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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 7.

Lisboa 6 de Fevereiro de 1821.

SESSÃO DO DIA 5 DE FEVEREIRO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

Os senhores Francisco Vanzeller (Deputado pela Provincia do Minho) e Bernardo Antonio do Figueiredo (pela Beira) prestarão o determinado juramento, precedendo a verificação de seus poderes.

Concordou-se em que a hora das Sessões fosse a ordinaria nos Tribunaes, começando d'Hynverno ás nove, e de Verão ás oito horas da manhan; havendo de durar quatro horas cada huma, salvo em casos urgentes e extraordinarios.

O senhor Rebello leo o seu Projecto de Regulamento das Sessões de Cortes, em quanto á sua correspondência com o Governo Executivo.

O Senhor Borges Carneiro propôz para se discutir o seguinte Projecto de Decreto, ácerca da Representação das Ilhas adjacentes a Portugal:

PROJECTO DE DECRETO.

As Cortes Geraes, etc. Considerandos que as Ilhas da Madeira e Açores, adjacentes a este Reyno de Portugal, forão sempre consideradas como parte delle, e reguladas pela mesma legislação, e que cumpre por tanto emendar a falta que houve em não terem sido contempladas nas Eleições dos Deputados que se acabão de fazer para as presentes Côrtes, Decretão o seguinte:

1.° Publicar-se-ha por Editaes affixados nesta Cidade de Lisboa; e por Annuncios no Diario da Regencia, que as Pessoas naturaes das dietas Ilhas, e maiores de 25 annos, que se acharem nestes Reynos, se reunirão na Salla do Senado da Camara desta mesma Cidade em dia determinado, para o fim de elegerem d'entre si certo numero de Deputados que interinamente representem as mesmas Ilhas nas presentes Cortes; devendo aquellas das dictas pessoas que não forem conhecidas nesta Cidade trazer attestações legalizadas das suas Camaras, ou Parochos, que verifiquem a dicta naturalidade.

2.° A Regencia do Reyno determinará o dia da dicta reunião, accelerando-a quanto seja possivel; e bem assim o numero dos referidos Deputados na rasão de hum por cada trinta mil habitantes: e hume outro serão declarados nos referidos Editaes, e Annuncios.

3.° Feita a reunião se procederá à mencionada, eleição, conforme as Instrucções por que se fizerão as eleições precedentes, para o que terá a mesma Regencia expedido ao Senado as ordens convenientes; omittidas com tudo algumas solemnidades, que se julgarem desnecessarias.

4.° Logo que os Deputados tenhão sido eleitos, se apresentarão nas presentes Cortes, com suas Procurações para serem verificadas; e, recebido o juramento, tomarão os negocios no estado actual, sem poderem pertender effeito retroactivo.

5.° No mesmo tempo se expedírão tambem aos Governadores das dietas Ilhas ordens acompanhadas das referidas Instrucções, para que em sua conformidade, em quanto for applicavel, facão eleger nas mesmas Ilhas o dicto numero de Deputados, que poderão ser tomados dentre os que tiverem sido eleitos nesta Cidade, onde deverão apresentar-se quanto antes á este Congresso com suas Procurações.

6.º Os Deputados, de que tratão os primeiros quatro artigos do presente Decreto, serão a natureza de interinos, e presumptivos; e, logo que os segundos se hajão apresentado ao Congresso, e prestarem o juramento, cessarão em suas funcções.

A Regencia do Reyno, etc.

O senhor Alves do Rio leo a seguinte Memoria, ácerca dos Negocios Administrativos e Economicos do Interior, pedindo que se expedisse Aviso á Regencia para cuidar antes de tudo na reforma dos abusos da Publica Administração, seguindo as Leys estabelecidas, e consultando as Cortes quando assim seja necessario.

MEMORIA.

Senhores: Na ultima Sessão ouvistes o Relatorio do nosso illustre Collega, que acabou de ser encarre-

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gado dos Negocios do Reyno, e Fazenda. Vistes as grandissimas sommas que, pela balança do Commercio, contra nós tem havido nestes ultimos annos. Somos obrigados a saldar com dinheiro o Commercio que fazemos com a India, com o Brasil, e com a Europa. Não escaparão á vossa sabedoria, e luzes os meios capazes de evitar tão graves males. Chamo agora a vossa attenção, Senhores, aos Negocios Administrativos, e Economicos do Interior. Ainda que só foi occupado na Commissão do Thesouro Publico Nacional pelo espaço de mez e meio, foi comtudo tempo sobejo para conhecer a falta do economia nas Despezas Publicas. Custará a acreditar, que a Despesa falta pelo Commissariado anda annualmente por 1:312.000$000 réis; isto he, por tres milhões 355 mil cruzados: que tendo despendido 44 a 45 milhões de cruzados, até o dia de hoje nenhuma conta prestou: custará a acreditar, que em Pensões chamadas do Particular ao despendem annualmente 78 contos de réis, isto he, 195 mil cruzados: custará a acreditar, que nas Cavalarias Reaes, comprehendendo 810 praças, creados effectivos, e aposentados, pensões, palmas, cevadas, campo do quadro, etc. se despendem 80 contos de réis, isto he, duzentos mil cruzados: custará a acreditar, que a Casa Real, apegar de S. Magestade (com grande magoa, e saudade nossa) não residir no nosso seio, ha mais de treze annos, sobe em despeza a 258 coutos de réis, isto he, acima de 645 mil cruzados. Sem faltar nas pensões pagas immediatamente pelo Thesoureiro Mór, e nas outras pagas pela Pagadoria da Thesouraria do Thesouro Publico, que montão acima de 140 contos de réis, isto he, de 350 mil cruzados, não ha Repartição alguma que não esteja subcarregada de pensões graciosas. Homens astutos com importunas preces tem extorquido do melhor dos Reys pensões ordinarias, tenças, que são impostas em diversas Folhas, em diversas Repartições. As Secretarias d'Estado, alem das Folhas dos Ordenados dos Officiaes, tem outras de pensões. Pagão-se pensões pela Thesouraria das Tropas, pelo Cofre do Terreiro Publico, pela Officina Nacional, pelos Almoxarifados, etc., etc. As Rendas publicas não chegão para fazer face ás Despesas necessarias, como podem satisfazer as graciosas! Eis-aqui a rasão porque o Deficit todos os annos tem augmentado dous, tres, e quatro milhões de cruzados: e eis-aqui tambem a causa de nossa enorme Divida. A nossa Patria está subcarregada de Tributos; eu sinto, como vós, senhores, a necessidade de alliviar o heroico, e bravo Povo Portuguez dos enormes Tributos, e alcavaloas, que sobre elle pesão; mas por ora não he possivel. Só pela mais stricta, exacta, e severa economia em todos os ramos da Publica Administração se póde obter este tão necessario beneficio. Empregados Publicos ha que levão na mesma Folha mais de hum ordenado, contra a expressa determinação da Ley de 22 de Dezembro de 1761 Tit. 4. Outros ha carregados de officios incompativeis até pela assistencia pessoal, por serem ao mesmo tempo, e á mesma hora. Todos estes males necessitão de remedios, e de remedios promptos, para assim obviarem nossos pungentes males. Para se diminuirem imposições, para se tirarem outras, sem haver falta em satisfazer aos Empregados necessarios do Serviço Publico, ou seja Militar, ou Civil, precisão-se pôr em pratica as regras da mais severa economia: he essa economia que eu imploro, Senhores, de vossa sabedoria, e de vosso commercio patriotismo.

O Senhor Bordes Carneiro propoz que a Commissão de Agricultura, antes de tudo, informe se cumprirá restabelecer-se a observancia do Decreto de 21 de Mayo de 1764, e Alvará de 20 de Janeiro da 1774 a respeito das Herdades do Além Tejo, reforçando-os com as novas providencias que se julgarem convenientes, e revogando o que ulteriormente estava determinado.

Leo-se hum Officio do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, consultando se devia dar-se cumprimento ás Leys do Reyno que defendem o provimento de dous Officios em hum mesmo individuo, e o pagamento de dous ordenados por a mesma folha. Não se deliberou.

O senhor Fernandes Thomaz concluio a leitura do Relatorio ácerca do Estado Publico de Portugal, que se mandou dar ao prelo, e he do theor seguinte:

RELATORIO.

Semhores = O dia 1.º de Outubro do anno de 1820, reunindo em hum só os Governos Provisorios do Porto e de Lisboa, marca em Portugal a epocha para sempre memoravel, de huma nova administração publica, encarregada á Junta Provisional. Como participante de seus honrosos trabalhos, e como orgão della na Repartição do Interior, e da Fazenda, cabe-me em sorte a obrigação de indicar-vos sua conducta, na difficultosa tarefa de que foi incumbida - Lançarei ao mesmo tempo para vossa informação huma vista rapida sobre o estado do reyno, nestes dous interessantissimos objectos; e eu me consideraria feliz se pudesse fazer, tão dignamente como devo a Vós, e á Nação que representais, esta breve mas franca exposição, para a qual he indispensavel que eu chame a vossa attenção.

As causas, que produzirão nossa revolução venturosa, não são desconhecidas de hum só de nossos concidadãos, porque cada hum, na parte que lhe tocava, sentia sobre si o peso enorme das desgraças que affligião Portugal; e nenhum deixa hoje de estar convencido de que era chegado o ultimo instante da existencia politica desta infeliz Patria, se o braço do Omnipotente, confundindo projectos insensatos, não arrancasse das bordas do abysmo tão precioso deposito, para o entregar á vossa guarda, e vigilancia.

Males de toda a ordem se experimentão em todos os ramos da economia particular do Estado, porque a ignorancia, e a immoralidade tudo tinhão contaminado, corrompido tudo. Erros de seculos, e que por seculos havião adquirido a força, e o imperio dos habitos, não podião emendar-se em tres mezes. - A corrupção espalhada por todo o corpo politico não podia debellar-se completamente tem remedios lentos e geraes, porque o veneno atacára ao mesmo tempo toda a massa do sangue, e todo o systema vital.

Assim o Governo, meramente Provisorio desde sua creação, e desde ella tambem pouco poderoso, pela certeza de sua curta duração, não podia obrar com aquella energia que pedem as reformas; e muito mais porque a cada passo se via obrigado a des-

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viar-se das vagas encapelladas das facções, mais impetuosas ainda no meio dois embates de huma revolução começada. - Limitava-se por tanto a pouco mais do que á emenda dos abusos; porque as providencia de universal influencia sobre a sorte da Nação ficavão fóra do seu alcance. Vereis por tanto nesta parte, Senhores, mais o que vos ficou para fazer, do que aquillo que o Governo fez.

Sem particular informação de cada hum dos ramos d'Administração, e sem meios de a conseguir em tão curto espaço de tempo, não era seguro, nem conveniente preferir hum a outro objecto; porque em todos havia mais ou menos abusos, todos precisavãi de reforma, e de todos se fazião queixas. - Mas estas queixas erão pela maior parte da conducta de alguns Administradores. A opinião publica se havia pronunciado decisiv amente contra elles, designando-os como causa dos males, que se experimentavão, e foi preciso respeitar a opinião publica, porque os males existião de facto, e via-se que as leys não erão observadas.

Achar prompto hum homem de conhecida moral, e ao mesmo tempo de bastantes luzes, para occupar o lugar daquelle que era necessario remover, não parecia com effeito mui facil: mas era menos facil ainda experimentado já nos negocios de que devia ser encarregado; porque no antigo systema de governar o merecimento o mais distincto dava antes hum titulo para ser perseguido, do que empregado. Os homens mais digbos de servir a Patria vivião por isso no retiro, e na obscuridade. Para os conhecer devia passar tempo; e a necessidade de remediar os abusos era tão instante, que obrigava a aproveitar até os mais ligeiros momentos.

Tal foi, Senhores, a origem das Commissões, que se crearão para differentes ramos da Administração publica. - Este methodo pareceo com effeito o melhor, porque reune duplica-las vantagens. Reparte por muitos os cuidados e fadigas superiores ás forças de hum só, porque os trabalhos devem crescer agora em proporção da necessidade de fazer nas Repartições longas, e amiudados exames para vos serem apresentados; dá ao mesmo tempo a esses trabalhos toda a notoriedade, inspirando ao publico esta confiança que he o mais seguro apoyo dos Governos, porque a Nação vê empregados nestes objectos os cidadãos mais conspicuos de diversas classes, e mais distinctos por sua probidade, e por seu amor á Patria.

AGRICULTURA.

A Commissão do Terreiro Publico foi a primeira que se creou; e huma informação bem viridica, e ao mesmo tempo cuidadosamente trabalhada, que corre impressa, e de que se vos dará conhecimento, faz ter o estado daquella administracão, que sendo bem regulada, póde fazer hum dia prosperar a agricultura em nossas provincias meridionaes, abastecendo a capital, sem empecer o commercio dos naturaes, e sem affugentar os estrangeiros, que vem trazer-nos os generos de que podemos carecer.

Desde o estabelecimento daquella Commissão o lavrador começou a respirar, porque achou logo no Terreiro Publico uma venda prompra ao fructo do seu trabalho, recebendo, em quanto ella não se verifica, socorros adiantados para occorrer a suas mais nec essarias despezas.

Mas não foi possivel, Senhores, dar sobre a agricultura providencias geraes. - Até ao tempo de nossas gloriosas conquistas em Africa, e no Oriente, a agricultura assentou com firmeza o edificio social, porque os Portuguezes a consideravão então como a fonte de sua riqueza, e de sua mais solida grandeza. Isso com tudo acabou, porque hoje só nos resta a lembrança do que fomos.

Os males porem que se observão neste ramo importantissimo da publica prosperidade, ainda que vão prender no systema geral, tem hum motivo particular, de que he necessario fazer especial menção, porque não seria nunca prudente atacar os effeitos deixando existente a sua causa. - Vós sabeis, Senhores, que a Monarchia Portugueza nasceo na epocha, em que a mais crassa ignorancia havia espalhado pela Europa os delirios da superstição, e os erros que jamais della se desvião. Nossos primeiros Monarchas, desejosos de dilatar suas possessões, suppunhão ter feito tudo apenas arrancavão do poder dos Mauritanos o terreno que elles occupavão; persuadindo-se de que a Nação devia prosprerar, só porque o altar do verdadeiro Deos se levantava sobre as ruinas do culto de Mahomet.

Depois de terem obrado no campo da batalha prodigios de valor, ganhando muitas vezes palmo a palmo estas ferteis campinas, que espalhavão a abundancia entre os habitantes protegidos até ahi pelo imperio dos Arabes, e convidados pela doçura de seus costumes e trato: a Religião, de mãos dadas com a Politica, inspiravão aos nossos Reys estas fataes doações, que os despejavão de tudo, empobrecendo o Estado.

Debalde alguns delles estendêrão vistas mais amplas sobre a população, animando, e fomentando a cultura. Debalde o soldado Portuguez, depois de encostar a lança, e pendurar a espada, vinha pegar no arado, e humedecer com seu proprio suor aquella mesma terra que acabava de regar com seu sangue, e de conquistar com tanta bravura; porque ahi mesmo achava elle já hum senhor barbaro, que lhe impunha condições penosas, obrigando-o a pagar dos fructos que colha huma quota excessiva, e subjeitando-o sobre isso a encargos que offendem a rasão, e escandalisão a humanidade.

As Corporações ecclesiasticas, e muitos dos Grandes do Reyno não devem pela maior parte suas immensas riquezas, e seus amplissimos privilegios a outra causa; e não foi outra sem duvida tambem a origem destes odiosos Foraes, que tanto pesão sobre o infeliz agricultor.

Hum dos nossos Monarchas deo-se he verdade ao cuidado de os reformar; porem o seu reynado accendia já as luzes para o recebimento dos Jesuitas, e da Inquisição; e a reforma devia em consequencia resentir-se das ideas do tempo. - Foi por isso que tratando-se de examinar foros, pensões, e encargos, que derivavão seu direito e natureza das doações primordiaes, e primordiaes contractos, em que parecião alheas questões de facto, nós achamos entretanto nesta informe, e barbara legislação canonizadas posses, ou antes verdadeiras usurpações, que a destreza dos Mordomos, ou a sagaz ambição dos Rendeiros

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havia introduzido. - Se uma desgraçada necessidade obrigava a attender ao tempo da prescripção, importava sempre conformar a decisão o mais que fosse possivel aos principios da moral, e da equidade, que devião respeitar-se na presença de titulos authenticos, porque não se tratava senão de remediar abusos.

Era com tudo do esperar, Senhores, que ao me nos ficasse para sempre determinada a sorte do desgraçado Lavrador, designando-se com clareza seus direitos, e suas obrigações; mas não succedeo assim. - A confusão nasciria já da falta do methodo, já de huma necessaria obscuridade, que a brevidade do tempo obrigava a seguir porque as questões entre os senhorios, o os colonos erão interminaveis, deixou na reforma dos Foraes huma nova occasião para novas posses, novas usurpações; e em consequencia novas e eternas demandas, que tem sido e são o flagello da Humanidade, e hum manancial perenne de injustiças, e de iniquidades, que levão á miseria povoações inteiras.

Senhores! Vós podeis livrar Portugal de tão desgraçada situação, começando por este objecto a lançar os fundamentos de sua feliz regeneração. A agricultura, se não he a unica, he huma talvez das mais seguias taboas, em que elle póde salvar-se do terrivel naufragio em que lutava já com a morte. - Quando vós tiverdes marcado convenientemente a fórma do lançamento, e arrecadação dos tributos; quando sobre o commercio interno, e externo se estenderem vossas vistas economicas, e politicas; e finalmente, quando fizerdes no Exercito aquellas acertadas reformas, que são necessarias em nossas actuaes circumstancias de esperar he que a agricultura vá progressivamente adquirindo novas forças, e caminhando desassombrada para o ponto de perfeição de que ella he capaz entre nós, se, como o lavrador dos paizes illustrados da Europa, o nosso lavrador em vez de practicas cheas de abusos e de erros, que os prestigios da educação lhe fazem adorar como verdades eternas, quizer adoptar antes os methodos que a experiencia deu volta com as sciencias, mostrão serem mais fáceis, e mais proveitosos no amanho das terras. - O estabelecimento de prados artificiaes, o consequente melhoramento de nossos rebanhos, e candelarias, em perfeito abandono, pelo abandono em que temos deixado a arte veterinaria, e os pastos communs, serão o resultado só de medidas bem combinadas.

Mas não basta, Senhores, remover estes embaraços indirectos; he preciso atacar o mal na sua raiz - E nem vos embarace a consideração de que este objecto ha de entrar na reforma geral do systema; porque, alem de essa reforma poder principiar por ahi esta causa tem tão pouca ligação com as outras, que bem póde existir ou desvanecer-se sem entender com ellas - A Nação por outra parte acha-se preparada já para este grande acontecimento, porque desde 1810 ElRey concebeo o glorioso projecto de minorar ou supprimir os Foraes; e em 1813, forão nomeados os homens mais abalisados nestes conhecimentos para darem as informações e fazerem os planos necessarios para a execução de huma tão importante medida. Aproveitando os seus trabalhos, o até o seu prestimo, parecendo-vos conveniente, Vós podeis acabar esta obra, verdadeiramente grande e magestosa, que deve immortalizar vosso nome; se, como he de esperar, ella tiver por bases a Politica, e a Justiça, e houver nella a possivel, e indispensavel combinação do interesse de todos com o interesse de cada hum - Os Portuguezes, Senhores, confião tanto na vossa consummada prudencia, como na vossa reconhecida, sabedoria: e os Portuguezes não serão de certo illudidos em suas esperanças.

Não acabarei com tudo esta materia, sem vos informar, Senhores, de huma circunstancia particular a respeito da importancia de nossas vinhas. A pezar do desmazello, e pouca industria com que em quasi todo o Portugal se fazem os amanhos e cultura dellas, e se preparão os vinhos; apezar das fataes medidas, e malfadados arranjos commerciaes que a Corte do Rio de Janeiro adoptara com as outros nações, a exportação dos ninhos de Portugal desde o anno de 1808, em que ella principiou a estabelecer-se alli, tem sido ainda assim mesmo até ao fim de 1819 do valor de 152 milhões de cruzados; e por tanto Vós podeis presumir de quanta importancia, e vantagem será para a felicidade geral, que estendais em tão importante objecto vossas providencias, e acertadas disposições para melhorar, quanto permittirem as circunstancias, o unico producto que pode de algum modo fazer pender a nosso favor a balança geral do commercio com o Brazil, e com os estrangeiros.

He doloroso, mas he com tudo forçoso dizer-vos, Senhores, que tendo nós sido em outro tempo tão grandes agricultores, que chegámos a exportar generos cereaes, a não nos enganarem as noticias e memorias, que nos deixarão estampadas nossos Escritores, a importação destes generos para Portugal desde aquella epoca fatal de 1808 foi do valor de mais de 192 milhões de cruzados: quantia enorme o que sempre nos deverá assustar, ainda quando consideremos que entrara nesse periodo a guerra da Peninsula, e houvera a consequente necessidade de sustentar os exercitos alliados, que recebião grande parte dos seus fornecimentos por nossos portos.

COMMERCIO.

O estado actual do commercio, e os males que neste ramo soffre a Nação procedem de causas que he desnecessario hir buscar a epocas tão distantes; bem que venhão de muito longo os erros do sistema, que até agora nos tem conduzido.

No meio do seculo passado hum homem grande, que para gloria da Nação occupara o primeiro lugar no Ministerio, quiz fazer neste importantissimo objecto as reformas, e melhoramentos que a vastidão de seus elevados, e bem combinados projectos havia concebido.

Seu genio verdadeiramente creador tinha como presentido já a grande obra, de que Vós, Senhores, estais encarregados, e por isso não lhe escapou algum ramo da publica Administração; mas elle achou nas poucas luzes do tempo, nos habitos da Nação, e no espirito e sentimentos de huma corte corrompida, embaraços de toda a ordem para levar ao cabo a gloriosa empreza, de que sua illustrada e alta politica lhe mostrava a necessidade, e previa a possibilida-

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de. - Entretanto, se não fez tudo o que sua alma grande havia emprendido, elle preparou ao menos os materiaes para o elevado edificio a que hides lançar os fundamentos; porque nos mostrou o caminho, pelo qual podemos chegar a representar no Mundo como huma grande Nação.

Forão resultado de seus bem dirigidos trabalhos aos grandes progressos que fizemos em commercio no precedente Reynado; porque o negociante Portuguez, a quem huma educação mercantil, e preparada por meio de Leis, e Regimentos uteis tornara hum especulador habil, e atilado, soube aproveitar-se das circunstancias da Europa, e fazer de Portugal o Emporio, do mundo.

Mas a penas, Senhores, a nossa situação politica nos obrigou a entrar na grande luta, que abalou os thronos mais seguros, forão nossas desgraças crescendo com tanta rapidez quanta era aquella, com que o commercio de Portugal voltava por huma progressiva decadencia ao estado lastimoso da sua infancia; e logo vereis, Senhores, que elle não podia descer a Luro ponto de maior ruma, e abatimento.

Diversas são as causas que podem considerar-se entre nós como embaraços do commercio interno. A falta de caminhos publicos, e o pessimo estado dos que ha, talvez seja das principaes; e cada hum de Vós não ignora, que nelle objecto o nosso desmazelo tem chegado a hum ponto, que seria inacreditavel a não se ver, porque até deixámos perder e arruinar em muita parte a unica estrada boa, ou antes magnifica, que tinhamos feito com tantas despesas e trabalhos, desde a capital até Coimbra. - Vós não ignorais, Senhores, que sem estradas os fructos, e objectos de industria são quasi perdidos na massa geral dos interesses sociaes, porque o transporte excede muitas vezes o valor das mercadorias. Para maior desgraça não lemos, podendo aliás ter, canaes de communicação; e taes considerações adquirem novo peso quando se reflecte nesta verdade terrivel, mas que não he por isso menos huma verdade. Os nossos rios, Senhores, ficão boa parte do anno quasi inavegaveis, e huma desgraçada experiencia faz ver que, e não se mudarem as leys da Hydraulica, a ruina total da navegação interior será infallivel, continuando a existir as mesmas causas.

Os direitos e tributos, que as fazendas, e até os fructos do proprio paiz, e do proprio termo ou districto, são obrigados a pagar, ou quando entrão nas terras, ou quando sahem, e ás vezes em hum e outro caso - as taxas, e armotacerias - as restricções impostas pela legislação municipal das Camaras - e sobre tudo, e mais que tudo, esta continua affluencia do dinheiro para a capital, e a primeira cidade do Reyno depois d'ella, deve ou fazer estancar, ou pelo menos desfallecer muito o commercio das provincias, que pedia aliás ser de grande consequencia, quando mais não fosse pelo trafego muito activo, que Portugal entretem mui vantajosamente pelos portos seccos com os Hesnanhoes nossos visinhos, e bons alliados.

O commercio de Portugal com os estrangeiros hia diminuindo sensivelmente, e de sorte que ameaçava já a mais proxima fallencia. - Na impossibilidade de ter á mão por ora o calculo do anno ultimo, aqui vos darei, Senhores, para vosso conhecimento o resultado sómente das nossas transacções mercantis nos dous annos precedentes a elle. - Em 1818 a importancia das fazendas que recebemos das nações com quem commercia nos, foi de 40 milhões o mais de 200$ cruzados, e o que demos em troco apenas chegou a 42 milhões e 320$ cruzados; vindo assim a ser o balanço contra nós de mais de seis milhões do cruzados; mas no anno seguinte elle foi ainda maior. - Dos estrangeiros já não recebêmos em 1819 senão 37 milhões e 200$ cruzados; e apenas lhes demos em troco 26 milhões e 228$ mil cruzados; sendo a diferença contra nós de quasi 8 milhões de cruzados; differença espantosa, se considerarmos a que houve nos fundos empregados em tal objecto; não sendo tambem de pouco momento a que se observa na entrada dos navios mercantes em Lisboa, e Porto, achando-se de menos 416 do anno de 1818 para 1819, e nos que sahirão pelas mesmas barras 238.

Mas he já tempo da chamar vossa attenção para o Reyno do Brazil o Demonios; e o farei com mais alguma particularidade para que vós, Senhores, conheçais o estado de nossas relações commerciaes com os nossos irmãos do Ultramar; e que, como nós, tem direito ao melhoramento da sua sorte, e ao gozo do sua liberdade.

Em 1818 o commercio do Brazil deo em resultado na balança contra Portugal 4 milhões e 265$ cruzados; porque a exportação para aquelle Reyno foi de 19 milhões e 849$ cruzados; e a importação de 24 milhões e 115$ cruzados.

Em 1819 foi a exportação de 16 milhões e 366$ cruzados; e a importação de 18 milhões e 729$ cruzados; vindo em consequencia a ser a differença contra Portugal 2 milhões 425$ cruzados: devendo notar-se mui particularmente, que na somma de ambos estes annos entrárão em ouro não pequenas quantias.

Com a Asia são nossas relações ainda menos vantajosas, quando se trate de calcular sobre objectos de importação, e exportação; porque huma grande parte do que de lá recebemos custa-nos moeda de ouro e prata; e sobre isso foi no anno de 1818 a balança contra Portugal de mais de 263$ cruzados; e no de 1819 de mais de 1 milhão e 644$ cruzados.

Das praças d'Africa Occidental temos recebido sempre menos do que para lá mandámos; de sorte que em 1818 foi a nosso favor o balanço na quantia de mais de 620$ cruzados.

O commercio com as Ilhas da Madeira, e Açores tem tambem sido em nosso favor; porque no anno de 1818 deo em saldo 478$ cruzados, tendo sido a exportação de 1 milhão e mais de 178$ cruzados, e a importação de 700$ cruzados. - No anno porem de 1819 foi a exportação de 1 milhão e 326$ cruzados; e a importação de 775$ cruzados, sendo a differença de 551$ cruzados.

Aqui tendes, Senhor, o estado ultimo de nosso commercio com o Reyno do Brazil, e Dominios; e á vossa sabedoria não ha de escapar, que nas criticas circunstancias em que nos achamos, he nccessario dar huma particular attenção aos nossos estabelecimentos d'Africa, e das ilhas adjacentes a Portugal. - Quem sabe, quaes serão hum dia nossos recursos, e nossos meios? Quem póde conhecer, qual será em toda a sua extensão nosso estado futuro, e futura situação de nossas relações commerciaes com os portos do Brazil, e da Asia? Em Politica, Se-

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nhores, huma hora desfaz os planos mais bem combinados, e que por muitos annos parecerão fazor honra á intelligcncia humana. - A sorte das nações acha-se muitas vezes dependente de causas, que parecem pouco capazes de occupar considerações do homem de Estado; entretanto a prudencia ensina que nada se deve desprezar, quando se trata de fazer permanente a felicidade dos povos.

Em resultado do que acabais de ouvir não he possivel deixar de admittir, que nos dous annos de 1818, e 1819 a balança geral do commercio de Portugal com as nações estrangeiras, Brazil, e Dominios foi de quasi 21 milhões e meio contra elle; e que, devendo esperar-se os mesmos effeitos dadas as mesmas causas, nossa rasão devia perder-se nos abysmos da duvida, e da incerteza, se quizessemos prever qual seria a sorte deste desgraçado paiz nas epochas vindouras.

He com tudo huma idea bem consoladora a certeza, que dalgum modo podemos ter de que as quebras, e bancas rotas tem sido, proporção guardada, em nossas praças de commercio menos frequentes, do que em outras das nações estrangeiras; e este barometro annuncia e prognostica as melhores disposições de huma atmosfera mais risonha e socegada, logo que medidas prudentes, e energicas dictadas por vossa sabedoria, levarem nosso commercio ao esplendor de que he capaz, removendo os estorvos, que elle encontra nas alfandegas, sem dar occasião é facil, e ruinosa introducção de contrabandos, que, para eterno desdouro daquelles que governão, tem checado ao excesso mais escandaloso.

Não vos escapará tambem, Senhores, animar a nossa navegação, a qual vós sabeis que tem soffrido perdas incalculaveis pelas mal combinadas, e talvez por isso desgraçadas emprezas de nossos Ministros. - Faz pejo considerar, até que ponto nós somos humilhados á face da Europa, pela nullidade a que deixámos chegar a nossa Marinha, não podendo fazer hoje respeitar a bandeira da Nação, que já tremolou como dominadora de todos os mares no tempo em que os Portuguezes devassavão o mundo todo.

FARRICAS.

As nossas fabricas participarão, como era de esperar, da desgraça geral; porem ellas devião sentilla mais particularmente, porque a introducção de fazendas estrangeiras havia de necessidade baixar o preço das nacionaes, até as fazer perder sua estimação, e em consequencia seu consumo. Vós não ignorais, Senhores, os grandes progressos e melhoramentos que tem feito nas suas fabricas aquellas nações, que tão felizmente souberão applicar ás artes os conhecimentos da Physica, e da Chymica: as manufacturas tem chegado por isso a hum estado, de que parece não he possivel passar, ou se considerem na sua perfeição, ou na economia do tempo e despesa, que de tanta vantagem são para aquelles, que se dão a essa especie de commercio.

Entre nós porem he manifesto o atrazamento neste ramo importantissimo, a pesar do que os nossos naturaes dizem a este respeito, e com o que não devemos illudir-nos. Sem meios, sem protecção, sem achar consumo ao producto do seu trabalho, o fabricante Portuguez não tem podido fazer proveitosa sua industria, desinvolvendo os talentos de que o dotara a natureza. - Capaz das maiores cousas, faltão-lhe até as pequenas para se entreter; e eis-aqui por que elle não se apresenta a competir com os estrangeiros. Paradas as duas maiores fabricas de lanificios que tinhamos em Portalegre, e em, Covilhã, os benemeritos artistas, que nellas principiarão a fazer se cidadãos uteis á Patria, pedem hoje esmola, com escandalo das almas bem formadas.

Chegarão ao conhecimento do Governo as queixas dos fabricantes, e a desgraça a que as duas provincias da Beira e Alem-Tejo hião caminhando, por se fecharem assim as unicas portas, que davão sahida ás suas lans, e espalhavão a abundancia nas povoações visinhas; mas o Governo considerou, que hum negocio desta importancia não em susceptivel de medidas temporarias, e que se elles devessem produzir hum effeito mais duradouro, podia isso talvez embaraçar-vos, quando Vós, Senhores, quisesseis fazer em tão interessante objecto as reformas, que a vossa sabedoria vos inspirar.

Ser-vos-hão apresentadas pois as Consultas e Processos que se tem feito sobre estas Fabricas, sobre a das Sedas, e outras do Reyno, a fim de que a Commissão encarregada por Vós destes trabalhos possa caminhar com mais segurança.

Sem huma Estatistica ou inventario exacto dos materiaes, que formão o todo de nosso edificio social, não he possivel ter na devida extenso os conhecimentos necessarios para o melhoramento das fabricas do Reyno. - O estado de nossa população foi sensivelmente alterado pela guerra da Peninsula, e por seus fataes resultados; e Vós, Senhores, bem sabeis, que não será nunca prudente deixar de repartir com mão acautelada os braços de que podemos dispor para a cultura, para o commercio, e para outros objectos; porque todos são ao mesmo tempo outras tantas columnas do Estado, e mal poderá huma conservar-se em pé, derribadas ou estremecidas as outras.

Talvez que em boa economia seja facil demonstrar, que o estabelecimento de certas fabricas entre nós he antes hum mal do que hum bem; e muito mais em quanto não possuirmos estas machinas, que tanto facilitão o adiantamento do trabalho - mas isso ha de entreter vossos cuidados, e a Nação espera, que os seus resultados serão todos em seu proveito.

Devo concluir esta materia observando, que as nossas Leys, e Regulamentos sobre fabricas são huma prova mais de nossos erros, e de nossa falta de consideração a respeito de nossos verdadeiros interesses. - Huma como estudada confusão reyna em tal systema. Contradizem-se a cada passo humas com outras disposições. - Acha-se na practica ou difficil, ou de pouco provoco a execução daquillo mesmo que servio de fundamento ao plano adoptado. - Nas alfandegas não he uniforme o juiso do que se deve considerar isempto ou não de direitos, em beneficio dos fabricantes; e nos Tribunaes augmenta-se a confusão e o mal, porque cada hum quer que se abracem suas ideas, e se respeitem suas providencias, quando aliás são diametralmente contrarias humas ás outras; porque elles ainda não concordarão entre si nem ao menos no que deve entender-se por materia prima em-

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pregada nas manufacturas. - O que vos admirará ainda mais Senhores, he que elles não convierão por ora no que he huma fabrica. - As Consultas que elles tem feito ao Governo, e que vos serão presentes, hão de convencer-vos desta verdade.

FAZENDA.

Hum grande objecto, Senhores, vai continuar a entreter vossa attenção, porque eu fallarei agora da Nacional. - Escusado he dizer-se, que ao acabar do ultimo Governo, em o dia sempre glorioso de 15 de Septembro do anno passado, os balanços dos Cofres do Thesouro Publico davão em saldo existente ainda menos do que podia ter na sua caixa hum negociante de mediocre fortuna.

O Governo encontrou logo, como era de esperar, todos os embaraços para fazer face ás despesas da Nação, e chegou a conceber, e até a propor a alguns dos mais acreditados commerciantes desta praça, o projecto de hum emprestimo de 4 milhões de cruzados, porque a necessidade de pagar os soldos atrazados do exercito, a quem se devião mais de oito meses, parecia justificar similhante medida, indicando-a ao mesmo tempo como aquella que só era capaz de acudir á pressa em que nos viamos.

Passarão dias, e o espirito vivificante, de que a sova ordem de cousas animou alguns Empregados publicos, deo as mais lisongeiras esperanças ao Governo de que até á vossa reunião podia elle achar-se nas circunstancias de acudir ao mais necessario; e particularmente porque a Commissão da Thesouro, creada no Porto depois do faustissimo dia 24 de Agosto de 1820, dava cada vez mais rasão para acreditar, que serião de grande proveito, como forão desde seu principio os trabalhos e acertadas medidas dos muito honrados, e benemeritos cidadãos que a compunhão. Vós sabeis, Senhores, que o exercito foi pago, que as despezas se fiserão, e que a Nação veio por tal modo a conhecer quaes são, e quaes podem ser os seus recursos, quando se souber tirar partido da venturosa situação em que a poz a Divina Providencia.

Creou-se então a Commissão para liquidar a Divida Publica. O Governo adoptou esta medida, porque seu primeiro cuidado foi, que o Thesouro adquirisse credito, e com credito a confiança da Nação. - He preciso com effeito, que ella contribua para as necessidades publicas; mas he preciso tambem, que ella as conheça primeiro; e mais ainda, que se convença por huma parte de que o pagamento do que se lhe deve he huma dessas necessidades publicas; e pela outra de que os fundos nacionaes são applicados segundo sua natureza, e primordial destino.

Chamar a hum centro commum estes trabalhos, dando-lhes certa regularidade, e uniformidade indispensavel, para facilitar ao credor a liquidação de seu direito, sem prejuiso dos interesses da Fazenda, entrou tambem nos motivos, que determinarão o Governo, e huma conta particular dada por aquella Commissão, e que podeis ver, quando isso seja do vosso agrado, faz conhecer pelas utilidades já conseguidas, quaes são aquellas, que poderão esperar-se ainda.

Bastava porem, Senhores, considerar, que sendo da vossa obrigação fazer os melhoramentos necessarios em beneficio da Nação, era impossivel caminhar com segurança, sem saber o que ella deve, e o que lhe devem.

No mesmo acto se realizou a extincção da Junta de Direcção Geral dos Provimentos de bocca para o Exercito. Esta Junta havia sido extincta já em 1811; mas entretinha-se ainda com alguns pagamentos, nos quaes distribuia mesquinhas consignações, que recebia do Thesouro, e occupava seus Empregados em Lisboa, e nas provincias em liquidar hum ao outro vale, que se lhes apresentava. - O Governo considerou inutil este apparato depois da crearão da Commissão, encarregada tambem desta liquidação; e até porque chegou a convencer-se de que muito poucos vales existirião já por liquidar; não sendo pequena sua admiração quando em huma Consulta a Commissão lhe fez saber, que muitos milhares de vales se esperava ainda que fossem agora apparecendo. - Ora a Junta liquidava vales ha pouco menos de 19 annos, que tantos tem passado, desde que ella existia no pé em que se achava.

Extinguio-se tambem a Contadoria do Commissariado. - O Regulamento desta Repartição he talvez hum dos que nós temos, feitos com mais perfeição, e melhor systema; porem elle suppõe sempre hum estado de guerra, e suppõe ao incarno tempo hum Thesouro aonde nunca falta dinheiro; e estas hypotheses ambas são hoje falsas.

Pelo tal Regulamento ha no Commissariado duas especies de contas; humas do dia, outras já dadas pelos Empregados. - Aquellas continuarão sua marcha antiga, porque as Administrações provinciaes e as Brigadas tem ainda Escripturarios, que as lanção regularmente. - As outras já depositadas na Contadoria para se liquidarem e ajustarem entendeo o Governo que devião parar, até que Vós, Senhores, desseis sobre este objecto vossas providencias.

Talvez agora se possa mostrar, que não seria grande desperdicio dar aos subalternos suas contas por ajustadas. - Mas Vós, Senhores, resolvereis o que mais acertado vos parecer, considerando que póde ser tenha custado centos de mil cruzados isso que até agora se fez: que muito mais custará ainda o que resta para fazer; e que finalmente nos casos, poucas vezes esperados de ser o saldo a favor da Nação, ella perde a desposa que faz para o liquidar; e perde até o mesmo saldo que teve a curiosidade do conhecer; porque no tempo da guerra, de cujas contas se trata, estes Empregados foi ao tirados quasi todos da classe mais indigente da sociedade; e he necessario admittir como coito, que bem poucos se achão hoje medrados a ponto de poderem pagar a mais pequena quantia em que ficarem alcançados.

Foi preciso crcar depois a Commissão do Thesouro Publico Nacional.

O Governo, Senhores, queria preparar por meio de exames circunspectos os conhecimentos de facto, que vos são precisos para as vossas providencias de melhoramento - queria fazer arrecadar com mais exacção a Fazenda - queria cortar os abusos que podia haver nas despesas e pagamentos - e queria finalmente, que todos os Officiaes e Empregados dessa Repartição desempenhassem seus deveres com a energia e actividade que respira hoje em toda a Nação.

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He verdade que o Thesouro tinha por sua creação hum Administrador ou Presidente; mas o Governo receou, que elle não pudesse encarregar-se de todos estes cuidados. - Vigiar sobre tantos e tão differentes objectos; entrar na indagação de tanta miudeza e particularidade; e formar os extractos que vos devião ser apresentados, parecia na verdade muita cousa para hum homem só, porque a machina he grande, he complicada, trabalha mal, e de vagar: accrescendo, que era muito preciso não perder ao mesmo tempo de vista as providencias e medidas, que em tão criticas circunstancias se devião dar, para não haver falta na entrada dos fundos e acudir ás despesas da Nação.

O plano do crear huma Commissão apresentava-se por tanto como o unico, que podia adoptar-se prudentemente.

Em 1761 fizerão-se as leys fundamentaes para o Thesouro Publico substituido aos antigos Contos do Reyno. Para então erão com effeito essas leys as melhores que se lhe podião dar, se o novo systema fosse regular e uniforme. - Prescreveo-se com effeito hum novo plano para formar as contas, fizerão-se muitos livros, crearão-se muitos Officiaes; mas tudo isso apenas deo em resultado, que cada hum pudesse faltar aos seus deveres com mais methodo, e mais segura impunidade; porque augmentando-se as formalidades e os embaraços na expedição dos negocios, e fazendo-se de ordinario, como se tem feito, da legislação desta Estação caso de segredo para as partes interessadas, as decisões adquirião a natureza de oraculos, e, como elles, custavão a conseguir.

Para se poder formar nesta materia hum juiso, ao menos aproximado, sobejo he dizer, Senhores, que muitas vezes dava occasião a grande dependencia receber dinheiro nos cofres a que pertencia. - Especulava-se em tudo, porque tudo offerecia meios de especulação.

Os lançamentos dos encargos publicos fazem-se com a maior irregularidade, e desigualdade; porque os methodos complicados, que para isso se tem adoptado, dão lugar a duvidas, e occasião a abusos, cuja emenda será, sempre difficil, e muito despendiosa. - Estes males porem nascem de se observarem ainda agora os Regulamentos antiquissimos, que se tinhão feito para determinar a fórma da distribuição, e arrecadação dos impostos directos, e indirectos. - A Economia Politica faz hoje, Senhores, como sabeis, hum systema regular de conhecimentos uteis, e até indispensaveis ao Legislador; porque lhe mostra com a possivel evidencia, em que consiste a verdadeira, e solida riqueza de huma nação, e quaes são os meios mais efficazes de a conseguir, e fazer permanente: mas nos seculos passados ella não consistia entre nós senão em certas maximas consagradas por usos inveterados e a isso se chamava sciencia dos Estadistas; e bem que algumas dessas maximas fossem o fruto sasonado da reflexão, e da experiencia, elle apodrecia, e corrompia-se logo pelo contacto de ideas falsas, e enganosas de huma felicidade apparente, e passageira, porque não era fundada sobre os verdadeiros interesses dos povos.

Nesta parte, Senhores, tereis por tanto muito que reformar, porque muito se carece de simplificar o systema, dividindo ao mesmo tempo as attribuições dos Magistrados, e Officiaes. - Os Juizes territoriaes são os lançadores, e os exactores dos tributos: administrão a Justiça civil, e criminal, e tem ao mesmo tempo a seu cargo a policia da terra, e diitricto; e já se vê quantos males devem resultar da união de tantos poderes na mesma pessoa. - Basta ler o que se acha hoje comettido ao cuidado dos Provedores, e principalmente dos Corregedores das Comarcas, para se conhecer que he impossivel não haver desordem, contusão, atrazamento, e falta de execução das leys, e ordens que elles devem cumprir, porque a natureza humana não costuma dar a hum homem só capacidade para tanto.

As alfandegas, e casas de arrecadação precisão, Senhores, de proficiencias mui particulares; porque nellas tem os abusos, os erros, e até os crimes feito sua morada. - O Governo quiz tomar algumas medidas a esse respeito; mas achou-se rodeado de embaraços, apenas foi tocar em alguns objectos; porque conheceo logo, que nunca poderia remediar hum mal sem abrir ao mesmo tempo a porta a centos de outros. - Por aqui podo bem fazer-se idéa do estado lastimoso de tão desgraçados estabelecimentos.

Nas casas de arrecadação he que se recebem regularmente os direitos do pescado de nossos mares, e de nossos rios. - Pescador e mendigo em pouco manos de ametade do anno são synonimos por quasi todo o Portugal. - Nenhuma nação precisaria menos do que nós receber peixe salgado dos estrangeiros. - A natureza fer-nos ricos; os nossos desacertos tem-nos reduzido á pobreza, e á miseria. - De nada carecendo para ser felizes, quasi tudo compramos para viver desgraçados!

Senhores! A Fazenda precisa das mais promptas e mais activas providencias. Os desperdicios excedem muito qualquer idea que se possa fazer por mais exagerada que se considere. - Não se vê Repartição alguma, em que não se ache que reformar neste objecto. - Recebia-se pouco, e esse pouco cahia em mãos desmazeladas, ou muito infieis. - O Thesouro está exhausto; e crescendo com a nova ordem de cousas a necessidade de fazer novas, e muito maiores despesas, nem por isso tem crescido por ora os meios de remediar, nem as antigas, nem estas. - Os orçamentos de Janeiro passado mostrão ser necessario mais de milhão e meio de cruzados para pagamento da folha militar de terra e mar: por ahi podereis presumir de quanto carecemos neste mez, e de quanto neste anno. - A folha civil acha-se atrazadissima. - Não se pagão depositos feitos no Thesouro, e de que ella se aproveitou. - O Monte Pio pertence a esta classe de divida sagrada, o que não he mais bem satisfeita. - Muitos credores já perderão a paciento, e com ella a esperança de serem pagos.

Em tal ordem, ou desordem da cousas, qual deverá ser o resultado? Falta de credito, e em consequencia falta de tudo. - O tempo em que no Governo de Portugal recalculava sobre milagres tem passado, e a Patria, Senhores, apenas confia hoje na vossa sabedoria.

He preciso com tudo, que antes de acabar este artigo eu vos informe de que nenhum navio chegava do Rio de Janeiro, sem trazer Decretos, Avisos, ou Provisões de tenças, ajudas de custo, augmentos de ordenado, e outras graças. - No principio o Governo foi cumprindo tudo, e mandando dar a tudo execução; mas depois deixou de o fazer, convencendo-se de que não era possivel, que ElRey fosse informado

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da verdade, quando taes despachos erão expedidos; porque Elle bem sabia que o Thesouro, ainda em epochas mais venturosas, não poderia com taes encargos. - A conducta do Governo foi por tanto conforme ás leys do Reyno, porque estas mandão, que se desobedeça ás ordens d'ElRey, quando ellas trouxerem sido conseguidas faltando-se á verdade.

GOVERNO.

Os arranjos feitos em Alcobaça a 27 de Septembro do anno passado derão a fórma ao Governo. - O seu Presidente retirou-se porque a sua falta de saude lhe fazia necessario o descanço. - Aquelle, que ficou em seu lugar, pedio com o mesmo motivo a sua dimissão, ou ao menos huma licença que o dispensasse de servir até se reunirem as Cortes. - Tudo se lhe concedeo; mas hum dia depois elle já não queria, nem huma, nem outra cousa. - Ninguem hoje ignora em Portugal quaes forão os acontecimentos desastrosos que derão a conhecer a causa, e o fim desta inconstancia, e volubilidade. O Governo, seguro na marcha com que principiara, e persuadido de que a salvação da Patria fazia a primeira ley do Estado, obrou com a circunspecção e firmeza, que parecião indispensaveis em tão criticas, como delicadas circunstancias. - Mandou sahir da capital para sua casa o Vice-Presidente, porque elle não podia accupar mais o lugar que deixara, sem que se desarranjasse a Junta Provisional, e qual derivava a sua legitimidade do acto fundamental da sua orçarão; e tres dias antes Lisboa inteira havia mostrado do modo mais energico e decisivo, que não queria outra Junta. - Era este com effeito nessa epocha o direito publico do Reyno. - Alterallo, e encontrar a vontade de huma grande capital, que, pelo esforço do mais heroico patriotismo, concorrera para salvar a Patria, seria expô-la a huma serie de males, do que ninguem era capaz de prever nem o resultado, nem a duração; porque a guerra civil estava imminente.

As notas e documentos officiaes, que se colherão sobre este facto importante, conservão-se em resguardo no secreto do Governo, e pela Repartição competente vos serão apresentadas, para que Vós, Senhores, com a possivel certeza do que passou, mandeis o que vos parecer acertado.

Apesar do tão desgraçada occurrenria, o genio do mal ainda por esta vez respeitou nossos destinos. A paz não foi perturbada, e no dia seguinte apenas se fallava nisto. - Com tudo alguns homens, indiscretos, e a quem o primeiro calor das revoluções costuma escaldar a imaginação, quizerão fazer-se singulares, escrevendo, e fallando de modo que devia dar cuidado, porque atacavão o Governo, e disputavão sua legitimidade, imputando-lhe excessos, e abusos, que lhe farião perder a consideração, e o respeito, se fossem acreditados. - Foi preciso então separar estes máos da companhia dos bons: a huns formou-se culpa, que ha de ser-vos apresentada; porque não era possivel deixar de os conservar em custodia, para evitar resultados, que não seria facil remediar, se hum dia chegassem a produzir seu effeito, outros, precedendo informações da Policia, forão mandados sahir daqui para suas casas, donde tinhão vindo com pretextos, que já não existião.

Aqui tendes, Senhores, quaes forão as medidas, que o Governo tomou sobre a segurança publica. - Aquelle Deos que vigia sobre a sorte de Portugal, ha dado até hoje á nossa regeneração hum caracter particular, porque as facções não tem apparecido ainda, nem procurado ao menos manifestar-se; porem não nos illudamos com isso. De que ellas existem cada hum de Vós, segundo eu creio, está bem convencido; e por tanto devemos acautelar-nos. - Se hum dia puderem rebentar, a sua explosão não deixará de ser na rasão directa de sua compressão.

Mas Vós não ignorais, Senhores, que o meio de conservar o povo em socego he administrar rectamente a justiça. - O poder da ley he o unico poder respeitavel, porque delle vem toda a auctoridade do Governo, a sua força, e segurança.

Em Portugal o arbitrio dictava muitas vezes a decisão do Magistrado, porque elle o podia fazer sem responsabilidade. - Nesta ordem ha como nas outras grandes abusos, mas nenhuma precisa talvez de ser reformada, nem com mais promptidão, nem com mais cuidado. O escandalo he geral, e geral deve ser em consequencia a satisfação, e a emenda.

Pede porem a rasão e a verdade, que se considerem dignos do lugar que occupão nesta classe muitos varões illustres por seu saber e virtudes, os quaes se tem feito e fazem ainda hoje merecedores da veneração, e respeito da Nação. - Vós, Senhores, deveis honra-los continuando a emprega-los em seus lugares, e eleva-los áquelles, que merecem por seus talentos e virtudes. Com tudo he preciso dar nova fórma aos juisos, e ás instancias: he preciso facilitar por todos os meios, e por todos os modos a prompta administração da Justiça. - Se ella he indispensavel na ordem social para fazer a felicidade do cidadão, porque ha de elle vir tão longe buscar a decisão da sua demanda? Porque não ha de o fraco achar em seu auxilio contra o despotismo do poderoso a auctoridade da ley, no mesmo lugar em que ella foi offendida?

Senhores! As leys judiciarias, as administrativas, e em huma palavra todas merecem a mais circunspecta e sisuda reforma. - Sendo tantas, que he impossivel sabellas, ou ao menos ter noticia dellas, falta-nos com tudo saber as mais interessantes relações sociaes. - O commercio, por exemplo, acha-se nesse caso.

He verdade que o Direito das noções illustradas da Europa se fez nesta parte Direito subsidiario do Reyno; mas quem não conhece a quantos abusos; e inconvenientes he subjeito este methodo de julgar das acções do cidadão. Como póde elle saber huma ley que he publicada em diverso paiz? E não a sabendo, e talvez nem tendo noticia de sua existencia, com que justiça lhe he imputada a falta de observancia della?

Quando hum Governo, Senhores, trata os interesses dos povos pelo modo que tendes ouvido, e que desgraçadamente he mui verdadeiro, fazendo, ou consentindo que se fação males tão grandes, ninguem poderá deixar de confessar que elle he hum Governo máo: e em tal caso seria bem admiravel, que houvesse ainda quem se lembrasse de disputar á

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Nação o direito de escolher, ou de fazer outro melhor."

O Senhor Soares Franco lêo, e apresentou para se discutir o seguinte Preambulo, e Projecto de Ley sobre a liberdade da Imprensa:

PREAMBULO.

Eu venho, Senhores, propor-vos hum Projecto de Ley sobre a Liberdade de Imprensa. A faculdade de pensar he o attributo proprio da especie humana, e inteiramente livre, porque tudo o que se acha reconcentrado dentro do sanctuario do entendimento escapa a coacção e violencia das Potencias externas. Mas a escriptura não he mais do que o pensamento publicado no papel; he por consequencia igualmente livre, com tanto que não offenda os direitos da sociedade, ou dos outros homens por essa publicação.

A Liberdade de Imprensa não he só de direito natural quando está coarctada nos limites de huma exacta justiça, mas he a salva guarda da Constituição.

O homem mais justo tende naturalmente para o Despotismo; as suas idéas parecem-lhe as melhores, e contrariallas julga; que he contrariar o bem commum. As paixões e os interesses, vem constantemente perturbar a nossa alma, offuscar a nossa rasão, e dar huma direcção viciosa ás nossas acções. Com tudo he necessario, que ellas se possão desenvolver á sombra do segredo e do mysterio; porque se tememos que se fação publicas, e se dessa publicidade resultar a perda da nossa reputação, da estima que nos consagrão os nossos Concidadãos, e até dos proprios lugares que occupamos, então a rasão fortificada por estes poderosos motivos modera as paixões, faz calar os interesses particulares, e dirige-nos pela estrada da honra e da verdade. Tanto deve ser respeitada a vida privada de qualquer Cidadão, como patente o procedimento publico de qualquer Funccionario. A Ley deve proteger a segurança e honra dos primeiros contra os calumniadores, e deixar publicar os erros de officio dos segundos para maior vantagem da sociedade.

O espirito do Governo Constitucional consiste na existencia de hum Congresso representativo, onde se delibere e discuta publicamente sobre os seus principaes interesses. Os objectos de utilidade geral passão d'ahi tambem a ser examinados e discutidos entre os Cidadãos, e seria huma notavel contradirão negar-se-lhes o exercicio daquelle direito que se tornou como base para a formarão do Governo, da maneira que repugna a existencia de hum tal Governo com a não existencia da Liberdade Politica de Imprensa.

Porem de tudo tem abusado a especie humana; aquelles instrumentos que nos forão dados para procurar nossas subsistencias e as commodidades da vida, esses mesmos tornamos nós em meios da nossa destruição ou de nossos irmãos. A palavra, esse dom celeste que concorre tanto para elevar o homem acima de todos os entes creados, principio de toda a nossa sciencia, e fecunda origem da civilização e policia dos Povos, he muito frequentemente o instrumento com que he promove a intriga, a traição, e todos os crimes. O mesmo succede e tem succedido com a Liberdade de Imprensa; mas felizmente he mais evitavel o seu damno.

A Ley por tanto devo deixar abertas todas as portas para a instrucção publica, e para a livre circulação das ideas uteis; e deve refringir e cohibir todos os abusos que tenderem a transtornar a ordem e o socego da sociedade, a compromotter-nos com as outras Nações, e a injuriar os outros Cidadãos em todos os actos que não dizem respeito aos seus empregos publicos.

Partindo destas duas bases fundamentaes, eu vou propor-vos hum Projecto de Ley sobre a Liberdade de imprensa; o qual tenho a honra de deixar sobre a mesa para ser objecto do vosso exame e deliberação. Vós vereis que elle he em grande parte extrahido do Regulamento que em Hespanha se fez sobre este assumpto; mas observareis ao mesmo tempo, que lhe fiz consideraveis mudanças.

PROJECTO DE LEY

Sobre a Liberdade de Imprensa.

TITULO I.

Da extensão e abusos da Liberdade de Imprensa.

Art. 1.° Todo o Portuguez tem direito de publicar os seus pensamentos sem necessidade do censura previa.

Art. 2.° Os Periodicos e papeis volantes, que não excederem duas folhas de impressão darão fiança ao menos de 50$000 réis para segurança das penas pecuniarias, em que poderão vir a incorrer seus andores, conforme as determinações desta Ley.

Art. 3.º Abusa-se da Liberdade de Imprensa nos seis casos seguintes:

Art. 4.° Publicando maximas ou doutrinas tendentes a destruir a Religião Catholica Apostolica Romana.

Art. 5.° Publicando maximas ou doutrinas contrarias ao Governo Constitucional, ou que excitem os povos á rebellião.

Art. 6.° Incitando directamete a desobediencia á Ley, ou ás Auctoridades constituidas, ou provocando-a, com satyras, e invectivas.

Art. 7.° Excitando directamente os vassallos das outras Nações a desobedecerem aos seus Governos ou Monarchas.

Art. 8.° Publicando escriptos obscuros ou contrarios aos bons costumes.

Art. 9.° Injuriando as Corporações ou as pessoas com libellos infamatorios que ataquem a sua conducta privada, e manchem a sua honra e reputação.

Art. 10.° O Auctor ou Edictor que publicar delictos commettidos por alguma Corporação ou Empregado no desempenho do seu Cargo, e provar a sua asserção, ficará livre de toda a pena.

Art. 11.° O mesmo terá lagar no caso de que a inculpação contida no Impresso se refira a crimes ou machinações tramadas por huma ou mais pessoas contra o Estado.

Art. 12.° Excepto nos dous casos mencionados nos artigos 10.° e 11.º, o Auctor ou Edictor que imprimir libellos infamatorios, fica subjeito ás penas es-

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tabelecidas nesta Ley, ainda quando offereça provar a injuria: e fica alem disso ao aggravado a acção livre para recusar de calumnia o infamador perante os Tribunaes competentes.

TITULO II.

Qualificação dos Escriptos segundo os abusos especificados no Titulo antecedente.

Art. 13.° Os Escriptos que forem denunciados mesmo abusivos da Liberdade de Imprensa, se qualificarão da maneira seguinte:

Art. 14.° Os Escriptos em que se publicarem maximas ou doutrinas tendentes a destruir a Religião Catholica Romana se qualificarão com a nota de subversivos.

Art. 15.° Esta nota de subversão se graduará pelos Juizes de facto (Jurados) segundo a maior ou menor tendencia que o Escripto tiver para destruir a Religião. A graduação se fará da maneira seguinte: subversivos 1.° gráo: subversivos do 2.º grão.

Art. 16.° Os Escriptos em que se publicarem maximas eu doutrinas contrarias ao Governo Constitucional. ou que excitem os povos a rebellião, ou perturbação do socego publico, se qualificarão com a nota de sediciosos, seguindo-se a mesma, graduação que no art. antecedente.

Art. 17.° O Impresso em que se promover directamente a desobediencia á Ley, ou Auctoridades constituidas, ou indirectamente, provocando-a com invectivas, se qualificará de incitador á desobediencia, de que se farão duas graduações.

Art. 18.º Os Escriptos em que se excitarem directamente á rebellião os subditos das outras Nações, serão qualificados como sediciosos do 2.º gráo.

Art. 19.° Os Escriptos obscenos, ou contrarios aos bons costumes, se qualificarão com a nota de offensivos da moral.

Art. 20.° Os Escriptos em que se attacar a reputação dos particulares na sua conducta privada, serão qualificados de libellos infamatorios.

Art. 21.° Não se poderá usar debaixo de nenhum pretexto de outra qualificação, alem das expressadas nos Artigos antecedentes; e quando os Jurados não julguem applicavel á obra nenhuma dellas, usarão da formula seguinte = absolvido. =

TITULO III.

Das penas correspondentes aos abusos da Liberdade de Imprensa.

Art. 25.° O Auctor ou Edictor de hum Impresso qualificado por subversivo do 1.º gráo, será castigado com a pena do quatro annos de prisão; o de subversivo de 2.º gráo, com dous annos. Alem disso fica o delinquente privado do seu emprego e honras; e se for Ecclesiastico serão occupadas as suas temporalidades.

Art. 23.° Aos Auctores ou Edictores dos Escriptos sediciosos do 1.º e 2.º gráo, se applicarão as mesmas penas designadas contra os Auctores das obras subversivas nos seus respectivos gráos.

Art. 24.º O Auctor ou Edictor de hum Escripto, que incite directamente á desobediencia ás Leys e Auctoridades constituidas será castigado com hum anno de prisão; e o que provocar a esta desobediencia com saturas, ou invectivas pagará huma multa de 30$000 rs.; e se não puder pagar esta somma, terá dous mezes de prisão.

Art. 25.° O Auctor ou Edictor de hum Escripto em que se exararem directamente os subditos das outras Nações a desobedecerem aos seus Governos, ou Monarchas, soffrerão a pena imposta aos sediciosos do 2.° gráo.

Art. 26.° Por hum Escripto obsceno, ou contrario aos bons costumes, pagará o Auctor, ou Edictor huma multa equivalente ao valor de mil exemplares, pelo preço da venda; e não podendo pagar esta somma, se lhe imporá a pena de tres mezes de prisão.

Art. 27.° O Auctor ou Edictor de hum Impresso em que se injuriem corporações ou povoas, pagará huma multa equivalente ao valor de mil exemplares; se fôr Periodico, ou Papel de menos de duas folhas, perderá a fiança que tiver dado; além disso o aggravado poderá seguir se quizer, o Juiso das injurias perante os Tribunaes correspondentes.

Art. 28.° A reincidencia será castigada com pena dobrada; e nos delictos que tem graduação determinada se imporá ao culpado a pena dobrada correspondente ao gráo em que se verificar a dicta reincidencia.

Art. 29.° Além das penas determinadas nos Artigos antecedentes, serão confiscados quantos exemplares existirem por vender das obras que os Juises declararem comprehendidas em qualquer das qualificações expressadas no Titulo II.

Art. 30.° Como o Auctor ou Edictor de qualquer Impresso fica responsavel pelos abusos contra á Liberdade de Imprensa, hum ou outro deve assignar o Original que ha de ficar na mão do Impressor.

Art. 31.º Ficará porem responsavel o Impressor nos dous casos seguintes: Quando requerido judicialmente para apresentar o Original assignado pelo Auctor ou Edictor, o não fizer: Quando ignorando-se o domicilio do Auctor ou Edictor, chamado a responder em juiso, não der o Impressor a rasão certa do dicto domicilio, ou não apresentar alguma pessoa abonada que responda pelo conhecimento do Auctor ou Edictor da Obra, para que não fique o juiso illusorio.

Art. 32.º Os Impressores estão obrigados a pôr os seus nomes e appellidos, lugar, e anno da impressão em todos os Impressos de qualquer volume que sejão; ficando entendido que á falsidade em algum destes requisitos se castigará, como se houvesse á omissão absoluta delles.

Art. 33.º Os Impressores d'Ecriptos em que faltem os requisitos expressados no art. antecedente, serão castigados com vinte mil réis de multa, ainda quando não tenhão sido denunciados, ou forem declarados absolvidos.

Art. 34.° Os Impressores dos Escriptos qualificados com alguma das notas comprehendidas nos artigos...... que houverem omittido ou falsificado algum dos requisitos declarados, pagarão a multa de duzentos mil réis.

Art. 35.° Quem vender hum ou mais exemplarem de qualquer Escripto, depois de se mandar reco-

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lher, conforme a Ley, pagará o valor de quinhentos exemplares pelo preço da venda.

TITULO IV.

Das pessoas que podem denunciar os Impressos.

Art. 36.° Os delictos de subversão e sedição, produzirão acção popular, e qualquer Portuguez terá o direito de denunciar á Auctoridade competente os impressos que julgue subversivos ou sediciosos.

Art. 37.° Em todos os casos de abuso de Liberdade de Imprensa, o Procurador da Camara ou do Senado, será o Fiscal do Publico, denunciando ex-Officio, ou em virtude de insinuação do Governo, do Chefe Politico da Provincia, ou do Presidente da Camera, os Impressos que estiverem comprehendidos nos dictos casos.

Art. 38.° Os Impressores deverão remetter ao Fiscal hum exemplar de todas Obras ou Papeis, que se imprimão na respectiva Provincia, debaixo da pena do valor de tres exemplares por cada contravenção.

TITULO V.

Do modo de proceder nestes juisos.

Art. 40.° As denuncias de todos os Escriptos se apresentarão ou remetterão ao Presidente da Camera da Capital da Provincia, para que convoque com toda a brevidade os Jurados de que fallão os artigos seguintes.

Art. 41.º Estes Jurados serão eleitos annualmente á pluralidade absoluta de votos pela municipalidade da Capital da Provincia, dentro dos primeiros quinze dias da primeira installação, cessando em suas funcções os Juises do anno antecedente, os quaes poderão ser reeleitos.

Art. 42.° Para exercer este Cargo precisa-se ser Cidadão no exercicio dos seus Direitos, maior de vinte e cinco annos, e residente na Capital da Provincia.

Art. 43.º Não poderão ser nomeados Jurados os que exercerem jurisdição civil, ou ecclesiastica, os Chefes Politicos da Provincia, os Generaes Commandantes das Armas, os Secretarios d'Estado, os Empregados nas suas Secretarias, os Conselheiros distado, os Empregados no serviço da Casa Real.

Art. 44.° Nenhum Cidadão poderá escusar-se deste Cargo, excepto se mostrar alguma impossibilidade physica ou moral, julgada pela Camera.

Art. 45.° No caso de que algum Jurado, antes que mostre estar legalmente impossibilitado, deixe de assistir ao Juiso, o Presidente da Camera, depois de o convocar tres vezes, lhe imporá huma multa, que não poderá ser menor de oito mil réis, nem maior de dezeseis mil réis.

Art. 46.° Feita a denuncia de qualquer Escripto, o Presidente da Camera ou Senado juntamente com o seu Procurador e Escrivão, mandará tirar por sorte nove das Cedulas craque estejão escriptos os nomes dos Jurados, verificado isto, e assentados os nomes em hum Livro destinado para este effeito, mandará o Presidente chamar os dictos Jurados.

Art. 47.° Reunidos estes nove Juises á hora determinada pelo Presidente, no Edificio destinado para este fim, lhes tomará o juramento seguinte = Jurais haver-vos bem e fielmente no Cargo que se vos confia, decidindo com imparcialidade e justiça á vista do impresso, e da denuncia, que se vos vai apresentar, se ha ou não lugar a formação de causa? Sim juramos. = Se assim o fizerdes, Deos vos presente, e se o contrario, vos castigue.

Art. 48.° Immediatamente se retirará o Presidente, e ficando sós os nove Jurados, examinarão o Impresso, e a denuncia, e depois de conferenciarem entre si sobre o assumpto, declararão se ha ou não lugar a formação de causa, necessitando-se as duas terças partes de votos para declarar que ha lugar a ella.

Art. 49.° Verificada esta declararão, a lançarão em hum Livro destinado para este effeito, e junta á denuncia, e assignada peles nove Juises, o primeiro por ordem de sorteio a apresentará ao Presidente, que os tem convocado.

Ari. 50.° Se a declaração for, que não ha lugar á formação de causa, o Presidente do Senado remetterá ao denunciante a denuncia com a declaração expressada, cessando por este mesmo facto todo o procedimento ulterior.

Art. 51.° Se a declaração for que ha lugar á formação de Causa, o Presidente remetterá ao Ministro de primeira Instancia o Impresso e a denuncia para continuarem os termos desta Ley.

Art. 52.° O dicto Ministro tomará logo as providencias necessarias para suspender a tenda dos exemplares do Impresso, que existão em poder dos Impressores ou Vendedores, impondo-se a pena do valor de quinhentos exemplares a qualquer destes que falte á verdade, ou seja relativamente ao numero de exemplares que tem, ou seja por vender algum depois dessa notificação.

Art. 53.° Procederá igualmente o Juiz á averiguação da pessoa que deve ser responsavel na fórma do disposto no Titulo III. Porem antes de se haver declarado, que ha lugar á formação de causa, nenhuma Auctoridade poderá obrigar a que se faça patente o nome do Auctor ou Edictor.

Art. 54.° Havendo recaindo a declaração de haver lugar á formarão de causa, em hum impresso denunciado por subversivo ou sedicioso ou incitador á desobediencia em primeiro gráo, mandará o Juiz prender o subjeito que for responsavel; porem se a denuncia for por algum dos outros abusos alli especificados, o Juiz se limitará a exigir fiador ou caução sufficiente, para segurança do Julgado, e no caso de não dar fiador ou segurança, se porá igualmente em custodia.

Art. 55.° Se o Impresso for denunciado por subversivo, o Presidente da Camera remetterá huma copia ao Ordinario, que he o Juiz competente nesta materia, para que faça a sua censura, e a remetta ao dicto Presidente para se juntar á denuncia.

Art. 56.° Declarado pelos primeiros Jurados, que ha lugar á formação de causa a respeito de hum Impresso denunciado por injurioso, o Juiz da 1.ª Instancia citará a pessoa responsavel pelo escripto para que compareça, se quizer, por si, ou seu Procurador, perante o Presidente da Camera para juiso conciliatorio com o denunciante, concedendo-lhe para isso o termo de 3 dias, se residir na povoação, e 20 ao mais se estiver ausente; e se, passado este

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turno, o não tiver verificado, se procederá a julgallo na fórma da Ley.

Art. 57.º Antes de começar-se o Juiso de qualquer escripto, deverá o Presidente da Camera remetter ao Juiz de 1.ª Instancia huma lista certificada dos doze Jurados, que hão de qualificar o Imprenso, e que terão sido tirados por sorte, dentre os que ficárão incluidos no 1.° sorteio; observando-se o mesmo methodo sempre; e todos os sorteios se farão á porta aberta.

Art. 58.º O Juiz remetterá á pessoa responsavel pelo Impresso huma copia certificada da denuncia feita, para que possa preparar a sua defesa de palavra, ou por escripto; e copia da lista da 12 Jurados para que possa no termo peremptorio de 21 horas recusar até 7 dos dictos Jurados sem expressar a causa da sua recusação.

Art. 59.° No caso de esta se verificar o Juiz officiará ao Presidente da Camera para que sorteie igual numero ao dos recusados, e os que sahirem em lugar destes ainda poderão ser recusados huma vez.

Art. 60.° Completo já o numero dos Jurados, sem admittir-se outra recusação, o Juiz mandará convoca-los para o lugar onde se haja de celebrar o Juiso. Antes de este principiar, lhes tomará o juramento concebido nestes termos: Jurais haver-vos bem e fielmente no cargo que se vos confia, qualificando com imparcialidade e justiça, segundo o vosso leal saber e entender, o Impresso denunciada que se cos apresentar, ligando-as ás notas de qualificarão expressadas no Titulo 2.° da Ley da Liberdade de Imprensa. Sim juramos. Se assim o fiserdes, etc.

Art. 61.° Este Juiso deverá verificar-5e á porta aberta, podendo assistir e fallar era sua de tesa o interessado, advogado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, debaixo da responsabilidade que as Leys previnem.

Art. 62.º Assim mesmo poderão assistir e fallar para sustentar a denuncia o Fiscal, ou qualquer outro interessado na denuncia por si, ou por seu advogado, deixando ao accusado a faculdade de responder, depois de haver fallado o que sustenta a denuncia.

Art. 63.° Depois fará o Juiz da 1.º Instancia hum recapitulação de todo o resultado do Juiso para illustração dos Jurados, os quaes se retirarão a huma casa immediata a conferenciar sobre o assumpto; e em acto continuo qualificarão o Impresso na conformidade do que se acha prescripto no mencionado Titulo 2.º, precisando-se pelo menos de 8 votos para condemnar hum Impresso.

Art. 64.º Se estes 8 ou mais votos tiverem convindo na especie do abuso, porem não no gráo, se entenderá a qualificação feita pelo menor destes gráos, e se lhe applicará a pena correspondente.

Art. 65.° Feito isto, sahirão para audiencia publica, e o 1.° nomeado que neste Juiso fará as vezes de Presidente, porá nas mãos do Juiz de 1.ª Instancia a qualificação por escripto, assignada por todos depois de have-la primeiro lido em voz alta.

Art. 66.° Se a qualificação fosse absolvido o Impresso intitulado..... denunciado em tal dia, e por tal Auctoridade ou pessoa, a Ley absolve a N..... responsavel pelo dicto Impresso, e em consequencia mando que seja posto immediatamente em liberdade, ou se levante a caução ou fiança, sem que este procedimento prejudique nem manche o seu nome e reputação.

Art. 67. No mesmo acto manjará o Juiz pôr em liberdade ou levantar a caução ou fiança á pessoa subjeita ao Juiso; o lodo o acto contrario a esta disposição será castigado como crime de detenção ou procedimento arbitrario.

Art. 68.° Quando os Jurados tiverem qualificado o Impresso de subversivo, ou sedicioso em qualquer dos dous gráos, ou de incitador á desobediencia das Leys em 1.º gráo, se parecer esta qualificação errónea ao Juiz da 1.ª Instancia, poderá este suspender a applicação de pena, e remetter o Orneio ao Presidente da Camera, para que tire á sorte outros 12 Jurados, d'entre os que não tenhão intervindo nem na declaração de haver lugar á formação de tansa, nem na 1.ª qualificação do Impresso.

Art. 69.° Estes lá Jurados de novo qualificarão o Impresso com as formalidades prescriptas nesta Ley; e se 8 ou mais delles convierem na qualificação anterior, procederá o Juiz de 1.ª Instancia a pronunciar a sentença, e applicar a pena correspondente.

Art. 70.° Se declarassem o Escripto absolvido, procederá o Juiz conforme o art. 66.°; e se conviessem na especie de delicio, porem não no gráo delle, se observará o prescripto no art. 64.º

Art. 71.° Os Jurados só serão responsaveis no caso de que se justifique com testimunhas conteste em hum mesmo facto, ou por outra prova plena legal, o terem procedido na qualificação por colluyo ou suborno.

Art. 72.º Se a qualificação fosse alguma das expressadas nos art. 4.° 5.° 6.º 7.° 8.º 9.°, o Juiz da 1.ª Instancia deverá usar da formula seguinte: havendo-se observado neste Juiso todos os termos prescriptos na Ley, e qualificado os Jurados com a Nota de..... (huma das contidas nos dictos artigos) o Impresso intitulado..... denunciado em tal dia, e por tal Auctoridade ou pessoa, a Ley condemna a N..... responsavel pelo dicto Impresso á pena de..... expressa no art.... do Titulo 4.°, e em consequencia manda que se leve ao seu devido effeito.

Art. 73.° Concluido este acto se terá o Juiso por findo, e procederá o Juiz á sua execução, remettendo huma copia legalizada da sentença a quem houvesse denunciado o Impresso, e outra ao Réo, se a pedir.

Art. 74.° Os emolumentos do Juiz de 1.ª Instancia, do Escrivão deste Juiso, e os demais gastos do Processo serão abonados conforme a Pauta, pela pessoa responsavel pelo Impresso, logo que este seja declarado culpavel; porem se tiver sido declarado absolvido, e o Juiso fosse de injuria, pagará as custas o que fez a denuncia. Em todos os demais casos se satisfarão do fundo que só formo das multas impostas na fórma da Ley, cujo fundo deverá estar depositado em casa do Thesoureiro da Camera com a sua conta separada.

Art. 75.° Se o Imprenso houvesse sido declarado culpavel, o Fiscal perceberá tambem seus emolumentos, que se incluirão nas custas, porem não quando o Impresso for declarado absolvido.

Art. 76.° Em hum e outro caso se publicará a

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qualificação e sentença no Diario do Governo para cujo fim o Juiz da 1.ª Instancia remetterá hum Auto á Redacção do dicto Periodico.

Art. 77.° Qualquer pessoa que reimprima hum Impresso mandado recolher, incorrerá pelo mesmo facto na pena que se haja imposto em consequencia da qualificação.

Art. 78.° Quando o Juiz da 1.º Instancia não tenha imposto a pena designada nesta Ley, poderá apellar qualquer das partes para a Relação do districto, e o Juiz lhe admittirá a appellação em ambos os efeitos.

Art. 79.° Igualmente poderá qualquer dos interessados appellar para a Relação, quando não se tenhão observado no Juiso os termos ou formalidades prescriptas nesta Ley; porem esta appellação será para o unico effeito de repor o Processo no ponto em que se haja commettido a nullidade, devendo neste caso a Relação exigir conforme as Leys a responsabilidade ao Juiz, ou á Auctoridade que tem commettido a falta.

TITULO VI.

Da Junta de protecção da Liberdade de Imprensa.

Art. 80.° As Cortes nomearão nos primeiros quinze dias da sua installação huma Junta de protecção da Liberdade de Imprensa, a qual residirá em Lisboa; composta de 7 Membros, e sen irá de Presidente o primeiro na ordem da nomeação.

Art. 81.° A Junta nomeará num Secretario, que não será de entre os seus Membros; hum Escripturario, e o Porteiro.

Art. 82.° O Presidente assignará com o Secretario os Officios que se dirigirem ao Secretario das Cortes, ou dos Negocios do Reyno. Rubricará igualmente com o Secretario os livros que hão de conter as Actas. Decidirá em caso de empate, e convocará as Juntas extraordinarias.

Ari. 83.° As Juntas ordinarias se farão duas vezes por semana.

Art. 84.° Os Deputados desta Junta poderão ser tirados dos outros Tribunaes; e não terão ordenado, ou emolumentos alguns. Os ordenados do Secretario, Escrpturario, e Porteiro serão determinados pela Junta.

Art. 85.° Para ser nomeado Membro desta Junta necessita-se ser Cidadão no exercicio de seus direitos, maior de 30 annos, e dotado de sufficiente instrucção.

Art. 86.° Esta Junta formará logo que se inslalla, hum regulamento para o seu governo interior, e o apresentará á approvação das Cortes.

Art. 87.° As faculdades desta Junta são as seguintes: 1.° Propor ás Cortes com o seu informe todas as duvidas sobre que a consultarem as Auctoridades, e Juises sobre os casos extraordinarios que occorrão, ou difficuldades que offereça a pontual observancia desta Ley. 2.° Apresentar ás Cortes no principio de cada Legislatura huma exposição do estado em que se acha a Liberdade de Imprensa, os obstaculos que se devão remover, ou abusos que devão remediar-se. 3.º Examinar as Listas das causas pendentes ou findas sobre os abusos da Liberdade de Imprensa; para cujo fim os Juises da 1.ª Instancia deverão remetter todos os trimestres huma exacta relação de todas. 4.° Rever os livros que vem de fora do Reyno para impedir a introducção dos que ficão qualificados com alguma das notas do Titulo 2.º - 5.º Cuidar em que se publiquem no Diario do Governo com a devida pontualidade as sentenças dadas em todo o Reyno sobre os abusos da liberdade de Imprensa, conforme o Art. 76 desta Ley.

Art. 88.° No caso de contravenção ao Decreto de Liberdade de Imprensa por parte dos Juises, ou outras Auctoridades, a Junta fará a sua reclamação ás Cortes.

O Senhor Margiochi propoz para se discutirem os seguintes Projectos de Ley:

PRIMEIRO.

Projecto sobre a marcha de hnma Sessão de Cortes.

1. Aberta a Sessão pelo Presidente, lerá hum dos Secretarios a Acta da Sessão antecedente.

2. Depois a correspondencia com a Regencia.

3. Seguir-se-ha a leitura dos extractos das Representações que tiverem appresentado ás Cortes; indicando o Secretario para que Commissões as dictava.

4. Fará immediatamente a leitura segunda das Propostas dos Deputados.

5. Para cada huma perguntará o Presidente se a Proposta he admissivel, mandando levantar os que a rejeitão, se for admittida a mandará imprimir.

6. Continuará o Presidente perguntando se algum tem novas Propostas, e as mandará ler, e acceitar.

7. Seguidamente se passara á Ordem do dia, ou ás discussões dos projectos de Ley: Estas discussões devem ser feitas ordinariamente em tres diversas Sessões.

8. Em consequencia perguntará para cada projecto, se está sufficientemente discutido. Os que dizem que não, levantão-se. Do mesmo modo se procederá, para determinar quando são urgentes, ou quando devem hir á Commissão.

9. Quando o projecto he julgado discutido; vota-se por sim, ou não, lançados por dous Secretarios em duas listas dos Deputados.

10. Finalmente mandará o Presidente distribuir as Propostas impressas, e designará as discussões da Sessão seguinte.

SEGUNDO.

Projecto sobre a Guarda Nacional.

1. A Guarda Nacional será composta de todos os Portuguezes capazes d'usar de armas.

2. Compõe-se de tantos Corpos, quantas são as Parochias do Reyno.

3. Cada Corpo he a reunião dos homens armados residentes no districto de cada Freguezia.

4. Os Commandantes destes Corpos são os mesmos dos Corpos de Linha que ahi se acharem, ou de Milicias, ou de Ordenanças e por fim dos Magistrados, ou homens bons.

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5. O Commandante Geral da Guarda Nacional pertence ao Poder Executivo, ou Regencia, com subordinação ás Cortes.

6. A obrigação da Guarda Nacional he a Defensa da Independencia da Patria, e Liberdade da Geração presente, e das futuras.

7. Os pontos da reunião dos seus Corpos são na visinhança da respectiva parochia.

8. Estas reuniões não serão feitas senão em caso da vinda d'ElRey, ou do Principe Real, ou de inimigo á vista, ou de Conjuração, ou de Juramentos.

9. A chamada para esta reunião só póde ser feita com licença, ou Ordem das Cortes, ou em sua falta de Regencia.

10. Esta Ordem será annunciada por tiros dos Castellos principaes, alternados com foguetes, a cujo signal as Patrulhas, e as Rondas farão avisos para que nas torres das Igrejas, e nos quarteis Militares se toque a rebate.

11. As armas da Guarda Nacional para aquelles que as não tem proprias, são as mais fortes que cada uhum possa haver, e manejar.

12. A sua disciplina consiste em não desamparar sem ordem o lugar da Reunião, não fazer tumulto, e conservar formatura.

TERCEIRO.

Projecto da abolição de Tributos vis.

1. Os impostos vis extorquidos nas Portas das Cidades, nos Caminhos, nos Mercados, nas Ribeiras de peixe, e nas Almotacerias ficão immediatamente acabados.

2. Será perseguido, e denunciado ás Guardas como Ladrão todo aquelle que os exigir.

3. Os Contractadores serão satisfeitos pela Fazenda Publica da lesão que tiverem.

4. Os Recebedores do Estado ficarão percebendo metade dos seus Salarios.

QUARTO.

Projecto sobre a abertura de Prisões.

1. Todas as Auctoridades Civis, Militares, e Ecclesiasticas a quem chegar o conhecimento deste Decreto, farão immediatamente abrir todas as Prisões, e sahir todos os presos, excepto os accusados de matadores.

2. Estas se conservarão abertas por vinte e quatro horas.

3. Durante este tempo, não se fará prisão alguma senão por crime flagrante, e os culpados estarão entre tanto nos Corpos de Guarda.

4. Os presos que estivessem accusados por furtos ficarão vigiados pela Policia, e não poderão alienar seus bens, sem conseguirem seu livramento, ou darem satisfação.

5. Todos os outros não sentenciados ficarão subjeitos a livramento.

6. Aquelles que estivessem presos por castigos ficarão absolvidos.

QUINTO.

Projecto sobre o Acto de Prisão.

1. Ninguem poderá ser preso, senão por Mandado da Authoridade competente, em que se expecifiquem os accusadores, e accusação, os principios de prova, a Ley que legitima a prisão, e se notifique tudo ao Réo, e se faça asseio no Livra do Carcereiro.

2. Os Officiaes da Execução e Carcereiros que não cumprirem com as disposições deste Decreto, perderão logo os Officios e incorrerão nas mais penas da Ley.

SEXTO.

Projecto de abolição do Juiso da Inconfidencia.

1. O Juiso da Inconfidencia fica extincto.

2. Os seus Processos e Accusações serão remettidos para a Bibliotheca Publica.

SEPTIMO.

Projecto de abolição do Tribunal da Inquisição.

1. Os Tribunaes da Inquisição ficao extinctos no Reyno de Portugal, como já o forão ha muito nos outros Dominios Portuguezes.

2. Seu poder espiritual fica sendo, como deve, huma attribuição Episcopal.

3. Os seus Cartorios serão remettidos para a Salla dos Manuscriptos da Bibliotheca Publica de Lisboa.

4. Os seus bens serão administrados, ou alienados como bens Nacionaes.

5. Os seus Empregados conservarão ametade dos ordenados.

Projecto de limitação do poder da Policia.

1. A Intendencia Geral da Policia perderá o seu poder de devassa.

2. Por isso deixará de ser Geral, e de ter communicação com todos os Magistrados do Reyno.

3. Somente se limitará á administração da Policia, de commodidade e segurança da Cidade Capital e seu Termo."

O senhor Gyrão propoz para se discutir o seguinte:

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PROJECTO DE DECRETO.

As Cortes Geraes e Extraordinarias da Monarchia Portugueza Decretão o seguinte:

Art. 1.º Ficão supprimidos desde já os Lugares de Provedores, e Contadores das Comarcas.

Art. 2.º As attribuições, e jurisdicção destes Magistrados serão reunidas ás dos Corregedores, que segundo o Regimento daquelles as exercitarão nas suas Comarcas respectivas; em quanto o arranjo da Magistratura nestes Reynos não for alterado por ulteriores decisões das Cortes.

Art. 3.º Em cada huma das Comarcas de Correições serão confiados os officios de Escrivães d'ante os Provedores, e Contadores a hum Escrivão daquelles Juisos, devendo os das antigas Provedorias ser preferidos para estas serventias; especialmente quando elles tiverem Carta de propriedade."

O senhor Rebello leo o seu Projecto de Regulamento das Secretarias das Cortes.

Resolveo-se que a Commissão das Commissões apurasse os votos dos Eleitos para cada huma das que devem crear-se, e acharão-se eleitos para a Commissão da Constituição os senhores Fernandes Thomaz com 69 votos, Pinheiro d'Azevedo 60, Annes de Carvalho 48, Soares Castello Branco 47, Borges Carneiro 36, Pereira do Carmo 35, Bispo de Béja 34.

Determinou-se para a Sessão immediata a discussão ácerca da Commissão do Thesouro Nacional, e da Commissão do Thesouro da Cidade do Porto.

O senhor Presidente levantou a Sessão pelas seis e tres quartos horas da tarde. - João Baptista Felgueiras, Secretario.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

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