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Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2004 II Série - RC - Número 2

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

VI REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 13 de Janeiro de 2004

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (José de Matos Correia) deu início à reunião às 10 horas e 40 minutos.
Procedeu-se à apresentação dos projectos de revisão constitucional n.os 1/IX (PS), 2/IX (BE), 3/IX (PSD, CDS-PP) e 4/IX (PCP).
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Medeiros Ferreira (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Alberto Martins (PS), António Filipe (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Correia de Jesus (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Francisco José Martins (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Antes de entrarmos na ordem de trabalhos de hoje, queria dar conta aos Srs. Deputados de que já estabeleci contacto com os Srs. Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, transmitindo-lhes o convite para estarem presentes numa audição a propósito da questão das regiões autónomas.
Não tenho, até agora, uma resposta formal de nenhum dos Srs. Presidentes, com quem falei ainda ontem. De todo o modo, o que me proponho fazer é o seguinte: esperando que hoje possamos proceder à apresentação, na generalidade, dos seis projectos de revisão constitucional marcaria, em princípio, já para a próxima reunião do dia 20, as audições com as assembleias legislativas regionais, caso seja possível. Caso não seja possível, ou possa ocorrer num caso e não noutro, a minha ideia é a de, na ordem de trabalhos da próxima terça-feira, marcar as audições e já o início da discussão na especialidade dos projectos de revisão constitucional.
O ideal seria realizar as audições antes do início da discussão na especialidade dos projectos. Se por uma razão ou por outra não for possível às duas assembleias legislativas regionais, ou a uma delas, acompanharem-nos no dia 20, penso que deveríamos dar início à apreciação, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional e, depois, se for caso disso, suspenderíamos os trabalhos nessa parte, para proceder às audições em falta.
Também queria dar conta de que, tal como tinha ficado estabelecido na reunião da terça-feira passada, contactei com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão por causa da coordenação dos trabalhos desta Comissão com os da 1.ª Comissão, tendo em conta o facto de que muitos dos Deputados desta Comissão participam também nos trabalhos da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão deu-me conta de que gostaria de poder contar com a próxima terça-feira à tarde, em função da necessidade de dar algum impulso acrescido aos trabalhos que se prendem com a revisão da legislação processual penal.
Portanto, quero colocar esta questão à consideração da Comissão porque, do ponto de vista dos nossos trabalhos, evidentemente não é a mesma coisa marcarmos a reunião de terça-feira apenas para a parte da manhã ou também para a tarde; ou, então, teremos de encontrar uma outra solução que permita coordenar o trabalho das duas comissões, para que possamos avançar mais nas matérias sobre as quais temos de nos debruçar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, sei que a delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores tem dificuldades em vir à Comissão na próxima semana, porque é a semana da reunião plenária mensal, mas, enfim, esta é apenas uma informação informal que, possivelmente, o Sr. Presidente já terá.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, obrigado pela sua informação, porque me permite dar um esclarecimento adicional.
De facto, quando falei com o Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, e embora não tenha ainda uma resposta formal, ele colocou-me essa questão. No dia 20 inicia-se o plenário da assembleia e, eventualmente, será difícil a uma delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores estar connosco nesse dia. De qualquer forma, ainda não tenho uma reposta e não sei se já há alguma deliberação nesse sentido.
Se fosse esse o caso, julgo que a melhor solução, e para dar cumprimento à deliberação da Comissão da terça-feira passada, seria iniciar os nossos trabalhos com a audição - caso isso seja possível, porque, como disse, não tenho uma resposta - da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, passando depois à discussão, na especialidade, dos vários artigos que constam dos diferentes projectos de revisão constitucional e, depois, no dia 27, interromper essa discussão para ouvir a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, caso os seus representantes possam estar presentes nesse dia, que, julgo, será o caso.
Esta seria a melhor maneira de articular os trabalhos. Em todo o caso, neste momento, não tenho nenhuma confirmação nem infirmação de uma ou de outra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente às questões que colocou, queria dizer o seguinte: genericamente, estamos de acordo com aquela que me pareceu ser a solução indiciada pelo Sr. Presidente. Ou seja, entendemos que na agenda do próximo dia se devem colocar as audições, sujeitas, naturalmente, a confirmação, uma vez que, como o Sr. Presidente referiu, os contactos estão feitos e cabe agora aos presidentes das assembleias legislativas regionais fazerem as respectivas confirmações. Portanto, da agenda já deveria constar esse ponto, bem como - o que me parece prudente -, o do início da discussão, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional.
Por outro lado, Sr. Presidente, à semelhança do que é hábito nas revisões constitucionais, há matérias, nomeadamente a das regiões autónomas, que atravessam uma série de artigos da Constituição da República Portuguesa, começando logo (a maioria das propostas) por alterações ao artigo 6.º, o que não quer dizer que não possam ou não devam ser agregadas - aliás, a não agregação até poderia fazer perder a coerência da discussão relativamente a cada uma das matérias.
Por conseguinte, caso alguma das assembleias legislativas regionais não possa confirmar o envio de uma delegação à nossa Comissão já na próxima reunião, penso que deveríamos iniciar a discussão na especialidade, porventura adiando a discussão das propostas relativas às regiões autónomas para um pouco mais tarde. Em qualquer circunstância, também se não for esse o caso, a audição far-se-á à mesma, interrompendo o curso normal dos trabalhos.
Assim, a proposta do Sr. Presidente merece a nossa total concordância, até no que respeita ao pedido para que se tenha o cuidado de inscrever na agenda as duas matérias, quer as audições quer o início da discussão na especialidade.
Quanto à segunda questão, sobre o contacto que estabeleceu com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão, queria dizer-lhe que o Grupo Parlamentar do PSD e a maioria mantêm a disponibilidade para reunir de acordo com qualquer das

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soluções que o Sr. Presidente anunciou como possíveis, quer seja uma reunião normal, marcada para as 15 horas, quer haja alguma partilha da tarde (é uma sugestão que também deixo), por acordo com a 1.ª Comissão, começando, por exemplo, uma das reuniões às 15 horas e outra às 17 horas, para permitir o decurso dos trabalhos.
Mesmo que as reuniões das duas comissões corram em paralelo manifestamos total disponibilidade para estarmos presentes, até porque a reunião da 1.ª Comissão não é uma reunião ordinária, é uma reunião sobre uma matéria específica, portanto, em princípio poderá e deverá ser seguida pelos Srs. Deputados que estão a tratar desse assunto, o que não nos coloca qualquer obstáculo de força maior para estarmos na reunião desta Comissão.
Por conseguinte, da nossa parte, há abertura total para aceitar qualquer solução que o Sr. Presidente encontre para manter a marcação da reunião.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, estamos de acordo com o sentido geral das propostas que apresentou e pensamos que é adequada a ideia de não ficarmos dependentes das assembleias legislativas regionais para a prossecução dos nossos trabalhos. Sem prejuízo de podermos fazer alguma articulação, se o prazo de vinda das assembleias legislativas regionais for breve, com a primeira leitura de especialidade das matérias atinentes às regiões autónomas.
O Sr. Presidente fará essa articulação, mas no curso normal dos trabalhos não deveremos ficar dependentes das disponibilidades imediatas das assembleias, dado o calendário apertado que temos.
Quanto ao segundo ponto, o dos ajustamentos com a 1.ª Comissão, a proposta também me parece adequada, mas temos de ter a ideia - e o Sr. Presidente já a ressaltou nos seus propósitos - de que o nosso calendário é apertado e, portanto, exige uma celeridade e uma continuidade muito grande dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente à primeira questão, vou tentar articular a vinda das delegações das assembleias legislativas regionais assim que tenha a confirmação do dia exacto em que poderão estar presentes, de forma a, como os oradores que me precederam notaram, permitir a prossecução normal dos trabalhos da Comissão, sem estarmos dependentes dessas audições.
Relativamente à realização da próxima reunião na tarde de terça-feira, falarei com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão. Julgo que a melhor solução seria tentar articular, tanto quanto possível, a realização das reuniões das duas comissões. Visto que reuniremos durante a manhã, penso que a melhor solução seria prolongarmos imediatamente a nossa reunião para o período a seguir ao almoço, a partir das 15 horas, porventura, até às 17 horas, e fazer, se possível, uma reunião da 1.ª Comissão a partir dessa hora.
De todo o modo, tratarei do assunto com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão. Aliás, ela disse-me que hoje viria à reunião da nossa Comissão, da qual é membro, mas que teria de chegar um pouco atrasada. Portanto, espero resolver essa questão ainda esta manhã.
Resolvidos estes assuntos preambulares, vamos entrar na agenda de trabalhos de hoje.
Já agora, aproveitava para dar conta aos Srs. Deputados do seguinte.
Em primeiro lugar, fiz circular um pequeno documento síntese, organizado pelos serviços de apoio à Comissão, que nos dá conta do que se passou na primeira reunião da nossa Comissão. Evidentemente, as actas estão a ser transcritas e preparadas nos termos habituais, mas na reunião seguinte haverá sempre um pequeno documento síntese a dar conta do que se passou na anterior, para avivar a memória.
Em segundo lugar, vou mandar recolher o Regulamento da Comissão que têm convosco, porque há um pequeno lapso no artigo 1.º, que tem que ver com a composição da Comissão (há uma troca entre os Deputados do PS e do PSD, que já está a ser corrigida), e substitui-lo por outro devidamente corrigido. Naturalmente, peço desculpa por esse lapso, pelo qual assumo inteira responsabilidade.
Posto isto, Srs. Deputados, vamos iniciar os trabalhos, que, como os Srs. Deputados sabem, passam pela apresentação dos projectos de revisão constitucional pela ordem em que foram apresentados.
O primeiro projecto de revisão constitucional é o do Partido Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, para apresentar o projecto de revisão constitucional n.º 1/IX.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Em primeiro lugar, gostaria de saudar o Sr. Presidente e toda a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me a mim fazer a apresentação do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, exactamente o n.º1/IX, porque foi o primeiro a dar entrada na Assembleia da República, no dia 7 de Outubro do ano passado. E começo exactamente por lamentar que já tenham decorrido mais de três meses entre a entrada deste projecto do Partido Socialista, na Assembleia da República, e o início do processo de revisão constitucional. Creio que esse lapso de tempo (que não sei dizer exactamente a quem se deve e ao que se deve) de três meses pode fazer-nos falta no futuro.
São bem evidentes as razões, que já foram abundantemente salientadas, quer na conferência de imprensa do Secretário-Geral do PS, a 11 de Setembro, quer na minha própria declaração, na sessão plenária de 8 de Outubro, quer nas recentes exposições do coordenador, Deputado Alberto Martins, e do Presidente do Grupo Parlamentar, António Costa, pelas quais o Partido Socialista só apresentou um projecto confinado à revisão de questões relacionadas com as regiões autónomas.
Já agora, gostaria de sintetizar o espírito com base no qual o projecto de revisão foi apresentado. Ele foi apresentado sob o lema, para nós muito claro, de que queremos mais democracia e mais autonomia para as regiões autónomas.
Não queremos uma revisão geral da Constituição, nem sequer queremos alargar o âmbito desta revisão. Foram feitas cinco revisões em 20 anos, o que pode ter sido compreensível no início do regime democrático, mas, obviamente, não é essa a filosofia do Partido Socialista para o futuro.
É claro que este projecto do Partido Socialista tem a ver, em grande parte - e não escondemos essa questão -,

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com o calendário eleitoral das regiões autónomas, mais concretamente as eleições que terão lugar no Outono deste ano. Eleições essas que podem decorrer melhor ou pior, conforme o que se fizer até lá em sede desta Comissão ou, até, em matéria de alteração das leis eleitorais para as Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira.
Temos de aproveitar esta ocasião para fazer a alteração dessas leis eleitorais (tarefa que não cabe a esta Comissão, como é óbvio), também dentro do espírito de que devem ser revistas no sentido de adequar os votos à proporcionalidade e à sua transposição em mandatos, de maneira a que não haja perversão entre os resultados eleitorais e a sua tradução em mandatos.
Ora, o nosso projecto de lei introduz (prevendo próximas consequências políticas dessas eleições) a capacidade de o Presidente da República dissolver as assembleias legislativas regionais em caso de impasse político, como acontece na República, retirando-se deste modo o artigo em que se previa que a dissolução só era possível por actos graves cometidos contra a Constituição e introduzindo esse elemento suplementar de gestão das crises políticas, que é a possibilidade de dissolução das assembleias legislativas, que não dos órgãos próprios das regiões, como consta do actual texto da Constituição.
Tencionamos ainda, para além da previsão da gestão de uma crise política que possa, eventualmente, ocorrer nas regiões autónomas, ajudar a ultrapassar certas limitações e ambiguidades no âmbito das competências legislativas das regiões autónomas, nomeadamente através da supressão de alguns dispositivos constitucionais, um dos quais é a referência de que o poder legislativo das regiões autónomas teria de subordinar-se ao respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República.
Gostava de referir que, em 1997, na própria Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, afirmei que tenho receio de que essa fórmula, assim como a introdução do conceito de lei geral da República em 1982, em vez de esclarecer as competências das assembleias legislativas regionais, venha a criar problemas políticos.
Não ficaria bem com a minha consciência se não o dissesse aqui de novo e de forma serena, pelo que passo a citar a minha intervenção, no Plenário da Assembleia da República, de 22 de Julho de 1997: "Com efeito, só entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Julho de 2002, foram aprovados pela Assembleia da República e pelo Governo 472 leis e 2009 decretos-leis, sendo classificadas leis gerais da República 401 leis (dessas 472) e 609 decretos-leis".
Por isso, Srs. Deputados, deve aproveitar-se a presente revisão para eliminar zonas de indefinição entre as competências dos órgãos de soberania e as competências dos órgãos do governo próprio dos Açores e da Madeira. Daí a nova técnica de repartição de competências entre a República e as regiões introduzidas no projecto do Partido Socialista.
Procura-se, assim, definir com maior precisão o âmbito das matérias de reserva dos órgãos de soberania, as competências legislativas próprias das regiões autónomas e criar um novo espaço fixado por autorizações legislativas da Assembleia da República destinado ao desenvolvimento de leis de base, bem como a capacidade de transposição directa de directivas comunitárias em matérias que apresentem uma especial configuração em cada região autónoma por razões, e cito especialmente, "de intensidade, diversidade ou exclusividade".
Esperemos (e aqui estou com o mesmo espírito com que fiz a intervenção de 1997, em Plenário) que esta nova caracterização da capacidade legislativa dos Açores e da Madeira venha a ser bem entendida pelo Tribunal Constitucional, depois de se ter adoptado alguns predicados semeados nos seus acórdãos.
É a consagração constitucional, e gostava de chamar a atenção de todos os presentes para isso, da caracterização jurisprudencial do defunto "interesse específico".
A nova figura do representante especial da República, para cada uma das regiões, recebe as competências parapresidenciais do anterior Ministro da República e, por isso, a sua designação passa a ser só do Presidente da Republica, ouvido o Conselho de Estado.
Os serviços de Estado nas regiões poderão ser administrados por protocolos estabelecidos entre os Governos da República e os governos regionais.
Em síntese, apresentamos no nosso projecto alterações significativas, sobretudo nos artigos 112.º, 133.º, 165.º, 166.º, 227.º, 228.º, 229.º, 230.º, 232.º, 233.º e 234.º, para além dos dispositivos transitórios.
No artigo 112.º, que, como todos sabem, trata dos actos normativos, eliminam-se os preceitos de "interesse específico" e de "lei geral de Republica", introduz-se a capacidade das regiões autónomas poderem transpor directamente as directivas comunitárias para a ordem jurídica interna e altera-se a técnica enunciadora dos poderes autonómicos legislativos no sentido de lhes dar maior amplidão e clareza.
Deste modo, serão os estatutos político-administrativos de cada uma das regiões a definir essas competências, apenas limitadas pelas competências que são exclusivas dos órgãos de soberania.
No artigo 133.º, que diz respeito às competências do Presidente da Republica quanto a outros órgãos, introduz-se a possibilidade de o Presidente da Republica dissolver as assembleias legislativas sem necessitar da iniciativa do Governo da República, embora ouvindo o Conselho de Estado e os partidos representados naquelas.
Refira-se que o governo regional continuará em função de gestão até novas eleições, daí que se tenha confinado esse poder de dissolução às assembleias legislativas, conforme já referi na minha introdução.
No artigo 161.º clarifica-se as competências da Assembleia da República quanto às leis eleitorais regionais, que deverão ser consideradas leis orgânicas conforme o agora proposto no artigo 166.º sobre a forma dos actos. Também a Lei das Finanças das Regiões Autónomas e os próprios serviços político-administrativos passam a ser diplomas com aquele valor reforçado.
O artigo 165.º estende às assembleias legislativas a possibilidade de receber da Assembleia da República autorizações para matérias da reserva relativa desta, como já acontece em relação ao Governo da República.
Propriamente no Título VII da Constituição, que trata do regime político-administrativo dos Açores e da Madeira, elimina-se, consequentemente, os preceitos sobre "interesse específico" e "princípios fundamentais das leis gerais da República" e ampliam-se, assim, os poderes legislativos das regiões no sentido já mencionado.
As reservas de competência política e legislativa exclusiva da Assembleia da República e do Governo constituem em si o único limite para a competência legislativa regional.

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Procura-se, pois, definir no nosso projecto, com precisão, o âmbito das matérias de reserva dos órgãos de soberania, as competências legislativas próprias das regiões e um espaço fixado para autorizações legislativas da Assembleia da República para o desenvolvimento das leis de base e de regimes gerais, bem como pela transposição de directivas comunitárias, como se diz na exposição de motivos que acompanha o projecto de revisão constitucional n.º 1/IX, do PS.
No artigo 228.º, sobre autonomia legislativa, o projecto do Partido Socialista reforça o papel que cabe a cada um dos estatutos político-administrativos na definição do âmbito material da autonomia legislativa, em função da especial configuração que as matérias assumem na respectiva região por razões de intensidade, diversidade ou exclusividade.
Gostava de dizer que esta proposta do Partido Socialista, de que sejam fundamentalmente os estatutos político-administrativos de cada uma das regiões autónomas a elaborar e a desenvolver as competências que tencionam chamar a si (com os limites já aqui mencionados), talvez seja uma inovação potente, inovadora e esclarecedora para, de certa maneira, poder conferir a cada uma das regiões autónomas uma maior autonomia não só em relação à República como nas suas relações recíprocas. Portanto, uma maior autonomia dos Açores em relação à Madeira, uma maior autonomia da Madeira em relação aos Açores. Penso que esta técnica e esta novidade do projecto do Partido Socialista poderá ter, também, este resultado que, do ponto de vista político para o futuro, considero interessante e, talvez, com consequências políticas razoáveis.
De qualquer maneira, vamos ver o que resulta daqui em termos políticos, constitucionais e jurídicos, sobretudo quanto a estes novos predicados com que, no fundo, se trata o antigo "interesse específico".
Ao artigo 229.º, que trata da cooperação entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio regionais, é acrescentada uma alínea, prevendo delegações de competência do Governo da República para os órgãos regionais, de certa maneira para substituir as possíveis delegações dos Ministros da República que, como sabem, desde 1997, não têm sido operadas.
Com efeito, na revisão constitucional de 1997, introduziu-se uma alteração em que se previa que os Ministros da República só teriam superintendência sobre os serviços do Estado nas regiões por delegação de competências dos Governos da República. Essas delegações nunca foram acordadas por nenhum dos Governos da República a nenhum dos Ministros da República - talvez o melhor entendimento ainda seja o de serem os próprios governos regionais a poder cuidar mais de perto desses serviços, no que eles têm de possibilidade de serem geridos e administrados pelos governos regionais, através de protocolos assinados entre essas duas entidades.
No artigo 230.º opera-se a já enunciada transformação do Ministro da República num representante especial da República, na nossa nomenclatura, com funções parapresidenciais e sem competências paragovernamentais. O que disse anteriormente esclarece de forma suficiente este aspecto.
O representante especial da República é, por isso, nomeado e exonerado pelo Presidente da República sem interferência do Governo, pois deixa de ter competências paragovernamentais, cabendo-lhe nomear os presidentes dos governos regionais, tendo em conta, obviamente, os resultados eleitorais.
Entretanto, deixa de exercer as funções, que nunca exerceu, de superintendência delegada dos serviços do Estado na região, o que, aliás, tem sido um dos motivos por que ultimamente alguns serviços do Estado na região se têm degradado.
As funções de regulação legislativa que até agora cabiam ao Ministro da República serão desempenhadas por esse representante especial da República, designadamente a fiscalização preventiva da legalidade e da constitucionalidade e, bem assim, a assinatura dos diplomas legais regionais.
Finalmente, no que diz respeito a esta exposição - como disse, há outras normas que também são alteradas mas que parecem de menor significado político, por isso, podem depois ser debatidas mais concretamente durante o próprio processo de discussão na especialidade -, temos o artigo 234.º, que admite a dissolução das assembleias legislativas pelo Presidente da República, já não pela prática de actos graves mas nos termos políticos normais usados para a dissolução, por exemplo, da Assembleia da República.
Como também é usual, o governo regional ficará em funções de gestão, depois da dissolução das assembleias, até à tomada de posse do novo governo resultante de eleições. Daí que também seja suprimida a fórmula "dissolução dos órgãos regionais", sendo substituída por "dissolução das assembleias legislativas". Esta foi, de facto, uma lacuna da revisão de 1997, embora o PS e eu próprio tivéssemos apresentado então várias propostas para o efeito.
Sr. Presidente, o projecto de revisão constitucional do PS limita-se, assim, às questões das autonomias regionais. Como cabeça de lista do PS pelos Açores, que maior homenagem posso conceber por parte do meu grupo parlamentar em relação à experiência exaltante das autonomias insulares do que esta exclusividade do seu projecto?
Será bom que esta fase da revisão constitucional seja rápida para que as eleições autonómicas já decorram sob os novos normativos. Há muita margem de consenso nesta matéria em todos os projectos apresentados, pelo que não serão meros nominalismos que podem impedir o entendimento necessário.
O PS está pronto para o efeito e já tem a sua doutrina definida: mais autonomia e mais democracia. Não há autonomia sem democracia, e a democracia nos Açores e na Madeira conjuga-se com autonomia.
O projecto de revisão constitucional que apresentamos respeita, pois, essencialmente, às regiões autónomas, sem prejuízo de se aceitar uma outra solução cirúrgica para questões pontuais, como referiu o Presidente do Grupo Parlamentar do PS, António Costa, na primeira reunião desta Comissão.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, pela apresentação que nos fez do projecto de revisão constitucional do PS.
Inscreveram-se, para intervir sobre esta matéria, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Correia de Jesus, António Filipe e Diogo Feio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi com o agrado habitual que ouvi o

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Sr. Deputado Medeiros Ferreira. Digo que foi com o agrado habitual não só pela capacidade que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira tem para expor as suas ideias mas também porque - devo confessar - quando fala de autonomias regionais, normalmente, estou de acordo com os princípios que enuncia. O grande problema surge depois, na passagem desses princípios que o Sr. Deputado enuncia com tanto brilhantismo, e nos quais me revejo praticamente sempre na totalidade, à prática; noto sempre uma diferença muito grande entre a enunciação dos princípios e a passagem dos mesmos à prática.
Não me vou deter especialmente nas partes da sua exposição relativas ao projecto do PS em que existe uma consonância de posições com o PSD, pois aquando da apresentação das nossas propostas terei oportunidade de reiterar e de confirmar o nosso entendimento convergente quanto a essas matérias. Porém, há algumas questões que gostaria de colocar.
Em termos genéricos - permita-me esta primeira observação -, mais importante do que o que o Sr. Deputado apresentou como sendo as propostas do PS é o que não apresentou. Refiro-me às propostas que o PS, tendo aprovado na Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira, omite e não coloca no seu projecto de revisão constitucional. Ora, é sobre essas matérias que é preciso que haja uma explicação por parte do PS e, em particular nesta fase, do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que fez a apresentação inicial. Deverá explicar por que o PS não avançou com uma série de propostas que assumiu como suas também no momento inicial mas que, depois, aparentemente, aparece a declinar.
Posso citar várias dessas propostas, algumas das quais têm bastante relevância relativamente aos "quês e porquês" de o PS ter deixado decair estas matérias. Portanto, gostaria que houvesse alguma explicitação da parte do Sr. Deputado sobre este aspecto.
Desde logo, coloco a questão, que não é menor, das alterações aos artigos 9.º e, fundamentalmente, 81.º da Constituição. Estão em causa matérias referentes à promoção da igualdade de oportunidades, da coesão social e económica e da correcção de desigualdades entre as várias parcelas do território nacional, com o enfoque especial, como está bem de ver, porque é esse o alcance das propostas oriundas das próprias regiões autónomas, nas desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas.
De facto, não percebo por que o PS, no seu projecto de revisão constitucional, não traduziu em proposta essas matérias. No plano dos princípios, é evidente que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, como insigne Deputado eleito pelas ilhas, nascido e, presumo, criado numa das regiões autónomas, nunca deixa de enfatizar…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Mais precisamente, numa ilha!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E sei que convictamente!
Mas, depois, como é que isso se coaduna com a prática? Não basta enunciar princípios, é preciso concretizá-los! Portanto, como é que num caso como este se pode entender deixar de fora princípios tão básicos como este?
Gostaria de falar ainda de outras matérias, nomeadamente de uma questão que o Sr. Deputado abordou, embora tivesse tido a cautela de marcar alguma discordância pessoal - o que é perfeitamente natural em partidos democráticos como os nossos - ou, pelo menos, algumas reservas pessoais quanto a opções definitivas que tenham sido assumidas, ou não, pelo seu grupo parlamentar.
Refiro-me a uma das questões nucleares dos projectos de alteração da Constituição relativamente às autonomias regionais, relacionada com a clarificação e alargamento dos poderes legislativos das assembleias legislativas regionais. Ora, no que respeita a esta matéria, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não percebo - e gostava que o explicasse - por que o PS também relativamente às propostas iniciais que sufragou na Assembleia Legislativa Regional recua quanto a uma clarificação definitiva do problema da autonomia legislativa das regiões autónomas.
Como o Sr. Deputado referiu, e muito bem, já em 1997 houve pessoas - fará a justiça de confirmar que não foi só o Sr. Deputado mas também muitas pessoas do PSD - que deixaram claro que a alteração feita, por alguma teimosia do PS de manter formas ínvias relativamente à definição das competências legislativas das regiões, não iria senão desembocar na perpetuação de indefinições, na possibilidade de jurisprudência contraditória com os objectivos dos legisladores constituintes e de jurisprudência contraditória do Tribunal Constitucional relativamente a esta matéria. Como o Sr. Deputado bem sabe, o Tribunal Constitucional, não só nos últimos anos mas desde sempre, desde 1976, tem habitualmente uma jurisprudência altamente restritiva quanto à interpretação destas matérias da Constituição da República no que concerne ao âmbito das competências legislativas das regiões, e foi isso, evidentemente, o que se verificou.
Portanto, não consigo perceber por que o PS não aproveita esta oportunidade, mais uma; tem havido revisões sucessivas de aproximações ao problema, mas vai sempre deixando uma série de questões por resolver, quando não criando problemas novos.
Devo dizer-lhe, por exemplo, que o PS, ao acrescentar agora, no artigo 228.º, o conceito da intensidade, da diversidade e da exclusividade não cria um problema, cria mais três!… Cria três problemas novos! Está mesmo a ver-se o que vai isto dar em termos de interpretação e da jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente ao âmbito das competências legislativas das regiões autónomas.
Se já havia uma jurisprudência muito complicada, como o Sr. Deputado referiu, e bem, em torno do que seria a correcta interpretação desse chavão constitucional, que terá sido escrito benignamente pelo legislador constituinte mas que, depois, foi transformado num papão pelo Tribunal Constitucional, no interesse específico das regiões autónomas, o que acontecerá agora com este princípio que o PS inscreve no projecto de revisão, ou seja, a especial configuração que as matérias assumem por razões de intensidade, diversidade ou exclusividade?! Isto é fechar a gaveta com a chave lá dentro!… Não tenho grandes dúvidas sobre isso!…
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, conhecendo não só as suas raízes insulares e a sua convicção autonómica em relação aos arquipélagos dos Açores e da Madeira mas, acima de tudo, conhecendo também as reservas que já em anteriores revisões manifestou relativamente à abordagem destas matérias, não se consegue, de facto, entender como é que, quando se pretende aparentemente resolver um problema, em vez de o fazer, finge-se que se o resolve e cria-se uma série de problemas novos, ao lado.

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Portanto, isto parece-me completamente inaceitável, tal como me parece inaceitável - esta é outra questão concreta relativamente às competências legislativas das regiões que gostaria de colocar-lhe - que o PS não avance para resolver o problema das autorizações legislativas.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, como V. Ex.ª bem sabe, as autorizações legislativas que putativamente estão inscritas no texto actual da Constituição relativamente às regiões autónomas são perfeitamente fictícias e ilusórias, porque não se trata de quaisquer autorizações legislativas. E a prova disso é que, ao longo dos anos que esta norma leva de vigência, nunca qualquer região autónoma, quer com governos do Partido Social Democrata, quer com governos do Partido Socialista, pediu qualquer autorização legislativa à Assembleia da República. E não pediu, porquê? Não pediu porque isto não são pedidos de autorização legislativa, isto é a mesma coisa que apresentar uma proposta de lei, o que as assembleias legislativas, isso sim, têm feito, e têm-no feito com alguma regularidade.
O legislador constituinte deve olhar para esta ficção, que foi criada, numa redacção enviesada, pelo anterior legislador constituinte a fingir que era uma autorização legislativa, porque não se trata de qualquer autorização legislativa, e resolver o problema de uma de duas formas: ou criando, de facto, uma verdadeira autorização legislativa, que é o que, manifestamente, do meu ponto de vista, e presumo - é a questão que lhe deixo - também do ponto de vista do Partido Socialista, deve existir sem qualquer tipo de complexo, porque, se é evidente para todos nós que devemos restringir o âmbito de competência legislativa material das regiões autónomas a tudo o que não seja matéria reservada aos órgãos de soberania, maxime à Assembleia da República, também é evidente que para haver alguma excepção a essa matéria ela terá de vir através do mecanismo da autorização legislativa. Aliás, o próprio Partido Socialista prevê que haja matérias que podem ser sujeitas a autorização legislativa, embora de uma forma muito tímida, a meu ver - mas essa é uma matéria a tratar aquando da discussão na especialidade.
Portanto, o que lhe pergunto, agora que estamos a tratar apenas dos projectos na generalidade, é se, genericamente, o Sr. Deputado pensa ou não que a questão das autorizações legislativas deve ser resolvida de forma a que, a existirem autorizações legislativas, elas sejam autorizações legislativas reais e verdadeiras, e não aquela forma imperfeita, para ser soft, que vem no texto actual da Constituição e que verdadeiramente, todos o sabemos, não é autorização legislativa alguma, e exactamente por isso é que nunca, ao longo dos muitos anos de vigência desta norma, qualquer assembleia legislativa regional, fosse com maiorias de um partido fosse com maiorias de outro, apresentou qualquer pedido de autorização legislativa. De facto, não se trata de uma autorização legislativa.
Portanto, é esta segunda questão relativa à matéria das competências legislativas que lhe deixo, que me parece que é, de facto, bastante importante.
Quanto à matéria relacionada com a lei eleitoral a que o Sr. Deputado fez referência, gostava de colocar-lhe a seguinte questão, apenas no plano dos princípios: o Sr. Deputado considera eticamente aceitável que, num Estado de direito como o nosso e num Estado de direito que, sendo um Estado unitário, é também um Estado regional, a Assembleia da República possa, por absurdo, de hoje a amanhã, alterar a lei eleitoral das regiões autónomas, que é uma questão nuclear em termos de vivência democrática dos povos e das populações, sem, previamente, elas se terem pronunciado sobre a matéria?
É que o que está em causa relativamente à concessão ou não de um estatuto estatutário - passe o pleonasmo -, ou seja, à inclusão ou não dos princípios do sistema eleitoral como matéria estatutária, tem a ver exactamente com a iniciativa propulsiva por parte das próprias regiões para a respectiva alteração, sendo, embora, certo que a Assembleia da República será sempre soberana relativamente ao contorno e ao figurino dessas alterações.
Agora, o que me parece - e é a questão que lhe coloco - eticamente impensável é como é que, num Estado de direito democrático como o nosso, se pode conjugar a aceitação da autonomia regional das regiões autónomas como forma estruturante da organização do Estado democrático com a retirada total da matéria eleitoral dos princípios estruturantes do estatuto autonómico, porque, de facto, se a matéria eleitoral não é matéria de natureza estatutária, então, é o próprio sistema democrático das regiões autónomas que está fora da matéria estatutária!
Do meu ponto de vista, com toda a franqueza, é isto que se passa, independentemente, que fique claro, de a competência final para a aprovação das leis eleitorais nunca poder caber senão à Assembleia da República. Isso está fora de causa.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não sei se V. Ex.ª tem ou não uma posição algo diferente da posição de alguns outros Srs. Deputados da sua bancada, mas gostava de ouvir a sua opinião relativamente à inclusão de uma norma constitucional que venha a permitir que as leis eleitorais das regiões autónomas possam contemplar a participação dos seus emigrantes, que são muitos.
Como o Sr. Deputado sabe, seguramente melhor do que eu, quer a Região Autónoma dos Açores quer a Região Autónoma da Madeira têm um património social e humano extraordinário, que são os seus fluxos migratórios, que saíram quer dos Açores quer da Madeira, mas que mantêm laços tremendamente fortes não só familiares mas também de vivência pessoal à vida dos arquipélagos, sendo que, normalmente, encaram a emigração como um período transitório da sua vida, para se desenvolverem profissionalmente e enriquecerem o seu património, e, sempre que possível, retornam às suas terras.
Pergunto-lhe, portanto, se encara ou não com abertura a possibilidade de inscrevermos uma norma na Constituição Portuguesa que, sem qualquer tipo de entorse, porque já o fizemos - e o Sr. Deputado e a bancada do PS também participaram activamente nisso -, relativamente à eleição para o Presidente da República, abra a porta a que as leis eleitorais das regiões autónomas possam conter mecanismos que permitam a participação dos emigrantes que saem das regiões autónomas, mas que com elas mantenham laços muito fortes de ligação, porque me parece que esta é uma questão politicamente estruturante relativamente àquilo que pretendemos que venham a ser as autonomias regionais depois desta revisão constitucional.
Espero que, desta vez, de uma forma definitiva e amadurecida, se resolva o que, sucessivamente e em pequenos passos, se tem vindo a fazer nas revisões constitucionais, isto é, a natureza autonómica dos arquipélagos dos Açores e da Madeira inscritos no nosso Estado de direito democrático.

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Genericamente eram estas as questões que lhe queria colocar, mas gostava de lhe deixar ainda uma pequeníssima nota final, que, não sendo uma questão nuclear, penso que também releva exactamente do tratamento importante e digno que nós próprios fazemos da realidade insular.
Porque é que o Partido Socialista insiste nesta terminologia de menorização das regiões autónomas, nomeadamente pela inscrição, em todas as normas da Constituição da República, dos órgãos das regiões autónomas com letra minúscula, como que colocando, por uma teimosia que é preciso acabar de vez, os órgãos das regiões autónomas num plano obrigatoriamente inferior aos dos outros órgãos da República, nomeadamente os órgãos centrais?
Embora parecendo uma coisa menor, Sr. Deputado (eu acho que não é), mas se o Partido Socialista achar que sim, então, que desta vez, exactamente por ser uma questão menor, deixe de fazer finca-pé e aceite aquilo que, na prática, é um sinal - e os sinais em política também são muito importantes - da maturidade que, finalmente, a Constituição da República irá conceder em definitivo às regiões autónomas, ao seu relacionamento com a República e à sua integração dentro dos próprios órgãos da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, a apresentação que fez do projecto de revisão do Partido Socialista centra-se num aspecto crucial deste processo de revisão constitucional, que é o do aprofundamento das autonomias regionais, o da configuração constitucional das autonomias regionais, que creio que é um tema particularmente aliciante neste processo, que nos permitirá resolver alguns problemas que, do nosso ponto de vista, foram mal equacionados, designadamente na última revisão constitucional, e para os quais a experiência veio demonstrar que algumas reformas constitucionais tinham sido inadequadas.
Ora, tendo em conta o conteúdo do projecto de revisão do Partido Socialista, que o Sr. Deputado acabou de apresentar, gostaria de colocar, desde já, à reflexão alguns aspectos, não sem antes dizer que, neste capítulo, há questões muito importantes no projecto de revisão do Partido Socialista com as quais concordamos, designadamente, não sendo exaustivo, a forma de equacionar a representação da República nas regiões autónomas, ultrapassando, assim, a configuração constitucional de Ministro da República, que, de facto, nos parece estar neste momento inadequada, e a resolução de um problema, que só por sorte ainda não representou um problema institucional grave, que é o de não haver uma previsão constitucional da dissolução das assembleias legislativas regionais no caso em que se possa criar uma crise institucional grave. Por sorte esta situação nunca surgiu, mas, se tivesse surgido, ficávamos com um problema constitucional por resolver, na medida em que o Presidente da República não tem poderes de dissolução das assembleias legislativas regionais e, portanto, constitucionalmente, ver-se-ia incapacitado de resolver uma situação em que a assembleia legislativa regional não fosse capaz de gerar uma solução governativa para a região autónoma em causa. Portanto, também saudamos a tentativa de resolver esse problema.
Mas há um aspecto, que é, porventura, aquele que merece mais discussão ou uma discussão mais aprofundada, que tem a ver com a autonomia legislativa das regiões autónomas. Também nos parece que a figura das leis gerais da República foi uma das inadequações da revisão constitucional de 1997, uma tentativa frustrada, porque, na verdade, aquilo que se conseguiu foi que se criasse uma expressão tabeliónica de lei geral da República referentes às leis aprovadas na Assembleia da República e aos decretos-leis do Governo, para valerem como lei geral da República, e, porventura, ter-se-ão aprovado com a qualificação de leis gerais da República determinados diplomas legislativos que até poderão não o ser ou, bem vistas as coisas, não merecer essa qualificação de leis gerais da República.
Parece-nos, portanto, que a supressão deste conceito e o estabelecimento de poderes legislativos das regiões autónomas numa outra base deve ser um caminho a seguir, daí que no nosso projecto de revisão constitucional também deixemos de prever esta qualificação de leis gerais da República.
Obviamente que as leis que são aprovadas pelos órgãos de soberania são leis da República, são, em princípio, para vigorar na República no seu conjunto, a menos que uma consideração de um interesse específico de uma reunião autónoma deva possibilitar que a região autónoma, no uso da sua competência legislativa, adopte uma solução diferente. Portanto, concordamos com a supressão deste conceito.
Posto isto, há aspectos do projecto de revisão do Partido Socialista que me merecerão uma maior discussão, desde logo a tentativa de salvar as autorizações legislativas. Concordo com o que, há pouco, disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes a propósito das autorizações legislativas. É que o que a Constituição previa como autorizações legislativas não faz sentido! E tanto não faz que elas nunca foram utilizadas, tanto quanto me lembre. Creio que, nestes anos todos, terá havido um caso, quando muito, há muitos anos atrás. Sinceramente, eu não me lembro de nenhum…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Penso que não houve!

O Sr. António Filipe (PCP): - … em que as assembleias legislativas regionais tenham solicitado autorização à Assembleia da República para legislar, pela simples razão de que, enquanto nas relações entre a Assembleia da República e o Governo da República existe uma reserva relativa de competência legislativa, essa reserva relativa não funciona em relação aos órgãos dos governos próprios das regiões. Portanto, têm um âmbito completamente diferente e até nem se vislumbra qual é o âmbito das autorizações legislativas a solicitar pelas assembleias legislativas regionais. Não faz, de facto, muito sentido. Ou legislam ou então apresentam propostas de lei, porque esta figura não existe!
Verifico que o Partido Socialista faz uma tentativa de reconfigurar a figura das autorizações legislativas, fazendo caber nessa possibilidade alguma da competência da reserva relativa da Assembleia da República em relação ao Governo. Registo que é uma tentativa para salvar esta figura, mas a questão que coloco é se valerá a pena insistir na existência da figura de autorização legislativa para as assembleias legislativas regionais. Esta é a primeira questão.

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Uma segunda questão prende-se com a precisão da competência legislativa em termos materiais. Eu julgo vislumbrar no projecto do Partido Socialista a seguinte ideia: a competência legislativa é materialmente estabelecida no Estatuto Político-Administrativo, mas, para além disso, existem ainda as funções que cabem ao Governo no exercício de funções de soberania, não ficando isso taxativamente estabelecido. Receio que esta fórmula possa trazer problemas de interpretação.
Relativamente ao primeiro aspecto, o de fixar a competência legislativa nos estatutos, obviamente que esse é um caminho. Porém, creio que se essa definição for taxativa poderá haver, no futuro, a tentação de procurar alterar os estatutos político-administrativos sempre que surja algum obstáculo ao aprofundamento da autonomia. Digamos que há uma visão porventura estática da autonomia regional.
Se estabelecermos taxativamente a competência material no Estatuto Político-Administrativo creio que poderemos ficar confrontados com sucessivas revisões dos estatutos político-administrativos de forma a ampliar essa competência material, o que talvez não seja muito bom. Talvez valesse a pena procurar estabelecer desde logo, na Constituição, os parâmetros da competência legislativa em função da competência própria dos órgãos de soberania, em função, designadamente, das leis de valor reforçado, e talvez deixar à jurisprudência constitucional a apreciação sobre a existência ou não de um interesse específico regional que justifique uma solução diversa da que seja adoptada na República. Creio que, em vez de uma definição material taxativa em sede de estatuto, talvez fosse preferível estabelecer a relação de competências entre os órgãos da República e os órgãos próprios de governo das regiões, podendo deixar aqui, quanto ao âmbito material das competências, uma margem maior para a jurisprudência constitucional. O Sr. Deputado não entende que este poderia ser um caminho a explorar, em vez de utilizar fórmulas que, por serem excessivamente taxativas, possam, depois, vir a criar problemas quanto à sua aplicação no futuro?
Finalmente, este conceito das tarefas que cabem ao Governo no exercício de funções de soberania, embora seja, obviamente, um propósito justificado, creio que pode vir a criar problemas sérios de delimitação da competência material, designadamente dos órgãos da assembleia legislativa regional. Obviamente, poderia ficar a cargo da jurisprudência constitucional saber quais são estas competências, mas creio que não se ganhará muito em estabelecer constitucionalmente um novo conceito que depois possa vir a suscitar problemas de aplicabilidade.
Creio que o projecto que apresentam na área das regiões autónomas é um importante contributo para podermos evoluir nesta matéria, mas estas são as questões que se me oferecem colocar de momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, começo por saudar o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não só pela exposição que aqui nos fez mas também pela sua situação pessoal, porque sei que estas são matérias que estuda há vários anos e sobre as quais tem escrito. Naturalmente, conseguimos chegar a este patamar de discussão porque algumas resistências foram diminuindo ao longo do tempo. E, pertencendo eu a uma corrente política que, nas várias discussões que aqui foram travadas, também foi defendendo um aumento das competências legislativas e administrativas das autonomias, não poderia deixar de referir essa matéria.
Fazendo o resumo, tanto em relação ao que nos apresentou como ao que está em cima da mesa, há um conjunto de matérias que são, obviamente, fundamentais, como, por exemplo, uma definição distinta das competências legislativa e administrativa das regiões autónomas. Existe também, por outro lado, a questão do tratamento da figura do representante especial, por contraposição à do actual Ministro da República.
Parece-me que nos vários projectos que estão presentes há claramente uma nota comum, independentemente das diferenças e distinções entre eles, que é a do aprofundamento das autonomias. No pleno sentido de que a Constituição deve, obviamente, acompanhar a realidade constitucional, mas também as suas modificações, não considera importante a alteração do artigo 6.º em relação à questão do Estado unitário regional, que é, aliás, uma questão aflorada várias vezes pelo Sr. Prof. Jorge Miranda e em relação à qual o projecto do Partido Socialista é omisso?
Esta questão foi também discutida noutros locais, como, por exemplo, na Assembleia Legislativa Regional da Madeira e, no fundo, o que pretendia saber, Sr. Deputado, é a razão desta omissão. Não considera importante que, também aqui, se faça uma clarificação que, para além do mais, é uma clarificação tecnicamente mais correcta em relação ao que existe na realidade?
Tenho uma outra questão a colocar sobre mais uma omissão do Partido Socialista no que diz respeito ao artigo 52.º, mas fá-lo-ei aquando da discussão na especialidade dos projectos de revisão.
Abordaria agora uma matéria que foi aflorada nas várias intervenções que me antecederam e que tem a ver com as autorizações legislativas. Sr. Deputado, na medida que se caminhe para uma clarificação das competências legislativas existentes entre as assembleias legislativas regionais, o Governo, a Assembleia da República e as várias reservas que estão presentes, não considera que se deveria também fazer uma clarificação relativamente a esta matéria das autorizações legislativas, prevendo, por exemplo, a hipótese da sua caducidade com a queda das assembleias legislativas regionais? Isto é, não é esse também um elemento importante no relacionamento institucional que existe entre quem autoriza e quem fica autorizado nesta matéria?
Como já foram colocadas várias questões, vou cingir-me a alguns aspectos específicos. Um deles tem a ver com a apresentação de projectos de revisão constitucional. E, a este propósito, remeto para o artigo 285.º da Constituição e para a solução que a maioria entendeu apresentar: a possibilidade de as assembleias legislativas regionais apresentarem projectos de revisão constitucional em relação a estas matérias e às que se referem ao regime autonómico insular. Não considera que uma maior participação por parte das assembleias legislativas seria importante neste plano?
Quanto às leis eleitorais, e tendo em atenção a situação concreta das regiões autónomas, não posso deixar de pegar numa questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a da emigração. Pergunto-lhe apenas se a questão da emigração não deveria ser contemplada neste projecto de revisão constitucional, no sentido de, relativamente

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aos emigrantes, modificar e alargar a sua capacidade eleitoral.
Estas são as questões que queria colocar-lhe, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, independentemente de diferentes opiniões que tenhamos sobre qual deve ser a extensão, maior ou menor, dos projectos de revisão constitucional, matéria já tratada na reunião anterior.

O Sr. Presidente: - A última inscrição registada é a do Sr. Deputado Correia de Jesus, a quem dou a palavra.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, foi com atenção e gosto que ouvi a sua intervenção, nomeadamente pelo facto de, quer o projecto do Partido Socialista, quer as suas palavras, incorporarem propostas que nós, o Partido Social Democrata, e eu próprio, vimos apresentando desde 1982, isto é, desde a revisão constitucional de 1982.
Na verdade, o tratamento destas matérias tem-se arrastado ao longo do tempo - estamos a reflectir, nalguns casos, sobre propostas que já foram apresentadas na revisão de 1982 - e é, de facto, salutar que, ao fim de duas décadas, o Partido Socialista tenha vindo ao encontro do que são os direitos e as legítimas aspirações das populações da Madeira e dos Açores.
Antes de entrar nas questões de fundo, quero dizer que fixei o slogan que o Partido Socialista, pela voz do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, escolheu para resumir o seu projecto de revisão constitucional: "mais autonomia, mais democracia".
Sr. Deputado, Medeiros Ferreira, estou inteiramente de acordo consigo…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Vejo que entendeu!

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - … - e vai ver que entendi muito bem - quando diz que é necessária mais autonomia. Quanto a mais democracia, penso que é um desiderato que se deseja em relação ao todo nacional.
No que respeita ao processo que conduziu a esta revisão constitucional, que ainda vai no seu início, penso que é do conhecimento público o empenhamento que órgãos de soberania e líderes políticos e partidários puseram com vista a aproveitar esta oportunidade histórica para se resolver, de uma vez por todas, as questões que pairam sobre o nosso sistema jurídico-constitucional em matéria de autonomias regionais.
O PS foi protagonista e actor dessas diligências, que, por assim dizer, culminaram formalmente no texto saído da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Este texto, que é do conhecimento dos Srs. Deputados, inspirou largamente o projecto de revisão constitucional apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP e mereceu, na Assembleia Legislativa Regional, o voto favorável dos Deputados do PS da Madeira. Ora, deve calcular que é com enorme surpresa que verificamos que esse consenso não se transferiu para o projecto de revisão constitucional do PS aqui apresentado.
Consideramos que esta desconformidade é, talvez, a mais importante e mais grave questão política que se coloca relativamente a esta revisão constitucional, salvo se o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, tal como já foi solicitado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, nos explicar por que o PS, ao nível nacional, não subscreveu as propostas da Assembleia Legislativa Regional, que nessa sede tinham merecido o voto favorável dos Deputados socialistas da Madeira.
O projecto de revisão constitucional do PS precisa de ser analisado com muita atenção, porque aparentemente é bom mas, na realidade, pode ser mau, e até perverso, para as regiões autónomas. É evidente que não vou entrar agora na análise da especialidade dos preceitos em causa e daquilo que é apresentado pelos vários projectos que aqui vão debater-se, mas, em síntese, quero dizer que o projecto tem subjacentes linhas de força que me parecem perigosas para a autonomia regional.
O projecto do PS, em certos momentos, parece apropriar-se de competências que hoje são das regiões autónomas, transferindo-as para órgãos de soberania, noutros momentos parece criar controlos que actualmente não existem em relação à actuação político-legislativa dos órgãos de governo próprio. Tratar-se-á, assim, de um presente envenenado, isto é, o PS dá com uma mão o que tira, ou, eventualmente, poderá tirar, com a outra.
Outro aspecto em que, a meu ver, o projecto do PS se revela perverso, tal como já foi referido pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é no recurso a conceitos indeterminados, como o de "intensidade, diversidade e exclusividade". Ponho o acento tónico na expressão "intensidade", que calculo ser um conceito que levará aos juízes do Tribunal Constitucional muitas horas para concluírem o que efectivamente entendem sobre "intensidade" na sua expressão jus positiva (quando os tribunais julgam não avaliam das teorias ou das teses subjacentes às lei, mas sim daquilo que é vertido para o direito positivo).
Penso que o uso destes conceitos indeterminados é o domínio privilegiado para se manter a jurisprudência de pendor centralista que tem caracterizado a actividade do Tribunal Constitucional no que toca às matérias respeitantes às regiões autónomas.
Também não percebo por que o PS não aproveita esta oportunidade para desbastar mais profundamente a figura do Ministro da República. Como sabem, penso ter sido das primeiras pessoas que previu, aliás, numa conferência…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - "Despalaciar", não?

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Exactamente, "despalaciar"!
Devo ter sido das primeiras pessoas a defender formalmente e em sede própria a extinção do cargo de Ministro da República. Aliás, tive oportunidade de o fazer numa conferência em que participei, na Universidade dos Açores, a propósito da Revisão Constitucional de 1982. Abordei o tema "os limites da autonomia", considerando nessa altura, e continuo a considerar, o cargo de Ministro da República um limite à autonomia das regiões autónomas. Naturalmente, desde então venho advogando a sua extinção pura e simples.
Devo declarar agora que tenho pena que o nosso próprio projecto, o projecto da maioria, não tenha incorporado esta proposta, radical na forma mas necessária do ponto de vista material. Compreendo, porém, essa cedência porque, neste caso, privilegiou-se o consenso em nome do esforço feito para se pôr um ponto final nesta problemática das autonomias.
Portanto, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, sem perder de vista a nota inicial de que o projecto do PS constitui um

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apreciável avanço em relação às posições que tradicionalmente tem defendido em matéria de autonomia regional, penso, no entanto, que poderíamos legitimamente esperar um projecto mais arrojado da vossa parte. Aguardo, portanto, as suas explicações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de agradecer as intervenções dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes, António Filipe, Diogo Feio e Correia de Jesus. Quero dizer que foi muito interessante ouvi-los e agradecer as palavras amáveis com que me quiseram brindar.
Obviamente, falo aqui na única condição de Deputado pela Nação, eleito pelo círculo eleitoral dos Açores (digo isto para manter as designações no seu rigor). Se fosse eleito pela Região Autónoma dos Açores eu seria senador, figura para que se encaminha o projecto do PSD; no entanto, de uma maneira que considero bastante estranha, não contempla a possibilidade de as regiões autónomas nomearem senadores - não sei porquê!
Portanto, como não haverá senado de qualquer maneira, gostava apenas de dizer que uma coisa é ser Deputado eleito pelo círculo eleitoral dos Açores, ser Deputado da Nação, na linguagem clássica, outra coisa é ser Deputado pela Região Autónoma dos Açores, pois nessa altura estaríamos já a falar na representação territorial por excelência, que teria cabimento numa segunda câmara.
A existência de uma segunda câmara teria tido muito mais sentido se o PSD tivesse admitido o projecto de regionalização do País, posto à discussão e a referendo durante a VII Legislatura, e que daria, então, toda a ocasião a que o Estado português se pudesse configurar, naquela expressão que os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio de certa maneira interpelaram e que faz parte, como sempre, dos projectos do PSD, como Estado unitário e regional.
Faria todo o cabimento, no caso de ter havido regionalização em Portugal, considerar regional o Estado português, para além das suas características unitárias. Gostava de dizer, no entanto, Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Correia de Jesus e Diogo Feio, que não considero que o principal da realidade autonómica insular seja a regionalização.
Sr. Deputado Correia de Jesus, preste atenção: a regionalização é um conceito relativamente suplementar à grande realidade que é a autonomia insular. A autonomia insular é a verdadeira substância do que estamos a tratar, a regionalização é um conceito de circunstância, mesmo em termos políticos, que por comodidade e por analogia com experiências contemporâneas chamamos região. Poderíamos ter chamado qualquer outro nome desde que caracterizasse aquilo que é fundamental, ou seja, a autonomia tendo em conta as aspirações históricas e as realidades geográficas - essa é a autonomia insular.
A autonomia insular também é, por aquilo que ficou estabelecido na Constituição da República Portuguesa, uma autonomia constitucional. Nem todas as autonomias são constitucionais, pois há muitas constituições que remetem para a lei ordinária a definição dos contornos das respectivas autonomias nos países.
Portanto, o projecto de revisão constitucional do PS teve como substância e elemento único este título da Constituição da República Portuguesa exactamente por uma das características fundamentais da autonomia insular ser a sua dignidade constitucional, que é a expressão máxima daquilo que considero a essência das relações entre a República e as regiões (temos de nos apoderar dos conceitos em vigor), ou seja, a ideia fundamental do contrato político.
Há um contrato político que se faz por várias mediações, das quais a que tem mais dignidade é, obviamente, a mediação constitucional, que é aquela que nos prende aqui. Por isso, quando o Sr. Deputado Luís Marques Guedes me interpela, perguntando o que fizemos com as sugestões da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, sinceramente, não me sinto acossado com a questão, porque a função constituinte é eminentemente dos Deputados da Assembleia da República.
Devo dizer que há um outro nível de relações entre a República e as regiões autónomas, o nível partidário ou interno, que tem repercussões externas tremendas, basta pensar na Zona Franca da Madeira. O que é certo é que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira (ALRM) apresentou um projecto. Confesso que, como não tinha obrigação de ler o projecto detalhadamente, não o tenho presente neste momento na sua total configuração. Mas tenho quase a certeza de que, omissão por omissão, o PSD também omitiu (se não alterou) muitas das sugestões que a ALRM apresentou e de que o PSD, em grande parte, fez eco.
Por conseguinte, admito que, mais tarde, a questão do projecto da ALRM possa vir a ser discutida.
Devo dizer que, apesar da tentativa de limitação do exercício dos cargos públicos de natureza executiva, já percebi que, para retirar algumas das reivindicações do Dr. Alberto João Jardim, o PSD prometeu-lhe perenidade e eternidade no cargo. Isto porque o PSD prometeu ao Dr. Alberto João Jardim que a ALRM poderá apresentar um projecto na próxima revisão constitucional - não vá o PSD nacional fazer como fez agora, ou seja, perante a pressão do PSD Madeira, que apresentou um projecto na ALRM, levar uma série de meses a gerir internamente as reivindicações do Dr. Alberto João Jardim!
No caso de ficar ínsita na Constituição que as assembleias legislativas regionais poderão apresentar, no futuro, projectos de revisão constitucional, o Sr. Deputado Marques Guedes não terá de chamar a si - com a capacidade de sacrifício que lhe reconheço - algumas das "dores" das reivindicações e, porque não dizê-lo, alguns dos caprichos que muitas vezes o Dr. Alberto João Jardim, para medir a sua capacidade de influência, produz. Uma delas, caro Sr. Deputado Correia de Jesus, tem a ver com a questão do representante da República na região.
Penso que o contrato político estabelecido entre a República e as ilhas é um contrato político de primeiríssima qualidade, no contexto geral ocidental. É por isso que, neste mundo em transformação, se olharmos para vários países da nossa cultura política social e cultural, vemos que esses países estão a ser trabalhados por fricções relacionadas com teses autonomias, soberanistas ou regionalistas, enquanto que em Portugal o contrato político que foi estabelecido permite uma serenidade e uma gestão política dessas questões que gostaria que esta revisão constitucional, obviamente, perpetuasse. Ou seja, não é que modificasse, mas que reproduzisse o clima de serenidade política

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na gestão do contrato político entre as regiões autónomas e a República.
Considero, por isso, que a questão do Ministro da República é uma questão suplementar e que o Partido Socialista - exactamente porque a considera suplementar - tem vindo a geri-la precisamente de forma gradual e com a mesma serenidade.
Está no projecto do PS - embora esteja ainda a ser discutida a apresentação do projecto do Partido Socialista - a essência do vosso problema na Madeira; está escrito no vosso projecto que os governos regionais cederão instalações para o representante especial da República. Não sei se o Sr. Presidente tomou nota desse pedido da maioria.
Portanto, o grande problema que existe no vosso projecto em relação ao Ministro da República, futuro representante especial da República, é que não há o poder eminente de propriedade sobre uma instalação, sendo que essa instalação terá de ser cedida pelos governos regionais, que ficam obrigados, aliás, no âmbito do projecto apresentado pelo PDS, a ceder essas instalações.
Estou convencido de que não se trata de uma obrigatoriedade constitucional, mas certamente de uma cortesia. Não me parece que estejam a pedir uma espécie de "bolchevização" dos governos regionais para que estes tenham a obrigação de ceder uma propriedade sua para a instalação do Ministro da República. Tenho a certeza de que não é esse o vosso espírito. O vosso espírito é dirimir uma questão particular, que não tem muita importância, pelo que iremos passar adiante.
Creio que o projecto do Partido Socialista (e foi o que tentei dizer na minha apresentação) foi apresentado na sua parte positiva, através das propostas que faz.
Em relação às questões que me foram colocadas, sobretudo pelos Srs. Deputados da coligação continental (não sei se poderei referi-la deste modo), e que dizem respeito a omissões, devo esclarecer que as omissões no projecto do Partido Socialista não são imponderadas mas, sim omissões ponderadas. Por isso, não vou responder a tudo o que sejam omissões. Mas tenho a certeza de que essas omissões poderão ou não ser colmatadas, se houver uma efectiva vontade dos partidos no sentido de levar para a frente esta revisão constitucional. Em suma, omissões são omissões, por isso não vou falar sobre elas.
De qualquer forma, tentarei responder às questões que me foram colocadas relativamente ao aumento dos poderes legislativos, quer pelo Sr. Deputado António Filipe, quer pelo Sr. Deputado Marques Guedes, que fez uma exposição bastante completa e sistemática nesta matéria - até parecia que estava a apresentar o seu próprio projecto…
Começo por responder ao Sr. Deputado António Filipe, relativamente à questão que colocou sobre a possível ambiguidade da proposta do Partido Socialista no que diz respeito ao limite das funções legislativas e às atribuições do Governo da República em matéria de soberania.
Isso poderá vir a ser explicitado numa lei, mas creio que não é necessário. Julgo que todos sabemos quais são as funções de soberania do Governo. É a defesa, a política externa, a administração interna, no seu lado da ordem interna e a justiça, no que ela tem de substancial, embora os serviços de justiça até possam vir a ser regionalizados. Aliás, o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista António Costa lançou a primeira pedra no que diz respeito a esta possível regionalização de serviços e a uma maior celeridade em alguns procedimentos que tenham em conta a especificidade dos Açores e da Madeira. Por conseguinte, contrariamente à sua preocupação, creio que não haverá matéria para grandes discussões uma vez que, nesta matéria, o entendimento político e normativo é claro.
De qualquer maneira, e para avançar um pouco mais, gostaria de lhe dizer que muitas das questões que aqui foram colocadas iludiram uma das propostas essenciais do Partido Socialista nesta revisão constitucional, que é aquela que diz respeito às regiões autónomas.
Nesta proposta, o Partido Socialista aposta nos estatutos de cada uma das regiões autónomas como um instrumento privilegiado para aprofundar e alargar as autonomias. Portanto, por essa via, não abdicamos dessa consagração constitucional. Não vou dizer que é a via espanhola, porque penso que não se pode designá-la assim. Em Espanha as autonomias são construídas, na sua substância, através de cada um dos estatutos autonómicos. Em Portugal não chegamos a tanto porque, repito, o Partido Socialista manteve-se fiel a uma das conquistas do 25 de Abril, que foi a da previsão das autonomias na Constituição da República Portuguesa.
Em Portugal, damos aos estatutos um papel privilegiado, como dizem os juristas - ponho-me sempre no papel de Kant quando falo de juristas, o que me é mais fácil por ter sido a minha formação inicial -, sendo que essa forma dos estatutos poderá vir a permitir uma maior densificação desta autonomia.
No que diz respeito à capacidade legislativa e à caracterização e paráfrase que foram feitas sobre o "interesse específico", questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Diogo Feio e, na prática, também por todos os Srs. Deputados, gostaria de dizer que entendo a paráfrase como ela é, e volto a repetir o que disse na minha intervenção, ou seja, trata-se de jurisprudência do Tribunal Constitucional, que foi sempre procurando esses predicados para poder entender melhor o que se poderia considerar "interesse específico", sendo que o Partido Socialista recolheu esses atributos da jurisprudência.
Apesar de tudo, gostaria de salientar que estou contra as interpretações limitativas do Tribunal Constitucional no que diz respeito às regiões autónomas, porque considero que lhes falta algum entendimento político do que são as autonomias. É esta a razão por que o Partido Socialista, de certa maneira, prefere apropriar-se das caracterizações feitas pelo Tribunal Constitucional para criar aqui um entendimento entre a Constituição e a jurisprudência que existe sobre ela. Devo dizer que eu próprio avancei que este me parece um passo importante, vamos ver os resultados… Também não me parece que seja de adiantar, desde já, que esta caracterização é negativa. Pelo contrário, penso que é um passo em frente!
Gostaria de continuar a responder ao Sr. Deputado António Filipe, referindo-me ao "interesse específico", questão colocada em 1982.
Em 1997, se me permite, Sr. Deputado, a questão que se colocou foi em relação a um interesse específico, que é o da capacidade legislativa das regiões autónomas, não foi um interesse específico colocado logo no início da Constituição. E o que foi depois enxertado na Constituição de 1982 é que esse interesse específico e essa elaboração legislativa têm de estar subordinados às leis gerais da República e, na revisão de 1997, deu-se um alargamento em relação a essa subordinação às leis gerais da República,

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ficando entendido que só se respeitariam os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Tal seria um avanço, dentro da mesma conceptualização, mas, pelo entendimento restritivo do Tribunal Constitucional, vemo-nos obrigados a alterar, de novo, os conceitos e os preceitos, passando a retirar o "interesse específico" e o "respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República" e introduzindo uma nova caracterização que, na perspectiva do Partido Socialista, alarga as competências legislativas das assembleias legislativas regionais.
Também é preciso que se diga que, neste nosso projecto, está bem visível que pretendemos o aumento da capacidade legislativa das regiões autónomas e não o seu contrário, embora gostasse de dizer algo sobre uma constatação que foi aqui feita, por vários Srs. Deputados, designadamente pelos Deputados Luís Marques Guedes, António Filipe, Diogo Feio e Correia de Jesus, em relação às autorizações legislativas, no sentido de que as assembleias legislativas nunca pediram autorizações legislativas. É que tenho uma interpretação política para o facto e não uma interpretação jurídica, dadas as dificuldades. Penso que, em grande parte, as regiões autónomas, quando querem capacidade legislativa, querem capacidade legislativa para que certas normas de aplicação na República não sejam transpostas tal e qual para as regiões autónomas e não tanto, embora possa vir a acontecer, pois estou a falar em termos de uma análise do passado, uma capacidade propositiva activa em matérias onde a República não legislou - não sei se me faço entender - ou onde a sua legislação não atrapalha a intensidade, a especial configuração que essas matérias possam ter nas regiões autónomas. Esta é apenas uma interpretação meramente histórico-política mas que pode permitir explicar também, em parte, por que é que as assembleias legislativas não têm pedido autorização à Assembleia da República para desenvolverem a sua acção legislativa.
É muito difícil responder a todas as questões que me foram colocadas, no seu detalhe, mas creio que o espírito subjacente à apresentação do projecto do Partido Socialista está esclarecido. Parece-me que, nesta apresentação geral, poderia ser delicado fazer declarações definitivas sobre um ponto ou outro das questões que aqui foram suscitadas. O nosso projecto, volto a repetir, é subordinado ao lema "mais democracia, mais autonomia". Diz o Sr. Deputado Correia de Jesus que é "para o todo nacional", e nós acrescentamos "claro que é para o todo nacional", porque a qualidade da democracia em Portugal também é aferida pela qualidade da autonomia e da democracia nas regiões autónomas e, portanto, desse ponto de vista, há um enriquecimento mútuo que me faz sentir muito bem no meu papel de Deputado na Assembleia da República eleito pelos Açores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas pedir o seguinte esclarecimento ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira: na alteração proposta pelo PS para o artigo 228.º referem-se razões de intensidade, diversidade e exclusividade. Gostaria que me explicasse o conceito de "intensidade", uma vez que, efectivamente, é um neologismo jurídico que não tem precedentes e, portanto, gostaria que me dissesse, por exemplo, a que pode subsumir-se.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, percebo a sua curiosidade, porque é quase a minha.

Risos.

Mas tenho a certeza de que, quando discutirmos o preceito, vamos encontrar exemplos do que possa ser a "intensidade".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de recordar que estamos a fazer uma apresentação geral dos projectos e que, por isso, não convém entrar numa discussão muito precisa sobre algumas das normas neles constantes.
Penso estar, assim, concluída a apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 1/IX.
Dado o adiantado da hora, vamos ainda, na parte da manhã, proceder à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 2/IX, do Bloco de Esquerda, e deixaremos a apresentação dos restantes projectos de revisão constitucional para a parte da tarde.
Para apresentar o projecto de revisão constitucional n.º 2/IX, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, vou seguir a indicação de que, nesta fase dos trabalhos, se trata de uma exposição política geral, sem entrar em grandes detalhes, de especialidade.
O projecto de revisão constitucional do Bloco de Esquerda não é movido por qualquer impulso mutante da Constituição da República, é um projecto minimalista e que pretende aperfeiçoamentos em algumas áreas da Constituição mas seguindo a sua matriz fundamental.
Direi umas poucas palavras sobre algumas áreas onde se pode prever que venha a haver um consenso para alterações, embora as soluções possam, logicamente, ser bastante diversas, sendo a primeira delas, e aqui controvertida durante este período de tempo, a dos regimes autonómicos insulares.
O nosso projecto acompanha a ideia de que é necessário aprofundar a autonomia. Seguimos, aliás, muito de perto as sugestões que foram aprovadas na Assembleia Legislativa Regional da Madeira e, genericamente, terminando com a querela, quase denominativa, do Ministro da República, aperfeiçoando e prevendo uma densificação de competências legislativas e terminando, desde logo, como aqui já foi expresso, com o curto-circuito do carimbo da lei geral da República e dos seus princípios fundamentais e da definição do interesse específico regional, pensando nós que aquilo que será nuclear no estatuto é exactamente a definição mais precisa das competências legislativas, aliás, cremos que isto é, verdadeiramente, o "coração" do estatuto político-administrativo.
Por outro lado, entendemos também clarificar as condições de dissolução da assembleia legislativa de região autónoma e dotamo-la de um conjunto de princípios que têm a ver com a solidariedade nacional.

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Neste aspecto, não acompanhamos a ideia, aliás, já aqui debatida, de que o Estatuto Político-Administrativo deve capturar a lei eleitoral regional, porque, neste particular, apresentam-se dois grandes óbices, sendo um deles o de que isso é praticamente colocar no "mármore" a lei eleitoral regional e qualquer alteração necessária, porventura até por questões técnicas da lei eleitoral, obrigará a uma revisão do estatuto, o que não faz sentido, nem tem proporcionalidade. O outro óbice é uma questão de fundo mais importante, mais ponderável: tal seria atribuir às assembleias legislativas uma espécie de poder de veto sobre uma competência absoluta da Assembleia da República, porque uma qualquer maioria conjuntural pode sempre e em todas as circunstâncias blindar o processo de iniciativa da revisão de uma lei eleitoral regional. E, neste aspecto, cremos que não é satisfatório que a Assembleia da República aprove, sem ter o poder de iniciativa, na totalidade, a elaboração das leis eleitorais regionais.
De resto, parece-nos que, salvo decisões com maior "tecnicalidade", há uma convergência muito assinalável do conjunto dos projectos de revisão constitucional em relação ao aprofundamento dos regimes autonómicos insulares.
Uma outra matéria sobre a qual nos parece poder vir a existir algum consenso tem a ver com a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Pensamos que seria mais oportuno e positivo constitucionalizar, densificar constitucionalmente, algumas matérias atinentes à regulação por entidade administrativa da área da comunicação social do que deixar isso para o domínio da lei ordinária, exactamente porque se trata de uma questão muito sensível no que toca ao direito de ser informado como ao de informar, mas também na regulação do pluralismo comunicacional e das consequências que isso tem para o todo da nossa vida democrática.
Neste ponto, propomos uma alteração significativa na composição de uma autoridade para a comunicação social e competências efectivas, do ponto de vista da regulação, a vários títulos, substituindo poderes que eram vagamente diáfanos da actual Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Um outro aspecto onde podemos prever alguma convergência é aquele que vulgarmente se tem chamado "limitação de mandatos". Sobre isto manifestamos uma opinião particular, a de que os presidentes de câmara ou vereadores a tempo inteiro não devem ser os únicos a colaborar na intensificação do princípio da renovação dos titulares de cargos políticos e a de que a previsão da limitação de mandatos deve ser estendida a cargos como os de Primeiro-Ministro e Presidente do Governo Regional, exactamente pelas mesmas razões com que, genérica e convergentemente, todos, a pouco e pouco, vamos defendendo a limitação de mandatos.
Neste projecto de revisão constitucional apresentamos ainda uma outra questão, que é aquilo a que poderíamos chamar uma "lógica de reforço de direitos". Não vou fazer uma elencagem exaustiva das propostas que fazemos, limito-me a destacar algumas, uma das quais é a da inclusão do princípio da não discriminação dos cidadãos em razão da orientação sexual. Recordo que o projecto de tratado que institui a Constituição Europeia já prevê uma norma absolutamente idêntica a esta e creio que a nossa Constituição sairia reforçada com a inclusão deste preceito.
Mas chamo ainda a atenção para outros aspectos. Sugerimos e propomos que haja a possibilidade de os cidadãos, a partir dos 16 anos, a seu próprio requerimento, ou seja, como uma possibilidade facultativa, tenham capacidade eleitoral passiva - é, afinal, o modelo que existe no Brasil -, porque nos parece de difícil entendimento que os cidadãos, a partir dos 16 anos, tenham uma situação de autonomia no mercado de trabalho, nos tribunais, etc., e não tenham os correspondentes direitos políticos, além de que a evolução da vida social está a trazer, cada vez mais, a possibilidade de os mais jovens serem inseridos naquelas que são as preocupações da vida social comum. Portanto, seria até um reforço do sistema político, do sistema representativo e da participação democrática.
Entendemos como uma matéria também muito sensível que, sem a necessidade de reciprocidade entre Estados, os estrangeiros residentes - o estatuto de residente é um estatuto de legalidade e para o alcançar são necessários alguns anos no nosso território - tenham a possibilidade de ter capacidade eleitoral passiva e activa para a Assembleia da República e para as autarquias locais.
A atribuição de direitos políticos extensos aos estrangeiros é uma questão sensível, mas nodal, de uma correcta integração no tecido político e social. Creio que todos nós preveniremos fantasmas em relação à xenofobia e à desintegração de determinadas comunidades se houver a possibilidade de representação política de todos aqueles que contribuem para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. Mais tarde ou mais cedo, creio que este é o caminho que deve ser trilhado pelo conjunto dos regimes políticos e, neste aspecto, Portugal poderia, a meu ver, evoluir mais rapidamente do que os outros.
Também não se entende, face ao espírito europeu e até ao comando constitucional nesta área, que não possam ser candidatos nas listas dos partidos políticos portugueses nas eleições para o Parlamento Europeu os estrangeiros que sejam cidadãos dos Estados-membros da União Europeia. Aliás, dispositivos deste género já existem noutros Estados-membros da União Europeia, e parece-nos que poderíamos acompanhar esse objectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são as propostas fundamentais que temos no nosso projecto de revisão constitucional. Não irei deter-me no detalhe de outras sugestões e propostas que trazemos, mas, seguramente, na discussão do articulado trataremos de todas elas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, relativamente ao projecto de revisão do BE, agora apresentado genericamente por V. Ex.ª, devo dizer, em primeiro lugar, que, obviamente, saúdo a visão autonomista, digamos assim, que ele contém relativamente ao enquadramento constitucional, em termos genéricos, das regiões autónomas, embora, com toda a franqueza, não perceba algumas questões que levantam e a expressão restritiva que algumas matérias merecem no vosso projecto de revisão (e que, do meu ponto de vista, são nucleares desse mesmo espírito autonomista e de uma visão correcta do que é a autonomia insular constitucionalmente prevista).
Uma delas foi enfatizada pelo Sr. Deputado Luís Fazenda e tem a ver com essa visão - que, com toda a franqueza, não tem adesão à realidade - de que a inclusão da matéria eleitoral nos estatutos político-administrativos das

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regiões autónomas seria tornar a lei eleitoral refém, por assim dizer, da iniciativa estatutária, quando sabemos que, objectivamente, em termos jurídico-constitucionais, a matéria eleitoral do sistema eleitoral que é sujeita aos princípios de uma maioria qualificada ou de um tratamento diferenciado tem a ver com as regras do próprio sistema.
Portanto, o argumento de que, se, de hoje a amanhã, precisámos, por exemplo, de alterar uma matéria qualquer relativa aos procedimentos eleitorais, isso esbarraria com a reserva estatutária, obviamente, não colhe, como o Sr. Deputado bem sabe, porque basta que haja legislação sobre o sistema eleitoral em si, que é o que tem de haver a partir do momento em que a matéria eleitoral conste de uma lógica de reserva estatutária, e, depois, uma lei perfeitamente à parte que tenha a ver com os procedimentos eleitorais, com o processo eleitoral, que, objectivamente, não tem minimamente de estar condicionada a essas reservas constitucionais, como, de resto, já acontece relativamente à lei eleitoral, por exemplo, para a Assembleia da República.
Como o Sr. Deputado bem sabe, há matéria da lei eleitoral para a Assembleia da República, que, essa sim, merece da parte do legislador constituinte e, hoje em dia, da Constituição da República, um tratamento especial, uma maioria qualificada para a sua aprovação. Refiro-me a tudo o que tenha a ver com o próprio sistema da representatividade proporcional ou com a definição de círculos. E há outra matéria, que atinge mais de 90% do articulado das leis eleitorais que existem em Portugal, que, objectivamente, não tem rigorosamente nada a ver com essa obrigação constitucional de aprovação por dois terços, tem, sim, a ver com o processo eleitoral tout court, com os procedimentos eleitorais a ter lugar. E isto vale também para as leis eleitorais para as regiões autónomas.
É evidente que não é pelo facto de se prever que o sistema eleitoral das regiões autónomas passe a ser matéria sob o "chapéu" da reserva estatutária que passaria a haver um qualquer empecilho à necessidade de uma flexibilização ou de um acerto nos procedimentos e nos processos eleitorais relativos às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, porque isso só aconteceria se, de facto, o legislador não quisesse que fosse feito.
E, portanto, sendo certo que, em termos genéricos, registo com agrado a visão aberta que o Bloco de Esquerda parece ter relativamente às propostas apresentadas quanto às autonomias regionais, que, de resto, foram subscritas por unanimidade na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, depois não percebo porque é que em alguns aspectos vêm ao de cima os piores dos fantasmas - enfim, o Bloco de Esquerda não pode ser acusado disso, até porque é um partido novo - que os partidos de esquerda tradicionalmente colocam relativamente à questão da autonomia.
Dizia há pouco, e com razão, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que, nas várias intervenções que tivemos oportunidade de fazer na generalidade relativamente ao projecto de revisão do Partido Socialista, não referimos um aspecto que é nuclear, mas nós não o referimos porque queremos tratá-lo, com particular ênfase, na especialidade.
O Partido Socialista, então, ainda vai muito mais longe, ao sujeitar os estatutos político-administrativos das regiões autónomas a uma regra de dois terços. Quer dizer: é aquela velha lógica da irreversibilidade relativamente a uma série de matérias que foi colocada pelo legislador constituinte em 1976, ou seja, a de tentar capturar para gerações vindouras, quase que ad aeternum, determinado tipo de matérias, que o Partido Socialista, por se entender, conjunturalmente nesta fase da História, dono da verdade relativamente à bondade das soluções para as regiões autónomas, vai de colocar aqui o ferrete, o travão, o cadeado dos dois terços para evitar uma qualquer perfeitamente legítima e democrática discussão e evolução dos próprios estatutos, de acordo com as maiorias democráticas que, em cada momento, forem sendo escolhidas pelo povo, porque essa "demonização" das maiorias é algo…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - A maioria de dois terços não é democrática?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é isso! É um cadeado! É uma minoria… Objectivamente, tal significa a criação de uma minoria de bloqueio, e sabemos que é assim. A regra da democracia é a regra da maioria e qualquer maioria mais qualificada é, objectivamente, uma regra para defender minorias de bloqueio. Sabemos que é assim, não há segredos nestas matérias. Portanto, sempre que se desvirtua, se altera ou se vai para além da regra de ouro da democracia, que é a regra da maioria, o que se está a fazer é a proteger determinadas minorias. É esse, objectivamente, o significado das maiorias qualificadas. Elas podem ser perfeitamente legítimas, Sr. Deputado, não é isso que estou a questionar.
Voltando ao projecto de revisão em análise, devo dizer que aqui e ali, apesar de tudo, o Bloco de Esquerda deixa vir ao de cima esses piores sentimentos ou essas piores perspectivas que tradicionalmente a esquerda tem relativamente às regiões autónomas e à autonomia insular, mas, com toda a franqueza, penso que não têm razão de ser.
Não me parece, minimamente, que haja uma necessidade qualquer de criar embaraços maiores do que aqueles que, genericamente, o nosso Estado de direito já tem relativamente a toda a estrutura dos órgãos quer do Estado em concreto, da administração central, quer, em sentido lato, dos outros órgãos da administração geral do País. Não há qualquer razão para tratar numa perspectiva de menoridade as regiões autónomas.
Ainda relativamente a esta matéria das leis eleitorais das regiões autónomas, quero colocar-lhe uma questão específica, que já coloquei ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, mas que me parece que deve ser repetida, e devemos repeti-la até que fique perfeitamente clara a posição de cada um. O Sr. Deputado olha para esta matéria, considerando - foram mais ou menos estas as suas palavras - como inaceitável que fosse retirada à Assembleia da República a possibilidade de alterar a lei eleitoral, utilizando artificialmente o argumento de que haveria, depois, um empecilho muito complicado para fazer qualquer ajustamento na lei eleitoral. Ora, isto não é, objectivamente, verdade. Quer dizer, só depende do legislador, como é evidente, e, portanto, esse não é um argumento válido.
Portanto, o único argumento que, no fundo, retirei das suas palavras - o Sr. Deputado dirá, ou não, se é esse o argumento - é que o Sr. Deputado entende que, de facto, as assembleias legislativas regionais não têm a democraticidade ou a maturidade democrática e política suficiente para tratarem da matéria relativa à lei eleitoral e que só os iluminados Deputados eleitos para a Assembleia da República, sendo certo que a alguns deles se concede que também

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sejam oriundos das regiões autónomas, é que têm, aparentemente, uma visão democrática das coisas e uma maturidade política suficiente para tratar das leis eleitorais.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se não aceita o argumento contrário, ou seja, o reverso desta "medalha". Acha o Sr. Deputado que é eticamente aceitável que, num Estado de direito democrático como o nosso, que sendo um Estado unitário, é também um Estado regional, no sentido de prever constitucionalmente e até de prestigiar o mais possível as autonomias insulares, onde a democracia está perfeitamente consolidada, onde não existem querelas relativamente à liberdade política dos cidadãos, num qualquer momento, possa uma Assembleia da República "confrontar-se" politicamente com as autonomias insulares, alterando uma regra tão essencial e tão estruturante dessas mesmas autonomias como é a sua lei eleitoral?
O Sr. Deputado não considera que, eticamente, a harmonia desta lógica empurra para que necessariamente tenha de haver aqui o poder soberano da Assembleia da República, porque é o órgão de soberania máximo nesta matéria, para aprovar ou alterar as leis eleitorais, mas que deve haver também, em nome exactamente dessa autonomia que a Constituição opta por conceder às regiões autónomas, aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, a estabilização de uma matéria tão estruturante da democracia, como é a lei eleitoral para os órgãos de governo próprios das regiões, e quaisquer alterações a essa lei deverão depender - não é mais do que isso que está em causa quando se atribui natureza estatutária - de uma intervenção prévia e de uma iniciativa por parte dessas regiões autónomas?
E, com toda a franqueza, Sr. Deputado, não vale a pena discutirmos matérias desta natureza numa perspectiva meramente conjuntural, ou seja, o Sr. Deputado dizer que não concorda, porque não gosta da actual maioria que está na região A ou B, uma vez que, como calcula, em termos constitucionais, isso não é argumento.
Este não é o parlamento regional, não estamos aqui a fazer política partidária, no sentido de dizer se concordamos ou discordamos da maioria A ou B, do último resultado eleitoral das regiões autónomas dos Açores ou da Madeira, portanto, vamos olhar apenas para o sistema enquanto modelo constitucional.
Do ponto de vista do Sr. Deputado Luís Fazenda, uma vez que a Constituição prevê e integra estruturalmente a autonomia política e administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, faz ou não sentido que uma matéria tão estruturante como a da lei eleitoral respectiva, embora seja aprovada ou rejeitada pela Assembleia da República, não deva ser alterada sem ter a participação democrática e activa dos representantes das regiões autónomas? E quando digo participação democrática refiro-me objectivamente à maioria dos representantes das regiões autónomas que, em cada momento, estão no respectivo parlamento - aliás, a democracia é isso, goste-se ou não da maioria que lá está em cada momento histórico -, sem se respeitar a vontade maioritária das populações dessa região, sendo certo que o crivo da Assembleia da República, relativamente a qualquer alteração, será sempre soberano, final e estará presente para prevenir quaisquer "excessos" que conjunturalmente, num determinado momento histórico, uma qualquer maioria possa ousar pensar fazer relativamente à estrutura da sua lei eleitoral. Embora, com toda a franqueza, não acredite minimamente que houvesse uma tão grave, ou tão grande, falta de sentido de responsabilidade democrática ou de sentido de Estado, lato sensu, da parte de uma qualquer maioria conjuntural dos Açores e da Madeira, não depois da história de maturidade democrática de que aquelas populações e os seus representantes legitimamente eleitos têm dado provas ao longo dos últimos 30 anos.
A segunda questão que queria referir-lhe tem que ver a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
É certo que o Bloco de Esquerda, seguindo um pouco as discussões políticas que têm vindo a ser mantidas desde a anterior legislatura relativamente à existência deste órgão, apresenta propostas, que depois analisaremos na especialidade, relativamente à alteração deste órgão. Mas a dúvida que me fica, com toda a franqueza, Sr. Deputado, é a de que as propostas do Bloco de Esquerda vão exactamente no sentido contrário à necessidade existente, que é a de mudar.
Ou seja, do meu ponto de vista, o problema principal não é saber se o órgão é composto pelas pessoas certas ou erradas mas, sim, a rigidez da consagração constitucional da própria forma de constituição do órgão, que é a razão de, ao longo do tempo, se ter vindo a verificar progressivamente uma incapacidade e até uma incompetência - objectiva, não subjectiva - da Alta Autoridade para a Comunicação Social, para fazer face aos problemas reais de regulação que se colocam na área da comunicação social.
Portanto, ao olhar para o projecto fico a pensar que o Bloco de Esquerda, ao contrário do que eu pensava, não só não alinha na ideia de que é necessário partir para patamares de regulação da comunicação social qualitativa e completamente diferentes dos que foram criados para fazer face às necessidades de há 10 ou há 20 anos, e que estiveram na base da criação quer do conselho inicial de comunicação social quer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, como pensa o contrário. Isto é, que o Bloco de Esquerda não só pensa que não há razão para avançar para patamares diferentes como considera que se deve tornar mais rígida a previsão constitucional do modo como estas coisas devem ser feitas - leia-se: nada deve vir a acontecer - e até propõe uma multiplicação das entidades, que, teoricamente, vão passar a regular a problemática da comunicação social.
O Bloco de Esquerda mantém a "rigidificação" e até "multiplica os pães", criando mais uma série de conselhos, não se percebe muito bem para quê e, sobretudo, como é que se entrecruzam, relativamente ao exercício das suas competências.

Risos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O Sr. Deputado está a rir-se, mas eu, sinceramente, não percebo! Há um conselho superior, um conselho técnico para a defesa do consumidor, um conselho técnico para a liberdade de imprensa e não percebo quem manda o quê e quem faz o quê.
Existe uma máxima que é a de "dividir para reinar" e o que se faz aqui, numa matéria como esta, é "dividir para não regular". Em vez de se criar uma entidade com capacidade para, com uma perspectiva completamente diferente e uma agilidade diferente, defender e regular verdadeiramente os vários direitos em presença na actividade da comunicação social, parece-me que o que se pretende com esta multiplicação (o Sr. Deputado terá oportunidade de me explicar

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a lógica da mesma), com toda a franqueza, é "despejar" uma série de coisas novas em cima do assunto para fingir que se trata do assunto, mas, no fundo, o que se quer é evitar que ele seja tratado.
Vou fazer uma última referência às questões que o Sr. Deputado enunciou relativamente à - foi assim que o Sr. Deputado colocou a questão - igualdade de direitos políticos por parte das minorias.
Sr. Deputado, se bem leio, a proposta do Bloco de Esquerda de alteração do artigo 15.º tem duas partes, uma em que altera a linguagem, mas em que não acrescenta nada de novo, e nessa parte parece-me um pouco inútil; outra em que faz uma alteração, mas de uma forma quase irresponsável, em termos políticos, como é evidente, ou seja, sem sopesar as consequências objectivas que um passo desses pode ter politicamente.
Passo a concretizar.
Relativamente à participação dos cidadãos dos vários Estados-membros nas eleições para o Parlamento Europeu, é evidente que a referência à reciprocidade na Constituição pode cair. Hoje em dia, ela é perfeitamente redundante, porque os tratados já resolveram essa questão no seio da União Europeia, portanto, não me parece que, neste momento, haja grande vantagem em fazer essa referência e pode fazer-se algum acerto no texto da Constituição. Mas a verdade é que isso altera rigorosamente nada, em termos qualitativos, em relação à situação actual.
Não me parece - e o Sr. Deputado terá oportunidade, se eu estiver a interpretar mal, de explicitar se há algo inovatório aqui - que exista uma alteração qualitativa por aí além relativamente à capacidade eleitoral activa e passiva dos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentes em Portugal para a eleição de Deputados ao Parlamento Europeu.
Contudo, relativamente aos estrangeiros residentes em território nacional, no que respeita à detenção de capacidade eleitoral para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e dos Deputados da Assembleia da República, já há uma alteração, que, no fundo, é um passo dado em frente.
Por um lado, abandona-se a reciprocidade, com todo o peso específico que isso tem, politicamente, no relacionamento entre Estados, e gostemos ou não as relações internacionais fazem-se prioritariamente entre Estados. É certo que os direitos dos cidadãos são universais, a carta dos direitos dos cidadãos é universal, mas nem por isso deixa de haver, e penso que também não é esse o objectivo do Bloco de Esquerda, porque não é propriamente um partido anarquista, a necessidade de, no plano das relações internacionais, ter de se atender às relações entre Estados.
Portanto, o que a Constituição da República Portuguesa diz actualmente é que, na prática, já pode haver, em termos de direitos políticos, uma igualdade total de direitos dos cidadãos, apenas com as ressalvas, em que o Bloco de Esquerda também não mexe, que têm que ver com a eleição do Presidente da República, e por aí fora. Aparentemente, o Bloco de Esquerda não propõe que se abandonem essas restrições - não sei se é essa a intenção, mas pelo menos não é o que leio no projecto.
A Constituição já diz, actualmente, que os estrangeiros que residam em Portugal "(…) gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.". A concretização desses direitos, no plano dos direitos políticos, fica sujeita a algumas regras de reciprocidade, ou seja, todos os cidadãos estrangeiros que residem em Portugal têm a universalidade dos direitos dos cidadãos portugueses, no que concerne aos direitos políticos, desde que os cidadãos portugueses residentes nos respectivos países gozem de igual tratamento.
Gostava de saber por que é que o Bloco de Esquerda entende que este princípio não é válido, porque me parece que o decair deste princípio não tem que ver com uma perspectiva mais cidadã do que outra, mas apenas com uma lógica de renunciar à harmonia e às regras do direito internacional de relacionamento Estado a Estado e do relacionamento com regras entre Estados, não só na defesa dos interesses dos respectivos cidadãos mas de todos os cidadãos, uma vez que todos têm pelo menos um núcleo de direitos que são claramente universais.
Não consigo perceber exactamente o alcance da proposta do Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda entende que, independentemente dos direitos ou do tratamento que os cidadãos portugueses possam ou não merecer da parte de outros Estados, devemos "deitar às malvas" essas regras de convivência nas relações internacionais Estado a Estado, passando a haver um tratamento claramente diferenciado por parte da Constituição Portuguesa relativamente a cidadãos estrangeiros, quando cotejado com o tratamento constitucional dado por constituições de outros Estados nossos amigos ou parceiros relativamente a cidadãos portugueses que residam e trabalhem nesses mesmos Estados?
É essa a questão que gostava de ver clarificada, porque quando passarmos à discussão, na especialidade, ao abordarmos estas matérias e as redacções dos artigos é importante que saibamos exactamente quais são as regras e os objectivos pretendidos por cada um dos projectos. E, com toda a franqueza, seguramente por deficiência minha, fiquei com esta dúvida relativamente ao projecto do Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a hora já vai adiantada e ainda tenho o registo de três pedidos de intervenção, para além de haver lugar ao exercício do direito de resposta por parte do Sr. Deputado Luís Fazenda.
Portanto, atrevia-me a pedir aos três Deputados que vão intervir algum esforço de síntese, para não prolongarmos excessivamente os nossos trabalhos da parte da manhã, porque gostaria de retomar os nossos trabalhos às 15 horas em ponto, impreterivelmente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, interpreto esta fase dos nossos trabalhos como uma fase de audição e um espaço de clarificação global dos projectos apresentados e não como o exercício do contraditório específico e, por isso, sendo adequado, oportuno e útil fazer algumas clarificações sobre alguns pontos, julgo que ganharíamos em deixar o aprofundamento das matérias de especialidade para o espaço próprio.
Como o meu colega Medeiros Ferreira salientou, a nossa intervenção no processo legislativo, no debate e na votação, centrar-se-á essencialmente sobre três matérias, as atinentes às autonomias regionais, à entidade reguladora da comunicação social e à limitação dos mandatos.
Por isso, deixaria o projecto do BE sobre a questão das autonomias regionais para um debate na especialidade, uma vez que esse projecto e as questões que foram levantadas,

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quer pela exposição feita quer pelo texto escrito, são questões em aberto e que para terem um efeito útil quanto ao seu aprofundamento exigirão um debate de especialidade, e centrar-me-ia na questão da autoridade para a comunicação social.
Sobre esta matéria, por razões casuísticas e de oportunidade, não apresentamos uma iniciativa legislativa específica, mas, com a alteração das circunstâncias que nos levam a alargar a nossa vontade de intervenção na lei da revisão, apresentaremos oportunamente o nosso contributo nestas duas matérias específicas, a acrescer à das regiões autónomas.
Nesse sentido, temos uma concordância de princípio com a ideia da limitação dos mandatos electivos, matéria esta que não nos suscita, a não ser no debate na especialidade, precisão. Mas temos dúvidas (é sobre isto que quero questionar o Sr. Deputado Luís Fazenda) quanto à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Todos estamos de acordo que é preciso uma autoridade de regulação da comunicação social que seja uma entidade administrativa independente, independente do Governo, e que possa cumprir as funções essenciais que, ao nível das empresas de comunicação social, garantam o direito à informação, a informar-se e a ser informado, à liberdade de expressão e à liberdade de organização dos meios de comunicação social. Todos temos consciência de que a solução que foi delineada está rigidificada no texto constitucional e, por isso, é necessária uma entidade administrativa independente que realize aquela função essencial do Estado social moderno, que é um Estado regulador, a de assegurar as condições da qualidade do exercício democrático no âmbito da comunicação social.
Por isso, a minha dúvida, e a questão que coloco ao Sr. Deputado Luís Fazenda, é esta: tenho a ideia de que há um consenso muito generalizado sobre a ineficácia prática da Autoridade para a Comunicação Social em termos da sua operatividade, efectividade e do cumprimento das funções essenciais de uma autoridade reguladora. Trata-se de funções normativas, que estão tipificadas, que têm a ver com difusão de regras, procedimentos, comportamentos, e até com pedagogia interventiva, com funções fiscalizadoras, de acompanhamento da realização da liberdade da comunicação social nas suas diversíssimas dimensões e, ainda, funções sancionatórias ao nível das sanções administrativas que lhe são próprias e que estão referidas no texto constitucional.
Questão diversa é a da dimensão contenciosa, que cabe, como tem de caber, como remissão última, aos tribunais. Por isso, a dúvida que coloco é de termos a possibilidade de uma via evolutiva, continuista e rigidificada (retomo este termo) da solução que está hoje vigente, ou se precisamos de uma maior eficácia técnica, de uma maior capacidade operativa e profissional e de uma maior flexibilidade.
Temos conhecimento de experiências de autoridades reguladoras noutros países que cumprem de forma consistente e adequada a sua função. Por isso, a questão que coloco, e que me suscitou interrogações logo que li este ponto do projecto do Bloco de Esquerda, é se não pensaram na possibilidade - a qual defendemos e cuja solução material é simétrica da que está no projecto do PSD e do CDS-PP - de haver uma autoridade reguladora cujo pórtico seja definido no texto constitucional, sendo que esta é, aliás, a solução adoptada para muitas das autoridades com funções reguladoras (em termos políticos, podemos dizer que a autoridade reguladora por excelência da nossa Constituição é o Tribunal Constitucional, evidentemente não o é em termos administrativos, legais e constitucionais).
Repito: será que não temos vantagem em ter um "pórtico" e, depois, através de uma lei de igual dignidade da lei constitucional, aprovada por maioria de dois terços, construirmos uma organização mais flexível, mais operativa, mais profissionalizada, mais consistente financeiramente, em vez de optarmos por uma solução rigidificada no texto constitucional? É esta a questão, sendo certo que me parece existir uma identidade de princípio quanto à ideia de uma entidade administrativa independente do Governo e que possua uma maioria de legitimação que lhe garanta a sua isenção institucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, serei muito breve em razão da recomendação que foi formulada, mas permito-me intervir para colocar uma questão relativamente à segunda parte da intervenção do Sr. Deputado Luís Fazenda, não no que diz respeito à convergência das propostas, mas quanto ao reforço dos direitos.
Verifico que no projecto apresentado pelo Bloco de Esquerda, em sede de direitos, liberdades e garantias, portanto, no âmbito dos direitos dos trabalhadores, a única proposta apresentada tem a ver com o artigo 59.º, que versa sobre os direitos dos trabalhadores, em particular sobre os direitos individuais de cada trabalhador, no qual é formulada uma proposta de aditamento de uma alínea relativamente à inclusão do direito à reintegração no posto de trabalho sempre que judicialmente seja decidido ter havido um despedimento sem justa causa.
Ora bem, é sabido que esta questão foi exaustivamente discutida no âmbito da proposta de lei que aprova o contrato de trabalho e que levou à consagração na actual Lei n.º 99/2003 que o princípio que norteia esta matéria é indiscutivelmente o da reintegração sempre que judicialmente seja declarado um despedimento sem justa causa. Mas há uma ressalva - e essa questão foi discutida de uma forma sustentada -, que advém da excepção que decorre para as microempresas e também para os cargos de administração ou direcção, na justa medida em que a entidade empregadora suscite ao tribunal que o regresso do trabalhador possa pôr em causa a viabilidade da empresa, que o seu regresso seja perturbador ou prejudicial ao normal funcionamento da empresa, com isto significando que um direito que está consagrado na Constituição possa colidir com outro, que é o direito à iniciativa privada, previsto no artigo 71.º.
Já agora devo sublinhar, por um lado, que essas situações só podem ocorrer perante um pedido da entidade empregadora, desde que não tenha sido essa mesma entidade a colocar-se na situação de poder invocar o fundamento.
Por outro lado, é sempre o tribunal, e só o tribunal, que poderá julgar da adequada fundamentação invocada pela entidade empregadora.
É sabido que a referida lei entrou em vigor a 1 de Dezembro e que a sua constitucionalidade nem sequer foi objecto de apreciação por parte do Sr. Presidente da República. Os partidos da maioria sempre defenderam que não havia qualquer inconstitucionalidade, mas, ao invés, que

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havia uma compatibilização entre preceitos constitucionais que devem ser vistos numa óptica de força jurídica idêntica. Portanto, havia, neste contexto, perfeita compatibilidade.
Pergunto, objectivamente, qual foi a filosofia que norteou a proposta consagrada no projecto do Bloco de Esquerda, se ela não traduz automaticamente uma revogação desse preceito na Lei n.º 99/2003 e como é que o Bloco de Esquerda vê a compatibilização entre a proposta que apresenta e o artigo 61.º, visto à luz da força jurídica que os preceitos constitucionais têm por força do artigo 18.º da CRP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, como a hora já vai muitíssimo adiantada, vou ser muito breve.
Sr. Deputado Luís Fazenda, devo dizer que a nossa discordância começa quando nos disse que o projecto do Bloco de Esquerda era minimalista, um projecto que trata das matérias relativas ao princípio da igualdade, ao direito à saúde, ao direito à educação (aliás, em claro retrocesso com o que determina a própria Constituição e grande parte das suas evoluções), aos direitos eleitorais, que trata até da inclusão da figura do recurso de amparo… Como penso que esta pode ser uma marca importante do projecto do Bloco de Esquerda, pergunto qual a razão da inclusão dessa possibilidade de recurso directo para o Tribunal Constitucional, isto é, qual foi a base que consideraram fundamental para consagrar o recurso de amparo.
Em suma, considerar que um projecto que trata ainda das autonomias, da autoridade para a comunicação e de tantas outras matérias é minimalista não me parece ser a qualificação mais adequada.
Quero perguntar também, já que estamos a tratar da matéria do minimalismo e do maximalismo, qual a opinião do Sr. Deputado Luís Fazenda em relação ao que deve ser um texto constitucional. Isto é, devemos ter um texto constitucional que regulamente muitas matérias, que podem ir até à questão dos direitos dos animais, ou, antes, que seja mais adequado à realidade, determinando o núcleo essencial dos princípios fundamentais que devem reger a vida em sociedade?
Tinha alguma expectativa em relação à explicação que seria dada a esta Comissão sobre a grande inovação apresentada pelo Bloco de Esquerda no seu projecto de revisão constitucional, na altura em que o projecto do Bloco de Esquerda foi apresentado ao público. Refiro-me à alteração ao artigo 49.º, mais especificamente à modificação quanto ao direito de voto.
Na altura, o Sr. Deputado Francisco Louçã deu muitas entrevistas, falou muito sobre esta matéria, mas o que mais retive da intervenção do Sr. Deputado Luís Fazenda foi o ter dito que esta era uma solução existente noutros ordenamentos jurídicos, dando-nos o exemplo do caso brasileiro.
Sr. Deputado, na Constituição o direito de voto é qualificado como um direito/dever, pois também é um dever dos cidadãos exercerem esse mesmo direito. Ora, os senhores vêm criar dois regimes: por um lado, um dever para aqueles que têm mais de 18 anos e, por outro lado, uma possibilidade de o requererem para aqueles que têm entre 16 e 18 anos. Isto é, criam dois regimes porque, ao mesmo tempo, mantém o que está actualmente na Constituição, isto é, que o exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever de natureza cívica.
Compreendo que esta possa ser vista como uma proposta jovem, os partidos apresentam determinadas propostas como tentativa de as verter para a Constituição.
De qualquer modo, gostaria de saber qual é a grande sustentação que têm para a admissibilidade desta medida, ainda por cima, criando regimes totalmente distintos para aqueles que têm mais de 18 anos e para aqueles que têm entre 16 e 18 anos e que têm a possibilidade de requerem o direito de voto. Isto é, passaríamos a ter três regimes: os cidadãos com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos que não querem exercer este direito, aqueles que têm entre 16 e 18 anos e que fazem o requerimento para poder votar e, por fim, aqueles para quem é obrigatório. Não se compreende a razão de ser destes regimes diferenciados e seria bom que nos esclarecesse.
Por outro lado, quanto à Alta Autoridade para a Comunicação Social, revejo-me em muito do que foi dito quer pelo Sr. Deputado Alberto Martins quer pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sem entrar numa discussão de especialidade, queria questioná-lo especificamente em relação às soluções que avançam, designadamente quanto aos direitos que a própria Alta Autoridade para a Comunicação Social deve defender. Gostaria de saber se não considera que, entre esses direitos, terão de estar os direitos de personalidade dos próprios cidadãos, daqueles que possam ser visados por alguma espécie de notícia.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pelo seu esforço de síntese, Sr. Deputado.
Para responder às questões que lhe foram colocadas, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, vou tentar ser muito sintético.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes discorreu longamente sobre o regime autonómico e insular, no fundo para tentar fazer passar uma tese de que, com a bondade que caracteriza o PSD, teria a maior latitude autonomista enquanto que todos os outros estão mais ou menos possuídos de uma qualquer "demonização" em relação ao autonomismo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é disso que se trata!

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não é assim. Creio que, se fizermos uma leitura atenta da generalidade dos projectos, esse é um tipo de "SuperLiga" que não vai ter lugar no nosso debate político.
Digo-lhe mais: até podia usar como "bandeira" o facto de, numa visão autonomista muito alargada, o Bloco de Esquerda ser o único partido que apresenta um projecto que admite desconstitucionalizar a proibição de partidos regionais, basicamente porque os condicionamentos que levaram à consagração desse preceito em 1976 estão completamente ultrapassados em termos históricos. Isso é comum na União Europeia e, na realidade, os partidos nas regiões autónomas funcionam muito como partidos autónomos, pois são, em grande medida, no seu funcionamento partidos regionais.

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Portanto, nem temos qualquer dificuldade em aceitar o facto de que possam existir abertamente partidos regionais. Não temos nenhum "fantasma" sobre o autonomismo e a importância das autonomias.
Detecto, porém, que há uma má vontade do Sr. Deputado Luís Marques Guedes em relação à questão da lei eleitoral regional. E porquê? Não se trata de prever que a Assembleia da República seja tendencialmente inimiga das assembleias legislativas das regiões autónomas, mas de não se entender por que é que, de uma forma indirecta ou directa, as assembleias legislativas ficam com o monopólio da iniciativa da elaboração da lei eleitoral regional, sem que a Assembleia da República, que tem a competência absoluta do ponto de vista legislativo, possa ter o direito de iniciativa. Tal configura um veto oculto, e não faz sentido que assim seja!
Poderíamos, eventualmente, prever formas de co-participação na elaboração das leis eleitorais regionais, mas tal não consta de nenhum projecto apresentado - não faz sentido cortar o poder de iniciativa à Assembleia da República.
É claro que, enquanto cidadãos, tenho de me preocupar pelo facto de uma qualquer maioria, seja do PSD seja de qualquer outro partido político, pura e simplesmente, de modo administrativo, poder "blindar" por muitos e muitos anos qualquer tipo de iniciativa de revisão de uma lei eleitoral regional. Penso que essa situação é preocupante do ponto de vista do funcionamento do sistema democrático.
Não estou a "demonizar" nenhuma maioria nem nenhum partido, estou a falar em abstracto sobre a configuração de possíveis alterações às leis eleitorais regionais. Portanto, não faz sentido cortar o poder de iniciativa à Assembleia da República, quando esta tem a competência absoluta. Creio que a questão é tão-somente esta.
Sobre a questão da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que substituímos por uma autoridade da comunicação social, creio que o Sr. Deputado levou o assunto quase à caricatura. Neste ponto recolhemos a vantagem e a desvantagem de, pelo menos, dizermos ao que vimos! O PSD remete para uma lei ordinária e, portanto, não sabemos como pensa, como concebe, como conceptualiza essa autoridade para a comunicação social. Ao contrário do que disse, nós não rigidificamos, antes procuramos obter, do ponto de vista constitucional, um largo consenso nacional sobre um conjunto de direitos fundamentais e sobre o enquadramento dos operadores deste sector.
Não vemos problema algum em que esta matéria não fique constitucionalizada, Sr. Deputado Alberto Martins, mas deverá constar de uma lei de valor idêntico. Tenho, no entanto, algum receio de que isso seja mais um percalço legislativo, porque, para além dos acordos e das convergências necessárias para uma lei de revisão, ainda serão necessários outro tipo de acordos e de convergências - mas é algo em relação ao qual já não posso ser advogado. Convenhamos que me parece, política e tecnicamente, muito mais complicado esse caminho. Mas nunca, de forma alguma, esta matéria deverá ser regulada através de uma lei de maioria simples, pois creio que não atingiria o objectivo, que é o da obtenção de um alargado consenso e de regras estritas sobre esta área da comunicação social, defendendo os princípios fundamentais mas também definindo competências muito claras.
Propomos a alteração da composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social - entendemos que talvez não seja uma solução de via única, mas parecia-nos importante que ela fosse reforçada -, nos seguintes termos: o seu presidente nomeado pelo Presidente da República, um representante nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, um representante eleito por maioria de dois terços na Assembleia da República, um representante dos jornalistas e um representante das empresas.
Não creio que haja aqui nenhum toque de corporativismo, mas o entrelaçamento de um conjunto de valências, competências e legitimidades políticas, que seriam, com certeza, animadoras de uma capacidade e de uma efectividade que, hoje em dia, a Alta Autoridade para a Comunicação Social não tem.
Não pensamos que se esteja a rigidificar demais. Aliás, também não vejo que uma lei que exige uma maioria de dois terços seja facilmente alterável, pelo que não colhe o argumento de que, através de lei ordinária, poderão fazer-se os ajustamentos necessários sem que a sua regulação fique retida no mármore" constitucional, na dependência de uma qualquer revisão. É que, porventura, do ponto de vista prático, assim não será. E, desse modo, perderíamos a constitucionalização, que daria uma dignidade reforçada e, eventualmente, não ganharíamos do ponto de vista da economia, dos ajustamentos e do processualismo.
Contudo, sobre esta matéria, também não temos uma posição fechada e, com certeza, estamos abertos ao debate. O que importa, realmente, é que exista uma regulação e uma entidade administrativa independente.
Sr. Presidente, quanto à questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado Francisco José Martins, devo esclarecer que propomos a reintegração dos trabalhadores despedidos sem justa causa, mediante processo clarificado e sentença judicial, exactamente porque, no debate do Código do Trabalho e na controvérsia sobre aspectos da sua constitucionalidade em que todos participámos, apercebemo-nos de algo que nos parece ser uma debilidade constitucional. Portanto, na nossa óptica, para colmatar essa debilidade constitucional, pretendemos densificar a norma, para que o espírito da lei, que é a proibição do despedimento sem justa causa.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Mesmo que colida com outros preceitos constitucionais?

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Não! O Sr. Deputado invocou a colisão com o direito de iniciativa privada, mas não vejo como nem onde, porque são valores igualmente a proteger. Falou, vagamente, da viabilidade das empresas, quando todos sabemos que há outros mecanismos para apurar da viabilidade económica, ou não, das empresas, e a resolução desses problemas não passa exactamente pelo despedimento sem justa causa nem pelo pagamento de uma indemnização pelas microempresas.
Portanto, desse ponto de vista, a Constituição é equilibrada, porque protege os vários valores que lhe estão ínsitos. Não temos a expectativa que tal norma seja aprovada, como é bem de ver, mas mesmo que fosse aprovada, realmente, era um problema do Código do Trabalho que deixaria de existir. Apenas nos ativemos a esse porque nos parece uma indicação constitucional importantíssima a proibição do despedimento sem justa causa.
O Sr. Deputado Diogo Feio admira-se com a criação de dois regimes de sufrágio. Não sei de onde lhe vem essa expressão de horror! Não há nenhum vazio, o que se prevê

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é que haja dois regimes de sufrágio. Esse regime vigora num outro Estado.
A vantagem deste regime pode não ser atendível, mas parece-nos óbvia, que é da a integração mais cedo dos cidadãos e das cidadãs na política. E nem o estamos a apresentar de uma forma drástica, porque não estamos a propor, sequer, que haja recenseamento geral e obrigatório a partir dos 16 anos; estamos a propor um sistema transitório. De facto, não faz sentido para muitos cidadãos e cidadãs que hoje já são tratados como maiores de idade em muitas situações, no emprego ou nos tribunais, e que não possam ter os inerentes direitos políticos.
Em suma, não faz sentido que se mantenha essa décalage entre os 16 e os 18 anos. Há, por assim dizer, uma maioridade cívica amputada em muitos cidadãos e cidadãs entre os 16 e os 18 anos.
E, Sr. Deputado Diogo Feio, não se ofenda se lhe disser que esse tipo de reacção me faz lembrar as discussões antigas entre os 21 e os 18 anos. Esse tem sido o sentido da evolução da sociedade e creio que, mais cedo ou mais tarde, a sociedade vai caminhar para o estabelecimento desse patamar dos 16 anos.
Também não vejo nenhuma heresia jurídica nem nenhum cataclismo na jurisprudência se vigorarem dois regimes de voto; o que há é uma opção política.
Para terminar, Sr. Presidente, o mesmo se verifica quanto aos problemas relativos ao direito de voto e à capacidade eleitoral activa dos estrangeiros. Os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio situaram esta questão num âmbito possível, o da reciprocidade, o da relação externa do Estado português. Esse é um dos prismas por onde o problema pode ser abordado - aliás, embora de forma limitada, a nossa Constituição já prevê situações desse género. Mas nós adoptamos aqui um prisma diverso, fazêmo-lo por necessidade interna da República Portuguesa.
Parece-nos estrategicamente perigoso, exponencialmente perigoso, que, num país que não chega a ter uma população de 10 milhões de pessoas, dentro em pouco tenhamos 500 000 ou 600 000 residentes mais ou menos legalizados - é essa a tendência - que não têm direito de representação política. Parece-nos perigoso do ponto de vista da coesão social, do ponto de vista da nossa comunidade social. Cremos que, mais cedo ou mais tarde, isso vai dificultar o reconhecimento de outros problemas que têm a ver com a imigração, com a xenofobia e com problemas que podem prejudicar gravemente o nosso regime democrático e a confiança nas instituições. Creio que é impossível que, mais ou cedo ou mais tarde, este problema não tenha de ser tratado.
Não se pode ter 500 000 ou 600 000 estrangeiros legais em Portugal, numa população que não chega a 10 milhões, e, depois, não lhes dar capacidade de representação. Assim, creio que é impossível que isso não venha a ter consequências negativas no nosso ordenamento democrático.
Se é ou não esta a via, o problema subsiste e nós apenas pensámos em antecipá-lo.
Deste ponto de vista, não temos nenhuma tendência populista porque claro que salvaguardámos, por razões óbvias, cargos como o do Presidente da República e outros. Salvaguardámos as assembleias legislativas das regiões autónomas que nem sequer prevêem a possibilidade de candidatura de cidadãos que não sejam das regiões autónomas e, portanto, não faria sentido nem teria nenhuma relação de economia com os princípios das leis eleitorais regionais que estrangeiros ou mesmo portugueses não residentes pudessem votar ou ser candidatos. Aí haveria, manifestamente, uma violação do princípio de proporcionalidade, portanto, nem sequer nisso fomos extremados.
Sr. Presidente, de momento, são estas as explicações que tenho para dar.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, damos assim por encerrada a apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 2/IX.
Vamos agora interromper para almoço, não sem que, antes, peça aos Srs. Deputados um esforço no sentido de comparecerem às 15 horas. É que levámos toda uma manhã para proceder à apresentação de dois projectos de revisão constitucional, pelo que quanto mais cedo recomeçarmos os trabalhos mais cedo poderemos terminá-los.
Está, pois, interrompida a reunião.

Eram 13 horas e 35 minutos.

Sr. Deputados, temos quórum, pelo que está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Na parte da manhã, tivemos ocasião de discutir os projectos de revisão constitucional n.os 1/IX e 2/IX, apresentados respectivamente pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda.
Agora, reiniciaremos os trabalhos com a apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 3/IX, do PSD e do CDS-PP.
Para proceder à apresentação do projecto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de revisão constitucional apresentado pela maioria é o resultado de um trabalho político de aproximação entre o PSD e o CDS-PP que, à luz do acordo de coligação que mantêm também relativamente aos trabalhos parlamentares e independentemente de exercitar o espaço autónomo de cada partido em matéria política, de cada um preparar, elaborar e apresentar o respectivo ante-projecto de revisão constitucional, optaram, quanto a mim bem, por encetar trabalhos em conjunto para fazer a aproximação política necessária entre as duas propostas.
De resto, qualquer processo de revisão constitucional é, por definição, um processo de negociação entre as várias forças partidárias e, neste caso, a maioria já traz feito "trabalho de casa" para esta Comissão, no sentido de que os Srs. Deputados já contam com um importante trabalho político de aproximação de posições mútuas entre o PSD e o CDS-PP. O projecto de revisão constitucional apresentado pela maioria é a expressão dessa mesma negociação.
Este nosso projecto aponta para um conjunto de alterações à Constituição que, não sendo minimamente uma revisão exaustiva, não deixa de ser, no entanto, uma revisão que aponta para a clarificação de aspectos que consideramos politicamente bastante relevantes, quer para a modernização do nosso sistema político quer para a consolidação do Estado de direito democrático, em Portugal.
Há um conjunto de matérias que são abordadas no nosso projecto de revisão constitucional cuja apresentação será

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feita em conjunto, por mim próprio e pelo Sr. Deputado do CDS Diogo Feio, se o Sr. Presidente não vir inconveniente, e penso que não, porque creio que o debate até ganhará celeridade. Portanto, uma parte será apresentada por mim próprio e uma outra sê-lo-á pelo Sr. Deputado Diogo Feio e, depois, os pedidos de esclarecimento subsequentes serão respondidos por cada um nós conforme as matérias sobre que incidirem tenham sido apresentadas por um ou pelo outro.
Começarei, pois, por apresentar um conjunto de alterações que constam do nosso projecto de revisão constitucional e que, quanto a nós, são clarificações necessárias ao nosso sistema democrático.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos crucial dar um passo importante no sentido de deixar claro, logo no artigo 1.º da Constituição, que a República Portuguesa é não só uma República baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária como também na construção de uma sociedade responsável. Este é um dos aspectos nucleares do nosso projecto comum de revisão constitucional que tem que ver com clarificar e dar ênfase a um aspecto muitas vezes esquecido, que, digamos, é o reverso da medalha relativamente aos direitos.
Todos os direitos implicam responsabilidade, implicam deveres, implicam obrigações. Ora, frequentemente, existe, na sociedade portuguesa, alguma tendência para esquecer um pouco um aspecto decisivo num Estado de direito moderno, o princípio da responsabilidade a todos os níveis.
Nesse sentido, logo no artigo 1.º da Constituição, na caracterização da sociedade que se pretende construir em Portugal, colocamos a afirmação de que a sociedade deve ser livre, justa, responsável e solidária.
De igual modo, no artigo 13.º - Princípio da igualdade -, deixamos claro que, a par dos direitos dos cidadãos, existem as obrigações. Ou seja, a proposta que fazemos para o artigo 13.º é a de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei nos seus direitos e nas suas obrigações.
Este é um aspecto político ao qual damos uma grande relevância porque parece-nos que ele é estruturante de toda a cultura cívica e de cidadania que deve estar presente na construção do modelo de sociedade que queremos para o nosso país.
No nosso projecto de revisão constitucional e exactamente em consonância com este princípio que nos parece estruturante e que dificilmente será de boa fé contraditado por alguém, entendemos que deve haver ao longo da Constituição, nomeadamente na parte inicial que se refere aos direitos fundamentais, um maior equilíbrio das normas constitucionais que falam de direitos, falando também de deveres.
Penso que a Constituição portuguesa é exemplar na consagração clara de um vastíssimo conjunto de direitos fundamentais de cidadania para todos os cidadãos mas, muitas vezes, esquecemo-nos que os direitos têm deveres como contraponto e que a vida em sociedade pressupõe que, para o bom exercício dos nossos direitos, saibamos também cumprir deveres correspondentes a esses direitos, quanto mais não seja, os deveres de respeitar os direitos dos outros.
Nesse sentido, temos um conjunto de propostas ao longo da primeira parte da Constituição em que procuramos, em variados artigos, estabelecer esse equilíbrio entre direitos e deveres. Não retiramos nenhum direito da Constituição da República, mas clarificamos o contraponto dos deveres que assistem ao saudável exercício desses direitos.
Um outro aspecto importante do nosso projecto de revisão constitucional tem que ver com uma matéria em que, repetidamente, ao longo das diversas revisões constitucionais, tanto o Partido Social Democrata como CDS-PP neste particular, nunca deixam de colocar ênfase. Refiro-me à retirada de um sectarismo ideológico de que continua imbuída alguma parte significativa da nossa Constituição, nomeadamente a que tem que ver com a parte social e económica.
É evidente a carga ideológica que continua a existir na Constituição. Passados 30 anos, que este ano se comemoram, sobre o 25 de Abril, a democracia é um património perfeitamente consolidado e estabilizado na sociedade portuguesa e todos os portugueses, sem discriminação, entendem que cada governo livremente eleito e escolhido pelo povo para governar tem de ter condições constitucionais para exercer a governação, exactamente de acordo com o programa com que se apresenta aos portugueses e com que foi eleito. Assim, é preciso alterar a Constituição da República e, progressivamente, fazer com que a mesma possa ser ideologicamente neutra e permita que, em cada momento, o povo português escolha que o Programa de Governo seja à direita, ou ao centro, ou à esquerda e que todos os governos, sem qualquer empecilho de natureza ideológica, possam exercer o mandato popular que lhes é conferido pelos actos eleitorais.
No plano do sistema político, o nosso projecto tem uma proposta de fundo, que mais adiante e de acordo com a forma de apresentação que sugeri no início, será escalpelizada pelo Sr. Deputado Diogo Feio, que diz respeito à reforma do poder legislativo no sentido da criação de uma segunda câmara, o senado.
Não irei, pois, falar sobre isso, mas sobre dois aspectos do nosso projecto de revisão constitucional que carecem de alguma explicitação.
A proposta que o PSD apresenta - e quero acreditar firmemente que desta vez com condições definitivas de sucesso - tem que ver com a extensão do princípio da renovação à lógica do estabelecimento do princípio da limitação de mandatos de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Como o PSD teve oportunidade de explicitar, ao longo das últimas revisões constitucionais, trata-se de uma proposta que tem que ver não com qualquer perseguição ou libelo acusatório relativamente a quaisquer titulares em concreto de cargos políticos, mas com uma aplicação em abstracto, que nos parece saudável, do princípio da renovação em democracia. A democracia tem vários princípios que são saudáveis, como o princípio da alternância, dentro das várias liberdades que existem no regime democrático.
Parece-nos, pois, que o princípio da limitação de mandatos tem a ver com a alternância das pessoas e não propriamente com a alternância das ideias ou das forças políticas. É um princípio saudável, nomeadamente quando estão em causa cargos electivos de natureza executiva, porque é aí que pode surgir algum perigo de caudilhismo ou de criação de perpetuação de poder.
É sempre bom olharmos para a História para nunca darmos por adquiridos os direitos fundamentais, como a liberdade, a democracia, etc., pois ela demonstra-nos que, infelizmente,

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uma vez conquistados esses direitos têm de ser preservados e constantemente renovados.
Também é importante que no exercício do poder, que mesmo em democracia está sujeito a algum desgaste e a algumas tentações de usura ou de mau uso, hajam princípios que apontem para um "refrescamento" permanente e para a garantia dos direitos dos outros face a esse poder.
Nesse sentido, gostaria de lembrar aos Srs. Deputados que o PSD, inicialmente isolado, apresentou em processo de revisão constitucional propostas no sentido da consagração deste princípio. Na altura, éramos uma voz a falar sozinha, pois não tínhamos eco da parte das outras forças políticas. Mas o tempo encarregou-se de fazer com que os outros agentes políticos, as outras forças políticas na sociedade portuguesa aderissem, paulatinamente, a este princípio.
Penso que é hoje esmagadoramente aceite na sociedade portuguesa o princípio da limitação de mandatos no exercício de cargos políticos e de altos cargos públicos como princípio saudável de exercício do poder.
Relativamente ao sistema político, o outro aspecto que é apresentado no nosso projecto de revisão constitucional é o do alargamento da legislatura a cinco anos. Vou explicar rapidamente qual o alcance político desta proposta da maioria.
Todos sabemos que no nosso sistema político existe uma situação diferenciada. Em alguns cargos electivos existem mandatos de cinco anos (é o caso do Presidente da República e da legislatura no Parlamento Europeu) e mandatos de quatro anos (é o caso da Assembleia da República, do Governo, por arrastamento ou por consequência do modelo constitucional que temos - o Governo depende directamente da Assembleia da República, tendo um período de mandato idêntico ao mandato da legislatura - e também das autarquias locais).
A propósito das autarquias locais, a maioria teve ensejo de apresentar propostas no sentido de alargar o mandato das autarquias para cinco anos por nos parecer que há uma vantagem numa certa harmonização e coerência relativamente aos períodos dos mandatos políticos em Portugal. Não é esse o argumento que a maioria esgrime. A razão de tentar evitar uma sucessão infindável de actos eleitorais no País - embora os cidadãos, muitas vezes com alguma razão, se queixem de sistematicamente haver actos eleitorais que, de algum modo, tolhem um pouco o normal andamento das políticas do Governo, seja do Governo da República, seja dos governos regionais, seja dos governos das autarquias locais - tem como objectivo caminhar para um sistema onde haja um acerto de todos os mandatos por cinco anos.
Em termos de direito comparado, é bom recordar que na Europa em que nos inserimos, nos nossos parceiros existem situações perfeitamente diferenciadas. Há países onde os mandatos de vários órgãos de soberania são de quatro anos, em outros são de cinco ou de seis anos. Em França, por exemplo, o mandato do Chefe de Estado, que simultaneamente também é Chefe do Governo, é de sete anos, sendo que agora se prevê a sua redução para cinco anos.
Na Europa, em termos de direito comparado, existe, pois, uma situação diferenciada relativamente a esses períodos dos mandatos dos vários órgãos de cargos políticos.
Nesse sentido, a proposta do PSD vai no sentido de fazer, em Portugal, uma harmonização para todos os cargos. A nossa proposta tem exactamente o alcance de estabilizar em cinco anos o exercício dos mandatos, quer para os órgãos de soberania, quer para as autarquias locais, quer ainda para os governos regionais, embora esta última não seja matéria a tratar directamente aqui na Constituição. Na verdade, o objectivo da maioria é homogeneizar a duração dos mandatos.
Gostaria ainda de referir outro aspecto do nosso projecto, que tem que ver com as autonomias regionais. Esta matéria já foi hoje aqui abordada nos projectos de revisão constitucional do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, que também se debruçam longamente sobre a matéria constitucional que diz respeito às autonomias regionais. Cabe-me agora fazer uma apresentação sucinta das traves-mestras e dos objectivos essenciais do projecto da maioria.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, se é verdade, muitas vezes repetida nos últimos tempos, que hoje em dia, em Portugal, existem poucas - até há quem entenda que já não existem, mas eu não penso assim - matérias constitucionais objecto de alguma querela, de alguma diferença de opiniões e de ambições por parte da sociedade portuguesa, é inequívoco que no que diz respeito às autonomias regionais essa querela se mantém. Só quem não participou nas várias revisões constitucionais, desde 1982 até ao ano de 2004, é que pode fingir ou dar uma informação completamente distorcida da realidade, dizendo que não existe verdadeiramente uma querela em relação ao problema das autonomias.
Essa querela existe e tem sido permanente ao longo de mais de 20 anos. Ou seja, desde que as autonomias e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas estão em exercício de funções, tem havido sistematicamente um conjunto de ambições e de anseios por parte das populações das regiões autónomas e dos seus representantes que claramente apontam para uma insatisfação relativamente ao tratamento constitucional desta matéria.
Ora, o que tem acontecido ao longo das revisões constitucionais, muito pela sistemática diferença de opiniões, nomeadamente entre o PSD e os partidos mais à esquerda, é que tem havido uma dificuldade permanente em se fazer introduzir na Constituição as reformas necessárias para, de uma vez por todas, não só emancipar como estabilizar politicamente as autonomias regionais dos Açores e da Madeira.
Embora desde o início da Constituição da República Portuguesa tivesse ficado definido que os arquipélagos dos Açores e da Madeira gozavam de autonomia política e administrativa, a verdade é que, nos últimos 25 ou 30 anos, se a autonomia administrativa rapidamente se consolidou e estabilizou, a autonomia política nunca o chegou a ser verdadeiramente. Ou seja, a autonomia política sempre ficou apenas - ou pouco mais do que isso - restrita à capacidade autónoma para eleger os seus próprios representantes e para designar os seus órgãos de governo próprio.
Verdadeiramente, o que deve ser o âmago, o conteúdo útil de uma autonomia política, a capacidade de decidir os seus destinos colectivos, nomeadamente em termos de eficácia do poder legislativo e executivo, tem vindo a sofrer um conjunto de obstáculos, quer por força do texto constitucional quer por força de uma jurisprudência altamente restritiva, fundamentada na letra do texto constitucional e que tem vindo a ser produzida, ao longo de cerca de 30 anos, por parte do Tribunal Constitucional.

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Ora, o que se trata em definitivo nesta revisão é a construção e a estabilização da autonomia política nas suas vertentes legislativas, nas suas vertentes executivas, ou seja, nas regras de formação, de missão e de funcionamento dos executivos regionais e no seu relacionamento com a Presidência da Republica, isto é, no seu relacionamento com o poder do representante da República, que inicialmente detinha funções quer políticas quer administrativas (como era o caso dos Ministros da República nos textos iniciais da Constituição), mas que tem vindo a evoluir nas sucessivas revisões constitucionais, ao ponto de hoje já só residualmente conter competências administrativas.
Por alguma teimosia da parte do Partido Socialista, na última revisão de 1997, não foi possível reconduzir os representantes da República nas regiões à sua competência de vicariatura do Presidente da República e das funções presidenciais, que ficaram ainda com alguma funções potencialmente de natureza administrativa relativamente aos órgãos da administração central.
Do que trata nesta revisão, olhando para as propostas dos vários partidos, nomeadamente dos partidos de esquerda, que ao longo das revisões anteriores sistematicamente optaram por uma política de dar pequeníssimos passos relativamente a esta matéria, nunca adoptando uma visão política suficientemente aberta para resolverem em definitivo este problema e concederem uma verdadeira autonomia política em termos do legislativo e do funcionamento do executivo às regiões autónomas.
Posta esta apreciação em termos genéricos, dado que teremos oportunidade de o fazer em sede de especialidade, não me vou deter muito sobre as matérias que têm que ver com as diversas propostas no plano da alteração constitucional relativamente às autonomias regionais dos Açores e da Madeira. Contudo, gostaria de dizer algo relativamente a duas ou três matérias que, hoje de manhã, a propósito dos projectos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, já tive e oportunidade de situar.
A maioria entende que a única forma de se ultrapassar em definitivo o problema da verdadeira autonomia, em termos legislativos e do seu enquadramento constitucional correcto, em vez de se criarem realidades novas no texto da Constituição que depois seriam objecto de densificação jurisprudencial e tratamento, por parte quer dos agentes políticos quer dos tribunais, o que - a prática anterior demonstra-nos -, só iria criar dificuldades tremendas ao normal desenvolvimento dessas mesmas autonomias, é muito simplesmente a da atribuição de competências legislativas às assembleias das regiões autónomas sobre todos os assuntos que não caiam na reserva de competência dos órgãos de soberania, seja da Assembleia da República, seja naquela pequena esfera de reserva de competência legislativa que detém o Governo da República.
Deste modo, todas as matérias que, em termos constitucionais e legislativos, não estão reservadas à competência dos órgãos de soberania devem poder ser objecto de competência legislativa por parte das regiões autónomas; já relativamente às matérias da competência dos órgãos de soberania, por sua vez, as regiões autónomas deverão, com vantagem para o bom funcionamento do sistema, poder apresentar à Assembleia da República pedidos de autorização legislativa que serão, ou não, aprovados de acordo com aquele que for o entendimento político da Assembleia da República e poderão, ou não, ser executados, de acordo com as regras também constitucionalmente previstas, no sentido, âmbito e extensão dessas mesmas autorizações legislativas.
Só assim é que se pode resolver este assunto de uma forma clara, sem qualquer tipo de ambiguidades nem equívocos, e sem atirar para terceiros a densificação daquilo que o legislador constituinte pretendeu ou não.
Quem conhece o funcionamento político e institucional das regiões autónomas, nomeadamente o PSD e o PS, que já foram e são (até este momento) maioritários nessas regiões e já tiveram a condução dos assuntos políticos em cada uma das regiões, sabe bem que, hoje em dia, existem todas as condições de amadurecimento político, democrático e cívico.
Todos os "fantasmas" que, no início, poderão cautelarmente ter "empurrado" o legislador constituinte para deixar na Constituição algumas garantias de que o sistema não iria evoluir num sentido que não fosse o desejado pela República, estão hoje em dia perfeitamente ultrapassados e enterrados. Não há razão para qualquer desconfiança ou sentimento de menor capacidade para tratamento dos seus próprios assuntos por parte dos órgãos de soberania relativamente aos órgãos democraticamente eleitos nas regiões autónomas.
Julgo que o exercício do poder, nomeadamente na Região Autónoma dos Açores, por parte do PS, terá sido a "mola real" que permitiu ao PS (que, durante mais de 20 anos, se opôs, em alguns casos tenazmente, a alterações qualitativas importantes, em matéria do texto constituinte sobre as autonomias regionais) ter hoje uma posição bastante mais aberta, descomplexada e favorável a uma evolução qualitativa importante - e, espero, definitiva -, no sentido de acabar com a tal querela, o tal sentimento que existe nas duas regiões autónomas, relativamente a um certo clima muitas vezes de aparente desconfiança entre os órgãos da República e os regionais.
Penso, pois, que esta assunção de responsabilidades de governo nos Açores terá permitido ao PS ver as coisas por outro prisma, estando assim criadas as condições para ser esta a revisão constitucional em que - finalmente! - vamos conseguir acabar com esta querela relativamente ao tratamento das regiões autónomas no texto da Constituição. Digamos que há livre expressão dessas autonomias, em termos legislativos, de governação e de relações com a República.
A segunda questão relativa às autonomias regionais a que me permitia também dar um enfoque especial tem que ver com a questão da lei eleitoral das regiões autónomas, no que diz respeito ao problema da iniciativa e da natureza que deve revestir a lei eleitoral.
De facto, a maioria entende que nenhuma razão existe para se retirar a essas autonomias aquele que é um dos pilares mestres do seu estatuto autonómico, político-administrativo, que é o seu sistema eleitoral. Portanto entendemos que, até por uma questão de estabilidade e de maioridade autonómica, deve fazer parte do seu estatuto político-administrativo. Mas como esta questão já foi aqui tratada hoje de manhã, não voltarei a falar no assunto.
Há uma outra matéria que mal abordámos esta manhã e que, para a maioria, parece ser uma questão realmente importante, porque se prende com o universo eleitoral das eleições regionais. É nosso entendimento que, à semelhança do que acontece a nível nacional, em que Portugal tem um sistema que aponta claramente para a noção do nosso País como Estado-nação, e não como Estado-território, não são

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apenas os residentes, os cidadãos que vivem e trabalham no território nacional, que fazem parte da Nação portuguesa. A Nação portuguesa é mais do que isso, é uma realidade com outras vertentes, nomeadamente abrangendo os emigrantes que escolheram passar parte da sua vida, vivendo e trabalhando noutros países, no estrangeiro, cabendo-lhes também um papel importante na definição dos destinos nacionais.
É este o discurso da Constituição Portuguesa relativamente à República e, do nosso ponto de vista, não há razão, absolutamente nenhuma, para também não o ser relativamente às realidades regionais. Ainda por cima, conhecendo bem, como conhecemos - e tenho aqui alguns Srs. Deputados eleitos pelas regiões autónomas que bem o sabem -, a realidade da emigração, quer na Região Autónoma dos Açores quer na da Madeira. Trata-se de uma realidade muito pujante, com muita força e, na esmagadora maioria dos casos, esses concidadãos que emigraram para outros países mantêm laços económicos, sociais e políticos muito fortes com a sua terra natal.
Portanto, parece-nos de elementar justiça que, exactamente nos mesmos moldes com que a Constituição aborda esta matéria relativamente a órgãos da República, quer para a Assembleia da República quer para o Presidente da República, exista uma norma constitucional que habilite a legislação eleitoral das regiões a prever algo de similar (não será uma discussão para se ter em sede de revisão constitucional, mas é-o em sede de lei eleitoral), apontando claramente para a criação de círculos que possam, à semelhança do que acontece para a Assembleia da República, reunir o universo eleitoral dos emigrantes e permitir a eleição de representantes seus para os parlamentos regionais. Este é um aspecto ao qual damos uma importância política grande, porque nos parece ter muito a ver com a realidade do que são as populações, as comunidades dos Açores e da Madeira, onde a força da emigração mexe não só com o tecido social mas também com o aspecto económico das próprias regiões autónomas. E, neste sentido, deve haver uma representação adequada, democrática e proporcionada.
Como é evidente, não é isto que está em causa na revisão constitucional, por isso a proposta que apresentamos vai no sentido de consagrar uma norma em tudo idêntica a outras já existentes na Constituição da República (e completamente imune a quaisquer dúvidas de constitucionalidade - passo a expressão - na própria Constituição).
Sr. Presidente, antes de pedir autorização a V. Ex.ª para passar a palavra ao Sr. Deputado Diogo Feio, para apresentar outros aspectos do nosso projecto de revisão, quero, por último, referir o seguinte.
Gostaria de fazer alusão a mais quatro questões do projecto de revisão constitucional da maioria, que são estritamente pontuais. Posteriormente, quando fizermos a discussão na especialidade, teremos oportunidade de desenvolvê-las com mais cuidado, entrando num debate mais profundo. Mas essas questões merecem, desde já, alguma atenção da nossa parte.
Refiro-me à proposta de alteração ao artigo 8.º da Constituição, relativo às matérias de direito internacional.
A proposta que a maioria apresenta tem genericamente como escopo o seguinte: todos conhecemos o debate muitíssimo relevante que a sociedade portuguesa começou a travar nos últimos meses, em torno do nosso posicionamento quanto à aprovação de um tratado constitucional europeu - em que alguns "fantasmas" foram levantados na sociedade portuguesa. Nesse debate vieram a lume algumas opiniões que punham em causa e questionavam politicamente até que ponto é que a adesão a um qualquer tratado constitucional europeu não iria pôr em causa os princípios por que se rege a Constituição da República Portuguesa.
Ora, gostava que ficasse claro que, independentemente do resultado das negociações internacionais, da Conferência Intergovernamental (que ainda não obteve fumo branco e, portanto, irá prosseguir), a maioria entende que, em qualquer circunstância - para que não voltem a agitar-se esses "fantasmas" - as normas, os princípios fundamentais do Estado de direito democrático, consagrados na Constituição da República Portuguesa, não cederão perante quaisquer tratados constitucionais europeus ou outros acordos internacionais. De uma vez por todas, isto tem de ficar claro, repito, para que não se procure envenenar politicamente um debate em torno de um projecto e de um desígnio que deve ser nacional, que o tem sido nos últimos 18 anos e deve continuar a sê-lo, que é o da integração de Portugal no núcleo duro dos destinos e da construção da União Europeia.
O segundo aspecto pontual prende-se com a matéria relativa à extinção da figura dos governadores civis. Trata-se de uma promessa eleitoral do PSD que tem a ver, exactamente, com a nova realidade que procuramos que o País esteja a desenvolver, tendo já sido dados passos significativos nesse sentido (nomeadamente numa cerimónia que teve lugar ontem, no Norte do País). Ou seja, têm sido dados passos para que, democraticamente, com a participação das populações e dos representantes das autarquias locais, venha a ser desenhado um novo mapa administrativo do País, do nosso território, nomeadamente do território continental, mas sem diktat, sem imposições das direcções partidárias, sem programas políticos decididos por outrem que não sejam as próprias populações e os representantes que lhes estão mais próximos, ou seja, os seus eleitos autárquicos.
Aliás, o texto actual da Constituição da República dá-lhes já uma dimensão transitória, ao referir claramente que as figuras dos distritos e dos governadores civis deverão manter-se enquanto não houver uma redefinição administrativa do País. E, "chumbada" que está pelos portugueses a opção por uma redefinição administrativa através da chamada regionalização, existem já outros processos em curso.
Penso que, passados 30 anos sobre o 25 de Abril, é tempo de, também a nível da Constituição da República, também a nível da organização do Executivo central, independentemente de o Governo ser sempre, obviamente, soberano na sua composição e organização interna, que, de resto, é uma matéria de reserva constitucional expressa, e por isso ele pode continuar, ou não, a entender organizar-se com representantes no território nacional, se dar o passo no sentido de fazer cessar a figura obrigatória, constitucionalmente consagrada, do governador civil.
Os dois últimos pontos têm a ver, um, com a apresentação de uma proposta de alteração para a constitucionalização da figura dos assentos e, outro, com a apresentação de uma proposta para um pequeno ajustamento em matéria do regime da extradição. Em ambos os casos trata-se de propostas, que, depois, teremos oportunidade de apresentar na especialidade, estritamente pontuais e são apresentadas

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para resolver problemas concretos com que actualmente se debate o sistema judiciário português. Não se trata, por isso, minimamente, de reformas de fundo ou alterações profundas no funcionamento do sistema judiciário; são antes, e ao contrário, propostas destinadas muito em concreto a resolver obstáculos e problemas pontuais com que se debate o funcionamento prático desse mesmo sistema.
Pela minha parte, Sr. Presidente, com a sua autorização, passaria a palavra ao Sr. Deputado Diogo Feio para que ele possa explicitar as outras partes do projecto de revisão da maioria que não foram por mim referidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por dizer que este trabalho respeitante à matéria da revisão constitucional, que foi feito em conjunto pelo PSD e pelo CDS-PP, tem fundamentalmente duas grandes linhas de força, duas grandes linhas de base: por um lado, o acompanhamento do texto constitucional em relação à realidade a que se deve aplicar, que é um aspecto essencial, e, por outro, o assumir de algumas ideias, que são ideias já antigas, apresentadas em projectos de revisão constitucional conjuntos, no caso de 1982, ou individuais de cada um dos partidos, e que já têm alguma explicitação, desde há algum tempo, em escritos do Dr. Lucas Pires, do Dr. Cardoso da Costa e do Dr. Barbosa de Melo.
Portanto, algumas das ideias que, neste momento, estão em cima da mesa e são apresentadas pelos dois partidos já têm feito a sua história, já são propostas antigas, enquanto outras são propostas de acompanhamento em relação àquilo que é a realidade dos dias de hoje, salientando-se determinações em relação à saúde, à matéria da segurança social, ao ensino ou à família.
Consideramos que um texto constitucional extenso como o nosso, que, naturalmente, por essa mesma extensão, é rígido, não consegue ser flexível à realidade e às suas mudanças, naturalmente tem de sofrer algumas alterações. E é porque somos sensíveis àquele argumento pertinente, que alguns têm explicitado, de não poder existir um frenesim constitucional, de estarmos constantemente, quase automaticamente, a proceder a revisões constitucionais, que consideramos que deveríamos apresentar um projecto de revisão constitucional que trate de variadíssimas matérias, para não termos, obrigatoriamente, daqui a uns anos, de estar outra vez a discutir a revisão da Constituição.
Começo logo pelo início do texto da actual Constituição e por uma das modificações que propomos, que tem a ver com a eliminação do preâmbulo. O preâmbulo, que é texto datado, um texto que alguns consideram de natureza histórica relacionada com a própria origem da Constituição, assume um conjunto de princípios e assume também, é bom que se saiba - e estas discussões também servem para isso -, como um dos princípios, o caminho para uma sociedade socialista.
Quer o CDS-PP quer o PSD consideram que não tem razão de ser, passados variadíssimos anos desde 1976, que se mantenha uma referência como esta no texto constitucional. Devo relembrar, aliás, que o caminho que foi seguido, quer em 1982, quer em 1989, quando houve duas revisões ordinárias, foi precisamente nesse sentido, tanto em relação às matérias respeitantes àquilo que é conhecido como Constituição política, como em relação às matérias respeitantes àquilo que é conhecido como Constituição económica.
Se o preâmbulo é, por um lado, uma certidão de origem, isto é, certifica aquele que era o ambiente na altura em que nasceu o texto constitucional - e o texto constitucional nasce, e bem, com uma ruptura com o que antes era determinado na Constituição de 1933 -, por outro lado, tem, para além desta certidão de origem, uma natureza de proclamação de princípios. E é precisamente em relação a essa proclamação de princípios que discordamos naquilo que se refere a esta abertura de um caminho para uma sociedade socialista.
Sabemos bem a natureza específica que tem o texto do preâmbulo dentro da Constituição. O preâmbulo não assume natureza normativa, não tem a mesma natureza que os restantes artigos, de qualquer forma sublinha, como um dos princípios essenciais, algo que hoje nos parece totalmente fora de questão.
Continuando com as alterações no articulado, e seguindo alguma ordem, entenderam também os dois partidos apresentar no seu projecto de revisão constitucional um conjunto de alterações relativas à matéria da comunicação social, com especial incidência na matéria da autoridade para a comunicação social. E estas alterações atingem fundamentalmente os artigos 38.º e 39.º.
O que se pretende é, por um lado, a instituição de uma entidade administrativa independente - vem, aliás, por nós referido no próprio texto -, sendo que, depois, terá de ser o texto de natureza legal a definir vários aspectos da sua organização. De todo o modo, essa entidade administrativa independente nasce, desde logo, com alguns objectivos que vêm previstos quer no n.º 1 do artigo 39.º quer nas modificações que propomos ao n.º 2 do artigo 38.º, fazendo-se referência às questões da liberdade de expressão e de informação, da não concentração dos meios de comunicação, na independência face ao poder político e económico e na responsabilidade perante os direitos de personalidade e demais direitos dos cidadãos e das instituições.
Portanto, é precisamente dentro deste quadro que está prevista aquela que deve ser a matéria da regulação da comunicação social, porque consideramos que a epígrafe do artigo também deve ser modificada.
Disse, há pouco, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que na divisão de trabalhos que fizemos eu fiquei com matérias mais relacionadas com o que é a Constituição de natureza política.
Ora, em relação a essa matéria e quanto a muitos daqueles que são os prazos de natureza eleitoral que vêm previstos na Constituição, seguindo, aliás, uma vontade de que existam modificações nesta matéria, que também estão para ser discutidas na Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, propomos, desde já, por exemplo em relação aos artigos 125.º e 126.º (sobre a eleição para o Presidente da República) e também em relação à questão da apreciação parlamentar de decretos-leis, modificações no sentido da simplificação de todos os procedimentos, modificações essas que devem ser genéricas em relação aos prazos que vão sendo aplicados. Portanto, diria que estas modificações em relação aos prazos têm quase uma natureza estritamente técnica em relação àquele que é o sentir geral desta Câmara quanto aos prazos de natureza eleitoral.

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Também em relação ao referendo, que vem previsto no artigo 115.º, no nosso projecto de revisão constitucional aparece um princípio de acordo com o qual se deve dar ainda mais primazia à opinião dos portugueses. E, para além de possibilitar, porque em algumas situações tal trará mais participação, a existência em simultâneo de eleições e referendos, também se abre, mantendo sempre um núcleo restrito que nunca pode ser sujeito a referendo, a possibilidade, quanto a alterações de natureza constitucional que ultrapassem o núcleo essencial, de as mesmas poderem ser sujeitas a referendo. Também esta é uma ideia antiga, também esta é uma ideia que quer o PSD quer o CDS-PP têm defendido, em relação à qual consideramos sempre que a discussão é extraordinariamente positiva.
Por outro lado, apresentamos modificações em relação aos limites materiais de revisão constitucional. Há alguma discussão na doutrina quanto à natureza que tem o artigo da Constituição que determina quais são os limites materiais de revisão constitucional. Há, desde logo, doutrina que considera que os mesmos são meramente declarativos, porque já vêm da própria Constituição, e também há quem considere que eles têm uma natureza que é mais do que declarativa é constitutiva, isto é, são aqueles limites porque é o próprio poder constituinte quem o diz.
O que nós consideramos é que é essencial e fundamental que os limites materiais se refiram ao núcleo essencial da Constituição. Mas atenção! Qualquer modificação do que sejam os limites materiais da Constituição não quer dizer que se venham a colocar na Constituição ideias de sentido contrário. Explicitando um pouco melhor: não é pelo facto, por exemplo, de a forma republicana poder sair como limite material que se passa a ter uma forma de governo de sentido contrário. Nada disso, obviamente, acontece. Obviamente, estamos aqui a tratar da questão dos limites à revisão da Constituição, não mais do que isso. Portanto, é importante que estes esclarecimentos também sejam concedidos.
Quanto à questão da organização territorial e das autarquias locais, entendemos que na matéria da regionalização se deve simplificar o texto constitucional. Simplificar, desde logo, porque houve um referendo sobre a instituição em concreto de regiões administrativas em Portugal, com o resultado que sabemos, e simplificar porque é matéria que, naturalmente, pode ser regulada por simples via legislativa, não necessitando de ser regulada na Constituição. E, portanto, consideramos que em relação à regionalização se devem fundamentalmente prever os princípios de natureza geral.
Aliás, uma das características que o projecto de revisão constitucional apresentado pelos dois partidos da maioria tem é o de simplificar o texto constitucional. Há matérias que estão excessivamente regulamentadas no texto constitucional, o que não é necessário, e grande parte delas ou algumas delas são verdadeiramente letra morta, e, portanto, não têm razão de ser serem consideradas de natureza constitucional. Pense-se, por exemplo, no que está determinado em relação ao estatuto de Macau, à situação de Timor-Leste e às organizações de moradores. É um conjunto de artigos constitucionais que não têm a mínima aplicação prática e, portanto, não têm razão de ser como previsão de natureza constitucional.
Por fim, e porque não quero alongar muito esta apresentação feita a duas vozes, vou apenas falar de uma das novidades que quer o PSD quer o CDS-PP decidiram incluir neste projecto de revisão constitucional, que é o senado ou segunda câmara. senado que já existiu em vários textos constitucionais portugueses e que é, aliás, uma tradição em vários Estados da União Europeia, estando previsto em várias constituições.
Fundamentalmente, a razão para esta solução é, em primeiro lugar, a consideração da existência de variadíssimas personalidades afastadas da vida política que podem por esta via dar um contributo institucional verdadeiramente relevante e, em segundo lugar, a consideração de um problema que preocupa esta Comissão e que até hoje já surgiu como mote de discussão: a representação das comunidades territoriais. Esta representação seria feita de um modo mais positivo com a existência de uma segunda câmara, até porque em relação à figura dos senadores estaríamos perante duas legitimidades distintas entre si, ou seja, a existência de senadores de pleno direito e a existência de outros senadores eleitos com uma divisão pelos vários distritos, havendo, por essa via, uma representação igualitária dos mesmos.
É também importante referir que este senado tem por objectivo, por um lado, ser uma câmara de reflexão importante para o País e, por outro lado, ser uma câmara de acompanhamento, no plano legislativo, de todas as matérias que sejam decididas e que tenham que ver com a coesão nacional e o desenvolvimento local.
Para terminar, uma vez que não gostaria que esta apresentação fosse extensa, quero dizer que, para além daquelas origens e ideias antigas dos dois partidos de acompanhamento da realidade, grande parte do que está previsto no projecto do PSD e do CDS-PP tem uma base de Direito Comparado, isto é, tem por base previsões expressas noutras constituições da União Europeia e até no projecto de constituição para a Europa.
Por exemplo, aquilo que está determinado a nível do artigo 9.º, relativo às tarefas fundamentais do Estado, o respeito pelo direito à vida, na medida em que a expressão "direito à vida" pura e simplesmente não existe no actual texto constitucional, tem uma referência no projecto de tratado da Constituição europeia, em que se diz claramente que todas as pessoas têm direito à vida. Não há uma referência do mesmo género no nosso texto constitucional.
Devo dizer que a proposta quanto ao artigo 9.º não modifica juízos que se façam quer de inconstitucionalidade quer de concordância constitucional em relação a nenhuma norma legislativa actualmente em vigor no nosso ordenamento jurídico. Portanto, não há modificações em relação a essa matéria com a proposta apresentada pelos dois partidos da maioria, sendo esta uma explicação que deve ser dada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é nosso propósito, já várias vezes enunciado, debatermos a revisão constitucional incidindo essencialmente em três matérias: as autonomias regionais, a regulação da comunicação social e a limitação dos mandatos. Porém, tendo em conta a apresentação feita pelos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio, e sem prejuízo dessa incidência essencial, não queria deixar de rapidamente, à vol d'oiseau, fazer uma incursão sobre um outro ponto tocado.

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Disse o Sr. Deputado Diogo Feio que na partição de tarefas estabelecida com o seu colega do PSD atentaram, sobretudo, na realidade e na referência a ideias antigas. Ao Sr. Deputado Diogo Feio, para mal dos seus pecados, que certamente serão poucos, couberam-lhe sobretudo as ideias antigas. Por consideração por essa "cruz", vou começar por referir-me às ideias antigas a que o Sr. Deputado deu corpo, mas fá-lo-ei de forma muito breve, pois o nosso objectivo é percorrer a Constituição naquilo que nos interessa para a sua revisão.
Há, para nós, uma ideia nuclear: a Constituição da República Portuguesa institui um Estado de direito democrático e social fundado nos valores da Revolução de 25 de Abril. Por isso, entendemos que, como lei essencial da sociedade, a Constituição define um Estado de direito democrático e social, consagrando a conjugação das vertentes da liberdade e da solidariedade.
Começando, desde logo, por aí, teríamos de assentar na ideia de que o preâmbulo da Constituição é uma carta histórica do texto constitucional, votada em 1976 por todos os partidos, excepto pelo CDS. O CDS, então, apenas queria a substituição da referência a uma sociedade socialista por uma sociedade sem classes. A proposta não foi aceite, tendo sido, então, essa a razão única de o CDS não ter votado o preâmbulo da Constituição.
Todos tiveram a consciência, ao recusarem a ideia de sociedade sem classes proposta pelo CDS, que a ideia da sociedade socialista era uma ideia prospectiva, e tanto assim é que, no futuro, a sociedade sem classes foi alterada, no primeiro artigo da Constituição, por "sociedade livre, justa e solidária". E trata-se disso mesmo, de sociedade prospectiva, que constitui a vocação finalista da realização do Estado de direito democrático e social.
Por isso vemos ainda com alguma dificuldade acrescida, neste apego às ideias antigas, a ideia de se querer alterar, dos limites materiais de revisão, a forma republicana de governo. Dá ideia que o CDS-PP, e o PSD pela sua mão, querem alterar até o nome do Estado português. O Estado português, de acordo com o artigo 1.º da Constituição, chama-se República Portuguesa, dizendo-se que "Portugal é uma República soberana". Depois, definindo o Estado, diz-se, no artigo 2.º, que a "A República Portuguesa é um Estado de direito". Portanto, a mudança do nome de Portugal, do Estado português, pela via aberta da revisão dos limites materiais. Nos próprios tratados internacionais Portugal assina como República Portuguesa!…

Vozes do CDS-PP: - E continua!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Como eu estava a dizer, a alteração do nome do Estado português pela via da alteração dos limites materiais é uma vocação aristocrático-monárquica que não subscrevemos. Por isso, Sr. Deputado Diogo Feio, esse núcleo essencial dos limites materiais consagrado na República em 1911 não tem, nem pode ter, o nosso acolhimento.
Deixando essa questão e voltando à do Senado, penso que o princípio aristocrático-nobiliárquico também aqui regressa e é assumido. O Sr. Deputado não pode esquecer que há cargos vitalícios no senado. Ora, cargos vitalícios com competências electivas, nunca!… Isso é um retrocesso de séculos!…
Os únicos cargos políticos vitalícios existentes na República Portuguesa, mas não electivos, são os do Conselho de Estado, que é um órgão de aconselhamento do Presidente da República. Porém, cargos vitalícios com funções legislativas?! Então, os senhores, e bem, fazem uma proposta de limitação dos mandatos - e quanto a este aspecto estamos de acordo -, em obediência ao princípio republicano do carácter não vitalício dos cargos políticos e, agora, vêm com esta incursão, com cargos vitalícios, ainda por cima com representantes de coisa nenhuma, que são as comunidades territoriais?!
Srs. Deputados, na nossa perspectiva, essa proposta terá o destino que merece, essa proposta irá para o caixote das inutilidades. Não terão o nosso apoio nesta matéria.
O Sr. Deputado Diogo Feio colocou também a questão da regionalização. A regionalização está prevista na Constituição da República, corresponde à organização territorial da República, e tendo havido um referendo não vinculativo, o princípio da desconcentração territorial da administração do Estado ao nível regional mantém-se. Pela nossa parte, não há disponibilidades para o alterar, por isso a ideia da manutenção transitória dos governadores civis mantém-se enquanto não houver a sua substituição no quadro das mutações constitucionais no âmbito da regionalização.
Para além das questões essenciais a que fizemos referência - a limitação dos mandatos, a autoridade reguladora e as autonomias regionais -, há um outro ponto que tem natureza técnica e que pode merecer a nossa atenção, pois não se trata de questão política de fundo, tendo que ver com os prazos a que o Sr. Deputado Diogo Feio aludiu. No que respeita à matéria de prazos, como quanto a tudo o que seja garantir condições de celeridade, de transparência e de maior eficácia no desempenho de cargos públicos, têm o nosso acordo.
A matéria dos assentos merece ponderação, tal como a matéria da extradição. Trata-se de questões técnicas que, naturalmente, merecem ponderação e não são questões essenciais no quadro da revisão constitucional proposta.
Prendendo-me sobretudo, e de forma célere, à intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero dizer que defendemos também uma ética de responsabilidade. O princípio da liberdade já incorpora a ética da responsabilidade, por isso, nessa perspectiva, não contam com a nossa disponibilidade para a consagração acrescente do conceito "responsabilidade", que é inerente ao princípio da liberdade.
No que respeita ao "sectarismo ideológico", temos uma ideia muito precisa quanto à ideia matricial da liberdade. Em termos políticos, a ideia matricial, para nós, é a liberdade. De forma muito clara, e fazendo a citação de um autor muito importante e datado, sobretudo para a minha geração, Jean-Paul Sartre, "A liberdade é a liberdade de escolher. A liberdade de não escolher é a morte".
Portanto, a questão da liberdade, para nós, é um problema de escolha, e de escolha responsável, mas isso é já inerente à liberdade; não há liberdade sem a componente indissociável da responsabilidade. A questão dos direitos e deveres é composta de duas partes articuláveis.
No que respeita à limitação dos mandatos dos altos cargos políticos e cargos públicos, temos disponibilidade para ir ao encontro desse princípio republicano de cargos não vitalícios em todas as dimensões, até na recusa do senado, como tive oportunidade de referir. Nesse sentido, estamos disponíveis para procurar encontrar soluções prudentes relativamente a este princípio, que já hoje é consagrado expressamente na Constituição no que diz respeito,

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desde logo, ao Presidente da República, mas também em relação aos juízes do Tribunal Constitucional.
Passo à última questão, não menos importante. Estamos de acordo com a ideia da procura de uma entidade administrativa independente ao nível da comunicação social, uma autoridade reguladora independente. E estamos também de acordo com a sua tradução essencial no texto constitucional, no quadro de valores, de referências e de competências que hoje, em termos indicativos, são atribuídos à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Remeteremos em termos de composição e competências para uma lei paraconstitucional de dois terços que possa agilizar uma autoridade reguladora da comunicação social eficaz, profissionalizada, consistente e que sirva o aprofundamento nesse domínio, do Estado democrático.
Como nota puramente indicativa, lembro, ainda, que o artigo 24.º da Constituição tem a epígrafe "Direito à vida" e deve ser interpretado em consonância com o artigo 16.º da mesma CRP, no que diz respeito aos preceitos relativos à Declaração Universal dos Direitos do Homem. A questão do direito à vida está tratada de forma muito precisa no nosso texto constitucional e está densificada, na sua amplitude, por consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional, à qual nós aderimos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, registo aqui, em seguida, o pedido de palavra do Sr. Deputado Medeiros Ferreira mas, para garantir alguma alternância, vou dar primeiro a palavra ao Sr. Deputado António Filipe e só depois ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira. Antes, porém, vou fazer um pedido que tenho hesitado em fazer desde manhã mas que, agora, vou fazer: devemos evitar, tanto quanto possível, o ruído de fundo. Por vezes tem-se verificado algum ruído de fundo que tem perturbado a intervenção dos Srs. Deputados e, portanto, peço alguma contenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio, ouvimos a exposição que fizeram do projecto de revisão constitucional apresentado pelos partidos da maioria - naturalmente, foi uma longa exposição e pormenorizada -, não me irei referir, obviamente, por razões de economia de tempo, nesta fase, a todas as propostas, mas irei suscitar questões sobre algumas que me parecem mais importantes, na economia do vosso projecto. Faço apenas, antes disso, algumas breves considerações suscitadas pelo projecto que apresentam.
A minha primeira observação é a seguinte: ao contrário do que os senhores disseram, que este seria um projecto de revisão constitucional ideologicamente limpo, digamos assim, que iria retirar carga ideológica à Constituição, eu diria - até porque considero que isso é impossível, que não há Constituições ideologicamente neutras e, portanto, também não há projectos de revisão ideologicamente neutros - que este é um projecto com uma profunda carga ideológica, simplesmente, tem uma carga ideológica de sentido contrário aos valores ideológicos fundamentais que estiveram na base da Constituição de 1976 e que não foram alterados em sucessivas revisões constitucionais. Portanto, há aqui como que uma tentativa de reescrever a história constitucional portuguesa, o que tem, obviamente, algo de emblemático, até pela insistência, que é muito cara ao CDS-PP, em querer eliminar o preâmbulo da Constituição, sendo óbvio que ele tem um valor histórico fundamental. Mas não é apenas isso.
No artigo 7.º, por exemplo, pretendem eliminar as referências ao colonialismo, pretendem que a Constituição Portuguesa deixe de se assumir como uma Constituição anticolonial. Aliás, foi dito por um dirigente do CDS-PP que é pela abolição do colonialismo da Constituição, porque tem muito respeito pelo passado histórico de Portugal, o que é uma consideração absolutamente espantosa, dado que, por essa ordem de ideias, por respeito pela História de Portugal, mesmo por aquilo que houve de mau na História de Portugal, então, qualquer dia, temos alguém a propor que deixemos de condenar a escravatura, uma vez que ela também fez parte da História de Portugal. A escravatura e, enfim, outras malfeitorias que fizeram parte da História de Portugal.
Pela nossa parte, não queremos essa releitura da História e não aceitamos que, de facto, a marca progressista que a nossa Constituição sempre teve deixe de estar presente.
Para além disso, os senhores propõem introduzir no texto constitucional alguns conceitos que são de difícil concretização, designadamente em termos de jurisprudência constitucional, como é o caso, por exemplo, da referência ao carácter responsável da República. Não sei se com isto os senhores pretendem passar algum atestado de irresponsabilidade à República democrática constitucional em que vivemos.
O mesmo se diga quanto ao artigo 38.º, relativo à liberdade de imprensa, com a referência ao respeito pela verdade. Convenhamos que se trata de um objectivo meritório - é meritório o respeito pela verdade numa liberdade de informação - mas dificilmente sindicável, na medida em que, obviamente, sobre um mesmo facto não deixa de haver versões contraditórias acerca daquela que é a verdade. E, portanto, é um pouco difícil para um julgador avaliar a liberdade de imprensa em função de critérios dessa natureza.
Mas, no que se refere a outros aspectos de conteúdo do vosso projecto de revisão, gostaria que os senhores clarificassem o sentido do artigo 8.º, por exemplo, quanto à supremacia, que me parece estar aceite, do Direito Comunitário sobre o Direito Constitucional português, sobre a Constituição Portuguesa. É que os senhores não propõem que sejam salvaguardadas as disposições constitucionais, em face do Direito Comunitário, antes, adoptam uma formulação que é, no mínimo, equívoca, uma vez que se referem apenas ao respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático expressos na Constituição. Ou seja, tudo o que não fosse um princípio fundamental do Estado de direito não prevaleceria sobre qualquer norma de direito ordinário emanada das instituições da União Europeia, podendo, com isto, preterir-se, obviamente, o respeito por outras disposições constitucionais, desde que não fossem erigidas em princípios fundamentais.
Portanto, parece haver aqui uma aceitação, praticamente sem reservas, da supremacia do Direito Comunitário sobre o Direito Constitucional português e gostaria que os senhores clarificassem, efectivamente, qual o vosso entendimento acerca das relações entre a Constituição Portuguesa e o Direito Comunitário, à luz do vosso projecto de revisão constitucional.

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Relativamente à regulação da comunicação social, o que os senhores propõem pode ser tudo e pode nada ser. Aquilo que se nos afigura, nesta matéria, tendo em conta a vossa proposta para o artigo 39.º, é uma remissão, é deixar a questão constitucionalmente em aberto e remeter para uma posterior definição, por via legal, de qual seja o modelo de regulação existente, o que, convenhamos, é pobre, em matéria de revisão constitucional, sobretudo quando o tema da regulação tem vindo a ser enfatizado pelos senhores no vosso discurso político e nos vossos propósitos em matéria de revisão constitucional.
Somos confrontados com a inexistência de propostas concretas relativamente a um modelo de regulação que seja alternativo ao actualmente existente, a menos que os senhores tenham mais alguma proposta a adiantar, não já em termos constitucionais mas de lei ordinária, quanto ao modelo a criar. Mas, neste caso, não seria mau que pudessem, desde já, levantar o véu sobre o que a maioria pretende em matéria de regulação da comunicação social, dado que, do projecto de revisão constitucional, não é possível extrair nada de concreto para além daquilo que já existe.
Onde os senhores propõem uma verdadeira devastação constitucional é em matéria de direitos dos trabalhadores e de direitos sociais fundamentais dos portugueses. Em matéria de Constituição laboral, no que se refere aos direitos dos trabalhadores, diria que vai tudo raso relativamente a uma série de direitos, desde a eliminação da expressão "segurança no emprego" até à eliminação da intervenção democrática das comissões de trabalhadores na vida da empresa, à eliminação do controlo de gestão, à eliminação dos direitos dos sindicatos de participarem no processo de reestruturação das empresas, à independência dos sindicatos face ao patronato, ao direito de os sindicatos se pronunciarem sobre os planos económico-sociais.
Tudo isto deixa de existir no vosso projecto de revisão constitucional e propõem uma limitação do direito à greve que é verdadeiramente absurda, na medida em que dizem que o direito à greve não pode prejudicar os direitos de quem pretenda trabalhar. Isto é óbvio! É evidente que, quando há qualquer greve, são publicitados os números da adesão. Se todos os trabalhadores aderirem, há 100% de adesão, quando nem todos os trabalhadores aderem, há números sobre a adesão, há adesões de 80% e de 70%, o que significa que os outros 20% ou 30% que quiseram trabalhar foram trabalhar. Aliás, é espantoso que os senhores, que têm por hábito anunciar números baixíssimos de adesão às greves, estejam muito preocupados com a introdução de uma disposição constitucional deste tipo.
É óbvio que o direito à greve não põe em causa os direitos legítimos das pessoas que não queiram aderir à greve, mas o que os senhores pretendem é legitimar constitucionalmente algo muito diferente, que é a substituição dos trabalhadores em greve por outros trabalhadores, designadamente de outros sectores e de outras empresas. Trata-se de uma prática reiterada de algum patronato, em Portugal, que, com a aprovação de uma disposição desta natureza, veria algo legitimado esse procedimento inconstitucional e ilegal.
Em matéria de direitos sociais, com o vosso projecto de revisão constitucional seriam dadas novas machadadas, por exemplo, no direito dos portugueses à saúde. Seria mais uma machadada na gratuitidade já tendencial do direito à saúde, a qual, segundo a vossa versão, passaria a ficar relegada apenas para os estratos populacionais mais carenciados, o mesmo acontecendo com a gratuitidade do ensino. Portanto, seriam mais umas duras machadadas na garantia dos portugueses a cuidados de saúde e à gratuitidade do ensino, que são direitos já gravemente diminuídos pela prática neoliberal que o vosso Governo tem vindo a pôr em prática.
Relativamente à organização económica, também há uma obsessão ideológica claríssima, desde logo contra os direitos dos trabalhadores, ao proporem a eliminação de vários direitos de participação dos trabalhadores e de diversos artigos constitucionais, que vão desde o auxílio do Estado aos agricultores ao objectivo de redimensionamento dos minifúndios, à diminuição dos latifúndios, ao fim da disciplina do investimento estrangeiro, ao fim da auto-gestão, ao fim da apropriação pública dos meios de produção.
Enfim, temos um projecto de revisão constitucional que eu diria de regresso ao século XIX, e não ao século XX, em termos da concepção daquele que deve ser o papel de um Estado democrático ou de um Estado moderno.
Quero ainda referir-me a três aspectos, colocando questões concretas. Não vou desenvolver muito a questão do senado, já foi dito algo sobre isto, designadamente pelo Sr. Deputado Alberto Martins, que fez uma referência que compartilho quanto ao carácter vitalício deste órgão que os senhores qualificam como órgão de soberania, mas não deixa de ser surpreendente que o Sr. Deputado Diogo Feio tenha apresentado a proposta do senado, considerando que este senado seria composto por pessoas afastadas da política, o que não deixa de ser espantoso. Creio que, como é óbvio, isso daria uma margem de recrutamento enorme, porque, infelizmente, muitos milhares de cidadãos portugueses estão afastados da política, mas não creio que a forma mais curial de o regime democrático interessar os cidadãos pela política seja recrutá-los para o senado. Penso que haverá outras formas, porventura mais acessíveis, de interessar os cidadãos pela política.
Agora, aparte essa apresentação, que considero como algo menos feliz, devo dizer que, de facto, a tradição que os senhores invocam para propor o senado não faz sentido no nosso país. Não faz sentido a introdução em Portugal de qualquer coisa estilo Câmara dos Lordes ou uma câmara assente numa suposta legitimidade aristocrática, tal como não faz sentido que os senhores, depois de terem recusado a criação de regiões administrativas, fundamentem a existência de um senado precisamente na experiência dos países em que o senado funciona como uma forma de representação de regiões dotadas de elevado grau de autonomia, como existe, por exemplo, na Câmara das Regiões da Alemanha ou até, em certa medida, em França, onde, como sabe, as regiões têm um grau de autonomia superior ao nosso, mas, apesar de tudo, o senado é contestado, a sua existência não é pacífica, aliás, como acontece em Itália.
Portanto, para além de, em certos países onde ele existe, o senado ser contestado por largos sectores da opinião pública e mesmo pelos intervenientes na vida política, os títulos de legitimidade que são invocados para a existência de segundas câmaras noutros países não fazem sentido, de facto, num país como Portugal.
Os senhores, em matéria de referendo, propõem que as alterações à Constituição possam ser submetidas a referendo. Ora, eu gostaria de saber como é que senhores conciliam

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isto com a especial exigência de maiorias qualificadas para a revisão constitucional. Isto é: a Assembleia da República precisa de uma maioria qualificada exigente de dois terços, e, se se tratar de um processo extraordinário, ela terá de ser aberto por maioria de quatro quintos, para aprovar alterações à Constituição. Isto porque o legislador constituinte considerou que não basta uma maioria, ainda que absoluta, existente na Assembleia da República para poder proceder a alterações à Constituição.
Ora bem, conjugando esta exigência, aliás justa, com a possibilidade de submeter as propostas de alteração da Constituição a referendo, temos uma maioria de dois terços da Assembleia da República inviabilizada por uma decisão tomada em referendo por uma minoria, quando comparada com os cidadãos que elegeram esses dois terços de Deputados. Isto é: uma maioria qualificada de cidadãos eleitos é suplantada por uma decisão que pode ser tomada por um número muito reduzido de portugueses.
Há, portanto, aqui, de facto, um confronto de duas legitimidades, e creio que fazer prevalecer uma legitimidade referendária, que pode, inclusivamente, no plano político, ser tomada por 20% ou 25% dos portugueses… Dir-me-ão, mas o referendo, se não tiver quórum, não é vinculativo; se não votarem 50% dos portugueses não é vinculativo. Será assim juridicamente, mas os senhores consideram vinculativo politicamente um referendo no qual votaram cerca de 30% dos portugueses.
Portanto, como é que os senhores conciliam isto? Como é que os senhores consideram razoável que uma maioria de dois terços num Parlamento democraticamente eleito possa ter de ceder perante uma decisão referendária sobre uma decisão que ela acabou de tomar? Como é que os senhores resolvem este conflito de legitimidades? Não reconhecem que, de facto, estão a pôr em causa a legitimidade de um Parlamento democraticamente eleito para poder proceder a alterações à Constituição?
Se já é discutível que o referendo em geral possa ser considerado como uma forma de, de alguma maneira, contrariar a legitimidade democrática da Assembleia da República numa situação normal, embora em alguns casos seja, obviamente, admissível, pois o referendo está admitido na nossa Constituição, creio que é diferente quando se trata de alterações à Constituição, tendo em conta a especial exigência de maiorias qualificadas, porque aí parece-me que é ir longe demais em matéria de referendo.
A última questão que lhes coloco diz respeito às autonomias regionais. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes falou como se o PSD tivesse o monopólio das autonomias regionais. Ora bem, o PSD não tem o monopólio da autonomia, quando muito poderá ter o monopólio da gritaria em torno da autonomia regional, mas o monopólio da autonomia seguramente que não tem. E mesmo em relação a essa gritaria às vezes os senhores demarcam-se dela e fingem que não a ouvem, sobretudo quando ela assume, enfim, um cunho muito mais provocatório relativamente à República. Mas o monopólio da autonomia seguramente que não têm.
E, aliás, já tem sido dito, e com razão, que se há matéria nesta revisão constitucional onde todos nos podemos aproximar de algum entendimento é em matéria do aprofundamento da autonomia regional. Portanto, não vale a pena o PSD estar a querer "puxar pelos galões" nessa matéria, porque, efectivamente, não tem muitos galões para puxar relativamente a outras propostas aqui apresentadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Podemos ficar contentes, não é verdade!?

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente! Pode ser que se consiga um resultado importante, porque creio que a autonomia regional é uma feliz construção da República. Creio que correspondeu, obviamente, a históricas aspirações das populações insulares, mas corresponde a uma forma de organização do Estado que todos nós muito prezamos e que vale, de facto, a pena procurar continuar a aprofundar, porque com isso progridem as regiões autónomas e creio que progride também a democracia e a República. É nesse sentido que gostaríamos de ver esta questão discutida.
Mas há uma outra questão, que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes aqui suscita, que creio que nos coloca dificuldades, que tem a ver com a possibilidade da introdução de círculos eleitorais para as eleições regionais de não residentes nas regiões autónomas.
Lembro-me que uma disposição desse tipo esteve consagrada, durante muitos anos, no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, até que o Tribunal Constitucional a considerou inconstitucional. Mas nos longos anos em que esteve no Estatuto, isto é, antes de o Tribunal Constitucional se ter pronunciado sobre ela, essa disposição não foi aplicada. E não foi aplicada porque se colocavam aqui problemas práticos que nunca foram superados.
Vale a pena pensar porque é que, desde 1980 até quase ao final do século XX, isto é, durante os quase 20 anos em que essa disposição vigorou, nunca foi aplicada na região autónoma. Ora bem, não foi porque coloca problemas de princípio e também problemas práticos, uma vez que o universo eleitoral é definido em função de um nexo de residência e não de naturalidade. Isto é: nós votamos, mas votamos no local onde residimos, independentemente da região do País de onde sejamos naturais, e nas eleições regionais votam os cidadãos que estão recenseados nas regiões autónomas, independentemente do local onde tenham nascido - podem ter nascido em Trás-os-Montes ou em Lisboa, mas, desde que residam na região autónoma e estejam lá recenseados, podem votar nas eleições regionais -, e não votam os naturais que residam e estejam recenseados fora da região, estejam eles no estrangeiro ou, eventualmente, no território do continente.
Portanto, a questão que se coloca, desde logo é a de saber se, criando esse círculo, os cidadãos nascidos nas regiões autónomas que vivam no continente também são considerados emigrantes para esse efeito e, portanto, se eles também votam como emigrantes, ou se se faz um círculo onde votem os açorianos e os madeirenses, respectivamente, quer residam em Lisboa ou em na Venezuela; se é o mesmo círculo eleitoral que os senhores propõem ou se são círculos diferenciados; se há um para os que vivam no continente e outro para os que vivam noutros países da Europa e, eventualmente, em países africanos ou da América Latina.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Ou Cuba!

O Sr. António Filipe (PCP): - Ou Cuba, como disse o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.
Como é que isso funciona? E o que é que os senhores pensam acerca disso? E, já agora, se o nexo de relação

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estabelecido com a região autónoma para se poder votar nas eleições regionais é a naturalidade, o que é que acontece à segunda geração?
Há aqui vários exemplos que devem ser dados.
Imaginemos um cidadão que nasceu, por exemplo, em Santarém ou em Setúbal, foi viver com poucos dias de idade para uma região autónoma, viveu lá muito tempo e, depois, foi viver para a Venezuela. Este cidadão tem direito de voto? É que não nasceu na região, viveu lá muitos anos e, depois saiu. Terá direito de voto ou não?
Imaginemos uma família madeirense ou açoriana que foi viver para os Estados Unidos, se votar nas eleições regionais, os seus descendentes - filhos e netos -, que não tenham a nacionalidade portuguesa, que naturalidade é que têm? Esse direito de voto é extensivo à segunda, à terceira e à quarta geração? O bisneto de açorianos que vive na Pensilvânia vota nas eleições regionais se estiver recenseado?
Não basta defender um determinado princípio, é preciso também demonstrar como é que ele se concretiza. A demonstração que tivemos ao longo de quase 20 anos é que ele foi consagrado e não foi aplicado. É, por isso, um pouco estranho que os senhores venham agora recolocar a questão na ordem do dia passados tantos anos sobre essa falsa partida.
Uma outra questão que importa saber, para além desta, é se os senhores pretendem introduzir esses círculos eleitorais à custa de quê é que o fazem. Fazem-no à custa do aumento do número de Deputados das assembleias legislativas regionais ou à custa da redução dos Deputados que são actualmente eleitos nesses círculos? É que uma eventual redução dos Deputados das assembleias legislativas regionais coloca, desde já, um problema que tem a ver com a proporcionalidade. Se já hoje há dificuldades relativamente à manutenção de uma proporcionalidade razoável das respectivas leis eleitorais, então, estaríamos perante propostas que não viriam ajudar em nada a resolver esse problema, que, aliás, todos reconhecem.
Portanto, gostaria que os senhores concretizassem um pouco mais, mas com razoabilidade, esta vossa ideia relativamente às eleições legislativas regionais.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, permitia-me fazer a seguinte consideração: longe de mim estar a coarctar ou a limitar a liberdade dos Deputados de intervirem neste debate, chamo, no entanto, a atenção de que este é um debate sobre a apresentação, na generalidade, dos diferentes projectos de revisão, por isso não vale a pena estarmos aqui, até sob pena de perdermos um bocadinho a perspectiva genérica que queremos ter sobre os projectos, a entrar num conjunto de detalhes e de discussões, que, certamente, teremos ocasião de, com enorme vantagem, levar a cabo na fase da especialidade.
Portanto, apelo a que, tanto quanto possível, haja aqui um enorme esforço de auto-regulação, que foi uma expressão muito utilizada aqui a propósito da revisão constitucional, no sentido de que seja possível mantermos aquilo que é, de facto, a nossa ordem de trabalhos, que é uma apresentação, na generalidade, dos projectos e evitássemos entrar no detalhe, que, provavelmente, a partir da próxima terça-feira, teremos ocasião de desenvolver.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, eu louvo-me nas suas palavras - gostava de dizer isto - em relação quer à sessão da manhã quer à sessão da tarde. Na sessão da manhã, como se reparou, e o Sr. Presidente é a primeira testemunha e a mais qualificada neste caso, a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que quero saudar, em relação à minha apresentação do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, causou-lhe uma manifesta dificuldade na parte da tarde, se me permite dizê-lo, no que diz respeito especialmente àquilo a que chamou "a querela autonómica".
Sr. Deputado, compreendo que tenha introduzido uma expressão desta natureza, tão "descalibrada", na sessão da tarde, porque depois da sua longa e apreciada intervenção desta manhã como pedido de esclarecimento à minha intervenção inicial era óbvio que teria pouco mais para dizer do aquilo que disse da parte da manhã. Por isso, introduziu no debate um elemento meramente retórico e político - já vamos lá -, o da querela constitucional a respeito das autonomias.
Sinceramente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, apreciando, obviamente, as suas capacidades de polémico político, capaz de introduzir uma polémica onde ela não existe, penso que, no fundo, não estamos a fazer a devida vénia aos constituintes de 1975/76, que se ocuparam mais de perto da questão das autonomias. Vou citar quatro nomes para se perceber o que quero dizer.
Os Srs. Deputados Mota Amaral, Jaime Gama, Mário Mesquita e Ruben Raposo (não sei se o PSD ainda se lembra) foram personalidades que introduziram na Constituição da República Portuguesa o título Regiões Autónomas.
Gostava de dizer que, apesar de tudo, foi um título bastante estável, porque para além da revisão a que já aqui fizemos referência, de 1982, só voltou a ser objecto de propostas de revisão em 1997. Portanto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dentro da sistemática das revisões constitucionais, é dos títulos que, paradoxalmente depois de o ouvir, tiveram mais estabilidade na Constituição da República de 1976.
Não considero que haja uma querela constitucional autonómica, aliás, sinceramente, penso que seria um mau percurso inventá-la ou, se quiser, reinventá-la, para não retirar de todo a pertinência ao que disse.
Portanto, interpreto a situação da seguinte forma: o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, esta tarde, tinha de introduzir um novo conceito nesta questão, que estava praticamente esgotada desde a manhã, pelo que referiu a existência de uma querela autonómica, não tanto a respeito da autonomia administrativa mas, sobretudo, da autonomia política.
Estava à espera que o Sr. Deputado desse um passo em frente, sinceramente, porque esse é que não tinha sido dado da parte da manhã, aliás, nunca foi dado pelo PSD. Ora, neste momento, o que gostaria de ouvir da sua boca, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é se o PSD está disposto a dar esse passo - refiro-me à autonomia financeira.
Os Srs. Deputados do PSD falam muito da autonomia política, desprezam a autonomia administrativa pensando que se trata de uma questão menor, embora muitas coisas se joguem aqui, mas, depois, não falam da autonomia financeira. Percebo, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que não queiram elaborar sobre a autonomia financeira.

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Em primeiro lugar, no que se refere à autonomia administrativa e a competências, posso dizer que as autonomias dos Açores e da Madeira têm-nas, algumas, desde 1985. Numa progressão, de que não vou agora fazer a história, essa autonomia terminou nos fins dos anos 20, princípio dos anos 30, quando se transferiram competências do Estado da República, do Estado Novo, para os Açores e para a Madeira sem as devidas transferências financeiras. Transferiram-se os serviços e competências, mas não se transferiram os meios financeiros, o que deu, como todos sabem, a hipotrofia do exercício da autonomia insular.
Portanto, grandes promessas de autonomia política sem a devida ponderação e consideração dos meios financeiros para a mesma podem ser presentes envenenados. Se me permite, Sr. Deputado, já que pretendeu fazer deste projecto de revisão um projecto de agressão na questão autonómica (do que não estava à espera, sinceramente, pois um projecto de revisão não é um projecto de agressão), faço-lhe um apelo para que assim não seja, porque sei que disso depende levarmos a bom porto o trabalho que temos pela frente.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, percebo que o PSD não tenha querido elaborar mais sobre a questão dos meios financeiros para a autonomia política dos Açores e da Madeira, porque na revisão constitucional de 1997 quem introduz…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estou bem lembrado!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Está bem lembrado.
Como estava a dizer, na revisão de 1997, quem introduz a emenda que torna constitucionalmente obrigatória uma lei de finanças das regiões autónomas é o Partido Socialista.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é, não senhor! Eu tenho aqui, posso ler!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Ah, vem preparado! Está lá a emenda!
Portanto, foi o Partido Socialista…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esse é que é o problema!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Exactamente!
Como eu estava a dizer, foi o Partido Socialista que introduziu que as relações financeiras entre as regiões a República serão reguladas por uma lei de finanças das regiões autónomas. De qualquer maneira, foi durante as maiorias do PS que essa lei de finanças das regiões autónomas foi elaborada, aprovada e posta em vigor.
Foi com o Governo actual, através daquilo a que poderia chamar-se "o centralismo interno e externo" do Ministério das Finanças, ou da Ministra das Finanças, que pela via tortuosa e europeia da lei de estabilidade orçamental, que como todos sabem é uma aquisição notável do aparelho filosófico internacional europeu, a Ministra das Finanças, num passo de mágica, tentou anular a aplicação da lei de finanças das regiões autónomas.
Portanto, percebo muito bem que para o PSD, naquilo que pretende ser uma querela autonómica, é mais fácil falar da autonomia política e administrativa do que falar da autonomia financeira. É desse ponto de vista que gostaria de interpretar uma expressão da sua parte que considero infeliz.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, deixe-me que lhe diga, com a máxima cortesia e apreço, que o projecto do PSD no capítulo das autonomias é muito melhor que a sua apresentação. Percebo que o seja, pois o PSD esteve três meses a estudar o projecto do PS - gostava de chamar-lhe a atenção para isto -…

Risos do PSD.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Foi, foi!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Então, o que estiveram a fazer durante três meses?!
O nosso projecto foi tornado público em Setembro, sendo que os senhores estiveram a estudá-lo de forma a introduzirem alguma diferença específica - o que acho muito bem - que o tornasse apresentável politicamente. Não vou tirar-vos a oportunidade de aparecerem perante os vossos eleitores, quer nos Açores quer na Madeira, com algum trabalho de casa feito - não pretendo perturbar isso -, desde que seja possível um acordo nesta Comissão sobre o nosso objectivo principal, ou seja, a revisão constitucional no que diz respeito a uma maior autonomia e mais democracia, que é exactamente o que o PS pretende nesta revisão.
Gostava ainda de dizer que não faremos do nosso projecto de revisão um projecto de agressão. Pelo contrário, estamos aqui para conseguir um entendimento com os partidos presentes nesta Comissão.
Acho também muita graça a esta forma tonitruante de proclamar que o PSD é o partido da autonomia, desta forma tão exclusiva e quase impertinente. Talvez tenham poucos outros títulos a apresentar - não faço ideia! Esse é um título bom - concordo que sim -, mas na fase genética do regime democrático nada mais têm a apresentar?! Portanto, seria bom que chegássemos a um esclarecimento.
Para além do mais, há também esquecimentos da vossa parte, o que, no fundo, tem que ver com uma pulsão que não saberia agora designar.
Vamos falar do senado. O meu colega e amigo Deputado Alberto Martins já disse tudo o que o PS tinha a dizer nesta fase sobre os outros tópicos do vosso projecto de revisão constitucional, não quero, por isso, entrar por aí, mas gostaria de assinalar um ponto muito interessante. Penso que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e todos os presentes vão entender totalmente o que pretendo dizer.
Para a designação do senado - penso que é o que consta do vosso projecto quanto ao artigo 181.º-A, se não estou em erro - há uma espécie de colégio (sei que há uma nostalgia dos colégios eleitorais indirectos em Portugal), tendo esse colégio eleitoral indirecto uma particularidade: não tem representantes das regiões autónomas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Porquê?!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não está previsto, mas poderia estar!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estão lá as autarquias locais?!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Portanto, passam por cima de um corpo tão importante como as autonomias…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É de baixo para cima!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - É muito interessante esta visão do PSD!
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, confesse que há uma lacuna!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é lacuna!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Confesse que é uma lacuna do vosso colégio! Vai ver que se o colégio for para a frente, na terceira geração dos constituintes,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O senhor quer à força um modelo de regionalização de cima para baixo, mas nós não queremos!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Admito que os senhores, em relação aos Açores, dêem uma particular atenção a realidades infra órgãos próprios do governo regional - percebo isso e até considero que podem ser úteis nesse domínio -, mas essa lacuna, essa omissão do colégio eleitoral…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não é verdade?!
Então, a única representação territorial a sério que existe em Portugal, neste momento, são as regiões autónomas! As outras são autarquias, com a sua expressão e autonomia em relação ao Estado que conhecemos!
Fazer um senado em que as regiões autónomas não estão representadas a não ser na tal hierarquia nobiliárquica de que falou aqui o Sr. Deputado Alberto Martins, através de ex-titulares de cargos regionais, não é o que está previsto no vosso projecto?! É, sim!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado está a trocar tudo!

O Sr. António Filipe (PCP): - Quer trocar o Alberto João pelo Santana Lopes!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Portanto, só estou a apresentar este exemplo para demonstrar que não há espírito de sistema na vossa defesa das autonomias.
O projecto do PSD, no domínio que já referi, merece-nos bastante atenção, aliás, quero felicitá-lo pelo trabalho que já apresentou. Creio que haverá uma ampla margem de consenso com o projecto do PS para levarmos por diante o objectivo de rapidamente - digo rapidamente porque, apesar de tudo, o PSD tem-se manifestado lento nesta progressão da revisão constitucional actual - podermos fechar esta revisão constitucional, até ao mês de Março.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, procurarei ser breve na questão que vou colocar.
Ouvi atentamente os Srs. Deputados Marques Guedes e Diogo Feio, mas confesso que ouvi melhor o Sr. Deputado Diogo Feio, porque pôde falar em condições mais fáceis para todos poderemos reter a sua intervenção.
Não vou alongar-me sobre questões porventura muito interessantes do ponto de vista do debate sobre referências históricas, que o Partido Popular pretendia eliminar neste projecto a pretexto de que é preciso respeitar a história.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não é nada disso!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Foi nesse sentido que se pronunciou o Dr. Paulo Portas. Mas não vou entrar nesse registo porque, porventura, o respeito pela História levar-nos-ia, se calhar, à época em que as mulheres não tinham direito de voto e em que as nossas avós tão pouco tinham liberdade para viajar sem autorização dos seus maridos. Portanto, fazer essas retrospectivas é sempre complicado.
Mas, em todo o caso, gostaria de fazer uma alusão que tem a ver com o projecto da maioria em relação ao artigo 8.º, em que há, de uma forma nítida, uma adesão incondicional à transposição para o direito interno de normas da Constituição europeia e do direito adoptado pelas instituições da União Europeia.
Tendo em conta esta adesão tão incondicional, pergunto qual é a razão pela qual, por exemplo no artigo 13.º, a questão relativa à orientação sexual, que está plasmada no Tratado de Amsterdão, ainda não consta do projecto da maioria. Pergunto se foi lapso ou se é uma visão selectiva sobre a transposição para o direito interno daquilo que outros países já consagraram em termos de factores de não descriminação.
A segunda pergunta que gostaria de fazer aos Srs. Deputados da maioria prende-se com a questão do senado.
O Sr. Deputado Diogo Feio explicou o que, no entendimento da maioria, deveria ser o senado: uma espécie de "gaiola dourada" - ou uma "antecâmara da morte", uma vez que os seus membros seriam vitalícios -, onde os reformados da política, ou não sei bem quem, poderiam participar com base num argumento que me parece complicado utilizar, isto é a base regional, uma vez que julgo ser contraditório tendo em conta toda a visão centralista do PSD e do CDS-PP neste domínio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não leu o projecto!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Faço ainda uma outra pergunta concreta: sendo certo que nunca vingou entre nós a ideia de senado, que ela não é pacífica, que não suscita grande adesão, em vossa opinião, esta segunda câmara, para além dos resultados óbvios do ponto de vista da burocracia e da lentidão, não seria mais um facto a pesar decisiva na percepção negativa que os cidadãos já hoje têm em relação às instituições?
Esta é a última pergunta que formulo, não me alongarei mais, porque penso que há outros projectos a apresentar e gostaria também de o poder fazer hoje.

O Sr. Presidente: - Tenho agora a inscrição da Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

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A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Desisti, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, não há mais nenhum pedido de esclarecimento relativamente às exposições iniciais dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio.
Seguindo a orientação inicial, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em primeiro lugar, para responder às questões que lhe foram colocadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou responder na mesma óptica da apresentação inicial quanto ao que foi referido em relação às questões que por mim foram apresentadas, e o Sr. Deputado Diogo Feio esclarecerá o que foi dito por ele.
Quanto ao Sr. Deputado Alberto Martins, retive duas questões. A primeira, de ordem genérica e que me parece muito importante, é a da ética da responsabilidade. Diz o Sr. Deputado - e bem - que o princípio da ética da responsabilidade é inerente ao da liberdade. Sr. Deputado, se estamos os dois de acordo, deixe com clareza isso na Constituição, porque, como em tantos outros aspectos, é evidente que as questões estão interligadas.

O Sr. Alberto Martins (PS): - É sumptuário!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os princípios da justiça, da liberdade e da solidariedade também são inerentes ao Estado de direito democrático. No entanto, não é por a Constituição estatuir com clareza, logo no artigo 2.º, que Portugal é uma República soberana, sendo um Estado de direito democrático, que deixa de afirmar como princípios estruturantes os da liberdade, da democracia, do pluralismo de expressão e de correntes políticas, e por aí fora!
Portanto, se estamos de acordo que a ética da responsabilidade é indissociável do princípio da liberdade, então que não seja por teimosia semântica que não se consagra isso na Constituição, uma vez que é manifestamente um ganho.
Quanto às demais questões que colocou, algumas das quais têm a ver com o Deputado Diogo Feio, apenas saúdo com bastante satisfação a abertura que o Sr. Deputado manifestou para a ponderação de um conjunto de matérias que teremos oportunidade de escalpelizar na especialidade.
Sr. Deputado António Filipe, relativamente à parte ideológica, à matéria social e económica da Constituição, deixe-me dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado começou por referir genericamente que havia uma tentativa para reescrever a história constitucional. Mas, com toda a franqueza, Sr. Deputado, goste ou não o PCP, a verdade é que, felizmente para os portugueses, a Constituição da República é permanentemente reescrita, e ainda bem. Não é nem uma peça de museu nem uma obra acabada, é algo dinâmico que tem a ver com a adaptação das regras que, em cada momento, os portugueses, democrática e soberanamente, entendem que são os princípios e os valores por que devem reger a sua organização colectiva.
Nesse sentido, embora o PCP não goste que se mexa uma vírgula ou uma palavra em cada revisão constitucional, preferindo sempre que não houvesse qualquer revisão constitucional, a verdade é que a Constituição - felizmente para Portugal e para os portugueses - tem vindo a ser constantemente reescrita, e a história das revisões constitucional revela-o, sempre com derrotas do PCP em termos do texto constitucional.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente! Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E isso, do nosso ponto de vista, é um ganho para a democracia e para o sistema democrático, apenas por uma razão: não é porque eu entenda que o PCP seja "demoníaco" nesta matérias, mas porque a Constituição, fruto do PREC e das condições revolucionárias (houve até um cerco da Assembleia da República, em que os únicos Deputados a que os sitiantes ofereciam comida eram os comunistas, …

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Essa é uma mentira histórica!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e isto é histórico, não vale a pena negarmos nem fingirmos que não aconteceu), foi inicialmente escrita de uma forma profundamente sectária e à esquerda, inclusive com um "garrote" feito pelo Conselho da Revolução sobre os partidos políticos (foi o Pacto MFA/Partidos), segundo o qual quem não aceitasse viabilizar a Constituição tal qual ela saia daquele processo revolucionário era ilegalizado enquanto partido político.

Vozes do PCP: - Essa agora!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi o que se passou, não vale a pena fingirmos ou reescrevermos o que se passou no PREC. Vamos apenas reescrever a Constituição, porque a história constitucional tem sido isto mesmo.
Sr. Deputado, permito-me dizer-lhe com toda a franqueza que a outra questão prende-se com a tentativa de permanentemente repetir um conjunto de inverdades relativamente ao projecto da maioria (e penso que não devemos ir por aí) para tentar fazer passar a ideia de que o projecto pretende coisas que verdadeiramente não pretende.
O Sr. Deputado disse que se pretende acabar com a República, …

O Sr. António Filipe (PCP): - Eu não disse isso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e que, felizmente, não se pode acabar com a República através da lei! Sr. Deputado, sabemos perfeitamente que a República, enquanto modelo de órgão de governo em Portugal, está consagrada no artigo 1.º da Constituição, e sobre isto nunca ninguém fez (nem fará, que eu saiba) qualquer proposta de alteração. Portanto, não vale a pena vir com esta ideia e gastar latim a dizer que a maioria pretende acabar com a República.
Depois, em tom mais jocoso, também houve da parte do Partido Socialista algumas considerações sobre esta questão, mas clarifiquemos estas matérias: o problema dos limites materiais não tem rigorosamente nada a ver com as opções relativas ao modelo político que continua a ser defendido pela maioria como um modelo de República baseado na soberania popular.
O Sr. Deputado António Filipe referiu-se ainda ao artigo 8.º, que também foi referido pela Deputada Isabel Castro, matéria sobre a qual teremos oportunidade de conversar longamente em sede de especialidade.

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A questão que se coloca é exactamente a da desinformação, como citei na minha intervenção inicial e, mais uma vez (perdoem-me que o diga, mas foi esta a leitura que fiz quer da intervenção do Sr. Deputado quer, mais ainda, da intervenção da Sr.ª Deputada), aparentemente, pretende lançar-se uma ideia completamente falsa, porque actualmente é já isto que se passa, e a jurisprudência dos tribunais europeus nesta matéria tem quase 10 anos e é completamente pacífica. Por isso, não vale a pena criar "fantasmas" de que há alguma alteração nesta matéria. Mas, em sede de especialidade teremos, como eu já disse, oportunidade de falar sobre este assunto.
O Sr. Deputado António Filipe falou da parte económica e dos direitos dos trabalhadores contidos na Constituição laboral.
Sr. Deputado, acabar com a ideia de controlo de gestão e auto-gestão, acabar com a ideia dos piquetes de greve… O Sr. Deputado até chegou a dizer que era óbvio que com o direito à greve não se pode coarctar o direito dos que querem trabalhar, isto é, quem quer fazer greve faz, quem não quer não faz. É isso mesmo, e apenas isso, que é proposto pela maioria!

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas isso já é assim. E os senhores não querem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, se é assim, se é óbvio e se concorda, por que é que o senhor se abespinha todo?! Então, vote a favor!
A maioria propõe manter o artigo do direito à greve exactamente como está, não altera nada, apenas acrescenta um número onde se estatui que "o exercício do direito à greve não pode impedir o direito ao trabalho daqueles que o pretendam exercer". É tão simples como isto!
Portanto, se o Sr. Deputado pensa que este acrescento é óbvio, que é um direito de facto, então clarifique-se e acabe-se com essa situação completamente inaceitável dos piquetes ou dos cadeados nas portas! E esta clarificação não é desnecessária porque os cadeados e os piquetes, bem como controlo nos transportes, tudo isso existe. Portanto, a clarificação é precisa para as pessoas que querem trabalhar, porque o direito ao trabalho também é um direito, a par do direito à greve, consagrado na Constituição.
Relativamente à questão da gratuitidade, Sr. Deputado, no debate em sede de especialidade teremos ocasião de falar sobre o tema, mas deixe-me dizer-lhe apenas que os senhores defendem a gratuitidade universal em matérias quer da área social, quer da saúde, quer do ensino. Ora, nós contrapomos o tratamento diferenciado de acordo com as posses de cada um.
Com toda a franqueza, entendemos que a nossa proposta não só é muito mais razoável em termos de estabilidade destas prestações do Estado, como é muito mais verdadeira em termos de justiça social; a vossa proposta é completamente inaceitável em termos de justiça social. Não faz sentido que seja igualmente gratuito para uma pessoa com posses o acesso à saúde ou ao ensino, em condições rigorosamente idênticas às daqueles que não têm quaisquer meios, muitas vezes nem para se deslocar para a escola ou para os hospitais.
Em suma, ao vosso princípio da gratuitidade universal - gasto, retrógrado e desprovido de qualquer sentido - contrapomos o princípio do tratamento diferenciado para situações que são diferentes. Por isso entendemos que a gratuitidade deve ser para os mais necessitados e deve ir desaparecendo à medida que as pessoas obtenham posses para pagarem os serviços que lhes são prestados pelo Estado.
Quanto à questão de saber se somos ou não os "donos" das autonomias, Sr. Deputado, para não perdermos muito mais tempo, louvo-me em tudo o que foram todas as revisões constitucionais até hoje. É só ir ler, não vale a pena tentar reescrever as actas das revisões constitucionais anteriores. Basta ir ver qual foi o partido que sistematicamente defendeu propostas bastante avançadas, em termos de desenvolvimento das autonomias e de acabar de vez com o problema da querela política que se colocava em torno das autonomias versus centralismo do Estado, e quais eram as posições do Partido Comunista Português, do Partido Socialista e dos demais partidos sobre esta matéria.
Portanto, não vale a pena estarmos a fingir que as coisas não se passavam como sempre se passaram.
Quanto à questão da redução, ou não, do número de Deputados, de que falou a propósito das autonomias, com toda a franqueza, voltaremos a falar sobre ela em sede de especialidade. Mas como não quero furtar-me à pergunta que fez, vou responder-lhe directamente - em abstracto, como é evidente -, embora esta matéria não deva ser tratada no âmbito da revisão, por não ser matéria constitucional mas de lei ordinária, pois a lei eleitoral em concreto é que define o número de deputados às assembleias legislativas regionais.
Com toda a franqueza, sem me furtar à pergunta, digo-lhe que o PSD é a favor da redução do número de deputados em qualquer uma das assembleias legislativas regionais. Mas não venho com o "fantasma" de que essa redução implica necessariamente um entorse ou prejuízo maior à proporcionalidade, pelo contrário - e o Sr. Deputado sabe-o bem.
Actualmente, existem já entorses à proporcionalidade, muito mais penalizantes na legislação eleitoral das regiões autónomas do que, por exemplo, na legislação eleitoral nacional. Independentemente de o Sr. Deputado poder olhar, por exemplo, para o parlamento regional da Madeira, actualmente com 61 Deputados, e reduzi-los em menos 10, 15 ou 20 Deputados, ainda assim pode conseguir objectivamente uma proporcionalidade maior e uma representatividade proporcional mais adequada à expressão de voto do que a actualmente existente com 61 Deputados. O problema não está aí, como o Sr. Deputado bem sabe.
Respondendo ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, relativamente à questão da querela constitucional, também lhe reafirmo apenas - com a simpatia que é mútua e agradeço - que, se não havia uma querela constitucional sobre esta matéria (e o Sr. Deputado pode chamar-lhe o que quiser), por que é que o senhor, ou mesmo o Sr. Presidente da República, resolveu empenhar-se em contribuir para a revisão constitucional neste plano?
Parece que o Sr. Presidente da República se perde com ninharias! Se, de facto, essa não era uma questão importante em termos nacionais, por que é que o Sr. Presidente da República se empenhou pessoalmente, com todas as forças políticas nacionais e com os representantes das regiões autónomas, para encontrar uma solução que pacificasse, de uma vez por todas, a matéria constitucional relativamente às regiões autónomas?!

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Voltaremos a ter oportunidade, em sede de especialidade, de voltar a falar neste assunto, por isso respondo-lhe salientando apenas essa evidência… A não ser que o Sr. Deputado entenda que o Sr. Presidente da República se entretém e perde o seu tempo com ninharias, com matérias sem relevância.
Quanto à questão da autonomia financeira, permita-me apenas corrigi-lo. Acredito piamente no que disse, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, mas não consigo recordar-me, a sete ou a oito anos de distância - essa legislação foi aprovada em 1997, mas começámos a discuti-la, como sabe, no início de 1996. Há, contudo, uma coisa de que pode ter a certeza (e até posso trazer, na próxima reunião da Comissão, as actas que o Grupo Parlamentar do PSD tem guardadas do acordo entre o PSD e o PS): tanto a alteração ao n.º 3 do 229.º como a alteração à alínea t) do 164.º, que consagraram constitucionalmente esta matéria das relações financeiras entre a República e as regiões autónomas, foram ambas propostas pelo PSD, isto é, resultaram de um acordo entre o PSD e o PS, sob proposta do PSD. Disso, não tenha qualquer dúvida!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - O Sr. Presidente, permite-me que interrompa o orador para prestar um esclarecimento?

O Sr. Presidente: - Naturalmente, Sr. Deputado.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, queria dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que apresentei a proposta quando o Presidente da então Comissão Eventual para a Revisão Constitucional ainda era o Prof. Vital Moreira. Portanto, portanto antes do acordo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como é óbvio, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não tenho memória disso. Mas não tenho dúvida alguma em pensar e dizer que foi graças a Deputados como o senhor - como bem sabe, mas não só, justiça seja feita -, incluindo outros Deputados do PS, que tinham uma visão muito mais avançada do problema das autonomias do que a generalidade da sua bancada, que foi possível dar passos importantes em 1997.
Não se resolveu o assunto de vez, e tanto assim é que estamos de novo à volta dele. De qualquer foram, em 1997 foi possível dar passos muito importantes graças a Deputados do PS, como o senhor e outros, e graças a alguns não Deputados, como o Sr. Carlos César (como bem sabe), que participou muito activamente, em particular na fase do acordo político formal que consolidou as alterações da revisão constitucional.
Portanto só me resta dizer, com toda a amizade, que, nesta matéria das regiões autónomas, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, provavelmente, estaria muito melhor sentado na bancada do PSD do que na do PS, tanto nesta como em todas as outras revisões constitucionais, porque veria melhor secundadas as suas posições relativamente às regiões autónomas. Historicamente, tem sido assim.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Vou fazer o esforço nesta bancada!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É mais útil aí!

O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, também seguindo a ordem de Deputados que intervieram neste debate, começo por responder ao Sr. Deputado Alberto Martins, que afirmou ter-me cabido uma "cruz". Ora, para quem, como eu, tem uma determinada religião, a cruz chegou a um bom fim, foi o caminho para que se chegasse a um bom fim.
Com efeito, há uma "cruz" que tem estado a ser levada, ao longo destes projectos de revisão constitucional, nos vários anos, pelo PSD e pelo CDS-PP, que têm conseguido vitórias de modernização do texto constitucional. Portanto, essa "cruz" é uma daquelas que não nos importamos nada de continuar a transportar.
O Sr. Deputado referiu que considera essencial, como base da Constituição, o Estado democrático de direito social, e nós concordamos a 100%! A base da nossa Constituição é precisamente essa e sempre o defenderemos, mas isso não pode levar a que a mesma seja imutável. Como é óbvio, um texto constitucional tem de acompanhar as alterações que se vão verificando na realidade, e esta modificou-se muito em Portugal, não só desde 1976 como desde 1982, ou desde 1989.
Ora, olhando para a história das revisões constitucionais, diria que houve grandes avanços em qualquer uma das revisões constitucionais, quer em 1982 quer em 1989, mas há uma parte da tarefa (que eu diria que não tem comparação com o que se teve de fazer em 1982 e em 1989) que ainda está por terminar. Portanto, é esta a nossa ideia de base em relação à forma como queremos participar neste processo de revisão constitucional.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que considerarei pessoalmente positiva a postura que teve perante as matérias e a apresentação que fizemos do projecto de revisão constitucional do PSD, na estrita medida em que, embora afirmando sempre que o fazia "de passagem", criou um espaço de debate que é importante.
Disse o Sr. Deputado Alberto Martins que o preâmbulo da Constituição deve ser visto como um texto histórico. Recordando a minha intervenção, eu disse precisamente o mesmo, isto é, que é um texto claramente marcado pelo contexto que se vivia naquela ocasião. Disse, aliás, recordando e bem a história constitucional, qual foi a proposta do CDS, na altura, em relação a essa matéria.
Todos nós conhecemos os condicionalismos dos constituintes, quer de natureza interna quer externa, que existiam naquela altura. E, em nossa opinião, não tem razão de ser, estar a propor uma modificação do texto do preâmbulo da Constituição - porque ou é aquele ou não é! -, mas sabendo nós a inserção que o texto preambular tem na Constituição, na medida em que não determina normas, consideramos que o preâmbulo já não está adequado às modificações introduzidas em 1982 e em 1989. Salvo erro, aliás, em 1982, foi proposto pelo CDS, e também pelo PSD, a eliminação desse texto.
Por isso, quando me referia a ideias já antigas, queria dizer que são ideias que os partidos da actual maioria têm apresentado sistematicamente, nos projectos de revisão constitucional, algumas delas com bases sólidas, assentes em estudos feitos por vários autores, como aqueles que referi na minha primeira intervenção.

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O Sr. Deputado Alberto Martins referiu que a referência ao "caminho para o socialismo" pode ser considerada como substituída por uma sociedade livre, justa e solidária. Ora, também não temos a mínima dúvida em defender que a sociedade portuguesa deva ser livre, justa e solidária, mas o que o Sr. Deputado não pode é obrigar-nos a aceitar que isso seja ou deva ser considerado sinónimo daquela referência feita no texto preambular, porque não é! E é precisamente por isso, pelo desfasamento que esse texto revela face às várias evoluções que o texto constitucional foi tendo, especialmente em 1982 e em 1989, que consideramos que o preâmbulo já não tem razão de ser.
Uma das "cruzes" - ou, talvez, a principal"cruz" - que o Sr. Deputado considerou que eu tive de trazer foi a da apresentação das propostas em relação ao senado. Em relação àquelas que foram as suas afirmações essenciais sobre a matéria, o Sr. Deputado queria que, de certa forma, houvesse uma remissão para as propostas apresentadas pela actual maioria.
Por um lado, o Sr. Deputado referiu-se à ideia dos representantes vitalícios com uma referência aristocrática. Só que, segundo o nosso projecto, os senadores de pleno direito são precisamente (e é preciso que se saiba) os antigos Presidentes da República que não hajam sido destituídos do cargo, os antigos Presidentes da Assembleia da República que tenham exercido o seu mandato por um período de uma legislatura completa, os antigos Primeiros-Ministros que tenham exercido funções pelo período mínimo de uma legislatura completa e os antigos presidentes dos governos regionais que tenham exercido as suas funções pelo período de duas legislaturas completas. Não se considera propriamente todos os cidadãos que estão afastados da política, como já alguém aqui referiu, mas sim pessoas que cumpriram determinados cargos, aliás, com base numa legitimidade directa ou indirecta, pelo voto dos portugueses.
Uma questão colocada pelos Srs. Deputados Alberto Martins e Isabel Castro, embora em termos distintos, tem a ver com a natureza das competências que estão previstas para o senado. Ora, fundamentalmente, essas competências situam-se num plano político de fiscalização em relação a outros órgãos, com poderes de pronúncia, apreciação obrigatória, exercício de iniciativa legislativa - nada do que, à primeira vista, se retira das intervenções que os Srs. Deputados aqui fizeram. São estas as competências que aqui estão em causa e que, obviamente, na especialidade, poderemos sempre aperfeiçoar, com os vários contributos que pretendam dar.
O Sr. Deputado Alberto Martins falou ainda da questão da regionalização. Essa questão levou-me, por altura do referendo - aí sim -, a carregar uma "cruz" complicada, porque sendo eu (assumo essa posição pessoalmente, não vinculando o partido) um defensor dos ideais daquilo a que chamaria uma "boa regionalização administrativa" para o nosso Estado, vi que a mesma foi verdadeiramente prejudicada por um mau projecto, na ocasião, sobre a matéria, que mereceu, por parte dos portugueses, um "chumbo" muito claro. E esse sinal não pode ser esquecido, até pela sua dimensão.
Foi precisamente por essa razão que considerámos que se deveria aligeirar todas as determinações de natureza constitucional em relação à regionalização, remetendo-as antes para a lei ordinária.
Quanto à questão dos governadores civis, o que também está em causa é a sua retirada do texto constitucional.
Não posso deixar de salientar a matéria dos prazos, porque essa preocupação já estava expressa num anteprojecto que o CDS-PP teve oportunidade de apresentar. E devo dizer que, em relação aos prazos de natureza legislativa e de natureza eleitoral, é positiva essa abertura - aliás, em nossa opinião, os trabalhos da própria Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político devem caminhar nesse sentido.
O Sr. Deputado Alberto Martins referiu, e bem, que era defensor da ética da responsabilidade, ou seja, da consideração, dentro do princípio da liberdade, da ideia de responsabilidade. Concordamos plenamente, mas isso não leva a que a mesma não possa estar expressa na Constituição! Aliás, Sr. Deputado, a primeira parte da Constituição tem o Título "Direitos e deveres fundamentais", mas se fizermos a leitura daquele conjunto de artigos que compõem essa mesma parte, constatamos que a referência à contraparte dos direitos, à importante ética da responsabilidade, quase que é esquecida. E é precisamente o que pretendemos que não suceda na Constituição.
Por fim, em relação às referências que o Sr. Deputado Alberto Martins faz dos artigos 16.º e 24.º e da questão do direito à vida, o que disse, e repito, é que não há na parte normativa, a não ser no título de um artigo constitucional, qualquer referência directa à questão do direito à vida, tal como existe em várias constituições de outros Estados da União Europeia. Portanto, essa é a modificação que também aqui propomos a nível das tarefas fundamentais do Estado.
O Sr. Deputado António Filipe referiu-se ao projecto de revisão constitucional do PSD e do CDS-PP como tendo uma carga ideológica profunda de sentido contrário. Sr. Deputado, enquanto que o Partido Comunista Português sempre foi avesso a modificações ao texto constitucional - diria até, que, por vontade do PCP, o texto bom da Constituição seria o que apareceu originalmente em 1976 -, o CDS-PP tem assumido uma postura activa em todos os projectos de revisão constitucional, naquele que tem sido um marco formado pelo PSD, pelo PS e pelo CDS-PP de modificações positivas à nossa Constituição. Temos estado entre aqueles que têm defendido essas modificações.
Tomámos uma posição inicial, numa votação final global, que teve apenas um efeito de natureza política, como sabe. O que pretendemos é que a Constituição, que é extraordinariamente longa, se possa adequar aos dias de hoje; não tem razão de ser que, em alguns aspectos, a Constituição não acompanhe a nova realidade. Custe ou não ao Partido Comunista - e custa -, a realidade modificou-se e, portanto, é natural que o texto constitucional venha acompanhar a nova realidade.
Em relação ao artigo 7.º, devo esclarecer que o dispositivo que se refere às relações internacionais tem de estar de acordo com a evolução que a própria sociedade internacional tem sofrido; tem de estar de acordo com as determinações aceites por todos os Estados, a nível do costume internacional, quanto a formas de agressão e de limitação dos direitos dos povos, o que ultrapassa em muito o colonialismo. Portanto, não faz sentido que o texto constitucional continue restrito a uma situação, deve conter uma maior abertura. Tal como não tem razão de ser o texto

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constitucional fazer uma referência directa contrária à existência dos blocos político-militares quando Portugal pertence, de pleno direito e de forma activa, a um.

O Sr. António Filipe (PCP): - Quem é que pertence ao outro?

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Desde logo, Sr. Deputado, se não há outro, para que é que se faz essa referência? Ela não tem razão de ser e o Sr. Deputado está a dar-nos razão de que a necessidade de modificação é premente nesta matéria.
Quanto aos artigos 38.º e 39.º da Constituição e à entidade administrativa independente que trata da matéria da comunicação social, mais uma vez, possivelmente, o Sr. Deputado António Filipe queria que a Constituição a regulasse até ao mais ínfimo pormenor para, depois, daqui a uns tempos, já não se enquadrar o próprio funcionamento da autoridade com o que a Constituição previa.
Propomos apenas a fixação dos seus objectivos, como se refere no n.º 1 do artigo 39.º, ou seja, a defesa da liberdade de expressão e de informação, a não concentração da titularidade dos meios de comunicação social, a sua independência face ao poder político e ao poder económico, a responsabilidade perante os direitos de personalidade e os demais direitos dos cidadãos e das instituições. Para além do mais, os aspectos de natureza meramente organizativa estão tratados no artigo 3.º.
Diria que o Sr. Deputado António Filipe tem também uma certa obsessão de natureza regulamentar quanto à questão da participação dos imigrantes nas eleições das assembleias legislativas regionais - matéria em relação à qual estou perfeitamente à-vontade, porque a primeira vez que ouvi alguém falar disso foi ao Presidente do meu partido, na Madeira, em que teve a possibilidade de convencer o seu partido nacional sobre a bondade das suas ideias. Hoje, a mesma está vertida num projecto conjunto com o Partido Social Democrata.
No entanto, não podemos ir ao pormenor de determinar, desde já, no texto constitucional como é que vai ser feito todo o exercício do direito de voto em relação às distintas situações que existem quanto a essa matéria.
Relativamente ao senado e à questão que colocou, remeto para os senadores não eleitos aquele conjunto de quatro situações que ainda há pouco pude enumerar, numa resposta dada ao Sr. Deputado Alberto Martins.
No que diz respeito à questão colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, no sentido de o senado poder vir a ser um factor desmobilizador da aproximação dos portugueses à política por funcionar como um travão ao processo legislativo, para o contrariar basta ler quais são as competências do senado - de pronúncia, de acompanhamento e de fiscalização. Em sede de especialidade, poderemos analisar esta questão e verificar que esse efeito que tanto a preocupa não ocorrerá com o aparecimento do senado.

O Sr. Presidente: - Com esta intervenção do Sr. Deputado Diogo Feio, damos por encerrada a apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 3/IX, da responsabilidade conjunta do PSD e do CDS-PP.
Antes de seguirmos em frente, queria dizer o seguinte: são 17 horas e 45 minutos e, até agora, procedemos apenas à apresentação e à discussão de três dos seis projectos de revisão constitucional. É claro que, na minha qualidade de Presidente da Comissão, me compete garantir (e assegurá-lo-ei) que os debates decorram com a necessária profundidade, democraticidade e elevação. No entanto, também não há nada que me proíba de fazer um apelo a que possamos ter uma capacidade de síntese acrescida, porque, de facto, ainda nos faltam três projectos e, tanto quanto possível, gostava que terminássemos a apresentação dos mesmos ainda hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas que constasse da acta, para que não fique a ideia errada, que a apresentação do projecto de revisão constitucional da maioria, que corresponde a dois partidos - ao maior e ao terceiro maior partidos parlamentares -, demorou tanto tempo (ou menos, ainda) como a apresentação dos projectos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas o meu comentário foi de ordem geral.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que o próximo projecto de revisão constitucional a ser apresentado é o do PCP.

O Sr. Presidente: - Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): - Terei o maior gosto em apresentá-lo, mas nada obriga a que as questões suscitadas possam conduzir a um prejuízo da apresentação dos projectos. Penso que tal não seria justo para os projectos que estão ainda por apresentar.

O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados quer pronunciar-se sobre o que acaba de ser dito?
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que não faz sentido terminarmos agora a reunião. O que fará sentido - o Sr. Presidente proporá o que entender - é estipularmos um horizonte temporal de duração da reunião, por razões evidentes - às tantas, a reunião deixa de ser produtiva!
No entanto, Sr. Presidente, penso que poderemos continuar os trabalhos até às 19 horas - pelo menos, da minha parte não há problema algum.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sugestão que faço à Comissão é a de que terminemos os nossos trabalhos por volta da 19 horas e 30 minutos. Até lá, continuaremos normalmente a reunião e veremos o que é possível fazer em termos de apresentação.
Se for possível fazer tudo sem pressionar nenhum dos apresentantes nem nenhum dos Srs. Deputados perguntantes, magnífico; se não for possível, ficará para outra altura a continuação dos nossos trabalhos e a apresentação dos restantes projectos de revisão constitucional.
Assim sendo, vamos passar à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 4/IX (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou procurar sintetizar as linhas fundamentais do projecto de revisão constitucional apresentado pelo PCP. Vou eximir-me de apresentar, uma por uma, todas as propostas, pelo que limitar-me-ei a anunciar aquelas que nos parecem ser as mais relevantes ou profundas, sem prejuízo de haver outras propostas também pertinentes, que não irei referir.
Uma primeira consideração que faço é que, do nosso ponto de vista, nada justificaria a abertura de um processo de revisão constitucional neste momento. Embora reconhecendo que há matérias importantes, designadamente a das autonomias regionais, pareceu-nos que não existia nenhuma grande questão de regime que obrigasse à abertura deste processo de revisão constitucional. Pelo contrário, se nos reportarmos às audições que fizemos no âmbito da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político a várias personalidades da vida política portuguesa, recordaremos que houve uma quase unanimidade no sentido de que não faria muito sentido a abertura de um projecto de revisão constitucional, por não haver nenhuma questão premente de regime que tivesse de ser dirimida neste momento.
Portanto, não tomámos a iniciativa deste processo de revisão constitucional, na medida em que compartilhamos a ideia de que ele não seria necessário, mas, obviamente, tendo ele sido aberto, não deixámos de apresentar o nosso projecto de revisão constitucional, incidindo nas questões que nos parecem mais pertinentes e que podem justificar algum aperfeiçoamento.
A par disso, apresentámos propostas de reposição de alguns aspectos do texto constitucional, que, do nosso ponto de vista, foram mal alterados, designadamente na revisão constitucional de 1997 e na revisão constitucional extraordinária que se lhe seguiu.
Posto isto, também quero dizer que não qualificámos o nosso projecto de revisão como minimalista. Embora não seja um projecto que tenha a preocupação de fazer propostas sobre o conjunto do texto constitucional, começando no artigo 1.º e acabando no último - não foi esse o nosso propósito -, seleccionámos um conjunto de questões sobre as quais nos pareceu pertinente apresentar propostas, sem termos a preocupação de sermos exaustivos, de apresentar propostas sobre todos os capítulos.
Tendo em conta alguma ordem de importância relativa que demos ao elenco das questões que fizemos constar do projecto de revisão constitucional que apresentámos, começo pela questão da autonomia regional, que constitui como que um aspecto central do nosso projecto.
Como tive a oportunidade de dizer há pouco, a propósito de outro projecto de revisão, entendemos que a consagração das autonomias regionais na Constituição de 1976 foi um passo de grande importância para a democratização do Estado e para a concretização da coesão económica e social. Parece-nos que, de facto, foi um grande progresso constitucional e compartilhamos a ideia de que, independentemente das críticas que tenhamos a fazer aos vários governos das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, a consagração da autonomia foi um passo de grande importância para as populações insulares, bem como um passo de grande importância na organização do Estado democrático.
Tendo em conta a experiência já decorrida, obviamente há justificação para podermos, nalguns aspectos, clarificar e, noutros, aperfeiçoar o sistema constitucional da autonomia.
Assim, relativamente à questão do Ministro da República, reconhecemos - e por isso propomos - que há que repensar a configuração constitucional do Ministro da República, desde logo porque a qualificação "Ministro" já não faz sentido, visto que os Ministros da República, na prática, já não estão a exercer funções de representação do Governo da República junto das regiões.
Aquela disposição constitucional que lhes atribuía a superintendência dos serviços do Estado na região não tem, neste momento, efectividade prática em nenhuma das regiões autónomas e, portanto, faz sentido eliminar essa vertente das funções do Ministro da República. Aliás, a própria qualificação como Ministro da República tinha que ver com uma fase em que ele participava no Conselho de Ministros. Ora, como a situação já hoje não se verifica, esta qualificação de ministro não faz sentido.
Do nosso ponto de vista, o que faz sentido é manter uma representação da República em cada uma das regiões autónomas, através da figura de um representante especial da República - que nós vemos como boa, pelo que adoptámos também no nosso projecto de revisão constitucional a figura de representante especial da República, que foi introduzida no projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, sendo que estamos abertos a discutir uma designação que possa ser considerada mais feliz, embora esta não nos pareça má -, que deverá ser nomeado e exonerado pelo Presidente da República, com a audição do Governo, do Conselho de Estado e das assembleias legislativas regionais.
Portanto, repito, pensamos que a própria escolha deve ser da responsabilidade do Presidente da República e não depender de uma proposta governamental, embora, obviamente, o Governo deva ser ouvido, como ouvido deve ser o Conselho de Estado e as assembleias legislativas regionais. Mas deve ser o próprio Presidente da República a escolher a personalidade sobre quem deve recair esta incumbência de representar a República na região. Esse representante deve manter as funções de fiscalização da constitucionalidade no processo legislativo regional, que, aliás, competem hoje ao Ministro da República.
Por outro lado, ainda em matéria de autonomias regionais, propomos que os regimes de incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas sejam equiparados aos que vigoram para os órgãos de soberania e que não haja regimes de incompatibilidades e impedimentos diferenciados, conforme se trate, por exemplo, de Deputados da Assembleia da República e de Deputados a cada uma das assembleias legislativas regionais.
Nos Açores existe uma situação de equiparação, aliás proposta e assumida na própria região autónoma - creio que o Estatuto da Região Autónoma equipara o regime de incompatibilidades e impedimentos aos que vigoram para os órgãos de soberania da República -, o que não acontece na Madeira. Assim sendo, era bom que existisse um regime de incompatibilidades e impedimentos que fosse constitucionalmente equiparado nas duas regiões autónomas, para eliminar as disparidades que presentemente se verificam e que, de facto, não fazem sentido, não têm justificação.
Uma terceira ordem de propostas em matéria de autonomia regional diz respeito ao poder de dissolução da assembleia

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legislativa regional. Não se trata, como a Constituição refere - e a nosso ver mal - da dissolução dos órgãos de Governo próprio das regiões, porque o único órgão que pode ser dissolvido, em rigor, é a assembleia legislativa - o governo pode ser demitido, o governo não se dissolve, não é essa a terminologia que a nossa vida política tem consagrado. Nós propomos que se acabe com a dissolução/sanção prevista presentemente na Constituição, que não faz sentido, e segundo a qual os órgãos de governo próprio das regiões podem ser dissolvidos caso pratiquem actos graves, contrários à Constituição.
Esta previsão de uma dissolução/sanção é, no mínimo, infeliz e inadequada, pois o Presidente da República não deve ser uma espécie de polícia, existem outros mecanismos para fazer valer o cumprimento da Constituição.
Portanto, essa sanção deve ser arredada e o que deve existir é um poder normal de dissolução, tal como existe em relação à Assembleia da República, isto é, caso a Assembleia da República não consiga formar uma solução governativa, o Presidente da República dissolve-a e convoca eleições, e deve ser esse o regime para as regiões autónomas. Assim, caso se verifique que na assembleia legislativa regional há uma situação de impasse, uma incapacidade para formar governo, ela deve ser dissolvida e convocadas novas eleições, permanecendo o governo regional em gestão, e esse deve ser um regime normal.
Só por sorte não fomos ainda confrontados com uma situação de impasse, que seria difícil de resolver. Pelo menos o texto constitucional, tal como está, não dá a solução. E é bom que dê.
Finalmente, ainda sobre as regiões autónomas, coloca-se a questão da clarificação das competências legislativas atribuídas aos seus órgãos próprios. Nós propomos que seja eliminada a qualificação de "leis gerais da República". Actualmente, como já foi dito repetidamente esta manhã, as competências legislativas das assembleias legislativas regionais dependem da conformidade com os princípios gerais das leis gerais da República, o que, de facto, é um conceito que não é fácil de precisar, para além de se verificar outro facto, que já tive a oportunidade de aludir de manhã, o de a expressão "para valer como lei geral da República" se tenha consagrado como expressão tabeliónica de aprovação das leis, sem cuidar de verificar se aquela lei em concreto deve ou não ser qualificada como lei geral da República. Passou a ser qualificada por sistema, o que, de facto, cria um problema.
Do nosso ponto de vista, uma forma de procurar uma aproximação à clarificação das competências legislativas das regiões autónomas deve passar, desde logo, pela exclusão das matérias que sejam da competência própria dos órgãos de soberania. E, neste caso, estamos a referir-nos à reserva de competência absoluta e à reserva de competência relativa da Assembleia da República, que devem ser salvaguardadas para a Assembleia da República, sem prejuízo de a Assembleia da República poder não reservar a competência regulamentar das leis sobre essas matérias e, logo, poder haver aí uma possibilidade de desenvolvimento em função do interesse específico da região autónoma.
Por outro lado, o mesmo deve ser dito relativamente às leis de valor reforçado. Do nosso ponto de vista, em matérias que sejam objecto de leis de valor reforçado deve prevalecer a competência própria da Assembleia da República e não haver uma competência concorrencial.
Em tudo o mais entendemos que, havendo um interesse específico que a região possa invocar, a assembleia legislativa regional deve ser plenamente competente para legislar sobre essas matérias.
Como disse, é uma tentativa de aproximação. De facto, interessa procurar clarificar a competência das assembleias legislativas regionais, mas, a nosso ver, essa clarificação deve ser feita no sentido de procurar ampliar a competência legislativa própria das regiões autónomas. Não se trata de uma tentativa de clarificação num sentido desfavorável à autonomia legislativa, mas, pelo contrário, a nossa ideia é que há uma margem de ampliação da autonomia legislativa regional, desde que ela seja clara.
Com isto, termino a minha exposição, relativamente à matéria da autonomia legislativa regional.
Uma segunda ordem de propostas que fazemos diz respeito aos poderes do Presidente da República.
Já referi, a propósito das regiões autónomas, uma margem de ampliação dos poderes presidenciais que propomos, que tem a ver com os poderes de dissolução das assembleias legislativas regionais, em termos normais, e com o poder de nomeação dos representantes especiais da República mediante escolha própria e não sob proposta governamental.
Parece-nos que faz sentido reforçar os poderes presidenciais em mais algumas matérias. Desde logo, em matéria do Sistema de Informações da República Portuguesa. Uma das questões que foi suscitada nas audições da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, se me lembro, designadamente pelo Prof. Adriano Moreira, tinha a ver com o acesso do Presidente da República ao controlo do Sistema de Informações da República Portuguesa. Do nosso ponto de vista, faz todo o sentido que Presidente da República possa presidir ao órgão de coordenação dos serviços de informações, neste caso, ao Conselho Superior de Informações, e que seja conferido ao Presidente da República o poder de nomeação e de exoneração dos directores dos serviços de informações. Não faz sentido que, com os poderes constitucionais que o Presidente da República tem - pelo menos, em termos nominais -, de comando supremo das Forças Armadas e de representação externa da República, o Presidente da República seja completamente arredado de qualquer possibilidade de controlo directo sobre o funcionamento dos serviços de informações da República, pelo que, do nosso ponto de vista, isso deveria ser corrigido.
Por outro lado, entendemos também que, sendo o Presidente da República o Comandante Supremo das Forças Armadas, não faz sentido que as Forças Armadas Portuguesas possam ser envolvidas em missões exteriores ao território nacional, sem que haja uma autorização expressa do Presidente da República quanto a essa participação. Sendo que, se a opção do Estado português for a de fazer participar em missões fora do território nacional não propriamente as Forças Armadas mas forças de segurança, isso não deve poder funcionar como uma forma de arredar os poderes presidenciais e que, nesse caso, também aí, a autorização presidencial deveria ser exigida e expressa.
Relativamente à Assembleia da República, também propomos alguma valorização e algum alargamento de poderes deste órgão de soberania, designadamente algum alargamento do âmbito da reserva absoluta de competência legislativa, passando algumas matérias da reserva relativa para a reserva absoluta. Mas entendemos que, em matéria

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de intervenção em assuntos europeus, em assuntos em discussão ou pendentes de decisão em instituições da União Europeia, se deveria conferir um maior protagonismo e um maior poder de decisão ao Parlamento nacional.
De alguma forma, seguindo o exemplo de parlamentos de outros países da União Europeia, que têm uma intervenção muito mais efectiva nestas questões, entendemos que o Parlamento deveria ter poderes de vinculação do Governo português nas instituições comunitárias a determinadas posições, designadamente àquelas que estejam no âmbito das competências próprias da Assembleia da República. Entendemos que matérias que estejam em discussão no âmbito da União Europeia, sobre as quais o Governo português vai ter de tomar posição nesse âmbito, devem ser previamente apreciadas pelo Parlamento português, que deve haver uma emissão de parecer por parte das comissões competentes em razão da matéria e que o conteúdo desse parecer deve vincular o Governo português na posição que tome junto das instituições comunitárias. Isto é, não se trata de procurar aquilo que não era possível, que era o Parlamento português vincular as instituições comunitárias a uma determinada decisão; agora, deve vincular a posição que o Governo português vai tomar perante esses actos em discussão na União Europeia. Isto não é nada de inédito, soluções semelhantes existem em alguns outros países da União Europeia, que dão uma importância muito grande ao acompanhamento parlamentar dos assuntos europeus.
Propomos ainda que a Assembleia tenha competência para a aprovação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional e não apenas para a discussão sobre o mesmo, o qual, como se sabe, é discutido na Assembleia da República, mas é aprovado em Conselho de Ministros. Portanto, do nosso ponto de vista, não faz sentido que, havendo uma discussão parlamentar, a aprovação não seja também uma aprovação parlamentar, embora obviamente sujeita a proposta governamental.
Por outro lado, propomos algum aperfeiçoamento do regime de apreciação parlamentar de actos legislativos, por forma a permitir que haja a possibilidade de suspensão de vigência do decreto-lei a apreciar em termos mais amplos e não apenas nos termos restritos em que esse poder actualmente existe, que se restringe aos decretos-leis que tenham sido aprovados na decorrência de autorizações legislativas.
Relativamente à lei eleitoral para a Assembleia da República, uma das outras matérias sobre a qual apresentamos propostas, o PCP considera fundamental a manutenção de um sistema de representação proporcional. Nesse sentido, pronunciamo-nos contrários à existência de círculos uninominais, cuja eliminação do texto constitucional propomos, e, por outro lado, pensamos que a Constituição não deve fixar-se na obrigatoriedade da utilização do método de Hondt. Isto é, como se sabe, o método de Hondt é, dentro dos sistemas proporcionais, o menos proporcional; existem sistemas de representação proporcional, ou seja, existem métodos de conversão de votos em mandatos, dentro do sistema proporcional, que garantem uma muito maior proporcionalidade do que o método de Hondt.
Assim sendo, valeria a pena discutir este aspecto. Pensamos que se deve manter um sistema de representação proporcional de adopção obrigatória, mas que vale a pena discutir qual é o sistema de representação proporcional mais justo, dentro dos vários sistemas possíveis, e temos a ideia de que a fixação do método de Hondt não é a melhor solução.
Por outro lado, pronunciamo-nos contra a redução do número de Deputados para além dos 230, pelo que propomos que haja uma fixação em 230 do número de Deputados.
Em matéria de referendo, consideramos que deve ser adoptada uma formulação constitucional que permita referendar em concreto tratados subscritos por Portugal no âmbito da União Europeia; e que a formulação vaga, actualmente existente, de que são referendáveis questões relacionadas com a participação de Portugal na União Europeia, deve ser substituída por uma formulação constitucional que seja clara e permita claramente referendar a vinculação ou não de Portugal concretamente a um novo tratado que seja celebrado no âmbito da União Europeia e que altere os tratados presentemente em vigor.
Abreviando, relativamente a outras questões, que, por serem pertinentes, ainda queria mencionar nesta primeira apresentação, vou referir-me ao estatuto constitucional dos cidadãos estrangeiros.
Parece-nos que deveria clarificar-se o princípio da não discriminação de cidadãos estrangeiros no acesso à função pública, de uma forma que, aliás, a jurisprudência portuguesa tem vindo a aplicar, confrontada com situações em que cidadãos estrangeiros são impedidos de aceder à função pública em Portugal, mesmo para funções auxiliares.
Há um caso muito típico de pessoas que foram impedidas de exercer serviços de limpeza em escolas públicas, por se entender que a legislação portuguesa ainda consagra o exclusivo dos portugueses no acesso à função pública, quando a jurisprudência portuguesa já se pronunciou no sentido de que esse exclusivo para os cidadãos nacionais diz respeito apenas às funções públicas que envolvam poderes de autoridade. Portanto, ganharíamos em clarificar isso na Constituição e adoptar precisamente essa formulação.
Mas há uma outra questão, que já foi aqui aflorada de manhã e que diz respeito aos direitos políticos dos cidadãos estrangeiros. Entendemos que faz sentido que, nas eleições locais, o Estado português decida a quem quer atribuir capacidade eleitoral, independentemente de qualquer reciprocidade.
Não entendemos que esta questão dos direitos políticos dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal - e, quando digo residentes, refiro-me obviamente àqueles que tenham autorização de residência - seja uma questão entre Estados mas, sim, uma questão da relação que o Estado português quer ter com os cidadãos que residam em Portugal.
Portanto, não nos choca nada que aos cidadãos que residem em Portugal há vários anos, que estão inseridos na comunidade nacional e que naturalmente têm uma palavra a dizer em matéria da gestão das comunidades locais, o Estado português decida unilateralmente atribuir-lhes capacidade eleitoral, independentemente da situação que exista no seu país de origem. Isto é, um cidadão que reside em Portugal e está cá inserido não tem culpa de que no país de onde é originário não haja eleições autárquicas ou, se houver, os portugueses não tenham aí direito de voto. Creio que fazer depender disso a atribuição de capacidade eleitoral a esse cidadão, em Portugal, não é justo - não é justo e não é bom para Portugal.

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Em suma, defendemos este direito não deve depender da reciprocidade.
Por exemplo, um cidadão angolano que viva há muitos anos em Portugal, não tem capacidade em Portugal, porque, até à data, não houve eleições autárquicas em Angola e, portanto, não houve reciprocidade possível. Mas um cidadão cabo-verdiano já vota em Portugal, porque, em Cabo Verde, os portugueses votam e há eleições autárquicas. Ora, não nos parece que seja razoável esta disparidade de regimes; o que deve relevar para o Estado português é o grau de inserção desses cidadãos na comunidade nacional e não tanto critérios que são ditados por um relacionamento interestadual.
Também relativamente aos estrangeiros, em matéria de extradição, entendemos que, em Portugal, não deve ser permitida a extradição de cidadãos portugueses - esta foi uma das matérias alteradas, do nosso ponto de vista mal, em anterior revisão constitucional. Portanto, a maioria dos Estados continua a não extraditar os seus nacionais e creio que Portugal deveria manter-se assim. Por outro lado, Portugal não deve extraditar cidadãos que corram o risco de lhes ser aplicada prisão perpétua, sendo que deveria haver uma disposição constitucional expressa no sentido de garantir o julgamento, em Portugal, de cidadãos que se encontrem nessas circunstâncias. Não se trata aqui de criar nenhum regime de impunidade, de fazer com que cidadãos nestas circunstâncias fiquem impunes em Portugal; trata-se de garantir que os tribunais portugueses sejam competentes para proceder ao julgamento nesses casos.
Relativamente às regiões administrativas, propomos que haja uma supressão da obrigatoriedade do referendo sobre as regiões administrativas, o que não significa eliminar a possibilidade de referendar a instituição das regiões administrativas em concreto. Do que se trata é de eliminar o carácter obrigatório deste referendo. Isto é, nós admitimos que possa haver referendo, como nas outras matérias, se se decidir que deve haver referendo. Este é o único caso de referendo obrigatório na Constituição portuguesa e, pela nossa parte, julgamos que ele devia ser remetido para o regime normal do referendo: pode haver referendo ou pode não haver referendo, a Assembleia pode decidir instituir em concreto as regiões administrativas sem proceder a qualquer referendo, se for esse o entendimento na altura.
Finalmente, em matéria de autarquias locais, pensamos que, em 1997, se andou mal, deixando em aberto a possibilidade de definir o sistema eleitoral e o regime de órgãos das autarquias locais para a lei ordinária, embora aprovada por maioria de dois terços. Deve ser a Constituição a definir o regime de órgãos existente nas autarquias locais e a sua forma de eleição e, nesse sentido, pronunciamo-nos a favor da manutenção da eleição directa das câmaras municipais e da possibilidade de representação das minorias nos próprios executivos municipais. A Constituição deixou essa questão em aberto e nós pensamos que deveria ficar definida, tal como estava antes da revisão constitucional de 1997.
São estas as linhas fundamentais do nosso projecto.
Existe um conjunto de questões mais de pormenor cuja alteração propomos, mas nesta fase de apresentação, na generalidade, dispensava-me de elencá-lo. Contudo, se algum dos Srs. Deputado já tiver lido o preâmbulo ou o próprio projecto e quiser colocar alguma pergunta sobre alguma dessas questões, estaremos inteiramente disponíveis para prestar qualquer esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, numa apreciação de natureza genérica, deixe-me dizer-lhe que, ao ouvir a apresentação que fez, fiquei com a impressão - de resto, já tinha ficado um pouco com essa impressão ao ler, o que fiz atentamente, quer o preâmbulo quer o texto integral do projecto de revisão constitucional do PCP - de que o PCP tem uma visão curiosa daquilo que entende ser um partido progressista, de que se arroga.
Quer dizer, penso que os senhores são um partido progressista que progride alegremente para o passado, porque grande parte das propostas que o Partido Comunista apresenta no projecto de revisão constitucional são um regresso ao passado; um conjunto muitíssimo vasto, digamos que uma parte muito relevante do projecto de revisão constitucional do PCP, pura e simplesmente, contém a proposta de voltar atrás relativamente ao texto constitucional, de rever, no sentido de revogar, as evoluções constitucionais que tiveram lugar nas últimas revisões, de repristinar um passado de que, eventualmente, o Partido Comunista, legitimamente, em termos políticos, está saudoso. Contudo, com toda a franqueza, um partido progressista progredir para o passado parece-me um pouco…
Uma outra nota, em termos genéricos, é a de que também há uma parte muito relevante do vosso projecto aonde perpassa, com bastante nitidez, uma vocação clara do Partido Comunista para partido de oposição eterno. Ou seja, parece que os senhores perderam a ambição de um dia poderem chegar ao poder, seja com o Partido Socialista ou com qualquer outro, e em vez de tentarem criar condições, na Constituição da República, para haver uma efectiva separação de poderes entre os órgãos de soberania e permitir que cada um preencha as suas obrigações constitucionais na lógica da separação e interdependência de órgãos, em vez de acentuarem, por exemplo, a função fiscalizadora da Assembleia da República, preocupam-se em acentuar uma função bloqueadora da Assembleia da República, relativamente ao funcionamento de outros órgãos de soberania. E posso dar-lhe inúmeros exemplos concretos dessa situação, que existem no vosso projecto.
Até agora fiz uma crítica de natureza genérica, mas também vou apresentar algumas saudações gratas, da minha parte e da do PSD.
Em primeiro lugar (não sei se o senhor referiu exactamente esse aspecto, mas eu relevei-o desde a primeira leitura que fiz do vosso projecto), quero saudar vivamente a vossa proposta de que o presidente da câmara passe a ter uma eleição directa. Como sabe, essa é uma proposta que o PSD vem fazendo, há muito tempo, e que saudamos, claramente.

Protestos do PCP.

Peço desculpa, mas foi isso que li no vosso projecto. Então, depois, os senhores terão oportunidade de me esclarecer ou corrigir, mas o que propõem é o seguinte: "A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município eleito pelos cidadãos eleitores, tendo por presidente o primeiro candidato da lista mais votada". Para mim, isto corresponde à proposta que o PSD sempre apresentou, é a confirmação da eleição directa do presidente de câmara.

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Ou seja, o presidente de câmara tem de ser, necessariamente, o primeiro candidato da lista mais votada e não pode ser substituído, não pode ser outro.
Que me recorde, no passado, não era essa a posição tradicional do Partido Comunista, mas saúdo-a vivamente e sem qualquer reserva, porque vai muito ao encontro do princípio municipalista que o PSD sempre teve relativamente à figura do presidente de câmara, que o PCP, no passado, nas revisões constitucionais anteriores, reiteradamente chumbou e a que se opôs.
Portanto, saúdo, com toda a franqueza, e sem qualquer reserva mental, esta evolução da parte do Partido Comunista, como saúdo (embora aí mais no plano pessoal do que partidário, e reconheço, desde já, com toda a lealdade, que é uma matéria sobre a qual a maioria terá de conversar internamente, para tomar uma posição definitiva), à partida, a vossa proposta de retirar da consagração constitucional a obrigatoriedade de utilização do método de Hondt, porque o PSD também já o propôs várias vezes em anteriores revisões.
Não nos parece minimamente que o sistema de representação proporcional, esse, sim, pedra basilar da estrutura do sistema político português, tenha que rever-se ad aeternum no método de Hondt, ainda por cima quando sabemos que este não favorece particularmente a existência de rigor na proporcionalidade, nomeadamente numa situação consolidada, em termos geopolíticos ("geo" em termos de geometria, e não de geografia), de geometria das forças políticas, como a que existe em Portugal, que assenta basicamente em quatro grandes partidos fundadores da democracia, desde o 25 de Abril, que mantêm uma permanência de representação parlamentar e aonde se tem demonstrado, crescentemente, que o método de Hondt leva a entorses cada vez mais acentuados.
Portanto, com toda a franqueza e lealdade, também me parece ser de saudar - embora lhe diga que não é uma posição que o meu partido e a maioria já tenham debatido internamente - esta vossa abertura, para que, mantendo-se, obviamente, porque percebi isso das suas palavras, o princípio da representação proporcional, as leis eleitorais possam avançar para esquemas de representatividade talvez mais adequados a essa mesma proporcionalidade.
Passo a colocar-lhe algumas questões concretas, que, a não ser que estivesse distraído, o senhor não teve oportunidade de avançar.
Os senhores propõem uma alteração ao artigo 285.º, relativamente à iniciativa de revisão, e, com franqueza, não percebo qual o seu alcance exacto. No fundo, o que os senhores fazem, se bem percebo, é acabar com o prazo peremptório de 30 dias, que actualmente se abre aquando da apresentação de uma iniciativa; os senhores acabam com esse prazo, remetendo a definição do mesmo para uma deliberação da Assembleia da República.
A questão que lhe deixo é esta: com toda a franqueza, não considera que essa é uma forma desproporcionada de colocar nas mãos de uma maioria conjuntural da Assembleia da República o processo de revisão?
Dito por outras palavras: deixando de haver um prazo peremptório na Constituição para se iniciar o processo de revisão constitucional, qualquer que seja a maioria conjuntural na Assembleia da República, ela tem sempre instrumentos para obviar o início, a abertura prática dessa revisão constitucional, pura e simplesmente, por exemplo, pela definição de um prazo de um, dois ou três anos. Quer dizer, se está na discricionariedade, na arbitrariedade da maioria decidir sobre isso, ela pode "atirar para as calendas" a revisão constitucional e assim, objectivamente, inviabilizar o processo de revisão, o que, a ser concretizado, me parece muito pouco adequado.
Quanto à questão das autonomias, também quero fazer uma saudação clara - e permita-me fazer uma confissão pessoal.
Se me perguntassem, há uns meses atrás, diria que nunca esperaria ouvir o PCP a defender propostas como as que agora surge convictamente a defender, mas também vos digo, com toda a sinceridade, que sejam bem-vindos. É uma saudação e um aplauso genuíno e sincero da nossa parte, sendo certo, obviamente, que os senhores mantêm algumas diferenças e, ainda, reservas políticas relativamente a algumas soluções, que, depois, abordaremos na especialidade.
Queria colocar uma questão, que já foi tratada hoje, quer a propósito do projecto do Partido Socialista ou do Bloco de Esquerda, da parte da manhã (não me recordo), quer a propósito do projecto da maioria, no início dos nossos trabalhos, da parte tarde, que tem que ver com as autorizações legislativas.
Já esta manhã ouvi o Sr. Deputado, penso que quando comentou o projecto do Partido Socialista, dizer algo com que concordo (aí temos uma posição perfeitamente convergente): o que está na actual Constituição, relativamente às autorizações legislativas para as assembleias regionais, é uma inutilidade total, não serve rigorosamente para nada, não só a prática o demonstra como qualquer leitor atento percebe isso. Portanto, há que abandonar aquele modelo. Ora, até aí estamos completamente de acordo.
O que lhe pergunto é se não pensa que não se deve fazer apenas o que o PCP propõe, que é, reconhecendo a inutilidade dessas autorizações legislativas, retirá-las pura e simplesmente da Constituição sem as substituir por nada. E queria colocar-lhe essa questão, confrontando-o com situações concretas, porque, do meu ponto de vista, deve retirar-se o que está previsto na Constituição e acrescentar um princípio de verdadeiras autorizações legislativas.
As autorizações legislativas, como sabemos, só podem incidir sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República e, olhando para o elenco dessas matérias, posso dar-lhe vários exemplos.
Faz ou não sentido a Assembleia da República conceder uma autorização legislativa, com definição clara da extensão, do objecto e do sentido, conforme está no regime das autorizações legislativas, sobre, por exemplo, o arrendamento rural?
Do meu ponto de vista, faz todo o sentido que o arrendamento rural tenha especificidades perfeitamente singulares nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira, quer relativamente ao que se passa no Continente quer relativamente a que se passa numa e noutra região. Portanto, se houver um pedido de autorização legislativa, definido que seja pela Assembleia da República o sentido, o objecto e a extensão dessa autorização, do meu ponto de vista, faz todo o sentido que haja uma autorização legislativa sobre essa matéria.
O mesmo se poderá dizer, por exemplo, sobre as bases da política agrícola, as bases do urbanismo - o urbanismo nas ilhas, principalmente nas pequeninas, talvez tenha preocupações e objectivos diferentes dos que tem no território continental - e o próprio regime geral de requisição

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e expropriações. Quer dizer, a realidade insular, se calhar, pode justificar um tratamento diferenciado dessas matérias.
Isto para lhe dar apenas alguns exemplos.
Já estamos em sintonia relativamente à inutilidade do mecanismo de pseudo-autorização legislativa que actualmente está no texto constitucional e que não é nenhuma autorização legislativa. Portanto, concordamos que o devemos "deitar fora".
Por conseguinte, pergunto se os senhores não ponderam verificar se vale ou não a pena, em sua substituição, em vez de criar um vazio, colocar a possibilidade de uma autorização legislativa, que estará sempre na disposição política e legislativa da Assembleia da República, que é o órgão que define os termos em que aprova, o modo como aprova e como quer as alterações legislativas. Com toda a franqueza, olhando para o elenco das matérias da reserva relativa, parece-me que isso poderá fazer todo o sentido.
Por último, quero fazer uma consideração relativamente à matéria dos poderes presidenciais mas, antes, deixo uma pequena nota só para lhe dizer que, objectivamente, considero interessante a vossa proposta de alargar as competências de acompanhamento da Assembleia da República, em matéria de envolvimento de contingentes militares no estrangeiro, aos contingentes de forças militarizadas.
De resto, o Sr. Deputado bem se recorda do objectivo com que se inovou nesta matéria, na revisão de 1997, o qual teve a ver, digamos, com as novas formas emergentes do Direito internacional que apontavam para o desenvolvimento de acções humanitárias, da parte de vários Estados, nomeadamente de Portugal, com o envolvimento ou não de forças militares. Tem vindo a demonstrar-se nestes últimos anos de aplicação prática deste novo percurso do Direito Internacional que, muitas vezes, o envolvimento pode não ser de forças estritamente militares, podem, com vantagem, como acontece na Bósnia, como aconteceu em Timor, como está a acontecer, neste momento, no Iraque, ser envolvidas forças de segurança e não estritamente contingentes das Forças Armadas. Portanto, é uma realidade que está no terreno e vale a pena olharmos para ela, pelo que também vejo com algum interesse essa ponderação.
Finalmente, coloco-lhe uma questão relativamente a um dos novos poderes presidenciais que o Sr. Deputado aqui apresentou, porque, com toda a franqueza, não consigo perceber o alcance da vossa proposta.
Os senhores colocam na dependência do Presidente da República a coordenação do SIRP, do Sistema de Informações da República. Porquê? Não percebo, pelo seguinte: se o Sr. Deputado atribui ao Presidente da República a coordenação do SIRP, é evidente que, tendo a Assembleia da República a competência de fiscalização e de acompanhamento do funcionamento do SIRP, ele terá sempre de a ter. Aliás, o Sr. Deputado não propõe outra coisa nem poderia propor, como é óbvio, de hoje a amanhã, havendo um problema de funcionamento no SIRP, poderemos ter uma convocação do Presidente da República para vir a uma audição parlamentar. Ou, então, em abstracto, pretende dizer-se que esta competência em que o Sr. Presidente da República fica investido é apenas, passo a expressão, de "corta-fitas" ou, melhor, neste caso, de "abre-reuniões" do conselho de coordenação do SIRP.
É que, de duas uma: ou se pretende que ele tenha, efectivamente, responsabilidades de coordenação do SIRP, e responsabilidades políticas, mas, se assim é, é evidente que, depois, fica sob o crivo da fiscalização política da Assembleia da República, porque a Assembleia nunca se poderá demitir de fiscalizar um órgão tão importante em matéria de direitos, liberdades e garantias, e ficamos num impasse, ou não se pretende.
No plano das grandes linhas do vosso projecto, são estas as questões que queria colocar. Quanto às demais matérias, teremos oportunidade de as discutir com mais pormenor em sede de especialidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Filipe começou por dizer que não qualificava o projecto de revisão constitucional aqui apresentado pelo PCP nem como maximalista nem como minimalista. Devo dizer-lhe que, independentemente do facto de ser maximalista ou minimalista, ele contém aspectos que são completamente contrários àqueles que consideramos deverem ser a base de um texto constitucional. E vamos tratar alguns desses pontos em concreto, como, por exemplo, o que é determinado num possível artigo 16.º-A.
Ainda há pouco, em diálogo que pude estabelecer com o Sr. Deputado Alberto Martins, ficou claríssimo que há uma aceitação de uma ética de responsabilidade, há uma aceitação em relação ao contraponto e à inclusão dentro da liberdade de uma ideia de responsabilidade e, naturalmente, julgo eu, uma ideia de dever. Os senhores vêm apresentar-nos, de acordo com a interpretação que se pode fazer do artigo 16.º-A - e quero, aliás, que o confirme ou não -, uma visão restritiva da consideração dos deveres, isto é, precisamente o contrário à tal cultura de responsabilidade, com inclusão de uma parte na Constituição, no que se refere a direitos e deveres fundamentais e, de uma forma positiva, com uma abertura clara em relação aos direitos.
Os senhores vêm consagrar, especificamente, no vosso projecto de revisão constitucional, um artigo que, quanto aos deveres fundamentais e à possibilidade de a lei os poder criar, é de natureza restritiva. É que uma lei que criasse deveres contra a Constituição seria, desde logo e sem mais, sem necessidade deste artigo, inconstitucional. Portanto, não se compreende bem a razão pela qual pretendem a previsão deste artigo 16.º-A.
Por outro lado, também assumem, e o Sr. Deputado foi claríssimo nessa matéria, quanto a algumas evoluções que se foram fazendo no texto constitucional, contra as quais os senhores se posicionam, soluções de sentido completamente contrário. Refiro-me, por exemplo, ao n.º 3 do artigo 34.º, com a limitação da entrada à noite no domicilio de qualquer pessoa pela questão do consentimento, sem que se preveja o que foi um consenso claro do último processo de revisão constitucional quanto a situações que são excepcionais.
Depois, também não compreendo qual o papel que pretendem dar à Comissão Nacional de Eleições, quando a referem, ao nível do seu papel essencial, com uma competência de superintendência da administração eleitoral. O que é que pretendem aqui incluir? Pretendem incluir matérias que já, claramente, por via da lei, foram retiradas da competência da Comissão Nacional de Eleições? Será que é a admissibilidade, por via constitucional, de um caminho

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completamente contrário a um consenso relativamente amplo que se pôde encontrar nesta Assembleia, quanto a estas matérias?
Mas, Sr. Deputado António Filipe, quero também fazer alguns comentários a um plano mais institucional do projecto que o Partido Comunista Português apresenta e dizer-lhe que, quanto à matéria de acompanhamento pela Assembleia da República dos actos da União Europeia, o CDS-PP teve já oportunidade de apresentar uma iniciativa de natureza legislativa sobre a mesma. Mas, seguindo a solução que o PCP aqui traz - e pude ler uma competência específica e especial da Assembleia da República em relação a todas as matérias que sejam da sua competência reservada, isto é, da competência reservada absoluta e relativa, ou seja, matérias que incluem, desde logo, tudo aquilo que seja determinado pela União Europeia quanto a direitos, liberdades e garantias, a sistema fiscal, etc. -, a certa altura, este excesso de acompanhamento pode levar a um "travão" da participação portuguesa no processo da União Europeia. É claro que o acompanhamento deve ser feito mas é preciso determinar bem quais os limites que devem existir.
Em relação ao que deve ser o relacionamento Assembleia da República/Governo, parece-nos, de certa forma, excessivo o que está previsto neste projecto relativamente às matérias de competência relativa e de competência absoluta da Assembleia da República. É que o que os senhores aqui fazem é, claramente, aumentar as matérias de reserva absoluta da Assembleia da República, passando-as de um lado para o outro.
Veja-se que passaria a ser tratada apenas pela Assembleia da República, sem hipótese alguma de autorização legislativa ao Governo, a matéria de criação de impostos, regime de taxas e sistema fiscal, ou seja, só a Assembleia da República é que poderia determinar as soluções definitivas em relação a esta matéria e nunca poderia haver uma autorização legislativa ao Governo, o Governo não teria qualquer possibilidade de intervenção na fase de aprovação destas matérias.
Por isso, gostava de saber qual a ideia subjacente a esta solução que o Partido Comunista nos apresenta. Parece, evidentemente, que se trata de uma ideia de bloqueio que, aliás, o Partido Comunista tem assumido, e já hoje aqui o disse, em relação aos processos de revisão constitucional.
O Partido Comunista gostaria que o texto constitucional estivesse numa redacção bem mais próxima do seu texto inicial e é por isso que também não se entende muito bem, quanto à iniciativa de revisão, qual a razão porque consideram que, a partir do momento em que seja apresentado um projecto de revisão constitucional, a própria Assembleia da República tenha de deliberar sobre o início do processo, quando o processo se deve iniciar pelo poder próprio dos representantes eleitos do povo, contando-se, portanto, automaticamente, a partir dessa apresentação, o prazo de um mês. Não se compreende, pois, qual a razão de ainda ser necessário a Assembleia da República deliberar sobre o início do processo. É algo que gostaríamos de perceber. A ideia que me parece resultar desse entendimento é a de que a Assembleia da República, a partir do momento em que haja um Deputado que apresente um projecto, possa travar um processo de revisão constitucional. É esta a ideia do Partido Comunista quanto a esta matéria?!
Por fim, a inconstitucionalidade dos actos políticos representa uma modificação em relação a tudo o que é doutrina assente quanto a esta matéria. Se aquela que é, e tem sido, a preocupação, desde logo, do Tribunal Constitucional e da doutrina é a determinação do que cabe dentro do conceito de lei, a determinação do que é um acto de natureza normativa, por que razão é que os senhores querem a previsão específica da inconstitucionalidade em relação a actos políticos?!
A pergunta que faço vai no sentido de saber se a ideia é, tal como acontece em grande parte das leis que são mais reformistas, podermos estar, constantemente, a discutir a constitucionalidade de actos políticos que também sejam mais reformistas. Gostava de saber se é este o objectivo do Partido Comunista com a apresentação de propostas como esta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve e, manifestando, mais uma vez, a minha vocação "triádica" relativamente às matérias da revisão constitucional, quero afirmar uma convergência, deixar uma nota e fazer um pedido de esclarecimentos.
A convergência que quero afirmar é a relativa à questão das autonomias regionais. Creio que, depois da exposição e da leitura do texto apresentado pelo PCP, há uma margem muito grande de convergência e de ponto de encontro possível entre a generalidade dos projectos, designadamente entre o projecto apresentado pelo PCP e aquele que nós temos, igualmente, presente. Mas creio que há um caminho de convergência mais generalizado que, aliás, pode e deve ser preenchido.
A nota que quero deixar, e creio que isto será objecto de discussão na especialidade, tem a ver com a reiterada questão da competência legislativa autorizada.
Esta competência foi introduzida em 1989 com o objectivo de permitir às regiões autónomas legislar, em casos especiais, contra as leis gerais da República e, posteriormente, em 1997, contra os princípios fundamentais das leis gerais da República. Essa faculdade nunca foi utilizada pelas assembleias legislativas regionais pelo facto de que as mesmas nunca consideraram que havia uma limitação efectiva da sua competência legislativa regional por parte das leis gerais.
É isto que nos diz, aliás de forma muito conhecedora das matérias, o Sr. Ministro da República para os Açores, num estudo que elaborou sobre esta matéria, afirmando que a "competência legislativa autorizada não teve eficácia porque as assembleias legislativas regionais puderam sempre legislar a sua competência própria", mas não é o caso agora. Agora, é totalmente distinto.
A inutilidade verificou-se no passado, não se verifica agora, porque a autorização para legislar em matérias da competência relativa da Assembleia da República é um acréscimo de competências, portanto, é legislar numa matéria que não é a sua, que não é própria, é legislar numa matéria que é da República e que a Assembleia pode atribuir ao Governo ou à assembleia legislativa regional. Manifestamente, fazer uma comparação entre as autorizações legislativas que houve e que não houve e as que se propõem agora não tem qualquer sentido. Esta é, pois, a nota que queria deixar.

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Passo ao pedido de esclarecimento.
O projecto do PCP não fala em questões que muito temos vincado- naturalmente, porque não é opção sua de revisão constitucional. No entanto, um projecto não é só o que é dito mas também o que não é dito e que se admite poder vir a dizer. Portanto, nesta fase, gostaria de abordar as questões que têm a ver com a Alta Autoridade para a Comunicação Social e com a limitação dos mandatos.
Como esta é uma das matérias essenciais da revisão constitucional - e ela vai passar por aqui, porque, em termos de uma maioria constituinte de dois terços, todos queremos que passe -, gostaria de saber qual é a opinião do Sr. Deputado António Filipe e, naturalmente, dos Srs. Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Marques Guedes, Diogo Feio e Alberto Martins as questões que colocaram e que permitirão clarificar alguns pontos do nosso projecto de revisão constitucional, e agradeço até terem-se referido a alguns pontos que não abordei na exposição inicial, o que, de facto, demonstra que leram atentamente o projecto de revisão constitucional do PCP e deram atenção a alguns aspectos que não relevei, mas que referirei agora.
Começo por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Marques Guedes, desde logo, para refutar a primeira apreciação que fez sobre o sentido geral que o PCP imprimiu a este projecto de revisão constitucional e à intervenção que o partido tem feito em vários processos de revisão constitucional.
A ideia que o Sr. Deputado procurou transmitir é a de que as revisões constitucionais têm representado sempre um progresso constitucional e que o PCP defenderia uma fixação dos textos vigentes e, nalguns casos, até alguns retrocessos.
Quero dizer ao Sr. Deputado que, em processos de revisão constitucional, para além de manifestarmos a nossa discordância relativamente a propostas com as quais não concordamos, temos sempre apresentado propostas de aperfeiçoamento do texto constitucional, pelo menos nos processos de revisão ordinária. Muitas dessas propostas, a serem aprovadas, corresponderiam não apenas objectivamente a inovações como, quanto a nós, representariam progressos constitucionais. Ora, uma vez que se opõem a elas, que as inviabilizam, também podemos dizer que os Srs. Deputados constituem um obstáculo a vários aperfeiçoamentos do texto constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já temos aprovado algumas coisas do PCP!

O Sr. António Filipe (PCP): - É verdade que têm aprovado algumas coisas, como também é verdade que o PCP não votou contra todas as propostas apresentadas por todos os partidos em matéria de revisão constitucional! Portanto, temos de assumir que há divergências nesta matéria.
Creio que o Sr. Deputado revela alguma desfaçatez, se me permite a expressão, ao dizer que o PCP quer progredir alegremente para o passado,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade que quer repristinar algumas coisas!

O Sr. António Filipe (PCP): - … quando os senhores propõem retrocessos civilizacionais históricos!
Os senhores, que pretendem uma Constituição laboral do século XIX,…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

… vêm dizer que nós, por nos opormos a isso, é que caminhamos alegremente para o passado?! Os Srs. Deputados têm de ter termos nas afirmações que fazem!
Os Srs. Deputados querem eliminar conquistas sociais europeias que marcaram o século XX, como o direito à segurança social, o direito à saúde, o direito à educação…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem é que quer eliminar isso?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Nós não permitiremos que caiam no século XIX!

O Sr. António Filipe (PCP): - Os Srs. Deputados, que procuram introduzir aqui retrocessos históricos, retrocessos de gerações, vêm agora dizer que nós é que queremos caminhar para o passado?!
Depois de ouvirmos discursos revivalistas, neo-colonialistas, da parte do Sr. Deputado Paulo Portas, os Srs. Deputados vêm aqui dizer que nós é que queremos retroceder?! Isso vale o que vale!
Ainda por cima, os senhores referem um futuro inexistente.
Por exemplo, o Sr. Deputado vem criticar-nos por querermos eliminar do texto constitucional os círculos uninominais, algo que existe no texto constitucional mas, felizmente, só aí e nunca foi levado à prática, portanto, é algo inexistente.
Os Srs. Deputados criticam-nos por entendermos que deve ser a Constituição a determinar concretamente qual é o sistema de eleição das autarquias locais em vez de fazer como actualmente que é remeter para uma lei que nunca foi aprovada. Portanto, a Constituição deixa em aberto qual é o modelo de eleição dos órgãos municipais.
Os senhores entendem que é defensável que a Constituição deva ficar em aberto, à espera de uma lei ordinária que venha clarificar o que deveria ser clarificado pela Constituição? Creio que o texto constitucional só ganharia com essa precisão e não seria retrocesso nenhum!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, é um avanço!

O Sr. António Filipe (PCP): - Vou pronunciar-me sobre essa questão e sobre outras mais pontuais que o Sr. Deputado colocou.
Começando precisamente por essa, o Sr. Deputado vai ter de retirar o elogio porque assenta num equívoco.
É que o que nós propomos, e o Sr. Deputado elogia, é nem mais nem menos do que o texto que existia em 1997 e que os senhores alteraram! Esse texto, que existiu até 1997, nunca representou o que o Sr. Deputado está a dizer.
De facto, entendemos que a Constituição deve ser precisa nisso, que devem ser eleitos directamente os executivos

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municipais e que o presidente da câmara é o cidadão que encabeça a lista mais votada para a câmara municipal. Era o que acontecia, é o que acontece, porque essa é uma das tais situações que não foram alteradas, apesar de a Constituição permitir que o seja, e nós somos de opinião que assim está bem. Portanto, entendemos que não há razão para estarmos a alterar isso.
Uma coisa é definirmos à partida, em termos de sistema eleitoral, quem é o cidadão que fica eleito presidente de câmara, e entendemos que está bem, ou seja, que deve ser o que encabeça a lista mais votada para a câmara municipal. Outra questão completamente diferente é, ao longo do mandato, as circunstâncias em que esse mesmo cidadão pode ser substituído. Esta última é uma questão completamente diferente e que não está aqui em discussão.
Passo à questão dos poderes da Assembleia da República - e, aqui, pego numa questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado Diogo Feio.
Os senhores entendem que o reforço de poderes de fiscalização da Assembleia da República, designadamente em face do Governo, fazem com que esta última possa funcionar como um bloqueio, regressando, assim, à teoria das "forças de bloqueio" tão cara ao Prof. Cavaco Silva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não era a Assembleia! Nunca o PSD acusou a Assembleia de ser força de bloqueio! Nunca!

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas os senhores ainda vão mais longe do que ia o Prof. Cavaco Silva, na vossa desconfiança em relação à Assembleia da República.
Mas aqui a questão é outra.
Na revisão constitucional de 1997, os senhores aprovaram um amplo reforço e alargamento das matérias objecto de reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República. Aliás, creio que essas alterações foram aprovadas por unanimidade.
Naquela altura, os senhores não estavam no governo e, como tal, achavam muito bem que se alargasse a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia, ainda que, não havendo governo maioritário, tal pudesse representar uma sobreposição e uma supremacia da Assembleia da República em face do governo. Aí, sim, há que reconhecer que, não havendo maioria absoluta,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está a falar de coisas diferentes!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não, não estou a falar de coisas diferentes.
O Sr. Deputado Diogo Feio referiu-se ao aumento da reserva absoluta como equivalendo à introdução de possibilidades de bloqueio. Fê-lo, referindo-se à matéria fiscal que, aliás, é uma das matérias típicas da competência dos Parlamentos e faz todo o sentido que sejam o Parlamentos a decidir sobre isso.
Quanto à questão em concreto relativa aos poderes da Assembleia da República, os senhores não têm razão porque, designadamente em situações em que haja uma maioria governativa, como é o caso actual, a Assembleia da República funciona, obviamente, por maioria e, portanto, verificamos que, na prática, há uma tendência para que o Parlamento seja diminuído em face de um maior ascendente do governo. Aliás, tal verifica-se presentemente, já que a Assembleia da República tem vindo a ver o seu papel no sistema político claramente diminuído, designadamente em relação a situações anteriores.
A questão é a de saber se os senhores querem um Parlamento que se limite a ser uma mera "câmara de eco" do Governo, qualquer que ele seja, ou se querem ter um Parlamento que possa exercer as suas competências específicas, designadamente quanto à questão da possibilidade de suspensão de um decreto-lei do governo em sede de apreciação parlamentar.
Particularmente num momento como o presente em que há uma maioria absoluta, o que é que os senhores receiam? Seguramente, não têm receio que a maioria aproveite uma oportunidade em que os Srs. Deputados faltem à sessão para introduzir alterações num decreto-lei. Isso é impensável! Portanto, é óbvio que o exercício destas competências continua a estar nas mãos da maioria.
A questão é a de saber se se quer ou não dar ao Parlamento este poder de controlo sobre a actividade governativa.
Portanto, a maioria achou que o Governo não esteve bem e abre-se um processo de diálogo entre a Assembleia e o Governo para alterar um decreto-lei, suspendendo-o. Qual é o mal que isto tem? É uma força de bloqueio por permitir que o Parlamento, por maioria, assuma uma determinada posição? Não creio.
Assim, creio que, de facto, os senhores estão a regressar à obsessão das "forças de bloqueio", ao ponto de até verem o próprio Parlamento, no qual têm a maioria, como uma potencial força de bloqueio em relação ao Governo!
Passo à questão, colocada por ambos os Srs. Deputados Marques Guedes e Diogo Feio, relativamente à iniciativa quanto ao processo de revisão constitucional.
Esta é uma solução em que pensámos, por forma a fazer prevalecer algum bom senso nesta matéria - e gostaria que os Srs. Deputados entendessem qual é a ideia.
Como se sabe, a maioria qualificada de dois terços decide sempre o destino final de um processo de revisão constitucional - ou há dois terços ou não há revisão.
Sendo assim, o que se passa hoje é que um Deputado individualmente considerado - até pode ser um Deputado integrado num grupo parlamentar ou um Deputado independente; actualmente, não há Deputados independentes, mas já houve e pode vir a haver no futuro - pode, com base na sua iniciativa individual, despoletar um processo de revisão constitucional e obrigar todos os partidos a apresentar projectos no mês seguinte, se o quiserem, obviamente
Em todo o caso, ficamos numa situação em que o processo está aberto e é constituída uma comissão eventual para a revisão constitucional só para discutir a iniciativa desse Deputado independente, sendo que a alternativa que a maioria tem é a de "chumbar" esse projecto de revisão constitucional.
Ora, já que o destino de um processo de revisão constitucional depende sempre de uma vontade maioritária, pergunto-me se não seria mais lógico que essa maioria pudesse decidir não apenas quanto ao destino final mas, também, quanto ao timing do desencadear do processo de revisão constitucional. Trata-se de uma questão que, do nosso ponto de vista, faz todo o sentido.
Quero salientar que o nosso intuito não é limitar os poderes de quem quer que seja, porque, como é óbvio, os poderes estão sempre limitados pela maioria de dois terços.

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Ou seja, qualquer Deputado que apresenta um projecto de revisão constitucional sabe, à partida, que obtém um apoio de dois terços da Assembleia ou não consegue aprovar o que quer que seja.
Portanto, a questão é saber se há vantagem…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas acha bem que a maioria…

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, deixe-me desenvolver a ideia! O Sr. Deputado quer intervir na sua vez e na vez de todos, mas tenha um pouco de paciência! Se quiser pedir mais esclarecimentos, terei todo o gosto em responder às suas questões.
Dizia eu que a questão que se coloca é a de saber se há vantagem para todos, e designadamente para um qualquer processo de revisão constitucional, que o prazo para a apresentação dos projectos de revisão constitucional não fique dependente apenas de uma iniciativa individual mas, sim, de uma deliberação da Assembleia da República.
Lembro que isto sucede, aliás, em relação ao processo legislativo normal, em que qualquer Deputado pode apresentar projectos de lei e tem o direito de vê-los discutidos, mas em que essa apresentação de um projecto de lei não significa que todos os grupos parlamentares tenham de apresentar projectos de lei sobre a mesma matéria no mês seguinte - não é verdade? Portanto, uma coisa é o poder de iniciativa, que deve pertencer a todos os Deputados, outra coisa é o poder de desencadear o processo de revisão, e é em relação a este que entendemos que há alguma vantagem no que referi, pelo que gostaria que reflectissem um pouco sobre esta questão, mas sem preconceitos.
Não há aqui uma "carta na manga", não há intuito nenhum escondido por detrás disto. A ideia é apenas procurar introduzir alguma racionalidade no processo.
Sei que há Srs. Deputados que têm a mania da perseguição, mas penso que não deveríamos ficar obcecados por esta questão. Pelo contrário, julgo que deveríamos analisar, com um espírito de razoabilidade, a possibilidade de a Assembleia da República poder determinar o timing do processo de revisão por forma a que ele se desencadeasse de modo razoável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, devo dizer que esta foi uma daquelas questões a que atribuí uma importância tal, que nem a referi na minha apresentação inicial. Os Srs. Deputados pensam que ela é assim tão importante?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas convém pensar no que se propõe!

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, devo dizer que não fizemos esta proposta com o intuito de sermos beneficiados ou prejudicados; fizemo-la porque nos pareceu que tinha razoabilidade racionalizar os processos de revisão constitucional, fazendo com que não ficassem, eventualmente, dependentes de uma iniciativa individual de um Deputado. Aliás, esta é uma proposta que, a meu dever, até deveria ser vista com uma grande compreensão por parte da maioria, porque protege os direitos das minorias.
Mas, passando a outras questões, gostaria de referir-me à questão das autorizações legislativas, que foi abordada quer pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes quer pelo Sr. Deputado Alberto Martins.
De facto, propusemos a supressão desta figura por nos parecer que ela é, manifestamente, inútil na situação actual, o que, aliás, a prática tem demonstrado.
Os Srs. Deputados referem a hipótese de reconverter esta possibilidade de autorização legislativa, fazendo com que possa haver uma margem no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República que possa ser aproveitada para conceder autorizações legislativas às assembleias legislativas regionais em termos basicamente semelhantes àqueles que são concedidos ao Governo da República, invadindo, assim, de alguma forma, a tal esfera de competência própria dos órgãos de soberania.
Trata-se de uma matéria que vale a pena discutir com ponderação, pois em relação a algumas destas áreas de reserva de competência não nos parece curial que sejam susceptíveis de autorização legislativa no que diz respeito às assembleias legislativas regionais. No entanto, vale a pena olhar para toda a área material da reserva relativa de competência legislativa e verificar se há alguma matéria que, consensualmente, possa ser atribuída mediante autorização à competência legislativa das assembleias legislativas regionais. É, portanto, uma matéria que vale a pena discutir.
Sublinho que não nos parece que se deva, pura e simplesmente, permitir a atribuição de autorizações legislativas com o mesmo âmbito material com que pode ser atribuído ao Governo da República. Mas vale a pena ver se é possível encontrar uma espécie de reserva relativa das assembleias legislativas regionais (se é que se pode utilizar esta terminologia), ou melhor, reserva relativa da Assembleia da República em face das assembleias legislativas regionais, com um âmbito material, que não será coincidente com o do Governo da República, mas pode, apesar de tudo, haver algum que tenha cabimento. Repito, uma vez mais, que é uma matéria que vale a pena discutir.
Uma outra questão, também colocada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem que ver com o problema dos serviços de informações e dos poderes do Presidente da República.
O que propomos é que o Presidente da República nomeie os responsáveis máximos dos serviços, sob proposta governamental, e presida ao órgão de coordenação superior dos serviços de informações. Ora, isto é muito parecido com o que se passa a nível das competências presidenciais em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas, e não creio que esta questão tenha alguma vez colocado algum problema, designadamente no que diz respeito à compatibilização com os poderes da Assembleia da República.
Na verdade, hoje em dia, a Assembleia da República tem os poderes normais de controlo da actividade governativa em relação à área da defesa nacional como os tem em relação a outras áreas de governo; tem uma Comissão de Defesa Nacional, que acompanha e fiscaliza a actividade do Governo nesta área e que, como sabe, é uma área em que o Presidente da República tem poderes próprios atribuídos, designadamente ao presidir o Conselho Superior de Defesa Nacional.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desculpe, mas não tem nada a ver com coordenação!

O Sr. António Filipe (PCP): - O Presidente da República preside ao Conselho Superior de Defesa Nacional e também nomeia as chefias militares. Portanto, não nos parece que haja aqui qualquer problema, uma vez que também não é a Assembleia da República que tem poderes de coordenação dos serviços de informação da República.
O que o Sr. Deputado pode dizer é que há áreas de competência que estão actualmente, de forma exclusiva, na mão do Governo e que nós propomos que o Presidente da República também tenha poderes de intervenção nesta área. Os Srs. Deputados poderão discordar, mas é exactamente o que propomos. Ou seja, se nos disserem que há aqui um alargamento de poderes presidenciais em detrimento de poderes governativos, é verdade. Podem concordar ou discordar, mas é a realidade, e o que propomos! Mas não nos digam que isso interfere com a esfera de competências da Assembleia da República, porque, manifestamente, não interfere.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas coloca o Presidente da República sob a fiscalização da Assembleia da República!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não, Sr. Deputado, o senhor não tem razão. Seria o mesmo que dizer que, pelo facto de a Assembleia da República ter poderes de acompanhamento na política do Estado português em matéria de defesa nacional, a Assembleia interfere com os poderes presidenciais.
Repare, não propomos que o Presidente da República tenha um poder de direcção sobre os serviços de informações - esses, obviamente, continuam no Governo -; o que propomos é que o Presidente da República presida ao Conselho Superior de Informações, o que é diferente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!

O Sr. António Filipe (PCP): - Voltando a outras questões que também foram colocadas pelo Sr. Deputado Diogo Feio e às quais gostaria ainda de responder, devo dizer que fiquei surpreendido com algumas das observações feitas, designadamente por o Sr. Deputado discordar da introdução de um artigo na Constituição que limite o arbítrio na imposição de deveres aos cidadãos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Não é o arbítrio!

O Sr. António Filipe (PCP): - Fiquei espantado quanto a este aspecto, porque os Srs. Deputados normalmente criticam-nos por acharem que defendemos muito o Estado em detrimento do cidadão. Ora, o que aqui propomos é que a imposição de deveres aos cidadãos deva ser feita conforme à Constituição e da forma prevista na lei. Portanto, trata-se de um artigo destinado a impedir que o Estado possa arbitrariamente impor deveres aos cidadãos, pelo que não percebo as razões da sua objecção a esta possibilidade.
Finalmente, há ainda duas matérias sobre as quais gostaria de me debruçar, sendo a primeira a relativa às reservas que o Sr. Deputado Diogo Feio colocou quanto ao alargamento dos poderes da Assembleia da República em matéria de acompanhamento de assuntos europeus.
Sr. Deputado, a alternativa é a alienação das competências do Parlamento, o que é, hoje em dia, inequívoco no âmbito da União Europeia. Basta pensarmos naquilo a que se chamou o "terceiro pilar" ou na matéria de Justiça e Assuntos Internos (JAI), uma matéria tipicamente da competência do Parlamento e que, no nosso caso, se inscreve na reserva de competência da Assembleia da República, mas relativamente à qual somos confrontados, com muita frequência, com a discussão de actos comunitários, designadamente nos Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos, que interferem, obviamente, com a competência própria da Assembleia da República.
Daí que lhe pergunte como é que o Parlamento reage a esta situação. Uma possibilidade é encolher o ombros e fazer de conta que aquelas não são competências do Parlamento e, portanto, limitar-se a receber alguma informação sobre a agenda do Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos, o que, aliás, de certa forma, é o que tem vindo a acontecer em Portugal, embora não em todos os países da União Europeia. E eu pergunto: qual seria o mal de Portugal adoptar um sistema de acompanhamento dos assuntos comunitários, tal como é feito noutros parlamentos?
Isto é, o Governo deve informar atempadamente o Parlamento sobre a matéria que está em discussão, sendo solicitado um parecer às comissões competentes em razão da matéria, ficando o Governo vinculado a comportar-se e a posicionar-se, nas discussões tidas no âmbito da União Europeia, de acordo com aquela que foi a posição maioritariamente expressa no parecer aprovado no Parlamento.
Sublinho que não se trata de ser a Assembleia da República a aprovar os textos, porque é evidente que essa tarefa cabe aos Conselhos de Ministros no âmbito da União Europeia; trata-se, sim, de circunscrever politicamente a posição que o Governo deve tomar.
O governo Finlandês, por exemplo, está presente todas as semanas no Parlamento para o informar sobre as questões que vão estar em discussão na União Europeia e considera-se vinculado à posição que seja manifestada pelo Parlamento, designadamente através de uma fórmula muito parecida com esta que aqui propomos. Caso o Governo seja confrontado, no Conselho de Ministros da União Europeia, com a necessidade de tomar uma posição que não seja exactamente aquela, tem o dever estrito de informar o Parlamento das razões por que o fez.
Por conseguinte, a bem da salvaguarda das competências próprias da Assembleia da República, creio que haveria toda a vantagem em encontrar uma forma mais incisiva e interveniente para a Assembleia da República acompanhar os assuntos da União Europeia, de forma a poder vincular a posição do Governo, repondo assim algum equilíbrio de poderes perdido devido à dinâmica própria do processo de integração europeia.
Por fim, gostaria de referir-me a uma das últimas questões que foi colocada pelo Sr. Deputado Diogo Feio e que diz respeito à inconstitucionalidade dos actos políticos.
O Sr. Deputado insurgiu-se pelo facto de nós propormos uma forma de fiscalização da constitucionalidade de actos políticos, prevendo a possibilidade de haver actos políticos, obviamente, actos não normativos, actos não legislativos, mas que contrariem a Constituição.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Como por exemplo?

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O Sr. António Filipe (PCP): - O Sr. Deputado quer um exemplo? Eu dou-lho: os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentaram na Assembleia Legislativa Regional da Madeira um projecto de lei eleitoral cuja admissão foi liminarmente recusada pelo Presidente da Assembleia Legislativa Regional sem qualquer justificação plausível.
Ora, este não é um exemplo típico de um acto político contrário à Constituição relativamente ao qual deveria haver uma instância jurisdicional que se pudesse pronunciar? Aqui está um caso em que há uma inviabilização, obviamente inconstitucional, do exercício de um direito por parte de deputados, neste caso, numa assembleia legislativa regional, que deveria ser sindicável jurisdicionalmente, na medida em que a apreciação da constitucionalidade de um acto desta natureza não pode ficar dependente de uma maioria, sob pena de poderem ser inviabilizados todos os direitos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Isso não é bem assim!

O Sr. António Filipe (PCP): - O Sr. Deputado queria um exemplo, e eu dei-lho!
Como o exemplo é da Madeira, o CDS-PP é capaz de estar um pouco mais sensível do que se fosse em qualquer outra região do nosso país.

Risos.

Algumas questões de especialidade que têm que ver com matérias que não constam do projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelo PCP foram também suscitadas pelo Sr. Deputado Alberto Martins. Sugiro que se remeta a discussão dessas matérias para a especialidade.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado António Filipe.
Com a exposição que acabámos de ouvir, Srs. Deputados, fica concluída a apresentação do projecto de revisão constitucional do PCP.
Lembro que, neste momento, levamos já mais de sete horas de reunião e julgo que todos concordarão comigo que não estão reunidas as condições para que os dois projectos de revisão constitucional que ainda falta apresentar sejam debatidos com a dignidade que lhes é devida.
Por esta razão, a próxima reunião terá como primeiro ponto da ordem de trabalhos a apresentação geral dos projectos de revisão constitucional n.os 5/IX (Jamila Madeira) e 6/IX (Os Verdes).
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 20 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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