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DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.
NUM. 14.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 1821.
SESSÃO DO DIA 13 DE FEVEREIRO.
Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.
DEO-SE conta de hum Officio do Ministro Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, com varias Consultas e Documentos, que forão remettidos ás respectivas Commissões.
Remetteo-se á Commissão de Agricultura huma Representação da Camera de Goujoim, relativa á Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, e outra da Camera de S. Cosmado, sobre o mesmo assumpto.
A Commissão dos Poderes verificou os do senhor Agostinho Teixeira Pereira de Magalhães, Deputado pela Provincia do Minho, o qual prestou o determinado juramento; assim como o senhor Deputado pela Provincia da Beira José Pedro da Costa, cujos poderes esta vão já legalizados.
Proseguio-se em discutir as. Bases da Constituição, e começou-se pelo artigo 3.°, vogando a questão sobre a maior generalidade e extensão da palavra Segurança; até que, bem esclarecida a sua verdadeira inteligencia e accepção, e dando-se por bem discutido o artigo, foi approvado como estava.
Discustio-se o artigo 4.°: alguns dos senhores Deputados significárão a sua vontade, de que elle fosse mais liberalmente expressão, e disse:
O Senhor Borges Carneiro. - Precisarião declarados os crimes por que se deverá ser preso: os Hespanhoes fizerão a classificação bem simples, dizendo, que serão presos aquelles, cujos crimes merecerem pena corporal.
O senhor Fernandes Thomaz. - A Commissão teve em vista na redacção do artigo, que já, era huma Ley observada em Portugal, se bem que não tinha produzido o bom resultado que provavelmente agora produziria, fazendo-a observar. Não he de crer que nas actuaes circunstancias se faça huma legislação menos liberal da que temos; porem seria numa cousa extraordinária, e poderia produzir muitos males á Sociedade, se hum malfeitor, para ser preso, tivesse de ser primeiro ouvido, e convencido do seu crime, esperando-se o acto da Sentença para proceder contra elle, e levallo á cadêa.
O senhor Gyrão. - Em vez de ser levado o delinquente á prisão, deixe-se em custodia.
O senhor Castello Branco. - Todas estas questões pertencem, ao Codigo Criminal, e não ás Bases da Constituição.
O senhor Pimentel Maldonado. - Niguem deve ser preso sem Causa formada, e o adverbio jámais - deve riscar-se do artigo, por inutil.
O senhor Borges Carneiro. - A Constituição não he só feita para os Povos, senão tambem para os Legisladores, e para reprimir estes nos seculos futuros. Insisto em que se devem classificar os crimes, que merecem prisão: assim o estabeleceo a Constituição Hespanhola, declarando sarem aquelles que merecem pena corporal; e eu exito o mesmo, por ser essa huma das cousas melhores daquella Constituição.
O senhor Fernandes Thomaz. - Não entendo que por estar na Constituição Hespanhola, seja hum artigo de fé para o declarar em a nossa. A Constituição Hespanhola não he Evangelho: eu sou Portuguez, e estou neste Congresso para fazer a Constituição Portugueza.
Julgou-se bastante discutido este artigo, e approvou-se com a emenda do senhor Pimentel Maldonado.
Discutio-se o artigo 5.°, e disse:
O senhor Borges Carneiro. - Eu sustento neste artigo a mesma opinião que tinha manifestado no ar-
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tigo antecedente. Não citei a Constituindo Hespanhola como ley, senão como exemplo, por que quem quizer procurar as bases da liberalidade, alli as achará; por que estou persuadido que, se ella não existisse, não estaria reunido este Congresso; e em fim porque devem tomar-se medidas para a segurança publica, e particular.
O senhor Fernandes Thomaz. - Tendo-se expressado, que não se póde estar preso sem ter causa formada, está tudo dicto. O artigo parece-me de, que julgo desnecessaria grande discussão.
O senhor Margiochi. - Opponho-me absolutamente a este artigo, que encena a escravidão dos Portuguezes. Na Inglaterra não ha nada mais ponderoso do que a suspensão do Habeas Corpus, he pois preciso declarar, que não se póde ser preso senão em caso de imminente perigo da Patria, ou de flagrante delicto. Eu tambem cito a Constituição Hespanhola, porque me forão dados poderes para, conforme ás bases della, formar a Constituição Portuguesa; e, se absolutamente não hade ser assim, tiremo-nos de engano.
O senhor Freire indicou os funestos resultados que poderião provir de não assegurar completamente a liberdade individual, fazendo conhecer que o attentado contra ella era o mesmo por 24 horas que por 24 annos, e reclamando a attenção do Congresso em hum objecto de tanta consideração.
O senhor Fernandes Thomaz redarguio: que tinha sido má explicação da Commissão no artigo de que se tratava, ou má intelligencia de quem tinha pensado que hum Juiz podia prender alguem por 24 horas; quando aliás se dizia, que não o poderia fazer nem por hum minuto, antes da causa formada; e ainda assim estava o Juiz obrigado a dar ao preso o motivo da sua prisão: que por tanto as 24 horas erão a favor do preso, para que soubesse porque o estava, e pudesse reclamar; e finalmente, que as bases são regras geraes, em que não podem entrar excepções que devem pertencer á Constituição.
O senhor Annes de Carvalho. - Pois que o Preopinante diz que as bases são regras geraes, parece que não deve nellas haver excepção alguma; porem eu vejo que se exceptuão os casos prevenidos pela Ley, e então, a haver de se adoptarem algumas excepções, melhor he que sejão as propostas pelo senhor Borges Carneiro dos casos em flagrante, e perigo da Patria, porque assim melhor asseguramos a Liberdade.
Foi apoyado: e, julgando-se bastante discutido o artigo, approvou-se conforme as bases apresentadas pela Commissão. Mas em consequencia protestárão alguns dos senhores Deputados, e disse:
O senhor Miranda. - Declarem-se na Acta os nossos nomes, e protestos.
Outros muitos dos senhores Deputados conclamárão = O nosso tambem.
O senhor Fernandes Thomaz. - Eu creio que nisto ha hum extravio de opinião, se cresse que quem fez estas bases são Legisladores, e quem as ha de adoptar outros Legisladores... (chamárão á ordem: ordem.) Eu posso dizer o mesmo voto.
O senhor Margiochi. - Mas não póde embaraçar a nossa vontade.
O senhor Castello Branco. - Peço a palavra. Relativamente a mim como Deputado tenho todo o direito, que a Assembléa não me póde tirar, de manifestar á Nação qual he o meu voto, e de não ter interrompido. Lavre-se o meu voto. Trata-se das excepções do artigo 4.°; digo eu, que huma vez que Assemblea admitte excepções, está por isto mesmo comprovado o artigo 5.°, tal qual elle se acha escripto. Na Inglaterra, onde a Constituição he mais liberal a este respeito, ninguem póde negar que se admittem excepções. Em quanto ás minhas idéas, e aos meus sentimentos, eu mostrarei quando chegue occasião se elles são mais ou menos liberaes, que os de Inglaterra, e de Hespanha. O meu voto he que deve haver excepções.
O senhor Moura. - Ainda se póde mostrar o autographo, onde se vê conservada a Ley de Habeas-corpus; mas declarou-se que isto pertencia á Constituição, e não ás bases della.
O senhor Miranda. - Eu já disse, que se a palavra Ley está aqui como synonimo de Constituição, convenho que passe o artigo, senão peço as excepções indicadas, e que se ponha este parecer na mesma Acta.
O senhor Freire. - Os Deputados tem deveres como Deputados, e como Homens. Os deveres que tem como Deputados são os de subjeitar-se a maioria, como eu me subjeito, e de sanccionar as deliberações. Este he hum caso que foi decidido por dous terças, e assim está decidido, e muito bem decidido. Agora podem-se considerar os deveres como de Homens, os quaes eu tenho como tal, e respectivamente a trinta mil Homens que represento. Póde esta Assemblea decidir por toda ella o que julgar justo; porem huma vez que eu não o crea assim, votarei por separado; assignarei na Acta o meu voto, e o sustentarei até com a ultima gola de meu sangue (á ordem, ordem) em que he isto faltar á ordem? Em que ha desordem nisto? A Ley está valida, o artigo está bem sanccionado; porem ou protesto em meu nome, e em nome de meus Constituintes.
O senhor Braancamp. - Ninguem duvida dos sentimentos dos Membros da Commissão, nem da sua liberalidade; porem este artigo não está concebido de modo, que assegure toda a liberdade ao Cidadão. Diz-se que isto se reserva á Constituição, porem estas são as suas bases, e estas bases devem ligar-se aos principios da Constituição. Parece-me que, mudando a palavra Ley na palavra Constituição, está tudo salvo.
O senhor Penheiro de Azevedo. - Em casos graves quando se vota, deve-se votar nominalmente, por tanto eu peço que assim se faca: nós temos direito, e obrigação de satisfazer os nossos Constituintes,
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e os nossos Constituentes tem direito de nos tomar conta de nossos votos; assim requeiro que em negocios graves seja nominal a votação.
O senhor Brito. - Eu creio que a opinião dos Senhores Deputados está igualmente declarada por levantarem-se, e sentarem-se, que por dizer sim ou não.
O senhor Castello Branco. - Se a palavra Constituição póde unir a Assemblea, eu convenho como Membro da Commissão.
O senhor Fernandes Thomaz. - E mais eu.
Tomou-se a nova deliberação de que no citado artigo se puzesse a palavra Constituição, em vez da palavra Ley.
O senhor Borges Carneiro. - A pezar de tudo eu protesto, e entregarei o meu protesto ámanhan por escripto.
Discutio-se o artigo 6.°, e disse:
O senhor Pimentel Maldonado. - Este artigo parece-me summamente defeituoso, como fomentador da anarchia. Acaba elle dizendo: = e os Officiaes que executarem = pergunto se acaso os officiaes não estão subjeitos a fazer o que lhes mandão os seus superiores? Dizer que serão castigados estes ofiiciaes por executar as ordens que se lhes derem, he o mesmo que dizer que o inferior não deve obedecer ás ordens do seu superior: pelo que julgo se devem riscar as ultimas palavras.
O senhor Soares. - Eu digo o mesmo.
O senhor Annes de Carvalho. - Eu acho que o artigo está bom. Os officiaes tem Ley, e superior, mas este superior tambem está subjeito á Ley; e todas as vezes que as ordens do superior forem contrarias á Ley, o inferior não as deve cumprir. A Ley diz por exemplo, que nenhum individuo deve ser proso, sem culpa formada: se se mandar num official prender alguem sem este requisito, não deverá obedecer.
O senhor Guerreiro. - Parece-me que todo o que contem este artigo he summamente exacto, e necessario, he indispensavel para a segurança pessoal, porque estabelece a responsabilidade em toda a sua extensão. Parece-me que não se póde manter para o futuro a exacta observancia da Constituição sem que este Congresso faça huma Ley para fazer effectivas as penas dos delictos, e effectiva a responsabilidade; sem isto a Constituição seria meramente illusoria.
O senhor Pimentel Maldonado. - Explicarei o meu voto: quando se diz = serão responsaveis os officiaes que executarem, &c. = este executarem suppõe huma ordem: se se quer que os officiaes (chamarão á ordem) eu posso explicar o meu voto, e voto porque se tinha dicto, que nisto se podia fallar duas vezes. Digo que isto se poderia explicar deste modo, = os officiaes que prenderem arbitrariamente. =
O senhor Moura. - Senhor Presidente, se a ordem he contra a Ley, não só deve executar: mesmo hum Official Militar, se o General lhe mandar que mate o seu Coronel, devello-ha matar por isto? Pois nas mesmas circunstancias se acha hum official civil, que executa huma Ley que não deve executar.
O senhor Castello Branco. - Em hum Governa absoluto, e despotico não se olha a Ley, olha-se unicamente á auctoridade daquelle que he executor da Ley; por consequencia não se póde impor responsabilidade a hum official subalterno nesta ordem de cousas, porque não he rigorosamente obrigado a considerar a Ley, se não ao superior. Os Membros da Commissão devião ser mais liberaes, devião por consequencia inculcar de todas as maneiras nestas bases o respeito á Ley, e perscindir do executor dei-la; tirando a este huma arbitrariedade, que muitas vezes dependia de ter quem a executasse, porque huma vez que elles não tenhão quem a execute, acabou-se o despotismo.
O senhor Borges Carneiro. - A regra geral he sem duvida, que os officiaes particulares devem antes obedecer aos seus superiores do que á Ley; porem esta regra deve ter seguramente excepções, nesta parte estou conforme mas queria eu que começasse este artigo designando a hypothese.
O senhor Alves do Rio. - Eu quizera que tambem o Carcereiro tivesse responsabilidade.
O senhor Rego. - Dever-se-hião declarar os casos em que os officiaes estarião ou não obrigados a obedecer.
O senhor Bispo de Beja. - Eu acho que effectivamente os officiaes inferiores devem ser responsaveis; porque assim como os Ministros do Rey o serão, assim tambem o podem ser os mais officiaes inferiores. Com que deve-se deixar ficar este artigo como está para evitarmos confusões.
O sonhor Ferrão. - A mira parece-me que este artigo está bem lançado, e que assim se deve approvar.
O senhor Monteiro. - Parece-me que isto deve-se practicar assim: assim se faz em Inglaterra, e a Constituição Franceza do anno de 1791, de donde este artigo he extraindo, diz = aquelles que expeção, sollicitem, ou facão executar ordens ai bilra rias, devem ser julgados... Só me parece que se accrescentasse á palavra prisão = arbitraria = porque se não fica arbitrario o mesmo artigo.
Julgou-se bastante discutido o artigo 4 e approvou-se com o additamento do senhor Xavier Monteiro de - prisão arbitraria.
Discutio-se o artigo 7.°, e lendo-o, disse:
O senhor Soares Franco. - Este artigo comprehende duas partes, em quanto á primeira parece-me bem, excepto o que diz = segundo a Ley = A propriedade he hum direito natural, e não civil, que pertence sempre ao Cidadão, e que a Ley não lhe póde tirar, por conseguinte, segundo a Ley, deve tirar-se. Eu conservaria esta expressão, mas dando-lhe toda a extensão, e dizendo = de todos os bens = porque senão parecia que se tirava o exercicio geral da propriedade, que he o que resulta do trabalho da industria, &c.
O senhor Borges Carneiro. - Parece-me que as
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palavras, segundo a Ley, estão no seu lugar, porque ha alguns casos em que as Leys podem oppôr-se á propriedade.
O senhor Baeta. - Effectivamente tirando as palavras, segundo a Ley, parece-me que a idéa está mais conforme.
O senhor Castello Branco. - Estas palavras, segundo a Ley, são para indicar as modificações que he indispensavel haver muitas vezes no uso da propriedade.
O senhor Serpa Machado. - Eu adopto tal qual está o artigo, só com hum pequeno additamento: não acho rasão para considerar o direito da liberdade individual, e não considerar do mesmo modo o da propriedade: assim eu quizera se dissesse, que a propriedade he tambem hum direito sagrado, e inviolavel.
O senhor Fernandes Thomaz. - O direito de propriedade he preciso que seja respeitado, porque a propriedade he a base de todas as sociedades. Todos os que agora escrevem accrescentão a palavra sagrada á propriedade, e por acommodar-se a este costume he que assim se usou neste artigo. Em quanto ao que se diz, que deve ser primeiro indemnizado, he para demonstrar o respeito que deve haver pela propriedade; porque ainda que por hino caso extraordinario se houvessem de vender a hum homem os seus bens, mesmo neste caso não se deveria fazer sem que primeiro tivesse na sua mão o valor daquillo que se lhe vendia. (Apoyado, apoyado)
Approvou-se o artigo, com a só emenda de - todos os seus bens, em lugar de - todos os bens.
Discutio-se o artigo 8.°, e disse:
O senhor Pereira da Sylva. - Parece que só por este artigo está estabelecida a Liberdade da Imprensa. He hum facto incontestavel, que as Leys devem ser claras, e precisas. Parece-me por consequencia que estes artigos se poderião reduzir a muito, menos palavras. Seria talvez desnecessario determinar a Liberdade da Imprensa: por que huma vez que o direito da propriedade he sagrado, e inviolavel, a faculdade de pensar pode usar-se como parte deste direito, e como tal se póde considerar a Liberdade da Imprensa, he verdade que não póde haver Constituição liberal sem Liberdade de Imprensa; mas nós não estamos acostumados a esta Liberdade, para a declarar deste modo: acho ainda que isto se deve fazer o melhor que for possivel fazer-se; mas parece-me que este artigo não he necessario, e que unindo os artigos 8.° e 9.° ficaria entendido da mesma fórma. Em quanto ao paragrapho 10.° vejo que tambem está ligado com o 15.°, que he pelo que pertence a que os Senhores Bispos fossem os que censurassem as materias Religiosas, no qual eu ratou muito conforme; pois que a pureza da nossa Religião, e dos nossos costumes, he o que mais nos importa.
O senhor Isidoro José dos Santos - No artigo 15.º determina-se a Religião, que professa a Nação Portugueza; e sem se discutir este artigo, e saber qual he a sua extensão, e verdadeira intelligencia, não he facil julgar bem, quaes podem ser as utilidades, e quaes os inconvenientes, que resultarão da Liberdade da Imprensa relativamente a escriptos sobre a Moral Evangelica, e sobre o Dogma. Todos os Politicos admittem a necessidade de conciliar as Leys com a Religião dos Povos: ella he evidente no caso de que se trata. Em Inglaterra, cuja Liberdade de Imprensa tanto se applaude, não poderão os erros contra o Dogma, ou confissões de Fé alterar a quietação publica, e causar escandalos; porque a multiplicidade de Seytas, que alli ha, como são Lutheranos, Calvinistas, Presbiterianos, Socinianos, Quakeros, e outros devem ter produzido o Scepticismo, ou o Deismo; (1) porem não acontecerá outro tanto em Portugal, aonde nunca se admittio outra Religião, que a Catholica Romana. E posto que no artigo 10.° parece acautelar-se o mal com a censura posterior, que os Bispos podem, e devem fazer, e com o castigo dos Auctores, que propagarem erros contra o Dogma e Moral Evangelica, a experiencia mostra, que isto não basta. Não foi hum só ou alguns Bispos, mas sim hum Concilio Geral, que condemnou os erros de Arrio; porem elles continuarão a fazer estragos, e espalharão-se por quasi todo o Orbe Catholico. Não foi tambem hum só, ou poucos Bispos, que condemnárão os erros de Luthero, e Calvino: mas elles continuarão depois do Concilio de Trento, e continuão roubando a Igreja Catholica huma grande parte da Europa.
O senhor Bispo de Beja. - Os fundamentos com que pertendo sustentar a necessidade d'huma previa Censura a respeito de todos os Escriptos, ou sejão sobre materias politicas, ou sejão sobre Dogma, e Moral, são os seguintes:
Concedo, que a communicação dos pensamentos, e das opiniões he hum dos direitos naturaes do homem. Estes subsistem na Sociedade Civil, e melhor se desinvolvem, e aperfeiçoão, pois que a Sociedade subministra meios, e conhecimentos de que o homem não gozaria fora da Sociedade Civil, e a força publica mantem a cada hum dos Cidadãos a posse dos seus direitos, e propriedades contra os insultos dos seus Concidadãos, ou estrangeiros. Estes direitos porem originarios, e naturaes do homem estão subjeitos a certas modificações, e restricções postas pelas Leys Civis, os quaes não tendem a diminuir a liberdade do Cidadão, mas sim a dirigir e regular as suas faculdades, a fim de fazer dellas hum justo, e legitimo uso, para consegjir a huma perfeição e promover o bem, e felicidade dos outros Concidadãos.
(1) Este era o juiso que fazia Bossuet na Oração funebre da Rainha de Inglaterra, com a differença que eu disse Deismo, e elle disse mais porque disse Atheismo.
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Sobre este principio são fundadas muitas providencias, e precauções estabelecidas pelas Leys para obviar alguns damnos, e inconvenientes, que podem proceder do máo uso, que o Cidadão póde fazer dos seus naturaes direitsos. A esta classe, v. g. Devemos referir a Ley, que prohibe a indistincta venda do veneno. Como deste se póde fazer bom, e máo uso; por isso a Ley procura com huma procedente restricção impedir os nocivos effeitos, que podem resultar do direito natural, que cada hum tem de procurar aquellas cousas que lhe são uteis.
O Cidadão pede tambem abusar do natural direito que tem de communicar os seus pensamentos; logo nenhuma injuria se lhe faz em subordinar este direito á certas modificações; Além disso as bases da Constituição não concedem huma liberdade illimitada de communicar cada hum os seus pensamentos, e opiniões; pois segundo o Artigo 9, e 10, os Auctores de opiniões, que pertubão a ordem publica; ou atacão a Religião, ficão responsaveis pelo abuso que fizerem desta preciosa liberdade devendo ser em consequencia accusados, processados, e punidos na fórma que as Leys estabelecem: ora pede a prudencia legislatoria precaver antes os delidos, do que esperar que se commettão para serem punidos. He verdade que os Censores podem abusar da auctoridade que lhes for confiada, impedindo muitas vezes a publicação de Escriptos, que contém huma doutrina san, e maximas utilissimas, por senão ajustarem com o seu modo de pensar, ou por alguns motivos particulares. Porem este mesmo inconveniente se encontra nos Juizes, que segundo a Constituição tem auctoridade para conhecer dos Auctores, que forem accusados de ensinarem doutrinas perniciosas. Póde mui facilmente acontecer, que elles tambem procedão iniquamente, punindo alguns Auctores, que não infringirão a Constituição.
Accresce, que o damno que os occultos delictos causão á Sociedade, em regra, não offendem senão algumas certas e determinadas pessoas; porem o veneno que derrama hum Escripto pernicioso inficiona o animo de infinitas pessoas, e não só as existentes, mas ainda as que se hão de seguir á geração presente.
Concluo, que as Cortes designarão as pessoas que devem previamente censurar os Escriptos, dando-lhes hum Regimento, que exactamente fixe os seus poderes, ficando responsaveis se impedirem a publicação d'algum Escripto, que não contenha doutrina pela qual segundo as bases da Constituição devem ser punidos os Auctores, que as publicarem nos seus Escriptos.
O senhor Castello Branco. - A materia que contem os paragraphos 8.°, 9.°, e 10.° em que os illustres Preopinantes tem feito ver diversos pareceres, póde dividir-se em duas classes; huma he relativa á manutenção dos direitos essenciaes do homem, direitos que nascem da sua natureza, e que por consequencia são inseparaveis delle: a outra são os meios porque se devem manter, e conservar estes direitos. Em quanto á sustentação dos direitos do homem, ninguem duvida que elle tem liberdade de expressar seus pensamentos, porque isto entra na propriedade em geral: por tanto devemos ser coherentes. Se acabamos de estabelecer a liberdade, segurança, e propriedade dos bens, como queremos separar das regras geraes huma especie particular destes direitos? A boa rasão pede que nos limitemos a esta regra. Eu posso obrar sem que precise primeiro huma licença para as minhas operações. Eu quando quero executar acções que dizem respeito aos meus direitos individuaes, não tenho precisão de hir pedir conselhos a hum Magistrado do que tenho, ou não tenho de fazer. As minhas acções ficão só subjeitas á responsabilidades, depois de as ter executado. Ora, se ei sou livre nesta parte pelo que respeita ás minhas acções; porque não o poderei ser pelo que diz relação no meu pensamento? Sem isso o homem não se differençaria dos brutos. Por consequencia a propriedade que eu tenho do meu pensamento, e a liberdade de usar delle em toda a sua plenitude, hade entrar por força nas regras estabelecidas pelas leys geraes da propriedade; quando não seriamos inconsequentes. Nesta parte legislamos como politicos, devemos abstrahir-nos da Religião. Nós tratamos de estabelecer o livre exercicio dos direitos do Cidadão, que he homem, e Cidadão antes de ser Religioso; e assim devemos abstrahir-nos da Religião. He verade que deve haver excepções. Huma vez que eu faço communs as regras, devo tambem fazer communs as excepções. Há casos em que tendo inteira liberade de meus bens, não posso entre tanto ser delles livremente, cuja doutrina póde ser applucavel do mesmo modo aos meus pensamentos; posto que há casos em que esta liberdade prejudicaria a Sociedade, não a devendo prejudicar; mas eu sujeito-me, manifestando os meus pensamentos, á responsabilidade que para estes casos as leys estabelecem. Estas são as regras geraes sobre o ponto 1.° Vamos agora peio que respeita á Religião. Huma Religião que tem por Fundador hum Deos, que depende da minha convicção intima, e recebe toda a sua força desta mesma convicção, como poderá ser sustentada por outra força coactiva? pelo contrario Deos declara, que nada fez com a força coactiva: por consequencia, como nos havemos de separar da Ley Suprema do Universal Legislador, e da natureza da Religião? e que quer dizer Censura previa, se não isto; isto he obrigar-me a não poder manifestar qual he a minha convicção intima. Que importa que a força me constranja a mostrar-me apparentemente religioso, se eu não o sou na minha consciencia? Disse-se que o veneno poderia espalhar-se, inverter a ordem da sociedade? e converter os outros fazendo-os sequazes do Erro: isto seria se contra elle se procedesse despoticamente; mas quando eu vejo que quem prega as virtudes as acompanha com o exemplo, abandono o erro, e sigo o exemplo. Os homens que podião ser
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contagiados pelo veneno neste caso, serião mais bem convencidos pela força da rasão. Em consequencia disto o meu voto he, que não deve haver Censura previa era nenhum caso, porque isto seria contra a propriedade individual, e inconsequencia em nossos principios.
O senhor Borges Carneiro. - Tem-se dicto que he superfluo o artigo da Liberdade da Imprensa, e eu não o considero assim. Elle estabelece a liberdade de manifestar suas opiniões fallando, ou escrevendo; por conseguinte não o julgo superfluo. Deveremos para manifestar os nossos pensamentos ter primeiro que pedir licença? Isto he contra a natureza humana. Donde tem vindo todos os males da Sociedade senão deste abuso? Quando cada hum tenha a liberdade de mostrar seus pensamentos, a opinião publica será rectificada, e esta mesma liberdade será contra a superstição, e fanatismo. Se puzermos de huma parte todos os males, as guerras, as pestes, etc., que tem affligido a humanidade, e de outra os que nos tem feito a superstição, estes pesarião ainda mais que os outros. A Religião nos faz todos os bens como Filha de Deos, e a superstição nos faz todos os males, que não nos poderia causar, se tivessemos tido a Liberdade da Imprensa; por não a termos tido nos achamos na ignorancia em que nos vemos, Esses indices expurgatorios, essas Leys que nos subjeitárão ás Inquisições, e aos Ecclesiasticos, não nos permittião nem sequer ler aquelles livros que nos podião illuminar em algumas materias. Debaixo do pretexto da Religião, nem as doutrinas de Heinec o deixavão circular: em cada differente paiz erão differentes as prohibições: se se hia por exemplo, á Italia dizião, que aquelles livros em que se tratava de corrigir os abusos dos Aulicos de Roma erão contra o Dogma, e contra a Moral; abusando assim destas palavras, e da faculdade de julgar que tinhão, por não existir a Liberdade da Imprensa. Ha cousa mais barbara que a de não poder imprimir nem publicar obra alguma sem que désse a licença o Desembargo do Paço, e depois o Santo Officio, quando cada hum delles podia ter os seus interesses particulares, e as suas opiniões, contra as quaes nada acharião bom? He necessario destruir estes abusos, e estabelecer a Liberdade da Imprensa; pois sem ella não he compativel a existencia de huma Monarchia Constitucional.
O senhor Fernandes Thomaz. - Isto he de muita importancia, senhor Presidente, portanto eu requeiro, que V. Exa. queira propôr á Assemblea, que fique a discussão para amanhan porque hoje se tem trabalhado muito, o negocio he muito serio, e deve-se tratar com muita circunspecção.
Effectivamente se concordou em que na Sessão seguiu e continuasse a discussão deste artigo.
Levantou o senhor Presidente a Sessão á huma hora da tarde. - João Baptista Felgueiras, Secretario.
Errata.
No Diario N.º 10, pag. 63, o discurso, attribuido ao senhor Fernandes Thomaz, pertence ao senhor Xavier Monteiro.
No Diario N.º 12, pag. 76, a escusa, attribuida ao senhor Xavier Monteiro, foi dada pelo senhor Luiz Monteiro.
LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.