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Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2004 II Série - RC - Número 4

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

VI REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 27 de Janeiro de 2004

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (José de Matos Correia) deu início à reunião às 10 horas e 45 minutos.
A Comissão ouviu os Srs. Deputados da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, Fernando Lopes (PS), Paulo Valadão (PCP), José Manuel Bolieiro (PSD), Dionísio Sousa (PS) e Francisco Sousa (PS), que responderam a questões formuladas pelos Srs. Deputados Joaquim Ponte (PSD), Alberto Martins (PS), António Filipe (PCP), Medeiros Ferreira (PS), Diogo Feio (CDS-PP) e Luiz Fagundes Duarte (PS).
Deu-se início à apreciação, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional (preâmbulo e artigos 1.º, 7.º a 9,º, 13.º a 16.º, 16.º-A, 20.º, 20.º-A e 27.º).
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Alberto Martins (PS), António Filipe (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Guedes (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), Assunção Esteves (PSD), José Magalhães (PS), Henrique Chaves (PSD), Bernardino Soares (PCP), Francisco José Martins (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP) e António Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, conforme a ordem de trabalhos de hoje, a primeira parte desta reunião será preenchida com a audição da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores (ALRA).
A este propósito, aproveito para prestar à Comissão um pequeno esclarecimento adicional.
Na convocatória para esta reunião consta que a audição seria com a Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores, indicação que recebi inicialmente da Assembleia Legislativa Regional. Ora, o Sr. Presidente dessa Comissão teve a bondade de esclarecer que se trata de uma verdadeira delegação da Assembleia Legislativa Regional, embora composta pelos membros da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores.
Feita esta precisão, passo a anunciar a metodologia dos nossos trabalhos.
Começarei por dar a palavra ao Sr. Deputado Fernando Lopes, Vice-Presidente da Assembleia Legislativa Regional e Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores e, depois, darei a palavra a um Deputado da ARLA representante de cada dos grupos parlamentares aqui presentes - Partido Comunista Português, Partido Social Democrata e Partido Socialista -, após o que poderemos dar início ao debate.
Quero, ainda, agradecer ao Sr. Deputado Fernando Lopes e a todos os outros Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional o importante auxílio que vêm prestar-nos nesta matéria relativa às regiões autónomas. Devo dizer-vos que é com muito gosto que os recebemos, em representação da Região Autónoma dos Açores, e que o contributo que vão dar certamente será muito valioso para os nossos trabalhos relativamente a um tema tão importante da revisão constitucional como é o das regiões autónomas.
Posto isto, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Fernando Lopes, Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Fernando Lopes (Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar e em nome da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, quero congratular-me com esta iniciativa, que já vem sendo praxe embora não esteja formalmente prevista, de ouvir as Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira aquando de processo de revisão constitucional. Temos de congratular-nos com a manutenção desta praxe, que mantemos a prática de honrar, fazendo vir a esta Assembleia uma larga delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, presidida por mim próprio em representação do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional e integrando membros dos quatro partidos com assento na mesma - Partido Socialista, Partido Social Democrata, Partido Comunista e CDS-PP.
Estão hoje aqui presentes representantes de três desses partidos, PCP, PSD e PS.
Passo agora a questões que já se prendem com o conteúdo desta audição.
Em primeiro lugar, quero relevar que, enquanto delegação formal da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, só existe uma posição consensual sobre uma matéria que enunciarei mais adiante. No que diz respeito a todas as outras, os partidos têm posições próprias, pelo que será dada a palavra a cada um dos seus representantes para expor a respectiva posição sobre as matérias em análise.
Passo, pois, a expor o único assunto sobre o qual existe uma posição formal da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e que se enquadra no âmbito da revisão do sistema eleitoral para a Assembleia Legislativa e, também, a explicar como é que se chegou a essa posição.
A Assembleia Legislativa Regional dos Açores entendeu que, ao longo da presente legislatura, era oportuno proceder à análise e avaliação do respectivo sistema eleitoral.
No âmbito da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral, começámos por analisar as performances do sistema eleitoral em todos os actos eleitorais, ouvindo formalmente todos os ex-Presidentes da Assembleia Legislativa Regional bem como Deputados à Assembleia da República e outras individualidades e, simultaneamente, solicitámos a constitucionalistas pareceres sobre a matéria. No caso em apreço, foram solicitados, e recebidos, pareceres dos Professores Jorge Miranda e Carlos Blanco de Morais.
No decorrer dos trabalhos, foi identificado que, na sua génese, as normas relativas ao sistema eleitoral da Assembleia Legislativa Regional estavam incluídas - e estão, ainda hoje - no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Tomou-se, ainda, consciência de que posteriores actos, nomeadamente a revisão da Constituição, vieram trazer estas matérias de revisão do sistema eleitoral para a reserva de iniciativa exclusiva da Assembleia da República.
Portanto, foi parecer dos constitucionalista ouvidos que as normas sobre o sistema eleitoral incluídas no Estatuto são normas que, em futuras revisões do sistema eleitoral, não deveriam estar incluídas no Estatuto e, também, não poderiam ser da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional. Daí que se tenha chegado a uma posição - e escuso-me de enumerar todos os argumentos técnicos que os constitucionalistas aduziram para o efeito -, que foi aprovada consensualmente em sede da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral, segundo a qual deveria avançar-se com uma proposta de que o direito de iniciativa em termos de revisão do sistema eleitoral em futuras revisões constitucionais passasse a ser consagrado na Constituição como uma reserva da assembleia legislativa regional, evidentemente, mantendo o poder de aprovação na Assembleia da República.
Para sustentar essa posição, cito o parecer do Sr. Prof. Carlos Blanco de Morais que diz claramente que "ninguém melhor do que os representantes das populações insulares, no quadro de uma autonomia político-administrativa madura e experimentada, conhece as peculiaridades arquipelágicas, os equilíbrios insulares e as necessidades próprias da comunidade regional, pelo que, presentemente, parece ser pouco inteligível manter a concorrência da mesma iniciativa originária dos seus Deputados com as dos Deputados à Assembleia da República".
Portanto, nesses termos, foi proposto ao Plenário da Assembleia Legislativa Regional dos Açores a aprovação de uma resolução que consagrasse aquela posição que é

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a consensual entre todos os partidos e a única que posso trazer a esta reunião.
Dito isto, nada mais tenho a acrescentar.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado.
Tal como tinha anunciado no início da reunião, passarei a dar a palavra aos representantes dos diversos grupos parlamentares com assento na Assembleia Legislativa Regional.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Paulo Valadão, em representação do Partido Comunista Português.

O Sr. Paulo Valadão (ALRA/PCP): - Sr. Presidente, vou tecer algumas considerações em relação à matéria que aqui nos traz.
Embora não querendo contradizer nada do que disse o Sr. Presidente da delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, quero afirmar que a delegação é, de facto, constituída pelos Deputados que integram a Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral, o que, em nosso entender, tem um significado político.
Em primeiro lugar, porque, na Região Autónoma dos Açores, durante esta legislatura, foi dada importância à necessidade da revisão do sistema eleitoral. Estou convencido que todos os grupos parlamentares assumiram cada vez mais a consciência de que haveria a necessidade de corrigir o nosso sistema eleitoral para evitar que, eventualmente, acontecesse um fenómeno, que não surgiu até ao presente mas que o sistema permite, o de o partido menos votado ter maior número de Deputados. Daí que, durante toda a presente legislatura, esta Comissão tenha estado a trabalhar no sentido de encontrar soluções para, não alterando substancialmente o sistema eleitoral da Região Autónoma dos Açores, aperfeiçoá-lo com vista a melhorar a proporcionalidade e a garantir que a transformação de votos em mandatos esteja de acordo com o que é estatuído na Constituição.
Durante esses trabalhos também foi tido em consideração o facto de esta Comissão poder acompanhar todo o processo de revisão constitucional, daí esta delegação ser constituída pelos Deputados membros da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral.
O Sr. Presidente da Comissão referiu um outro aspecto, o do direito de iniciativa da lei eleitoral, em que estamos de acordo que o mesmo deve ser conferido à Região Autónoma dos Açores através da Assembleia Legislativa Regional.
No que se refere à revisão constitucional propriamente dita, estou perfeitamente solidário com o projecto de revisão da Constituição, apresentado pelos meus camaradas a nível nacional, no que diz respeito às regiões autónomas.
Penso mesmo que, no referido projecto, existem alguns aspectos fundamentais. No entanto, não vou entrar nessa discussão porque compete aos Deputados da Assembleia da República. De qualquer modo, gostaria de realçar dois ou três aspectos.
Por um lado, realço que continuamos a entender que é importante que a assembleia legisle em função das especificidades regionais. Por outro lado, pensamos que é importante que seja revisto o conceito de lei geral da República, que tem sido um entrave a alguns aspectos da legislação regional, e mesmo que este conceito seja profundamente alterado. Pensamos, ainda, que é positivo que a dissolução da assembleia legislativa regional se faça de acordo com a legislação que está adstrita à dissolução da própria Assembleia da República, isto é, ser semelhante. Estes são, pois, aspectos que estão consignados no projecto de revisão constitucional apresentado pelo PCP.
Por outro lado ainda, realço que entendemos que, fundamentalmente, a assembleia legislativa regional deve legislar respeitando a Constituição, as leis orgânicas, as leis de valor reforçado e as leis de bases, o que se complementa com legislar de acordo com o interesse específico da região autónoma.
De um modo geral, eram estes os aspectos que gostaria de realçar.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Manuel Bolieiro, em representação do Partido Social Democrata.

O Sr. José Manuel Bolieiro (ALRA/PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostava de saudar a Comissão, na sua pessoa, e de cumprimentar todos os Srs. Deputados da Assembleia da República.
Desde logo, queria dar conta da satisfação do Partido Social Democrata e, creio, também do parlamento regional pela oportunidade que temos de, em sede desta Comissão, poder apontar e enfatizar as posições que politicamente temos assumido, quer no contexto regional parlamentar quer mesmo ao nível partidário, quanto ao processo de revisão constitucional em curso.
É por isso de saudar e registar, porque esse intercâmbio entre os parlamentos regionais e a Assembleia da República em matérias tão decisivas para a estrutura do Estado e funcionamento das regiões autónomas, dá uma oportunidade de partilha que deve ser mantida.
Finalmente, gostava de fazer uma referência relativamente à metodologia que na assembleia legislativa regional se entendeu levar a efeito quanto ao processo de revisão constitucional.
De facto, a propósito de uma reflexão política (que não numa primeira fase) sobre a revisão da Constituição, o parlamento regional organizou uma comissão no sentido de preparar e avaliar o actual sistema eleitoral.
A verdade é que, no decurso destes trabalhos, praticamente no início da legislatura, em 2000 e 2001, não foi possível introduzir qualquer proposta concreta para o plenário da Assembleia Legislativa Regional no sentido de se fazer uma alteração ao sistema eleitoral.
No entretanto, entendeu esta comissão acompanhar o processo de revisão constitucional, passado o quinquénio para se poder fazer uma revisão constitucional ordinária, e propor à Assembleia Legislativa Regional dois pontos essenciais para uma futura alteração ao sistema eleitoral, que passaria pela revisão constitucional.
O primeiro, que já foi referido pelo Sr. Vice-Presidente da Assembleia Legislativa Regional, o Deputado Fernando Lopes, tem a ver com a oportunidade de se assegurar uma reserva de iniciativa das futuras alterações à lei eleitoral. Isto passaria, necessariamente, por consagrar essa reserva de iniciativa na Constituição e, portanto, aguardar o processo de revisão constitucional; concluída a revisão constitucional, então, e nesse pressuposto, partir para a alteração do sistema eleitoral.
Ora, esta regra seguiria os mesmos termos que hoje estão previstos para o estatuto político-administrativo de cada uma das regiões - que tem um procedimento legislativo especial, na medida em que a iniciativa é do parlamento

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regional e a competência para a sua aprovação é da Assembleia da República.
O outro ponto que se acordou prende-se com a possibilidade de consagrar também constitucionalmente o voto aos emigrantes. Nunca ficou discutido como se faria - de forma precisa e sob o ponto de vista técnico -, porque, na verdade, esta oportunidade precisava de uma clarificação em sede de revisão constitucional e, depois, na sequência disso, adaptar-se-ia, ou não, também a própria lei eleitoral à possibilidade constitucional, entretanto consagrada, do voto dos emigrantes para o parlamento regional.
Em relação aos projectos de revisão constitucional em concreto, o PSD dos Açores desde sempre tomou posição quanto à oportunidade de, em processo de revisão ordinária, ser feita uma revisão constitucional. Era oportuno que o PSD dos Açores aproveitasse para, decorrido o prazo necessário para a revisão ordinária, levar a cabo uma revisão constitucional que passasse pelo reforço e aprofundamento das autonomias regionais.
Entendemos, tal como o PSD no plano nacional, que se deve fazer uma revisão global, ou seja, concordamos com a proposta apresentada de revisão global, mas a nossa especial preocupação prende-se, naturalmente, com o capítulo da autonomia. Tínhamos outras soluções, eventualmente mais arrojadas, para um reforço da autonomia, mas a verdade é que o projecto de revisão constitucional subscrito e apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP preenche o essencial do que o PSD dos Açores defende quanto ao reforço e à clarificação da autonomia.
Um primeiro ponto prende-se com a oportunidade de clarificar as competências legislativas dos parlamentos regionais. É nosso entendimento, como, aliás, está bem expresso no projecto apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, que os conceitos "interesse específico" e "lei geral da República" devem ser eliminados, reservando para os parlamentos regionais, excepção feita às matérias que sejam de reserva dos órgãos de soberania, uma competência legislativa concorrencial com os órgãos do Estado e, portanto, desde logo, com a Assembleia da República, na medida em que, salvaguardadas as reservas previstas na Constituição (reserva de soberania), seria possível, sem qualquer limitação baseada em interesse específico, fazer com que o parlamento pudesse legislar no ordenamento jurídico próprio para a Região Autónoma dos Açores.
Portanto, quanto a essa matéria, o projecto subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP preenche a nossa visão de clarificação dos poderes legislativos.
Também entendemos que deve ser encontrada uma solução semelhante à que hoje está prevista na Constituição para a dissolução da Assembleia da República por razões políticas para os parlamentos regionais. A verdade é que hoje a Constituição consagra apenas uma perspectiva dissolução/sanção por actos graves contra a Constituição, o que nos parece atentatório da dignidade, da autonomia e da maturidade democrática e autonómica vivida quer nos Açores quer na Madeira, pelo que propomos a eliminação desta norma constitucional e a previsão de uma solução de dissolução dos parlamentos regionais por razões políticas, à semelhança do que está previsto para a Assembleia da República.
Defendemos também a extinção do cargo de Ministro da República, numa reorganização da estrutura dos órgãos de governo próprio e do relacionamento com a República. No PSD dos Açores, com a clareza pública que tem sido assumida, defenderíamos a pura e simples extinção do cargo de Ministro da República sem qualquer substituição. Entendemos, juntamente com o PSD da Madeira e com o PSD no plano nacional, que se deveria adoptar, tal como está consagrado no projecto subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP, esta solução de um representante da República.
Finalmente, também defendemos a possibilidade de um reforço de participação dos Açores no processo de construção da União Europeia e, de entre as várias formas já previstas na Constituição, entendemos que deveria ser criado um círculo próprio para cada uma das regiões autónomas para eleição de Deputados ao Parlamento Europeu.
Em síntese e nos poucos pontos mais relevantes, é esta a perspectiva que o PSD dos Açores tem defendido no processo de revisão constitucional em curso. Revê-se, em plenitude, no projecto que está a ser analisado na Assembleia da República e que foi subscrito pelo PSD e pelo CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, em representação do Partido Socialista, o Sr. Deputado Dionísio Sousa.

O Sr. Dionísio Sousa (ALRA/PS): - Sr. Presidente, em nome do PS, agradeço a decisão de nos trazer aqui e saúdo todos os Srs. Deputados presentes.
Gostaria de chamar a atenção para o facto de que este acto de trazer representações da Assembleia Legislativa Regional a esta Comissão só hoje começa a ser praxe - a primeira vez foi em 1997 e hoje é a segunda vez -, porque só a partir da segunda vez é que se começa, efectivamente, a constituir uma praxe. Faço esta precisão, apenas porque sou muito antigo nestas andanças e, infelizmente, noutras coisas.
Gostaria de salientar, na linha do que vem sendo dito pelos Srs. Deputados que me antecederam, o que caracteriza a posição do PS em relação a esta revisão constitucional, e faria essa caracterização chamando a atenção para os três aspectos que me parecem capitais, fundamentais que se tenha em vista na revisão constitucional.
Em primeiro lugar, quisemos e continuamos a querer uma revisão constitucional centrada nas regiões autónomas - o resto, ao contrário do que era tradicional, é que passa a ser adjacente. Queremos que esse tema se situe no centro das preocupações políticas da República, e já explicarei porquê.
O segundo objectivo capital visa tentar encerrar, pelo menos dos pontos de vista técnico e político, algumas pontas de conflito que existem no modelo constitucional actual.
O terceiro aspecto é o de ligar esta revisão constitucional a uma outra questão paraconstitucional (porque tem aspectos que se relacionam com a Constituição), que é a do sistema eleitoral.
Entendemos que só assim, dentro dessa tríplice perspectiva, é que se poderá dizer que o modelo constitucional de 1976 chega ao seu fim da melhor forma e abre caminho para um outro modelo possível (devia dizer estas palavras no fim, mas já as estou a dizer no princípio), o que não acontece agora. Chamo a atenção para o facto de que, desde 1996, o PS defende que este não é o modelo ideal - e refiro-me ao modelo formal -, porque é caracterizado por conceitos gerais abstractos e indefinidos, como já foi referido por muita gente.
Vou deter-me agora um pouco em cada um dos três aspectos que identifiquei.

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Por que é que queremos uma revisão constitucional centrada nas regiões autónomas? Há duas razões.
Uma razão de fundo, que se prende com o facto de termos um modelo que, na sua formulação teórica (refiro-me apenas ao aspecto formal), corresponde ao modelo de 1976 sem grandes alterações. Entendemos que é politicamente vantajoso fazer mais um esforço, mas um esforço que seja aprofundado e considerado como definitivo, no sentido de que, se não for possível adaptá-lo desta vez, é sinal de que há aqui algum mal de raiz que é preciso superar, optando por outro modelo.
Genericamente, é isto que o PS defende desde 1996. Este é um modelo baseado naquele a que se pode chamar (de forma grosseira) "o modelo italiano", embora lhe aproveite só uma parte. Mas há outros modelos diferentes bem perto de nós, como o modelo espanhol - que é o modelo que desejamos. É, pois, conveniente fazer mais um esforço, e já irei indicar qual é o sentido desse esforço.
A segunda é uma razão de conjuntura. Suponho que todos têm consciência de que as regiões autónomas, nos últimos dois anos, perderam espaço político de afirmação a nível nacional.
Lembraria apenas um facto que é característico disso: a lei de finanças regionais devia ter sido revista em 2001. Em 2001, um grupo de trabalho, que incluía elementos do Governo da República, das assembleias regionais e dos governos regionais, fez um esforço para melhorar, aperfeiçoar, actualizar a lei de finanças regionais, que se traduzia num espaço de afirmação política das autonomias que, entretanto, se perdeu. É que a lei de finanças regionais não só não foi revista no sentido da sua melhoria como ficou suspensa na sua aplicação! Há aqui um claro recuo.
Portanto, é preciso trazer à reflexão da República, e o caminho constitucional é uma das melhores formas para o fazer, a perspectiva de que as autonomias precisam, em determinados aspectos, de mais rigor, de melhor reformulação e de maior aprofundamento.
A revisão constitucional permite, portanto, "repescar" a perspectiva que se tinha em 2001, não em termos de estagnação mas de colocar esses problemas no centro das preocupações da República. E já não falo nas outras questões comunitárias da ultraperiferia, das 200 milhas, das quotas leiteiras, que significam uma paragem em relação a 2001, quando se previa um avanço. Mas não se avançou, estagnou-se!
São estas as razões que nos levam a querer que o centro da revisão constitucional sejam as regiões autónomas.
Por outro lado, esta é uma proposta de revisão que pretende encerrar problemas que existem nesse modelo constitucional. Um desses problemas é, efectivamente, real e diz respeito às competências legislativas das regiões autónomas. Nesse campo existem problemas por resolver, alguns deles concretos, tais como o problema da capacidade de adaptarmos a legislação comunitária, que é uma área nova de afirmação da capacidade legislativa das regiões autónomas, que incompreensivelmente foi fechada, em 1997, mas que tem de ser reaberta. O erro de 1997 tem de ser eliminado e tem de se proceder a essa abertura.
Em matérias da competência relativa da Assembleia da República não queremos autorizações legislativas para tudo. Desde logo, não precisamos de autorizações legislativas para decidir sobre capacidades e direitos das pessoas, ou sobre liberdades e garantias, etc., mas já precisamos para as questões que se prendem com o desenvolvimento regional, com o desenvolvimento de leis gerais, tal como prevemos no nosso projecto.
Contudo, por detrás desses casos concretos, está um outro esquema, para o qual chamo a vossa atenção, que é basicamente o seguinte: o verdadeiro problema das competências legislativas das regiões autónomas prende-se com o facto de elas não estarem rigorosamente definidas, de não haver fronteiras definidas entre as competências legislativas dos órgãos de soberania - Governo e Assembleia da República - e as competências regionais.
O esforço deve ser feito na definição clara de dois aspectos, que são os tradicionais. Por um lado, o aspecto negativo, que define qual é a competência dos órgãos de soberania, e aqui não basta falar em matérias que não sejam da competência própria, não basta dizer que são matérias de interesse específico não reservadas à competência dos órgãos de soberania, porque não fica claro. Ou seja, esse limite negativo tem de ser indicado explicitamente na Constituição em relação àqueles artigos, senão aparece uma terceira entidade a argumentar: "Não, as competências próprias dos órgãos de soberania também incluem interesses gerais, o legislador nacional ou geral que está para além do que explicitamente está consagrado na Constituição".
Não queremos nada que seja da soberania, mas queremos tudo o que é da autonomia regional. E o que é da autonomia regional? É o seu fundamento, é a especificidade regional.
Nesse sentido, queremos reformular a Constituição, de forma a que um intermediário "parasitário" entre a Constituição e o estatuto não venha dizer como se deve interpretar o "interesse específico". Queremos que esse interesse específico fique claro na Constituição.
Aliás, para isso, temos o modelo - permitam-me a comparação - do que acontece com um outro pilar da autonomia regional, o das competências financeiras. Se pegarmos na actual Constituição - e esta revisão constitucional prova isso -, constatamos que a alínea j) do artigo 229.º faz uma definição do âmbito constitucional das relações financeiras entre o Estado e a região que, em termos constitucionais, é perfeitamente satisfatória, por isso hoje ninguém fala na necessidade de fazer aí quaisquer retoques; fala-se, sim, na necessidade de prolongar para o estatuto o que deve ser melhorado. Mas o que está consagrado na Constituição está, digamos, no "bronze" e não é para alterar mais.
Ora, é isso mesmo que queremos para as competências legislativas: elas devem ser definidas positivamente, em vez de se optar por uma definição meramente negativa, em que se especifique apenas as que são competências do Estado, sendo o restante da competência da região. É que, perante as interpretações que actualmente são feitas pelo Tribunal Constitucional sobre a função do estatuto, que considera "meramente indiciário", não nos parece que seja suficiente.
A própria Constituição deve estatuir, em termos rigorosos - o que a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional nos ditou e o que a própria doutrina nos dita -, quais são os parâmetros dessa especificidade regional. Dispensa assim a Constituição, através dessa formulação, qualquer intermediário que interprete essa especificidade.
Haverá ainda um outro caminho, que é a tradução… Volto, aliás, a repetir que não criámos nem queremos criar absolutamente nada; queremos, sim, aproveitar tudo o que já foi criado pela doutrina. E aproveito para lembrar que essa doutrina é do Prof. Jorge Miranda, desde 1990. Tenho

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aqui comigo, inclusivamente, um texto, de 1990, do Prof. Jorge Miranda que define claramente esses três vectores - podia lê-lo, mas penso que não vale a pena. Todavia, recomendo a sua leitura pelas pessoas que estiverem interessadas. O título da obra é Funções, Órgãos e Actos do Estado (Jorge Miranda, Lisboa 1990, página 325), e nela encontrarão esses três conceitos com a sua caracterização perfeita, pormenorizada e facilmente compreensível. É o que queremos para este caso.
De passagem, sublinho que não bastam os conceitos de "matérias que digam respeito ou interessem às regiões autónomas", porque esses conceitos obrigam a que alguém depois venha dizer que o que interessa e o que diz respeito às regiões autónomas é isto e não aquilo.
Caso se opte por este caminho nesta revisão constitucional, o seu sucesso fica realizado em 90%.
Outro problema que tentámos resolver, apesar de ser uma questão mais simbólica do que real, é o do Ministro da República. Não prometemos a extinção do Ministro da República, nunca o fizemos nem nos Açores nem em campanhas para eleições nacionais. Houve quem o prometesse e hoje diga que extinguir o Ministro da República, afinal, é fazer o mesmo que nós fazemos. Mas isso não é a extinção do Ministro da República.
O que propomos é um corte com o passado relativamente ao nome - e temos todas as razões para o fazer -, porque o carácter ministerial perdeu-se. Deve ser recuperada, sim, a sua feição presidencial e a sua ligação ao Presidente da República. Mudamos o nome, porque o adequamos às funções instituídas na lei, que são funções vicárias do Presidente da República para o funcionamento normal do sistema, tais como nomear o presidente do governo e respectivos membros, tendo em conta os resultados eleitorais, o exercício de veto e demais competências que serão, na sua raiz, presidenciais mas exercidas na região por esse vicário do Presidente da República. Por isso, ele deve ser nomeado apenas pelo Presidente da República, ouvidos os órgãos de aconselhamento do Presidente da República, e não sob proposta do Governo.
Já não concordamos com a introdução de novos problemas, de novos factores, como dizer que ele funciona junto do Presidente da República e que lhe será atribuída residência. Tal não tem lugar constitucional nem sequer é (nem nunca foi) um problema para a região que aqui está representada. Portanto, não tem lugar na prática nem sequer na teoria - até não percebo porque tem lugar na Constituição, mas alguém terá uma explicação para isso.
O facto de querermos encerrar problemas e não abrir problemas novos é que explica que não tenhamos tocado noutros assuntos, tais como o círculo dos não residentes ou o círculo da emigração. Não temos qualquer objecção de princípio contra esses círculos, até porque sempre os aprovámos no estatuto! Eles estão previstos no estatuto, pelo menos desde 1980, aprovado com os votos favoráveis do PS na Região Autónoma dos Açores e na Assembleia da República. Na verdade, essa situação não é nem nunca foi um problema para nós.
Efectivamente, estas matérias levantam alguns problemas e não avançámos por aí porque não queremos deixar "pontas" de problemas por resolver. Na realidade, consideramos claramente contraditório que, por um lado, se tenha a territorialidade como característica específica e explicitamente constitucional, definindo as regiões como pessoas colectivas territoriais e, por outro, se preveja um círculo para o Parlamento Europeu e emigrantes a votar nas regiões autónomas. Parece-nos que o problema não se resolve desta forma.
Aliás, se me permitem, a via de solução deste problema está há muito tempo apontada, no primeiro parecer que existe a esse respeito - o Parecer n.º 11/82, ainda da Comissão Constitucional -, no qual se refere que só há duas maneiras de resolver esse problema. Uma delas é considerar que só são eleitores aqueles que residem na região, salvo ressalva constitucional expressa - como se faz essa ressalva? Confesso que quando formulámos essa questão não tínhamos ideias claras sobre isso, mas estamos perfeitamente abertos a uma solução e tal nunca nos causou problemas no estatuto. A outra solução, que também é citada no mesmo parecer, é semelhante à solução espanhola (artigo 7.º da lei orgânica da Catalunha), que estipula que, a cidadãos espanhóis no estrangeiro que ali nunca tiverem sede de vida, é exigida uma residência indirecta, isto é, que os pais tenham tido a última residência em território espanhol, respectivamente numa dessas regiões. Temos aqui, portanto, dois caminhos possíveis abertos para resolver o problema.
Volto a repetir que esta situação não nos causa qualquer angústia, qualquer dificuldade, qualquer problema, qualquer conflito interior ou exterior do ponto de vista dos princípios, mas não queremos que, em sede constitucional, ela fique na penumbra, na ambiguidade e na confusão.
Neste momento, em relação ao círculo para ao Parlamento Europeu, a verdade é que esse problema está resolvido de uma forma política para as regiões autónomas. Mas não sei como se resolve esse problema respeitando o que foi acordado, já por este Governo, no Conselho de Ministros de 25 de Julho e de 23 de Setembro de 2002, de que resultou que os Estados-membros podem adaptar às suas especificidades, mas sem prejuízo do carácter profissional do sistema de escrutínio. Aí é que podemos ter algum problema.
Com efeito, ao contrário do que acontece com o círculo dos emigrantes, esse problema não pode ser resolvido separadamente para as regiões autónomas; esse problema tem de ser resolvido conjuntamente para todo o País. Causa-nos uma certa surpresa que para as regiões autónomas haja a grande preocupação de consagrar uma regionalização do voto para o Parlamento Europeu, que tem de ser enquadrada na regionalização do voto para todo o País. Há uma grande preocupação da parte das regiões autónomas: as regiões autónomas ganharão algo com isso? Não sei. Sei que o PS tem o seu problema resolvido neste momento, sempre aproveitou essa solução, aproveitou-a até ao fim e não a desperdiçou em nenhuma situação. Já outros não fizeram o mesmo.
Em suma, são estas as questões de fundo que colocamos e é esta a nossa perspectiva sobre a revisão constitucional.
Apesar de já ter sido abordada pelos dois intervenientes anteriores, vou referir rapidamente a ligação entre a revisão constitucional e a própria revisão do estatuto.
Concentrámos as nossas intenções em três problemas: as competências legislativas, o representante especial de soberania e o sistema eleitoral.
Já demonstrámos, por processos diferentes, adequados a cada um dos temas, que a preocupação (pelo menos desde 1982) dos dois maiores partidos é a de termos um sistema eleitoral nas regiões autónomas que não permite dizer qual é o vencedor das eleições em determinadas circunstâncias. Não é possível continuar a haver um sistema

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eleitoral que não consegue designar com rigor quem é que ganha eleições - mas é o que acontece. Quem tem mais votos é que devia ter mais Deputados!
O sistema actual não pode continuar a persistir. É um problema tão grave - ou mais grave ainda - para a autonomia como o da indefinição das competências legislativas, ou como o tal problema simbólico do Ministro da República. Além disso, o sistema actual tem claras infracções à proporcionalidade e à igualdade da representação.
Desde Março de 2001, temos uma solução estudada, que se encontra em fase técnico-preparatória e foi interrompida pelas razões já referidas, exactamente para permitir avançar com um processo de revisão constitucional que nos faculte a iniciativa nessa área. Pensamos que essa solução será a coroa, a cúpula, o ponto máximo desta revisão constitucional. Se conseguir resolver esses três problemas, que estão intimamente ligados, então este modelo de revisão constitucional para as autonomias alcançará um fim glorioso e encerrar-se-á da melhor forma, isto é, com a resolução dos problemas ainda pendentes e que, para nós, são basicamente três.
Faço votos que os trabalhos desta Comissão contribuam para a resolução destes problemas (também dos outros, se possível), estando nós, PS dos Açores, inteiramente disponíveis para colaborar.
Embora não me cumprindo falar em nome do PS nacional, sempre direi que todo este processo tem sido conduzido de acordo com a tradição que temos de não ser o PS dos Açores a apresentar qualquer projecto de revisão constitucional. Revemo-nos no projecto apresentado pelo PS na Assembleia da República, por ter competência para tal, e participamos activamente na sua apresentação, que foi efectivamente o que aconteceu.
Peço desculpa se me alonguei um pouco, mas o meu problema é o de já ser velho demais para estas coisas.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Dionísio Sousa.
Srs. Deputados, vamos então passar à fase de debate.
Peço aos Srs. Deputados que já se inscreveram para intervir e aos demais que, eventualmente, se venham a inscrever que, quando quiserem formular perguntas, para além das considerações de ordem geral que entendam fazer, identifiquem claramente a pessoa a quem essas perguntas são dirigidas, para que não fiquemos depois na dúvida sobre a pessoa a quem dar a palavra para responder.
Em primeiro lugar, inscreveu-se o Sr. Deputado Joaquim Ponte.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de começar por cumprimentar todos os Srs. Deputados que constituem a delegação que hoje aqui representa a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Escusado será dizer o meu gosto em encontrá-los a todos nesta Casa (muitos foram meus colegas quando também estive na Assembleia Legislativa Regional dos Açores). Por isso é com gosto, e até alguma emoção, que os revejo aqui.
Ouvi com muita atenção - como era, de resto, o meu dever - as exposições que aqui foram feitas e também quero transmitir-vos o meu sentimento, como Deputado eleito pelos Açores nesta Assembleia, relativamente a este processo de revisão constitucional.
Penso estarem criadas condições, como dizia o Sr. Deputado Dionísio Sousa, para que, num processo de aproximação de posições, sobretudo entre os maiores partidos representados nesta Câmara, se consiga dar um passo importante no que respeita à revisão constitucional.
Poderemos estar em desacordo, ou poderá haver alguma divergência, por enquanto, relativamente à essência de algumas das matérias em discussão, mas haverá acordo pelo menos quanto às matérias de fundo que devem ser apreciadas e resolvidas nesta revisão constitucional. Obviamente, estou a referir-me, apenas e só, àquilo que tem a ver com as regiões autónomas, o que me parece ser um bom ponto de partida.
Como sabem os Srs. Deputados dos Açores, o PSD apresentou uma proposta conjunta de revisão constitucional, ou seja, o PSD dos Açores, o da Madeira e o nacional constituem e subscrevem uma única proposta. Não é exactamente esta a situação dentro do Partido Socialista, pois, como pudemos constatar hoje, o PS dos Açores tem uma posição idêntica à aqui proposta pelo PS, já não acontecendo o mesmo com o PS da Região Autónoma da Madeira, que subscreveu uma proposta com origem na própria Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Mas, independentemente destas divergências, quero dizer-vos que me parece que o sucesso desta revisão constitucional estará dependente da própria capacidade que o Partido Socialista tiver de ceder relativamente a algumas das propostas que o PSD aqui apresenta, que são subscritas pela Região Autónoma da Madeira e que, na minha perspectiva e pelo que pude retirar das intervenções de hoje, também serão subscritas, de alguma forma, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Tal como foi dito, essas matérias prendem-se essencialmente com uma questão que julgo ser básica para o funcionamento da nossa autonomia, a da capacidade legislativa das assembleias legislativas regionais.
Uma questão que coloco ao Sr. Deputado Dionísio Sousa - se o Sr. Presidente mo permite - é que, ao contrário do que me pareceu querer dizer o Sr. Deputado, a proposta do PSD vai no sentido de confiar, em termos de capacidade legislativa das assembleias legislativas regionais, todas as matérias que estão fora da reserva exclusiva dos órgãos de soberania. E, quando falamos de competência própria dos órgãos de soberania, estamos a querer incluir (e este aspecto pode ficar claro num processo de revisão constitucional) aquilo que constitui a reserva exclusiva, a reserva própria dos órgãos de soberania, matérias que, como se sabe, vêm claramente identificadas na Constituição.
O que queremos dizer é que as assembleias legislativas devem legislar sobre todas as matérias que não constituam reserva, absoluta ou relativa, e que estão cometidas aos órgãos de soberania. É o que pretendemos.
Essas matérias estão esclarecidas e discriminadas na Constituição e parece-nos - é esta a questão que quero colocar - que uma proposta que vá neste sentido (é o caso da proposta que apresentamos) suscita menos problemas em termos de interpretação legal destas leis pelo Tribunal Constitucional do que aquela - essa, sim, complicada - que é apresentada no projecto do Partido Socialista e que refere a especial configuração das matérias.
De facto, se substituirmos "especial configuração" por "interesse específico", ou falarmos em "leis gerais da República", voltaremos a uma situação muito idêntica àquela que temos, se não for mesmo pior!

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Não quero criar polémica alguma, quero apenas colocar uma questão para tentar ser esclarecido e, também, esclarecer a nossa posição, que é esta: pretendemos que os poderes legislativos das assembleias legislativas regionais sejam aqueles que estão fora da competência exclusiva dos órgãos de soberania, poderes esses que estão claramente descritos na nossa Constituição.
De entre as quatro questões que me parecem ser as mais importantes, há mais duas que devem ser abordadas no âmbito deste processo de revisão constitucional.
Uma delas é a relativa ao Ministro da República. Neste momento, estamos numa situação em que me parece fácil chegar a um consenso, o da substituição do Ministro da República por um representante da República.
Quanto à possibilidade de a dissolução, também aqui referida, dos órgãos de governo próprio da região poder deixar de ter um carácter sancionatório e passar a ter um carácter político, também me parece uma alteração importante e consensual.
Relativamente à questão dos círculos para o Parlamento Europeu, confesso que me custa ouvir os Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores a questionarem, na Assembleia da República, a possibilidade de os Açores terem um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu. Que qualquer outro Sr. Deputado pudesse levantar esta questão, eu perceberia, mas o facto de serem Deputados insulares a levantar esta questão custa-me muito a entender. De resto, não é a primeira vez que tal acontece, pois já se passou o mesmo na última reunião, quando ouvimos o Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
A nossa posição é a de que devemos manter esta proposta. Esperamos que o Partido Socialista venha a evoluir também sobre esta matéria e se aproxime da nossa posição, permitindo a criação de um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu, em cada uma das nossas regiões. Tal pode ser facilmente compatibilizado com a proporcionalidade, porque entendemos que essa proporcionalidade é nacional e não, necessariamente, resumida ou restrita a um círculo dos Açores ou da Madeira.
Portanto, teremos de encontrar uma proporcionalidade nacional, tal qual acontece nas eleições para a Assembleia da República, por exemplo, em que essa exigência também se coloca.
Mas esta é uma das matérias em que, eventualmente, poderá não haver um acordo, de momento, mas penso que seria positivo que evoluíssemos nesse sentido, ou seja, que as duas regiões autónomas tivessem um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu - a verdade é que as nossas regiões beneficiam de um estatuto próprio mesmo na Europa. O próprio Tratado da União confere-lhes um tratamento específico como regiões ultraperiféricas, havendo articulado próprio nesse Tratado que lhes diz respeito, pois exceptua e trata de forma substancialmente distinta as nossas regiões, para que também elas possam estar representadas no Parlamento Europeu, independentemente da vontade política dos partidos que actuam na nossa região autónoma.
Antes de terminar, Sr. Presidente, renovo os votos e a expectativa de que os trabalhos desta Comissão corram o melhor possível. Oxalá, que os objectivos que prosseguimos - os objectivos de terminar com zonas de conflitualidade, de melhorar e esclarecer de uma vez por todas a capacidade legislativa da nossa região, de aumentar os poderes da nossa autonomia e de melhorar a nossa representação, quer junto do Estado quer das instâncias europeias que integramos -, todos eles, possam ser consignados nesta revisão constitucional.
Concluo, Sr. Presidente, renovando os meus cumprimentos a toda a delegação, desejando-lhes uma boa estadia e boa viagem de regresso às suas casas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por saudar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, pelo facto de estarem hoje connosco a dar-nos o seu contributo nesta tarefa, que é em grande medida comum, de revisão do texto constitucional, a nossa lei essencial.
Saudando-os a todos, por igual, gostaria também de, desde já, dar conta da nossa concordância plena e total com as declarações, as propostas e o enunciado que delas fizeram os Srs. Deputados Fernando Lopes e Dionísio de Sousa, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. E, ao dar a nossa concordância com o que foi dito, queremos deixar vincado, de forma muito precisa, que o Partido Socialista como um todo tomou a iniciativa deste processo de revisão constitucional com o objectivo essencial de redefinir o quadro constitucional das autonomias regionais e o sistema eleitoral com ele conexo. Isto é, a revisão do quadro constitucional, do estatuto constitucional das autonomias foi por nós iniciada e estamos convictos, temos uma confiança moderada, de que será possível encontrar pontos de convergências com todos os partidos e, desde logo, com o partido que connosco faz uma maioria de dois terços. Isto é, aqui o problema não se põe em termos de cedências.
Tomámos esta iniciativa muito firme, no sentido de procurar a convergência com todos os partidos políticos, por isso propomos ao PSD: "Vamos encontrar a convergência necessária para alterarmos o estatuto constitucional dos Açores e da Madeira, que está vertido no texto constitucional". O nosso propósito é esse, por isso trabalhem connosco, como já fizeram ao participar na revisão constitucional, para encontrarmos pontos de convergência, que, estamos convictos, são possíveis.
Como disse o Sr. Deputado Dionísio de Sousa, esta é uma oportunidade única para acabarmos com uma querela constitucional, indo ao encontro de um ponto de consenso - que nos foi transmitido pelo Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema eleitoral, em representação do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional -, que é o de, no sistema eleitoral, terem poder de iniciativa as próprias regiões autónomas.
Nós estamos de acordo com essa alteração, porque entendemos que o estatuto das regiões autónomas e as leis eleitorais devem passar a estar consagrados na Constituição - um deles já está, mas o outro também deve estar -, atribuindo o poder de iniciativa às regiões autónomas.
Nesse sentido, esse é um trabalho que, sendo da responsabilidade estatutária da Assembleia da República, temos de fazer em conjunto. Isto é, seria bom que no fim desta revisão tivéssemos, em termos do estatuto das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e da lei eleitoral, uma matriz constitucional consistente, um ponto de

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partida forte e indiscutível para o novo modelo. E foi por isso que nós, quando apresentámos o nosso projecto, o fizemos depender, na sua articulação, de uma consagração de contornos precisos e nítidos quanto ao sistema eleitoral.
O sistema eleitoral, para nós, é integrante da Constituição material, não o sendo no plano formal - quanto a estar ou não integrado na Constituição, o Tribunal Constitucional já resolveu essa questão. Integrado ou não, são matérias de natureza distinta, mas, a partir de agora, com a vontade de todos - e aqui apelo a todos os grupos parlamentares - podemos ter um estatuto constitucional material (estatuto das regiões e lei eleitoral) consistente, para avançarmos para um novo modelo.
Este novo modelo procurará resolver uma questão de cuja dificuldade todos temos consciência, como já foi dito pela generalidade dos Srs. Deputados que intervieram, quer pelos da Assembleia Legislativa Regional dos Açores quer pelo meu colega, que me antecedeu, do Partido Social Democrata.
Há um problema de poder político resultante de uma indefinição, ou de uma dificuldade de clarificação, das competências legislativas, quando articuladas as competências próprias, as competências autorizadas, as competências de desenvolvimento e as competências primárias das regiões autónomas. Por essa razão, em nosso entender, seria positivo que houvesse uma clarificação precisa e, também, uma margem de evolução negocial aberta, que, na nossa perspectiva, se pode condensar no próprio estatuto das regiões autónomas.
Quando admitimos que as matérias de especial configuração ou de interesse específico estão no estatuto e as retiramos do texto constitucional, queremos dizer que o instrumento negocial aberto passa a ser o estatuto. E, dessa forma, não criamos uma solução rígida - as soluções rígidas, como sabemos, são sempre adoptadas em detrimento das autonomias - mas, pelo contrário, encontramos uma solução configurada, mas aberta, que permite um processo negocial na feitura dos estatutos, que pode ser evolutiva.
Relativamente à questão do sistema eleitoral, não podemos estar mais de acordo: a verdade política tem de ser igual à verdade eleitoral. Não é possível, 30 anos depois da Constituição de Abril, que fundou o Estado democrático, termos alguns resquícios que não ajudam a que a verdade política corresponda à verdade eleitoral. Isso só é possível com um sistema de igualdade e de representação proporcional, como já foi dito pelos colegas que me antecederam.
Quanto ao Ministro da República, fica confinado à solução que deve ter, sob pena de alterarmos o sistema de governo da República, de órgão que regula a produção legislativa e que representa a República. Basicamente, ele é o órgão regulador da produção legislativa, tendo o direito de veto, de assinatura política e de controlo da constitucionalidade das normas emitidas nas regiões.
Não seria possível alterar essa função sem pôr em causa o próprio sistema de governo da República, porque se passasse a ser uma função directa do Presidente da República alterava-se profundamente o sistema de governo da República e a própria natureza de um Estado unitário com uma só Constituição, com um só conjunto de regras de exercício da soberania.
Quanto a outras questões que foram colocadas na intervenção do Sr. Deputado Dionísio de Sousa, o Partido Socialista, como um todo - e neste ponto, mais uma vez, falo em nome do Partido Socialista como um todo -, está disponível e aberto para aceitar todas as soluções que sejam equilibradas, que correspondam ao sistema contido na Constituição e que atendam ao todo nacional.
As regras da proporcionalidade, da adequação, da naturalidade e da residência têm de ser combinadas em sistemas que não criem desigualdades. Por isso, creio que a informação de que Assembleia Legislativa Regional dos Açores preparou uma iniciativa relativamente ao sistema eleitoral é muito relevante.
Penso que seria um passo extremamente importante para a República que no fim dos nossos trabalhos tivéssemos um novo estatuto constitucional das regiões autónomas e uma nova lei eleitoral para as regiões autónomas. E, nesse sentido, a questão que coloco aos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares, relativamente a estes três pontos, e que incide mais directamente neste último, é se a Assembleia da República pode contar com a iniciativa legislativa dos Açores, no plano do sistema eleitoral, que é também uma necessidade importante, para resolver definitivamente uma querela constitucional, que tem que ver com os Açores e, simultaneamente, com a Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, saudar a presença, nos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, da delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, aqui presente.
Queria, ainda, congratular-me vivamente com a forte representatividade e pluripartidarismo desta delegação e, naturalmente, com o excelente contributo que estão a dar para os trabalhos da revisão constitucional.
Tendo em conta a importância que o capítulo das autonomias regionais tem nesta revisão constitucional, quer em termos absolutos quer em termos relativos, a participação activa das assembleias legislativas regionais neste processo é muito importante. Portanto, queria manifestar o nosso regozijo relativamente à grande contribuição que os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, aqui presentes, estão a dar.
Começo, desde logo, por manifestar a nossa compreensão pelo facto de uma das questões que aqui trouxeram ter que ver com o mandato que têm na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, de revisão do respectivo sistema eleitoral, que, embora não seja uma matéria a debater directamente na revisão constitucional, é, obviamente, uma matéria, diria, paraconstitucional, e a prova disso é que não tem havido nenhuma reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional em que essa matéria das leis eleitorais das regiões autónomas não tenha sido abordada.
De facto, é uma matéria muito relacionada com a organização do Estado, do nosso sistema político, e tem estado muito presente nos trabalhos desta revisão constitucional, portanto, também aí a contribuição da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, é, diria, não apenas importante mas absolutamente decisiva.
Tinha uma questão a colocar a esse respeito, mas começaria por dizer, relativamente a outras questões que também abordaram relacionadas com a revisão constitucional, que creio que haverá alguma margem para um consenso. Estou a referir-me, por exemplo, à questão da nova configuração

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a atribuir ao Ministro da República. Creio que há um consenso generalizado, no sentido de que se encontram desactualizadas, quer a designação, porque já não corresponde às funções que presentemente desempenha, quer a "governamentalização" da figura de Ministro da República, sendo que deve ser ajustada à realidade e àquilo que todos consideramos dever ser o papel do representante da República nas regiões. Portanto, creio que nesta matéria haverá uma convergência significativa de opiniões.
Uma questão que valerá a pena aprofundar é a da forma constitucional que deve revestir a clarificação dos poderes legislativos das regiões autónomas, porque são propostas soluções diversas. E, naturalmente, é muito importante a opinião das assembleias legislativas regionais e dos Deputados dos diversos grupos parlamentares que as integram a este respeito, porque penso que está em aberto a hipótese de encontrar uma solução. Isto é, todos convergimos na ideia de que o sentido é o do aprofundamento da autonomia, e não o contrário, por isso não está em causa introduzir nenhuma restrição às competências legislativas actualmente existentes.
Portanto, penso que existe um sentido de reforço da autonomia em todos os projectos de revisão constitucional e, também, que todos têm a consciência de que se tem revelado errada a solução ensaiada em 1997, de considerar que são leis gerais da República as que o decretem. Mas, depois, há diferenças nas propostas apresentadas, quanto à forma de clarificar as competências legislativas regionais. Por exemplo, há propostas no sentido de elas se densificarem no estatuto.
Nós fizemos uma tentativa, que consta do nosso projecto de revisão constitucional - que, como sabem, tivemos oportunidade de discutir numas jornadas parlamentares que realizámos na Região Autónoma dos Açores -, de encontrar uma solução que estabeleça as competências das assembleias legislativas regionais por exclusão de partes relativamente às competências próprias dos órgãos de soberania.
Isto é: ressalvadas as competências próprias dos órgãos de soberania e as leis de valor reforçado que não remetam para desenvolvimento ou para adaptação regional, estão encontradas as competências das assembleias legislativas regionais, desde que esse exercício de competências se fundamente num interesse específico invocado pela própria assembleia legislativa regional. É uma tentativa.
Dado que ainda temos de aprofundar este tema para conseguir chegar a uma solução final, é, naturalmente, importante a opinião dos grupos parlamentares das assembleias legislativas regionais.
Esta não é uma proposta fechada, corresponde a uma reflexão que fizemos, porque parece-nos que se deve procurar resolver a questão tanto quanto possível no texto constitucional, para não adoptarmos conceitos vagos ou indeterminados que, depois, causem dificuldades práticas relativamente ao seu âmbito de aplicação.
Finalmente, no que diz respeito à questão da lei eleitoral para as assembleias legislativas regionais, compreendemos a grande importância que atribuem a esta questão, porque, naturalmente, existe, ninguém o ignora, uma questão central, que é o perigo - que, por sorte, nunca aconteceu - de haver uma vitória na secretaria, isto é, que um partido menos votado pelos eleitores, por força da distorção da proporcionalidade actualmente existente, possa ser o partido mais representado na assembleia legislativa regional, o que, a acontecer um dia, nos colocaria a todos perante uma situação, no mínimo, incómoda (e eu diria mesmo democraticamente absurda), de o partido que tem mais votos ficar na oposição e de o partido que tem menos votos ficar no governo.
Portanto, creio que é óbvio e compreensível que exista preocupação relativamente a esta matéria, independentemente de quem sejam os eventuais beneficiários numa situação destas, porque não é isso, obviamente, que nos deve preocupar; o que nos deve preocupar é que essa situação não ocorra, a bem da democracia e a bem da saúde do regime democrático.
Por isso, também compreendemos perfeitamente e vemos com muito apreço o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na Assembleia Legislativa Regional dos Açores para encontrar soluções que permitam que, em qualquer situação, a verdade democrática prevaleça na transformação de votos em mandatos.
Esta é que é, de facto, a questão central e, por isso, valeria a pena deixarmos as questões laterais. Acho que estarmos a discutir se deve haver agora um círculo eleitoral para os cidadãos naturais da região que vivam no estrangeiro é uma questão lateral, porque essa possibilidade esteve consagrada durante quase 20 anos e, por alguma razão, nunca foi utilizada. Assim como creio que é uma questão lateral estarmos, neste momento, a discutir se deve haver ou não círculos eleitorais regionais para as eleições para o Parlamento Europeu, o que, obviamente, seria de difícil compatibilização com a aplicação de um princípio geral de proporcionalidade a todo o território nacional, porque elegemos apenas 24 Deputados para o Parlamento Europeu e não 230.
Creio que toda a gente tem consciência disto, mas também creio que não vale a pena alimentarmos muito essas questões laterais, devemos antes centrarmo-nos na questão essencial, a de encontrar uma forma de assegurar que quem tem mais votos tenha mais Deputados.
Ora, sabemos que nesta matéria tem havido um trabalho desenvolvido na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, havendo já uma proposta aí aprovada, que é uma contribuição muito importante para este debate, e, portanto, a questão que coloco é a de saber se está a ser encarada a hipótese de a Assembleia Legislativa Regional dos Açores exercer o seu poder de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República para suscitar aqui a discussão sobre a sua proposta de revisão da lei eleitoral. Gostaria de conhecer a opinião de VV. Ex.as sobre esta possibilidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de saudar a delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e todos os seus membros. Trata-se de uma delegação pluralista, que já nos ilustrou com diferentes posições e isso é sempre de encarecer, tendo, aliás, muito a ver com o espírito destas audições.
Neste momento penso que todos os Deputados da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional estão em melhores condições de entender o que pensam os diferentes grupos parlamentares com assento na Assembleia Legislativa Regional dos Açores sobre as matérias da revisão constitucional e correlativas.

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Portanto, da minha parte não quero deixar de saudar todos os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, nomeadamente aqueles que tomaram a palavra e que muito vêm facilitar o trabalho dos Deputados da Assembleia da República, agora com poderes constituintes.
Pelo que me foi dado observar nas diferentes intervenções, é óbvio que também aqui há de novo uma boa e geral convergência de pontos de vista, razão pela qual confesso que não entendo o que o Sr. Deputado Joaquim Ponte aqui trouxe, porque, de facto, não foram essas as expressões usadas pelos Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, como cedências… Só haverá revisão constitucional por entendimentos, que é uma expressão que considero superior à expressão "cedência".
Não percebo como é que esta expressão aparece aqui, porque todos os partidos, nomeadamente o PS e o PSD, que vão reunir os dois terços para uma possível revisão constitucional, estão de acordo num tronco comum de matérias atinentes ao título "Regiões autónomas". Aliás, gostava de voltar a referir o que já foi dito, ou seja, que o Partido Socialista apresentou mesmo um projecto de revisão constitucional que só trata das questões autonómicas. Esse é o maior elogio que o Partido Socialista pode fazer à importância da autonomia insular, como eu gosto de a caracterizar.
Portanto, desse ponto de vista, no decorrer da apresentação, na generalidade, dos projectos de revisão do PS, do PSD e CDS-PP, do PCP, do BE e de Os Verdes, ficou quase consagrado que é possível fazer esta revisão constitucional em matéria de regiões autónomas. Por isso creio que cavar possíveis omissões ou divergências não será um bom serviço para uma meta que está ao nosso alcance.
Se durante o decorrer desta Comissão Eventual se começar a verificar um assento tónico em questões de disparidade dos projectos, vamo-nos desviar do objectivo comum, que é exactamente o de desenvolver uma convergência de pontos de vista, que permita, em tempo oportuno, ou seja, até Março, como o Partido Socialista defende desde o início, o termo desta revisão constitucional, tendo em conta que haverá eleições nas regiões autónomas no próximo Outono.
As matérias consensuais estão adquiridas, embora eu próprio tenha uma dúvida ou outra, razão pela qual gostaria de deixar aqui uma pergunta para os intervenientes de todos partidos, que tem a ver exactamente com…
Obviamente, estamos todos de acordo que a expressão "interesse específico" não é a mais feliz, tendo tido uma interpretação conflitual para os poderes legislativos das regiões autónomas, e que queremos aumentar esse poder legislativo, sendo essa até a nossa principal preocupação neste momento, mas, tendo em conta até que os diferentes projectos são parecidos desse ponto de vista, gostaria de perguntar aos Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores se acham que é um avanço ou um recuo o desaparecimento no artigo 228.º, se a memória me não falha, da "tábua" exemplificativa de competências legislativas regionais e se a simples remissão para os estatutos preenche os requisitos de segurança das competências, que pessoalmente considero, apesar de tudo, melhor defendidas se estiverem exemplificadas na própria Constituição.
Como os projectos de revisão do PS e do PSD e CDS-PP apresentados na Assembleia da República têm a mesma técnica, isto é, retiram a "tábua" exemplificativa das competências, pergunto se não seria de imaginar a manutenção de uma "tábua" exemplificativa de competências legislativas, que é o actual artigo 228.º da Constituição, a par destes avanços conceptuais, que se cifram, como todos nós sabemos, na retirada das expressões "interesse específico" e "leis gerais da República". Esta é a pergunta que deixo a todos os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Como já ficou assinalado nas actas desta Comissão, eu também tenho vindo a colocar esta questão, que me parece importante, de que a filosofia geral desta revisão constitucional é fazer avançar o processo autonómico do ponto de vista legislativo, e a técnica política e jurídica que se encontra para o efeito é a de criar os grandes parâmetros na Constituição e remeter para os estatutos esse alargamento do poder legislativo. É este o espírito desta revisão, mas é bom saber-se que vai haver uma relativa desconstitucionalização dos poderes autonómicos e uma remessa para os estatutos, que pode ter prós e contras, e esta é a razão pela qual gostaria de dizer que eu próprio me sentiria mais seguro se continuasse a existir a tal "tábua" exemplificativa de matérias de competência legislativa das regiões autónomas.
As outras questões têm a ver exactamente com as questões colaterais, mas que podem vir a ter importância para a discussão política do projecto de revisão, e são exactamente essas questões que são omissas no projecto de revisão do Partido Socialista. Ora, como disse na apresentação, na generalidade, do projecto de revisão do Partido Socialista, as nossas omissões são isso mesmo, são omissões, e, portanto, estamos abertos a discuti-las na especialidade e num acordo global sobre a revisão constitucional em matéria das regiões autónomas.
A ideia do círculo eleitoral para as assembleias legislativas regionais para os não residentes é uma ideia que o Partido Socialista acaricia, que nos é simpática, que já propusemos várias vezes e que, aliás, está no Programa de Governo do Partido Socialista de 2002. Portanto, nós fomos para a campanha eleitoral em 2002 com um capítulo sobre as regiões autónomas, que se chamava "Por uma autonomia exigente", onde está expresso que o Partido Socialista defende um círculo eleitoral para as assembleias legislativas regionais no que diz respeito aos emigrantes (é assim que se designa normalmente, embora, na prática, fosse mais apropriado dizer "não residentes").
O Sr. Deputado Dionísio de Sousa recordou, e muito bem, que isso, no fundo, já faz parte das aquisições consensuais da autonomia, pois está versado nos estatutos desde 1980, portanto, já fez um longo caminho.
Há dificuldades constitucionais como há dificuldades técnicas. Não podemos deixar de reconhecer que haverá dificuldades técnicas a nível da lei eleitoral para resolver certas questões do voto dos emigrantes ou dos não residentes. Portanto, terá de haver um trabalho político, jurídico e de leis eleitorais comparadas, tendo em conta a especial configuração que esse caso toma nos Açores e na Madeira, para tentar resolver as questões.
Para além disso, há um problema que, a partir da última sessão desta Comissão, ganhou um especial relevo, o dos círculos eleitorais para o Parlamento Europeu.
Em Outubro do ano passado, aquando do congresso do PS dos Açores na Ilha Terceira, foi-me colocada esta questão, tendo eu defendido que era possível resolvê-la, alterando por completo a lei eleitoral nacional para o Parlamento Europeu. De facto, não é obrigatório que haja apenas um

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círculo nacional para o Parlamento Europeu; o que é obrigatório, como já aqui foi referido pelo Sr. Deputado Dionísio de Sousa, é que a adaptação interna das leis eleitorais para o Parlamento Europeu respeitem aproximadamente, na sua essência, o princípio da proporcionalidade. Por esta razão, a título indicativo, considerei que, a haver círculos eleitorais para os Açores e para a Madeira - é uma possibilidade, como é óbvio -, teria de haver uma remodelação da filosofia geral da lei eleitoral nacional para o Parlamento Europeu.
Nada nos obriga a ter três círculos eleitorais: um círculo eleitoral para o continente, um círculo eleitoral para os Açores e um círculo eleitoral para a Madeira. Podemos vir a ter - aliás, isso seria uma homenagem à pretérita regionalização proposta pelo PS - círculos eleitorais regionalizados também no continente, que poderiam ou não permitir respeitar o princípio da proporcionalidade. A minha proposta é mais do que ensaística; teríamos de ver qual o resultado em termos da proporcionalidade.
Uma coisa é certa, Sr. Presidente: Portugal está vinculado ao sistema proporcional por uma decisão tomada em Conselho de Ministros da Comunidade, de Junho e Setembro de 2002, cuja assinatura nem sequer é de nenhum membro do PS, é já da autoria do actual Governo da República. Portanto, qualquer solução que venha a verificar-se nesse domínio terá de ter em conta essa decisão do Conselho de Ministros da Comunidade.
Só me resta agradecer, mais uma vez, as luzes que aqui nos foram trazidas pelos Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Para terminar, vou repetir algo que disse no início, ou seja, que para nós foi muito gratificante poder entender as diferentes posições dos partidos com assento na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, numa prova de pluralismo que corresponde ao lema com que o PS está nesta revisão constitucional: "Mais democracia, mais autonomia".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, começo por cumprimentar muito especialmente todos os representantes da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e por agradecer, em nome do CDS-PP, a participação que aqui tiveram em relação a este processo de revisão constitucional. Aliás, essa participação, pelas várias notícias que vamos tendo, sucedeu em vários fóruns, a discussão existiu, as várias posições foram sendo expressas, tendo este debate e os projectos de revisão constitucional apresentados pelos vários partidos ganho com essa discussão.
Não posso deixar de salientar as razões fundamentais de o CDS-PP ter entendido que o projecto que apresentou em conjunto com o PSD deveria levar a um conjunto de modificações em relação à matéria das autonomias regionais.
Em primeiro lugar, a defesa das autonomias regionais ao longo dos anos e das várias situações de possíveis revisões constitucionais. Isto é, a nossa opção é claramente pelo aprofundamento dessas mesmas autonomias, devendo desde já sublinhar que o projecto por nós apresentado é um marco em relação a essa matéria.
Em segundo lugar, consideramos essencial que se aperfeiçoe o funcionamento, no plano institucional, daquilo que respeite a estas matérias, fundamentalmente retirando peso de alguma conflituosidade a que certas vezes assistimos e que, com toda a certeza, não trouxe os resultados mais positivos na relação com as regiões autónomas, no sentido de um aprofundamento desse mesmo funcionamento.
Em terceiro lugar, também respondemos positivamente a um esforço feito pelo Sr. Presidente da República, com várias tomadas de iniciativa e auscultação de opinião em relação a esta matéria.
Em quarto lugar, também não podemos deixar de salientar que consideramos importante que a revisão constitucional caminhe no sentido de não permitir um conjunto de interpretações restritivas, que foram sendo feitas ao longo dos anos pelo Tribunal Constitucional, quanto a estas matérias.
Por fim, não poderia deixar de referir - e, com certeza, vão compreender que o faça - o esforço que fizemos com o CDS-PP dos Açores e da Madeira para a apresentação de um projecto que fosse comum, do partido, ouvindo as suas opiniões, por vezes distintas em relação a algumas matérias. Considerámos que assim dávamos um exemplo quanto ao funcionamento das autonomias dentro do partido.
Em relação às matérias de revisão constitucional, os projectos podem ter, como deverão compreender, vários objectivos: podem servir como um caminho para modificações da própria Constituição; ou podem servir como uma demarcação clara do modelo de Constituição que consideramos dever vigorar.
Quanto às autonomias regionais, que é uma matéria importante nesta revisão constitucional, preocupámo-nos com as duas vertentes, isto é, não só com a demarcação do modelo, que é um modelo concreto, mas também com possibilitar evoluções que consideramos importantes quanto a estas matérias.
Fundamentalmente, tenho quatro questões a colocar, duas em relação a aspectos que não considero centrais dos projectos de revisão e outras duas em relação aos aspectos mais centrais.
A primeira dessas questões tem que ver com a definição e determinação da natureza do Estado. Pretendo saber se os representantes da Assembleia Legislativa Regional dos Açores consideram, ou não, que a definição do nosso Estado como Estado unitário regional corresponde, de facto, à consideração, na própria Constituição, da relação entre as regiões autónomas e o Estado central. Gostaria de saber, portanto, se a consideração de Estado unitário regional não é precisamente aquela que corresponde à formulação que temos, ou que poderemos vir a ter depois desta revisão constitucional, das regiões autónomas na nossa Constituição.
Pergunto também se entendem como positiva a possibilidade de os Deputados das assembleias legislativas regionais poderem exercer, quanto às matérias que especificamente tenham a ver com autonomia regional, poderes de iniciativa em relação à revisão constitucional, isto é, a possibilidade de apresentarem, quanto a essas matérias em específico, projectos de revisão constitucional, aberto que esteja o período de revisão constitucional.
A terceira grande questão tem que ver com os poderes legislativos. Há, de facto, um amplo consenso quanto à necessidade de se clarificar a divisão dos poderes legislativos e o que competirá às assembleias legislativas regionais quanto a essa matéria.
É importante acentuar que, na nossa opinião, o regime a aparecer, de futuro, na Constituição deverá ser claro, isto é, um regime que não possibilite interpretações restritivas

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quanto a esse poder. Assim, o que pretendo perguntar é se consideram, ou não, essencial que a formulação a consagrar na Constituição quanto à repartição dos poderes legislativos seja fundamentalmente uma formulação clara, isto é, que não suscite qualquer dúvida quanto ao poder legislativo regional, como foram surgindo, por exemplo, na determinação do "interesse específico" e da relação com as "leis gerais da República", referindo, aliás, a infelicidade que é a possibilidade de a definição das "leis gerais da República" se fazer por si mesma.
Por fim, a quarta pergunta refere-se a uma matéria muito discutida no meu partido e que sempre foi vista como positiva. Refiro-me ao sistema eleitoral naquilo que pode ser discutido num processo de revisão constitucional, ou seja, concretamente, à regulação do direito de voto de cidadãos não residentes e à alteração que propomos no n.º 3 do artigo 230.º.
Mais do que saber se consideram, ou não, como positiva essa modificação, o que quero saber é se consideram que poderá ser difícil a determinação, em futura lei de natureza ordinária, do que são os laços de efectiva ligação à comunidade regional respectiva. É que uma das críticas que se faz é a de que se deixa totalmente em aberto a determinação do que são os laços de efectiva ligação à comunidade regional.
Sr. Presidente, são estas as questões que pretendo colocar.
Termino saudando todos os membros da Assembleia Legislativa Regional dos Açores que aqui estiveram presentes. Espero que a estadia seja boa e que o regresso se faça da melhor forma possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero cumprimentar a Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores e, desde já, agradecer a participação neste processo de revisão constitucional, que será, sem dúvida, de grande relevância e utilidade.
Esta audição é tanto mais importante e útil por as matérias da Constituição que dizem respeito às regiões autónomas serem largamente consensuais entre os vários partidos da Assembleia da República e nos vários projectos de revisão constitucional. De resto, como já aqui foi referido por vários Deputados, a vinda desta comissão dos Açores à Assembleia da República é disso exemplo, sobretudo se compararmos - e permitam-me que o faça - com o que se passou com a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que, muito legitimamente, não enviou uma delegação pluripartidária e representativa mas, sim, o seu Presidente.
A Assembleia Legislativa Regional dos Açores deve ser cumprimentada pelo facto de ser assumido o carácter pluralista que lhe subjaz e também pelo trabalho que tem vindo a desempenhar no sentido de dar uma colaboração útil a este processo de revisão constitucional, quer no que diz respeito concretamente à revisão constitucional (já foram aqui abordados vários aspectos e dadas várias sugestões), quer - e este é um aspecto que gostaria de salientar - no que diz respeito a processos subsequentes, como seja, por exemplo, a revisão da lei eleitoral para as regiões autónomas.
Todos sabemos - e todos os partidos aqui presentes o têm referido nas mais variadas situações - que é necessário proceder à correcção de algumas características das leis eleitorais para as regiões autónomas no que diz respeito às implicações que as mesmas têm em termos de uma acentuada distorção do princípio da proporcionalidade dos diversos círculos eleitorais dentro das regiões autónomas.
O PS nacional já deu, e continua a dar, o seu apoio a esta necessidade de se proceder, na sequência da revisão constitucional, à revisão da lei eleitoral, de maneira a que se possa completar com facilidade o edifício legislativo que está na base e dá corpo às autonomias regionais dos Açores e da Madeira. Esta é, de resto, a posição do PS (como já aqui foi dito), que entende que as regiões autónomas são um dos três aspectos com os quais a revisão em curso se deve ocupar.
Volto a repetir os dois aspectos mais importantes desta matéria.
O primeiro, tal como já foi referido por todos os intervenientes, tem a ver com a questão da separação de competências legislativas entre o Estado e a região. Conhecemos mais ou menos bem a posição de cada um dos grupos parlamentares, embora conviesse especificar melhor o que é os representantes da Assembleia Legislativa Regional dos Açores entendem sobre a matéria.
O segundo (mais de cariz de especialidade), que pode ter implicações políticas importantes no que diz respeito às relações entre o Estado e as regiões autónomas, tem a ver com o representante especial da República. Em nosso entender, a sua nomeação não pode ficar dependente de uma proposta do Governo central, como é consagrado no projecto do PSD, como se fosse uma espécie de governador ou - passe a ironia - de ministro das colónias na democracia.
Neste sentido, gostava de perguntar aos Srs. Deputados do PSD/Açores, designadamente ao Sr. Deputado José Manuel Bolieiro, na medida em que foi o porta-voz, como é que aceitam e justificam politicamente aquilo que no projecto de revisão do PSD me parece ser um verdadeiro atentado à autonomia regional, de que o PS, de resto, se tem apresentado como o grande paladino. Refiro-me à proposta de alteração da aliena l) do artigo 133.º, onde se diz que os representantes da República para as regiões autónomas devem ser nomeados e exonerados sob proposta do Governo, como se fossem - e repito a ironia - um chefe militar, um governador ou o tal ministro das colónias.
Como penso que isto tem implicações políticas graves, pergunto como é os Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores defendem esta proposta apresentada no projecto de revisão do PSD.
Muitas pessoas têm tido dúvidas acerca dos três parâmetros apresentados no projecto do Partido Socialista no que diz respeito à configuração das competências legislativas das regiões autónomas - intensidade, diversidade ou exclusividade. E eu pergunto: que matéria, como a do representante especial da República, terá mais ou pelo menos tanta importância (ou se encaixe tão bem) do que a definição de intensidade, diversidade ou exclusividade consagrada no projecto do Partido Socialista?
Gostaria de apresentar uma última questão a todos os Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que me parece ser particularmente importante e que já foi, de resto, referida.
Sei que estamos a fazer audições em sede de revisão constitucional, mas como nós, Partido Socialista, entendemos que as coisas estão intimamente ligadas, pergunto (uma vez que elas não foram apresentadas nesta sede) quais

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são as linhas gerais do projecto de revisão da lei eleitoral para as regiões autónomas, concretamente para a Região Autónoma dos Açores; quais são as posições dos diversos grupos parlamentares relativamente a esse texto, e como encaram a possibilidade e a utilidade de, no caso de ser aprovada essa nova lei eleitoral para os Açores, ela poder já produzir efeitos nas próximas eleições regionais de Outubro.
Sei que tem havido discussão sobre a matéria noutra sede, mas gostaria que aqui, na Assembleia da República, fossem apresentadas essas linhas gerais. Também gostaria de conhecer a posição dos diversos partidos sobre elas e, no caso de serem contra a aplicação da nova lei, se ela for aprovada e aplicada já nas próximas eleições regionais, quais os argumentos impeditivos da a sua aplicação - caso venha a ser aprovada e caso seja bem feita (como se supõe que seja, até porque já está a ser trabalhada há bastante tempo), no sentido de corrigir os tais ataques à representatividade e ao princípio da proporcionalidade dos representantes eleitos na Região Autónoma.
Termino agradecendo a presença da delegação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e os contributos que já foram dados para que este processo de revisão constitucional chegue a bom termo e, sobretudo, para que nele sejam considerados e acautelados os princípios fundamentais do edifício autonómico insular que ainda faltam acautelar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar a palavra aos representantes dos diferentes partidos políticos representados na Assembleia Legislativa Regional dos Açores para responderem às questões que foram colocadas.
Houve uma ou outra pergunta que foi dirigida a um ou outro Sr. Deputado mas, normalmente, as questões foram genericamente colocadas a todos, pelo que irei dar a palavra aos dirigentes do diferentes grupos parlamentares pela mesma ordem de há pouco, dando no fim a palavra ao Sr. Vice-presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Valadão, do Partido Comunista Português.

O Sr. Paulo Valadão (ALRA/PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou fazer algumas considerações em relação às questões que foram colocadas e às quais penso que tenho o dever de responder.
Começo pela questão colocada pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, relativa ao artigo 228.º da Constituição.
Consideramos que o actual artigo 228.º da Constituição deve manter-se como está - aliás, esse aspecto está claro no projecto do PCP -, porque a existência de matérias de interesse específico da região tem sido positiva; o que tem sido negativo é o conceito "leis gerais da República". Se o Sr. Deputado verificar, em relação a qualquer decreto-lei, por pouca importância que tenha para a Região Autónoma dos Açores, considera-se, que os seus princípios têm de ser respeitados como lei geral da República, e, em nosso entender, este é que tem sido o grande entrave.
O grande entrave ao desenvolvimento legislativo regional está nos princípios fundamentais das leis gerais da República. E isso, sim, é que deveria deixar de existir, pura e simplesmente! Ou seja, devíamos continuar a legislar, por um lado, em matérias de interesse específico e, por outro, respeitando a Constituição e as leis de valor de reforçado.
Este é um aspecto que penso ter muita importância para o desenvolvimento regional. E se conseguimos que o artigo 228.º tivesse sido consignado na Constituição, penso que será uma perda grande se, neste momento, não considerarmos o que está plasmado no referido artigo.
Consideramos que a matéria relativa aos votos dos emigrantes, aspecto referido pelo Sr. Deputado do CDS-PP, é uma matéria importante e que tem de ter em conta que a Região Autónoma dos Açores é uma região em que muitas das pessoas que nela nasceram vivem nos Estados Unidos da América e no Canadá, têm filhos e netos que lá vivem, por isso falar-se em laços de efectiva ligação com as regiões autónomas é algo de muito subjectivo para nós: ou é clarificado em termos exactos ou, então, é um conceito totalmente vago.
Pergunto: quando é que há estes laços de efectiva ligação? Quando, por exemplo, o filho ou o neto de emigrantes vai muitas vezes à região? Ou no caso de um emigrante que saiu com 20 anos, que tem 50 anos e que há 30 anos não vinha à região, mas que nasceu e viveu 20 anos na região? Não sabemos.
Embora possa procurar-se que os emigrantes estejam representados na assembleia legislativa regional, é muito importante criar outras estruturas de forma a que eles se sintam ligados à sua região. Mas não sabemos se a melhor forma de o fazer será através da assembleia legislativa regional; talvez se deva procurar outros meios de ligação efectiva que não através da assembleia legislativa regional.
O Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte referiu-se ao projecto de lei eleitoral. É evidente que compete ao Partido Socialista explicar o seu projecto, porque foi quem o apresentou. De qualquer maneira, quero dar a conhecer a posição do Partido Comunista Português dos Açores em relação à matéria.
Pela nossa parte, a terceira proposta que o Partido Socialista apresentou na comissão - foram apresentadas três propostas -, e que votámos favoravelmente, é altamente positiva sob dois aspectos: primeiro, porque mantém a estrutura actual, o que leva a que todos os eleitores dos Açores saibam como é que se desenvolve o processo eleitoral e, segundo, porque cria um círculo de correcção regional que vai obrigar à proporcionalidade, e esta obrigatoriedade da proporcionalidade é, em nosso entender, altamente positiva, já que impede que um partido que tenha menos votos possa vir a ganhar as eleições na "secretaria", como dizia o meu camarada. Ou seja, com este sistema, com este círculo de correcção, quem ganhar as eleições, vai, efectivamente, ter maior número de Deputados do que quem perder as eleições e, por outro lado, vão aproveitar-se os votos de todos os eleitores em relação àquele círculo existente.
Por estes dois aspectos, porque mantém as características do sistema, que é e continuará a ser do conhecimento público, e porque o vai corrigir no sentido da proporcionalidade, pensamos que ele é positivo e se deveria aplicar já em 2004, porque evitaria que, nas futuras eleições, pudéssemos ter uma situação que, no entender do PCP, seria desprestigiante para a autonomia política e administrativa da Região Autónoma dos Açores, que era um partido com menos votos ter mais Deputados. Tal situação seria desprestigiante, porque podia pôr em causa a própria estrutura existente hoje na região autónoma, que respeitamos e queremos continuar a melhorar e a aperfeiçoar.

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Não é com aspectos que, em nosso entender, poderiam ser escandalosos que se dignifica o próprio poder instituído nas regiões autónomas. Por isso, pensamos que está na altura própria de introduzirmos estas correcções para vigorarem nas próximas eleições regionais.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado da Assembleia Legislativa Regional dos Açores José Manuel Bolieiro.

O Sr. José Manuel Bolieiro (ALRA/PSD): - Sr. Presidente, quero, antes de mais, agradecer a cada um dos Srs. Deputados que intervieram, com abordagens absolutamente pertinentes e com questões relevantes, a que eu irei, na medida do que puder e souber, responder por parte do Grupo Parlamentar do PSD/Açores.
Gostaria de registar, com apreço, uma primeira nota essencial de todas as intervenções. Há, de facto, uma comunhão quanto à oportunidade de se aprofundarem e clarificarem as autonomias no processo de revisão constitucional. Era bom que, assegurado este princípio de entendimento, para usar a expressão do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, pudéssemos, depois, encontrar a melhor forma de concretizar o objectivo, que é real e politicamente importante para o Estado e para o País, de aprofundamento e clarificação das autonomias, designadamente no que diz respeito à clarificação das suas competências legislativas.
Para esse efeito, devo dizer que pela parte do PSD/Açores há, naturalmente, uma comunhão com a perspectiva do projecto comum de revisão que o PSD e o CDS-PP entregaram nesta Assembleia da República, que preenche esta ambição, que o PSD/Açores sempre equacionou, de aprofundamento e clarificação das competências legislativas. Assim sendo, estamos absolutamente de acordo com o que está no projecto de revisão conjunto do PSD e do CDS-PP, isto é, com a eliminação dos conceitos de "interesse específico" e de "lei geral da República", enquanto limites à competência legislativa das assembleias legislativas regionais.
Ora, isto leva a que, retirados esses limites, positivo e negativo, da competência legislativa, se possa ambicionar um outro tipo de competência para os parlamentos regionais, uma vez que já não terão necessidade de justificar porque é que tomam uma iniciativa legislativa numa determinada matéria, estando apenas sujeitos ao limite e à barreira das matérias reservadas. Isto é: fica assegurada uma competência legislativa concorrencial, excepto nas competências dos órgãos de soberania.
Portanto, este passo, em nossa opinião, é significativo e é uma verdadeira matriz para o fim da querela constitucional das autonomias no que diz respeito às competências legislativas. Este passo, em nossa opinião, é essencial e resolve, desde logo, feita a revisão constitucional nestes termos, o tal problema da existência ou não do artigo 228.º ou até mesmo a sua necessidade, porque fica apenas na Constituição qual é o núcleo de soberania que não pode ser tocado - e, em nossa opinião, isso faz todo o sentido na lógica de que estando o País inserido na União Europeia tem de reservar nas suas intervenções ou nas intervenções dos organismos a que pertence, sob o ponto de vista supranacional, um limite de soberania - como também o que está infra-Estado, infra-soberania, no caso das regiões autónomas com competência legislativa.
Portanto, esta perspectiva acaba com a querela, clarifica com um sentido inequívoco as competências legislativas dos parlamentos regionais e resolve também aquela questão da existência ou não do artigo 228.º.
Quanto às outras questões mais genéricas, desviando-nos um pouco da revisão da Constituição e centrando-nos no debate do sistema eleitoral, gostava de deixar também com a clareza possível que, pela parte do Grupo Parlamentar do PSD, designadamente do PSD/Açores, sempre foi entendimento de que poderíamos optar por um caminho de aperfeiçoamento do actual sistema eleitoral.
Desde o início desta legislatura, que o PSD lançou este desafio para um entendimento entre os partidos com representação parlamentar para se estudar e avaliar as deficiências do actual sistema eleitoral e procurar, na primeira metade da legislatura, encontrar uma alternativa que pudesse aperfeiçoar o actual sistema eleitoral. A abertura para um entendimento tinha, no entanto, duas reservas: a de que deveria persistir a realidade ilha como círculo eleitoral, fundamental para uma lógica de coesão territorial e de unidade regional no sistema dos Açores, e a opção pelo aperfeiçoamento da proporcionalidade.
Mas, como se pode observar, uma e outra são contraditórias. Isto é: foi por opção política que a Região Autónoma dos Açores quis entender o sistema eleitoral nos Açores não com absoluta perspectiva de igualdade de voto, na medida em que, ao manter uma representatividade de ilha para o sistema eleitoral, nunca se pode equacionar qualquer sistema que, no Corvo - para dar o exemplo limite do mais pequeno círculo eleitoral dos Açores, com 300 eleitores e elegendo dois Deputados - possa ter qualquer perspectiva de igualdade de voto com um eleitor em São Miguel, o maior círculo eleitoral, que elege apenas, neste momento, 19 Deputados.
Portanto, ao manter-se esta opção política de unidade e de coesão territorial na Região Autónoma dos Açores, sempre se quis, por opção estratégica, não optar por uma pura igualdade de voto dos açorianos quanto à representação parlamentar nem sequer por uma opção pela pureza do princípio da proporcionalidade. Ora, isto leva a algumas dificuldades quanto ao sistema eleitoral.
Por outro lado, não se deve ir pela solução simplista de aumentar o número de Deputados, porque a lógica internacional e nacional é a de optar pelo aperfeiçoamento dos sistemas eleitorais diminuindo a número de Deputados. Isto leva a que tenhamos tido nos trabalhos, no Parlamento e na região, muitas dificuldades. Esta perspectiva não inibe que o PSD continua disponível para um aperfeiçoamento do sistema eleitoral, mas deixa aqui uma declaração, penso eu, absolutamente inequívoca de que, neste momento, não considera oportuno a alteração do sistema eleitoral, que terá um impacto significativo, desde logo, no aumento do número de mandatos em ano de eleições.
Portanto, nós dizemos "sim" ao aperfeiçoamento da lei eleitoral nos Açores, que deverá ser feita preferencialmente pós-revisão constitucional, assegurando, desde logo, a reserva de iniciativa às assembleias legislativas regionais, e equacionando - se sim ou não - a possibilidade de voto dos emigrantes, e, depois, na primeira metade da próxima legislatura, então encontrar uma plataforma de entendimento e uma proposta concreta para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral nos Açores, que preserve a realidade ilha como círculo eleitoral, melhorando o que for possível em matéria de proporcionalidade ou de igualdade de voto, sem querer uma absoluta ou uma pura proporcionalidade

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ou mesmo igualdade de voto, porque mantemos a realidade ilha.
Existe ainda uma nota de tranquilidade. O actual sistema eleitoral, que persiste há 28 anos, permitiu estabilidade governativa, alternância democrática e assegurou sempre no Parlamento representatividade plural e nunca aconteceu, apesar de tudo, com variantes no número de votos que cada partido foi obtendo ao longo destes 28 anos, aquilo que, de facto, pode ser um risco com o actual sistema eleitoral (como com uma alteração que mantenha a realidade ilha), que é o partido mais votado não ter necessariamente o maior número de mandatos.
Mas isso acontece noutras democracias pelo mundo fora! Hoje o homem mais poderoso do mundo, o presidente dos Estados Unidos, é presidente dos Estados Unidos por uma lógica de coesão de Estados e não tem mais votos. Bem sei que não é uma situação parlamentar, mas estas situações acontecem nas democracias pelo mundo fora.
É possível melhorar este sistema que temos nos Açores, e essa é uma ambição que o PSD tem, mas está fora de questão fazê-lo em ano de eleições. E a nossa perspectiva é a de que o tempo oportuno se situa na primeira metade da próxima legislatura.
Aliás, há uma tradição nas leis eleitorais no País, que tem sido também defendida pela Assembleia da República, creio eu, pelo menos tem-no sido pelo Sr. Presidente da República, de que, preferencialmente, não devem ser feitas alterações às leis eleitorais em ano de eleições.
Para quem tinha qualquer dúvida sobre qual era o posicionamento do PSD quanto a essa matéria, creio que fica exposta de forma cristalina a posição do PSD/Açores nesta matéria.
Gostaria também de, quanto a questões mais concretas que foram colocadas, esclarecer o seguinte: o Sr. Deputado António Filipe, pelo PCP, questionou se poderíamos defender a possibilidade de a assembleia legislativa regional tomar a iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, só não percebi se relativamente a matérias referentes à lei eleitoral.
Nessa matéria, o que pretendemos é exactamente assegurar uma reserva de iniciativa também para as leis eleitorais, para, depois, os parlamentos regionais poderem apresentar junto da Assembleia da República uma iniciativa para a alteração da lei eleitoral, à semelhança do que hoje acontece quanto aos estatutos político-administrativos.
Também já fui claro no comentário anterior, quando disse que, para esta legislatura regional - e não a da Assembleia da República -, e para efeitos das próximas legislativas de Outubro nas regiões autónomas, não faz sentido fazer qualquer proposta, na medida em que asseguramos a nossa disponibilidade para, na primeira metade da próxima legislatura, se fazer esta reflexão, este debate, e apresentar propostas concretas. Aliás, lançámos o desafio para que isso fosse feito no âmbito da primeira metade desta legislatura, e tal não foi possível.
Também deixei esclarecida a nossa posição quanto à clarificação do poder legislativo regional, pela opção do fim do conceito de "interesse específico". Creio que o projecto de revisão do PCP mantém a existência deste conceito, mas para nós ele continua a ser limitativo e, por outro lado, abre portas a muitas interpretações restritivas, pelas quais, aliás, o Tribunal Constitucional tem optado baseado umas vezes no conceito de "leis gerais da República" e, agora, nos seus princípios fundamentais ou mesmo no conceito de "interesse específico". Por isso a nossa solução é pela extinção destes dois conceitos.
Quanto ao voto dos emigrantes e às questões colocadas pelo Sr. Deputado Diogo Feio, o actual conceito que está previsto é o mesmo que existe para justificar o voto no Presidente da República.
O conceito que se prevê para os emigrantes votarem para os parlamentos regionais é o previsto na Constituição para fundamentar o voto para o Presidente da República. Creio, aliás, que há património nesse sentido, pelo que, procurando as similitudes e resolvendo as dificuldades doutrinárias quanto à questão da nacionalidade dupla, eventualmente recorrendo a soluções de territorialidade, penso que é possível concretizar este conceito. Portanto, não vejo que possa haver dificuldades, pois há direito feito nesta matéria. Penso que assim o assunto fica resolvido.
Quanto à definição de Estado unitário regional, foi-nos perguntado se entendemos que é isso que, de facto, hoje se vive e que resulta das alterações propostas pelo projecto comum do PSD e do CDS-PP. Creio que esta definição de Estado unitário regional corresponde e responde ao actual Estado português, com as regiões autónomas e o aprofundamento das autonomias, como se propõe no projecto referido.
Foi também perguntado se devem as regiões autónomas ter poder de iniciativa de revisão constitucional no que diz respeito à autonomia. Entendemos que sim, aliás, isso corresponde, em nossa opinião, a mais uma forma de aprofundamento e de reforço das autonomias e da sua participação no retrato constitucional do País, no desenho político e jurídico-constitucional que se pretende para as autonomias. Entendemos que sim, que deve ser assegurado esse poder às regiões autónomas.
Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte, no que respeita à questão que colocou sobre a figura do representante da República, a solução prevista no projecto comum do PSD e do CDS-PP tem, em parte, para a matéria que referi em concreto, a mesma formulação que existe hoje para o Ministro da República. O Ministro da República é proposto pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República.
Faço lembrar apenas, para facilitar o entendimento, que essa solução faz desta figura - o representante da República - não o representante do Presidente da República. Desta forma, não nos oferece grande questão a opção constante do projecto do PSD e do CDS-PP, na medida em que segue mais ou menos os mesmos trâmites actualmente consignados na Constituição para a nomeação do Ministro da República.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio ter respondido a todas as questões em concreto; se alguma ficou por responder agradeço que mo lembrem para que, numa segunda oportunidade, tenha oportunidade de responder.
Agradeço, mais uma vez, as questões colocadas. Penso que ficamos com o profundo entendimento que todos querem, no devir constitucional, um aprofundamento e um reforço das autonomias. Saúdo, por isso, a Assembleia da República e todos os partidos políticos. Que encontremos a melhor fórmula para concretizar esta ambição.
Insisto que, pela parte do PSD, vemos nesta revisão constitucional a oportunidade para a criação de círculos próprios para eleições ao Parlamento Europeu, na medida em que distinguimos claramente a opção das regiões autónomas de qualquer regionalização administrativa no continente.

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A própria solução da União Europeia destaca a existência de regiões ultraperiféricas, conferindo-lhe um estatuto próprio, pelo que elevamos a autonomia e o estatuto da autonomia se perspectivarmos soluções específicas para as eleições para o Parlamento Europeu quanto às duas regiões autónomas, afastando-as de qualquer comparação ou similitude de regionalização administrativa no continente português. Por esta razão, a solução que o projecto do PSD e do CDS-PP propõe faz todo o sentido, tendo também esta perspectiva de reforço e de aprofundamento das autonomias, valorizando, no contexto da construção da União Europeia, os Açores e a Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Dionísio de Sousa.

O Sr. Dionísio de Sousa (ALRA/PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vou fazer, nem sequer muito rapidamente, nenhuma passagem genérica sobre algumas questões referidas e que poderiam ser respondidas por mim em nome do PS, vou deixar também algumas questões concretas relacionadas com o sistema eleitoral, o seu conteúdo e iniciativa para serem respondidas quer pelo presidente da comissão e da delegação quer pelo presidente do grupo parlamentar. Referiria apenas que o objectivo de todos os projectos é serem considerados pontos de partida para soluções - e o objectivo da nossa presença aqui é considerá-los dessa forma -, porém, temos de "pôr os pés" nos projectos, não poderemos falar apenas nas intenções dos projectos. Noto que, em alguns casos, se fala nas intenções, que estão claramente contraditórias com o que está escrito nos projectos.
Não sei se isso vem confirmar, ou não, uma nota referida por alguém de muito mérito e responsabilidade nessa área, que diz que o projecto do PSD/CDS-PP é um texto de deficiente técnica legislativa. É possível que o seja, mas no caso concreto das alterações legislativas não há, no projecto do PSD/CDS-PP, nem, por um lado, a caracterização rigorosa das competências do Estado nem, por outro lado, um "buraco negro" onde a região… Não há, embora se dê essa imagem!…
Dá-se a imagem que fica claramente delimitado aquilo que é do Estado e que fica em aberto, em carácter concorrencial, e aquilo que é da região, mas não é isso o que está escrito no projecto. Aliás, o que respeita ao Estado está escrito de forma deficiente, tão deficiente que o Sr. Deputado teve de dizer que o que consta escrito como competência própria dos órgãos de soberania deve ser considerado competência exclusiva. Não é o que está lá escrito!… Portanto, já com isso saímos fora do que está escrito no projecto.
Convém não esquecer que não temos só num artigo as questões referentes às competências legislativas mas, sim, em dois artigos. Ora, no projecto do PSD/CDS-PP está escrito, num artigo, "legislar em matérias que digam respeito às regiões autónomas (…) ou do seu interesse", portanto, tem esta caracterização positiva. Os autores do projecto podiam ter optado por não caracterizar de forma nenhuma o âmbito das competências legislativas regionais, mas fizeram-no.
Esta caracterização, atendendo à História e às interpretações que existem, nomeadamente, do Tribunal Constitucional, reclama uma intervenção a dizer: "Mas, afinal, o que é do interesse das regiões?". Esta expressão é ainda mais lata, mais indefinida, mais o "buraco negro" do que a expressão "interesse específico". Está apenas referido interesse respectivo, o que ainda é pior do que o que está escrito actualmente!
Fala-se ainda em "matérias que digam respeito". Mas quem vai dizer que certa matéria diz respeito à região? Naturalmente, o Tribunal Constitucional, que sobre essa expressão já disse o que tinha a dizer, ou seja, já disse que era perfeitamente equivalente à expressão "interesse específico". É o que consta dos acórdãos do Tribunal Constitucional, que, de certeza, não vai mudar quanto a esse aspecto.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de salientar que o nosso objectivo em aqui vir não é impor uma solução mas, sim, procurar a melhor solução daquelas que estão em cima da mesa, nomeadamente por parte dos dois partidos que referi.
Ora, tendo em conta a caracterização positiva do âmbito da competência legislativa que existe quer no nosso projecto quer no projecto do PSD/CDS-PP, pergunto qual das duas caracterizações está tecnicamente mais clara, porque não estamos caracterizando na Constituição para, depois, cada um dos decretos legislativos ser emperrado por isso. Não! Vai aparecer ainda uma outra entidade ou um outro instrumento, o estatuto ou a manutenção, corrigida, modificada, do artigo 228.º, desde que encaixada se prevalecer como melhor, e é isso que nos interessa.
Uma coisa é certa: não estamos aqui para impor o nosso projecto, por isso falamos de convergência, de entendimento e de consenso. Agrada-nos ouvir falar, e essa foi a tónica geral. Não é uma questão de cedências mas, sim, de procurar a solução mais adequada, porque continuo a pensar que esta é a última oportunidade - e trata-se de uma oportunidade histórica - para pôr noção, digamos assim, neste modelo formal, nos tais conceitos abstractos e vagos, de forma a que não permitam interpretações restritivas.
A nossa convicção é esta, e pomo-la em termos de convicção, de intenção e em termos técnicos. É evidente que os termos técnicos discutirão os Srs. Deputados na respectiva Comissão, pois não estou aqui a fazer a apologia desta solução mas apenas, como disse inicialmente, a chamar a atenção para os objectivos que pretendemos. Se, efectivamente, surgir uma outra solução melhor do que a nossa em termos técnicos, não temos nenhum problema - só posso falar pelo PS regional - em ceder (se prefere a palavra ceder em vez de convergir ou entender), mas é preciso demonstrá-lo. O que não se pode é ter uma coisa escrita e dizer, depois, que isso não significa o que está escrito mas, sim, aquilo que temos de intenção. Esse é o exemplo das más soluções que, depois, se voltam contra as aspirações que em todas as revisões constitucionais se tiveram.
Na última revisão, em 1997, um constitucionalista dizia que havia uma verdadeira orgia (não utilizava a palavra orgia, mas algo de semelhante) para as regiões autónomas, porque se pensava que ia longe de mais. Não ia e, efectivamente, não resolveu a questão. Ora, é isto que não queremos que aconteça nesta revisão constitucional, por isso queremos clareza nas intenções, saber o que efectivamente queremos. Quanto à forma de o traduzir, se aparecer uma melhor forma técnica do que a nossa…
Como já disse e volto a dizer, a nossa proposta recolhe tudo aquilo que é útil da jurisprudência e da doutrina. Quanto à vossa, eu preferia não me pronunciar sobre ela, mas, comparativamente, tenho de dizer que não acerta no

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alvo. O conceito de "digam respeito" ou "do seu interesse" é ainda pior conceito que o de "interesse específico"!
Não nos podemos libertar do conceito de "interesse específico", pois é o fundamento da autonomia! Como é que nos libertávamos do "interesse específico" se é o fundamento da autonomia, se a essência da autonomia política é legislar?! Não nos podemos libertar disso! Aliás, as interpretações existentes mostram que há vantagem em que na Constituição fique claro quais são limites positivos, pois caso contrário há sempre alguém - e nós sabemos quem - que diz "Não. Há mais alguma coisa para além da Constituição?" Esse é o caminho que queremos barrar!
A solução que encontrámos para barrar esse caminho foi a que referi; apresentem-nos uma outra solução tecnicamente melhor. Aliás, podíamos dizer o mesmo em relação ao sistema eleitoral, que aqui foi referido e que vejo com interesse, porque é o remate, a cúpula de todo esse trabalho. Portanto, dizemos quanto a esta questão exactamente o que dissemos para as outras.
Foi-nos colocado um desafio directo, foi dito que parece incrível que alguém dos Açores levante o problema do círculo eleitoral para o Parlamento Europeu. Não parece nada incrível que se pergunte: "Então, como é que se faz isso? Como é que se respeita?". Digam-nos!
No que respeita ao sistema eleitoral dos Açores, dizemos, quanto às competências legislativas, como queremos fazer, mas não estamos dispostos a embarcar numa coisa que não sabemos que alcance, fundamento e consequências tem e que está, manifestamente, em contradição com a classificação que continuam a deixar na Constituição, a da territorialidade.
É preciso, pelo menos implicitamente, a Constituição derrubar a barreira da territorialidade, pois caso contrário não pode haver nem círculo de não residentes, que é algo que deve ficar claro, em minha opinião, e muito menos círculo para o Parlamento Europeu. Portanto, é preciso avançar nesse domínio.
Algumas das questões colocadas já foram abordadas por mim, embora genericamente.
A questão, por exemplo, da classificação do Estado, tem interesse - um interesse constitucional, académico e definidor (a classificação como unitário regional, regional parcial, unitário e regional, parcialmente regional) -, mas o que habitualmente se procura com essa classificação é atenuar o unitário e, através da atenuação do unitário, permitir alargar as competências legislativas.
Ora, nós entendemos que isso não é necessário, que deve ser feito no próprio texto em que nos são atribuídas as competências legislativas - é essa a nossa aposta clara. E a mim, como porta-voz do PS dos Açores, compete-me chamar a atenção para os nossos objectivos, para que eles fiquem perfeitamente claros e, depois, tecnicamente, nas discussões na Comissão, se chegue, entre esta solução e todas as outras soluções técnicas possíveis que podem aparecer, à melhor de todas elas, que não frustre, mais uma vez, os nossos objectivos. É isso que queremos.
Queremos não abrir qualquer espaço de querela constitucional mas encerrar as que existem - é esse o nosso propósito. Portanto, não avançamos para questões duvidosas. Porém, como disse, e muito bem, o Deputado Medeiros Ferreira, omissões são omissões, são omissões deliberadas, no sentido de não perturbar o nosso objectivo essencial. Mas estamos abertos… E, com todas as caracterizações que foram feitas, até se avançou nomeadamente em relação ao círculo dos emigrantes. Há uma dificuldade, até porque a emigração, nos Açores, não é uma migração parecida com a emigração nacional, mas, pelo menos, a nível nacional, existe um esboço de solução. Esta ligação pode ser a última residência, o último recenseamento ou a residência dos pais. No caso espanhol, é a residência dos pais, desde que a pessoa declare interesse em votar - essa é a solução espanhola. Confesso que não tenho muito receio de, mesmo nesse aspecto, ser iberista; acho que esse tipo de iberismo, que vá buscar aqui ao lado soluções que já estão testadas, é perfeitamente admissível.
Como referi, não tive intenção de abordar todas as questões, mas as que abordei suponho que corresponderão, mais ou menos, àquilo que, a meu ver, seria conveniente esclarecer.

O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Sousa.

O Sr. Francisco Sousa (ALRA/PS): - Sr. Presidente, uma vez que a hora já vai adiantada, vou tentar ser rápido, nomeadamente no que diz respeito ao sistema eleitoral.
Primeiro, quero dizer que esta Comissão fez alguns relatórios e aprovou uma carta de princípios. Nesta carta de princípios, jamais algum partido lá colocou, nem isso foi votado, que se teria de fazer a alteração do sistema eleitoral na primeira metade da legislatura.
Segundo, jamais algum Sr. Deputado de qualquer grupo parlamentar, nesta Comissão, propôs qualquer diminuição do número de Deputados.
Terceiro, não há qualquer tradição nesta Casa onde nos encontramos, Assembleia da República, de não se alterarem as legislações eleitorais no ano das eleições. Dando alguns exemplos rápidos: em 1976, a 26 dias das eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, foi mudada a lei; em 1980, a lei foi alterada a 57 dias das eleições; em 2000, a legislação foi alterada a quatro meses e um dia das eleições. Lembro que esta última alteração, em 2000, foi feita para consagrar o voto dos estudantes, dos deficientes e dos marinheiros. Em relação às eleições para a Assembleia da República, foi feita uma quantidade de alterações - é uma lista enorme, pelo que nem sequer vale a pena precisar essa matéria. Mas podemos dizer que, até ao referendo, há alterações à legislação, até três a sete dias antes dos actos eleitorais. Portanto, nessa matéria, não há qualquer tradição nesta Casa onde nos encontramos nem na Casa de onde vimos.
Depois, foi apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS uma proposta técnica, que mereceu, na linguagem do meu amigo e camarada Medeiros Ferreira, um entendimento no seio da Comissão, porquanto obteve os votos favoráveis do PS e do PCP e as abstenções do PSD e do CDS-PP, proposta na qual consideramos (isto, para responder a vários pedidos dos Srs. Deputados) o seguinte.
Primeiro, a manutenção dos actuais nove círculos eleitorais, o que é para nós um património da nossa autonomia, é uma questão que está mais do que garantida para todos os açorianos e julgo não haver partido na assembleia regional que queira retirar qualquer Deputado a qualquer uma das ilhas para dar a qualquer outra ilha. Por isso, o PS propôs - e, por isso, ninguém votou contra - a manutenção dos nove círculos eleitorais, tal qual eles se encontram a actualmente.
Segundo, a criação de um círculo regional de compensação. Compensação, para quê? É nítido - foram feitos

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estudos com base nos sete actos eleitorais verificados, até hoje, para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores - que, criando um círculo de compensação com cinco mandatos, o partido que tem mais votos tem mais mandatos, e o segundo partido, tendo menos votos, nunca tem mais mandatos. Isto, com base nos resultados eleitorais verificados nos sete actos eleitorais para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Por outro lado, faz com que partidos de menor dimensão, como o CDS-PP, que obteve 10% dos votos, em 2000, tenha apenas 4% dos mandatos - nem chega a metade dos mandatos para corresponder aos seus votos.
Portanto, vamos fazer tudo para que rapidamente uma anteproposta chegue à Assembleia da República, consagrando estes princípios, bem como o princípio relativo ao voto dos não residentes na Região Autónoma dos Açores. Vamos fazer tudo - pela nossa parte, repito, tudo - para que rapidamente esta Casa, Assembleia da República, tenha uma anteproposta de lei que garanta estas três situações: primeiro, a manutenção dos actuais nove círculos eleitorais por ilha; segundo, a criação de um círculo eleitoral regional de compensação; terceiro, um círculo eleitoral para os não residentes votarem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Lopes.

O Sr. Fernando Lopes (Presidente da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, da parte da presidência da Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores, apenas quero relevar aqueles que são factos consensuais, adquiridos, votados por todos os partidos em Comissão e em Plenário.
Algo que ficou por referir e que faz parte da carta de princípios aprovada pela Comissão é que todos os partidos defendem a viabilização, no âmbito desta revisão constitucional, da participação dos emigrantes açorianos na composição do parlamento regional. Digo "todos", independentemente do facto de, na fase em que discutimos e aprovámos isto na assembleia regional, não haver ainda propostas de revisão da Constituição. Portanto, isto aplica-se a todos os partidos e penso que é legítimo dizê-lo.
Depois, todos os partidos, em termos de princípios, votaram pelo aperfeiçoamento da proporcionalidade inter-ilhas; todos os partidos votaram pela coesão e unidade regionais e pela manutenção dos círculos eleitorais de ilha; todos os partidos votaram favoravelmente a garantia de formação de governos estáveis, sem prejuízo do normal funcionamento da regra da alternância democrática e da pluralidade de representação partidária; votaram também pelo aperfeiçoamento, no sistema político regional, das relações eleitor-eleito, garantida a acessibilidade e a proximidade dos eleitores.
Ou seja, houve - e penso que esse foi um caminho útil e que é um património adquirido - a criação de uma base de princípios. Podemos divergir, depois, no concreto, quanto à operacionalização, mas, no que respeita aos princípios, estamos plenamente de acordo, o consenso existe e foi traduzido não apenas em palavras mas em votações concretas na assembleia legislativa regional, no âmbito tanto da Comissão como do Plenário.
Era só isto que queria acrescentar, dentro das minhas funções institucionais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer duas pequenas precisões, para que não interpretem mal o que aqui disse. Uma tem a ver com o facto de ter referido a cedência, relativamente ao Partido Socialista, depois de já ter enunciado que me parecia haver matéria e vontade política para nos entendermos sobre o que é essencial relativamente às regiões autónomas.
Quando referi aqui a cedência, estava a lembrar-me de uma situação que já ocorre na nossa região autónoma há muitos anos e que tem a ver, por exemplo, com a figura e com o cargo de Ministro da República, que, há anos, o PSD vem tentando que, pura e simplesmente, desapareça. No entanto, não tem havido abertura nesse sentido por parte do Partido Socialista. Ora, o que possivelmente vai acontecer nesta revisão constitucional já podia ter acontecido há muito tempo se tivesse havido abertura da parte do Partido Socialista. Quando referi "cedência", não queria ofender os Deputados do Partido Socialista, e muito menos o Partido Socialista, mas a verdade é que essa abertura nunca existiu ao longo destes anos e só agora, felizmente, ela é possível. Era a este tipo de situações que me queria referir quando aqui mencionei a cedência.
A segunda precisão tem a ver com algo referido pelo Sr. Deputado Dionísio Sousa. Sr. Deputado, nós não escrevemos uma coisa e pensamos outra. Quando escrevemos "competências próprias dos órgãos de soberania", estamos a referir-nos àquelas que são exclusivas dos órgãos de soberania - é isto que quer dizer, Sr. Deputado Dionísio Sousa. E ainda há pouco tive ocasião de confirmá-lo junto de um técnico de direito, que sabe mais destas questões do que eu ou o senhor. Portanto, tive a preocupação de confirmá-lo: "competências próprias dos órgãos de soberania" são as competências exclusivas e aquelas que estão suficientemente clarificadas na nossa Constituição. A nosso ver, não pode haver dúvidas a este respeito. É uma situação suficientemente clara e é por isso que a defendemos.
Também quero deixar claro o seguinte: se houver outra solução tecnicamente mais clara do que esta que defendemos, a nossa abertura é total para adoptar essa solução mais clara e mais capaz, que satisfaça aquilo que nós prosseguimos, que é melhorar as competências legislativas das nossas regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Antes de deixar algumas palavras finais aos nossos convidados, quero apenas dizer algo, que, aliás, devia ter dito na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte e não disse. Não disse em função da abertura que tem caracterizado os nossos trabalhos e, também, da oportunidade única de ouvir os nossos convidados.
Esta é uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e não uma comissão para debater leis eleitorais do que quer que seja. Portanto, não permitirei que ela se transforme nisso. Desta vez, abri uma excepção porque os nossos convidados tinham essa oportunidade única de dar aqui a conhecer os seus pontos de vista sobre esta matéria, mas não é esse o mandato da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, nem o transformaremos nisso. E as questões desta lei eleitoral ou de quaisquer outras que não tenham que ver directamente com a revisão constitucional serão abordadas apenas, se, quando e na medida

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em que tenham a ver com ela, e não para fazermos aquelas demonstrações políticas que são apanágio destas comissões.
Uma última palavra para saudar a presença de todos e cada um dos Srs. Deputados da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, em particular do Sr. Vice-Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Um pedido também para que, em nosso nome, transmitam o agradecimento pela vossa presença ao Plenário da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e ao Sr. Presidente, com quem tive o prazer de falar várias vezes a este propósito, e transmitam também ao Sr. Presidente e a todos os Deputados a expressão da nossa consideração, do nosso apreço e, uma vez mais, da nossa gratidão pelos importantes contributos que trouxeram aqui para esta matéria, os quais, depois de termos ouvido na semana passada a representação da Região Autónoma da Madeira, nos permitirão certamente partir, de uma forma ainda mais construtiva e consciente, para a discussão destas questões, tão importantes no âmbito da revisão, relativas às regiões autónomas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria apenas corrigir um lapso na minha intervenção, suscitado pela intervenção de V. Ex.ª, com a qual concordo a 95%.
Permita-me, no entanto, uma ressalva que tem a ver com as leis eleitorais. As regras essenciais, a disciplina matricial das leis eleitorais está contida na Constituição da República e por isso, nesse sentido e nesse quadro, essa disciplina matricial tem de ser analisada no âmbito do processo da revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, nessa perspectiva, o nosso entendimento - para citar, também eu, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira - não é a 95%, mas a 100%. Por isso é que referi tudo aquilo que tiver a ver com questões que caibam no âmbito desta revisão; evidentemente, tudo o que não seja desta revisão, não será aqui discutido.
Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, antes de iniciarmos a matéria substantiva, queria dar-vos conta de que já recebemos os elementos que foram solicitados à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que vou fazer circular entre todos os Srs. Deputados.
Também queria pedir aos Srs. Deputados o seguinte: segundo me informam, tal como aconteceu em anteriores revisões constitucionais, há uma espécie de formulário para preencher sempre que forem apresentadas a propostas de alteração a textos. Tal destina-se a evitar que essas propostas de alteração sejam feitas um pouco anarquicamente, isto é, oralmente. Assim, sempre que, relativamente a qualquer um dos artigos que estejamos a discutir, queiram formular propostas de alteração, e para evitar que isso aconteça de uma forma mais anárquica, pedia aos Srs. Deputados que utilizassem os impressos que já estão devidamente preparados para o efeito.
Srs. Deputados, vamos entrar no ponto seguinte da ordem dos trabalhos de hoje, que tem a ver com o início da discussão, na especialidade, dos diferentes projectos de revisão constitucional.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, na fase final da reunião de terça-feira passada, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu-nos conta do interesse do Partido Social Democrata na agregação ou na apresentação em bloco de um conjunto de artigos atinentes a diferentes matérias. Tive ocasião de fazer chegar aos coordenadores dos grupos parlamentares (julgo que todos receberam) a proposta do PSD no que diz respeito aos artigos constantes do projecto de revisão constitucional do PSD e do CDS-PP, que assumimos, na última reunião, que podiam começar a funcionar como base de trabalho.
Esta questão é relevante porque, antes de passarmos à discussão dos diferentes artigos que constam dos diferentes projectos, seria vantajoso que se fizessem alguns acertos de natureza metodológica, que poderiam, como referi, partir desse documento elaborado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e que, julgo, os Srs. Deputados Alberto Martins e António Filipe já receberam.
Portanto, antes de iniciar a discussão, gostava de ouvir os representantes dos grupos parlamentares sobre esta questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, estamos de acordo com a agregação que é feita e com a ordem de trabalhos que ela pronuncia. Sugeríamos apenas que o ponto sobre as autonomias regionais pudesse ser discutido… Admito que seja o segundo grupo de agregações…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, para além das agregações propostas, há um conjunto de normativos avulsos que não constam deste plano. O Partido Social Democrata só inseriu o que, na sua perspectiva, é "agregável". Por exemplo, os artigos 7.º, 8.º, 9.º, 13.º, 14.º, 15.º, ou mesmo 16.º que não constam destas agregações.

O Sr. Alberto Martins (PS): - De acordo, Sr. Presidente.
Como há matérias em relação às quais queremos participar de forma mais minuciosa e mais precisa, numa discussão aprofundada na especialidade, sugeríamos que se começasse por abordar toda a matéria que está contida neste plano, deixando a referente às autonomias regionais (e, eventualmente, uma outra) para o fim.

O Sr. Presidente: - Digamos que o Partido Socialista "vive" com esta proposta do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em matéria de agregação de questões.
Eu próprio estive a fazer o meu "trabalho de casa" sobre esta matéria, como é minha obrigação, e, por exemplo, em matéria de regiões autónomas, há alguns artigos em relação aos quais o Partido Socialista apresenta propostas que não constam do projecto de revisão constitucional do PSD e do CDS-PP e, portanto, serão naturalmente agregadas à discussão nessa ocasião.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, entendi a proposta de agregação do PSD como "balizas" entre um artigo inicial e um outro final, onde caberão as propostas dos diversos grupos parlamentares.

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O Sr. Presidente: - Naturalmente, Sr. Deputado Alberto Martins. Também é essa a minha perspectiva, por isso é que referi que, por exemplo em matéria de regiões autónomas, o Partido Socialista propõe a alteração de artigos que não constam da proposta do PSD e do CDS-PP mas que, naturalmente, terão de ser agregados nesse contexto.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Absolutamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas repetir uma observação já feita pelo Sr. Presidente, que é a de que esta proposta de agregações não é exaustiva.

O Sr. Presidente: - Não é exaustiva.

O Sr. António Filipe (PCP): - Há uma série de matérias que ficam de fora, mesmo propostas pela maioria,…

O Sr. Presidente: - Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): - … o que significa que a discussão, de acordo com esta ordem, não exclui uma repescagem das outras matérias e, nesse sentido, podemos aceitar esta proposta de agregações como uma base inicial de trabalho.
Em relação às propostas do PCP, as que couberem nesta agregação apresentaremos na altura devida e as que não couberem discutiremos em seguida. Creio que não vale a pena e será desnecessário estarmos a apresentar propostas dentro desta proposta de agregações. Portanto, podemos discutir os blocos que estão sobre a mesa; há propostas do PCP que não estão contidas nestes blocos mas, na altura devida, apresentá-las-emos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, já agora, deixe-me fazer-lhe a seguinte pergunta: é intenção do Partido Comunista Português proceder também à agregação de algumas das suas propostas? É que há questões em relação às quais o próprio PCP pode ter interesse em agregar artigos da sua proposta. Estou a pensar, por exemplo, nos artigos 161.º e 197.º, que têm que ver com a questão da participação da Assembleia da República na matéria da construção europeia e da informação do Governo nessa matéria.
O PCP fará como entender, mas facilitava-nos o trabalho se, na altura, indicasse qual é a agregação que deseja fazer.

O Sr. António Filipe (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. Seguramente, faremos essa agregação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de colocar uma questão metodológica, sendo certo que a minha presença nos trabalhos da Comissão não será tão permanente como a de outros colegas.
Tendo em conta que nos favorecia, em termos de participação, poder aglutinar mais alguns artigos nesta proposta de trabalho que foi distribuída, pergunto se, a propósito da discussão do preâmbulo e do artigo 13.º, não poderíamos incluir as nossas propostas de alteração relativas aos artigos 7.º e 9.º. São matérias diversas mas, em todo o caso, serão mais próximas, porventura, deste conjunto de questões do que de outras.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, essa é uma decisão que caberá mais à Comissão do que a mim próprio, naturalmente. Por acaso, quando estive a analisar as diferentes propostas, via aqui a possibilidade de agregar, no caso de Os Verdes, o artigo 9.º com o artigo 66.º.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, essa é uma proposta possível, mas facilitar-nos-ia, para garantir um melhor acompanhamento dos trabalhos desta Comissão, que fosse feita uma previsão sobre quando terá lugar a discussão para tentar, na gestão dos vários tempos e das várias comissões, assegurar a nossa presença nesses dias.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, naturalmente não vejo nenhum inconveniente. No que diz respeito à questão específica de hoje, que se prende com os artigos 7.º e 9.º, julgo que facilmente os conseguiremos tratar hoje. Portanto, para já, o assunto fica resolvido.
Em dias futuros, talvez pudéssemos resolver a questão bilateralmente: a Sr.ª Deputada dar-me-ia conta das propostas de Os Verdes que pretende incluir na discussão e eu introduziria essas suas propostas na economia global dos trabalhos da Comissão.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que é importante referir que - até para que não haja interpretações erradas de que, eventualmente, há aqui alguma metodologia castradora da liberdade de cada Sr. Deputado ou de cada bancada - o princípio que procurámos seguir na proposta de agregações que fizemos tem que ver exclusivamente com o projecto da maioria e, no fundo, com a sequência normal dos artigos.
Para citar um exemplo, quando se chegar à discussão do artigo 7.º, se a Sr.ª Deputada Isabel Castro entender que, por vantagem sua, quer fazer a apresentação da sua proposta de alteração ao artigo 7.º em conjunto com a relativa ao artigo 9.º, comunicará à Mesa e, se o Sr. Presidente não tiver nada a opor, faz a apresentação conjunta. A Mesa tomará nota e, quando se chegar à discussão do artigo 9.º, salta-se essa proposta, porque já foi apresentada. Portanto, não há aqui mistérios nenhuns.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou inteiramente de acordo. A vantagem de, de alguma forma, seguirmos esta agregação sugerida pela maioria como regra de trabalho vem do facto de o projecto da maioria ser, de longe, o mais abrangente e, portanto, aquele em que é mais fácil entroncar as outras propostas.
De qualquer modo, agradeço ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes a lembrança de que se trata de uma proposta para facilitar os trabalhos e não, de modo algum, de uma proposta para pôr em causa a liberdade de cada grupo

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parlamentar apresentar as suas propostas. Que fique bem claro este aspecto.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na especialidade, dos diferentes projectos de revisão constitucional, sendo certo que (há pouco, esqueci-me de o dizer na resposta que dei ao Sr. Deputado Alberto Martins), se bem me recordo, decidimos na nossa primeira reunião seguir a ordem dos diferentes projectos. Portanto, em relação a tudo o não seja "agregável", seguiremos a ordem dos artigos que constam da Constituição e que são tocados por algum dos projectos.
Ora, justamente é esse o caso da questão inicial, que é a do preâmbulo, que consta apenas do projecto conjunto do PSD e do CDS-PP.
Para se pronunciar sobre esta questão, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no início desta fase de discussão na especialidade, não poderia deixar de dizer que a consideramos extraordinariamente positiva…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Diogo Feio, peço desculpa pela interrupção, mas esqueci-me de referir um aspecto.
Gostaria, por uma questão de celeridade dos trabalhos e também de organização da Mesa, que, relativamente a cada uma das questões e a cada um dos artigos, todos os grupos parlamentares fossem, tanto quanto possível, claros nas suas opiniões e na posição que vão adoptar, se é que essa posição está definida, para que possa ir elaborando um guião das posições dos vários grupos parlamentares quanto aos diferentes artigos e, enfim, dos artigos que têm, ou não, a possibilidade de acolhimento maioritário na Câmara.
Portanto, se fosse possível, gostava que os diferentes grupos parlamentares antecipassem o sentido de voto nas matérias que formos tratando, se tal não for possível, enfim, ficará para outra oportunidade.
Peço desculpa por o ter interrompido, Sr. Deputado Diogo Feio.
Faça favor de continuar.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer que esta fase de discussão na especialidade é para nós extraordinariamente importante, desde logo pelo que acabou de referir, pela clarificação das várias posições aqui presentes em relação às diferentes matérias em discussão e, essencialmente, pela fundamentação dada quanto às diversas posições tomadas.
Quanto à matéria do preâmbulo e à proposta que fazemos da eliminação do mesmo, começo por considerar positivo que, por via desta discussão, se saiba efectivamente o que está previsto e escrito no preâmbulo da Constituição da República Portuguesa, sendo que, em toda a expressão de princípios que é feita nesse mesmo preâmbulo, a grande dissidência que aqui queremos assumir com o texto diz respeito à parte em que se assume a abertura de um "caminho para uma sociedade socialista". Isto na estrita medida em que a assumpção feita é claramente de natureza datada, a própria discussão que foi feita na altura na Assembleia Constituinte foi igualmente marcada pelo posicionamento político que as várias forças políticas partidárias (da esquerda à direita) iam assumindo na altura, e não posso ainda deixar de recordar que, desde 1976 e fundamentalmente em 1982 e em 1989, foram feitas revisões constitucionais que vão no sentido contrário a esta determinação do preâmbulo.
Refiro-me, repito, à determinação da abertura de um "caminho para uma sociedade socialista". Esta afirmação aparece precisamente porque, em 1976, na sua redacção inicial, a Constituição da República Portuguesa estava bastante longe de ser neutra ou neutral em relação a tudo o que fossem conflitos de natureza económica, social, política ou ideológica.
Ora, na estrita medida em que, nas várias revisões constitucionais, se tem feito um caminho de não identificação da Constituição com um determinado projecto de transformação social, o preâmbulo não tem razão de ser, porque faz precisamente o contrário, isto é, aflora ainda uma visão que é como que "reconstrutiva" quanto à realidade que hoje em dia vivemos.
É preciso não esquecer que, sendo o preâmbulo obviamente uma certidão de origem, que certifica aquela que foi a origem do texto constitucional e em que há, claramente (e ainda bem), uma ruptura com o texto constitucional anterior, ele faz ao mesmo tempo uma proclamação de um conjunto de princípios. Ora, é precisamente nessa proclamação de princípios que se encontra esta referência que consideramos bastante negativa no actual texto constitucional.
Não negamos - até porque isso é um facto evidente - que o preâmbulo não tem quaisquer efeitos de natureza normativa, embora numa interpretação de natureza sistemática que se faça do texto constitucional, obviamente que se podem considerar as suas determinações.
Perante isto, a questão que, desde logo, se coloca é o porquê de extinguir ou fazer uma proposta de eliminação do preâmbulo e por que não fazer uma mera modificação, desde logo pegando nos exemplos de constituições de vários Estados da União Europeia, como são os casos da Lei Constitucional Federal Austríaca, da Constituição do Reino da Bélgica, da Constituição do Reino Dinamarquês, da Constituição da República da Grécia, da Constituição do Grão-Ducado do Luxemburgo, e da Constituição do Reino dos Países Baixos, que não têm preâmbulo constitucional, pelo que não se pode assumir que há, propriamente, uma tradição e uma necessidade preambular.
O preâmbulo não tem, portanto, uma natureza normativa e, se marca uma origem, quando a origem é ultrapassada, deixa de ter qualquer razão de ser.
Por todas estas razões, entendemos que o preâmbulo está hoje desadequado da realidade. Não é possível fazer-se uma interpretação actual desta referência no sentido de considerar que o que aí se está a prever é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, tal qual vem previsto no artigo 1.º, e que substituiu, ela própria, a referência do caminho para o socialismo que estava no artigo 1.º. De todo o modo, quando se fez esta substituição também não se fez a modificação ou a eliminação do preâmbulo.
Portanto, o sentido é obviamente o sentido inicial que o preâmbulo tem, que é um sentido ainda dirigista em relação a um determinado modelo de natureza social, portanto, por assim dizer, não há interpretação de natureza actualística que salve a referência que é feita neste preâmbulo.
Entendemos que o preâmbulo nunca pode ser fracturante em relação à sociedade. O preâmbulo - a existir - tem de ser, obviamente, um elemento com que todos os portugueses se sintam identificados, o que claramente não acontece

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com actual texto do preâmbulo da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, serei breve, pois queria apenas reafirmar aquela que, ao longo das várias revisões constitucionais, tem sido a posição do Partido Social Democrata relativamente a esta questão do preâmbulo.
O preâmbulo, na sua génese, é uma declaração de natureza programática, com um conteúdo interpretativo da própria Constituição de 1976. Nessa medida, o preâmbulo, na sua génese, fez todo o sentido, porque era, de facto, uma declaração importante e interpretativa do próprio texto aprovado pela Assembleia Constituinte.
A verdade é que a consolidação da democracia portuguesa e a criação do Estado de direito democrático em Portugal rapidamente desactualizou esta declaração - que tinha uma natureza interpretativa na sua génese. E foi por isso que, logo em 1980, o PSD subscreveu nas suas propostas para a primeira revisão constitucional a alteração qualitativa profunda do preâmbulo, exactamente com o intuito de lhe retirar a carga programática inicial e de o enquadrar eventualmente numa perspectiva mais democrática, mais plural e, nesse sentido, mais anódina em termos ideológicos, como deve convir a uma constituição num Estado de direito democrático de raiz pluralista.
Como disse o Sr. Deputado Diogo Feio, o preâmbulo não tem qualquer tipo de conteúdo normativo, pelo que não tem uma aplicação prática. Mas, politicamente, com o passar dos anos, foi-se transformando numa espécie de refúgio saudosista do velho PREC. E se hoje em dia há algum PREC, já não é o Processo Revolucionário Em Curso mas, sim, porventura, o "Processo de Revisão Em Curso" que estamos hoje aqui todos a protagonizar.
Portanto, é neste sentido que o Partido Social Democrata, numa perspectiva do PREC de hoje em dia e não do PREC de há 30 anos, dá o seu apoio a esta eliminação do preâmbulo do texto efectivo da Constituição, sendo certo que ele continuará a ser sempre uma referência histórica e - repito - uma declaração programática e interpretativa do texto inicial de 1976 da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, já em anteriores revisões constitucionais nos pronunciámos contra a supressão do preâmbulo, mais do que uma vez proposta pelo CDS-PP, pelo que nada mais temos a acrescentar a este respeito, a não ser que mais uma vez deixaremos a maioria a falar sozinha.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Partido Socialista não aceitará qualquer alteração do preâmbulo, sendo que, oportunamente, apresentaremos uma declaração de voto nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra sobre a matéria do preâmbulo, a Mesa regista que foi uma rápida discussão na especialidade desta matéria preambular.
Vamos passar à discussão do texto constitucional propriamente dito, com a apresentação da primeira proposta de alteração, subscrita pelo PSD, que diz respeito justamente ao artigo 1.º.
O Partido Social Democrata quer fazer a apresentação da proposta, que versa sobre os artigos 1.º e 13.º, pelo que chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de que quase todos os grupos parlamentares apresentaram propostas de alteração relativamente ao artigo 13.º, mas não em relação ao artigo 1.º.
Para apresentar a proposta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, é a primeira vez que tomo a palavra no processo de revisão que tem lugar nesta Comissão. Aproveito, pois, o momento para cumprimentar o Sr. Presidente, todos os Srs. Deputados participantes e desejar que este processo tenha o maior êxito.
Quero formular também votos para que haja uma abertura da parte de todos os partidos políticos a uma discussão que se quer eivada de boa vontade e determinada a conseguir uma melhoria efectiva do texto constitucional e lembrar que, também noutras revisões constitucionais, mesmo as propostas que não obtiveram consenso não fugiram a um debate sempre importante.
A revisão constitucional não está pronta no princípio; a revisão constitucional está pronta depois do debate, e parece-me que seria muito importante que se registasse da parte de todos os partidos uma abertura a este mesmo debate.
Gostaria de lembrar que a Constituição é filha do Iluminismo, com as suas características de aposta no progresso, no conhecimento e na justiça e, portanto, uma aposta no melhoramento das coisas que nós, aqui, também não devemos recusar. Todos os melhoramentos possíveis deveriam ser convocados para aproveitar este momento de revisão que se abriu, sem a reserva que vem sendo feita por alguns partidos.
Passando agora aos temas que temos sobre a mesa, os artigos 1.º e 13.º que iremos debater lado a lado, quero dizer sobre o artigo 1.º que o acrescento deste inciso "sociedade responsável" que a maioria PSD/CDS-PP propõe não tem absolutamente nada de redundante. O que o PSD e o PP propõem aqui é o acrescento de um qualificativo, não - como aqui já se disse - para a República Portuguesa mas para a sociedade que não será apenas uma sociedade livre, justa e solidária mas também uma sociedade responsável.
Parece-me que este inciso é importante porque o modelo da liberdade não se identifica com o modelo da responsabilidade.
O modelo da responsabilidade assenta numa ideia de colaboração entre Estado e sociedade e numa ideia de activismo cívico completamente contraposta a um modelo liberal de mercado que contrapõe o Estado e a sociedade.
No paradigma da liberdade, o Estado assegura a liberdade dos cidadãos, mas a sociedade desresponsabiliza-se de tarefas públicas, coisa que os novos modelos políticos emergentes estão claramente a rejeitar.
O paradigma da responsabilidade assenta numa ideia de activismo cívico, numa lógica de colaboração entre Estado

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e sociedade, em contraposição a um modelo de "estranheza" da sociedade em relação ao Estado, de indiferença da sociedade perante o espaço do político.
O interesse deste inciso é o da criação de um impulso constitucional para novos modelos políticos emergentes. Modelos que assentam numa crescente estadualização da sociedade civil, numa crescente responsabilização da sociedade civil, eivando-a de tarefas que ultrapassam o domínio do privado e saltam para o domínio do público, correspondendo, num certo sentido, à ideia de que o poder político tem por fim não apenas a liberdade dos cidadãos - modelo kantiano - mas também a co-responsabilização de todos na felicidade - modelo aristotélico.
O que aqui está não é redundante, é um conceito portador de um impulso constitucional para um novo modo de fazer política, um novo modo de conceber os modelos de intervenção política.
Neste sentido, o PSD e o CDS-PP apresentam aqui uma proposta simples mas das mais importantes.
O dia-a-dia político está cheio - diria eu - de possibilidades, no sentido de convocar para as tarefas públicas a sociedade civil. Isto é nem mais nem menos do que a mobilização para um activismo cívico e de um sentido de responsabilização de uma sociedade que, em vez de se contrapor ao Estado, afirma a solidariedade e concorre com o Estado para a realização das tarefas públicas.
Quanto ao artigo 13.º, pretende-se, afinal, acrescentar uma ideia de igualdade nas obrigações, em relação, de certo modo, com este paradigma de responsabilidade. Isso não significa uma vertigem de consideração abstraccionista de uma igualdade de obrigações.
O que quero dizer é que o essencial que aqui se afirma tem a ver também com o essencial que se afirma em relação aos direitos: uma igualdade no sentido de tratar igualmente aquilo que é essencialmente igual; uma igualdade que não funciona diacronicamente, que se refere às mesmas circunstâncias de tempo e às mesmas circunstâncias concretas de vida, que exige sempre uma avaliação das circunstâncias concretas dos casos, mas que vem ao encontro de uma ideia de responsabilidade, a que a Constituição nos novos tempos não deve deixar de se referir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para dizer que o que a Sr.ª Deputada Assunção Esteves encarece na proposta de que é subscritora não introduz na Constituição uma dimensão inovadora, muito menos nos termos que ela agora procurou sustentar.
A sua rejeição pelo PS, que decorre do princípio geral que ficou enunciado no início de este debate, deve-se a que não se demonstra a sua estrita necessidade numa óptica de revisão idêntica àquela que perfilhamos e que, neste caso, asseguraremos que seja executada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações aos artigos 1.º e 13.º correspondem, na opinião do CDS-PP, a uma explicitação necessária de princípios, como, fundamentalmente, aqueles que se referem à existência da Constituição como uma carta de direitos e também de deveres. É precisamente pelo contraponto dos deveres em relação aos direitos que se deve entender a necessidade da referência de uma sociedade em que vigora o princípio da responsabilidade, tal como é proposto claramente na proposta de alteração que fazemos em relação ao artigo 1.º.
A necessidade de expressar esta ideia corresponde, aliás, a uma base essencialmente democrática. A própria existência da democracia pressupõe um conjunto de direitos e de deveres que os cidadãos vão cumprindo e parte também de um conjunto de princípios fundamentais que estão claramente previstos na nossa Constituição. Aliás, a Parte I da Constituição refere-se aos "Direitos e deveres fundamentais", e é preciso relembrar esta matéria de uma forma verdadeiramente expressa na configuração que faz da Parte I. É precisamente por causa disso que aparece no texto constitucional um conjunto de direitos e deveres, de deveres conexos com os direitos fundamentais, e com certeza que, com esta referência à ideia de responsabilidade no texto constitucional, o mesmo ficará mais claro em relação a essa opção concreta que a nossa Constituição faz e deve fazer.

O Sr. Presidente: - Chamo a vossa atenção para o facto de estarmos a discutir os artigos 1.º e 13.º.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer a apresentação do projecto de revisão constitucional de Os Verdes em relação ao artigo 13.º, que se refere ao princípio da igualdade. Estamos, portanto, a falar do princípio da igualdade e, do nosso ponto de vista, da densificação do comando constitucional no sentido da consagração da não discriminação em função de variadas razões. Toda a evolução deste artigo ao longo do tempo tem resultado, no fundo, de uma maior tomada de consciência sobre a necessidade de reforçar o princípio da igualdade.
O que propomos no nosso projecto de revisão são seis alterações, em que cinco delas retomam as propostas que apresentámos em 1997. Refiro que a questão da não discriminação em função da orientação sexual já foi consagrada depois de 1997, no Tratado de Amesterdão, e a questão da não discriminação em função da idade e da deficiência aparece também no texto da Convenção Europeia.
Portanto, em nossa opinião, estas cinco propostas - de não discriminação em função da orientação sexual, do estado civil, da idade, da deficiência e da doença - vão ao encontro daquilo que, do nosso ponto de vista, a própria evolução e a pressão dos cidadãos têm reclamado ao longo do tempo e que têm considerado, do ponto de vista da evolução do Direito Internacional, com valor suficiente para justificar a constitucionalização.
Poder-se-ia dizer que o princípio da igualdade, em sentido lato, já as abrangeria, mas, do nosso ponto de vista, beneficia em ser desta forma densificado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estando nós a discutir o artigo 13.º, quero dizer umas palavras acerca das propostas apresentadas pelo PCP em relação a este artigo.

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Relativamente ao n.º 1 do artigo 13.º, devo dizer que se trata de um normativo fundamental na nossa Constituição, na medida que se refere ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, que aqui está claramente proclamado. Entendemos, no entanto, que mais do que essa proclamação, embora ela, naturalmente, tenha efeitos jurídicos, importa que a Constituição afirme o empenhamento do Estado português na remoção dos obstáculos económicos, sociais e culturais que se opõem à consagração plena do princípio da igualdade.
Sabemos que, apesar desta proclamação, na prática existem muitos obstáculos a que este princípio seja uma realidade e importa que o Estado português desenvolva políticas de promoção activa da igualdade e faça com que os cidadãos não sejam privados de direitos, designadamente em função da sua capacidade económica ou das suas dificuldades de inserção cultural e social.
Daí que proponhamos que se acrescente ao n.º 1 o dever de o Estado contribuir para a remoção dos obstáculos de natureza económica, social e cultural à realização dos direitos fundamentais.
No que se refere ao n.º 2, fazemos uma proposta, que, naturalmente, se explica por si mesma, que tem a ver com a inclusão de uma referência à orientação sexual no princípio da igualdade. Isto é: ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento por qualquer dever em razão dos vários factores que estão referidos já no n.º 2 do artigo 13.º mas também da sua orientação sexual.
São estas as propostas que apresentamos para o artigo 13.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em nome do meu grupo parlamentar, comentar e dar a conhecer a nossa posição relativamente às propostas dos outros grupos parlamentares agora aqui apresentadas, sendo certo que o Bloco de Esquerda ainda não apresentou a sua.
Começando pela proposta do PCP e pelo n.º 1 do artigo 13.º, quero dizer que esta proposta é a reedição de uma outra que este partido já tinha apresentado em anteriores processos de revisão constitucional: o PCP repete, ipsis verbis, uma proposta anterior. Portanto, o que tenho a dizer é rigorosamente o que já dissemos anteriormente.
Em termos sistemáticos, o conteúdo desta proposta, a existir na Constituição, nunca deveria ser no artigo 13.º mas, sim, no artigo 9.º, que é o artigo que trata das incumbências fundamentais do Estado. Porquê? Porque o que se coloca aqui neste artigo é a definição de princípios, a densificação do princípio da igualdade, e a proposta do PCP tem a ver com uma intervenção proactiva do Estado relativamente à garantia de exercício dos direitos fundamentais. Portanto, quando muito, deveria ser incluída no artigo 9.º e nunca no artigo 13.º, sendo certo que no artigo 9.º, em termos de conteúdo, já lá está aquilo que nos parece essencial.
A alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º estatui com toda a clareza que é uma tarefa do fundamental do Estado "Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático".
Ou seja: o que nos distingue do PCP neste ponto é que o PCP tem uma visão de um Estado interventor e que condiciona o funcionamento da própria sociedade, enquanto nós temos a visão de um Estado regulador e garantístico daquilo que são os direitos na própria sociedade,
Portanto, repito o que, já por várias vezes, o PSD teve oportunidade de dizer relativamente a esta proposta que o PCP vem apresentando em várias revisões constitucionais.
Quanto às propostas de alteração relativas ao n.º 2 do artigo 13.º, elas vão em vários sentidos, desde as que propõem que se acrescente a etnia até à nacionalidade, a orientação sexual, a doença, a deficiência, etc.
Devo dizer que a posição do PSD sobre estas matérias é, desde sempre, a de que não é por se acrescentar aqui mais uma matéria ou outra que o princípio da igualdade sofre uma alteração qualitativa em termos constitucionais. É que, do nosso ponto de vista, na leitura integrada destes dois números, já é pressuposto que todas estas liberdades e a igualdade dos cidadãos estão garantidas pela Constituição da República.
É evidente que, por razões programáticas ou de agenda política, algum partido pode ter a tentação de acrescentar esta ou aquela realidade que em cada momento pode colocar-se como mais urgente. De qualquer maneira, confesso que não temos uma posição fechada relativamente a esta matéria e queria até lançar um repto com bastante frontalidade.
Aceitem os senhores, Partido Socialista e os outros partidos, fazer o aditamento ao n.º 1 e nós ponderaremos os ajustamentos que se justifiquem relativamente ao n.º 2. Isto, como já foi dito pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves, não só pela validade intrínseca e a lógica, irrebatível por qualquer bancada, da nossa proposta no sentido de aditar ao n.º 1 a expressão "nos seus direitos e nas suas obrigações", mas até por coerência do próprio texto deste artigo.
O n.º 2, ao colocar uma série de questões, já estabelece, de facto, esta dicotomia entre os direitos e as obrigações. O n.º 2 estatui que ninguém pode ser privilegiado, etc. "de qualquer direito ou isento de qualquer dever". Ou seja, a lógica desta duplicidade de situações, de direitos e obrigações, de garantia para o usufruto de direitos mas também de responsabilidades e de deveres àqueles inerentes é uma lógica que preside ao próprio artigo. Portanto, faz todo o sentido que, na primeira parte do artigo, que é onde se enuncia o princípio com toda a sua força, com toda a sua dimensão, fique desde logo clarificado que este princípio da igualdade é uma medalha que tem verso e reverso e que, numa sociedade livre, solidária e responsável, o acervo de direitos a que os cidadãos têm acesso tem de ter como contrapartida um conjunto de deveres, desde logo sociais, que, por razões de solidariedade e de justiça, a todos devem obrigar.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições sobre este ponto, pelo que dou por terminado o debate dos artigos 1.º e 13.º e passamos ao artigo seguinte, o artigo 6.º.
Ora, de acordo com o que sugere o Partido Social Democrata, deixaríamos a discussão deste artigo 6.º para o momento em que discutirmos a matéria relativa às regiões autónomas, visto que o conteúdo das propostas de alteração, quer do PSD quer do BE, é exclusivamente relacionado com esta matéria.
Prosseguindo, passamos à discussão do artigo 7.º - Relações internacionais -, relativamente ao qual temos propostas de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

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O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a maioria propõe uma alteração do n.º 2 do artigo 7.º.
Este n.º 2, de resto como o n.º 3 do mesmo artigo que não é objecto de nenhuma proposta de alteração, é uma norma que contém princípios que devem presidir à política externa do Estado português, consubstancia, pois, directivas para a política externa do Estado português. Ora, parece imperioso retirar dessa directivas conceitos que estão perfeitamente ultrapassados pela evolução histórica.
O artigo preconiza a abolição de uma série de realidades. Só que, de entre as realidades enunciadas, várias estão por si só abolidas, como é o caso, por exemplo, dos blocos político-militares. Hoje em dia, não se pode dizer que existam blocos político-militares já que, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, deixou de "brilhar o sol" que brilhava em determinados países e os respectivos povos fizeram um movimento de modificação dos regimes em que viviam e aderiram rapidamente a regimes com liberdades individuais, liberdade de oportunidades, com acesso ao bem-estar material e espiritual, o que não existia naqueles países em que, falsamente, havia um "sol" que iluminava, mas que, na verdade, nada iluminava.
O mesmo se diga quanto à referência à abolição do imperialismo e do colonialismo que, muitas vezes, aparecem ligados um a outro, mas abordemo-los no seu purismo.
O colonialismo é uma realidade que teve o seu momento histórico nos séculos XVII, XVIII, XIX e até à segunda metade do século XX. Encontra-se já enterrado pela História e não existem países a dominar outras regiões ou outras populações, sob a forma de colónias de povoamento ou de enquadramento, sendo, portanto, algo que, por si mesmo, está abolido. Este é, também, o caso da referência à abolição do imperialismo, palavra que tem uma conotação perfeitamente localizada em termos ideológicos, se nos lembrarmos que talvez a principal obra de Lenine intitulava-se Imperialismo - Estado Supremo do Capitalismo. Portanto, estas realidades situam-se no domínio da arqueologia.
A Constituição não pode ser uma manifestação de um departamento de paleontologia de um qualquer museu de história natural, tem de ser modernizada. Portanto, a perspectiva da maioria é a de que estas realidades têm de ser retiradas, pura e simplesmente, para que a Constituição seja actual e moderna, caso contrário, também se poria constar que se preconiza a abolição do feudalismo que, tal como as realidades a que aludi anteriormente, é uma realidade que está perfeitamente abolida há muitos séculos.
Esta é, pois, a perspectiva da proposta da maioria relativamente ao artigo 7.º.
No que diz respeito à proposta apresentada pela Juventude Socialista, mais precisamente pela Sr.ª Deputada do PS Jamila Madeira, diria que o que consta do n.º 3 não tem nenhuma razão de ser. Esta proposta é perfeitamente redundante, na medida em que já no n.º 2 se preconiza a abolição de qualquer forma de agressão. Assim, esta proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 7.º não tem, quanto a nós, qualquer razão de ser.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, serei muito breve pois julgo que não valerá a pena alongar-me sobre o sentido das nossas duas propostas no tocante ao artigo 7.º - Relações internacionais.
Completando o que hoje consta do texto constitucional - e aproveito para dizer que, do nosso ponto de vista, deve ser mantido nos termos actuais -, as nossas duas propostas de aditamento têm a ver com a desnuclearização e o equilíbrio ecológico a nível planetário.
Julgo que será insuspeito se, a propósito da questão do nuclear, eu referir as afirmações sobre o perigo do nuclear, proferidas a uma revista alemã, este fim-de-semana, pelo Director da Agência Internacional de Energia Atómica. É óbvio que a questão do nuclear é central para a segurança planetária e para a paz e, manifestamente, não se trata de uma perspectiva datada, antes é um problema de hoje e, tristemente, com a maior oportunidade e relevância.
Em segundo lugar, penso que também é consensual que o equilíbrio ecológico a nível planetário é hoje uma questão de sobrevivência, portanto, ou é considerado como tal ou, pura e simplesmente, o que está em jogo é a própria sobrevivência numa perspectiva de médio e longo prazo.
Assim, no entendimento de Os Verdes, o que deve pautar as relações internacionais implica, para além do que são os valores tradicionais - paz, não agressão e procura não só do desarmamento geral como de uma relação entre povos e regiões -, dois novos compromissos, uma responsabilidade ética neste domínio. É essa perspectiva que procuramos introduzir com a nossa proposta de aditamento ao artigo 7.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, seguindo a doutrina expressa anteriormente, é para dar conta de que, oportunamente, apresentaremos uma declaração de voto sobre estas propostas.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, breves palavras para me referir à proposta da maioria.
Devo dizer que, ao contrário do que foi expresso na sua justificação, e havendo certamente uma evolução das formas de imperialismo e de colonialismo, não podemos deixar de considerar que estas formas de dominação e de agressão entre os povos continuam a existir. Aliás, temos presente exemplos bem recentes nesta matéria nos quais continuam a existir relações de domínio entre nações mais poderosas e outras a elas subordinadas pela força militar ou por outras vias. Portanto, esta referência mantém a sua actualidade.
Evidentemente, há uma evolução nas formas de imperialismo e de colonialismo, mas isso não justifica que se retirem essas referências da Constituição.
De resto, também não se justifica retirar a ideia da dissolução dos blocos militares, porque se é certo que um já se dissolveu, outro continua a existir e o entendimento que temos é que o objectivo de estabelecer um sistema de segurança colectiva com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações

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entre os povos também depende, entre outros factores, de todos os blocos político-militares.
Registo ainda - e isso não foi referido na apresentação desta proposta - que, na intenção da proposta da maioria, o desarmamento geral deixa de ser um objectivo das relações internacionais de Portugal, facto que reputamos de gravidade e com o qual não estamos de acordo evidentemente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, o que acaba de ser dito é quase uma observação à minha anterior intervenção. Diria, pois, que o Sr. Deputado Bernardino Soares não tem qualquer espécie de razão.
Digo-o porque, ao afirmar o que afirmou, o que o Sr. Deputado Bernardino Soares pretende é que fiquem exaradas na Constituição determinadas formas da chamada "exploração", em linguagem marxista, que têm uma conotação de esquerda, que são individualizadas e que, historicamente, já não existem.
Quando se diz que a maioria quer ajustar contas com a História, não é verdade. O que acontece é que a própria História ajustou contas com determinadas realidades que mandou "para a gaveta das velharias e das inutilidades",…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - … como o colonialismo e o imperialismo que acabei de referir.
Se há novas formas de exploração - e dou-o de barato -, a sua defesa constitucional está perfeitamente assegurada na redacção do n.º 2 do artigo 7.º que é proposta por nós próprios. Preconiza-se precisamente a abolição de todas as formas de agressão, de domínio ou de exploração nas relações entre os povos.
Portanto, esta redacção, pela sua amplitude, abrange todas e quaisquer formas de exploração, e não há que fazer referência a algumas formas de exploração que têm os dias contados, e que, enfim, são referências da esquerda.
A segunda observação prende-se com os blocos militares. Admito que haja um bloco militar e fico muito feliz com isso, porque esse bloco militar é o que defende as liberdades individuais, o que não acontecia com o outro bloco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Henrique Chaves não referiu, certamente por lapso, a justificação para o facto de a maioria propor que Portugal deixe de preconizar o desarmamento geral. Ora, não sei se há alguma justificação para essa proposta.

O Sr. Presidente: - Para prestar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, há, com certeza. As ameaças terroristas que, hoje em dia, têm origens perfeitamente desconhecidas, são uma evidência e não são compatíveis com iniciativas de desarmamento geral. Isso é fazer o jogo de determinadas políticas que a maioria não faz, de modo algum!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação ao artigo 7.º e à proposta apresentada pelo CDS-PP e pelo PSD, quero apenas dizer que a mesma corresponde fundamentalmente a uma simplificação da terminologia utilizada no texto constitucional e a uma adequação da mesma aos novos tempos e às novas realidades.
O que é que se pretende dizer com isto? É algo de muito simples: que várias das referências feitas, como ainda há pouco o Sr. Deputado Henrique Chaves teve a oportunidade de dizer, no texto inicial da Constituição, como um conjunto de ameaças ou forma de agressão entre povos se foram estendendo. Hoje, são mais, são diferentes. E por isso mesmo, uma fórmula que seja mais plástica e possibilite a entrada de todas essas referências é, obviamente, mais positiva e mais adequada às realidades que vivemos hoje em dia.
Digamos que este artigo não é daqueles que deva ter uma linguagem com determinada marca de natureza ideológica, devendo ser antes um artigo com um texto de natureza neutral e que assuma claramente os objectivos de Portugal, em relação ao funcionamento das relações internacionais, das relações entre os Estados e, fundamentalmente, da adequação a novas realidades de hoje, como o combate ao terrorismo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não registo mais nenhuma inscrição sobre a questão do artigo 7.º. Passamos, pois, à análise do artigo 8.º.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas dizer que o PSD e o PP apresentam uma alteração ao n.º 3 do artigo 8.º, nos termos que todos conhecem.
Esta alteração pretende uma abertura a um modelo novo emergente na realidade europeia, que é o da existência de uma rede constitucional, quer dizer, do convívio entre as Constituições nacionais e uma Constituição europeia. Neste modelo de uma "rede constitucional", de certo modo original (diria mesmo, os traços de uma transição entre o direito comunitário clássico e um direito constitucional novo da União), o que o artigo 8.º vem fazer é uma abertura à possibilidade de construir uma compatibilização entre a vontade política nacional de cada Estado - neste caso, do Estado português - perante uma Constituição europeia, de abrir portas à possibilidade de uma ratificação do Tratado que venha a aprovar a Constituição europeia.
Nos termos em que a Constituição hoje dispõe, essa abertura não é possível. Não o é, desde logo, em razão de um princípio de constitucionalidade, ligado a uma lógica de soberania indissociável desse mesmo princípio, e também em razão de momentos concretos estabelecidos na própria Constituição, como seja o n.º 1 do artigo 277.º, sobre o controlo de constitucionalidade.
Para criar uma abertura a uma "rede constitucional" com uma Constituição europeia ao centro, coordenada com as várias Constituições, o artigo 8.º antecipa uma solução e tem a vantagem de criar, no único momento adequado, o da revisão, portas abertas para essa rede que, em termos institucionais e normativos, perante a Europa e na Europa, se revela já como uma agradável fatalidade.

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Por isso, Sr. Presidente, são estas as nossas razões. Todos diziam que era necessário sediar na Constituição a legitimidade para a criação desta rede constitucional e é isso o que a maioria PSD-PP propõe, através do artigo 8.º.
É tudo o que tenho a dizer, de momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão da actualização constitucional em matéria europeia está dependente de factores, alguns dos quais, como sabe, são exógenos, que nos remetem para uma ponderação em momento ulterior.
Portanto, quanto a esta matéria, é esta a posição que podemos adiantar, de imediato.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a este artigo, queria chamar a atenção fundamentalmente para a sua importância, na estrita medida em que se pode, desde logo, estabelecer um princípio de economia de tempo.
Uma das críticas que se tem feito é a de ocorrerem constantes modificações de natureza constitucional, meramente parciais, não profundas, e que grande parte delas (refiro-me, desde logo, a todas as revisões extraordinárias da Constituição) tiveram fundamentalmente por base evoluções no Direito Internacional e na forma de funcionamento da União Europeia. Portanto, a necessidade de se discutir de forma aprofundada o n.º 3 do artigo 8.º, a forma como se deverá realizar o relacionamento entre o direito interno e o da União Europeia e a forma como se deve olhar a grande parte daquelas que são as evoluções ou as determinações da jurisprudência europeia, leva-nos obviamente a afirmar a enormíssima importância que tem a discussão deste artigo, a relevância que tem a possibilidade de se encontrar nesta Comissão uma solução que não nos leve a que, daqui a uns tempos, tenhamos outra vez de estar a discutir um processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não registo mais inscrições sobre o artigo 8.º. Vamos, por isso, passar ao debate sobre o artigo 9.º.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tive oportunidade, no debate, na generalidade, que aqui fizemos e que por vezes se enquadrou em aspectos da especialidade, de me referir ao artigo 9.º.
Este artigo 9.º trata fundamentalmente a matéria das tarefas fundamentais do Estado, e merece da parte do nosso projecto de revisão duas alterações essenciais.
A primeira delas é a modificação da alínea c), que, de acordo com a nossa proposta, deverá enquadrar, entre as tarefas fundamentais do Estado, a promoção das condições de efectiva protecção do direito à vida. O que pretendemos é precisamente a consideração, entre as tarefas fundamentais do Estado, da defesa do direito à vida.
Devo salientar que a expressão "direito à vida" não aparece na actual redacção do texto constitucional. Devo também salientar que a referência que aqui fazemos, nesta alínea c), em nada modifica possíveis juízos de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade sobre leis em vigor no nosso ordenamento jurídico.
Ora, o que pretendemos é que o Estado entenda, nas suas variadíssimas vertentes, como uma tarefa sua, a efectiva protecção do direito à vida, e, para além do mais, a inclusão deste direito tal como, por exemplo, aparece no projecto de tratado que estabelece a Constituição para a Europa, o qual faz uma referência claríssima ao direito à vida. O actual texto da Constituição não a tem.
A modificação que introduzimos na alínea e) é apenas a de especificar o princípio da igualdade como uma igualdade de oportunidades entre todos os portugueses. Isto é, a todos os portugueses deve ser dada uma igual oportunidade que, obviamente, será desenvolvida de acordo com as capacidades de cada um para o fazer.
Portanto, são estas as duas alterações e modificações fundamentais que temos em relação às tarefas fundamentais do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, além da maioria, apresentam propostas de alteração do artigo 9.º o PCP e Os Verdes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, não me inscrevi.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à explicitação que já foi feita da proposta da maioria, quanto à inclusão nas tarefas fundamentais do Estado da protecção do direito à vida, penso que este é um princípio elementar e que se justifica por si próprio.
Não penso sequer que o princípio da dignidade da pessoa humana não contenha, por respeito essencial, o princípio de uma tarefa fundamental do Estado na protecção do direito à vida, que depois se reflecte em muitas vertentes, quer na própria Constituição da República - por exemplo, na proibição da pena de morte, e por aí fora - quer ainda na legislação ordinária nacional, onde, obviamente, num Estado de direito de raiz humanista e personalista, a protecção do direito à vida tem sempre de estar presente.
Uma outra vertente da proposta da maioria para este artigo 9.º prende-se com um princípio politicamente muito relevante, também já incluído em anteriores revisões constitucionais, por correcção em vários dispositivos da Constituição. Mas neste âmbito, no das tarefas fundamentais do Estado, ainda não está corrigido e, do nosso ponto de vista, carece de correcção em consonância com o princípio que está consagrado actualmente na alínea d) do artigo 9.º, no qual se refere que é uma tarefa fundamental do Estado "Promover (…) a igualdade real entre os portugueses (…)". Ora, o princípio da igualdade real é, não diria inexistente mas, no mínimo, um princípio completamente inaplicável nas sociedades modernas, nas sociedades evoluídas e, acima de tudo, nas sociedades respeitadoras das liberdades e

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garantias individuais e não castradoras dessa liberdade de iniciativa individual e dessas mesmas garantias.
Portanto, a igualdade de que verdadeiramente se deve falar como um dos vectores essenciais, como uma tarefa essencial para o Estado, é a igualdade de oportunidades, essa sim, à semelhança do que dispõe a própria Constituição relativamente a um conjunto de direitos fundamentais de natureza social, económica e outra que se coloca sistematicamente ao longo da mesma. Portanto, o que está em causa é a garantia, por parte do Estado, da promoção, do bem-estar, da qualidade de vida e da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos portugueses.
Sr. Presidente, aproveito para comentar as propostas do PCP e de Os Verdes relativamente a este mesmo artigo, embora não tenham sido expressamente apresentadas, até para não voltar a pedir a palavra.
Do nosso ponto de vista, as propostas de Os Verdes não acrescentam nada de relevante ao próprio texto da Constituição: é acrescentar por acrescentar! Não traz nada de novo, nem de útil. Já a proposta do PCP é daquele género de propostas que foram sendo apresentadas sistematicamente na parte genérica, isto é, na parte dos princípios gerais da Constituição em anteriores revisões constitucionais.
Ora, estamos em sede das tarefas fundamentais e temos de ter a consciência de que a melhor forma de fazer com que nada seja fundamental para o Estado é qualificar tudo como fundamental. Portanto, se não há um critério na distinção daquelas que são as tarefas fundamentais do Estado e se, cada vez que revisitamos este artigo, se acrescenta mais esta ou mais aquela tarefa, é evidente que perde eficácia a própria enunciação de princípios que a Constituição faz.
Estão fora de causa as obrigações do Estado português em termos das garantias de integração social e de efectivação dos direitos a todos os cidadãos não nacionais que vivem em Portugal. Essa matéria é agora tratada na Constituição em sede própria, isto é, no artigo 15.º, que se situa fora dos princípios gerais, fora das tarefas fundamentais do Estado, mas que lhe dá uma dignidade perfeitamente autónoma.
Com toda a franqueza, e sem pôr em questão a bondade desta proposta, o que está em causa é um problema de sistematização da Constituição.
As matérias que têm que ver com esta questão da integração e da garantia de efectivação de direitos aos não nacionais são tratadas em sede do artigo 15.º, e não nesta sede. Além de que, do nosso ponto de vista, se acrescentarmos tanto as tarefas fundamentais, de fundamentais elas passam a ser uma mera listagem de tudo aquilo que o Estado faz ou não faz, deve ou não deve deixar de fazer relativamente à efectivação dos direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem razão quando diz que a banalização, por exemplo, do elenco de tarefas fundamentais conduz a uma desvalorização daquelas que inserimos. E também é verdade que a não referência à questão dos direitos dos cidadãos imigrantes não significaria uma ausência completa de protecção constitucional neste campo. Mas o problema é que vivemos, cada vez mais, numa sociedade que se altera profundamente no que respeita à presença de cidadãos imigrantes.
Portanto, é no aumento da importância e do peso dessa população, com as dificuldades que crescentemente se sentem na sua integração, com os efeitos sociais, económicos e outros que a melhor ou a pior integração destes cidadãos tem para nossa sociedade, que estão encontradas as razões para que, não sendo uma banalização das tarefas fundamentais (aliás, nem propomos mais nenhuma alteração), a integração social e efectivação dos direitos dos cidadãos imigrantes seja considerada uma tarefa fundamental do Estado neste novo quadro que hoje caracteriza as sociedades europeias,
Portanto, há aqui uma gradação diferente entre a nossa apreciação e aquela que o PSD acabou de exprimir. Não se aplica a ideia de banalização, porque não se trata disso; trata-se, sim, de entender que esta questão é suficientemente relevante, e cada vez mais o será na nossa sociedade, para merecer esta inserção sistemática, que é adequada ao problema que estamos aqui a tratar. Há, pois, que consagrar como tarefa fundamental do Estado a integração social e a garantia de efectivação dos direitos dos cidadãos imigrantes.
Julgamos que esta será crescentemente uma tarefa fundamental do Estado. Só assim poderemos garantir uma harmonia social destas populações e uma plena integração no nosso país daqueles que para cá vêm viver, trabalhar e participar na nossa sociedade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão sobre o artigo 9.º, e uma vez que já abordámos as propostas de alteração ao artigo 13.º, temos agora uma proposta de alteração ao artigo 14.º, que diz respeito aos imigrantes. Também o artigo 15.º, pela natureza das questões que trata, está próximo do artigo 9.º - a proposta do PCP tem que ver com direitos fundamentais dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não me parece que seja bem assim. Em todo o caso, queria pedir um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado Bernardino Soares para acrescentar um ponto àquilo que penso que interpretou bem das minhas palavras.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, do nosso ponto de vista, o que está em causa não é a bondade material do que é proposto mas, sim, a inserção sistemática bem como a especial relevância ou especial ênfase que se procura dar através dessa inserção sistemática. E a minha questão tem que ver rigorosamente com esse aspecto. Ou seja, se o Sr. Deputado olhar para o conteúdo útil deste artigo 9.º, que regula as tarefas fundamentais do Estado, em lado algum está escrito que a incumbência da promoção e garantia de efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos nacionais é tarefa fundamental do Estado português - não está nem tinha de estar!
Portanto, esta é mais uma chamada de atenção que lhe faço: por que é que havia de estar consagrada essa garantia relativamente aos cidadãos imigrantes quando não está - e bem - em relação aos cidadãos nacionais? Também

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nenhum de nós defende que tenha de estar prevista no artigo 9.º a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e dos princípios do Estado de direito democrático que são, obvia e objectivamente, direitos de cidadania comuns a todos os cidadãos. Aliás, mais à frente, o artigo 15.º refere que os cidadãos imigrantes, como todos os outros cidadãos estrangeiros quando em território nacional, gozam dos mesmos direitos do cidadão português.
Esta é a precisão que queria fazer e, tal como o Sr. Deputado referiu, também penso que o problema da integração social dos imigrantes, independentemente de ser conjuntural, hoje em dia, na sociedade portuguesa, a médio e longo prazo será estrutural, mas não me parece que o conteúdo útil do artigo 9.º se adeqúe expressamente a uma formulação deste tipo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, nós entendemos que, nas várias alíneas do artigo 9.º, se procura garantir, de forma genérica, aos cidadãos a efectivação dos seus direitos, a garantia de bem-estar social e tudo o mais.
Do que se trata agora é de consagrar uma situação que terá de ter um tratamento específico e que, de outra forma, não será considerada como tarefa fundamental do Estado. Parece-me um pouco forçado dizer que, do elenco previsto no artigo, se retira esta questão específica, mas nem por isso menos fundamental, dos direitos dos imigrantes a uma inserção social adequada.
Como referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, certamente esta não é uma questão conjuntural no sentido mais limitado do termo, até porque se se mantiver o ritmo de revisões constitucionais a que temos estado habituados no nosso país, esta nova alínea continuará acertada, adequada e útil por muitos processos de revisão constitucional nos próximos anos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, fundamentalmente, o meu pedido de palavra tem que ver com duas ordens de razões: por um lado, quero fazer um comentário em relação à proposta apresentada pelo Partido Comunista Português e, por outro lado, quero comentar a afirmação final do Sr. Deputado Bernardino Soares, de que, ao ritmo com que se vão fazendo revisões constitucionais em Portugal, é provável que chegue a altura em que se dará a inclusão desta alínea i) no artigo 9.º.
Sr. Deputado Bernardino Soares, o ritmo a que se vão fazendo as revisões constitucionais pode, desde logo, ser travado nesta revisão, basta que exista vontade de a rever não de uma forma especializada mas de uma forma global, nos seus vários aspectos, para que não seja necessário introduzir modificações constitucionais constantemente. Com toda a certeza, este procedimento até poderá agradar, de certa forma, quem tenha uma ideia conservadora sobre a Constituição.
No que diz respeito especificamente à nova alínea i) do artigo 9.º que é proposta no projecto de revisão do PCP, sem retirar uma grama que seja à bondade desta tarefa e à sua importância, é fundamental ter em atenção o seguinte: este artigo das tarefas fundamentais do Estado não deve servir como uma caixa de repetição de princípios que já estão expressos e totalmente regulamentados em artigos posteriores - e o que acontece é que o artigo 15.º trata, de facto, desta matéria.
Portanto, não vale a pena incluir nas tarefas fundamentais do Estado algo que, mais à frente, é concretamente tratado por um princípio constitucional. Isto é, o princípio das tarefas fundamentais do Estado deve determinar a existência de ganhos, por assim dizer, em relação ao que está previsto no resto do texto de natureza normativa, o que não nos parece que seja o caso, desde logo, pela relação que aqui referi com o artigo 15.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É cristalino e inequívoco que cabe ao Estado português, e é uma das suas tarefas fundamentais, garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático. Todos os direitos, liberdades e garantias, incluindo, naturalmente, o que está previsto no artigo 24.º.
Quer isto dizer que, em nossa opinião, em função de um conceito de revisão constitucional cingido ao estritamente necessário, não cabe explicitar o que decorre da alínea b) do artigo 9.º e, menos ainda, reduzir-lhe o alcance em qualquer das suas componentes. Não daremos, por isso, o nosso voto favorável às propostas apresentadas, o que em nada afecta, em nosso entender, os direitos dos imigrantes e a responsabilidade do Estado no que lhes diz especificamente respeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para discutir o artigo 9.º, pelo que declaro encerrada esta discussão.
O artigo 13.º já foi discutido conjuntamente com o artigo 1.º, pelo que passamos, então, à discussão do artigo 14.º, sobre o qual há apenas uma proposta de alteração, da responsabilidade do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a nossa proposta quanto ao artigo 14.º visa constitucionalizar o Conselho das Comunidades Portuguesas.
O Conselho das Comunidades Portuguesas é eleito por sufrágio universal pelos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, vindo o seu trabalho a ser amplamente reconhecido pelos nossos compatriotas que vivem no estrangeiro. Tanto quanto sabemos, a proposta de constitucionalizar o seu Conselho tem vindo a ser recebida com grande regozijo por parte das comunidades portuguesas no estrangeiro e com uma grande esperança de que ela seja aprovada.
Portanto, apresentamos aqui esta proposta na certeza de que estamos a corresponder a uma aspiração muito sentida por parte de muitos portugueses residentes no estrangeiro. Esperamos, por isso, que possa vir a ter acolhimento da parte dos demais grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de comentar em particular a proposta

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do PCP em análise, quero, mais uma vez, lembrar aos Srs. Deputados a correcção com que a própria Constituição também aqui coloca em pé de igualdade os direitos e os deveres. Relativamente a isso parece que não há nenhum reparo de ninguém, aliás, o próprio PCP repete o texto constitucional, que nesta matéria sente a necessidade de colocar em plano de igualdade o exercício de direitos e o respeito pelos deveres.
É bom que tenhamos presente este aspecto, porque algumas das propostas da maioria visam exactamente a consolidação, em sede própria da Constituição, de princípios que já nela constam e relativamente aos quais não vale a pena esgrimir-se o discurso estafado e perfeitamente irrealista de que o fazemos por algum preconceito de natureza ideológica. Se assim fosse, os Srs. Deputados que acusam a maioria disso não subscreveriam - como subscrevem e subscreveram, desde o início -, no texto constitucional, amiúde, em situações concretas, esta equidade sistemática em termos de garantia de direitos e, ao mesmo tempo, de vinculação de deveres e obrigações.
Quanto à proposta útil do PCP de constitucionalização do Conselho das Comunidades Portuguesas, devo dizer que o PSD e a maioria em geral estão perfeitamente à vontade quanto a esta matéria, porque foi já com este Governo e com esta maioria que foi regulado e estabilizado a vida e o funcionamento deste Conselho, independentemente de o mesmo ter sido criado, em tempos, pelos governos do PSD.
O que não faz sentido, do nosso ponto de vista, é transpor para a Constituição esta matéria; é a estratégia exactamente contrária àquela que deve pautar o tratamento deste tipo de matérias. A Constituição deve ser um repositório de afirmação de princípios e os órgãos constitucionalmente consagrados devem obedecer a uma escolha muitíssimo criteriosa, exactamente para permitir que, de uma forma ágil e flexível, a sociedade possa adequar-se, em cada momento, aos melhores instrumentos para dar corpo e efectivação aos legítimos anseios e aos direitos da generalidade da população, neste caso concreto dos portugueses no estrangeiro.
Portanto, estando o PSD, esta maioria e este Governo completamente à vontade quanto à defesa intransigente da participação e da organização em torno de um conselho próprio, democraticamente eleito e legitimado, dos nossos emigrantes, já nos parece sem sentido que haja uma rigidez com a fixação constitucional desta matéria. Neste momento, o Conselho pode ser o mais adequado, mas de hoje a amanhã as circunstâncias podem alterar-se e haver alguma modificação que aconselhe a que a representatividade, a participação representativa dos nossos concidadãos que vivem e trabalham no estrangeiro possa ser melhor efectivada através de uma outra qualquer forma organizativa.
Portanto, do nosso ponto de vista, esta "rigidificação" constitucional não faz sentido. Sendo nós intransigentemente defensores da participação e da representatividade dos nossos concidadãos que vivem no estrangeiro quanto a todas as matérias de interesse para si próprios, esta consagração constitucional parece-nos, de facto, excessiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, não posso deixar de referir, muito brevemente, que nesta matéria verificamos haver dois PSD: o PSD aqui dentro e o PSD lá fora. Tanto quanto fui informado, Deputados do PSD eleitos pelos círculos eleitorais da emigração, quando confrontados com esta proposta e questionados quanto à sua posição sobre a mesma, manifestam-se favoráveis a ela, como aconteceu ainda recentemente num debate na RDP Internacional.
Portanto, verifico que, quando falam para os emigrantes, os Deputados do PSD consideram esta proposta muito boa, quando chegam à revisão constitucional já a consideram muito má. Naturalmente, essas posições ficam com o PSD, mas não quero deixar de as referir nesta sede.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, de facto, não percebo por que estamos aqui a debater ideias, quando parece que há Deputados que não querem ouvir os outros. Não vale a pena, parece um jogo de surdos!…
Embora correndo o risco de, mais uma vez, não ser ouvido pelo Sr. Deputado António Filipe, quero repetir que o PSD, esta maioria e este Governo estão particularmente à vontade nesta matéria, pois aprovaram recentemente legislação que consolida não só a existência do Conselho das Comunidades Portuguesas como todo o seu método de eleição e de representatividade, de legitimação democrática.
Portanto, seguramente, não recebemos nesta matéria - como não recebemos também na generalidade das matérias, mas falo desta em particular porque é a que estamos aqui a discutir - qualquer lição de maior ou menor consideração do assunto por parte quer do PCP quer de qualquer outro partido nesta Câmara.
Repito que foram esta maioria e este Governo, já nesta legislatura, que consolidaram, na ordem jurídica portuguesa, a matéria relativa ao Conselho das Comunidades Portuguesas, embora inicialmente, na sua génese, já tivesse sido criado também nos tempos dos governos com a participação do PSD. Portanto, quanto a este aspecto entendamo-nos, não vale a pena vir com discursos.
Porém, uma coisa é a consolidação e a defesa de todos estes direitos em termos legislativos, outra coisa é a "rigidificação" desta representação através da inclusão da matéria no texto constitucional, porque, como é evidente, a partir do momento em que ficar incluída na Constituição perde-se a maleabilidade e a agilidade que, por todas as razões, é útil e vantajosa para, em cada momento, exactamente no decurso do diálogo com os nossos concidadãos que residem no estrangeiro, irmos adequando os esquemas e os sistemas da sua representatividade àquilo que melhor vá ao encontro das suas necessidades em cada momento histórico.
Portanto, a questão é rigorosamente só esta. Não temos lições nenhumas a receber da parte do PCP relativamente ao apoio que demos no passado e que damos no actual Governo aos nossos concidadãos que trabalham e vivem no estrangeiro, a quem se dirige o artigo 14.º da Constituição, com a epígrafe "Portugueses no estrangeiro".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de acrescentar um ponto ao que

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o meu companheiro de bancada acaba de afirmar, que não é mais do que reiterar a sua afirmação.
Ao longo desta revisão, vamos, em muitos momentos, e segundo as propostas que vão sendo apresentadas, ter de optar entre uma Constituição dirigente, regulamentadora, ou uma Constituição como norma-quadro, que consagra o que é essencial e deixa ao fluir da vida e à decisão legislativa a regulação das demais questões.
O artigo 14.º constante da proposta do PCP é, do meu ponto de vista, o exemplo de uma Constituição dirigente e regulamentadora, subtraindo espaço ao legislador democraticamente legitimado na regulação dos diferentes domínios da vida, mesmo quando não têm directamente que ver com princípios fundamentais.
Nada do que aqui está deixa de poder ser se regulado em legislação ordinária. O que esta norma vem consagrar é uma filosofia perfeitamente dispensável, de uma Constituição dirigente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições quanto ao artigo 14.º, vamos passar à discussão do artigo 15.º, sobre o qual foram apresentadas propostas de alteração pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, aproveito a oportunidade para apresentar as duas propostas que fazemos para o artigo 15.º, concretamente para os seus n.os 2 e 4.
No que se refere ao n.º 2, a nossa proposta prende-se com o exercício de funções públicas por parte de cidadãos estrangeiros, procurando clarificar um princípio que tem sido, nalguns casos, deficientemente aplicado, inclusive pelo legislador, e que tem vindo a ser corrigido nalgumas situações por via jurisprudencial. Refiro-me ao acesso de cidadãos estrangeiros a empregos que tenham um vínculo público.
Fomos tomando contacto, ao longo dos vários anos, com diversas queixas de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal relativas à inviabilização da sua admissão em funções públicas, designadamente de limpeza em escolas públicas. Tivemos conhecimento de vários casos de pessoas que, por não terem nacionalidade portuguesa, não foram admitidas a prestar serviços de limpeza em escolas públicas, invocando-se uma legislação existente que reserva o acesso à função pública exclusivamente a cidadãos portugueses.
Ora, essa legislação tem vindo a ser considerada inconstitucional em vários casos concretos, havendo jurisprudência muito firme dos tribunais no sentido de considerar essa norma legal que reserva o acesso à função pública para cidadãos portugueses inconstitucional, por violação do princípio da igualdade entre cidadãos nacionais e estrangeiros. Tem também vindo a interpretar a expressão "o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico" - esta é a formulação constitucional - no sentido de considerar que são só vedadas a cidadãos estrangeiros funções que envolvam o exercício de poderes de autoridade.
Tem sido esta a expressão interpretativa pacificamente aceite pelos tribunais portugueses, daí parecer haver vantagem em que a Constituição possa acolher esta formulação jurisprudencial e deixar claro que os cidadãos estrangeiros só não terão acesso ao exercício de funções públicas que envolvam poderes de autoridade, e não outras. Portanto, esta é a primeira proposta que fazemos.
A proposta de alteração ao n.º 4 pretende ser uma inovação na nossa ordem constitucional. Como os Srs. Deputados sabem, actualmente a Constituição prevê que a lei possa atribuir a estrangeiros residentes no território nacional capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais em condições de reciprocidade. Ora, isto faz com que haja uma listagem, publicada em Diário da República, com os países cujos cidadãos têm capacidade activa e passiva em Portugal - e é uma lista reduzida de países!
Porventura, a comunidade mais numerosa, residente em Portugal, que tem direito de voto por esta via é a cabo-verdiana. Mas existem muitas outras comunidades de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal que não têm direito a participar nas eleições autárquicas porque não se verifica a possibilidade de reciprocidade. Por exemplo, comunidades como a angolana, a moçambicana e a guineense, com muitos cidadãos radicados em Portugal e que têm uma inserção longa, nalguns casos de várias gerações, na comunidade nacional, continuam a ser privadas do seu direito de voto e do de se candidatarem às autarquias locais onde vivem há muitos anos, porque não se verifica a possibilidade de reciprocidade, pois esses países, designadamente devido a uma situação de instabilidade que se prolongou durante muitos anos, sobretudo situações de guerra, não tiveram ainda a possibilidade de realizar eleições autárquicas.
Portanto, os cidadãos cabo-verdianos têm direito de voto em Portugal, porque em Cabo Verde a situação está estabilizada há muitos anos, eles realizam eleições autárquicas, e como os portugueses têm direito de voto nessas eleições se lá residirem, há condições de reciprocidade. Já relativamente a outros cidadãos não há condições de reciprocidade e, portanto, eles não votam em Portugal.
Ora, esta exigência da reciprocidade considera a atribuição da capacidade eleitoral como algo que releva da política externa do Estado, das relações entre Estados, e nós entendemos que não deve relevar das relações entre Estados mas, sim, da relação de cidadania que Portugal entenda dever estabelecer com os cidadãos que residem em Portugal. Daí julgarmos que devia ser deixada ao legislador a liberdade de definir quem são os cidadãos que, em Portugal, devem ter capacidade eleitoral activa ou passiva em função da relação que estabeleçam com a comunidade nacional e não em função de quaisquer critérios de reciprocidade. Ou seja, defendemos que os cidadãos que vivem em Portugal, que sejam originários de países onde não haja eleições autárquicas, não devem ficar privados, por esse simples facto, da possibilidade de participarem politicamente na vida local em Portugal.
Portanto, a reserva de reciprocidade deveria ser arredada da Constituição e devia ser deixada uma margem de liberdade ao legislador para definir quem são os cidadãos que, em Portugal, devem ter capacidade eleitoral activa e passiva.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria deixar algumas notas sobre esta proposta do Partido Comunista Português, que, na sua segunda parte, corresponde um pouco à proposta do Bloco de Esquerda, que não está presente.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Foi copiado.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Foi copiado? O Sr. Deputado António Filipe saberá!
Quanto à primeira parte da proposta, desde logo quero acentuar - nunca será demais - que nós, PSD, entendemos que a política de imigração em Portugal (não nos cansamos de o repetir) é uma política moderna, assente numa política global de imigração no contexto da União Europeia. Por conseguinte, o acolhimento e a integração dos imigrantes é uma questão séria e responsável, desde logo assente no artigo 1.º da própria Constituição, ou seja, no respeito pela dignidade da pessoa humana. É isso que está em causa e apraz-nos muito sublinhá-lo, nomeadamente quando estamos a discutir a lei primeira do País.
Propor uma alteração ao n.º 2, tendo em vista retirar funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico, seria, diria eu, uma alteração para ficar tudo na mesma, porque essas mesmas funções têm correspondência, seguramente, em funções de carácter público, de autoridade, essas de carácter político e, inevitavelmente, excluídas pela sua natureza. Por conseguinte, entendemos que esta alteração não é, seguramente, uma mais-valia.
Relativamente à segunda parte e ao que tem a ver com o alargamento - é isso que está em causa - da capacidade eleitoral activa e passiva para estrangeiros, o Partido Social-Democrata não questiona essa filosofia, que, de resto, apoiou aquando das sucessivas alterações ao texto inicial de 1976 (vejam-se as alterações de 1989, de 1992 e até de 2001), mas, naturalmente, temos um princípio que entendemos que devemos observar e manter, contrariamente ao que faz o Partido Comunista, que, segundo parece, entende que os cidadãos estrangeiros em Portugal devem ter mais direitos do que, porventura, aqueles que os portugueses têm se estiverem num país estrangeiro. Isso, realmente, não perfilhamos.
Com isto quero significar que o princípio que defendemos e que deve estar presente é o de que esses mesmos direitos têm de assentar em condições de reciprocidade. Nessa medida, sim, poderíamos acolher qualquer proposta. Não é essa a situação e, por conseguinte, estas propostas do PCP não merecem a nossa aprovação e acolhimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estou um pouco duvidoso sobre o que o Partido Comunista pretende. Isto porque a filosofia do Partido Comunista, segundo me parece, é a de ampliar os direitos dos imigrantes, ou estrangeiros, e não restringi-los em relação à actual Constituição. Mas o que vejo é que o Partido Comunista restringe o âmbito do artigo 15º actual, na medida em que lhe retira o que ele contém no que respeita ao exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico.
Quer dizer, actualmente a Constituição dá aos imigrantes, ou aos estrangeiros, o direito ao exercício de funções públicas, desde que elas sejam predominantemente técnicas. É um benefício que lhes dá! Portanto, desde que as funções sejam predominantemente técnicas o imigrante pode, efectivamente, exercê-las, mesmo que sejam funções públicas. Ora, ao retirar este inciso, o Partido Comunista retira-lhes um direito que eles hoje têm, ou seja, restringe mais o âmbito desta aplicação, o que não me parece caber na filosofia geral de protecção aos imigrantes que o Partido Comunista geralmente defende.
Será assim ou estarei enganado, Sr. Deputado António Filipe?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, apresentámos esta proposta com o objectivo de que o Sr. Deputado estivesse enganado - pelo menos foi esse o espírito! De facto, pretendemos restringir a margem de restrição, se me é permitida a redundância. Isto é, tendo tomado conhecimento de várias situações em que a Administração Pública não admitia cidadãos estrangeiros ao seu serviço, que, do nosso ponto de vista, eram situações manifestamente injustas - dei o exemplo, que chegou ao meu conhecimento, de uma pessoa que não foi admitida para a limpeza de uma escola, porque foi invocado o carácter público dessa escola e o facto de essa pessoa ser estrangeira -, entendemos que valeria a pena dar um sinal muito claro de restrição, do impedimento de acesso de cidadãos estrangeiros à função pública.
Dir-me-á o Sr. Deputado que considerar que uma função de limpeza não é uma função predominantemente técnica, como diz a Constituição, é um absurdo. Aí concordo consigo, porque essa interpretação não tem pés nem cabeça e essa pessoa, à luz do actual texto constitucional, deveria ser, obviamente, admitida em condições de igualdade.
Dir-me-á ainda o Sr. Deputado que para corrigir uma situação dessa natureza não é necessário alterar a Constituição - aliás, estão cá os tribunais para essa interpretação -, mas creio que a interpretação jurisprudencial que é feita das funções que não têm um carácter predominantemente técnico…
Parece-nos que a adopção de uma formulação restritiva no sentido de não envolver poderes de autoridade seria mais clara, por isso apresentámos esta proposta. E fizemo-lo não tanto no sentido de restringir algo que, em termos materiais, já deve ser interpretado restritivamente, mas no sentido de clarificar, adoptando uma formulação que possa ser mais facilmente compreensível por todos. É esse o único objectivo da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pretende pedir novos esclarecimentos?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas chamar a atenção para o facto de, mais uma vez, se pretender a alteração da Constituição em virtude da má aplicação da lei por parte de alguns intérpretes. Participei num seminário organizado pelo Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas - aliás, o Partido Comunista também lá esteve, mas não representado pelo Sr. Deputado António Filipe -, onde um professor da Faculdade de Direito dissertou largamente sobre esta disposição, tendo mesmo sido citados um ou dois casos de má interpretação da questão do desempenho de funções de carácter técnico.
Ora, por causa da mulher da limpeza não vamos mudar a Constituição! É absurdo que uma mulher da limpeza seja protagonista de uma modificação constitucional que restringe, objectivamente, o âmbito da disposição legal.

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Não podemos, por isso, dar o nosso consentimento à proposta do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por concluída a discussão do artigo 15.º. Passamos agora ao artigo 16.º, para o qual há apenas uma proposta de alteração, a do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta não é do PSD mas, sim, da maioria.

O Sr. Presidente: - Peço Desculpa, Sr. Deputado. Trata-se de um projecto conjunto da maioria PSD/CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação desta proposta é simples. De resto, é uma proposta que o PSD já apresentou em 1997 e, com toda a franqueza, julgo que só por lapso no acordo de revisão que foi feito na altura esta alteração do artigo 16.º não ficou consagrada.
O seu objectivo é claro: a Constituição começa a tratar dos direitos e deveres fundamentais a partir do artigo 12.º e, neste Título I, em que o artigo 16.º se inscreve, estão consagrados os seus princípios gerais (depois desenvolvidos em vários outros títulos ao longo desta Parte I da Constituição). O que acontece é que este artigo, que define o âmbito e sentido dos direitos fundamentais, de uma forma parcial, refere que "Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional". Ou seja, refere-se parcialmente apenas às regras aplicáveis do direito internacional, quando, tratando-se de um artigo que está nos princípios gerais da Constituição relativamente à aplicação dos direitos fundamentais (a qual é, depois, desenvolvida em vários títulos e capítulos), é evidente…, até em consonância com o artigo 1.º, que, desde logo, estatui que "Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana (…)", é evidente, repito, que esta norma, que define o "âmbito e sentido dos direitos fundamentais", tem de criar aqui, com toda a clareza, o interface necessário da aplicação de todos os direitos fundamentais com os princípios decorrentes da dignidade e da inviolabilidade da pessoa humana.
Além do mais, vemos que isto é profundamente actual, e não meramente abstracto, ao pensarmos, por exemplo, nas matérias que têm a ver com a experimentação científica em termos de determinado tipo de tecnologias de saúde, enfim, com evoluções da própria medicina em termos abstractos.
Na última revisão, a única coisa que se fez foi mexer-se, mais à frente, no artigo 26.º, onde se colocou um novo n.º 3, que tem a ver com a garantia da dignidade e da identidade genética do ser humano. Porém, aqui, nos princípios gerais, não se colocou o que se devia colocar.
Os direitos fundamentais, pela leitura do actual texto da Constituição, parece-me que são aqui consagrados de uma forma parcial, segundo a qual, para além dos consagrados na Constituição, apenas são de não excluir aqueles que constam das leis e das regras aplicáveis de direito internacional, quando manifestamente a questão da dignidade e da inviolabilidade da pessoa humana tem de ser necessariamente um pano de fundo, que permita, garanta e proteja a aplicação de quaisquer direitos fundamentais que se prendam directamente com esta mesma dignidade e inviolabilidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, faremos uma declaração de voto sobre este texto. Consideramos a proposta redundante, dado que já está contida no seu escopo essencial.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, passamos à proposta de aditamento de um artigo 16.º-A, da responsabilidade do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito brevemente, quero dizer o seguinte: esta não é uma proposta nova, já constava do nosso projecto de revisão constitucional de 1997, e, nessa altura, não teve acolhimento.
A nossa ideia é restringir constitucionalmente a possibilidade de o legislador ordinário introduzir deveres desproporcionados aos cidadãos. Obviamente, é aceitável que haja deveres impostos aos cidadãos, quer por via constitucional quer por via legal, mas entendemos que os deveres impostos por via legal devem respeitar determinados parâmetros constitucionais que sirvam de limitação a um eventual arbítrio do legislador. É apenas esse o intuito da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tinha alguma curiosidade em relação à apresentação desta proposta de modificação constitucional por parte do PCP, que, no fundo, leva à inclusão de um novo artigo, artigo 16.º-A, quanto à matéria dos deveres fundamentais. Porém, não se percebe o seu objectivo. E, por muito que o Sr. Deputado António Filipe tenha referido o combate à existência de qualquer arbítrio, esse combate já se faz pelas várias determinações que são feitas no resto da Constituição, na determinação que é feita da existência de direitos fundamentais e dos seus correspondentes deveres.
Portanto, desde logo, esta inclusão de um novo artigo de natureza constitucional não tem razão de ser, isto é, não vai estender, naquilo que seria necessário, a defesa dos cidadãos.
Espero que o que pretendem não seja uma consideração restritiva da ideia e da existência de deveres. Poderia ser uma hipótese a colocar, mas não me parece que o seja, desde logo pela explicação dada pelo Sr. Deputado António Filipe.
Assim sendo, não me parece - falo em nome do CDS-PP, mas sei que a mesma opinião é comungada pelo PSD - que, com esta referência, se ganhe algo naquilo que é a defesa dos cidadãos. Por isso, a interpretação que faria deste artigo poderia ser dúbia e possivelmente contrária àquilo que são os intuitos dos proponentes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas complementar um pouco o que foi dito pelo Sr. Deputado Diogo Feio.

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Também tinha alguma curiosidade em relação à apresentação desta proposta de aditamento, até porque a inclusão de um artigo que tenha a ver com os direitos fundamentais, à primeira vista, poderia parecer uma proposta perfeitamente válida e consonante, de resto, com um conjunto variado de propostas que são apresentadas pela maioria no seu projecto - hoje, já temos falado aqui desse aspecto e, mais à frente, falaremos a propósito de outros dispositivos constitucionais -, quanto à necessidade de permanentemente acentuar, por um princípio de responsabilidade que a comunidade nacional deve ter relativamente à institucionalização do seu Estado de direito, a ideia da consagração deste verso e reverso da medalha, dos direitos e dos deveres.
No entanto, o que uma leitura mais cuidada permite rapidamente perceber (e a apresentação agora feita pelo Sr. Deputado António Filipe deixou perfeitamente claro) é que a perspectiva não é rigorosamente essa. Ou seja, o PCP, com este aditamento, mais não visa do que propor uma irresponsabilidade, em termos genéricos e abstractos, da comunidade nacional relativamente à observância e ao respeito de deveres, enquanto verso necessário dos direitos. Isto é, se para os direitos, liberdades e garantias existe uma lógica profundamente generosa (e ainda bem que assim é) por parte da Constituição da República, o que o PCP pretenderia com esta norma era dizer: "isso é só quanto aos direitos, porque, quanto aos deveres, atenção que isso é só travões, tem de haver muito poucos deveres para a sociedade e a lei que ouse criar deveres tem de passar por uma porta muito estreita, porque isto de impor deveres não tem a ver com a nossa lógica de sociedade".
Assim, quero deixar a nossa oposição clara a este princípio, que só para incautos é que pode parecer, atendendo à epígrafe deste artigo, uma proposta consonante com aquele princípio genérico que enforma muitas das propostas apresentadas no projecto da maioria, de tornar mais claro para todos os portugueses, para todo o nosso modelo de sociedade, que a vastidão dos direitos de que queremos legitimamente usufruir neste Estado de Direito democrático que construímos em conjunto tem sempre de ter, como reverso da medalha, um conjunto de deveres e obrigações que permitam que responsavelmente saibamos conviver todos uns com os outros. Ora, não é esta a proposta que o PCP agora aqui apresenta.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, passamos à discussão da proposta de alteração do artigo 20.º, apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que propomos relativamente ao artigo 20.º, que diz respeito ao "acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva", é que se consagre que o acesso ao direito e aos tribunais não pode ser denegado pela sua onerosidade. A denegação por insuficiência de meios económicos já está prevista na Constituição e o que pretendemos é que seja dado um sinal claro relativamente a um outro problema que é o da onerosidade da justiça.
Já sei o que a maioria vai dizer. Os Srs. Deputados da maioria vão dizer que a justiça não é onerosa e que, mesmo que seja, quem tenha dinheiro, tem de a pagar e que, aliás, este Governo tem uma política de justiça excelente, que deixa todos os operadores judiciários de sorriso rasgado, não se justificando, portanto, a mínima alteração constitucional que seja, no sentido de dar um sinal aos cidadãos de que a justiça não deve ser onerosa. E os Srs. Deputados vão acrescentar que lá está o PCP, mais uma vez, a querer que o Estado intervenha em áreas onde não tem nada de intervir.
Se os Srs. Deputados tiverem algo de mais criativo a acrescentar, ouvi-los-ei com toda atenção; se quiserem limitar-se a repetir os chavões que têm repetido desde o início deste processo, então, peço que nos poupem ou que sejam breves.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, devo comunicar ao Sr. Deputado António Filipe que ele supunha saber o que a maioria ia dizer. Supunha, mas enganou-se. E vou explicar-lhe porquê.
A proposta do PCP assenta em acrescentar um novo requisito para que a justiça não possa ser denegada - além do requisito da carência económica, digamos, o PCP pretende que haja mais um requisito, a onerosidade da própria justiça.
Diz o Sr. Deputado que já sabia que íamos dizer que a justiça não é onerosa. Mas é, Sr. Deputado, a justiça é onerosa! O nosso sistema não contempla o caso de justiça gratuita - é onerosa, é sempre onerosa! O que equivale a dizer, Sr. Deputado, que, nos termos em que a proposta é apresentada, todo e qualquer cidadão, a partir de hoje, toda e qualquer empresa, a partir de hoje, que queira litigar em juízo, diz: "a justiça é onerosa e, portanto, quero o apoio judiciário".
Ora, não é nada disso que está em causa. A justiça, se bem reparar, não é mais onerosa para uns do que para outros; a justiça é igual, nem é muito nem pouco onerosa, é onerosa para todos.
O critério é outro, é o de quem quer aceder à justiça. A pessoa que quer aceder à justiça é que pode não ter os meios necessários para suportar os custos normais da justiça. Esse é que é o critério que deve orientar-nos para conceder ou não a tutela jurídica e o apoio judiciário, a consulta jurídica gratuita e tudo o mais que a norma visa contemplar.
Aqui é que está a diferença e não na onerosidade da justiça. Ora, para resolver essa questão é que compete ao Estado, como compete, atribuir o apoio judiciário àqueles que demonstrem a insuficiência económica e assim é que se consegue (e, hoje, já se falou aqui disso várias vezes) a verdadeira igualdade dos cidadãos perante a lei. É disso que estamos a falar e não da onerosidade da justiça. E esta manifestação prevista neste artigo é uma verdadeira decorrência desse princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Não é o critério da onerosidade da justiça.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que o Sr. Deputado Montalvão Machado contra-argumentou de uma forma que eu não estava à espera, mas creio que não percebeu a proposta.
O que está aqui em causa não é apenas a onerosidade; é a denegação da justiça por via da onerosidade, isto é, o Estado poder estabelecer critérios dissuasores do acesso de determinados cidadãos à justiça. E não estamos a falar

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dos cidadãos sem recursos económicos, porque, para esses, há a assistência judiciária, como o Sr. Deputado disse. Mas não estamos a tratar da assistência judiciária; estamos a tratar da possibilidade de haver uma política de dissuasão do acesso à justiça por via da onerosidade, isto é, impor tais encargos para determinados processos que isso possa desmotivar os cidadãos de recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos. É disso que estamos a falar e não da assistência judiciária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas dizer que compreendi perfeitamente o alcance da proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, mas não concordo com ela nem entendo que deva ser esse o critério. Fui claro quando lhe disse qual é, no nosso entender, o critério através do qual o acesso ao direito e à justiça deve ser concedido. Era só isto que queria manifestar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos adiante e o ponto seguinte refere-se a uma proposta, apresentada pelo Bloco de Esquerda, de aditamento de um artigo 20.º-A. Deixo à consideração dos Srs. Deputados a hipótese de discutirmos a proposta, mesmo não estando presente o Bloco de Esquerda, ou de a deixarmos para mais tarde, para quando falarmos sobre as competências do Tribunal Constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Permite-me que use da palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa parte, gostávamos de discutir a proposta, porque a ausência do partido proponente não deve…

O Sr. Presidente: - Naturalmente, Sr. Deputado, por isso é que coloquei a questão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem embargo, obviamente, de não nos opormos a discutir, de novo, este assunto, se o Bloco de Esquerda, numa reunião em que possa estar presente, quiser voltar a falar sobre o tema - por exemplo, quando tratarmos do Tribunal Constitucional. Agora, o que nos parece é que não devemos passar à frente por ausência. Se o Bloco de Esquerda estivesse aqui e pedisse que o assunto não fosse tratado agora, tudo bem, mas passar à frente por ausência é que me parece um critério errado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, coloquei a questão justamente porque não é caso único. A seguir haverá outra situação, e haverá, eventualmente, muitas mais, sobretudo com os partidos que têm uma menor representação parlamentar. Daí a minha intenção de, nestes casos, colocar à consideração da Comissão o modus faciendi.
Vamos, então, proceder à discussão do aditamento de um artigo 20.º-A.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Antes de mais, realmente, não posso deixar de lamentar que o Bloco de Esquerda não esteja presente para fundamentar e argumentar, perante a Comissão, esta proposta de recurso de amparo.
Devo dizer, à partida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a proposta em si mesma, sob o ponto de vista da sua bondade, naturalmente, não é discutível. Agora, o que me parece é que devemos reflectir, e quero partilhar esta reflexão com todos os Srs. Deputados e com V. Ex.ª, Sr. Presidente, no seguinte sentido: abrir esta porta completa ao recurso para o Tribunal Constitucional de qualquer acto ou omissão de natureza técnico-processual, ocorrido em processos judiciais, é escancarar uma porta que vai ser um "pasto" imenso para sucessivas arguições de actos e omissões, em sede de recurso para o Tribunal Constitucional. Isto será uma constante fonte de recursos e mais recursos para o Tribunal Constitucional, com a instabilidade da eficácia e da solenidade das próprias decisões judiciais e, consequentemente, a instabilidade das próprias relações jurídicas entre as pessoas singulares e colectivas, representando até um acréscimo na morosidade da acção da justiça.
Parece-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Tribunal Constitucional tem tido um papel fundamental na democracia portuguesa. O Tribunal Constitucional não é um tribunal preparado para o recurso de amparo e isto implicaria, como, aliás, vários especialistas da área do Direito Constitucional já disseram, um verdadeiro "entupimento" do Tribunal Constitucional, uma inevitável deformação global de todas as competências de fiscalização do Tribunal Constitucional.
Até me atrevo a dizer que os proponentes, para terem apresentado esta proposta, certamente, não sabem como funciona o Tribunal Constitucional português. Independentemente deste facto, insisto na bondade da proposta em si mesma, que constituiria, realmente, um reforço do direito dos cidadãos. Porém, não é por esta via que tal se consegue.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas acrescentar duas ou três notas em relação a esta questão, até porque convém que fique claro o que pensamos sobre ela, quanto mais não seja porque é um assunto que está colocado na ordem do dia por força da última intervenção do Sr. Presidente da República, no discurso que teve ocasião de proferir na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer (e di-lo-ia também, caso estivessem aqui os autores da proposta) o seguinte: estranho que o Partido Comunista ainda não tenha pedido a palavra, porque, de facto, esta proposta do Bloco de Esquerda é quase uma captura, por plágio, da proposta que o Partido Comunista apresentou, relativamente a esta matéria, na última revisão constitucional. É certo que está amputada de algumas outras coisas, porque o Partido Comunista propunha mais do que isto ou, pelo menos, propunha algumas modalidades diferentes, mas é quase, ipsis verbis, a redacção proposta, em 1996, pelo Partido Comunista, no seu projecto de revisão, para o n.º 2 de um artigo 20.º-A.
De qualquer forma, independentemente de me rever integralmente no que foi dito pelo Sr. Deputado Montalvão

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Machado, quero, efectivamente, acrescentar, pela minha parte, que considero que esta é daquelas propostas cuja bondade está acima de qualquer suspeita, como é evidente, mas cuja eventual aplicação prática redundaria, necessariamente, numa inoperacionalidade total do Tribunal Constitucional. Ou seja, sabendo-se, como se sabe, dos meandros e das fases processuais sucessivas que existem em qualquer processo, nomeadamente nos processos-crime, onde os direitos, liberdades e garantias, normalmente, estão mais colocados em causa, é evidente que se percebe que a criação de um mecanismo destes, à disposição, naturalmente, dos defensores, tornaria não apenas o processo perfeitamente impossível de gerir, em termos de feitura da justiça num prazo razoável, que é também um dos princípios exigidos pela própria Constituição da República, mas paralisaria também o Tribunal Constitucional com uma inundação totalmente exasperante de processos deste tipo.
Portanto, quero aqui deixar clara a ideia de que não é o princípio que nos merece qualquer reparo, é a utopia da sua exequibilidade. Esta é, de facto, salvo melhor opinião, a nossa posição mas, obviamente, estamos totalmente abertos a que possa ser demonstrado o contrário.
Exactamente porque estamos de acordo com o princípio e com a bondade que está subjacente a esta proposta, se for possível alguém demonstrar que, na prática, isto é exequível, e é exequível sem, por um lado, entupir completamente o funcionamento do Tribunal Constitucional e, por outro, se tornar numa manobra dilatória infernal que conduza, pura e simplesmente, à denegação da justiça, pela sua inaplicabilidade a cada processo em tempo útil, em prazo útil e razoável, como a própria Constituição estabelece, em sede de princípios gerais, aceitaremos reponderar a nossa posição relativamente a esta proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, já quase não era necessário intervir mas, sendo muito breve, quero também acentuar, apesar da nossa posição, a valia do recurso de amparo enquanto tal.
O recurso dos actos e omissões que afectam directamente direitos fundamentais tem uma utilidade própria que deve ser ponderada não neste quadro de propostas de revisão da Constituição, porque simples e isolado, mas no contexto de uma ponderação global das competências de fiscalização do Tribunal Constitucional, nomeadamente das competências de fiscalização concreta.
Só no quadro de uma boa análise do modo como se poderia reformar o sistema de competências do Tribunal Constitucional, nomeadamente em matéria de fiscalização concreta, faria sentido uma proposta razoável e racional de introdução do recurso de amparo.
Não quero, no entanto, deixar de lembrar como o recurso de amparo contribuiu para a afirmação, na prática, dos direitos fundamentais, lembrando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, sobretudo nos anos 70, que, por via do recurso de amparo, afirmou veementemente os direitos fundamentais pessoais e enfrentou problemas que hoje temos bem presentes, desde logo o da relação entre os cidadãos, os seus direitos fundamentais e a comunicação social. Não é uma obsessão minha, mas, nos anos 70, o recurso de amparo resolveu muitos problemas em matéria de limites da liberdade de comunicação, em face dos direitos fundamentais pessoais dos cidadãos.
Quero ainda dizer que não há aqui uma atitude radical da parte da maioria, ao encarar o recurso de amparo, rejeitando esta proposta, há apenas uma perspectiva razoável de perceber que o recurso de amparo não pode ser visto de modo isolado. A proposta não pode ser simplista, desamparada de uma consideração crítica global de todas as competências do Tribunal Constitucional, em particular das competências de fiscalização concreta.
Não ficamos fechados ao futuro, o que não aceitamos é esta proposta desarticulada do contexto das competências do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, uma das razões que me leva a intervir, embora não seja a única, é a estranheza manifestada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes pelo facto de eu não ter pedido a palavra. Não é fácil conseguir falar antes do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para o conseguir é preciso ter, pelo menos, muito bons reflexos, na medida em que se inscreve de imediato, logo que cada tema é posto à discussão.
Em todo o caso, quero confirmar que, de facto, o PCP propôs, na anterior revisão constitucional, a consagração do recurso de amparo e continuamos a entender que a proposta é justa.
Não o propusemos desta vez por uma questão de opção relativamente à dimensão do nosso projecto de revisão constitucional. Entendemos que não deveríamos retomar agora muitas das propostas que apresentámos em anteriores processos de revisão, em muitos capítulos, na medida em que assumimos, para nós, não fazer um projecto de revisão global da Constituição, mas isto não significa que nos tenhamos arrependido, nas nossas posições, em relação ao recurso de amparo.
A proposta vem, desta vez, por via do Bloco de Esquerda, em termos basicamente semelhantes àqueles que nós próprios propusemos em anteriores processos; verificámos, no discurso do Sr. Presidente da República, aquando da abertura do ano judicial, uma concordância, uma adesão, da sua parte, à conveniência e à necessidade da existência de um recurso de amparo; pela nossa parte, esta figura seria constitucionalmente consagrável. Parece-nos que faz sentido, o que nos parece que não faz muito sentido é a posição da maioria, de dizer que a ideia é boa mas não a aceita, porque seria de difícil exequibilidade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Não era difícil, era impossível!

O Sr. António Filipe (PCP): - É evidente que há países, como foi agora referido, e muito bem, pela Sr.ª Deputada Assunção Esteves, que nos merecem muito respeito, do ponto de vista do funcionamento das suas instituições políticas e judiciárias, em que o recurso de amparo existe com proveito, o que significa que é possível consagrar o recurso de amparo e torná-lo exequível, sem entupir os tribunais. E também é óbvio que não se pode exigir a quem propõe a consagração deste tipo de recurso na Constituição que estabeleça, na proposta que apresenta, como é que todo o sistema há-de funcionar. É óbvio que, se isso fosse assim, se os proponentes apresentassem aqui um projecto de lei sobre o mecanismo processual do recurso de

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amparo, se diria, com razão, que isso não era para aqui, porque o que a Constituição tem de fazer é, de facto, consagrar a figura e remeter para o legislador a forma de a concretizar.
Portanto, creio que o modo de consagrar esta matéria na Constituição é de uma forma simples que estabeleça a existência da figura e os seus princípios fundamentais. Depois, a concretização deve ser, obviamente, o legislador a fazê-la.
Dizer que a proposta é boa mas que não a queremos porque ela não pode ser exequível… Creio que o problema da exequibilidade competiria ao legislador ordinário resolver e não ao processo de revisão constitucional. Mas, enfim, a posição da maioria está expressa e, portanto, é óbvio que esta proposta, mais uma vez, tem o destino traçado.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Assunção Esteves, tenho o registo de que deseja intervir novamente. Tem a palavra.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas clarificar que não é um problema de concretização, mas de reserva da Constituição, de alteração das outras competências constitucionais.
O que quis dizer foi que a razoabilidade desta proposta está numa dialéctica com as outras competências do Tribunal Constitucional e essas competências têm de ser encaradas no plano da revisão. Não se trata, pois, de um problema de concretização mas de relação com as outras competências, que só podem ser encaradas globalmente no plano da revisão. É nesse sentido que a proposta está isolada. Não é no sentido em que não está densificada, é no sentido em que está verdadeiramente isolada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava a pensar que iria ter uma tarefa complicada para assumir aqui a posição do meu partido sobre esta matéria, porque, em muitos aspectos, iria repetir meramente o que disseram os Srs. Deputados do PSD, no entanto a intervenção do Sr. Deputado António Filipe teve para mim uma bondade, que foi a de poder ultrapassar um pouco isso e explicitar ainda melhor as opções que o CDS-PP tem sobre esta matéria.
Quero, muito claramente, dizer que a ideia de um recurso de amparo em abstracto é uma ideia que pode ter a sua bondade e que poderá ter algum vencimento, mas a consagração em concreto quanto a actos ou omissões de natureza processual e a consideração, que aqui é feita, de inclusão de um novo artigo 20.º-A nos princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais e não, como deveria ser, no relacionamento com as competências do tribunal constitucional, traça, obviamente, para esta proposta um mau destino.
E se devemos olhar para a tradição germânica e, por exemplo, para a tradição que nos vem dos ordenamentos da América Latina, devemos também, obviamente, ter em atenção as diferentes naturezas que, depois, assume a jurisdição de natureza constitucional.
É precisamente nesse âmbito que a modificação em relação ao recurso de amparo deve ser ponderada em abstracto e não aqui, tal qual está, não com as competências que são referidas, que, desde logo, levariam, com toda a certeza, a um entupimento do Tribunal Constitucional e ao seu deficiente funcionamento, se ligada à actual forma de intervenção desse mesmo Tribunal. Portanto, tem de ser sempre nesse âmbito que a matéria do recurso de amparo terá de ser discutida e não nesta categoria de princípios fundamentais, em que foi incluído o novo artigo de natureza genérica.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra em relação à matéria do artigo 20.º-A.
A proposta seguinte que temos para discutir é também da iniciativa do Bloco de Esquerda e diz respeito ao artigo 26.º.
Algum Sr. Deputado quer usar da palavra sobre esta matéria?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, em relação a esta proposta coloca-se-me uma dúvida. Aparentemente, faz sentido discutir esta proposta em consonância com as matérias relacionadas com a regulação da comunicação social, ou seja, esta proposta do Bloco de Esquerda, que, desde já devo dizer, merece a adesão por parte da maioria, tem a ver com o acrescentar a obrigatoriedade de a lei estabelecer garantias efectivas contra a obtenção abusiva de informações contrárias à dignidade das pessoas e das famílias.
Portanto, embora seja uma matéria que merece a total adesão por parte da maioria, e independentemente de não estar cá o seu proponente para melhor poder explicitar o seu âmbito, atrever-me-ia a sugerir ao Sr. Presidente que esta proposta ficasse para ser discutida em bloco em conjunto com as propostas relativas aos artigos que têm a ver com a regulação da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho qualquer objecção. Aliás, permitia-me sugerir que incluíssemos também na proposta agora feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes a proposta do Bloco de Esquerda de alteração ao artigo 37.º, porque julgo que ganharíamos em juntá-la também às questões da comunicação social, uma vez que diz respeito aos meios de comunicação social.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida, Sr. Presidente. Concordo em absoluto.

O Sr. Presidente: - Então, juntá-las-íamos às propostas respeitantes aos artigos 38.º, 39.º, 163.º e 168.º apresentadas pela maioria.
Não vejo qualquer inconveniente, mas não sei se os Srs. Deputados pensam o mesmo.

Pausa.

Como ninguém se opõe, vamos deixar a discussão do artigo 26.º para momento posterior.
Vamos, então, passar ao artigo 27.º, para o qual existe uma proposta de alteração apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo diz respeito ao direito à liberdade e à segurança e regula as excepções a este princípio, designadamente quando é que se pode ser detido ou preso.

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Nós entendemos não fazer uma proposta global sobre este artigo, porque há uma reflexão em curso sobre matérias relacionadas com a prisão preventiva e também porque, do nosso ponto de vista, não é um problema constitucional, o problema não está na Constituição, razão pela qual não pretendemos fazer qualquer proposta de alteração a esse nível.
No que se refere a este artigo, propomos apenas a supressão de uma alínea, que é a alínea da prisão disciplinar imposta a militares, que em tempo de paz, do nosso ponto de vista, não faz sentido. Ainda muito recentemente procedemos a uma profunda revisão do sistema de justiça militar, decorrente da revisão constitucional de 1997, que decidiu a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, e em boa hora o fizemos, embora tivéssemos demorado vários anos até conseguirmos aprovar a reforma da justiça militar.
Do nosso ponto de vista, esta possibilidade constitucional de um cidadão militar ou em cumprimento do serviço militar ser privado de liberdade por razões disciplinares, independentemente de qualquer processo judicial, embora se preveja, obviamente, a possibilidade de recurso para um tribunal competente, só que essa possibilidade de recurso não inviabiliza que ele seja, de facto, privado de liberdade na altura em que essa medida disciplinar lhe é aplicada, é algo que em tempo de paz não faz qualquer sentido.
E bem andaria esta Assembleia se eliminasse esta possibilidade, porque, do nosso ponto de vista, a privação de liberdade de um cidadão em tempo de paz, seja ele militar ou não, só deve existir em virtude de condenação ou de aplicação de prisão preventiva e nos demais termos que estão previstos na Constituição e nunca pelo simples facto de o cidadão ser militar e estar sujeito à disciplina e à hierarquia militar, apesar de posteriormente um tribunal poder vir dar-lhe razão e ordenar a sua libertação por considerar infundada essa prisão. Parece-nos que, de facto, isto não é para os nossos tempos, e, portanto, não faz sentido continuar a possibilitar, por expressa disposição constitucional, a imposição da prisão disciplinar aos militares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, muito rapidamente, dizer que a maioria não está de acordo com a eliminação desta alínea d) do artigo 27.º da Constituição, e não está atendendo à realidade muita própria das Forças Armadas. Não é possível haver Forças Armadas sem um grau grande de coesão e de autoridade. E a coesão e a autoridade significam disciplina. Portanto, as quebras de disciplina não são compatíveis com umas Forças Armadas a funcionarem enquanto tal.
De resto, na maioria dos países da NATO existe a prisão disciplinar, portanto, não entendemos como possível e correcta a eliminação da prisão disciplinar, que está, de resto, prevista nos artigos 11.º, 27.º e 28.º do Regulamento de Disciplina Militar, que já vem desde 1977, dado que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77.
Por outro lado, o facto de haver prisão disciplinar não significa que não haja um processo disciplinar, que não haja a hipótese do contraditório, e haverá também a hipótese de recurso, como diz a própria Constituição.
Portanto, a posição que a maioria adopta é de discordância relativamente à eliminação desta alínea d) do artigo 27.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições sobre este artigo, vamos tentar resolver uma questão que tem a ver com a continuação ou não dos nossos trabalhos.
Inicialmente, tinha previsto que pudéssemos dar os nossos trabalhos por concluídos por volta das 18 horas, e neste momento já são 18 horas. Portanto, temos duas alternativas, até porque o artigo seguinte da nossa discussão é um artigo bastante relevante e tem algumas importantes propostas de alteração: ou discutimos os três artigos que nos faltam para chegarmos à parte da comunicação social, que começa no artigo 37.º e que é, digamos, o primeiro grande tema agregado, e iniciaríamos a próxima reunião por este artigo, ou, então, em alternativa, damos os nossos trabalhos por encerrados neste momento e reiniciaremos a próxima reunião com a discussão do artigo 33.º.
Devo confessar que, do meu ponto de vista pessoal, preferia adiar a discussão destes artigos. O artigo 33.º é, de facto, um artigo importante, porque há um conjunto de alterações significativas, mas, enfim, isso é uma decisão soberana da Comissão, que não me cabe a mim tomar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa parte não nos oporemos se a posição maioritária for a de adiar a discussão. De facto, reconhecemos que este artigo, para além de propostas variadas, tem alguns aspectos que são bastante importantes e que merecem um debate com alguma profundidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, estamos também disponíveis para o adiamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, também nós estamos de acordo que se adie a discussão.

O Sr. Presidente: - Declaro, então, encerrados os nossos trabalhos.
A reunião da próxima terça-feira iniciar-se-á com o debate das propostas referentes ao artigo 33.º e aos outros dois artigos que faltam para entrarmos nas questões relativas à comunicação social, as quais serão, depois, agregadas para discussão.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 18 horas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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