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SEPARATA — NÚMERO 57

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A utilização abusiva e perversa deste mecanismo é facilitada ainda por outras razões. Uma delas é a

indeterminação do conceito de «unidade económica», que pode facilitar uma interpretação criativa (o que não

quer dizer legítima à luz da atual lei) por parte de empresas que pretendam utilizar este regime de forma

viciosa. Por outro lado, ao não se reconhecer explicitamente ao trabalhador, na lei portuguesa, o «direito de

oposição» à transferência do contrato, facilita-se também esta utilização abusiva.

Vale a pena referir que a Diretiva 77/187/CEE não adiantou critérios exaustivos para a identificação da

definição de empresa ou parte de empresa, decorrendo esses critérios, essencialmente, da jurisprudência do

TJUE. Assim, a transferência de parte da empresa é, dada esta indefinição, «uma operação que se presta a

ser utilizada, fraudulentamente, para expulsar do processo produtivo determinados grupos de trabalhadores»

(João Reis, CEJ, 2014, p. 193).

O conceito de «unidade económica» estabelecido pelo n.º 5 do artigo 285.º do Código de Trabalho

português considera «unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma

atividade económica, principal ou acessória». Ora, estes critérios padecem de algum relativismo, dependendo

a sua interpretação da avaliação das circunstâncias singulares de cada caso concreto. Para evitar utilizações

fraudulentas da lei, haveria que garantir que a entidade económica deve manter a sua identidade. Isto é,

quando uma grande empresa seleciona determinados grupos de trabalhadores para serem abrangidos pela

«transferência de estabelecimento», esses trabalhadores devem constituir verdadeiramente unidades

económicas viáveis para prosseguirem uma atividade económica dotada de um fim próprio. Com efeito, para

que possa constituir uma «unidade económica», a parte da empresa ou estabelecimento em causa deve

corresponder a um conjunto de meios organizados e com autonomia suficiente para poder funcionar no

mercado com independência em relação à empresa ou estabelecimento cedente, realizando de forma

autossuficiente um serviço. Como sabemos, algumas das transferências de estabelecimento que se têm

efetuado estão longe de corresponder a este critério.

No que diz respeito ao direito de oposição dos trabalhadores a esta transferência, a jurisprudência

comunitária tem remetido esse aspeto para o direito dos Estados-membros. De facto, a Diretiva não obriga os

Estados-membros a estabelecerem que, no caso de o trabalhador decidir livremente não prosseguir o contrato

ou a relação de trabalho com o transmissário, o contrato ou relação de trabalho seja mantida com o

transmitente, mas também não se opõe a essa disposição. Isto é, cabe aos Estados-membros estabelecer a

disciplina reservada ao contrato ou à relação de trabalho com o transmitente.

Este direito de oposição já existe, todavia, noutros países. Desde 2002 que o ordenamento jurídico da

Alemanha reconhece a faculdade de oposição, a exercer de forma escrita ao cedente ou ao cessionário, num

determinado prazo, apontando a jurisprudência daquele país para que o exercício desse direito seja

acompanhado pela manutenção do contrato de trabalho com a empresa transmitente. No Reino Unido, o

direito de oposição do trabalhador é também acolhido. Em Portugal esse direito não está previsto na lei.

Na opinião de Júlio Gomes, «se um trabalhador tiver — como o nosso Supremo Tribunal afirma — o dever

de continuar a trabalhar para uma pessoa com que não contratou, que não escolheu como sua contraparte

contratual, então não é uma pessoa livre, mas um servo e esvazia-se por completo a asserção reiterada da

OIT de que o trabalho não é uma mercadoria». Com efeito, o direito fundamental de escolha de profissão e de

trabalho e o princípio da interdição de trabalho obrigatório são elementos fundamentais que não podem ser

afastados pelo direito do trabalho.

Assim, se o trabalhador tiver dúvidas quanto à solvabilidade e viabilidade da empresa, ou se não confia na

política de pessoal ou na organização do trabalho do transmissário, deve poder opor-se à transferência, aliás

como é reconhecido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2004. Este direito ganha

maior relevância na medida em que se assiste, efetivamente, a práticas empresariais que deturpam o sentido

da norma que estabelece a transmissão automática dos contratos de trabalho, utilizando-a para fugir à

obrigação de pagar uma compensação por um despedimento coletivo ou por uma extinção de postos de

trabalho.

Também a questão dos despedimentos ulteriores à transferência de estabelecimento deve ser acautelada

e limitada. À luz da lei, o transmissário tem evidentemente a faculdade, desde que justificada, de despedir.

Mas se o objetivo da Diretiva europeia e da sua transposição para o ordenamento interno diz respeito não

apenas à transmissão da atividade mas também à continuação da relação laboral, o princípio da estabilidade