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Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 2011 II Série-RC — Número 10

XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)

VIII REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 9 de Fevereiro de 2011

SUMÁRIO O Sr. Presidente (António Filipe) deu início à reunião às 16 horas e 53 minutos.
Foram aprovadas as Actas n.os 7 e 8.
Procedeu-se à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 6/XI (2.ª) (Deputados do PSD Guilherme Silva, Correia de Jesus, Vânia Jesus e Hugo Velosa), relativamente ao artigo 23.º-A (Recurso de amparo), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Osvaldo Castro (PS), Luís Marques Guedes (PSD), João Oliveira (PCP), Jorge Bacelar Gouveia (PSD), Marques Júnior (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).
Ainda relacionado com o projecto de revisão constitucional n.º 6/XI (2.ª) (Deputados do PSD Guilherme Silva, Correia de Jesus, Vânia Jesus e Hugo Velosa), relativamente ao artigo 26.º-A (Direito à diferença), usaram da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Luís Fazenda (BE), Telmo Correia (CDS-PP), Vitalino Canas (PS), João Oliveira (PCP) e Luís Marques Guedes (PSD).
Foi também apresentado o projecto de revisão constitucional n.º 1/XI (2.ª) (PSD), relativamente ao artigo 27.º (Direito à liberdade e à segurança). Pronunciaram-se, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Isabel Oneto (PS), Luís Fazenda (BE), João Oliveira (PCP) e Telmo Correia (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 58 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 16 horas e 53 minutos.

Srs. Deputados, o primeiro ponto da nossa ordem do dia consiste na apreciação e votação das Actas n.os 7 e 8, respeitantes às reuniões de 19 e de 26 de Janeiro de 2011. Pergunto se há alguma objecção.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovadas.
Passando ao segundo ponto da ordem do dia, vamos prosseguir na primeira leitura das propostas constantes dos projectos de revisão constitucional.
Quero começar por agradecer a amabilidade do Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia em me ter enviado um exemplar do boletim da Universidade Autónoma de Lisboa, que tem como destaque da primeira página um Colóquio sobre a Revisão Constitucional Portuguesa, no qual intervieram Deputados,»

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Ilustres!

O Sr. Presidente: — » ilustres Deputados, exactamente, de todos os grupos parlamentares.
O Sr. Deputado Nuno Magalhães pediu a palavra para uma interpelação à mesa. Tem a palavra, Sr. Deputado.

Pausa.

Srs. Deputados, peço que se faça silêncio para podermos ouvir convenientemente o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, o assunto não é assim tão importante, mas não deixa de ser relevante e é uma verdadeira interpelação à mesa.
Queria perguntar ao Sr. Presidente se, quanto ao regime das faltas, à semelhança do que ocorre com as outras comissões — com as comissões ordinárias, chamemos-lhes assim — »

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Comissões permanentes!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente: comissões permanentes! Muito obrigado, Sr.
Presidente da 1.ª Comissão. Faltava-me a palavra «permanentes».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Comissões não eventuais!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não eventuais, Sr. Deputado Guilherme Silva, e por aí fora. Penso que já todos perceberam do que estou a falar.
Assim, Sr. Presidente, pergunto se é possível adoptarmos a mesma metodologia decidida pela Conferência de Líderes, ou seja, de que, quando um Deputado não pode comparecer a uma reunião de comissão por estar no Plenário, a falta é automaticamente justificada.
Vou explicar por que estou a referir esta questão. Calhou-me a mim, mas poderá calhar a outros Deputados. Há precisamente oito dias, não estive presente na reunião da Comissão — e acabei de assinar a justificação de falta, que o Sr. Presidente, certamente, compreenderá — , porquanto estive no Plenário a fazer uma intervenção no âmbito do debate de um projecto de resolução sobre medidas de combate à criminalidade em ourivesarias, em relação ao qual, aliás, segundo sei, o Sr. Presidente foi, com o habitual bom humor, «tomar conta da ocorrência».

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Penso que adoptarmos essa metodologia, numa era de «tudo na hora» e do Simplex e porque nas comissões permanentes assim já acontece, poupava papel, poupava tempo e até poupava a situação sempre desagradável de eu ter uma falta injustificada quando estive no Plenário durante todo o debate.
Queria, portanto, através de uma interpelação à mesa, pedir ao Sr. Presidente que, talvez em reunião de coordenadores, fosse discutido este assunto.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, penso que tem razão. Não houve qualquer intenção da mesa desta Comissão em aplicar uma regra diferente da que vigora nas comissões parlamentares permanentes.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Disso não tenho a menor dúvida!

O Sr. Presidente: — Iremos averiguar, com os serviços, o que se passa e, se verificarmos que existem situações dessas — a sua está, desde já, verificada — , obviamente que serão corrigidas, porque os Deputados não podem ter falta quando estão a participar noutros trabalhos parlamentares que concorrem com os trabalhos da revisão constitucional.
Portanto, iremos averiguar essa situação.
Srs. Deputados, voltando à discussão dos projectos de revisão constitucional, vamos apreciar a proposta de um novo artigo 23.º-A, que consta do projecto de revisão constitucional n.º 6/XI (2.ª) (Deputados do PSD Guilherme Silva, Correia de Jesus, Vânia Jesus e Hugo Velosa).
De entre os subscritores está presente o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem vou dar a palavra para apresentar a proposta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, a figura do «recurso de amparo» ou da «acção constitucional», como também se designa, tem sido recorrentemente apresentada em anteriores revisões constitucionais, designadamente nas de 1989 e 1997, por vários partidos — pelo PCP, pelo PSD, pelo PS — , mas não tem logrado fazer vencimento e ser introduzida na Constituição.
Diz-se — e parece que até é verdade — que a nossa Constituição é das mais pródigas do mundo na consagração dos direitos fundamentais. Em todo o caso, essa realidade teórica constitucional nem sempre tem tradução prática efectiva, ou seja, nem sempre há uma tutela efectiva dos direitos fundamentais que a Constituição consagra. E choca-me que, entre as razões tidas por mais relevantes para a não consagração do recurso de amparo ou da acção constitucional, esteja o argumento de que iria saturar o Tribunal Constitucional ou, como propomos, a Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça — mas não vou referir-me, agora, ao sentido e alcance da nossa proposta de substituição do Tribunal Constitucional por uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça, porque será matéria tratada a propósito do Tribunal Constitucional. Como estava a dizer, choca-me que uma das razões seja a de que, com a consagração da figura do «recurso de amparo», iríamos «afogar» o Tribunal Constitucional.
É interessante a reflexão que tem sido feita pela doutrina, designadamente pelo Dr. Paulo Mota Pinto que tem, naturalmente, um valor acrescentado na sua reflexão por ter sido juiz do Tribunal Constitucional. A verdade é que a nossa arquitectura de protecção de direitos fundamentais e os nossos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade estão quase exclusivamente centrados no que diz respeito às normas e não no que diz respeito aos actos da Administração e do poder judicial violadores de direitos fundamentais. E nessas sedes, quer na administrativa quer na judicial, há muitas situações — mais frequentes do que se possa imaginar — em que direitos fundamentais são preteridos e não têm uma guarida constitucional, uma tutela efectiva, que seria, a todos os títulos, desejável.
Se tivermos em consideração o direito comparado, verificamos que há muitos países, curiosamente até países de expressão portuguesa, como é o caso de Cabo Verde, que têm a consagração do recurso de amparo.
Contudo, para responder à preocupação de poder «afogar» o Tribunal Constitucional com o recurso de amparo é preciso dizer duas coisas.
Em primeiro lugar, o actual recurso por inconstitucionalidade, que é usado em muitos processos nos tribunais comuns e termina no Tribunal Constitucional, está regulado de uma forma pródiga e flexível, o que leva, do meu ponto de vista, a um excesso de recurso a essa figura que tende, efectivamente, a acumular-se

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no Tribunal Constitucional. Nesse sentido, podíamos começar por reanalisar e reajustar essa área do recurso por violação de normas, que é hoje o único consagrado e admitido, para abrirmos uma porta a situações relativas a actos concretos de violação de direitos fundamentais. No que diz respeito à privação da liberdade, temos o habeas corpus e, no fundo, a ideia seria alargar o habeas corpus a outros direitos fundamentais.
Por outro lado, como é óbvio, a própria regulamentação em sede de lei ordinária da figura do «recurso de amparo» teria de ter cautelas e balizas bastantes para que não se tornasse num recurso abusivo e, aí sim, poder ter essa consequência perversa de acumular e «afogar» o Tribunal Constitucional, o que, naturalmente, não desejamos.
No entanto, numa avaliação e numa balança entre a tutela dos direitos, por um lado, e os possíveis inconvenientes de acumulação nos tribunais, por outro, tendo sempre a pensar que mal vamos num Estado de direito e numa democracia quando temos de aceitar, de ânimo leve, pôr em causa essa tutela e protecção por razões de operacionalidade judicial. Esse tipo de argumento é eliminador de direitos, o que, num Estado de direito e em democracia, é absolutamente inadmissível.
Em relação à nossa proposta, admito que a redacção possa ser melhorada e que o próprio âmbito em que se insere não seja o mais correcto. Há quem defenda, por exemplo, que estas questões deveriam colocar-se apenas em sede de decisões judiciais, esgotados obviamente os meios, ou seja, é preciso ter também a noção de que esta é uma via supletiva, é uma via subsidiária, é uma via que só é utilizada quando estão esgotados todos os outros meios.
Como referi, é curioso que este instituto tenha sido apresentado e defendido praticamente por todos os partidos em revisões constitucionais anteriores e tenha sido sempre deixado cair ao longo das discussões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Por alguma razão será»!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Temos um longo caminho pela frente e talvez ainda se possam reponderar estas questões. No entanto, gostava de saber qual é o posicionamento actual de quem subscreveu soluções semelhares em revisões constitucionais anteriores.

O Sr. Presidente: — Esta proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, Vice-Presidente da Assembleia da República, que já passou aqui por tantas e tantas revisões constitucionais, é um facto que todos já pecámos em matéria de direito de amparo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Há uns que são mais pecadores do que outros!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — No entanto, como disse o seu colega e eminente constitucionalista Luís Marques Guedes, «por alguma razão será» que todos recuaram nessa matéria.
V. Ex.ª, evidentemente, de uma forma hábil, referiu-se ao n.º 2, esquecendo o n.º 1, mas a verdade é que a proposta de um novo artigo 23.º-A que os Deputados do PSD/Madeira apresentam é um verdadeiro «tiro no porta-aviões» da democracia, como lhe disse na última reunião. Trata-se da extinção, pura e simples, do Tribunal Constitucional, como, coerentemente, propõem no artigo 221.º.
Não quero crer que esta seja uma opinião de V. Ex.ª, Sr. Deputado Guilherme Silva, mas não posso deixar de o referir, porque, apesar de tudo o que se possa dizer, o Tribunal Constitucional tem um acervo de trabalho muito meritório. Emerge, no essencial, da Assembleia da República, que designa 10 juízes, sendo os outros 3 cooptados por estes, mas tem dado uma resposta acima dos partidos. V. Ex.ª bem sabe que, desde o tempo do Presidente Marques Guedes, pai do Deputado que está ao seu lado, grande parte das decisões são tomadas por unanimidade ou por larguíssimas maiorias. Não podia deixar de referir esta matéria.
Em relação ao n.º 2, primeiro que tudo, tenho de louvar-me nas intervenções que foram feitas a propósito da proposta do PCP para o actual n.º 5 do artigo 20.º — não estive presente nessa reunião, mas acabei por as ouvir no Canal Parlamento — , designadamente na intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que creio que, no essencial, muito para além do excesso de pendências do Tribunal, deixou tudo claro, mesmo que

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o Sr. Deputado Guilherme Silva abdicasse do artigo 221.º e apenas se referisse ao n.º 2, que foi o que hoje, de algum modo, tentou fazer. Não digo que abandonou, mas pelo menos pareceu-me que deixou cair um pouco a Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça, como lhe chama no n.º 1 do artigo 23.º-A.
A verdade é que nos países mais avançados onde há direito de amparo, designadamente na Alemanha e em Espanha, como V. Ex.ª bem sabe, começa a haver aquilo a que se chama «o peso do excesso da litigância» neste tipo de matérias. Temos, V. Ex.ª já o disse e bem, alguns casos flagrantes que estão plasmados na Constituição, como é o caso do habeas corpus e por refracção também a questão da prisão preventiva, que são processos urgentíssimos. Temos hoje um conjunto de processos urgentes no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os artigos 109.º a 111.º, que têm vindo a ser utilizados em muitas áreas e que dão respostas, ou seja, temos os procedimentos cautelares. E o n.º 5 do artigo 20.º em nada impede que o legislador tome medidas e defina que processos, por exemplo, na área do ambiente ou na área do contencioso eleitoral (aliás, muitos processos do contencioso eleitoral já são urgentes) tenham essa urgência.
Portanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, compreendo a sua não muita convicção, porque creio que conheço bem a sua linha de pensamento, que é muito mais próxima daquela que o Sr. Deputado Sr. Luís Marques Guedes transmitiu quando aqui interveio no outro dia do que daquela que o Sr. Deputado Guilherme Silva há pouco referiu.
Como comecei por dizer, todos nós já pecamos, mas abandonámos essas teses e, como referiu e bem o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, por alguma razão foi: temos um Tribunal que funciona e podíamos criar enormíssimas dificuldades.
Nesse sentido, temos de curar de saber como é que, a partir do poder legiferante que o n.º 5 do artigo 20.º dá nalgumas matérias, como de ambiente, eleitoral ou outra, podemos instituir procedimentos mais concretos.
No entanto, em matérias que têm a ver com direitos, liberdades e garantias, não posso dizer que onde há necessidade de decisão urgente ela não existe. O caso do habeas corpus, como disse, é o mais saliente, mas também se verifica no caso do direito à liberdade e, a contrario, no caso da prisão preventiva. Digo-lhe, com toda a franqueza, que em situações de prisão preventiva faço sempre a declaração para a acta de que está em causa o direito à liberdade, etc., para ver se o juiz «vai nisso». No entanto, se eu pudesse recorrer directamente da prisão preventiva para o Tribunal Constitucional, em nome do direito fundamental à liberdade, que ninguém tenha dúvidas que «afogaria» o Tribunal Constitucional. Penso, no entanto, que isso não seria bom para a nossa democracia.

O Sr. Presidente: — Já aqui foi evocada a posição do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que está inscrito, pelo que vamos ter a possibilidade de uma interpretação autêntica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, como foi referido, a posição que exprimi aqui em anterior reunião está nas Actas e, portanto, escuso-me de a repetir, visto que a sua validade se mantém. De resto, na altura, a propósito da proposta apresentada pelo Partido Comunista, na minha intervenção tive o cuidado de referir que havia também este artigo 23.º-A, que só não foi discutido em conjunto porque não houve oportunidade para o fazer.
O essencial da minha intervenção hoje é reforçar um pouco a diferença grande que, apesar de tudo, existe entre a formulação do artigo 23.º-A e a do novo número proposto pelo Partido Comunista para o artigo 20.º, que, do meu ponto de vista, tinha um âmbito menos cuidado, bastante mais alargado e não tinha algumas das cautelas e restrições que a sugestão do artigo 23.º-A tem.
Como disse na altura, mesmo com estas restrições, a posição do Partido Social Democrata não é favorável a esta alteração na Constituição. Para além de todas as razões que já foram por mim explicitadas, depois de ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, quero acrescentar apenas mais uma reflexão. Talvez capitis deminutio seja uma expressão demasiado forte, mas o Dr. Osvaldo Castro referiu que poria em causa a estabilidade da democracia. Eu não iria tão longe e não referiria a estabilidade da própria democracia, mas sem dúvida que põe um pouco em causa a estabilidade da instituição «tribunais».
Independentemente da generosidade que todos reconhecemos e que está fora de causa nestas propostas, tanto na do PCP como, sobremaneira, porque penso que é mais concreta, na apresentada pelos Deputados

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eleitos pelo PSD/Madeira, propostas deste tipo resultam num apontar de dedo a alguma insuficiência do nosso Estado de direito e do órgão de soberania «tribunais», dos tribunais comuns, do sistema judicial qua tale na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Não vale a pena «fugirmos com o rabo à seringa», porque, se não for lido assim, a proposta é totalmente inútil, ou seja, quem considera que é fundamental haver um recurso deste tipo é porque entende que os tribunais não dão, muitas vezes, conta do recado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Às vezes, violam direitos fundamentais!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Exactamente! O sistema judicial, como todos os sistemas criados pelos homens e pelas mulheres, é falível. Contudo, penso que o recurso de amparo tem o lado da generosidade, mas tem também o lado incómodo, para mim pelo menos, de parecer que resulta de uma certa desconfiança, à partida, quanto ao bom funcionamento dos tribunais, particularmente numa matéria tão importante como é a salvaguarda, a defesa, a promoção activa dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos num Estado de direito como o nosso.
Portanto, acrescento apenas esta pequena reflexão, que resultou um pouco da apresentação que o Sr. Deputado Guilherme Silva fez de uma forma elevada e cuidada, como disse o Dr. Osvaldo Castro.
Não queria, no entanto, deixar de reafirmar que o PSD, também por esta razão, mas fundamentalmente pelas razões que expressei na anterior discussão sobre o mesmo tema, continua a considerar que a consagração do recurso de amparo na Constituição não é um passo desejável para o bom funcionamento da justiça em Portugal.
Abstenho-me, porque nessa matéria penso que o Dr. Guilherme Silva tem toda a razão, de utilizar aquele tipo de argumentação que tem que ver com a morosidade da justiça, porque é evidente que, entre os valores dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e o problema da morosidade, precisamente por estarem em causa questões fundamentais como direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, esses têm de prevalecer sempre sobre dificuldades de funcionamento e morosidade que pode daí decorrer.
No entanto, pelo sinal errado relativamente ao bom funcionamento de um órgão de soberania tão importante para o Estado de direito como são os tribunais, do meu ponto de vista, desaconselharia a consagração constitucional do recurso de amparo.

O Sr. Presidente: — Está inscrito o Sr. Deputado Guilherme Silva, mas, para usarmos a regra da alternância, vou dar a palavra ao Sr. Deputado João Oliveira, que também está inscrito.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, não repetindo as considerações que já tive oportunidade de fazer na reunião em que foi apresentada e discutida a proposta do PCP para o actual n.º 5 do artigo 20.º, é importante deixar algumas observações quanto ao recurso de amparo que é proposto por alguns Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD.
Em primeiro lugar, quero fazer referência a uma diferença que existe entre esta proposta e a que o PCP apresentou relativamente ao artigo 20.º. De facto, a nossa proposta não tinha a concepção de um recurso de decisões de tribunais para uma instância superior — neste caso, o Tribunal Constitucional — em função de determinadas decisões que já tinham sido impugnadas por via judicial. A proposta que o PCP apresentou para o actual n.º 5 do artigo 20.º consiste num instrumento processual específico de recurso ao Tribunal Constitucional quando se trate de acções ou omissões de poderes públicos que ponham em causa direitos, liberdades e garantias.
Ainda assim, tratando-se, do ponto de vista conceptual, de soluções diferentes na sua essência e na sua natureza, julgamos que há alguma aproximação no que tem que ver com uma perspectiva de reforço não só da concepção e da valoração constitucional que no texto originário da Constituição se faz em relação aos direitos, liberdades e garantias, mas também do regime de protecção que a Constituição prevê para estes direitos especiais, que são assim considerados do ponto de vista constitucional.
Portanto, desse ponto de vista, a proposta que apresentámos para o actual n.º 5 do artigo 20.º e a que é agora apresentada de um novo artigo 23.º-A aproximam-se, assim como também se aproximam as objecções já aqui avançadas para esta proposta do PSD das que foram anteriormente avançadas para a proposta do

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PCP. Ou seja, tanto em relação a esta proposta do artigo 23.º-A como em relação à proposta apresentada pelo PCP manifesta-se, como objecção, o preconceito de que este tipo de mecanismo, fosse ele na figura de «recurso de amparo» ou na de acção constitucional de defesa de direitos, liberdades e garantias proposta pelo PCP, iria entupir e entorpecer o funcionamento do Tribunal Constitucional. É, de facto, um preconceito, porque parte da ideia de uma generalização da utilização deste recurso, ou seja, que qualquer actuação susceptível de ser considerada como pondo em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos poderia justificar, por si só, o recurso a uma acção que iria carrear a necessária mobilização de meios técnicos e humanos por parte do Tribunal Constitucional, o que acabaria por entorpecer, de modo inaceitável, o seu funcionamento.
Nesse sentido, vale a pena recuperar a resposta que, na altura, demos à objecção que era avançada: essa matéria deve ser apreciada do ponto de vista da legislação ordinária a aprovar na sequência desta alteração constitucional, que julgamos que deve ser considerada.
Portanto, da parte do PCP, temos abertura a considerar outro tipo de soluções que possam não passar pela acção constitucional de defesa que propúnhamos ou, eventualmente, pela consideração de um recurso de amparo, mas reiteramos a resposta que, na altura, demos em relação a esta objecção do entupimento do Tribunal Constitucional. Trata-se de matéria que deve caber à regulamentação da legislação ordinária, que terá obrigatoriamente que ocorrer, porque não é pela mera consideração constitucional quer da figura do «recurso de amparo», como agora nos é proposto, quer da figura da «acção constitucional de defesa», que propúnhamos para o actual n.º 5 do artigo 20.º, que, automaticamente, em termos processuais, está defendido o recurso para o Tribunal Constitucional da violação de direitos, liberdades e garantias. A densificação desta possibilidade de acesso ao Tribunal Constitucional em sede de legislação ordinária terá obrigatoriamente de definir as questões que podem fundamentar o recurso ao Tribunal Constitucional nestes termos e o próprio processo a que estas questões devem estar sujeitas no âmbito do Tribunal Constitucional.
Consideramos, assim, que é fundamental que a nossa Constituição possa ser enriquecida com um mecanismo de reforço da protecção dos direitos, liberdades e garantias, particularmente com a perspectiva de tutela por parte do Tribunal Constitucional da apreciação da violação de direitos, liberdades e garantias.
Podemos, pois, enriquecer o texto constitucional português com as experiências do direito comparado, particularmente com a experiência dos nossos vizinhos espanhóis. A acção constitucional de defesa — no caso espanhol, é disso que se trata — tem, na legislação espanhola, uma tradição de muitos anos, que já vem da república espanhola. Ao longo do tempo, esta figura foi tendo modificações, designadamente pelo recurso generalizado que os cidadãos espanhóis dela fizeram.
Portanto, numa matéria que julgamos que, ainda assim, a Constituição peca por defeito, podemos enriquecer e valorizar o nosso texto constitucional aprendendo com as boas experiências ou com as boas práticas — como hoje são tão comummente designadas as boas experiências — de outros países.
Da parte do PCP, manifestamos disponibilidade para considerar, para além da nossa proposta, outras figuras que contribuam para o reforço da tutela dos direitos, liberdades e garantias, particularmente com acções junto do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, queria fazer algumas considerações quanto à intervenção do Sr. Deputado Osvaldo Castro.
Não ignoro que a estruturação da justiça constitucional com um órgão próprio foi, de certo modo, um reforço das democracias. Creio que o primeiro Tribunal Constitucional terá sido na Áustria, prática que foi, depois, seguida noutros países. Mas também não ignoro — e o Sr. Deputado Osvaldo Castro não ignorará, com certeza — que há grandes democracias que não têm Tribunal Constitucional.
De qualquer forma, com todo o respeito, a questão de um órgão próprio como solução para a justiça constitucional — o Tribunal Constitucional ou, neste caso, uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça — não afecta, nem de perto nem de longe, a democracia. Temos de convir que a solução tem revelado alguns inconvenientes e tem exposto o Tribunal Constitucional a situações que não são as mais dignificantes para a justiça constitucional. É certo que essas situações estão associadas ao instituto da apreciação preventiva da constitucionalidade, cuja subsistência constitucional também se discute. Ou seja, sabemos que

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a apreciação preventiva da constitucionalidade tem levado os cidadãos a verem o Tribunal Constitucional como um órgão partidarizado, o que não é dignificante da justiça constitucional.
Basta lembrar que há ocasiões em que, imediatamente antes do início das férias parlamentares — o que, normalmente, corresponde a um período de sobrecarga de aprovação de diplomas pela Assembleia da República que leva ao risco de aumentar, nestas ocasiões, o número de diplomas enviados ao Tribunal Constitucional — , que coincidem também com as férias de alguns juízes, alguns jornais se entretêm a fazer contas, a «contar espingardas» e a dizer, por exemplo, «aquela proposta vem do PSD, logo, o PSD esteve a favor. Quantos tem lá do PSD? Vai estar um de férias. Então, o diploma é capaz de passar, porque tem dois do PS também de férias.» Convenhamos que este «espectáculo» não é dignificante da nossa justiça constitucional.
Este problema não ocorreria se tivéssemos uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça constituída por magistrados de carreira que nada têm a ver com a forma como hoje a Constituição, bem ou mal — porventura, bem nalguns aspectos e mal noutros — , prevê a composição do Tribunal Constitucional.
Portanto, não se trata de tudo mal, por um lado, ou de tudo bem, por outro. Tem os seus inconvenientes e as suas vantagens. E, tenha paciência, Sr. Deputado Osvaldo Castro, mas a nossa proposta não provoca nenhum rombo na democracia. Os Estados Unidos funcionam sem tribunal constitucional.
Por outro lado, penso que o Sr. Deputado não leu a minha proposta com o cuidado necessário para fazer a crítica — e, quando se fazem críticas, tem de se ter o cuidado necessário da leitura — , porque o exemplo que deu de contribuir para «afogar» o Tribunal Constitucional está completamente excluído. Isto é, alguém que tenha uma decisão de manutenção de prisão num processo criminal em curso não pode recorrer nos termos do n.º 1, porque este recurso se destina a actos «insusceptíveis de impugnação junto dos demais Tribunais».
E, de acordo com o n.º 2, apenas poderá existir uma eventual intervenção no âmbito das questões judiciais «de natureza processual» — e V. Ex.ª sabe muito bem que, a pretexto de questões formais, muitas vezes são preteridos direitos fundamentais — e só depois de esgotados os recursos ordinários.
No que se refere à situação em Espanha e na Alemanha em que, por consequência de eventual acumulação deste recurso nos tribunais constitucionais, a questão estará a ser repensada, posso dizer-lhe que estará, com certeza, a ser repensada quanto à sua tramitação, mas não quanto à exclusão deste recurso das respectivas constituições. Não tenha a menor dúvida a esse respeito. Podemos, no entanto, tirar da experiência desses países as lições bastantes para regulamentarmos em sede de lei ordinária uma tramitação e uma exigência, conformada com a redacção que dermos a esta disposição ou a uma equivalente.
Quero com isto dizer-lhe, Sr. Deputado, com todo o respeito, que os argumentos contra estão esvaziados.
Como referi, a Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça é aqui uma questão acidental, que vai ser tratada em sede própria, isto é, quando propormos a extinção e a substituição do Tribunal Constitucional.
Por isso, não a adiantei. Contudo, como em todas as coisas, há argumentos a favor e contra.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, quero também comentar as duas questões que estão aqui em causa.
Vou começar pela questão de saber se o Tribunal Constitucional deve ou não ser extinto e, sendo, substituído nos termos em que é proposto no artigo 23.º-A pelo PSD/Madeira, porque, apesar de ter sido remetida pelo Deputado Guilherme Silva para mais tarde, é matéria referida neste artigo como pressuposto do mesmo.
É evidente que o Deputado Guilherme Silva tem razão, quando diz que a democracia não depende da existência de tribunais constitucionais. De facto, dizer que a extinção do Tribunal Constitucional é um «tiro no porta-aviões» da democracia é levar a argumentação por um caminho bastante radical, até porque só temos Tribunal Constitucional desde 1982 e podíamos questionar-nos se até 1982 não tínhamos democracia. A não ser que se considere que a democracia era melhor representada pelo Conselho da Revolução, por exemplo, em matéria de fiscalização da constitucionalidade — mas penso que não.
Ou seja, se dizemos que acabar com o Tribunal Constitucional é acabar com a democracia, como qualificamos o período que vivemos entre 1976 e 1982 em que não houve Tribunal Constitucional, mas, pelo

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contrário, um órgão composto por militares — o Conselho da Revolução — , que fiscalizava a constitucionalidade, e a Comissão Constitucional que também detinha algumas funções nessa matéria? Penso, portanto, que a argumentação deve ser mais racional e menos emocional e deve atender ao que deve ser ponderado. Tenho a opinião de que o Tribunal Constitucional deve continuar, não deve ser extinto, pelo que discordo desta posição do PSD/Madeira, com o devido respeito e amizade que tenho há muitos anos pelo Deputado Guilherme Silva.
Por que é que discordo? Discordo, em primeiro lugar, porque não há qualquer problema em relação à qualidade das decisões do Tribunal Constitucional. Aliás, o Tribunal Constitucional, a partir de 1983, quando foi criado, permitiu uma renovação impressionante na qualidade da jurisprudência, coisa que, infelizmente, nem o Supremo Tribunal de Justiça nem o Supremo Tribunal Administrativo conseguiram fazer. Se compararmos o tipo de argumentação das decisões, verificamos que as do Tribunal Constitucional são mil vezes melhores na sua qualidade e profundidade do que as dos outros supremos tribunais. Só por isso o Tribunal Constitucional mereceria continuar a viver.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem revelado uma grande capacidade de acolher o pluralismo não só em relação ao modo como as pessoas vêem a vida e o direito, como também pela forma alargada de designação dos respectivos juízes. Como sabemos, 10 juízes são designados pela Assembleia da República e 3 são cooptados por estes, sendo essa eleição feita por uma maioria qualificada. Assim, temos a garantia de que este órgão é composto por um conjunto de pessoas que não são escolhidas pela sua marca partidária, mas propostas por diferentes partidos, pelo que não irão veicular a opinião de apenas uma parte da sociedade, mas de diferentes partes da sociedade e, portanto, têm uma concepção pluralista das coisas.
É evidente que o problema colocado pelo Dr. Guilherme Silva de saber se o Tribunal Constitucional toma ou não toma decisões políticas é real. E, como disse muito bem o Deputado Osvaldo Castro, se fizermos uma análise da sociologia jurisprudencial constitucional, verificaremos que, nas milhares de decisões que o Tribunal Constitucional já tomou, os casos que podem ter uma certa coloração política são meia dúzia. Penso, assim, que o problema não é da politização das decisões do Tribunal, mas ainda mais grave, ou seja, da natureza da decisão e não do órgão que profere a decisão. Nesse sentido, duvido que a solução alternativa do PSD/Madeira o resolvesse. Ou seja, o problema de alguém considerar as decisões como pertença de uma concepção política repetir-se-ia, com certeza, se o órgão fosse não o Tribunal Constitucional, mas uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça. E com um perigo ainda maior, porque os juízes do Supremo Tribunal de Justiça são escolhidos através de regras de concurso sem nunca terem sido escrutinados por um órgão de base legítima parlamentar e democrática alargada. Portanto, haveria sempre uma dificuldade, para não dizer impossibilidade, de conhecer as suas visões sobre o mundo e o direito, que muitas vezes só podem ser certificadas por uma decisão democrática de natureza parlamentar, embora fazendo a distinção entre a escolha, por um lado, e uma função de natureza judicial, por outro.
Nesse sentido, talvez pudesse sugerir ao Deputado Guilherme Silva que repensasse a sua proposta. O problema, afinal, não é o de extinguir o Tribunal Constitucional, mas o de corrigir ou aperfeiçoar o mecanismo de escolha dos juízes do próprio Tribunal Constitucional. Se consideramos que se trata de um problema de politização dessa escolha, provavelmente não é do órgão em si, da sua estrutura, do número de juízes que tem, das regras processuais, mas do modo de recrutamento dos respectivos juízes. Deixo, pois, este aspecto à sua consideração, se assim achar por conveniente.
Gostava ainda de tecer algumas considerações em relação à segunda questão.
Já tenho várias coisas escritas sobre a matéria do «recurso de amparo». É um instituto que me merece simpatia, embora, no sistema constitucional português, a adopção deste mecanismo tenha resultados escassos. Penso que tem uma utilidade própria, mas reduzida e, portanto, têm de ser ponderadas as suas vantagens e inconvenientes.
Como sabem, o Tribunal Constitucional tem hoje a possibilidade de conhecer da inconstitucionalidade de quaisquer normas, mas não tem a possibilidade de conhecer, directa ou indirectamente, da inconstitucionalidade de decisões administrativas concretas e individuais — vulgo, «actos administrativos» ou «contratos administrativos» — nem de conhecer e invalidar por inconstitucionalidade as decisões dos próprios tribunais, ou seja, as decisões que se possam desprender de um parâmetro normativo que os tribunais apliquem.

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É, portanto, aqui que se joga a eventual utilidade do recurso de amparo, na medida em que permita fazer chegar ao Tribunal Constitucional, como instância especializada que é, uma avaliação autónoma sobre se determinadas decisões judiciais ou actos concretos da Administração, que não foram devidamente sindicados por parte de outros tribunais, põem ou não em causa direitos fundamentais ou, de um modo geral, regras constitucionais. Portanto, o problema surge neste ponto concreto.
Gostava também de fazer alguns reparos em relação ao modo como o artigo está redigido, porque me parece que tem algumas soluções criticáveis.
Em primeiro lugar, o artigo só fala em «direitos, liberdades e garantias». Se é para levar a sério o recurso de amparo, tem de se considerar que há outros direitos fundamentais que não são direitos, liberdades e garantias e que até podem existir decisões inconstitucionais sem estarem em causa direitos fundamentais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Isso, então, é que «afogava» ainda mais o Tribunal Constitucional!

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Pois, mas se o princípio é sempre o mesmo, deve ser válido em todas as circunstâncias e não apenas para uma parte delas, porque, por exemplo, os direitos sociais não são «direitos de segunda» em relação aos direitos, liberdades e garantias, embora sejam direitos com menor força jurídica.
Por outro lado, o artigo refere «da Administração Pública ou de qualquer entidade pública» e talvez pudesse repetir a fórmula do n.º 3 do artigo 3.º, que me parece mais abrangente.
Julgo, portanto, que se trata de um contributo que deve ser ponderado e, sobretudo, que não devemos cair na argumentação de excluir este instituto à partida porque vai «afogar» o Tribunal Constitucional. Aliás, o PSD, no seu projecto de revisão n.º 1/XI (2.ª), também é sensível à necessidade de o Tribunal Constitucional ser acessível por outras instâncias, como, por exemplo, à possibilidade de o Bastonário da Ordem dos Advogados poder interpor um processo de fiscalização abstracta. Espero que, quando chegar o momento, os outros partidos não venham dizer que isso também vai pôr em causa ou «entupir» o funcionamento do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, podemos tomar a sua intervenção sobre a proposta de extinção do Tribunal Constitucional como «para memória futura», porque teremos esta discussão a propósito do artigo 221.º. Depois, quando lá chegarmos, podemos dar esta parte da Acta como reproduzida.

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Sr. Presidente, o «tiro no porta-aviões» da democracia refere-se, obviamente, à bon entendeur, à estrutura de equilíbrios que a nossa democracia gerou com a organização judiciária que tem funcionado e é composta por um Supremo Tribunal de Justiça, um Supremo Tribunal Administrativo — isto é, tribunais comuns e tribunais administrativos — e um Tribunal Constitucional. Esta estrutura que foi gerada pela democracia é que seria posta em causa, do meu ponto de vista, de forma clara, se se extinguisse o Tribunal Constitucional e se fosse transformado numa secção.
Como referiu o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, fazendo uma análise que vem muito de trás, a maior parte das decisões não tem nada a ver com o juízo que o Sr. Deputado Guilherme Silva diz que os jornalistas fazem das férias de Verão dos juízes. A maior parte das decisões são tiradas por unanimidade ou larguíssimas maiorias e, no caso de algumas decisões que supostamente beneficiam mais a esquerda ou a direita, às vezes o relator principal é oriundo da área contrária. Ou seja, os juízes, particularmente a partir de determinado momento, são, de facto, independentes. Juízes que são eleitos por nove anos não renováveis são, de facto, juízes independentes. Ainda recentemente, tivemos uma discussão sobre esta matéria e, precisamente para que os juízes tenham independência total, avançámos para a ideia dos nove anos não renováveis, não precisando, assim, os juízes de perguntar a ninguém como devem fazer em caso de uma eventual renovação do mandato. Não há renovação do mandato.

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Quero deixar claro que me refiro não à democracia no seu sentido imediato, mas ao equilíbrio das relações judiciárias que foi gerado pela democracia, em que o Tribunal Constitucional tem, de facto, um papel muito relevante. Esta é a realidade e sabem que defendo isso há muito tempo.
Por outro lado, Sr. Deputado Guilherme Silva, a verdade é que, quer na Alemanha quer em Espanha, de facto, o problema está a ser reponderado. E repito que, para suprir as insuficiências em alguns processos urgentes, podemos partir da formulação que já hoje existe no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição. Basta ler a Constituição anotada dos Professores Jorge Miranda e Gomes Canotilho para verificar, imediatamente, que o n.º 5 do artigo 20.º é considerado como um poder legiferante que nos é concedido para que, em áreas como direitos, liberdades e garantias, sem dúvida, mas também em matéria de ambiente ou de contencioso eleitoral, para dar exemplos, possamos definir que tal ou tal tipo de actos deste conjunto de situações devem obedecer a procedimentos urgentes, mais rápidos, mais céleres. Ora, isto é possível e não precisamos, desculpar-me-á, do direito de amparo.
Não estive presente na reunião em que se discutiu o n.º 5 do artigo 20.º, mas, embora possa considerar que a redacção que o PCP formulou não é perfeita, do meu ponto de vista, ela não tem os perigos que tem o n.º 2 que o Sr. Deputado apresenta. O problema é que não podemos deixar de conjugar o n.º 2 com o n.º 1.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Pelo contrário!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Não é nada pelo contrário! É este o entendimento que se pode tirar da vossa proposta, ao incluir um inciso a dizer «insusceptíveis de impugnação junto dos demais Tribunais». Se o Sr. Deputado fala de um recurso de amparo que é imediato, como é que faz? Recorre imediatamente para o que chama de Secção Constitucional. É o que o Sr. Deputado pretende. E, desculpar-me-á, mas penso que é isso que está a causar o excesso de recurso na Alemanha ou em Espanha. Este é o problema! E em legislação comparada pode verificar isso.
Há processos que não são apenas direitos, liberdades e garantias. Esses são os primeiros, mas há outros, como os direitos sociais, que, não tendo a construção jurídica dos primeiros, são também extremamente importantes, ou a nova geração de direitos, onde se incluem os ambientais, por exemplo. Penso que podemos ter de aperfeiçoar, dentro da estrutura vigente, o método ou a forma de encontrar soluções e respostas mais rápidas às pretensões dos cidadãos e dos diversos intervenientes judiciários.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, queria apenas clarificar alguns aspectos.
Naturalmente que não está em causa a qualidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que é de todos sobejamente conhecida e reconhecida. Os acórdãos do Tribunal Constitucional são, de uma forma geral, muitíssimo bem feitos. Independentemente das opções e da discordância que se possa ter em relação a algumas decisões, são normalmente peças de grande qualidade e muitíssimo bem fundamentadas e trabalhadas. Aliás, os votos de vencido, por vezes, são até melhores do que os acórdãos.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — É verdade!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Portanto, a qualidade jurisprudencial está fora de questão.
Contudo, a imagem de uma politização que tem a ver com o processo de escolha dos juízes e com o inevitável arrastamento da discussão dos diplomas na Assembleia da República e a sua seguida apreciação em sede de apreciação preventiva da constitucionalidade — não podemos «tapar o sol com a peneira» — é uma realidade que marca negativamente o Tribunal Constitucional e que não aconteceria numa solução como a que propomos.
Por outro lado, queria insistir num outro aspecto. A solução actual é muito pródiga no que diz respeito à impugnação de normas. É um caminho que, porventura, podia ter algumas restrições para além do quadro actual, que obviamente reduziriam a litigiosidade a esse nível, e sucedaneamente podia ter-se uma abertura a estas situações. O que está em causa é o não acesso à reparação de actos ou decisões que, não estando no

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quadro em que pode haver uma apreciação judicial — pondo de parte, agora, o ponto específico do n.º 2 — , não são sindicáveis e deviam ser, porque estão em causa direitos, liberdades e garantias.
Um exemplo demonstrativo desse excesso — excesso, pelo menos, quando comparado com a omissão que referi — é a possibilidade que se tem de impugnar um diploma no Tribunal Constitucional passados muitos anos. E posso dar casos concretos de inconstitucionalidades que podem ser sindicadas ab aeterno: uma determinada norma que devia ter sido aprovada na especialidade no Plenário e foi em comissão, não obstante a aprovação final global no Plenário; um decreto-lei que, num ponto ou noutro, invalida a competência da Assembleia da República e que não foi trazido à apreciação parlamentar, quando o governo era suportado por uma maioria, pelo que sabia, de antemão, que aquela norma seria aprovada na Assembleia.
Estes são casos de inconstitucionalidade que se vão buscar e levantar em qualquer momento.
Portanto, há aqui, realmente, algum campo para, em sede de normas, se ser um pouco mais restritivo e dar lugar a estas situações que têm a ver com as pessoas em concreto, ou seja, com actos que afectam direitos dos cidadãos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): — Sr. Presidente, a propósito da intervenção do Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, queria dar uma nota histórica quanto ao Tribunal Constitucional,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — É uma «defesa da honra»!

O Sr. Marques Júnior (PS): — » atç porque, individualmente, fui um dos «tais« militares que teve oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis,»

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Já foi «juiz constitucional»!

O Sr. Marques Júnior (PS): — » assessorado por uma Comissão Constitucional que, todos reconhecerão, era composta por juristas de elevada craveira, de reconhecido e absolutamente inquestionável mérito.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Já agora, diga quem era o presidente, que não era jurista, mas era como se fosse!

O Sr. Marques Júnior (PS): — Exactamente.
A minha intervenção é apenas para chamar a atenção de que uma pessoa insuspeita do ponto de vista político — penso, mas não a conheço pessoalmente — , o Professor António Araújo, assessor do Sr.
Presidente da República, fez um estudo sobre a formação do Tribunal Constitucional, no qual invoca, no preâmbulo, a Comissão Constitucional.
Refiro este estudo, porque é muitas vezes corrente dizer-se, numa perspectiva politicamente desadequada, que o Conselho da Revolução, enquanto funcionou como um tribunal constitucional, criou grandes dificuldades ao governo e à governação, quer aos decretos do governo quer às leis, etc., mas esse estudo é inequívoco sobre a colaboração do Conselho da Revolução com a Assembleia e com o governo. Até me recordo que o Conselho da Revolução só foi contra o parecer da Comissão Constitucional por dois momentos. Isso está nesse estudo do Professor António Araújo. E sei quais são.
Um decreto-lei do Dr. Sá Carneiro a propósito da Diamang, em que a Comissão Constitucional declarou, por unanimidade, o decreto inconstitucional e nós declarámos constitucional, porque estava em causa a relação de Portugal com Angola e considerámos que, na defesa do governo português, devíamos tomar essa atitude.
A outra que, de certo modo, foi hoje referida, tem a ver com a Lei de Delimitação dos Sectores. Recordo que o Dr. Sá Carneiro encarregou — isto é histórico, mas é interessante — o Professor Marcelo Rebelo de Sousa de fazer um projecto de revisão constitucional, onde se dizia, claramente, para rever o artigo 83.º da Constituição sem o qual não era possível elaborar a Lei de Delimitação dos Sectores que, efectivamente, eles

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tinham em mente. Em relação a esta lei — que foi, salvo erro, chumbada por três vezes e só depois declarada constitucional pela Comissão Constitucional — , o Conselho limitou-se a seguir o parecer que a declarava inconstitucional.
Faço esta evocação histórica, quando estamos aqui a falar do Tribunal Constitucional e das suas vantagens e inconvenientes, porque creio, sinceramente, que esse estudo feito pelo Professor António Araújo relativamente à formação do Tribunal Constitucional e aos seus antecedentes merece a pena ser lido. E invoco este estudo em termos pessoais, porque repõe uma certa justiça quanto a alguma injustiça que normalmente é feita em relação ao Conselho da Revolução enquanto tribunal constitucional.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, já tivemos uma intervenção «para memória futura» e agora tivemos uma «para memória passada», embora muito interessante.
Estamos a alongar muito a discussão deste artigo e temos ainda mais três Srs. Deputados inscritos. Apelo, assim, a alguma brevidade para podermos passar de capítulo.
Está inscrito o Sr. Deputado Telmo Correia. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, de facto, este artigo tem tido uma discussão longa e extensa, com referências — sejam para memória futura sejam históricas — muito relevantes, mas, da nossa parte, seremos muito breves.
Esta matéria, tanto quanto consigo deduzir, perceber e apreender, tem origem no PSD/Madeira, pelo que não me parece que venha a ter um consenso muito alargado — não pela sua origem, porque pode ser do PSD/Madeira e ter unanimidade, mas porque não é, sequer, apoiada pelo próprio Partido Social Democrata.
Portanto, parece-me que, não tendo o apoio do Partido Social Democrata, não reunirá facilmente consenso.
Não obstante, queria chamar a atenção para dois ou três aspectos.
É verdade que é possível haver democracia e um modelo igualmente democrático sem Tribunal Constitucional. Estou de acordo com essa ideia e apoio, desse ponto de vista, o Sr. Deputado Guilherme Silva.
A democracia é posta em causa não pela existência ou não do Tribunal Constitucional, mas dos partidos políticos, dos Deputados. Teríamos, provavelmente, um problema de democracia, se não existissem, por exemplo, Deputados suficientes para garantir a proporcionalidade.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Os pequenos partidos têm esse problema!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — 180 não chegam?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não, não chegam, de todo.
Para que haja democracia, não é essencial existir Tribunal Constitucional.
Consideramos que o Tribunal Constitucional tem cumprido o seu papel e a sua função e que, quando muito — e é isso que gostaria de sublinhar nesta curtíssima intervenção — , poderá modificar-se um pouco a sua composição.
Nesse sentido, chamamos a atenção que, mais à frente, propomos a alteração da composição do Tribunal Constitucional, diminuindo o número de juízes designados pela Assembleia e atribuindo competência de designação ao Presidente da República, na lógica, que temos, de responsabilização do sistema judicial através dessa figura, evitando a parlamentarização ou a acusação de governamentalização. É esse o caminho que propomos e cá estaremos para o discutir.
Em relação ao recurso de amparo, propomo-lo no artigo que consideramos certo e competente, que é artigo 280.º. Quando lá chegarmos, discutiremos a nossa proposta de recurso de amparo para o Tribunal Constitucional, que mantemos, ainda que alterando a sua composição.

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, queria começar por fazer um breve comentário em relação à intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior.

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Naturalmente que nunca me passou pela cabeça pôr em causa a qualidade do trabalho do Conselho da Revolução, sobretudo tendo à minha frente o Deputado Marques Júnior, que foi um ilustre membro desse órgão.
Em relação ao Conselho da Revolução, é importante dizer que a sua maior ou menor qualidade não tem que ver, em muitos casos, com o facto de os seus membros não serem juristas. Hoje, em Portugal, temos no Supremo Tribunal de Contas juízes que não são juristas. Portanto, para se ser um bom ou excelente juiz conselheiro não é preciso ser jurista. O Tribunal Constitucional tem vários juízes que são economistas e não juristas.
O problema do Conselho da Revolução não era da qualidade dos seus membros, mas de natureza política, ou seja, era um órgão revolucionário, só composto por militares, que exercia funções de fiscalização no coração do sistema político como se fosse um tribunal judicial.
Portanto, desse ponto de vista, essa solução sempre me pareceu estranha. Felizmente que se extinguiu em 1982.
Com esta minha intervenção, quero também reagir ao que disse o Deputado Osvaldo Castro, porque deu a entender que o Tribunal Constitucional sempre tinha existido ou que antes de ter sido criado não havia democracia, o que, felizmente, já foi corrigido por si.

O Sr. Presidente: — Está ainda inscrito o Sr. Deputado Guilherme Silva. É a sua quarta intervenção, o que se compreende, tendo em conta que foi o causador desta discussão.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, a minha intervenção também vem a propósito do que foi dito pelo Sr. Deputado Marques Júnior.
O Professor Paulo Mota Pinto (que não está presente), publicou um estudo, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que lembra essa situação da Comissão Constitucional e do Conselho da Revolução, no qual escreve esta coisa interessante: «Como já tem sido notado em estudos comparatísticos, um factor chave na determinação do ‘desenho’ dos tribunais constitucionais — da sua composição, posição, e competência — é a configuração política no momento constituinte. Entre nós, tal momento não se deu, para o Tribunal Constitucional, há trinta anos, mas só com a primeira revisão constitucional, terminada a fase de transição caracterizada pela existência do Conselho da Revolução.» Depois, numa nota de rodapé, diz o seguinte: «Seja-me permitida uma recordação sobre o significado do final dessa fase: ainda em 1981, uma enciclopédia generalista norte-americana indicava ainda que em Portugal o regime era, não democrático ‘parlamentarista’, ‘presidencialista’, ou, sequer, ‘semi-presidencialista’, mas antes de ‘military junta’. Recordo-me da impressão que me causou posteriormente tal qualificação, que se devia à existência do ‘Conselho da Revolução’.« Referi este estudo apenas para termos aqui o registo do que foi essa fase. É preciso que se diga que a Comissão Constitucional funcionou com muita qualidade — tanto que o Tribunal Constitucional citou muitas vezes, e ainda hoje por vezes cita, decisões da Comissão Constitucional.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Guilherme Silva, creio que será consensual entre nós que essa referência à existência de um regime militar em 1981 se deve à ignorância de quem o escreveu e não à natureza do regime vigente na altura — que, aliás, era o mesmo regime democrático que temos hoje.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Isso poderia levar-nos a uma grande discussão! Mas admito que fosse uma análise menos aprofundada.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, uma grande discussão é a que temos tido relativamente ao artigo 23.ºA.
Srs. Deputados, creio que posso dar por terminada esta discussão e, assim, concluímos a apreciação do Título I — Princípios Gerais.
Vamos entrar na apreciação do Título II — Direitos, Liberdades Garantias, começando pelo Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais).

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A primeira proposta é a de aditamento de um artigo 26.º-A (Direito à diferença), constante do projecto de lei n.º 6/XI (2.ª) (Deputados do PSD Guilherme Silva, Correia de Jesus, Vânia Jesus e Hugo Velosa). Neste caso, creio que está em causa o direito à diferença das regiões, mas o Sr. Deputado Guilherme Silva, que é um dos proponentes, dir-nos-á se é assim.
Para fazer a apresentação da proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O importante é a revelação de que uma região que, maldosa e menos correctamente, é acusada, muitas vezes, de défice democrático tem os Deputados mais pródigos na apresentação de propostas que reforçam os direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Pode fazer inveja a outros partidos!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Assim nós tivéssemos o apoio para as poder consagrar, efectivamente! Em relação a esta proposta, queria dizer que há quem entenda que o direito à diferença deve gozar de autonomia própria no leque dos direitos, mas também há o entendimento, talvez dominante, de que estamos, no fundo, no reverso do princípio da igualdade e, portanto, não se justifica esta ideia de autonomização do chamado «direito à diferença». Mas, como já vimos, designadamente a propósito de disposições anteriores, o próprio princípio da igualdade obriga à diferenciação, isto é, a tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, o que nos conduz às chamadas «discriminações positivas», exactamente para corrigir e atingir essa igualdade.
Ora, a preocupação mais relevante deste artigo tem a ver com um problema de respeito por diferenças culturais e, portanto, trata-se de um alerta para o poder público — ou o poder político — ter uma atitude de respeito pelas diferenças que caracterizam as culturas das diversas comunidades que se integram no País, incluindo as de minorias que se fixam, em termos de imigração, no País.
Obviamente, todos sabemos que estão fora deste leque determinadas práticas e determinados usos de certas comunidades que põem em causa, nalguns casos, direitos fundamentais. Mas há diferenças culturais que, muitas vezes, não são respeitadas nem aceites pela maioria e pelos poderes instituídos, por isso é importante que haja um alerta para o respeito e, muitas vezes, até para a protecção dessas diferenças que caracterizam e identificam comunidades que se fixam no País vindas de outras paragens e cujos hábitos, costumes e opções devem ser respeitadas nesta ideia de autonomização do direito à diferença.
Parece-me que este alerta para a prática do poder seria positivo e não perderíamos nada com ele, antes enriqueceríamos o nosso elenco de direitos fundamentais. Este aditamento, associado ao recurso de amparo, não seria apenas teórico, pois haveria também mais esta «porta» para a tutela efectiva desses direitos.
Portanto, não é de admirar que façamos esta junção do recurso de amparo e do reconhecimento do direito à diferença.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, é um pedido de esclarecimento muito breve para a compreensão desta proposta: apenas queria perguntar ao Sr. Deputado Guilherme Silva o que entende por «regiões minoritárias», porque não alcancei o conceito.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, o que se pretende identificar são comunidades culturais que têm hábitos e usos diferenciados e, com este artigo 26.º-A, quer chamar-se a atenção de que deve haver o respeito por essas diferenças, o que nem sempre ocorre.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, este pedido de esclarecimento vem na sequência do do Sr. Deputado Luís Fazenda, porque continuo a não estar esclarecido.

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O Sr. Deputado Guilherme Silva fez, como é seu hábito e com a capacidade oratória e a inteligência que todos lhe reconhecemos, uma tentativa de explicação, tanto quanto possível, deste artigo 26.º-A, mas a verdade é que, ainda assim, não fiquei esclarecido. Portanto, pergunto se me pode dar um exemplo concreto de um desses hábitos culturais ou de uma dessas diferenças que justifiquem a existência deste artigo. Ou seja, na Madeira ou noutro sítio qualquer do País, há algum hábito, prática, costume, uso de indumentária ou seja o que for que consiga explicar a utilidade efectiva deste artigo? Se me conseguir dar esse exemplo, compreenderei melhor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Vou convidá-lo para irmos a Barrancos!

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Guilherme Silva quer responder?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Já respondi, Sr. Presidente. Vou convidar o Sr. Deputado Telmo Correia para irmos a Barrancos.

O Sr. Presidente: — Não sei se o convite é extensivo a toda a Comissão, ou se é apenas dirigido ao Sr. Deputado Telmo Correia»

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Então, isto ç feito para Barrancos!»

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por realçar que não fica absolutamente nada mal ao PSD/Madeira apresentar uma proposta de emenda constitucional relacionada com o direito à diferença, sabendo nós — digo-o com ironia, mas também com bonomia — o debate que existe, muitas vezes, em relação à vida política na Madeira e, até, em relação às diferenças dentro do Parlamento na Madeira, umas toleradas outras não. Assim, uma proposta de alteração constitucional que consagra o direito à diferença oriunda, justamente, do PSD/Madeira parece-me um bom sinal! Vamos ver se tem sequência.
Devo dizer, contudo, que esse problema — que, por vezes, pode ser detectado na Madeira — não é, certamente, um problema constitucional, porque a Constituição portuguesa já salvaguarda, já tutela com muita generosidade o direito à diferença. Aliás, o Sr. Deputado Guilherme Silva já referiu o princípio da igualdade, que é, no fundo, o reverso do reconhecimento do direito à diferença. Ou seja, reconhece-se que há pessoas diferentes e o princípio da igualdade visa garantir que essas diferenças não sejam objecto de discriminação positiva ou negativa. Em alguns casos, a Constituição permite a discriminação positiva, mas o princípio da igualdade é um princípio que visa evitar as discriminações positivas ou negativas resultantes de diferenças.
Portanto, logo aí, o princípio da igualdade, com a amplitude que tem na Constituição portuguesa, constitui uma salvaguarda muito importante do direito à diferença e da possibilidade de as pessoas poderem ser diferentes sem serem discriminadas por isso.
Creio, contudo, que o direito à diferença que está neste artigo 26.º-A não visa as pessoas, mas, sim, entidades, designadamente entidades regionais, locais, etc., o que faz com que, logo à partida, tenha uma objecção de ordem sistemática, porque a inserção de um preceito desta natureza, colocado entre os outros direitos pessoais e os direitos relacionados com a liberdade e a segurança (artigo 27.º), é, pelo menos, uma inserção sistemática relativamente bizarra ou incompreensível.
Em todo o caso, não é de natureza sistemática o nosso argumento principal, pois entendemos que o direito à diferença, o respeito pela identidade regional ou local, seja de natureza cultural ou ao nível dos interesses, está amplamente reconhecido pela Constituição portuguesa.
As autonomias locais e as autonomias regionais, do ponto de vista institucional, têm uma consagração que lhes permite uma defesa muito eficaz dos interesses locais próprios, designadamente dos interesses de natureza cultural. Penso, portanto, que não temos de ir mais longe no reconhecimento do direito à diferença dessas entidades, porque esse reconhecimento institucional permite-lhes, através dos seus órgãos próprios, defender os interesses locais, incluindo os de natureza cultural, mesmo os interesses minoritários — apesar da

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nossa antiguidade em termos de comunidade, continuam a existir muitas culturas minoritárias no nosso País que são plenamente reconhecidas.
Por exemplo, eu e o meu camarada Luís Pita Ameixa estávamos a falar da questão de Miranda do Douro e do mirandês, em que está tudo plenamente reconhecido. Por isso, não creio que tenha de estar consagrado na Constituição portuguesa mais do que aquilo que já está. Aliás, também chamo a atenção de que a protecção dos bens e valores culturais já está coberta pelo n.º 3 do artigo 73.º e por outros preceitos da Constituição.
Creio que não é necessário mais para demonstrar que nos parece que as intenções deste artigo 26.º-A já estão totalmente cobertas pela Constituição da República Portuguesa em vários dos seus preceitos e em várias das suas dimensões.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de tecer breves considerações sobre esta proposta que o PSD/Madeira nos apresenta para reforçar uma ideia que, de alguma forma, já aqui foi aflorada: a de que o direito à diferença afirma-se na medida em que estiver garantida a igualdade de tratamento dos cidadãos. Esta é a base material que permite garantir o direito à diferença — encontramo-la no âmbito do artigo 13.º e de outras disposições que contêm um conteúdo anti-discriminatório.
A referência que o Sr. Deputado Guilherme Silva acaba por fazer na justificação desta proposta, dando como exemplo Barrancos, é, de facto, curiosa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Também podia dar o exemplo do mirandês!

O Sr. João Oliveira (PCP): — E é curiosa, antes de mais, pela consideração de Barrancos como uma região, o que, do ponto de vista da unidade do Alentejo, pode levantar algumas dúvidas» Mas talvez o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa tenha uma opinião mais concreta sobre esta matéria, porque, do ponto de vista territorial, é no distrito por onde foi eleito que se encontra o concelho de Barrancos.
Por outro lado, a garantia do direito que os cidadãos de Barrancos têm à preservação e à expressão da sua identidade cultural dispensa esta norma que o PSD/Madeira aqui nos apresenta, como, aliás, a realidade confirma. De facto, a produção legislativa que teve lugar na Assembleia da República relativamente à defesa de uma tradição que tem uma manifestação em Barrancos — não só em Barrancos, também noutros pontos do País — dispensou esta norma na Constituição e nem sequer levantou problemas quanto à sua constitucionalidade.
Portanto, apesar da tentativa esforçada do Sr. Deputado Guilherme Silva, o alcance desta norma do PSD/Madeira é, em primeiro lugar, de duvidosa compreensão, até a sua utilidade é de duvidosa compreensão.
É certo que as previsões constitucionais não têm de ser concretizadas, todas elas, relativamente às situações da vida a que se referem, mas estes enunciados genéricos e generalistas que esta norma contém, em nosso entender, nada acrescentam ao que deve ser a garantia de igualdade, já prevista no artigo 13.º. E, até do ponto de vista da concepção da unidade do Estado, podem conduzir a algumas interpretações de duvidosa»

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — A ideia de separatismo!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, esse seu acrescento só a si o responsabiliza! De qualquer forma, tomo boa nota dele.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de dizer, particularmente ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que a ideia de consagrar o conceito de «direito à diferença» é sedutora — pelo menos, para mim. Penso que tem o seu lado apelativo. Mas, com toda a franqueza, depois ela não resiste a uma

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apreciação de utilidade prática que está para além desse carácter sedutor do próprio termo «direito à diferença» e do conceito que lhe está subjacente.
Em relação ao que já foi referido pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, acrescentaria apenas o seguinte: se, no plano pessoal, o direito à diferença decorre da redacção do artigo 13.º, isto é, do princípio da igualdade, do ponto de vista colectivo, que é o mais abordado nesta proposta, essa leitura decorre já de vários preceitos da Constituição, desde logo do artigo 6.º.
Vejamos.
Por um lado, o artigo 6.º refere que o Estado «respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular», e eu leio esse «respeito» que está consagrado na Constituição não apenas no que se refere às formas de organização política mas em todas as vertentes, incluindo, portanto, também esta vertente da diferença cultural, de usos e costumes, e por aí fora.
Por outro lado, o mesmo artigo refere o respeito, na organização do Estado, pelos princípios da autonomia das autarquias locais — e, como sabemos, na nossa Constituição as autarquias locais vão desde os municípios até às comissões de moradores. Ou seja, o conceito constitucional de autarquias locais vai até às pequenas comunidades, no plano micro, quase de bairro, da organização social.
Portanto, considero que a ideia é sedutora — não escondo — , mas não lhe reconheço, à primeira vista, uma utilidade objectiva e não penso que venha alterar nada de substantivo relativamente ao respeito integral que o Estado deve ter na sua organização, quer relativamente à diferença de colectividades, como é o caso das regiões autónomas, autarquias, comunidades locais e organizações-micro de cidadãos, quer no plano pessoal, onde o princípio da igualdade salvaguarda total e inequivocamente o tal conceito, interessante e apelativo, do «direito à diferença».

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de uma forma muito breve, queria dizer que, de facto, não me considero esclarecido nem com capacidade de adesão à utilidade do dito artigo 26.º-A, por uma razão muito simples: o Sr. Deputado Guilherme Silva procurou, procurou, procurou e encontrou dois exemplos que demonstram a inutilidade do artigo em si! O regime específico das touradas em Barrancos existe — tive, aliás, alguma responsabilidade nisso, o Sr. Deputado Guilherme Silva também, mas a autoria da lei que alterou o regime jurídico foi do CDS — e não me recordo de, na altura, apesar de ter havido muita discussão e muita polémica, se ter levantado qualquer questão constitucional. Portanto, não foi o texto constitucional que impediu essa solução específica do respeito por uma tradição cultural enraizada que se entendeu valorizar, independentemente de a escolha dever ser essa ou outra.
O mirandês também vai existindo e não me parece que careça deste artigo para existir. Mas, se o que se pretende com este artigo é que o mirandês seja reconhecido como língua oficial, então sou contra, porque penso que estamos a introduzir um elemento de confusão; se o que se pretende com esta alteração é que Portugal, amanhã, passe a ter mais do que uma língua oficial, seja ela o mirandês ou outro dialecto qualquer»

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Já é reconhecido!

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Mas não é língua oficial do Estado!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Posso concluir, Srs. Deputados? A ideia que tenho — e, pelos vistos, não estou errado — é que há uma língua oficial, que é o português.
Depois, há um dialecto que é tutelado, que tem algum grau de protecção. Se a ideia é a de que, de hoje para amanhã, o País passe a ter duas línguas oficiais, então posso compreender a utilidade do artigo, mas sou contra! Penso que estaríamos a introduzir um elemento de confusão desnecessário.
O próprio Sr. Deputado Guilherme Silva deu um exemplo que justifica que este artigo não deve ir avante: o da possibilidade de existência, em certas comunidades, de práticas que são consideradas, inclusive, crimes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Essa agora!»

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É fácil dar-lhe um exemplo de práticas tradicionais, de raiz cultural, enraizadas em algumas comunidades que são vistas como crime e como matéria que tem de ser regulada. A Assembleia da República já discutiu, mais de uma vez, a questão da mutilação genital feminina e até tomámos iniciativas legislativas — fui responsável por uma delas — para reforçar a proibição dessa prática.
Em suma: se permitirmos que se introduza aqui um elemento de confusão, isso é negativo; se o que se pretende é apenas o reconhecimento de realidades que já existem hoje, este artigo parece-me relativamente desnecessário. Se calhar, há outros, mas não fiquei convencido com os dois exemplos que deu, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de forma muito breve, queria expor a posição do BE sobre esta proposta de aditamento de um artigo 26.º-A.
Para além de todas as objecções de natureza constitucional e política que já aqui foram expressas e que acompanhamos, não resulta claro o que sejam «regiões minoritárias» — não é um conceito constitucional.
Portanto, creio que este artigo não faz sentido.
Quanto ao direito à diferença, sempre direi, Sr. Deputado Guilherme Silva, que não é pelo facto de o Presidente do Governo Regional da Madeira falar não sei quantas vezes do «povo superior da Madeira» que tem tido alguma objecção constitucional ou legal» Portanto, creio que esse direito está absolutamente garantido na letra do ordenamento jurídico português.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, queria registar a indiferença generalizada em relação ao direito à diferença.

Risos.

Ter trazido aqui esta proposta já teve esse mérito!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Nós não percebemos a diferença!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Achei interessantes muitas das considerações que foram feitas pelos Srs. Deputados, mas gostaria de ter visto propostas de melhoria desta redacção, designadamente para responder à questão da sua inserção sistemática. Admito que este artigo pudesse expressar uma referência aos membros destas comunidades, para fazer a sua individualização e, deste modo, eliminar o obstáculo sistemático ou formal que foi referido pelo Sr. Deputado Vitalino Canas.
Também quero dizer aos Srs. Deputados João Oliveira e Telmo Correia, uma vez que se referiram expressamente à solução legislativa para as touradas em Barrancos, que, porventura, essa solução talvez não tivesse tardado tanto se houvesse uma norma deste tipo na Constituição, talvez não tivéssemos arrastado tanto tempo esse problema! Pelo menos, este artigo já teria tido o mérito de ter evitado o arrastamento desse problema que todos conhecemos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Já veio tarde!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Além de mais, o argumento ad terrorem do Sr. Deputado Telmo Correia, que foi por mim eliminado desde logo, na intervenção de apresentação da proposta, levaria a uma interpretação isolada desta disposição, porque as questões que o Sr. Deputado pretendia prevenir — e muito bem — estão salvaguardadas noutras normas constitucionais que protegem esses valores e, consequentemente, este respeito pelo direito à diferença não poderia ir ao ponto de atentar contra outros

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direitos fundamentais da pessoa humana. Portanto, só ad terrorem é que pode haver um argumento dessa natureza.
Logo na minha primeira exposição, referi que não me repugna perceber que este direito é o reverso do princípio da igualdade, ou seja, que este respeito pelo direito à diferença está efectivamente contido e desenvolvido na doutrina, na jurisprudência e na leitura constitucional do princípio da igualdade. Mas também referi que há quem defenda, num elenco de novos direitos, o direito à diferença — não é uma invenção minha! Nada de mal resultaria se a Constituição portuguesa alinhasse por esse avanço e teria sido bom que os Srs. Deputados, em vez de terem uma atitude tão radical de rejeição da proposta, tivessem dado contributos de melhoria da redacção proposta.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Eu só pedi um exemplo!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — E teve dois!

O Sr. Presidente. — Srs. Deputados, concluída a discussão da proposta de aditamento de um artigo 26.ºA, vamos passar ao artigo 27.º (Direito à liberdade e à segurança).
Estão em discussão três propostas constantes dos projectos de revisão constitucional n.os 1/XI (2.ª) (PSD), 2/XI (2.ª) (PCP) e 4/XI (2.ª) (BE). O PSD apresenta uma proposta de alteração à alínea h) do n.º 3 e o PCP e o BE propõem alterações à alínea d) do n.º 3. Como se tratam de matérias completamente distintas, sugeria que, por ordem de entrada dos projectos, analisássemos primeiro a proposta do PSD e depois passássemos à apreciação das propostas relativas à alínea d).

Pausa.

Então, para apresentar a proposta de alteração da alínea h) do n.º 3 do artigo 27.º, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No artigo 27.º, para além de se assegurar o direito à liberdade e à segurança como um dos direitos fundamentais do nosso Estado de direito, consagram-se as excepções a este princípio e, portanto, as situações em que pode ser decretada a privação dessa mesma liberdade.
Ora, a nossa proposta de alteração da alínea h) visa apenas colmatar o que entendemos ser uma lacuna da Constituição no elencar destas situações de privação de liberdade admissíveis, na esteira, aliás, do que está consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta alteração tem a ver com o risco a que as sociedades modernas estão crescentemente sujeitas de surtos pandémicos que podem obrigar as autoridades, para defesa da própria sociedade, a decretar medidas excepcionais de quarentena, de confinação dos doentes a determinados espaços hospitalares, previamente preparados para o efeito.
Chamava a atenção dos Srs. Deputados de que esta alteração tem uma dupla função, a de também dar aos cidadãos que se vejam colocados nessas situações de contingência os meios adequados de tutela jurisdicional. Este aspecto parece-nos essencial porque, de facto, por mais científicas e médicas que sejam as razões para este tipo de privação de liberdade, os cidadãos, ao ficarem privados dessa mesma liberdade, devem ter ao seu dispor os meios adequados — como, mais à frente, na decorrência desta proposta, prevemos nos artigos 28.º e 31.º do projecto de revisão constitucional do PSD.
Devem, pois, ser criados para estas situações os meios adequados de protecção dos cidadãos, como seja o estabelecimento de prazos concretos por lei, para além da tutela jurisdicional, como propomos mais à frente.
Apenas fazemos esta sugestão de acrescento ao elenco de excepções ao direito à liberdade que está consagrado no artigo 27.º.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista encara a introdução desta excepção ao elenco das excepções do artigo 27.º de forma positiva na medida em que

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entende o que se pretende alcançar com a previsão da possibilidade de internamento de portador de «grave doença contagiosa». Contudo, entendemos que esta proposta deve ser trabalhada, uma vez que o conceito de «grave doença contagiosa» necessita de uma especificação clara para que possamos ver exactamente de que matéria estamos a falar.
É evidente que num caso de surto pode haver necessidade de situações de quarentena, mas também é verdade que há outras doenças graves contagiosas que podem não merecer a situação de internamento.
Portanto, entendemos que essas situações devem ficar clarificadas, tanto quanto possível, na Constituição. Ou seja, se as constitucionalizamos, devemos dar uma indicação ao legislador ordinário do que serão os limites desta excepção, porque entendemos que há limites a esta excepção.
De facto, há situações em que ser portador de uma «grave doença contagiosa» pode justificar o internamento, mas outras há que pode não o justificar. E uma leitura mais desatenta destas matérias pode conduzir a excessos de situações em que, apesar de o titular ser portador de uma «grave doença contagiosa», não está em causa a saúde pública, por exemplo. Portanto, a introdução aqui de um critério de perigo para a saúde pública talvez possa ajudar a restringir o âmbito do preceito.
Da parte do Partido Socialista, vemos favoravelmente esta alteração; no entanto, consideramos que ela deve merecer algum tratamento de forma a evitar abusos relativamente à possibilidade de internamento compulsivo nestas situações.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de exprimir alguma reserva, até melhor redacção, acerca deste preceito, pelo seguinte: «grave doença contagiosa» é algo muito genérico e pouco preciso — e mesmo o conceito de «surto pandémico» é bastante genérico.
«Grave doença contagiosa» pode ser HIV/Sida. Será que vamos confinar pessoas com HIV/Sida?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Decididamente, não!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Mas está abrangido pelo conceito!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Confirmado por autoridade judicial, duvido!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não sei» Depois, a autoridade judicial decreta ou confirma. Nós não estamos a falar pela autoridade judicial, mas, sim, pelo texto constitucional.
Mesmo o conceito de «surto pandémico» é algo muito indefinido. É a gripe A? Provavelmente, não se justificará nessas condições. É um surto de tuberculose multirresistente, confinada a uma determinada zona do País? Aí a situação já é outra.
Não queremos, de modo algum, fechar esta discussão, mas queremos manifestar a nossa reserva porque, da forma como está redigida, esta norma dá um pouco para tudo, o que não é aceitável.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, também queria partilhar das reservas que já aqui foram manifestadas, até porque a norma de que estamos a tratar é de excepção em relação ao direito à liberdade que é garantido a todos os cidadãos.
Portanto, devem ser tidas em devida conta as cautelas na redacção desta norma de privação da liberdade para que a excepção possa ser, de facto, confinada à situação excepcional a admitir.
Avanço que esta questão foi colocada com alguma actualidade relativamente ao vírus da gripe A e à discussão que se gerou entretanto sobre a possibilidade legal — ou não — de determinar o internamento compulsivo dos portadores do vírus da gripe A por motivos que seriam, fundamentalmente, de saúde pública e que justificariam este tipo de medida. Mas a verdade é que a generalidade daqueles que se confrontaram com esta questão teve de dar uma resposta negativa por inexistência de um dispositivo legal que garantisse a

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excepção a este princípio de proibição da privação de liberdade que está previsto no artigo 27.º da Constituição.
Além de mais, o exemplo que o Sr. Deputado Luís Fazenda deu dos doentes portadores de Sida corresponde a uma outra situação clínica, a uma outra doença que, tendo uma natureza e uma repercussão, até do ponto de vista público, muitíssimo diferente da que teria a situação relacionada com o vírus da gripe A, caberia neste conceito que o PSD propõe.
Portanto, julgamos que é de ponderar devidamente esta questão no sentido de se encontrar uma redacção que seja rigorosamente delimitada em relação às situações verdadeiramente excepcionais que podem justificar uma excepção a este princípio de proibição da privação da liberdade, com uma certeza: a da necessidade de garantirmos que não haja qualquer retrocesso em relação a um princípio afirmado com a Constituição de 1976, por oposição ao que era uma admissão vigente no ordenamento jurídico que resultou do regime fascista que tivemos em Portugal e que permitia a privação da liberdade como uma decisão que caberia às autoridades administrativas.
Portanto, tendo presente esta delimitação, a de que, mesmo nestas situações, qualquer privação da liberdade terá de estar sempre sujeita a uma decisão judicial, julgamos que devem ser ponderadas todas as reservas numa matéria com esta importância e que pode ter esta repercussão.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, em relação a este artigo 27.º, compreendo a preocupação expressa pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pois entendo que ela poderá fazer algum sentido. No entanto, também partilhamos algumas das reservas aqui manifestadas, porque com esta redacção não é claro o âmbito de aplicação desta norma — e todos nós já vimos, por parte de autoridades administrativas ou outras, exageros e preocupações que umas vezes fazem sentido, outras vezes não.
Diz o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que existe um crivo de bom senso, que é a intervenção de autoridade judicial competente — isto partindo do pressuposto que ele existe sempre, em todas as circunstâncias. De qualquer modo, tal como está redigida, esta alteração deixa-nos algumas dúvidas, por isso gostaria de referir um ou outro aspecto que podem ser uma ajuda para encontrarmos uma melhor solução.
Em primeiro lugar, a referência que a Sr.ª Deputada Isabel Oneto fez à quarentena pareceu-me útil, porque a ideia de quarentena é, de alguma forma, mais perceptível, porque é limitada no tempo e tem, sobretudo, a característica de uma certa excepcionalidade.
É muito importante deixar dito, o que já foi feito, que esta medida teria de ter uma aplicação absolutamente excepcional, em circunstâncias inusuais e com uma duração limitada, aspectos que não resultam claros na redacção proposta pelo PSD. É por isso que entendo que, nos termos em que é apresentada, esta proposta pode chocar com a matéria básica e fundamental dos direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Presidente: — Estão inscritos os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Isabel Oneto. Como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes é proponente e quererá, porventura, responder a objecções, talvez seja melhor dar a palavra, em primeiro lugar, à Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, a propósito da ideia de quarentena, apenas queria acrescentar a seguinte questão: a quarentena pode ocorrer num espaço que não seja propriamente um internamento compulsivo; uma situação de perigo para a saúde pública pode implicar, por exemplo, a não frequência de determinados locais ou a obrigação de permanência na habitação, por analogia.
Portanto, mesmo em caso de perigo para a saúde pública, há medidas graduadas e só em último recurso é que se poderá perspectivar o internamento compulsivo.
Entendemos a necessidade desta norma, mas teremos de graduar estas situações de forma a possibilitar ao legislador ordinário instrumentos que possa utilizar na justa medida em que queremos também salvaguardar o direito à liberdade e à segurança. Para tanto, procuraremos melhorar o conteúdo desta proposta.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, antes de dar-lhe a palavra, deixe-me colocar à sua consideração um problema, porque fiquei com a sensação de que há uma certa desconformidade entre a fundamentação que o Sr. Deputado apresentou e o que está na proposta.
O Sr. Deputado referiu-se a uma situação de excepcionalidade: o aparecimento de um surto epidémico que obrigasse a uma medida excepcional. Ora, o que está proposto é excepcional, na medida em que o normal é as pessoas terem saúde — portanto, é tão excepcional como a anomalia psíquica. Mas, dentro desse carácter excepcional em termos gerais, não vejo mais nenhuma excepcionalidade.
Ou seja, permitir-se-ia constitucionalmente que um cidadão que estivesse afectado por uma «grave doença contagiosa» pudesse ser internado compulsivamente, e isso parece-me pouco excepcional relativamente à fundamentação que o Sr. Deputado deu, porque, de facto, tipificou situações consideradas excepcionais que não sei se não caberiam, por exemplo, no actual regime do estado de sítio ou do estado de emergência!? Talvez pudesse ser aplicado numa situação dessas, mas não garanto! De qualquer modo, a minha dúvida tem a ver com uma situação que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes qualificou de excepcional, mas que no texto não está tão excepcional como isso. Mas o Sr. Deputado dirá! Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, queria esclarecer algo que disse há pouco em aparte, mas que vou repetir para que fique registado: que não passe sequer pela cabeça de ninguém que este regime possa abranger situações como a da infecção por HIV.
Peremptoriamente, não! Não é nem nunca poderá ser esse o objectivo de uma proposta como esta e o PSD opor-se-á a qualquer proposta desse tipo. Isto que fique claro! Começando pelo fim, pelas questões colocadas pelo Sr. Presidente, gostaria de dizer a V. Ex.ª que foi exactamente por isso que chamei a atenção de que esta proposta deve ser lida em conjunto, nomeadamente, com a alteração que o PSD também propõe para o artigo 28.º, onde se refere expressamente que o internamento tem natureza excepcional e não pode ser decretado nem mantido «sempre que possa ser aplicada (») outra medida mais favorável prevista na lei«. E, relativamente à questão temporal, acrescenta-se no n.º 4 que o internamento está sujeito «aos prazos estabelecidos na lei».
Ou seja, não estou com isto a dizer que o inciso «grave doença contagiosa» não possa ser expresso de outra maneira, nem que não possam ser consagrados mais mecanismos, para além daqueles que prevemos nos artigos 28.º e 31.º, em que alargamos o habeas corpus a este tipo de situações.
Penso que a Constituição deve consagrar esta situação, porque a legislação ordinária vai ter de o fazer, infelizmente. De facto, podem surgir situações em que, por exemplo, terá de ser limitada a liberdade de circulação, como tem acontecido noutros países, podendo haver situações de internamento como de confinamento em determinadas regiões ou autarquias, para falar em territórios administrativos, em que, por razões de segurança sanitária, as pessoas ficam numa situação de quarentena — leia-se, de privação de liberdade de circular — , não podendo sair de lá enquanto o surto não for debelado, o que é, claramente, uma situação de privação de liberdade das pessoas, de uma forma colectiva.
Portanto, queria dizer que estamos todos sintonizados relativamente às reservas aqui expressas. O objectivo desta norma é claro: são as situações em que as autoridades de saúde entendem que há riscos para a saúde colectiva que decorrem de determinado tipo de doenças. Hoje em dia, o senso comum aceita e compreende estas situações, mas a verdade é que, como estão em causa direitos fundamentais, há dúvidas sobre como devem ser tratadas e que acolhimento constitucional devem ter. Desde logo, há que prever se um cidadão deve ter, ou não, ao seu alcance mecanismos de defesa para poder reagir a esse tipo de decisões que possam ser tomadas por razões sanitárias, no caso de entender que elas não fazem sentido ou que lhe estão a ser abusivamente aplicadas.
Actualmente, há como que uma penumbra, uma área cinzenta relativamente a esta matéria.
Estamos abertos para tentar encontrar a solução mais adequada, sendo certo que a reflexão que fizemos é a de que dificilmente faria sentido fazer uma especificação exaustiva de tudo isto no texto constitucional. Aliás, recordo, nomeadamente aos Srs. Deputados que já participaram noutras revisões constitucionais, as grandes discussões que tivemos sobre a questão do internamento por anomalia psíquica, porque já então, embora com outros contornos, esta discussão teve lugar. E a verdade é que acabou por adoptar-se uma solução extraordinariamente enxuta no texto constitucional, que é a que está em vigor e que refere apenas

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«Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente».
É certo que também pode colocar-se a questão: «A que tipo de anomalia se está a referir? É preciso cuidado, porque uns consideram anomalia isto, outros consideram aquilo»«. Mas o texto constitucional terá de ser necessariamente enxuto e escorreito.
Podemos e devemos ter o cuidado de fazer um debate aprofundado, nomeadamente quando chegarmos a uma segunda leitura para a consagração do texto constitucional, porque todos sabemos que o que se passar aqui vai ser um elemento importantíssimo para a interpretação que os tribunais vão fazer da verdadeira intenção do legislador constituinte relativamente a este acrescento.
Portanto, é muito importante deixarmos claro o alcance desta inovação constitucional, se ela vier a ser consagrada, e o que entendemos que deve ficar de fora de qualquer veleidade interpretativa relativamente a esta matéria.
Sr. Presidente, não acrescentaria muito mais sobre esta questão, para além de agradecer as observações que todos fizeram e que também foram, posso dizer-vos, por nós reflectidas longamente quando estávamos a trabalhar esta alteração. As dúvidas que têm são também as que tivemos, mas entendemos que, apesar de tudo, mais vale fazê-lo na Constituição e, através dela, abrir caminho para uma consagração na lei ordinária que salvaguarde mecanismos de defesa dos cidadãos relativamente a exageros ou a excessos de zelo por parte das administrações de saúde, que é o que tememos que exista hoje em dia.
A ausência de qualquer tipo de regulação sobre esta matéria, na prática, pode virar-se contra os cidadãos.
É exactamente esse o reverso desta medalha que gostaríamos de acautelar.
Seguramente, teremos oportunidade de, em conjunto, procurar encontrar a melhor forma de o consagrar na Constituição, sem inundar a Constituição de terminologia técnica e médica, mas também sem deixar totalmente no vazio quaisquer interpretações mais malévolas.
Também para isso serve este debate que aqui estamos a travar e as Actas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que são elementos muito importantes na interpretação que os tribunais terão de fazer face a eventuais queixas ou abusos que existam relativamente a esta matéria.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu que esta alteração proposta para o artigo 27.º tem sequência em articulado posterior, e um deles prevê a possibilidade de interromper o internamento provisório mediante a aplicação de uma medida que pode ser uma caução.

O Sr. Presidente: — Para esclarecer este ponto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, a questão coloca-se porque essa norma — o artigo 28.º — também se aplica à prisão preventiva. Foi por isso que li apenas a parte que o intérprete tem de ler, isto é, a que diz respeito ao internamento, que é a que é aplicável neste caso. Ou seja, em caso de internamento não se aplica a caução.
Podíamos fazer de maneira diferente, colocando essa previsão num número autónomo, mas não nos pareceu necessário. Assim, no mesmo número em que se fala na previsão preventiva — tal como, à frente, no habeas corpus — , incluímos essas três realidades: a prisão preventiva, o internamento e uma outra questão diferente, que tem a ver com a obrigação de permanência na habitação. Mas não quer dizer que se «contagie» tudo! Há que fazer a interpretação correcta, porque é evidente que, relativamente ao internamento, não há qualquer tipo de aplicação de caução. No fundo, o que o intérprete deve retirar é que só deve aplicar-se quando não puder ser decretada ou mantida qualquer outra medida mais favorável prevista na lei.
Por exemplo, se a lei que vier a regular esta matéria permitir que determinado tipo de nível de risco apenas obrigue as pessoas a ficar em casa e não a serem internadas e se houver um abuso no sentido de mandar internar todas as pessoas, estas poderem recorrer aos tribunais, dizendo: «Fico em casa e isso é suficiente para combater o surto que está em causa». Estou a dar apenas um exemplo.

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Em suma, a questão da caução tem a ver com a prisão preventiva e não com o internamento, pelo menos no alcance que pretendemos dar ao artigo 28.º, como verificará quando eu fizer a apresentação da alteração que propomos.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, nesta matéria, diria que haver ou não caução depende da evolução do Serviço Nacional de Saúde!

Risos.

Srs. Deputados, concluímos a discussão da alínea h) do n.º 3 do artigo 27.º.
O próximo ponto que vamos debater diz respeito ainda ao artigo 27.º e tem a ver com a prisão disciplinar imposta a militares. Como nos restam apenas cerca de 5 minutos para as 19 horas, creio que seria mais prudente iniciarmos essa discussão na próxima reunião, porque, seguramente, terá uma duração superior a 5 minutos.
Assim sendo, na próxima reunião, dia 16 de Fevereiro, às 16 horas e 30 minutos, iremos discutir as propostas de alteração da alínea d) do n.º 3 do artigo 27.º, seguindo depois em frente na ordem de trabalhos até ao artigo 46.º.
Estão encerrados os trabalhos.

Eram 18 horas e 58 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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