso, naturalmente, não haverá défice.

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O problema, no entanto, está colocado na gestão orçamental portuguesa, mas está colocado também quanto aos critérios que deve seguir esta consolidação orçamental. Reconhecerá a Sr.ª Ministra que a razão pela qual criticámos o Pacto de Estabilidade foi exactamente a razão pela qual ele, hoje, está em crise. Dissemos que o Pacto de Estabilidade, ao procurar baixar o défice orçamental dos 3% até 0%, só era crível se se admitisse que havia, permanentemente, uma situação de expansão económica. Ora, o ciclo económico é uma realidade; é, aliás, a única forma de o sistema económico da economia capitalista, a economia industrial moderna, se reajustar, eliminando uma parte do seu próprio capital. O ciclo económico é absolutamente incontornável! E o erro do Pacto de Estabilidade e das medidas que presumia era o de que nunca haveria depressão económica, porque, na altura em que houvesse, ele entraria, necessariamente, em contradição. E foi isso o que aconteceu.
Presumo que reconhecerá que esta crítica era não só adequada, como foi completamente comprovada pelos factos. Quando entrámos em depressão, os governos deixaram de poder ter a política de consolidação orçamental que estava prevista no Pacto. Não podia deixar de ser assim!
Portanto, é bom que se reflicta que, para o futuro, quando corrigirmos o Pacto, vamos ter exactamente o mesmo problema. Então, quando se reiniciar a expansão, no final de 2003, ou, mais provavelmente, em 2004 (e veremos em que condições é que isso acontece), poderemos voltar a dizer que vamos voltar ao défice zero.
Mas o que não podemos presumir é que não volte a haver um ciclo económico depressivo, porque houve em 1974/75; porque houve em 1982; porque houve em 1991; porque há, agora, em 2002/2003; e porque haverá, naturalmente, por ser a forma de procedimento. Nunca deixou de ser assim em 200 anos da actividade das economias industriais modernas. Consequentemente, temos é de ter um Pacto que consolide orçamentalmente, mas que previna as situações de desagregação da política económica.
E é por isso que queria fazer-lhe, neste ponto, uma pergunta directa. A Sr.ª Ministra referiu-se a alguns artigos de opinião sobre esta matéria. Ora, em Portugal, temos não só propostas de grupos parlamentares (já o fiz, no quadro do Orçamento rectificativo, a Sr.ª Ministra opôs-se a isso, mas insistirei neste Orçamento, sob uma forma mais concreta), mas o Presidente da República, em artigos publicados no Público e no Le Monde, comentou esta situação e insistiu, em particular, numa estratégia que é a de rever um Pacto, prevendo um saldo orçamental que exclua as despesas de investimento, ou, pelo menos, as fundamentais das despesas de investimento. Esta é, aliás, a nossa opção desde há muito tempo. Gostaria, pois, que nos dissesse, e é esta a minha pergunta, se está em desacordo com essa estratégia ou se lhe parece inadequado que se proceda nesse caminho.
A última questão, Sr.ª Ministra, versa, ainda, sobre a questão do sigilo. Tomei nota da resposta que a Sr.ª Ministra e os Srs. Secretários de Estado deram e das informações. Devo dizer-lhe que também colaborei na preparação da lei anterior e que registo com muita satisfação a posição que tomou aqui, dizendo que estas regras são suficientes e que deve ser incentivada essa medida, até porque, na altura, a Sr.ª Ministra opôs-se a estas medidas. A Sr.ª Ministra não só se opôs à lei em geral que as contém, mas opôs-se especificamente às alterações sobre o sigilo bancário incluídas nesta legislação.
Mas creio que a vida é isto, é que vamos aprendendo e vamos corrigindo e, portanto, saúdo a sua aproximação a essas posições. Aliás, na altura, tínhamo-nos confrontado com as posições da actual Ministra da Justiça, que remetia, remeteu sempre, uma intransigência absoluta, dizendo que isto violava o artigo 26.º da Constituição, por causa da inviolabilidade da vida privada, e, portanto, haveria um problema fundamental quanto ao levantamento do sigilo bancário que era o de que as pessoas têm o direito a manter a sua vida privada, ou, para fazer uma tradução liberal, têm direito a mentir.
No entanto, quero constatar que, face aos dados que nos dá, com o grau de fraude fiscal de que a Sr.ª Ministra, aliás, deu conta, de que só em dívidas fiscais teríamos 1800 milhões de contos, já para não falar do que é fraude e evasão, porque está tudo fora dessa conta, como é natural, porque não está contabilizado e que será, porventura, muito mais do que isso, nessa situação, presumo que, apesar de a lei ser aberta para a sua utilização, a verdade é que a administração fiscal não tem, hoje, a autonomia, ou a capacidade, ou a decisão, para utilizar esta lei.
Enquanto esta lei se mantiver, não haverá um combate generalizado com a utilização do instrumento do levantamento do sigilo. E é por isso que lhe proponho um método diferente, que é o de que, no âmbito do seu Ministério, e não no âmbito da administração fiscal, se crie a operacionalização que permita toda a informação centralizada de todas as operações bancárias e que seja feito, no seu Ministério, directamente, sob a sua tutela, o cruzamento das informações de todas as operações bancárias com toda a informação tributária. Creio que é o que permite que não haja alguma suspeita sobre direccionamento de investigações, pois não se vão investigar directores de jornais, não se vão investigar porta-vozes da oposição, não se vai investigar este ou aquele empresário, ou este ou aquele sindicalista; mas todos os cidadãos, todos sem excepção, são verificados para saber se na sua declaração tributária está um salário de 100 e se entram 5000 por mês na sua conta bancária e se há razões legais para que isso aconteça, ou se, pelo contrário, é fraude narcotráfico ou o que quiser.
Creio que este é o único mecanismo que temos e que é, aliás, um mecanismo suficientemente testado, porque é aquele que ocorre nos Estados Unidos da América e em alguns outros países muito mais desenvolvidos do que Portugal. E queria sobre isso, Sr.ª Ministra, ter a sua reacção, na expectativa de que, assim como já veio a aceitar as boas regras da lei da reforma fiscal anterior, possa vir a aceitar as melhores regras que agora lhe estou a propor.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a sua primeira pergunta prende-se com a questão do imobiliário, tendo dito que não tem corrido bem, porque o encaixe financeiro tem sido menor do que o que se estava à espera. Não se trata de qualquer falta de transparência, é assim, ou seja, estimávamos determinado montante e não se consegue obter esse montante, o que significa que também não se está a pensar vender ao desbarato, mas a tentar vender pelos valores correspondentes às avaliações. Por isso, não se está a vender de uma forma qualquer.
Em todo o caso, devo dizer-lhe que o montante da receita que está estimado no Orçamento rectificativo para

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receita resultante da venda do património não ficará longe dos objectivos que lá estão. Mas não lhe devo dizer que admitia a hipótese de ser superior. E não é.
Sr. Deputado, de uma coisa pode ter a certeza: é que, tanto relativamente a outros processos, como muito especialmente em relação a estes, estou totalmente disponível para apresentar todos os elementos que os senhores entendam dever pedir; não tenciono encobrir nenhum, porque não tenho rigorosamente nada para encobrir, tenho apenas tudo para mostrar. Portanto, todas as informações que os senhores quiserem saber sobre esta matéria dá-las-ei à Assembleia. Nada tenho a encobrir e tenho até muito gosto em mostrar tudo.
Quanto à questão da reforma da tributação do património, que o Sr. Deputado levantou, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou, e vai com certeza cumprir, não tenho quaisquer dúvidas disso, que apresentará à Assembleia a proposta de reforma da tributação do património no ano de 2003. Como sabe, trata-se de uma reforma importante, que, com certeza, tem de ser objecto de longas discussões, de muitas opiniões e que corresponde a um trabalho para o qual já existem bases de trabalho e muitas análises feitas. Portanto, não é algo que parta do zero, é algo que já parte de muito trabalho.
Mas obviamente que considero, e o Sr. Deputado compreende isso, que não é correcto neste momento que eu transmita à Assembleia quaisquer tipo de decisões que correspondem ainda a discussões.
Posso apenas afirmar e confirmar que no ano de 2003 essa proposta será apresentada à Assembleia da República; não será apresentada no final do ano, será apresentada num prazo não muito longo, mas a que correspondem, ainda, discussões, pelo que me permitiria não considerar quaisquer tipo de decisões tomadas. Para ser apresentada à Assembleia da República obviamente que tem de se obter uma aprovação em Conselho de Ministros. Nessa altura, então, é que penso estarmos disponíveis para dizer qual é efectivamente a proposta que corresponde ao Governo, que será aquela que sair do Conselho de Ministros e para, nessa altura, ser apresentada à Assembleia da República e aí ser discutida.
Quanto ao ponto que referiu como número quatro, confesso-lhe que não sei a que é que se está a referir. A questão do cálculo das pensões degradadas é um assunto (e penso ser esse o assunto a que se estava a referir) que já vem de longe, que corresponde a uma diferença entre as aposentações calculadas antes do ano em que entrou o novo sistema retributivo, tendo, portanto, passado a haver divergências enormes entre esses dois momentos da aposentação. Já de há anos que essa matéria tem sido fonte de grande reclamação.
Julgo que o facto de os sucessivos governos não terem resolvido o problema tem tido a ver com questões de natureza financeira exclusiva, não por considerar que a reivindicação não é justa, mas porque o encargo para a Caixa Geral de Aposentações tem sido verdadeiramente inultrapassável. Mas o Sr. Deputado também sabe que penso que todos os governos, de uma forma mais ou menos acentuada, todos os anos, têm, aos poucos e poucos, feito algumas correcções, não muito significativas, acredito, mas, em todo o caso, tem sido sempre introduzida alguma diferenciação quando se faz um aumento de pensões considerando aqueles que têm pensões degradadas. E o motivo pelo qual isso não foi nem tem sido feito de uma forma genérica deve-se ao facto de ser um encargo que a Caixa Geral de Aposentações não consegue suportar todo de uma vez, mas é um ponto que nunca foi abandonado, penso eu, por nenhum dos governos desde essa altura.
Tem havido uns ajustamentos maiores ou menores, mas lembro-me que quando estava na Secretaria de Estado do Orçamento e fazíamos a actualização de pensões tínhamos sempre o cuidado de proceder a ajustamentos, ou seja, a um aumento x para as pensões normais e a um aumento de x + y (e o y nem sempre era tão grande quanto desejável) para as pensões degradadas, portanto julgo que é um tema que não está esquecido.
Quanto ao regime financeiro das transacções transfronteiriças de capital, depois passarei a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ou do Tesouro e Finanças para acrescentarem algum pormenor sobre esta matéria.
Sr. Deputado, vamos novamente falar da questão da consolidação orçamental. Eu penso que não vou tornar a repetir, e com certeza também não é isso que o Sr. Deputado quer, a ideia que tenho sobre essa matéria. Tenho alguma dificuldade em aceitar a sua palavra "colapso" e a sua ideia da transformação ou da substituição da tranquilidade por intranquilidade, como se fosse uma crítica.
Se o Sr. Deputado me perguntar se estou intranquila, digo-lhe que sim, mas só porque penso que não sou irresponsável. A tranquilidade não é necessariamente um bem quando se está perante um processo de consolidação orçamental altamente complexo. Portanto, se a receita não corre bem e temos de tomar outro tipo de medidas é uma incorrecção ou é criticável uma pessoa ficar intranquila?
Eu não tomo isso como uma crítica, isto é, aquilo que se exige a um médico quando está a tratar um doente é que esteja atento à evolução da doença e que vá doseando o remédio, dando mais ou menos, ou utilizando outro tipo de remédios se vê que um não está a ser correcto ou a ter efeitos, ou que o organismo não está a reagir tão bem quanto se pensava. Isto não é um motivo de crítica ao médico, bem pelo contrário é considerar que o médico está atento e sabe que há vários remédios, que deve acompanhar o doente, ver como é que o organismo reage e estar suficientemente atento para, efectivamente, o curar. Considero que isto é, verdadeiramente, algo que qualquer pessoa responsável deve fazer e não dizer "toma lá o remédio, agora vou-me embora e daqui a cinco meses cá virei ver se estás melhor ou se morreste", por isso não consigo entender onde é que está a crítica - penso que era uma crítica - relativamente à hipotética intranquilidade.
Por outro lado, devo dizer-lhe...

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Ministra, era só para que não se chamasse o ortopedista quando há uma pneumonia.

Risos.

A Oradora: - Não, Sr. Deputado. Como o Sr. Deputado sabe, ainda não se chamou nenhum ortopedista, apesar de se estar perante uma gravíssima pneumonia, e aquilo que se tem estado a dar é exactamente remédios para a pneumonia, porque se tivéssemos precisado de chamar um ortopedista, então, rigorosamente, as medidas não teriam sido estas, provavelmente teriam escavacado todo o doente e é exactamente isso que estamos a tentar não fazer. Isto é, algumas medidas que os Srs. Deputados aqui apontam

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são, realmente, medidas ortopédicas, não são medidas para curar uma pneumonia, e é exactamente a receita do ortopedista que estou a evitar seguir.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -- Já estamos é perto da eutanásia!

A Oradora: - Agora, Sr. Deputado, vou responder concretamente à questão que levantou relativamente à medida fiscal que foi tomada há uns dias sobre as dívidas.
Afirmou o Sr. Deputado que eu disse que qualquer medida de amnistia fiscal seria sempre um impulso à evasão fiscal. Não sei se disse isto exactamente assim, o Sr. Deputado citou, mas acredito que tenha dito, porque é o que penso, portanto, não recuo em nada daquilo do que disse nem digo que não penso isso.
Mas há dois pontos que quero referir, que são os seguintes: primeiro, não estou a tomar nenhuma medida de amnistia fiscal, porque não estou a fazer nenhum acordo de pagamento em prestações, não estou a fazer nenhum acordo de pagamentos diferidos, não estou a fazer nada disso; segundo, estou a fazê-lo no momento em que tomei uma medida altamente gravosa, e penso que ninguém deu por ela, em relação ao combate à evasão e fraude fiscais.
A medida altamente gravosa, que penso que ninguém deu por ela, foi a que introduzimos no Orçamento rectificativo e que tinha que ver com a perda de qualquer benefício fiscal por parte de quem não tivesse a sua situação fiscal regularizada, afectando não só as empresas como qualquer contribuinte.
Com essa medida, qualquer contribuinte, pelo facto de ter um atraso na sua situação fiscal, perde os benefícios fiscais que decorrem de aplicações, como os PPR e as contas poupança-habitação que tem feito ao longo da vida. Nesse ponto fui sensível ao facto de que essa medida tocava em pequenas ou grandes apostas que as pessoas tinham feito, que foram criadas com o objectivo de incentivar as poupanças, e que elas poderiam ficar frustradas quando de repente percebessem que efectivamente tinham perdido tudo.
Foi exactamente no dia em que essa medida foi publicada no Diário da República - espero que o Sr. Deputado tenha percebido que foi exactamente no dia em que foi publicada no Diário da República essa medida, que penso que ninguém deu por ela, ou ninguém tomou bem consciência dela - que se deu a hipótese de fazer essa regularização, senão as pessoas perdiam mesmo, no ano de 2003, quaisquer benefícios fiscais; e esse aspecto não pode ser desligado da medida que foi tomada.
Se o Sr. Deputado me perguntar: "então, se isso é assim, por que é que não deu um prazo até 31 de Janeiro de 2003, mas só até 31 de Dezembro?". A essa pergunta respondo-lhe categoricamente que o fizemos por causa da receita de 2002, portanto não fui além de 2002, porque quero a receita em 2002. Aí, não lhe nego que se não aumentei o prazo foi por causa de 2002, mas a medida não foi tomada com o objectivo de proceder a um perdão fiscal exactamente porque não foi feito nenhum acordo, não foi previsto nenhum sistema de prestações, ela está ligada, rigorosamente, a uma medida altamente gravosa para quem não tivesse a sua situação fiscal regularizada.
Sr. Deputado, vamos falar outra vez da questão do pacto e dos ciclos.
Ó Sr. Deputado, eu não digo que seja uma defensora incontestável do pacto, mas o que eu considero gravoso e errado no pacto não é o que está a passar-se neste momento, mas o que se passou há uns tempos atrás, isto é, o facto de o pacto não obrigar os países a convergirem e a consolidarem os orçamentos num momento expansionista. Efectivamente, esse é que foi o erro.
Digo isto, porque se os países tivessem todos consolidado os seus orçamentos num ciclo de expansão tê-lo-iam feito de uma forma relativamente tranquila e teriam tido a hipótese de não necessitar de tomar quaisquer tipo de medidas gravosas quando o ciclo se alterasse, pela simples razão de que os 3% são mais do que suficientes para fazer funcionar os estabilizadores automáticos.
O erro está no facto de as autoridade comunitárias terem permitido que alguns países, e não foram todos, não aproveitassem esse ciclo e expandissem a despesa - compensados por uma receita fácil de obter, dado que se estava num ciclo de expansão, e não tendo a consciência que quando a despesa cresce é um sarilho para descer e que a receita, essa, cai no dia seguinte e depois é que é difícil - e se entrasse na situação de fazer uma consolidação num momento do ciclo verdadeiramente desajustado. Mas é exactamente por haver esta consciência de que agora o ajustamento tem de fazer-se num momento do ciclo desajustado que houve alguma maleabilidade no sentido de não se exigir que fosse feito em 2004, porque, obviamente, para alguns países isso era praticamente inviável.
Mas, do meu ponto de vista, o erro não está em obrigar-se os países a fazer uma consolidação orçamental, está no facto de terem permitido que essa consolidação não fosse feita no momento em que deveria ter sido feita, e isso é absolutamente essencial se nós estamos numa união monetária. Essa é, evidentemente, a nossa divergência, provavelmente fundamental, portanto, aí não temos facilidade em convergir.
Quanto à questão do sigilo bancário, o Sr. Deputado diz que eu fui contra e que agora estou a favor.
Ó Sr. Deputado, eu nunca fui contra nem a minha voz se levantou algum dia contra o levantamento do sigilo bancário a pedido de uma informação judicial. Eu nunca fui contra isso. De resto, isso já estava na lei, mas fui contra, e mantenho, o levantamento do sigilo bancário tout court.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, antes de entramos na segunda fase de perguntas, eu próprio tenho duas ou três questões a colocar-lhe.
A primeira questão é sobre o sigilo bancário.
Aquando do debate, na generalidade, na Comissão, a Sr.ª Ministra foi solicitada no sentido de dar-nos a estatística dos casos de sigilo bancário, tipificado de acordo com a lei, e os resultados desse levantamento.
A Sr.ª Ministra, na ocasião, respondeu que estaria a dias de obter esse levantamento e que tão depressa quanto possível nos daria o mesmo. Como até agora não recebemos nada, queria perguntar-lhe o seguinte: serão assim tantos os casos? Vai dar-nos por escrito a cópia desse levantamento, tal como foi pedida, isto é, o levantamento dos casos, a tipificação estatística e os resultados que se obtiveram?

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sim, sim.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
A segunda questão ainda é relativa ao sigilo bancário.
A Sr.ª Ministra, agora mesmo, enalteceu uma medida que foi tomada pelo Ministério das Finanças como sendo de grande eficácia e de grande amplitude em matéria de combate

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à fraude e evasão fiscais. Trata-se de ligar a existência de benefícios e de apoios do Estado à limpeza, se assim se pode dizer, das obrigações dos contribuintes.
Quero perguntar-lhe o seguinte: atendendo à extraordinária importância que a Sr.ª Ministra dá a essa medida, atendendo ao facto de as obrigações dos contribuintes necessitarem de um regime de total transparência, atendendo que quem pede e obtém apoios do Estado entra numa relação com o Estado, que é especial e que só pode ser pautada pela total transparência e pela boa fé, não considera a Sr.ª Ministra que a melhor ajuda que poderíamos dar-lhe neste Orçamento seria votarmos uma medida que incluísse, no campo das obrigações das empresas, ou se quiser, das disposições que as empresas fariam na sua contratação com o Estado, um normativo no sentido de elas próprias facilitarem o acesso às suas contas bancárias, de tal maneira que a concessão do apoio, implicando da parte de quem o recebe a obrigação de uma total transparência perante a administração tributária, seria, naturalmente, acompanhada, entre outros requisitos que justificam o incentivo ao apoio, de um pequeno documento em que o candidato a beneficiário diria algo como isto: "No caso de vir a ser apoiado, eu, estando de total boa fé e desejando que haja uma total relação de confiança e transparência, desde já digo que autorizo que o sigilo bancário seja levantado em toda e qualquer operação que a administração tributária entenda necessária". Bom! Esta medida era um enorme apoio ao objectivo que a Sr.ª Ministra anunciou e não vejo como o Governo a possa rejeitar, a menos que entenda que, de facto, é conveniente manter um espesso véu, uma falta de transparência e, sobretudo, uma desigualdade entre o Estado de boa fé e o contribuinte, a quem, sem sequer ser consultado, se atribui logo a ideia de que não quererá ter uma total transparência.
Quanto à questão do Pacto de Estabilidade e ao enquadramento plurianual, todos os quadrantes políticos têm considerado que um dos graves defeitos do nosso exame e apreciação do Orçamento consiste no facto de nos concentrarmos no período de um ano, em vez de termos uma perspectiva plurianual que nos dê a tendência, a grande linha das rubricas estruturais, quer do lado da despesa, quer do lado da receita, não em pormenor, como é evidente, mas num enquadramento plurianual. Sucede que há um esboço desse enquadramento plurianual no Pacto de Estabilidade e Crescimento, o qual não está presente na discussão deste Orçamento.
Assim, quero perguntar, em primeiro lugar, à Sr.ª Ministra, para que efeito entregará esse documento ao Parlamento, antes de o entregar a Bruxelas, e sei que o entregará, porque já assumiu esse compromisso e não tenho dúvidas de que assim fará. Qual é, de facto, a finalidade e que enquadramento é que a Sr.ª Ministra dá a esse envio ao Parlamento de um documento que, depois, vai obrigar o Estado português junto das instâncias comunitárias? Gostava, efectivamente, de saber para que efeito é que a Sr.ª Ministra envia esse documento ao Parlamento, o que é que espera do Parlamento nesta tarefa que tem de ter uma colaboração inter-institucional muito forte e, no fundo, se o Parlamento será, pura e simplesmente, informado, sem mais nada, ou se há aqui um processo que a Sr.ª Ministra queira estabelecer pela primeira vez.
Ainda relativamente ao enquadramento plurianual, a Lei de Enquadramento Orçamental estabelece que, até 15 de Maio, o Governo enviará à Assembleia da República um relatório circunstanciado com a orientação, a vários anos de vista, ou seja, plurianual, da despesa pública, tendo em vista a preparação do debate que se deverá realizar na Primavera sobre a orientação da despesa pública. Gostava de saber se a Sr.ª Ministra já encarou este relatório, se já tem um pensamento elaborado sobre ele, as suas finalidades e a sua estrutura e como é que ele se encadeia com o processo orçamental propriamente dito. Claro está que tudo isto já não vai ter efeito na apreciação deste Orçamento mas terá, com certeza, um maior efeito na apreciação do próximo e, por isso, gostaria de saber qual o entendimento que a Sr.ª Ministra tem sobre esta matéria e como é que ela se vai processar.
Ainda sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, sei que a Sr.ª Ministra, evidentemente, tem uma informação abundantíssima neste campo mas falta uma clarificação da doutrina do Governo. Por todo o lado aparecem sugestões sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, é certo que essa revisão se irá fazer - não é uma matéria de eventual suposição, é certo que se irá fazer -, é certo que se trata de uma questão muito de fundo e, por isso, queremos saber a posição do Governo sobre ela. Provavelmente, sabê-lo-emos quando entregar o relatório sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, visto que, reportando-se o relatório a três anos de vista, ele só tem significado se o Governo clarificar também a sua posição quanto à revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, a qual ocorrerá no período de vigência a que se refere esse documento, mas gostaria de saber se a Sr.ª Ministra considera ou não alguns factos, que passo a enunciar.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Ministra acabou de referir que o principal problema resulta do facto de, em período, chamemos-lhe, de expansão, não se ter feito uma consolidação orçamental nos vários países da União. Mas a questão é que os vários países da União estão em situações extremamente diferentes e não homogéneas e é isso que torna extremamente irrealista, como a prática vem demonstrando, o próprio Pacto de Estabilidade e Crescimento. Por exemplo, no caso português, nós, que temos uma dívida de uma ordem próxima dos 60% do PIB, relativamente à Bélgica ou à Itália, por exemplo, estamos numa posição totalmente diferente quanto à sustentabilidade das finanças públicas, porque eles têm dívidas da ordem dos 100%, quase duplas das nossas, isto é, existem três pontos percentuais de PIB a nosso favor, na comparação, por exemplo, com a Itália ou com a Bélgica. E, portanto, é evidente que isso se deve traduzir de algum modo. Apontando o exemplo das famílias, que é o mais fácil que se pode enunciar, entre duas famílias com um mesmo ordenado, com um mesmo rendimento familiar, uma, que tem de pagar todos os meses a prestação da casa, do carro, das mobílias, de tudo e mais alguma coisa, e outra, que está livre desses ónus, porque já é proprietária em pleno de todos esses bens, a situação é totalmente diferente. É isto mesmo que se passa entre os povos.
Portanto, sendo a questão essencial a da sustentabilidade das finanças públicas e não a da verificação de alguns números fetiche, quero perguntar à Sr.ª Ministra como é que o Governo se está a orientar nesta matéria, com incidência na revisão que, certamente, estará a ser preparada e que vai sendo já objecto de conversações, sendo certo que, muito particularmente, a adesão da Grã-Bretanha ao euro é uma eventualidade que todos desejamos e essa adesão só se poderá fazer em condições que não forcem a Grã-Bretanha, que tem, de facto, uma orientação de gestão fiscal e orçamental muito superior àquela que resulta do

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Pacto de Estabilidade. É evidente que a adesão da Grã-Bretanha ao euro só se pode fazer se o Pacto de Estabilidade se aperfeiçoar, para se colocar ao nível da metodologia superior da Grã-Bretanha. Não é o caso de a Grã-Bretanha, para aderir, lançar fora a sua metodologia, que é superior à do euro, à que nós usamos na "eurolândia" e, portanto, é um problema que se coloca nos próximos dois anos. Aliás, só esse facto determina que o Pacto de Estabilidade e Crescimento venha a ser revisto de uma maneira radical.
Além disso, sucede que a revisão do Pacto de Estabilidade nos é favorável, é essencial para o futuro de Portugal, sem pôr em perigo a sustentabilidade das finanças públicas, bem pelo contrário, dando-lhe realismo e objectividade e favorecendo a consolidação orçamental em paralelo com o crescimento económico.
Portanto, gostávamos de saber a posição do Governo sobre essa matéria.
A última questão que lhe quero colocar tem a ver com o seguinte: a Sr.ª Ministra tem dado a indicação de que quer reduzir a dívida pública portuguesa a zero, ou seja, que é desejável que isso aconteça. Parece-me que a Sr.ª Ministra ainda não se deu conta disso - deixe-me que lhe diga - mas, quando impõe, no Pacto de Estabilidade, que o objectivo consagrado pela nossa lei, numa lei reforçada, é ter um défice zero, isso significa que, tendencialmente, entende que não há nenhum papel, nas finanças públicas, para a dívida e, portanto, a Sr.ª Ministra não reconhece, quanto mais não seja, o papel fundamental de equidade entre gerações que a dívida pública instrumentaliza. Ora, ao rever o Pacto de Estabilidade, o que os ingleses querem, acima de tudo, é salvaguardar esse aspecto. E, pela minha parte, quero saber se a Sr.ª Ministra está disposta a rever essa posição ou se está disposta a impor ao Sr. Blair, como condição, que seja ele a rever a sua posição.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Deputado João Cravinho, havemos de começar e acabar sempre os nossos debates…

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr.ª Ministra, isto não é acabar, isto é um intermezzo, porque ainda estão inscritos três Srs. Deputados.

Risos do PS.

A Oradora: - Não, não, Sr. Presidente, quando me referi aos nossos debates, quis referir-me aos debates entre mim e si.

O Sr. Presidente: - Ah! Está bem!

A Oradora: - Como estava a dizer, havemos sempre de começar e acabar os nossos debates caindo naquela que é a nossa profunda divergência e uma verdadeira oposição, que é a questão das SCUT. O Sr. Deputado João Cravinho está sempre a pensar na dívida futura…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, desculpe, não quero interrompê-la mas apenas avisá-la, no sentido exacto do termo, que o Ministério da Saúde, conforme anunciado, vai concretizar não sei quantas SCUT para hospitais - quase 10, salvo erro - e o Ministério da Justiça está a preparar o mesmo para as prisões. Isto é o que se sabe já e, portanto, a Sr.ª Ministra vai ter mais umas 14 ou 15 SCUT, chamem-se hospitalares ou outras.
Portanto, quero apenas avisar a Sr.ª Ministra de que está a ser mal servida pelas informações que o seu Governo lhe veicula.

A Oradora: - Sr. Deputado João Cravinho, vamos falar das coisas normais.
Quanto ao Sr. Deputado dizer que não quero dívida e que não vejo bem qual o processo da dívida, não vejo, com certeza, o processo da dívida com encargos em anos que não se sabe em que posição de ciclo estão e de tal forma dimensionados que poderão pôr em risco a situação ou o nível de vida das populações dessa altura. Sinto, rigorosamente, que não tenho qualquer direito de tomar decisões dessa natureza e, por isso, nesse caso, digo-lhe já que não.
Quanto à questão do Pacto, Sr. Presidente, o senhor continua convencido de que eu faço esta defesa da orientação da política só por causa do Pacto. Já disse várias vezes, muitas vezes, e direi quantas vezes forem necessárias, que o problema da economia portuguesa neste momento implica este tipo de política, independentemente dos objectivos de Bruxelas. Esqueça o Pacto! Esqueça o Pacto! Esqueça que estamos na União Monetária! A nossa situação, neste momento, implica rigorosamente esta política, imposta pelo Fundo Monetário Internacional, e o Sr. Presidente sabe que é assim!
Portanto, Sr. Presidente, esqueça a ideia do Pacto, não pense…

O Sr. José Sócrates (PS): - Em 1993 também era assim!

A Oradora: - Sr. Presidente, por favor, peça ao Sr. Deputado José Sócrates que faça silêncio, porque ele enerva-me e não consigo falar.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, não se deixe enervar, porque está no uso da palavra e tenho a certeza de que os Srs. Deputados nunca a interromperão, pelo menos daqui por diante.

A Oradora: - Portanto, mantenho, efectivamente, a posição de dizer que a orientação da nossa política não tem a ver com o Pacto de Estabilidade ou com o seu conteúdo, a política que temos de seguir é independente disso e, nessa medida, não vale a pena continuarmos a pensar nos objectivos e que se o Pacto fosse alterado, então, provavelmente, estaríamos com uma política diferente, porque, sem Pacto, sem União Monetária, sem permanência lá, teríamos de estar a cumprir determinado tipo de objectivos, em virtude de um problema interno. Mas ainda não ultrapassámos o nosso problema interno e estamos já a querer discutir um assunto que, infelizmente, ainda não nos diz respeito.
Relativamente à questão do Programa de Estabilidade e Crescimento e à forma como o vamos discutir na Assembleia, não tenho dúvidas, Sr. Presidente, de que não existe aqui qualquer fórmula, propriamente institucional, sobre qual o efeito prático da apresentação e da discussão com a Assembleia do Programa de Estabilidade e Crescimento, que, obviamente, tenciono fazer. Há, no entanto, uma coisa que gostaria de dizer - até porque o Sr. Presidente está bastante preocupado, e logicamente, com o problema plurianual, com a orientação da despesa, com todo o pensamento

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sobre esta matéria -, que é a seguinte: não há pensamento nem orientação que resista, se nós, aqui, na Assembleia, não formos capazes de nos entender sobre as medidas necessárias para atingir esse pensamento ou orientação. É que estamos todos, simplesmente, sempre a falar em orientações e parece-me que, quanto a elas, mais ou menos, todos nos entendemos. Daqui a nada são quase uma verdade de Messieur de La Palice. Agora, quanto às medidas, isso, sim, Sr. Presidente, gostaria muito que esta Comissão ou qualquer outra que os senhores entendessem, pudesse estabelecer connosco a discussão sobre os meios necessários para se chegar a esses objectivos. É que não vale de nada fazermos um Programa de Estabilidade que todos aceitemos e, depois, a cada medida que se tomar, haver uma barreira que se levanta, no sentido de que ela não deve ser tomada.
Portanto, Sr. Deputado, é nessa medida que espero poder discutir com esta Assembleia não apenas a orientação da despesa, porque todos sabemos fazer programas com alguma imaginação, e, então, se eles são plurianuais ainda com mais facilidade se fazem, porque não são para agora, são para concretizar noutros anos.
Portanto, Sr. Deputado João Cravinho, é quanto a este aspecto que eu gostaria de ter o seu apoio, como Presidente da Comissão de Economia, sugerindo qual é a forma, porque trarei, com certeza, para discussão à Assembleia o Programa de Estabilidade e Crescimento. Com certeza, nesse programa hão-de estar as linhas mestras da orientação, nomeadamente no que respeita à despesa, mas também não pode imaginar-se que as coisas acontecem só porque se escrevem num papel e num programa que vai ser discutido e aprovado tanto na Assembleia como na comunidade.
Esse programa não vai resolver nada, o que vai resolver é acertarmos quais são os caminhos a seguir para efectivamente atingirmos esses objectivos. É esse o aspecto fundamental que, quando vier à Assembleia, gostaria de poder discutir com os Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, quero dizer-lhe que contará com toda a colaboração institucional da Assembleia da República, nomeadamente desta Comissão, para responder da melhor forma, do ponto de vista do interesse nacional, a este repto que nos lança. Assim, o assunto será presente à Comissão e veremos a opinião dos diferentes grupos parlamentares, mas desde já quero dizer-lhe que agradeço e que cumprimento aquilo que acaba de dizer-nos.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - É uma interpelação autêntica, Sr. Deputado?

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, gostaria de perguntar se V. Ex.ª e os demais participantes no debate me dão a oportunidade de poder esclarecer um aparte parlamentar que proferi, transformando-o numa pergunta, já que a Sr.ª Ministra ficou tão incomodada com ele, embora eu possa assegurar que não tinha nem esse interesse nem esse objectivo. Portanto, Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pequeníssima pergunta à Sr.ª Ministra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode inscrever-se para colocar a questão que pretende.

O Sr. José Sócrates (PS): - Eu sei, Sr. Presidente, mas como a Sr.ª Ministra perguntou à Mesa se podia dar-me a palavra para formular essa pergunta, talvez com essa manifestação de interesse V. Ex.ª pudesse autorizar-me a colocar essa pequeníssima pergunta, que vinha mesmo a propósito daquilo que a Sr.ª Ministra estava a dizer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Sócrates, o nosso interesse é gerir da melhor maneira os direitos de todos os Deputados e também a boa ordem dos trabalhos. O Sr. Deputado vai ter a oportunidade que pediu mas, se não se importa, seguimos uma ordem para evitar que o assunto possa não ser bem aceite por todas as bancadas - e cada uma teria as suas razões para isso-, de resto, devo dizer que esse é o motivo fundamental por que não lhe dou agora a palavra.
Dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, dizendo desde já que estão também previstas as intervenções dos Srs. Deputados Vítor Baptista, Fernando Serrasqueiro, Honório Novo e José Sócrates, se assim quiser formulá-la.
Srs. Deputados, convinha que encerrássemos esta reunião por volta das 13 horas e 30 minutos, de qualquer maneira o limite máximo será as 14 horas; julgo que em meia hora teremos tempo de resolver o assunto, mas veremos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, vou tentar contribuir para que a reunião não dure demasiado tempo.
Sr.ª Ministra, quero fazer-lhe perguntas apenas sobre um tema. A Sr.ª Ministra e o Governo afirmaram aqui várias vezes que a venda da rede básica de telecomunicações só seria realizada se os preços fossem aceitáveis pelo Estado, ou seja, se correspondessem às avalizações feitas. Disse também que seriam fornecidas todas as informações em relação aos terrenos a vender pelo Estado, demonstrando, portanto, uma grande transparência nesta matéria.
Em relação à matéria de venda do património, neste caso, imobiliário, gostaria de perguntar à Sr.ª Ministra se as regras administrativas vigentes no Ministério das Finanças são as mesmas que existiam no passado, aquelas que levaram ao caso Lanalgo, por exemplo, ou seja, em particular, regras que permitem a venda directa. O que quero saber é se a Sr.ª Ministra tenciona ou não fazer venda directa, se tenciona tomar alguma medida para impedir que se façam vendas directas ou indirectas a preço inferior à avaliação e que o Estado venha a comprar, mais tarde, parte dos terrenos que vendeu porque precisa deles para fazer qualquer equipamento, como já aconteceu muitas vezes no passado. A transparência destas situações não impediu que fossem conhecidas e que, portanto, soubéssemos que elas se praticavam, mas as regras permitiram que elas ocorressem ao longo de muitos anos, no Estado.
Já agora, Sr.ª Ministra, gostaria de perguntar-lhe por que o Estado, em Portugal, em vez de ter regras administrativas que, como se viu no passado, ao longo de muitos anos e em qualquer governo, são facilmente absurdas, não adopta regras, como existem noutros países, para a venda de património, ou seja, regras a definir os direitos de construtibilidade, a especificar urbanisticamente as finalidades permitidas para cada terreno.
O valor do solo é apenas definido em função do que pode lá fazer-se. Ora, se o Estado não tiver definido o que

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lá se pode fazer é evidente que essa venda se presta a todo o tipo de negócios menos morais, ainda que possam corresponder a regras definidas no Ministério das Finanças mas que, depois, levam ao tipo de casos aqui enunciados. Portanto, Sr.ª Ministra, o que gostaria de perguntar-lhe é se o Ministério das Finanças não considera mais transparente que sejam definidas para cada terreno estas finalidades, sendo realizados os estudos urbanísticos correspondentes.
Não sei se a Sr.ª Ministra sabe - o Sr. Ministro Isaltino Morais sabe-o de certeza - que a maior parte dos municípios não definem quais os direitos de construção nos terrenos do Estado, aliás, muitas vezes até são definidos meramente equipamentos, que era o que lá estava antes, ou seja, dando uma indefinição completa ao que lá pode construir-se e, normalmente, não tendo nenhuns direitos de construtibilidade assegurados pelo plano director municipal. Nessas condições, é evidente que o Estado faz sempre um mau negócio, o que, consequentemente, é também um mau negócio para todos os contribuintes que pagam.
Por tudo isto, gostaria de perguntar se o Ministério das Finanças, face a toda uma experiência negativa que tem tido nesta matéria, não quererá que haja uma maior transparência na definição da especificação urbanística e, portanto, dos direitos de construtibilidade dos terrenos que vai vender.
Vou dar aqui um exemplo muito concreto. Na Avenida Dr. Alfredo Bensaúde há dois terrenos, um do Estado e outro da câmara. Na alteração do plano director municipal são alterados os direitos de construtibilidade do terreno da câmara, não do terreno do Estado. O Estado deixa sistematicamente que nos seus terrenos não sejam definidos direitos de construtibilidade, o que pode ser feito, obviamente, lançando estudos para definir esse aspecto, como, aliás, se faz em França, onde trabalhei nesta área e, portanto, sei que essa é uma maneira de proteger os interesses do Estado. Ou será que se vai continuar com as regras do Ministério das Finanças, que têm dado tão mau resultado para o encaixe do Estado e, portanto, para a defesa de todos os contribuintes?

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Sócrates, por troca com o Sr. Deputado Vítor Baptista.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, agradeço ao meu Colega ter-me dado a possibilidade de intervir agora, já que preciso de sair, pois não gostaria deixar de colocar à Sr.ª Ministra a questão que - reconheço - de forma intempestiva mencionei num aparte.
Gostaria que a Sr.ª Ministra soubesse que não pretendi, com esse aparte, enervá-la nem tirá-la deste registo tão cordial em que tem decorrido esta reunião, o que não é usual em reuniões com a Sr.ª Ministra a propósito de economia. Vinha tão a propósito colocar-lhe esta pergunta que não resisti a fazer aquele aparte e, por isso, não resisto também a intervir no debate para a colocar.
Dizia-nos a Sr.ª Ministra que devíamos esquecer o Pacto, esquecer que estamos numa união económica e financeira e que mesmo assim a questão do equilíbrio orçamental continuaria a ser o principal problema da economia portuguesa. Ora, ocorreu-me o seguinte: temos um caso concreto em que tal se passou, em 1993. Nessa altura, naturalmente, já isso se colocava como objectivo de política económica, mas em 1993, de facto, não havia Pacto. Então, é capaz a Sr.ª Ministra de explicar, finalmente, aos Deputados e ao País por que, tendo essa obsessão com a matéria de equilíbrio orçamental, V. Ex.ª, sendo secretária de Estado do orçamento, deixou o País com um défice de 6,8%? São 6,8%!
Sr.ª Ministra, em tudo o que tenho lido sobre doutrina económica e a importância que as diferentes doutrinas atribuem ao défice nunca vi, em nenhuma delas, nem nas mais clássicas nem nas mais Keynesianas, uma consideração tão excessiva com o défice como tenho visto nos discursos da Sr.ª Ministra e do Governo. Não tenho nenhuma notícia que isso seja assim, e presumo que na valorização económica do défice o único consenso que pode estabelecer-se entre as diferentes correntes económicas é aquele que resulta da regra de ouro, que sempre se considerou ser uma regra que atribui - isso, sim - uma importância relativa à questão do défice orçamental. É a regra de ouro que diz que o défice orçamental não deve ser superior ao investimento.
Ora bem, tendo presente esta regra de ouro, facilmente se verifica que nos períodos em que a Sr.ª Ministra ocupou funções de responsabilidade no governo sempre o défice ficou acima do investimento. Curiosamente, vendo também a aplicação dessa regra e a comparação entre o investimento e o défice nos governos do PS, em particular entre 1995 e 2001, essa regra nunca foi ultrapassada, isto é, nunca o défice orçamental ultrapassou o investimento. É por isso que não compreendo como a Sr.ª Ministra quer convencer-nos agora que sempre teve e aplicou esta doutrina e esta orientação na definição da sua política e, afinal de contas, tem esta mancha no seu currículo, de tal forma evidente que me parece destruir a credibilidade dessa sua orientação.
Já que a Sr.ª Ministra quis levar-nos a esse exercício teórico de que, mesmo não existindo Pacto, mesmo não existindo união económica e monetária, o equilíbrio orçamental devia ser o nosso principal problema, explique finalmente por que deixou o País com 6,8% de défice - aí, sim -, violando aquela que se considera ser a regra de ouro das finanças públicas, com um défice superior ao investimento neste último ano.
Como vê, Sr.ª Ministra, estou apenas a dar-lhe a oportunidade de poder responder a esta pergunta, que há tanto tempo me atormenta o espírito e nunca foi respondida por V. Ex.ª. Se é tão preocupada com o défice por que, em 1993, deixou que alcançasse este número verdadeiramente chocante de 6,8%? Só digo este número uma vez, não faço como a Sr.ª Ministra costuma fazer, olhando para os Srs. Deputados e dizendo "4,1%!". Não, Sr.ª Ministra, digo "6,8%!", e só uma vez!…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem precedência em relação à Sr.ª Ministra, que responderá posteriormente,
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente que a Sr.ª Ministra responderá à questão do Sr. Deputado José Sócrates, mas não gostaria de deixar de fazer uma interpelação sobre a condução do trabalhos.
Esta reunião tem estado a decorrer extraordinariamente bem, tendo em conta o facto de estarmos a discutir o Orçamento do Estado para 2003 na especialidade, sendo que o Sr. Presidente tem conduzido os trabalhos nesse sentido.

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Quero felicitar os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira e Lino de Carvalho por terem colocado questões de especialidade do Orçamento, e a Sr.ª Ministra respondeu às questões de especialidade do Orçamento.
Quero também dizer ao Sr. Presidente da Mesa, Deputado João Cravinho, que apesar de, até agora, as coisas estarem a correr muito bem, de um momento para o outro o Sr. Deputado José Sócrates, extravasando completamente o objecto desta reunião, que é discutir o Orçamento do Estado para 2003, na especialidade, veio pôr questões que não têm nada a ver com a especialidade do Orçamento para 2003.
Portanto, a minha intervenção visa exactamente dizer que com essa intervenção ultrapassámos completamente a discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2003. Isto, naturalmente, não tem nada a ver com a Sr.ª Ministra, que responderá às questões que lhe foram postas, mas por uma questão de rigor e de condução dos trabalhos não posso deixar de assinalar que, realmente, foi completamente ultrapassado o que estávamos aqui a discutir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Hugo Velosa, conhece, melhor do que eu, o modo como decorrem estes debates, ou seja, as motivações e o estilo de intervenção, tão variado, dos Srs. Deputados, e sabe perfeitamente que quando se trata de Orçamento está em discussão, naturalmente, toda a política económica e financeira no seu encadeamento. Não podemos isolar o ano de 2003, como se toda a história económica e financeira próxima fosse irrelevante, como se não houvesse, inclusivamente, considerações que, não sendo totalmente objectivas, são do domínio da apreciação política, da formação e também da alteração das expectativas da confiança, não sejam decisivas para a votação do orçamento e, sobretudo, para a sua execução.
Portanto a mesa, nestas condições, tem de, em primeiro lugar, assegurar que a expressão dos Srs. Deputados é garantida e, em segundo lugar, que a ordem dos trabalhos se mantém no centro do nosso debate, o que é também a sua preocupação e por isso fez a interpelação.
Em terceiro lugar, a mesa não pode ser juiz das apreciações políticas e do contexto político em que cada Deputado entende situar a situação económica e financeira do País neste momento.
Portanto, a matéria tem uma grande fluidez, não é susceptível de ser "regimentalizada" de uma maneira estrita e tem regras ad hoc que se vão fazendo e que neste caso seriam, de certo modo, contrárias aos efeitos que o Sr. Deputado tem em mente.
Assim, vejamos agora a resposta da Sr.ª Ministra das Finanças, que no âmbito, precisamente, da sua apreciação da matéria que lhe cabe e que lhe não cabe neste debate, se pronunciará. Depois disso, se houver matéria para, de uma maneira ou de outra, a mesa intervir, ela intervirá. Mas não o faz neste momento porque entende que não tem motivo para isso.
Tem a palavra, Sr.ª Ministra das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, se não se importa, começo por responder ao Sr. Deputado José Sócrates, que julgo ter de sair, e responderei depois à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
Sr. Deputado, como o Sr. Eng.º João Cravinho e o senhor disseram, a discussão tem estado a correr bem porque tem estado a ser feita numa óptica, julgo eu, de muita profundidade e seriedade, naturalmente em termos científicos e de política económica, nos argumentos.
Ora, aquilo que o Sr. Deputado veio introduzir no debate - e eu não irei calar-me enquanto não responder a tudo aquilo que o senhor disse, esperando que seja a última vez que tal questão seja levantada - não é nem científica nem politicamente correcto.
Sr. Deputado, não posso deixar de lhe dizer que depois de ouvir a sua intervenção a única coisa que penso é que Deus nos defenda de o Partido Socialista ir novamente para o Governo.

Risos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E digo isto com toda a convicção, com a mesma convicção, Sr. Deputado, com que o senhor acabou de dizer, da forma mais demagógica possível, numa discussão que estava a ser profundamente correcta: "Sr.ª Ministra, 6,8 contra 4,1".
Essa sua frase faz-me afirmar que é impossível que o Sr. Deputado esteja realmente consciente do que está a dizer sobre esta matéria, e, portanto, Deus nos defenda que o País esteja entregue a pessoas que digam coisas como as que o senhor acabou de dizer. E eu vou fazer a análise completa das suas afirmações.

Aparte inaudível do Sr. Deputado José Sócrates, por não ter falado para o microfone.

Sr. Deputado, diga o que entender, porque agora vai ter de ouvir - e espero que não saia da sala - a resposta ao que acabou de dizer. Foi o senhor que levantou o problema e não eu. Portanto, como não fui eu estou à-vontade.
Em primeiro lugar, o problema da economia portuguesa é um problema orçamental e não um problema económico. Estamos com um desequilíbrio externo só semelhante aos que se verificaram nos anos de 1977 e 1978 e 1983-1984. Só não é semelhante ao de 1983 e 1984 por causa dos fundos comunitários. Portanto, o nosso problema é de desequilíbrio externo.
Acontece que nesses dois momentos, Sr. Deputado, para corrigir o desequilíbrio externo existente o senhor tinha vários instrumentos, ou seja, tinha a política monetária, tinha a política cambial e tinha a política orçamental. E se então ninguém dava tanta atenção à política orçamental era exactamente porque havia outros instrumentos para o corrigir.
Ora, neste momento o senhor está numa situação de desequilíbrio externo semelhante ao existente nessa altura, ou pior, e não tem nem a política cambial nem a política monetária para o corrigir, tem apenas a política orçamental, motivo pelo qual a política orçamental se torna tão importante. O senhor precisa de corrigir uma coisa e o instrumento de correcção está todo estragado. Se tivesse outros, punha este de lado e socorria-se dos outros dois, mas acontece que não há mais nenhum.
Portanto, quando o senhor fala, da forma mais displicente possível, sobre o problema orçamental, peço-lhe desculpa mas não sabe o que está a dizer. O senhor está a dizer que podemos mandar o País não sei para onde, porque a obsessão política/orçamental…

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Referiu o senhor: "Sr.ª Ministra, 6,8 foi o que a senhora deixou". Mas o senhor já fez contas para saber qual era o saldo primário,…

Aparte inaudível do Sr. Deputado José Sócrates, por não ter falado para o microfone.

Perco desculpa, 6,8 com que juros? O senhor já fez a conta para saber qual era o saldo primário em 1993 e de qual é o saldo primário agora? Era perto de zero em termos de saldo primário!
Portanto, quando o senhor me vem com essa demagogia de juntar dois valores, em que um tem juros e o outro praticamente não os tem, o senhor está a fazer a máxima demagogia e está, fundamentalmente, a dizer ao País que considera, neste momento em que não temos mais nenhum outro instrumento, possível corrigir ou viver com este desequilíbrio orçamental alegremente, durante mais uns tempos. É exactamente essa percepção que o seu Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, deve ter tido quando pensou que o melhor era sair do governo. É exactamente isso! Porque eu pergunto como é que ele iria manter-se mais algum tempo com este desenvolvimento orçamental.

O Sr. José Sócrates (PS): - O que está a dizer é ridículo! Contenha-se!

A Oradora: - Sr. Deputado, se os senhores não estão conscientes disto, então o problema não é grave, é gravíssimo, porque nós não estamos aqui a inventar nada nem a fazer demagogia alguma com números, estamos a dizer que o nosso problema é uma situação de desequilíbrio externo, pior do que o que houve em 1978 e 1978 e do que aquele que se verificou em 1983 e 1984. Perante isso, o que fazemos?
Na altura tínhamos três instrumentos e agora só temos um. Na altura, o défice, com o qual está tão escandalizado, estava, em termos primários, provavelmente próximo de zero ou até positivo e neste momento não está, e o senhor acha que pode fazer as duas comparações, que pode comparar as situações.
Sr. Deputado, aquilo que o senhor pode fazer é comparar números! E, evidentemente, seis é superior a quatro, como quatro é superior a três! Sr. Deputado, enquanto a sequência dos números for 1, 2, 3, 4, 5, o senhor está sempre com a razão! Agora resta saber de que forma está a utilizá-los.
Sr. Deputado, peço-lhe, em nome da credibilidade do seu partido, que nunca mais diga isso.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, as vendas feitas basearam-se nas regras que estão estabelecidas no Ministério das Finanças. Portanto, não há nenhuma alteração de regras neste momento.
Por outro lado, quando a Sr.ª Deputada fala em experiência negativa, eu minha opinião se calhar ela é negativa pelos bons motivos, ou seja, porque, efectivamente, não se utilizaram esquemas complexos para começar a vender património.
Portanto, foi feito aquilo que de forma elementar e primária deveria ter sido feito, mas aceito perfeitamente que sejam necessárias algumas alterações nos processos. Mas como ainda não foram feitas, as regras administrativas que seguimos foram as que estavam consagradas na lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se uma sequência de três intervenções, que serão respondidas no final pela Sr.ª Ministra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado: Começo por algo que já foi aqui colocado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho e que tem a ver com a questão das verbas relativas à transformação dos hospitais em hospitais empresas. O Sr. Secretário deu uma explicação, mas há um problema que queremos aqui ver resolvido, já que o Sr. Ministro da Saúde não nos esclareceu completamente. É que ele apresentou aqui uma conta de exploração em que, para 2003, aparecia num dos fluxos 400 milhões de euros, que deveriam ter, na nossa perspectiva, igual contrapartida ao nível das imobilizações.
O Sr. Secretário de Estado deu-nos aqui uma explicação ao nível da microeconomia. Quer isto dizer, se prestar atenção, que aquilo que o Sr. Secretário de Estado procurou aqui explicar-nos foi que, feito um balanço do respectivo hospital, se, por mera hipótese teórica, houvesse um activo de 80 e um passivo de 100, o diferencial de 20 teria de ser alvo de uma dotação de capital. Suponho que foi mais ou menos isto o que o Sr. Secretário de Estado disse, mas se não foi agradeço-lhe que nos explique, porque ainda não consegui entender - deve ser defeito meu - toda a engenharia financeira à volta da constituição dos hospitais. Daí pedir-lhe até um elemento. É que a verba de 400 milhões de contos a que se chegou deve estar suportada por algum estudo e eu gostaria de poder obter do Ministério das Finanças a discriminação por hospital, ou seja, hospital a hospital, porque, porventura, os 400 milhões de euros devem corresponder a um somatório de parcelas. E sendo um somatório para 34 hospitais, gostaríamos de conhecer que verba está atribuída a cada hospital.
Portanto, repito, gostaria que me fossem facultados esses elementos, para poder entender como é que, havendo 400 milhões de euros em dotações, depois, no Serviço Nacional de Saúde, não aparece a verba correspondente na contrapartida de capital. Quer dizer, se há uma correspondência em acções de um lado, o Serviço Nacional de Saúde terá essa parcela e o que o Sr. Ministro da Saúde veio aqui mostrar-nos foi que os 400 milhões de euros de um dos lados não tem contrapartida no outro no mesmo montante, que há um diferencial. Daí a nossa dificuldade de entendimento.
Na verdade, se, porventura, a questão fosse de um dos lados a entrada de 400 milhões de euros para activos financeiros, correspondente a imobilizações do mesmo montante, a questão parecer-nos-ia correcta. Como assim não acontece, nós perguntamos onde é que está o diferencial. O Sr. Secretário de Estado deu-nos o exemplo de um hospital, mas essa contrapartida toda do Serviço Nacional de Saúde é o somatório de todos os hospitais.
Portanto, Sr.ª Ministra, peço-lhe que nos explique melhor toda a engenharia financeira, na óptica orçamental e não na óptica da microeconomia, porque por esta nós entendemos que as empresas se constituem com os activos e com os passivos. E por diferenciais, para cobrir esses diferenciais. Agora na óptica do Serviço Nacional de Saúde é que gostaríamos que nos fosse explicada.
Um segundo pedido, Sr.ª Ministra, e que já fiz anteriormente, tem a ver com as indemnizações compensatórias. E suponho que a Sr.ª Ministra já suspeitasse que eu lhe iria

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pedir a lista das indemnizações compensatórias, até porque a Sr.ª Ministra, enquanto Deputada, sempre a pediu aos anteriores governos e sempre fez questão de dizer que tinha grandes dificuldades em obtê-la.
Peço-lhe, portanto, aquilo que a senhora, se aqui estivesse, pediria a qualquer governo: dê-nos a lista das indemnizações compensatórias. Neste momento, estamos a discutir o défice e, como sabe, quer pelo relatório do Banco de Portugal quer pelas orientações da Comunidade, precisamos de saber quais são os aumentos de capital para as empresas tradicionalmente deficitárias, ou não, pelo que gostaríamos de ter essa lista discriminada.
Hoje, também lhe quero dar-lhe a possibilidade de esclarecer, aqui, publicamente, porque tem havido várias respostas cruzadas na comunicação social, a polémica dos certificados de aforro e do financiamento do Estado por essa via. A questão que nos preocupa não é a existência de mais uma linha desses produtos mas, sim, as diferenças sobre a questão dos juros, ou seja, a forma como o Estado, por um lado, se financia e, por outro, paga para isso, qual é a contrapartida.
A Sr.ª Ministra disse-nos, em determinada altura, que estava excluída a criação de uma terceira série, uma Série C, dos certificados de aforro. Viemos a saber pela comunicação social que, pelo menos, havia estudos e que o único canal de venda desses produtos, que são os CTT, já estava a dar formação para a venda desse novo produto, a Série C.
Sr.ª Ministra, quero dar-lhe a possibilidade de esclarecer de vez essa questão, dizendo-nos se vamos ter um novo produto com novas características, não só em termos temporais mas também em termos de juros.
Um outra pergunta que quero fazer-lhe tem a ver com a questão fiscal. Foi-nos dito pelo Sr. Primeiro-Ministro que 2003 seria o ano da reforma do património - suponho que se referia só ao património imobiliário. Pergunto: está previsto, para 2003, qualquer alteração ou revisão na tributação do Imposto Automóvel (IA), dado que sobre esta matéria não se falou?
Gostaria ainda de solicitar alguns elementos que pedi, se bem se recordam, na reunião em que esteve presente o Sr. Secretário de Estado, e que têm a ver com o valor diferente que aparece nos mapas do PIDDAC. Num mapa aparece o valor de 3,474 milhões e num outro mapa temos um valor ligeiramente diferente, ou seja, na parte da componente nacional, aparece um valor de 2,431 milhões. O Sr. Secretário de Estado disse-nos que iria ver mas que, possivelmente, a diferença teria a ver com cativações. Fui ver, mas, aplicando aqui a percentagem das cativações, não se chega a esse diferencial.
Há ainda uma outra questão, que também coloquei na altura, que diz respeito ao artigo 58.º, em que o financiamento do Orçamento do Estado apresenta um valor de 5,957 milhões. Tentei ver como é que se chega a esse valor, somando as verbas das necessidades líquidas de financiamento, do défice do Estado e das privatizações (que estão no quadro), mas o valor a que cheguei é diferente daquele que aqui está. Portanto, quero pedir ao Sr. Secretário de Estado que nos forneça as parcelas deste valor que não tem correspondência com o mapa das necessidades líquidas de financiamento, cujo número agora não sei, mas é o tradicional mapa em que, através de somas aritméticas, se chega à necessidade líquida de financiamento.
Gostaria ainda de colocar à Sr.ª Ministra ou ao Sr. Secretário de Estado uma questão de natureza fiscal, que tem a ver com uma diferenciação do IVA relativamente ao produto gás (butano, natural e propano). Acontece que, neste momento, se está a desenvolver pelo País, como é sabido, uma rede de gás natural, cujo sistema de distribuição, naturalmente, está vocacionado para grandes centros, que tem uma taxa de IVA de 5%. O País tem, no entanto, um conjunto de localidades em que este tipo de produto não é acessível, dado que o sistema de distribuição está condicionado a aglomerados com alguma dimensão, e que são, assim, assistidas pelo outro sistema de gás propano, cujo IVA é, neste momento, de 19%.
Quero saber se o Governo está a pensar algo, no sentido de equiparar o mesmo produto, para não penalizar as regiões do interior que, como não têm acesso ao gás natural, consomem um gás com um IVA de 19%, contrariamente às zonas mais urbanas que têm acesso ao gás natural com um IVA de 5%. É, portanto, uma questão muito objectiva. Ou seja, gostaria que a Sr.ª Ministra, ou o Sr. Secretário de Estado, nos pudesse dizer se está pensado algo relativamente a esta matéria.
É tudo, tentando ser sintético, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra das Finanças, Srs. Secretários de Estado, gostava de solicitar a opinião da Sr.ª Ministra, de uma forma tão objectiva quanto possível, relativamente a duas questões, já aqui abordadas em termos gerais.
Estamos em vésperas de tomada de decisões; as votações vão começar na próxima segunda-feira. O Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em relação às duas questões que vou colocar, duas propostas de alteração concretas. E gostaríamos de conhecer, tanto quanto possível, a sensibilidade e a reacção do Governo no que respeita ao seu conteúdo.
A primeira questão diz respeito ao artigo 4.º e às novas regras que são propostas para a alienação de imóveis para o ano de 2003.
Até que ponto é que o Governo admite que o articulado passe a prever, de uma forma expressa e não apenas subentendida, a existência do direito de opção em hasta pública para entidades de utilidade pública? E - relacionado com este aspecto, embora diverso - em que medida é que o Governo admite prever a possibilidade da alienação de imóveis ser feita por ajuste directo prévio, desde que se verifique que os imóveis são de interesse municipal e a manifestação de interesse prévio por parte do respectivo município na eventual aquisição do mesmo? Isto é, gostaria de saber se o Governo prevê a possibilidade de alienar os imóveis não através do recurso à hasta pública mas de um ajuste directo, verificadas que sejam estas duas condições: a existência do interesse e a sua manifestação.
A segunda questão que gostava de lhe colocar, Sr. ª Ministra, tem a ver com o artigo 18.º, endividamento municipal.
É sabido que está em vigor um Orçamento rectificativo onde existe uma determinação de endividamento líquido zero para este ano. Esta disposição é renovada para o ano de 2003, mas com significativas alterações que têm merecido, como é do conhecimento público, uma oposição manifesta, consensual, de todos os autarcas, sejam quais forem as suas origens partidárias, e que, do ponto de vista do nosso grupo parlamentar, merecem acordo.

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Não estou a colocar a questão do cumprimento, ou não cumprimento, da Lei das Finanças Locais. Não é rigorosamente a isto que me refiro, porque essa é uma questão que, para nós, é líquida: há uma suspensão de facto, por via orçamental, da Lei das Finanças Locais.
O que pretendo saber, Sr.ª Ministra, é o seguinte: existe, ou não, disponibilidade do Governo para recuperar as excepções previstas no âmbito do Orçamento rectificativo? Isto é, gostaria de saber se encara a possibilidade de continuar a excepcionar das regras contidas no artigo 18.º os investimentos destinados a habitação social e a obras comparticipadas com os fundos comunitários, ou seja, as duas hipóteses, como está previsto no Orçamento rectificativo, ou, pelo menos, uma das duas hipóteses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra das Finanças, Srs. Secretários de Estado, recordo-me, aquando do debate do Orçamento na generalidade, que a Sr.ª Ministra utilizou uma expressão baseada num ditado popular que achei interessante: vai a vergonha e ficam as dívidas! Isto levou-me a uma análise mais pormenorizada da evolução da dívida e a conclusões interessantes.
No entanto, a questão que desejaria colocar, para já, à Sr.ª Ministra, é uma questão simples, que tem a ver com o Orçamento na especialidade. Os passivos financeiros na receita são 29 315,8 milhões de euros e na despesa são 23 360,7 milhões de euros. Isto é, há um acréscimo de endividamento líquido de 5955,1 milhões de euros. Curiosamente, este acréscimo de endividamento líquido, que é assumido no orçamento, comparado com o défice orçamental, que é de 4538,7 milhões de euros, é superior à necessidade de financiamento do défice e também à necessidade de financiamento que é de 4450,9 milhões de euros. Portanto, gostaria que a Sr.ª Ministra pudesse explicar por que é que está previsto no orçamento mais 23,8% do que é necessário para financiar o défice orçamental.
Aliás, tendo por base nomeadamente os números que estão no relatório do próprio Governo, a dívida pública prevista para o final de 2002 é de 76 178,8 milhões de euros; se os empréstimos forem assumidos, somando-lhe os 5955,1 milhões de euros que referenciei, isto dará uma dívida de 82 133,9 milhões de euros. Relativamente ao PIB, são 61,3%. Assim, ultrapassamos o montante indicador dos 60%, que está no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Este é um aspecto sobre o qual gostava de ouvir a Sr.ª Ministra.
Um segundo aspecto tem a ver com o próprio mapa que nos foi apresentado e que sugiro à Sr.ª Ministra que mande corrigir. No Mapa I, o somatório do Capítulo 12, referente aos "Passivos Financeiros", é de 29 304,9 milhões de euros. Contudo, se analisarmos o Mapa mais em pormenor, vemos que, no meio, o somatório de um grupo é de 29 315,8 milhões de euros. Quer dizer, o somatório do capítulo ainda é inferior ao somatório do grupo, Sr.ª Ministra? Penso que é um erro, e seria bom que ele fosse corrigido.
Sr.ª Ministra, adianto-me, dizendo-lhe que o total está certo, porque, quando fiz o relatório respeitante à parte da receita do orçamento, analisei e verifiquei que o total estava certo, que é apenas uma gralha.
Mas também verifiquei uma outra coisa, Sr.ª Ministra, que, reforçando a questão da evolução do endividamento que relacionei há pouco, na estrutura da receita, os "Passivos Financeiros" no Orçamento inicial de 2002 representavam 29,8%, no Orçamento rectificativo, em termos de endividamento bruto, representavam 35,7% e no Orçamento para 2003 já representam 46,4%.
Esta é, pois, a evolução do endividamento bruto em termos da receita.
Passo a uma outra questão, que considero importante.
Aquando da apresentação do Orçamento rectificativo, a Sr.ª Ministra assumiu que o mesmo iria resolver problemas de subavaliação das despesas, iria dar cobertura às despesas que, porventura, tinham sido efectuadas, ou que assumiam que tinham sido realizadas, e que não tinham cobertura orçamental - foi isto que percebi, e penso que percebi bem, em face do Orçamento rectificativo. E, portanto, a Sr.ª Ministra estaria frontalmente contra tudo o que fosse desorçamentação.
Para minha surpresa, vou ter de retomar uma questão que me parece importante e que eu gostaria que a Sr.ª Ministra esclarecesse em sede de especialidade.
Confrontei o Sr. Ministro da Saúde, que veio esta semana à Comissão de Economia, com a situação da empresarialização dos hospitais, para o que estavam orçamentados 80 milhões de contos - e prefiro falar em "contos" em vez de "euros", porque creio que os cidadãos percebem melhor a dimensão dos números -, e houve um reforço de 100 milhões de contos em sede do Orçamento rectificativo, ou seja, aproximadamente 900 milhões de euros.
Como, nas contas apresentadas para o Serviço Nacional de Saúde, para 2003, apenas estão referenciados os 400 milhões de euros, que aqui já foram referidos, tal significa que, ainda este ano, vão ser transferidos 180 milhões de contos - e o Sr. Ministro da Saúde também assumiu isto - para a empresarialização das unidades hospitalares, assim o Governo irá decidir.
O Sr. Ministro da Saúde afirmou claramente que aqueles 180 milhões de contos iriam fazer parte da Situação Líquida como capital social das empresas hospitalares; mas também adiantou que iriam ser transferidos passivos que esses mesmos hospitais, aqueles que eles hoje têm; foi mais longe, e disse que esse passivo se referia a "facturas a pagar referentes ao ano 2002 e a anos anteriores".
Sr.ª Ministra, se assim é, se a Sr.ª Ministra, no Orçamento rectificativo, orçamentou tudo o que estava previsto, inclusivamente do Serviço Nacional de Saúde, como é que vem agora o Sr. Ministro da Saúde dizer que vai pagar, com as novas empresas que irão ser constituídas, as facturas de gastos já efectuados em 2002 e em anos anteriores com o tal capital com que essas novas unidades vão ser constituídas?! Sr.ª Ministra, a isto chama-se "desorçamentar". Não tem outro nome, Sr.ª Ministra!
Se a Sr.ª Ministra, no Orçamento rectificativo, deu cobertura orçamental a estas despesas e agora vai ser uma nova entidade jurídica a fazer o pagamento, através de um dinheiro que lhe vai ser transferido para capital social na forma de activos financeiros, então isto é uma clara desorçamentação no que se refere ao ano de 2002.
Faço a pergunta ao contrário, Sr.ª Ministra: se não é desorçamentação, então, por que é que, em vez de a Sr.ª Ministra dar às novas empresas o dinheiro para pagarem aqueles passivos financeiros, os hospitais não efectuam, hoje, eles próprios os pagamentos? Não fazem o pagamento, Sr.ª Ministra, porque já não o podem contabilizar como activos financeiros. Ora, se forem contabilizados como activos financeiros não contam para o défice, mas se forem

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contabilizados como meros pagamentos, correctamente, já contam para o défice.
Por último, e passo a uma questão aqui referida pela Sr.ª Ministra.
É verdade que, em 1993, havia duas políticas que poderiam ser utilizadas: a política orçamental e a política monetária. Era, evidentemente, mais fácil utilizar a política monetária, desde logo porque era mais fácil fazer desvalorizações da moeda e, assim, conferir maior competitividade à economia portuguesa, aumentando deste modo as exportações - é óbvio, Sr.ª Ministra! Hoje, o único instrumento que podemos utilizar é a política orçamental.
Só que, Sr.ª Ministra, hoje, as nossas exportações dependem muito da nossa competitividade. E, em ciclos expansivos, é evidente que haverá maior tendência ao consumo, até porque, normalmente, os preços internos são mais favoráveis do que os preços internacionais, e, portanto, há maior propensão para o consumo; e, havendo um maior rendimento das famílias, há também maior propensão para consumir bens importados. Só que tudo isto, Sr.ª Ministra, em termos económicos, se traduz em algo que não vale a pena - e gostaria que a Sr.ª Ministra esclarecesse -, traduz-se numa questão de financiamento da economia. Exportações, importações, balança de capitais, no fundo, tudo isto se traduz, de alguma forma, numa questão de financiamento da economia.
Portanto, Sr.ª Ministra, é preciso ter plena consciência de que, hoje, o financiamento da economia, através da poupança, não se faz apenas através da poupança interna mas também da poupança externa, ou seja, através da poupança de um espaço mais integrado. E também aqui gostaria que a Sr.ª Ministra clarificasse melhor.
Estou perante uma professora de Economia, e espero ser bom aluno, pelo menos na lição que irei receber através da sua resposta quanto a esta matéria, relativamente à qual as palavras de há pouco da Sr.ª Ministra acabaram por suscitar as perguntas que lhe coloquei.
Se a Sr.ª Ministra responder a estas três questões, dar-me-ei por satisfeito e, naturalmente, agradeço-lhe desde já.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, após a resposta da Sr.ª Ministra e, eventualmente, também da dos Srs. Secretários de Estado às questões que acabaram de ser colocadas, chegaremos ao termo desta audição.
Para responder, tem, então, a palavra a Sr.ª Ministra das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, no fim, gostaria realmente que o Sr. Secretário de Estado do Orçamento usasse da palavra para responder a algumas das questões que foram colocadas.
Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, é verdade que eu perguntava sempre pelas indemnizações compensatórias; é verdade que fazia requerimentos sem fim ao governo a pedir informações sobre as indemnizações compensatórias. Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque elas nunca foram orçamentadas; elas eram pagas por meio de umas operações financeiras realizadas através da Partest e de uma valorização de acções que eram dadas à Partest e, depois,… Não vale a pena estar a descrever-lhe o processo, porque o senhor conhece-o. Portanto, era por causa disto que eu fazia as perguntas.
Agora, o senhor faz-me a mesma pergunta, como se o fundamento fosse o mesmo. Sr. Deputado, dou-lhe os números relativos às indemnizações compensatórias, mas eles constam do Orçamento. Portanto, não estou a fazer qualquer operação financeira no que diz respeito às indemnizações compensatórias.
Aliás, o Sr. Deputado tem todo o direito de perguntar pelas indemnizações compensatórias - e acho bem que o faça -, não cite é o meu exemplo, porque o motivo que me levava a perguntar pelas indemnizações compensatórias era, rigorosamente, o de saber que os senhores não poderiam responder-me, enquanto que, agora, posso responder-lhe, e, portanto, dar-lhe-ei os números relacionados com as mesmas.
Quanto à questão dos certificados de aforro, Sr. Deputado, eu já disse nesta Assembleia, em resposta a uma pergunta que me foi feita num debate em Plenário, que não era intenção do Governo fazer alterações aos certificados de aforro. Eu já o disse aqui, no Plenário desta Assembleia, em resposta a uma questão que me foi colocada por um seu colega de bancada.
Como sabe, o diploma que permitia alterações aos certificados de aforro é da autoria do governo do seu partido e, depois, foi referendado pelo actual Governo quando entrou em funções, porque, como é do seu conhecimento, as passagens dos diversos decretos-lei são praticamente automáticas na maioria dos casos e fazia depender esse regime de uma portaria do Ministro das Finanças. Portanto, nada estava consagrado apenas pelo decreto-lei, porque era necessário que o Ministro das Finanças o confirmasse.
Quem me ouviu sabe, desde esse dia, que sempre estive em desacordo com tal alteração, especialmente por entender que o momento actual não é o adequado para se fazer semelhante alteração, e, como tal, sempre disse que não o faria. E não o fiz.
Portanto, Sr. Deputado, é isto que tenho a dizer sobre esta matéria, e não vale a pena divagarmos mais sobre algo relativamente ao qual já afirmei e reafirmei que não fiz qualquer alteração, nem tenciono fazer.
Sr. Deputado Honório Novo, neste momento, não tenho qualquer intenção de fazer alterações aos regimes de vendas directas consoante os interlocutores. Entendo que os regimes têm de ser iguais para todos, e, portanto, não está no meu horizonte fazer alterações.
No que diz respeito à questão do artigo 18.º, perguntou-me, claramente, se encaro a possibilidade de fazer uma alteração ao respectivo conteúdo. É evidente que as propostas de alteração são da autoria dos Srs. Deputados. Se quer saber a minha opinião, como responsável por esta matéria, dir-lhe-ei que não tenho a mínima intenção de fazer alterações, porque o objectivo que tenho em mente é o de controlar um acréscimo de endividamento, o qual tem de ser repartido por todos os subsectores. Ora, o subsector da administração local contribui também para o agravamento e, portanto, não tenciono fazer qualquer alteração, uma vez que considero, tal como o senhor próprio certamente, que os autarcas passarão, com certeza, a dar prioridade, nos seus investimentos, ao que é verdadeiramente prioritário, que é a habitação social e os investimentos comparticipados pelos fundos comunitários.
Quanto às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Victor Baptista, peço ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento que use da palavra para responder.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

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O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, a questão da empresarialização dos hospitais é alvo de uma discussão que tem sido recorrente, quer na Comissão de Economia e Finanças quer na Comissão de Execução Orçamental.
Julgo que o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro disse que já compreendeu qual é o processo de transformação de cada hospital numa empresa. De qualquer modo, o processo normal de transformação de uma entidade que não é empresarial numa entidade empresarial ocorre da seguinte forma: faz-se o levantamento em termos dos activos e passivos da instituição em questão; apura-se o respectivo balanço; e, depois, com base nesse balanço e na respectiva situação líquida, constitui-se a nova entidade empresarial que vai ter de acréscimo um activo financeiro que corresponde ao capital que foi usado para constituir essa empresa.
Recordo que os 400 milhões de euros correspondem às dotações de capital para 2003. Para 2002, foram inscritos 900 milhões de euros, valor que corresponde aos 34 hospitais a empresarializar.
Os diplomas em questão já foram aprovados pelo Governo, já estão para promulgação do Sr. Presidente da República, e teremos todo o gosto em informar o Sr. Deputado dos valores de capital que foi atribuído a cada um dos hospitais em questão. A priori era difícil dizer qual seria esse valor, e, portanto, resolveu-se utilizar um critério que tivesse a ver com a produção de cada um dos hospitais, mantendo um coeficiente capital/produto aproximadamente constante. Evidentemente, os valores não foram iguais para todos os hospitais; estabeleceram-se diversos escalões e, para cada um deles, atendendo à sua dimensão, atribuiu-se uma determinada dotação de capital.
Como é evidente, após este apuramento, parte destes hospitais, quando se transformarem em empresas, poderão ter algum passivo, como terão algum activo, mas, depois, será a própria empresa que, através do seu funcionamento normal, irá gerar receitas e pagar os seus custos.
O que é importante - e penso que talvez ainda não tenha sido devidamente claro - é que os novos hospitais tenham uma estrutura financeira por forma a garantir a sua rendibilidade e a sua viabilidade financeira para o futuro. Ou seja, altera-se totalmente a filosofia de funcionamento, porque, actualmente, os hospitais são financiados com base nos custos e, de futuro, serão financiados com base na produção de serviços aos respectivos utentes.
Assim, o importante é que, no futuro, esses hospitais tenham viabilidade financeira, isto é, que a produção que realizarem seja suficiente para manter equilibrada a sua situação. Daí que passaremos a ter uma situação totalmente diferente, já que organismos que integram o sector público administrativo passam para o sector público empresarial. É esta a situação que se passa relativamente aos tais hospitais.
A verba de 400 milhões de euros inscrita para 2003 é destinada a manter todo este processo de empresarialização, embora ainda não esteja apurado quais os hospitais que serão escolhidos de acordo com critérios a definir pelo Ministério da Saúde.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Secretário de Estado, desculpe-me interrompê-lo, mas não foi essa a pergunta que fiz. Acho que ainda não nos conseguimos entender. Se o Sr. Presidente me permite, gostaria de clarificar a pergunta.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, mas sem intervenção.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Secretário de Estado, em termos de Serviço Nacional de Saúde, há, em activos financeiros, 400 milhões de euros. Ora, deveria haver acções por contrapartida desses 400 milhões de euros e só há um diferencial de 120 milhões de euros. Só queremos saber porquê.
A questão é, se, de um lado, há 400 milhões de euros de activos financeiros, na contabilização do Serviço Nacional de Saúde deveria haver 400 milhões de euros em acções desses hospitais.

O Orador: - O processo não é bem assim. O que acontece é que esses 400 milhões de euros não são para o Serviço Nacional de Saúde; são para a dotação de capital das respectivas instituições, que sairão do Serviço Nacional de Saúde enquanto organismo da Administração Pública. Ou seja, as acções continuarão a ser pertença do Tesouro. Portanto, passará a haver aqui um accionista, que é o Tesouro, que terá exactamente as acções correspondentes à dotação de capital de cada um destes hospitais. E, aí, o hospital funcionará como uma empresa.
Penso que o processo é perfeitamente…

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Secretário de Estado, vou dar-lhe o balanço que o Sr. Ministro da Saúde nos deu, e só quero que me explique essas duas verbas. Se puder explicar-nos isso, talvez clarifique melhor a nossa dúvida, que é esta: por que é que, de um lado, estão 400 milhões de euros e, do outro, como contrapartida disso, estão 274 milhões de euros. É só isto que queria que me explicasse. E vou dar-lhe a conta de exploração do Ministério da Saúde.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado estava a responder às minhas questões e, como foi possível pedir um esclarecimento adicional ao Sr. Secretário de Estado, no mesmo quadro, gostaria de…

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, desde que não seja uma intervenção, mas uma reiteração de um pedido de esclarecimento.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Não é uma intervenção, Sr. Presidente.
Tanto quanto percebi, o Sr. Secretário de Estado confirma que, no ano de 2002, vão ser transferidos 180 milhões de contos para as empresas que irão ser constituídas e que vão passar para essas mesmas empresas activos e passivos. Então, pergunto: quais são os passivos, Sr. Secretário de Estado? Os passivos, de acordo com o que o Sr. Secretário de Estado acaba de confirmar, são os mesmos que o Sr. Ministro da Saúde referiu, que são as facturas da despesa do ano de 2002, que irão ser pagas pela nova instituição.
Ó Sr. Secretário de Estado, isto é desorçamentação! Não tem outro nome!

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E quero também dizer-lhe o seguinte: o capital próprio, Sr. Secretário de Estado, está, de facto, no segundo membro do balanço de uma empresa, mas não é passivo. O balanço de uma empresa tem activos, passivos e situação líquida. No segundo membro, o activo é igual ao passivo mais a situação líquida. Certo? Até aqui, estamos de acordo, porque é simples.
Portanto, os activos que o Sr. Secretário de Estado acabou de referir são os bens imóveis, os edifícios, que, hoje, o hospital tem e os passivos são as dívidas que o hospital tem, são as facturas da despesa realizada em 2002, que o Sr. Secretário de Estado, através da transferência do capital social como activos financeiros, vai desorçamentar por causa do défice orçamental.
Isto tem de ser dito, sobretudo quando a Sr.ª Ministra assumiu, no Orçamento rectificativo, que ficaria tudo coberto com o orçamento em termos de orçamentação das despesas, que não haveria subavaliação das despesas e que, portanto, o que tinha sido gasto tinha cobertura orçamental com o Orçamento rectificativo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, quer esclarecer este assunto? Com isto, damos por encerrada esta parte.

O Orador: - Vou tentar esclarecer, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, todas as dívidas de 2002 respeitantes ao Serviço Nacional de Saúde foram orçamentadas no Orçamento, de uma forma perfeitamente transparente, e já foram transferidas para o Serviço Nacional de Saúde. O que acontece - não pude estar presente na reunião havida com o Sr. Ministro da Saúde, mas, provavelmente, terá sido a isto que o Sr. Ministro da Saúde se referiu - é que, depois de Maio, após se ter feito o apuramento da dívida do Serviço Nacional de Saúde, constatou-se que o valor era ainda superior àquele que foi apurado quando se elaborou a alteração orçamental, em Maio. Portanto, há ali uma verba que não foi totalmente contemplada na alteração orçamental.
No entanto, em relação a cada um dos hospitais, há aqui um aspecto de que o Sr. Deputado se esquece: é evidentemente que há entrega de uma dotação de capital que tem por contrapartida Caixa. Por conseguinte, isso vai implicar que haja um aumento da situação líquida do hospital nesse montante. E isto significa que constitui-se a empresa e que, depois, a empresa sai do sector público administrativo e começa a funcionar. É evidente que, naquele momento da constituição, quando se constitui, a empresa, estando a funcionar normalmente, terá alguns passivos. Mas tem, do lado do activo, capital suficiente para fazer face a essa situação.
Porém, o importante é ver, em termos económicos, se essa empresa, que se constitui com esse capital, com os activos, com o imobilizado do respectivo hospital, tem uma viabilidade financeira para funcionar autonomamente, de acordo com a prestação de serviço a que irá proceder no futuro.
Este é o sistema. E, portanto, aqui não há qualquer desorçamentação, está tudo perfeitamente claro. Aliás, este processo até foi iniciado pelo governo do PS e penso que, quando apresentou a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2002, com este objectivo da empresarialização, naturalmente não tinha como objectivo proceder a qualquer desorçamentação mas fazer com que os hospitais funcionassem de uma forma mais eficaz. Ora, nós também seguimos aqui um processo de empresarialização perfeitamente transparente e claro, obedecendo às regras estritas do EUROSTAT. Aliás, criámos uma comissão de acompanhamento coordenada pelo Dr. Orlando Caliço, uma das pessoas mais conhecedoras desta área, comissão esta que mantém contactos com o INE e o EUROSTAT, de forma a garantir que todo este processo seja o mais transparente possível. É que o objectivo, aqui, não é o financeiro mas o de tornar mais eficaz o funcionamento dos hospitais, em termos quer de poupança nos custos quer de prestar melhores serviços aos utentes do Serviço Nacional de Saúde - isto é que importa e esta é a diferença de filosofia.
Portanto, estamos a seguir escrupulosamente as regras impostas pelo EUROSTAT, no sentido de transformar entidades do sector público administrativo em entidades empresariais. Aliás, este é um processo seguido não só em Portugal mas também noutros países, como, por exemplo, em Espanha, onde há experiências deste tipo, assim como em termos de direito comparado. Estamos, pois, a acompanhar atentamente essa situação, no sentido de conduzir este processo no estrito cumprimento das regras do EUROSTAT.
Em relação…

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, penso que é fundamental…

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado está no uso da palavra!

O Sr. Victor Baptista (PS): - Eu ia mudar de assunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas, mesmo mudando de assunto, o Sr. Secretário de Estado ainda está no uso da palavra. Se interrompemos o Sr. Secretário de Estado quando ele está no uso da palavra, temos um processo que, depois, é muito difícil de acompanhar.
Faça o favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Em relação às outras questões colocadas, nomeadamente a diferença existente entre os mapas do PIDDAC, constantes das págs. 69 e 44, essa diferença resulta da utilização de um critério diferente. Ou seja, no mapa da pág. 44, incluiu-se no PIDDAC verbas respeitantes a receitas próprias do Ministério da Justiça, no montante de 47,3 milhões de euros, e do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, no valor de 2,3 milhões de euros. Portanto, são receitas próprias dos próprios Ministérios, que, no mapa da pág. 69, não estão incluídas. Como sabem, o Ministério da Justiça tem várias receitas próprias, que utiliza para o PIDDAC. Portanto, é esta a justificação dessa diferença. Admito que, no quadro, poder-se-ia ter posto uma nota, identificando a metodologia utilizada.
Em relação às necessidades de financiamento, elas constam do artigo 58.º da proposta de lei, com o valor de 5957 milhões de euros, o qual corresponde às seguintes parcelas: 4538,7 milhões de euros ao défice orçamental; 454,4 aos cativos do PIDDAC e da aquisição de bens e serviços; 300 milhões de euros à parcela da dotação provisional cativa; 662,2 à aquisição líquida de activos financeiros. A soma de todas estas parcelas dá um montante de cerca de 5954 milhões de euros e, depois, ainda há cerca de 2,7 milhões de euros que correspondem a necessidades de financiamento de serviços e fundos autónomos. É este o valor

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que, depois, está incluído no Mapa I da receita e corresponde exactamente a este valor da diferença entre os passivos financeiros da receita e os da respectiva despesa.
Penso que respondi a todas as questões colocadas pelos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Nós tínhamos organizado os trabalhos no sentido de…

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, não vi respondidas todas as perguntas…

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado!
Nós tínhamos organizado esta reunião no sentido de estas serem as respostas finais do Governo e de terminarmos por aqui os trabalhos - são, agora, 14 horas e 10 minutos.
Por isso, devo perguntar à Sr.ª Ministra se ainda tem disponibilidade para continuar. É que, a solicitação minha, a Sr.ª Ministra tinha-me assinalado uma indicação de limite de tempo. Assim sendo, pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, se poderá continuar por mais 15 minutos.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pela sua colaboração, Sr.ª Ministra.
Inscreveram-se os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Victor Baptista e parece que o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro também pretende usar da palavra.
Nestas condições, pergunto: o Sr. Deputado Lino de Carvalho quer usar da palavra para que efeito?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pode ser para uma interpelação ou um pedido de esclarecimento. Mas só vou gastar 1 minuto.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra para pedir esclarecimentos aos Srs. Membros do Governo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, para efeitos de registo, inicialmente, tinha pedido a palavra para uma interpelação, mas pode ser para pedir um esclarecimento…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esta ronda limita-se aos Srs. Deputados que indiquei.

O Orador: - Sr. Presidente, há pouco, em resposta a uma questão que coloquei sobre o problema das aposentações, a Sr.ª Ministra, em relação, pelo menos, às questões da aposentação antecipada, afirmou que não havia alteração ao Estatuto da Aposentação e que, portanto, não havia lugar a negociação. Ora, quero só registar que a proposta que é feita no Orçamento do Estado, em relação aos problemas da aposentação antecipada, é um aditamento ao Estatuto da Aposentação.
Portanto, todas as alterações constantes da proposta de lei de Orçamento do Estado, em sede de artigo 8.º, seja na forma de cálculo da pensão, seja em matéria de aposentação antecipada, são alterações ao Estatuto da Aposentação e, como tal, estão sujeitas à regra da negociação, que não foi feita, pelo que não devem constar da proposta de lei e têm de ser retiradas.
Já agora, uma segunda questão, talvez para ajudar o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, tem a ver com o seguinte: o que se passa em relação às matérias que têm sido aqui suscitadas pela bancada do PCP e pelo Partido Socialista é que - e não se trata do problema da gestão empresarial dos hospitais, não estamos a discutir isso, não estamos a discutir um problema de micro - o orçamento do Serviço Nacional de Saúde regista, do lado da receita, a dotação que recebe do Orçamento do Estado como dotações de capital no valor de 400 milhões de euros, e esta receita cobrada tem de ter uma contrapartida, que é imobilizado. Se isto são dotações de capital, servem para imobilizar, e, portanto, do lado da despesa, deveria constar o mesmo valor, como é evidente. Só que não consta, já que no imobilizado o valor é de 274,1 milhões de euros.
Logo, o que dizemos é que estes 400 milhões de euros não é para capital; uma parte deste montante é para despesas correntes, como, aliás, o Sr. Ministro da Saúde confirmou. Portanto, o que há aqui é, de facto, uma desorçamentação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, é só para precisar duas ou três questões, pois o problema está mais do que esclarecido.
Em primeiro lugar, não quero pôr em causa a questão da qualidade, da empresarialização. E é verdade que o governo anterior já tinha orçamentado 80 milhões de contos. Mas não é isto que está em causa, não é este o problema; o problema reside no ano de 2002. E é evidente que quando se constitui capital social a contrapartida é Caixa, e é com esse dinheiro que entra em Caixa que se vai pagar as tais facturas, os tais passivos.
A questão é que os passivos - e o Sr. Secretário de Estado não contrariou este ponto, acabou por confirmá-lo - são facturas dessas unidades a empresarializar, facturas de gastos de 2002. É esta a questão que tem de ficar clara!
Portanto, as facturas são facturas do ano de 2002: a isto chama-se "desorçamentar".
Agora, há aqui apenas uma novidade, é que, perante este facto, verifica-se uma contradição: a Sr.ª Ministra assegurou que o Orçamento rectificativo resolveria todos os problemas de suborçamentação, ou de subavaliação das despesas, ou de despesas feitas que não tinham cobertura orçamental - assegurou isto, repito -, mas, agora, vem dizer que ainda havia mais dívidas que o Orçamento rectificativo não cobriu.
Sr. Secretário de Estado, relativamente à dívida, não questiono o número que disse, o valor é 5955,1 milhões de euros. Não é esta a questão, isso é evidente no montante inscrito no Orçamento, nos passivos financeiros, por parte da receita, e nos passivos financeiros, por parte da despesa. A questão é outra.
A questão é que, no quadro do Governo apresentado no relatório - refiro-me ao quadro elaborado pelo Governo, não fui eu que o fiz mas, sim, o Governo -, consta como necessidades de financiamento, entre os montantes que referiu e as compensações como receita, o valor de 4450,9 milhões de euros. Os números são vossos, não fui eu que os elaborei, constam do quadro, Sr. Secretário de Estado. E, nesse quadro, o valor de 4450,9 milhões de euros, porque há valores que são positivos, inclui, nomeadamente, o défice orçamental de 4538,7 milhões de euros. Sr. Secretário de Estado, estou a falar de um quadro que faz parte do relatório do Orçamento.

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A divergência é outra. A divergência é saber por que é que o endividamento líquido é de 5950,1 milhões de euros quando as necessidades de dinheiro são de 4450 milhões de euros. Estamos em presença de uma diferença de mais de 1400 milhões de euros, de mais de 23,8% do que é necessário para financiar o Orçamento do Estado.
Esta é a questão, Sr. Secretário de Estado, e mais nenhuma. E, repito, não fui eu que calculei os números, os números são vossos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, prescindo do uso da palavra, porque eu só queria que o Sr. Secretário de Estado não me viesse mais explicar a questão de hospital a hospital. Não é este o problema que temos aqui, e já o repetimos várias vezes.
Queremos apenas que nos expliquem as contas do Serviço Nacional de Saúde. É só isto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças.

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, tanto faz que seja audição, como negociação, chame o que quiser chamar, o que temos dito é que, se os senhores entendem isso, é problema da Assembleia e não do Governo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, como esta é uma questão importante para a votação, gostaria de voltar a usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, como a Sr.ª Ministra há pouco disse que, mesmo que não estivesse no Orçamento, seria uma questão de mais 15 dias ou um mês para a saída da legislação e como a questão de forma é importante, então, se calhar, o melhor seria eliminar o artigo 8.º do Orçamento, como, aliás, já se fez no Orçamento de 2001, por iniciativa vossa, em relação a uma questão da Lei de Organização do Processo do Tribunal de Contas, que se remeteu para legislação normal, seguindo os preceitos que a lei obriga.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, pretende fazer algum comentário?

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças: - Não, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tentei descriminar exaustivamente as componentes das necessidades líquidas de financiamento do artigo 58.º, no montante de 5957 milhões de euros.
O que está no quadro do relatório do Orçamento do Estado são as necessidades de financiamento líquidas para o ano 2003, não exclusivamente para financiamento do défice orçamental. Porque, como pode ver, estão incluídos a regularização de dívidas e assunção de passivos e a redução de dívidas resultantes das receitas de privatizações.
Em relação ao Mapa I, é preciso que fique claro, e a Sr.ª Ministra já explicou isso várias vezes, que, em termos de mapas orçamentais, o que a Assembleia autoriza é o montante global da despesa. E, por uma questão de equilíbrio orçamental, é evidente que, do lado da receita, tem de se ter os passivos necessários para fazer face a esse global da despesa, que inclui não só o défice de execução orçamental, que é o objectivo do Governo, como, naturalmente, o montante das despesas que estão cativas e o montante dos activos financeiros que não relevam para efeitos de défice orçamental. Daí que esse seja o valor adequado para, efectivamente, se dar cumprimento ao estipulado na Lei do Enquadramento Orçamental.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Secretário de Estado, dou-me satisfeito pela resposta, porque eu não sabia qual ela era.
Só que isso, e o Sr. Secretário de Estado acabou por o reconhecer agora, leva à ultrapassagem…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira…

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, parece-me que isto é relevante para a discussão na especialidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Victor Baptista, queira compreender uma coisa: há um momento em que temos de dar por terminados os nossos trabalhos, de acordo com as regras próprias do funcionamento desta Comissão. O julgamento e as conclusões que os Srs. Deputados tirarão resultam, precisamente, das informações que lhes forem, ou não, prestadas, ou as duas coisas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É evidente!

O Sr. Presidente: - E, portanto, sem prejuízo de reconhecer que o Sr. Deputado Victor Baptista tem todo o direito de fazer o juízo que muito bem entender, suponho que surgirão outras ocasiões para continuar a actuar politicamente, de acordo com o seu mandato.
Srs. Deputados, chegámos ao termo dos nossos trabalhos…

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas como não obtive resposta a duas perguntas que fiz, relativamente ao IA e ao IVA que incide sobre o produto gás, gostaria de saber se o Governo quer ou não responder.
Foram duas perguntas objectivas…

O Sr. Presidente: - E não obteve resposta?

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Não tive resposta, e, portanto, quero saber se o Governo quer ou não responder.

O Sr. Presidente: - Bom, uma vez que o Sr. Deputado fez as perguntas e o Governo, por qualquer motivo, não respondeu - e, como se sabe, neste processo é frequente não se ter sempre presente o domínio completo de todas as questões que são postas -, pergunto se a Sr.ª Ministra ou o Sr. Secretário de Estado têm algum esclarecimento a prestar.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Posso responder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, de facto, temos uma taxa de IVA diferente para o gás natural, mas devo dizer-lhe que, ainda ontem, estive a analisar o processo, aliás, do tempo do anterior governo, onde a Comissão questionava o governo relativamente à aceitação da taxa de IVA de 5% para o gás natural, e verifiquei que a Comissão punha como condição, genericamente (vai perdoar-me, mas não tenho aqui os pormenores dos tipos de gás), exigia, para a aceitação dessa taxa reduzida para o gás natural (este é também um problema de concorrência, e, portanto, das regras de não distorção da concorrência), em contrapartida, que, de um modo geral, as outras taxas, para os outros tipos de gás, fossem de 19%.
Portanto, há uma ou duas taxas que ainda temos, designadamente o gás de cidade,… E, portanto, é um processo que está a ser acompanhado e negociado, aliás já vinha do tempo do anterior governo.
Assim, tanto quanto me é dado perceber, não me parece que seja possível, em termos comunitários, estarmos abaixar a taxa de IVA de outros produtos deste teor para 5%, porque, justamente, a União Europeia exige que haja um ajustamento de algumas situações ainda residuais, onde a taxa não é de 19% mas de 5%, que estas subam para a taxa dita normal.
Portanto, esta é a explicação, em termos técnicos, que, neste momento, posso dar-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Mas o Governo está a pensar na hipótese de subir a taxa de 5% para 19%, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Sr. Deputado, estamos a procurar negociar a situação e a acompanhar o dossier, que ainda não está totalmente ultimado.
Portanto, neste Orçamento, como viu, não há qualquer medida nesse campo.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - E quanto ao IA, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Quanto ao IA para 2003, como foi dito, não haverá reforma da tributação do automóvel.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece que chegámos, de facto, ao fim dos nossos trabalhos.
Antes de encerrar a reunião, para efeitos de entrada das últimas propostas de alteração que constarão do acervo que será distribuído nesta fase, gostaria de anunciar que estarei presente até às 17 horas. Como sabem, as propostas poderão entrar até ao momento da votação, mas, de qualquer forma, recebê-las-ei até às 17 horas, e suponho que os vários grupos parlamentares ainda as estarão a preparar, para serem integradas no acervo a distribuir, de acordo com o processo regimental.
Em princípio, começaremos as votações na segunda-feira, às 11 horas, e teremos de nos organizar para tentarmos concluir a votação nesse mesmo dia. É certo que temos, ainda, alguma "almofada", temos a possibilidade de resolver alguns problemas que, efectivamente, se venham a impor fora deste horário, mas convinha que terminássemos a votação na própria segunda-feira.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, sei que esta é uma questão processual, mas, em todo o caso, gostaria de saber se, conforme se tinha combinado, a partir das 9 horas e 30 minutos, 10 horas da manhã, os serviços têm os dossiers disponíveis, para podermos preparar o início da votação para as 11 horas.

O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado.
Agradeço a presença da Sr.ª Ministra e da sua equipa.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 14 horas e 25 minutos.

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