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alheio; porém nos mais importantes o faziam conjunctamente com os chamados ricos homens. Estas leis eram consignadas nos foraes dados ás terras pelos Monarchas, ou pelos grandes senhores. As leis geraes começaram a apparecer no tempo de Affonso 2.°; entrou depois a influir o direito canonico no nosso foro, principiaram as leis hespanholas, chamadas das Partidas, a trazerem tambem o direito romano, e entrando a complicar-se o foro, no tempo de D. Manoel começam a apparecer os juizes de fóra. Entre tanto ha a notar, que já nos tempos do dominio dos juizes ordinarios se padeciam os abusos, que ultimamente, e mesmo nos nossos tempos, tanta força tiveram nestas eleições, feitas pelos póvos desta especie de juizes, e era a influencia das pessoas poderosas nestas mesmas eleições. E' facil acharem-se na antiga historia providencias para evitar estes abusos, eu as tenho lido, a bem me lembro, que quando em 1380 se deu por um corregedor mandado pelo Sr. D, João 1.º o foral a S. Martinho de Mouros, faz-se menção deste abnro como geral, e alli se põe nm artigo = que todo o filho d'algo (fidalgo), que apparecer na eleição do juiz pagasse uma condemnação de 500 soldos, e fôsse lançado fóra do logar, aonde se fazia a eleição. Foram generalisando-se estes abusos, e os povos requerendo aos Monarchas contra os juizes ordinarios, e elles foram desapparecendo, e ficando como ultimamente era sabido. Se os povos não vissem, que aquella instituição deixava de produzir aquelles beneficos effeitos, que costumava, e d'ella se esperava, e hia degenerando, ainda não haveria senão juizes desta cathegoria. Depois destes fados tornam a vir os juizes ordinarios, e quando as leis fé tem muito complicado, quando a legislação é um cáhos, bem pouco espero eu desta nova fórma de julgar; mas veremos o que sahe das mãos da esperencia.

Mas deixemos este episodio, que nos interrompeu, vamos a vêr a legislação moderna a respeito dos escrivães privativos dos provedores, hoje administradores de Concelho. Pelo artigo 64 do decreto n.° 23 de 16 de Maio, primeira determinação nesta materia, nenhum escrivães privativos tinham, e foi reforçado pela portaria de 20 de Julho de 1834. Com tudo esta mesma portaria já dá a entender, que alguns o poderão ter. - Vem o decreto de 18 de Julho de 1835, e diz, que nas Cidades, e Villas de 10$ habitantes os fies provedores os possam ter, V o artigo 56 - Finalmente apparece o artigo 118 do decreto de 31 de Dezembro de 1836, e diz, que o tenham todos os hoje administradores de Concelho, de maneira que uma lei disse, nenhuns tenham, outra disse, pode ser que alguns tenham, outra disse positivamente, tenham taes, e taes administradores, e outra disse, tenham todos isto é, legislou-se uma opinião, a contraria, e a média!!!

A respeito do lançamento da decima, ha uma lei que exclue delle os louvados, ha outra, que admitte os louvados; ha uma lei que manda fazer visita aos predios, ha outra que não manda fazer visita aos predios.

Vamos aos negocios do Ultramar, o decreto de 28 de Junho de 1834 manda, que sejam recorridos os negocios do Ultramar por todas as secretarias, a lei de 25 d'Abril, que se reunam todos a uma só secretaria, mas não diz qual; e o decreto de 2 de Maio de 1835 ordena, que fiquem pertencendo á secretaria da marinha.

Passemos a outra cousa, que é bem importante para as provincias, e ainda se não sabe como ha de ser regulada, e é, em que cofre devem ser arrecadados os rendimentos propriamente municipaes, apesar de haver sobre esta materia tres regulações differentes, e oppnstas. Diz o decreto n.° 22 de Maio: esses rendimentos entrem nos cofres das recebedorias geraes. Terrivel opposição da parte das Camaras contra esta injusta disposição. Pois não entrem lá, diz a portaria de 15 de Julho de 1835. Apparece ultimamente o decreto de 31 de Dezembro de 1836, e diz, pois entrem, ou não entrem, conforme quizerem. Ora bem, estam todos contentes «entrem não entrem» entrem, ou não entrem, conforme quizerem (Risadas).

A legislação a respeito dos pobres Egressos: que confusão que incertesa, que vacilação!! E' quanto se tem legislado sobre esta materia um cáhos sempiterno umas determinações confundem as outras, sempre diversas, e pela maxima parte contradictonas, e no fim de tudo, ei-los ahi rotos; cheios de fome, e a pedir esmola.

E que direi dos Parochos? O mesmo que dos Egressos. Esta respeitavel classe depois de mil incertesa, esperanças, desesperações, vem finalmente a receber a sua irregular subsistencia dos povos, como com effeito deve ser; mas elles pela maior parte em demandas com os freguezes.

Muito paciente, muito paciente, Sr Presidente, é o povo portuguez! Soffre tudo isto, e muito mais, que eu nem posso, nem quero recordar. Eis-aqui uma ligeira vista sobre a minima parte das leis, que tem sido feitas dentro de quatro annos, e então admira-se alguem, que eu diga, que estamos em completa anarchia de legislação? Eu não a posso vêr maior.

Eu poderia mostrar à priori, como tencionava ao principio a illegalidade destas leis da dictadura, tirando as minhas provas da essencia dos governos representativos, mas para que faze-lo depois de tantos, e tão sabios Oradores haverem esgotado esta materia. Bastante tenho abusado, e muito grato me reconheço á não merecida attenção de tantos sabios, para por mais tempo os fatigar. Resta-me só dizer: mas que juizo fórmo eu a respeito deste parecer da illustre Commissão de legislação? Devem as leis da dictadura ser postas em execução, ou não? Como votarei? Sr. Presidente, tenho feito as reflexões, que a paciencia desta Assembléa se dignou escutar, tenho ouvido com infinita attenção toda a discussão, e não posso dizer tomo votarei. Espero para ver se posso sobre isto formar opinião, e decidir-me, espero torno a dizer, que ultimem seus discursos tantos Srs. que tem ainda a palavra; por ora, confesso não sei como heide votar.

O Sr. Presidente: - Já deu a hora, a ordem do dia da sessão seguinte, é a continuação da mesma materia, está levantada a sessão. - Eram 4 horas e um quarto.

SESSÃO DE 10 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão pelas onze horas da manhã, estando presentes cento e quatro Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia.

1.° Um officio do Ministerio dos negocios da fazenda, remettendo um requerimento de D. Marianna Rita da Silva Pinto, pedindo o competente titulo de pensão annual, sem pagamento dos respectivos direitos, para que as Côrtes deliberem sobre tal pertenção. Foi remettido á Commissão de fazenda.

2 ° Outro do Ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo para ser submettido á consideração do poder legislativo os documentos, que instruem o requerimento de Duarte Joyce, em que pede satisfação das promessas, que o Governo lhe fizera relativas ao augmento do seu ordenado. Foi remettido á Commissão diplomatica.

Tiveram segunda leitura os seguintes requerimentos:

1.° Do Sr Valentim = Requeiro, que se nomeie uma Commissão especial para apresentar um projecto de lei de responsabilidade de mineiros. Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Agora resta saber o numero de mem-

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bros, que hão de compor esta Commissão; eu vou propor se ha de ser de cinco membros.

Propoz, e foi approvado.

Agora é preciso saber se ha de ser nomeada pela mesa.

Propoz se havia de ser pela mesa, e foi approvado.

2.° Do Sr. Sá Nogueira = Proponho que os requerimentos dos Srs. Deputados, que não tiverem por fim pedir esclarecimentos, ou que não versarem sobre objectos de administração interna da Camara, sejam mandados as respectivas Commissões, e impressos antes de serem admittidos á discussão.

O Sr. Macario de Castro: - E' um objecto do regimento, peço que vá á Commissão do regimento, para que ella dê um parecer definitivo sobre esse objecto, é não Vamos a tomar uma deliberação rápida sobre um papel, que está sobre a mesa.

O Sr. Sá Nogueira: - Eu conformo-me inteiramente com o illustre orador, que me precedeu; o objecto deste requerimento é evitar, que a discussão dos requerimentos dos Srs. Deputados, nos roube muito tempo inutilmente, como ainda ha dous dias succedeu; ás vezes apresentam-se requerimentos, que são verdadeiramente projectos de lei, e gasta-se tempo n'uma discussão inutilmente, por tanto eu concordo, como já disse, com o Sr. Deputado, para que vá á Commissão do regimento interno, para que ella nos apresente o seu parecer sobre elle.

O Sr. Presidente: - Os Srs. que são d'opinião, que o requerimento do Sr. Sá Nogueira vá á Commissão do regimento, para que ella dá o seu parecer, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

3.º Do Sr. Macario = Requeiro que a Commissão de fazenda seja convenientemente augmentada, e se divida em duas secções; a primeira, que trate do orçamento, e a segunda, que se empregue na correspondencia ordinaria, e no objecto da revisão de pautas.

Posto á votação, foi approvado.

O Sr. Macario de Castro: - Eu peço, que as duas secções, Sr. Presidente, sejam nomeadas pela mesa, e assim estabelecidas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - Eu proponho, e mandarei um requerimento para isso, se for necessario, que de cada uma das Commissões existentes na Camara, se reuna um membro a cada uma das duas secções; porque me parece, que os membros da Commissão de fazenda só por si, difficilmente, ou com muito custo, poderão dar conta dos trabalhos de que estão encarregados.

Mandou para a mesa um requerimento neste sentido.

O Sr. Costa Cabral: - Parece-me que para a Commissão de fazenda se dividir em duas secções, não ha necessidade de resolução deste Congresso; a Commissão de fazenda assim o pede fazer, se assim o entender; isto mesmo aconteceu já na Commissão de legislação, e para tal não foi necessaria resolução alguma do Congresso.

O Sr. Presidente: - O requerimento, que acabou de ser approvado pelo Congros o, é. primeiro paia que se augmente a Commissão de fazenda, e depois para que se divida em duas secções; uma para tratar do orçamento, e outra para se encarregar dos objectos do expediente: ora approvado o requerimento do Sr. Macario de Castro, segue-se sem dúvida, que a Commissão ha de ser augmentada; agora o que nesta, é o modo, porque ella se ha de augmentar. O Sr. Macario de Castro propor, que fosse augmentada pela mesa, e o Sr. Barão da Ribeira de Sabroza propõe, que um membro de cada uma das outras, Commissões, se reuna á Commissão de fazenda.

O Sr. Macario de Castro: - Sr. Presidente o meu nobre amigo, o Sr. Barão da Ribeira de Sabroza reconhece, que as Commissões muito numerosas não são aquellas, que trabalham mais (apoiado), principalmente quando esses trabalhos dependem de cifras, e de calculos, que não podem ser feitos senão por uma só pessoa, por consequencia o augmentar-se a Commissão do fazenda com um membro de todas as outras Commissões, estou persuadido, que isso não só não augmentaria, nem facilitaria os trabalhos, mas ouso dizer, que os havia de paralisar ora o augmenta-la pelo outro modo é muito facil porque ha muitos membros nesta Camara, que podem ajudar a Commissão de fazenda com as suas luzes, e que não estão unidos a Commissão alguma, por isso que elles tomaram assento neste Congresso muito mais tarde, quando as Commissões já estavam nomeadas; alguns destes Srs. tem conhecimentos especiaes sobre esta materia, e julgo que seria conveniente aproveita-los.

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente eu não estava ao facto de que a Camara já tinha votado sobre o requerimento do Sr. Macario de Castro, porque se eu o soubesse, de certo o não impugnaria, agora pelo que diz respeito ao augmento da Commissão de fazenda, o Congresso no principio decidiu, que as Commissões só tivessem sete membros «visto que faltavam muitos Srs. Deputados, cujos conhecimentos se tornavam necessarios nas Commissões, o Congresso teve logo em vista o mesmo augmento; quanto a este por tanto não ha dúvida; mas parece muito proprio, e seria mais conveniente, que fôsse por proposta da mesma Commissão de fazenda, por tanto parece-me, que a Commissão de fazenda é quem deve requerer os Srs. Deputados, que lhe forem necessarios.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - O meu requerimento é muito simples: o meu desejo é, que se augmente a Commissão de fazenda: o modo desse augmento é para n'um indifferente; mas esse augmento é, no meu entender, absolutamente necessario.

O Sr. Presidente: - Já está approvado, que se augmente; agora é o modo de se augmentar: o Sr. Macario propoz, que esse augmento fosse feito pela mesa, eu assento, que a mesa não póde proceder sobre isso, porque primeiramente eu não sei quantos são os membros, que actualmente tem a Commissão de fazenda; e é preciso saber-se, quantos tem, e quantos devem haver: em segundo logar esta Commissão, creio eu, que exige conhecimentos especiaes, e aptidão de seus membros, e por isso não creio, que seja a mesa, quem melhor os póde indicar, e que isso deve ficar á Commissão, ou ao Congresso. Eu não sei, quantos membros ha hoje na Commissão de fazenda; ella foi originariamente composta de sete, mas depois...

O Sr. Barão da Ribeira de Sabroza: - Eu creio, que ella tem dez membros, mas uma parte delles está occupada n'outras Commissões, e por isso não se podem sempre reunir todos. Agora quanto ao modo de se augmentar, não me parece que haja inconveniente nenhum, em que o seja pela mesa; ella certamente conhece aquelles Srs. Deputados, que tem conhecimentos especiaes necessarios; porque eu reconheço, que para a Commissão de fazenda são necessarios conhecimentos; especiaes. Attendamos a isto. E então temos alli o Sr. Rebello de Carvalho, o Sr. Moniz, o Sr. João Victorino, etc.; e será muito conveniente aproveitar os seus conhecimentos.

O Sr. Franzini: - Uma vez que se trata de augmentar os membros da Commissão de fazenda, não deixarei de lembrar o Sr. João Victorino (apoiado); que já em 20 fez parte da Commissão de fazenda.

O Sr. Moniz: - E' simplesmente para agradecer a honra, que me fez o Sr. barão da ribeira de Sabrosa é verdade que estou em uma só Commissão, que é a do ultramar; mas essa tem bastante que lazer; e além d'isso, como ha só dous Deputados pela Madeira, estamos encarregados de todos os negócios d'aquella provincia, com tudo eu não me poupo a trabalhos, com que as minhas forças possam; mas confesso que relativamente ao ramo de fazenda são muito limitados.

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O Sr. Presidente. - Todos confessam, que para a Commissão de fazenda são precisos conhecimentos especiaes; e então ninguem póde conhecer melhor d'estes conhecimentos, do que o Congresso: não sei para que se ha de encarregar a mesa d'uma cousa, de que não poderá sair bem: eu vou propôr primeiro qual ha de ser o numero de membros, que ha de compor a Commissão de fazenda; o numero total, se ella ha de ser dividida em duas secções, e então talvez convenha ser composta de 12 membros; (vozes 10) propoz que fôsse de 10; e foi approvado.

Propoz se havia de ser ou não por escrutinio - venceu-se que não fôsse por escrutinio - a que a mesa os nomeasse. Propoz depois se a divisão das secções havia de ser feita pela Commissão de fazenda, e foi approvado.

Continuam as seguintes leituras.

4.° Do José Victorino Freire: - Requeiro que se peçam ao Governo esclarecimentos sobre quaes districtos administrativos se acham instauradas as commissões dos egressos; quaes os motivos que tem obstado á sua instauração nos outros districtos, e quaes as vantagens que de taes Commissões podem resultar á fazenda publica. Foi approvado sem discussão.

5.° Requeiro que se lembre ao Governo, que torne effectivo o alistamento da guarda nacional em todos os novos concelhos indistinctamente, responsabilisando os administradores geraes pela inteira execução desta medida, continuando todavia a usar da faculdade de armar unicamente aquel-les, que merecerem a confiança publica. - José Victorino Freire - Silva Pereira.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Sr. Presidente, este trabalho de alistamento geral da guarda nacional, é necessario dizer-se, e dizer-se com franqueza, pedindo a honra de ser acreditado, este alistamento nas capitães de Lisboa, e do Porto, e mesmo nas grandes villas, póde fazer-se; porque n'essas villas, ou cidades, ha um certo número de homens promptos, e desejosos de pegar em armas, e a quem o Governo póde com segurança entrega-las; mas pelo amor da Deos, não nos illudâmos; isto não é geral, isto não conveniente em todas as villas, e pequenas povoações; ha já muita gente alistada na guarda nacional, e batalhões fixos, moveis, etc., Sr. Presidente, que não deveria ter armas (Apoiado, apoiado.)

Sr. Presidente, como a minha authoridade é muito pequena, e eu tenho mui pouco medo de me comprometter, quando cumpro o meu dever, direi, para abonar o que exponho, que em Brangança o provedor, que alli existia em 1834, alistou todos os homens capazes de pegar em armas, e depois conheceu-se alli, que teria sido melhor não alistar sem fazer algumas sellecção. Alista-los foi imprudencia; despedi-los agora seria um labéo. Por tanto desejo, que essa requerimento não vá para-o Governo, sem hir acompanhado destas reflexões. Porque o alistamento deve ser feito com muita prudencia, embora fiquem fóra do serviço algumas pessoas, que seriam mui aptas, se não obstassem circumstancias especiaes.

O Sr. Rebello de Carvalho: - E' justamente para apoiar, o que acaba de dizer o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que eu pedi a palavra. Depois da publicação da lei sobre a guarda nacional, o Governo tem expedido ordens repetidas vezes ás authoridades administrativas para lhe darem cumprimento, e procederem á organisação da mesma guarda. As authoridades tem-se empregado (ao menos em geral) com zelo e desvelo sôbre tão importante objecto; entretanto a guarda nacional não se tem formado em muitos conselhos, e uma das principaes causas é, por que em alguns o espirito dos povos é tão máo, que do seu armamento poderão resultar grandes males á ordem e tranquilidade pública; e eu estou persuadido, que convém continuar a seguir este systema. Eu não me opponho ao requerimento do Sr. Deputado em geral; mas opponho-me á palavra, indistinctamente.

O Sr. Silva Pereira: - Sr. Presidente, V. Exa. faz favor de mandar lêr o requerimento alto, e em bom som. (leu-se.) Só se mandam armar aquelles, a quem as authoridades acharem conveniente metter as armas nas mãos; é impossivel, que em todos os concelhos de Portugal deixe de haver, uma duzia, ou duas de certos homens patriotas. - O Sr. Barão da Ribeira da Sabrosa é administrador de um districto; elle póde decerto ter armas na sua mão, póde confia-las aos seus subalternos; os juizes direito, os escrivães, os escreventes, podem ter armas etc.; em toda a parte ha gente, e é esta a que eu quero, que se obrigue a armar-se para repelir os nossos inimigos, quanto aos outros de menos confiança não se dêem as armas, mas façam o serviço que se lhe poder exigir sem ellas, por que não hão-de ser só os patriotas, que hão-de carregar com elle; por tanto concluo que os patriotas tenham armas, e que os outros estejam alistados, e que façam outro serviço; quando assim me expresso, julgo, que se póde entender, que a doutrina do requerimento não comprehendia os inimigos conhecidos das instituições liberaes.

O Sr. Freire Cardorso: - O Sr. Silva Pereira previniu-me em parte do que eu tinha a dizer; mas ainda ha outras razões particulares: a guarda nacional acha-se estabelecida o mais irregularmente que é possivel, em consequencia das novas divisões dos concelhos; por que ha concelhos, em que umas freguezias tem guarda, e outras não a tem; isto obsta á organização diffinitiva dos mesmos conselhos. Os Srs. Deputados assustaram-se com a grande afluencia de requerimentos, que aqui tem vindo sobre reclamações, e a respeito da divisão dos concelhos; e eu sei que este tem sido o principal motivo, porque muitas freguezias pertendem desannexar-se de certos concelhos, a que foram reunidas, só para se escaparem a servir na guarda nacional; por consequencia o que eu pedia, era que o alistamento se regulasse em toda a extenção dos novos concelhos; mas não peço que indistinctamente sedestribuam armas aquelles, que não merecem a confiança pública: entre tanto avista do que se tem dito , eu não duvido em retirar o meu requerimento. Mas note-se bem, que muitas freguezias não se querem unir aos novos concelhos, e não tem outro motivo, senão porque não querem ser guardas nacionaes.

O Sr. Barjona: - Se o requerimento de que se tracta, é o que me pareceu, votaria que elle por ora não fosse remettido ao Governo: é isto na verdade, um objecto sobre que, em as nossas especiaes circumstancias, toda a prudencia é pouca.

Todos nós sabemos, que uma consideravel maioria da Nação Portugueza é verdadeiramente constitucional; que as terras grandes o são com excepções rarissimas; que por exemplo a terra do Sr. Freire Cardozo, a do Sr. Silva Pereira, esta capital, o Porto, aterra do meu nascimento etc. etc. etc. possuem apenas alguns poucos individuos inclinados ao absolutismo; mas é tambem certo, que existem algumas povoações pequenas em o Minho, e Trás os Montes, principalmente as que se acham isoladas, ou com poucas communicações com o resto do paiz, cuja maioria é desgraçadamente por ignorancia inclinada ao absolutismo. E' verdade, que iodas ellas hoje desejam socego, primeiro que tudo; entretanto não seria prudente confiar-lhe armas por ora (apoiado, apoiado).

Em segundo logar: em diversas povoações, decedidamente constitucionaes, existem algumas authoridades que o não são, e isto por causas, que nos não devem ser desconhecidas: e bem se vê, que não deveriamos armar povoações, cuja direcção pertencesse a taes individuos, (apoiado.)

Em terceiro logar, finalmente: o armar dez ou doze pessoas n'uma pequena villa, não vale a pena d'estabelecer uma rivalidade perigosa entre os cidadãos della. (apoiado.)

Agora para comprovar os meus principios theoricos, trarei á lembrança dos membros deste Congresso, o que succe-

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deo em França no anno de 1830. Logo depois da revolução de Julho julgou o Governo, que devia armar em Guardas Nacionaes a todos os franceses, que se achassem nas circumstancias da lei, e assim se praticou e que aconteceo depois? Muitos illustres Deputados o sabem, e eu direi sómente que o Governo se vio obrigado em pouco tempo a mandar dissolver a Guarda Nacional em varias villas, depois até em terras consideraveis, e até districtos e seremos nós mais constitucionaes que os francezes de 1830, apesar de o sermos muito? Sr. Presidente, procedamos com prudencia, e perdoem-me os Srs. Deputados authores do requerimento, eu não insistiria mais nelle.

O Sr. Silva Pereira- - Esta questão vai tomando um vôo, que eu em politica entendo, que não convém; e á vista disto, eu, e o Sr. Freire Cardozo, que assignámos o requerimento, assentamos em o retirar, se o Congresso o consentir. Os Srs. Ministros estão presentes, elles tem ouvido o que se tem dito, e espero que elles reiterarão as suas recommendações ás authoridades, para que hajam de armar os cidadãos patriotas.

O Sr. Presidente propoz ao Congresso se consentia em que fosse retirado o requerimento, e assim se venceu.

O Sr. Almeida Garrett: - Desejo ractificar um facto - Eu conheço bem os sentimentos dos illustres oradores, mas fóra da camara ha muita gente interessada em transtornar o que aqui se diz, por esta razão quero tomar sobre mim a liberdade de ser interprete da opinião do Congresso. - Eu não creio, que em parte alguma do paiz, em terra nenhuma deste reino, haja maiorias oppostas ás liberdades, o que é verdade, e que em algumas partes do paiz ha gente influente, e que póde arrastar os outros, a qual não ama a liberdade; mas não é isto o que se ha de dizer lá por fóra, que nós dissemos hão de dizer ao povo. Olhai que os Representantes da Nação vos estão chamando miguelistas, e inimigos da liberdade! Nenhum dos Srs. Deputados quiz dizer similhante cousa, ninguem o pensa nem fóra, nem dentro desta camara, mas os inimigos hão de dizê-lo todos sabem, reflectindo um pouco, que não ha povo, que não queira ser feliz, e que por isso os povos são amigos da liberdade. - Eis aqui a explicação que eu queria dar, que sei que estas mesmas palavras hão de ser convertidas á manhã em lingua de paridos, unica que hoje se escreve nesta nossa triste terra. Mas nem por isso hei de deixar de dizer aqui a verdade, e de protestar pela honra da Nação, todas as vezes que o Congresso mo permitta.

O Sr. Costa Cabral: - Perdoe me o Sr. Deputado, mas as explicações, que acabou de dar, terão muito peior resultado, do que aquillo que antes se tinha dito, e eu pedia a V. Exca. que não consentisse mais explicações a este respeito.

Continuaram as segundas leituras.

6.° Do Sr. José Victorino Freire: - Requeiro que se recommende ao Governo, que mande immediatamente reorganisar o batalhão da Guarda Nacional de Lamego, conservando todavia no batalhão provisorio os individuos que nelle se acham, posto que hajam de pertencer á Guarda Nacional.

O Sr. Freire Cardoso: - Não posso deixar de dizer alguma cousa sobre esse meu requerimento, visto que a Guarda Nacional de Lamego foi mandada dissolver pela actual administrarão. O caracter ostensivo da Guarda Nacional de Lamego pareceu menos favorável á revolução de 9 de Setembro. Como naquella época a manutenção da tranquilidade publica reclamasse o sou apoio, como por toda aparte o reclamou, e em toda aparte o obteve desta milicia cidadã, entregaram se aos commandantes das companhias alguns armamentos, para serem distribuidos por aquelles soldados que merecessem a confiança, mas os officiaes não acharam braços, nem tiveram força bastante para fazer acceitar esses armamentos, e a Guarda Nacional foi mandada dissolver, e o devia ser, porque em momentos de crise é mister celeridade de acção, e não pausada investigação. Sopponho que o digno chefe daquelle corpo se achava ausente da cidade, e póde ser que elle tivesse obtido, o que não obtiveram os officiaes. Eu não sei com tudo sobre quem deverá recahir a imputação, se é sobre os officiaes, se é sobre os soldados: não sei; talvez sobre uns e outros. Na classe dos soldados havia negociantes, proprietarios, e homens ricos, a quem muito importava a segurança pública, e então como poderei eu acreditar, que estes homens, levados unicamente pelo prestigio de sympathias politicas, ou por insinuações sinistras, fôssem indiferentes as terrivel!! consequencias que poderiam resultar de sua impossibilidade? A origem do mal vinha de longe aquelle corpo era composto de elementos heterogeneos entre as fileiras, compostas de proprietarios, e negociante, achava-se misturada agente mais despresivel, tirada da excrecencia da população, que em todas as partes é má, e péssima, naquella parte da Beira. Aquelle corpo não era pois compacto, mas divergente, é destituido da confiança reciproca e individual que devia caracteriza-lo; estava mal organisado. Isto provinha talvez do pouco escrupulo com que a Camara procedeu ao primeiro alistamento da Guarda Nacional. A má interpretação que a Camara deu a lei, e a influencia que deu a grande numero de pessoas, que pertendiam ser officiaes, produziram estas anomalias na formação da Guarda. Quem por tanto pertendia ser capitão, fazia alistar no seu bairro, ou na sua freguezia, tantos homens quantos eram necessarios para compôrem a sua companhia. O primeiro alistamento subio a 1200, ou 1300 praças, mas depois, em consequencia das ordens do Governo, ficou reduzido a 900 homens! Ora todos os homens que forem de boa fé, e tiverem conhecimentos das circumstancias peculiares daquelle concelho, hão de confessar que alli póde organisar-se um optimo corpo de Guarda Nacional; mas é preciso que este corpo não exceda, quando muito, a 400 praças; mas 1200, ou ainda 900, era impossivel! Sr Presidente, eu confio minto no caracter, probidade, sisudeza, e patriotismo dos actuaes membros daquella Camara, e estou persuadido que elles hão de proceder ao novo alistamento com todo o escrupulo, e sempre em conformidade com as leis, e differentes determinações do Governo, e então eu só peço, que se faça justiça áquella cidade, não fazendo recahir sobre os administrados o que só foi erro dos administradores; - eu digo erro, porque estou persuadido, que a Camara obrou mal, mas de boa fé Peço igualmente, que se conservem por ora, e que não sejam chamados para a Guarda Nacional aquelles cidadãos que se acham alistados no batalhão fixo da cidade. Este batalhão apenas tem 130, ou 140 praças, mas tem feito grandes serviços, e está fazendo actualmente, segundo creio. Além disto aquella cidade tem se prescindido de não ter em si uma força militar correspondente á sua riqueza, e população, de cuja falta poderiam ter resultado grandissimos inconvenientes, minto especialmente em Setembro passado, se não fôssem as providencias tomadas pelo illustre Deputado, que se assenta ao meu lado, o Sr. Macario de Castro, supprindo com sua força moral a falta da força material. Deos que sabe o que teria acontecido!

Concluo por tanto. St Presidente, dizendo que insisto pelo meu requerimento, o qual sustento attentas as razões expostas.

O Sr. Leonel: - Eu peço aos meus collegas, que tomem em consideração, quaes são as funcções do Corpo Legislativo, e se lembrem, que a nós não nos pertence administrar, reparando que a materia do requerimento, que está sobre a mesa, é puramente administrativa, nem podé admittir-se que o Congresso Legislativo se metta em negocios, que são meramente administrativos. - Sr. Presidente, se os differentes poderes do estado se ingerirem uns nas attribuições dos outros, o resultado será a confusão, e a anarchia: - peço por isso, que acabe a discussão a este respeito.

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. I. 33

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O Sr. Alcearia do Castro: - Eu confórmo-ma com a opinião do Sr. Leonel, em quanto disse que similhante requerimento não devia vir aqui. Sr. Presidente, eu não costumo nunca dar explicações, quando se falla de actos da minha vida particular; mas sou sempre prompto em da-las, quando se tracta de actos da minha vida publica. Eu pedi a dissolução da Guarda Nacional de Lamego, apesar de confiar na maior parte dos cidadãos, que a compunham; mas entregando-lhe armas ella não pegou nellas, a naquella época ou precisava de um corpo, que se promptificasse ao serviço.

O Sr. Presidente, uma authoridade, que manja entregar armas a um corpo de Guarda Nacional, quando esse corpo está desarmado, depois de uma revolução, é por que tem confiança n'essa guarda: - por aqui se vê, que aquelle corpo me devia credito, aliás eu não o faria. Ora, essa Guarda, pelo desleixo dá alguns commandantes, não quiz pegar em armas, o então eu propuz a sua dissolução; mas propuz tambem os meios de se formar um batalhão, e nisto fui conforme com o administrador geral. O Ministerio porém nenhumas providencias deu a tal respeito; e o batalhão, comporto da gente do melhor espirito, não tem reunido, porque não ha livro mestre; nem póde subsistir, porque não tem officiaes; e acontece, que os soldados relaxados no serviço, nunca apparecem, quando os que o não são apparecem todos os dias, e fazem o seu serviço, e o dos outros: ora isto é um acto de immoralidade, que se não póde permittir. - Eu annuí á ordem que recebi para tomar o cummando, se o Governo quizesse tomar em consideração minha proposta; e disse mais, que promoveria a organisação daquelle batalhão debaixo de quaesquer bases que o Governo entendesse; mas que n'esse caso, não se conformando o Governo com a minha proposta, não tomaria o commando.

Sr. Presidente, a minha opinião é, que vá esse requerimento no Governo; mas convém que se tomem informações antes de qualquer decisão; porque este objecto é importante, e merece ser tractado com circunspecção. Esquecia-me dizer, que tambem propuz ao Governo a dissolução do batalhão movel, para com as armas deste se organisar um batalhão fixo. Eu não fiz, torno a repetir, offensa nenhuma á Guarda Nacional da Lamego, e já provei que ella me devia confiança: porque se não fosse assim eu não lhe entregaria armas. Os meios que eu então propuz não foram acceitos, e por conseguinte não é minha a culpa que a cidade esteja sem força alguma armada.

O Sr. Freire Cardozo: - O que acaba de dizer o Sr. Macario de Castro é exactissimo, e é a minha opinião. Se eu visse que o Governo tinha attendido ás propostas, que se lhe fizerem, eu de modo nenhum faria esse requerimento: como porém vejo, que essas propostas não foram attendidas, então requeiro eu agora a organisação da Guarda Nacional; porque estou certo do seu bom espirito.

Agora, respondendo ao Sr. Deputado Leonel, digo, que se não assuste com o meu requerimento; porque eu não o apresentei sem ter consultado primeiro o Sr. Ministro do Reino, qus voluntariamente lha prestou tudo o assentimento, ainda que eu delle não carecesse.

O Sr. Sá Nogueira: - Sr. Presidente, o que se tem passado com a discussão deste requerimento, mestra a necessidade que ha de se tomar uma decisão prompta sobre o requerimento, que eu hoje fiz. Sr. Presidente, não nos devemos occupar com cousas que não são de tanta importancia, como outras de que da necessidade devemos tractar immediatamente, porque affectam os maiores interesses do paiz: quando temos de discutir a Constituição; quando temos de organisar finanças; quando temos para discutir o parecer da Commissão de legislação, que está dado para ordem do dia; quando temos que fazer muitas outras leis; e quando temos em fim de tractar de nos tirar-mos do estado provisorio em que nos achámos, estamos a gastar tempo com outros objectos de uma importancia muitissimo inferior; por esta fórma tarde chegaremos a um resultado, digo tarde, a acudir-mos aos males que affligem a Nação. Appoio por tanto o requerimento que fez o Sr. Deputado por Lisboa, para que não voltem aqui requerimentos de similhante natureza, em quanto tivermos a tractar de questões de muito maior importancia; porque já estamos aqui ha dous mezes e meio, sem quasi ter-mos feito cousa algurma. (Apoiado.)

Peço por tanto, que se dê o parecer sobre o meu requerimento com toda a urgencia; e voto peta rejeição do requerimento em discussão.

O Sr. Costa Cabral: - Eu peço a leitura do requerimento. (Leu-se.) Peço desculpa, mas era necessario isso para eu saber como havia de votar.

O Sr. Leonel; - O que ahi se diz, como sendo uma recommendação, é verdadeiramente uma ordem: e então pergunto eu, se nós resolvermos que isso se mande ao Governo, e este julgar que não deve fazer nada, ficaremos nós airosos? Havemos nós ir expôr-nos a tal? Não acho por tanto prudente, que se mande ao Governo esse requerimento, e é por isso que eu mandei para a mesa uma proposta.

O Sr. Freire Cardozo: - Eu pedi a palavra para rebater o que disse o Sr. Deputado Sá Nogueira, porque importa uma censura feita não só a mim; mas que indirectamente recahe sobre o Congresso. O Congresso, e qualquer Assembléa legislativa, é o fiscal nato do procedimento do Governo, ou Poder executivo; e quando este não cumprir os seus deveres, qualquer membro póde não só adverti-lo, mas tem uma rigorosa obrigação de censura-lo.

O Br. Barão da Ribeiro de Sabroza: - Sr. Presidente, não me parece que haja inconveniente algum em se mandar este requerimento ao Governo. O Governo fará aquillo que entender, e com isto tiramos de nós toda a responsabilidade.

O Sr. Leonel: - Com tanto, Sr. Presidente, que se não imponha a necessidade ao Governo de attender á nossa recommendacão.

O Sr. Presidente: - Propõe-se, como questão preliminar, se nós devemos mandar organisar, ou dissolver batalhões da Guarda Nacional.

O Sr. Menezes: - Propõe o Sr. Deputado uma questão preliminar que vem a ser, se nós nos devemos intrometter no modo de governar a Nação Portugueza, ou não. Esta proposta, por inconstitucional, não póde entrar em discussão. Pelo que me respeita, eu heide-me oppôr, desde logo que só apresente, a toda e qualquer moção que tender a invadir as attribuições do Poder executivo. O requerimento, de que se tracta, é uma dessas invasões; e a proposta que ultimamente se nos apresenta, é do mesmo jaez; em consequencia, em ambas voto pela sua rejeição.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu peço que se não tome conhecimento desse requerimento, que é incurial.

O Sr. Leonel: - Logo que se resolver que não ha logar a votar sobre a minha questão preliminar, fica-se entendendo que ella é um verdadeiro despropósito, e isso é o que eu desejo; porque o que eu quero, é que se fique entendendo que uma vez, que se resalva, que a minha proposta é um despropósito, está resolvido tambem que se não póde mandar nada no Governo.

O Sr. Freire Cardoso: - Mas então é necessario declarar-mos tambem, que são despropósitos outros requerimentos da mesma natureza, que aqui forem apresentado, e que foram approvados, e mandados ao Governo.

O Sr. Presidenta poz á votação a proposta do Sr. Leonel: se o Congresso se devia intrometter nos negocios de administração, e executivo, e foi regeitada. Em seguida, poz o requerimento á votação, que tambem foi regeitado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos negocios da guerra, pedio a palavra para apresentar ao Congresso uma proposta por parte do Governa; a prática tem sido dar-se com

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preferencia a palavra aos. Srs. Ministros, quando elles a pedem com essa declaração (apoiado).

O Sr. Ministro dos Negocios da Guerra: - Sr. Presidente, tenho a honra, por parte do Governo, de pedir ao Congresso a permissão de empregar um Sr. Deputado que uma Commissão fóra das Côrtes, de que depende a segurança publica, e o bem do Estado. (Leo) (apoiado geral.)

(Poz-se á votação, e foi concedida a dispença ao Sr. Barão de Almargem.)

Teve segunda leitura um requerimento do Sr. Derramado, como porém não estava presente o Sr. Ministro da fazenda, disse:

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu bem sei que o meu requerimento não póde ser approvado, se não depois de ser redigido em fórma de uma proposta de lei; porém eu peço, que elle fique adiado, para quando estiver presente o Sr. Ministro dos negocios da fazenda, e então eu direi os motivos, porque o redigi em fórma de requerimento. Eu quero chamar a attenção da Camara sobre o seu objecto, que é da maior importancia, e da maior urgencia; mas desejo que se não entre na discussão deste negocio, sem que esteja presente o Sr. Ministro dos negocios da fazenda, a quem desejo ouvir, e pedir explicações sobre o mesmo.

O Sr. Presidente: - Eu creio que não haverá duvida em que fique adiado.

Ficou adiado.

Teve ainda segunda leitura o seguinte requerimento. = Tem sido sobre maneira barbaro, como geralmente se afirma, e indigno da generosidade e clemencia, que caracterisaram sempre a Nação portugueza, o comportamento para comesses miseros hespanhoes, que ha annos gemem submergidos nos pontões do téjo. Tem-se a respeito delles fechado os ouvidos á humanidade: e até segundo varios periodicos da Peninsula, e alguns da Inglaterra, os da justiça, pois que se lhes tem faltado ao que se estipulou na convenção de Evora-Monte. Esta recriminação, com tudo, não deve caír sobre o actual Governo, e com patriotica complacencia o confesso; pois que no relatorio de um dos Srs. Ministros d'Estado, mencionando este objecto, se ouvem as palavras = Desgraçados, humanidade = e no de outro se faz ainda mais; assegura, e nos que pendem negociações paro elles serem trocados por prisioneiros do partido da Rainha dos hespanhoes, existentes no poder do pretendente D. Carlos. Sendo por tanto indispensavel que um assumpto, em que tanto vai a gloria, e o renome da nação portuguesa nas futuras idades, nos mereça, como seus representantes, a maior attenção. = Proponho =

1.° Que promptamente á face da convenção de Evora-Monte se examine, o que de justiça é devido aos hespanhoes detidos nos pontões do téjo, e com elles se cumpra, o que nella se estipulou.

2.° Que com a maior promptidão se inquira sobre o tractamento, que com elles se tem praticado, impondo-se não só a maior responsabilidade á authoridade informante, das fazendo vir, e examinar em uma Commissão desta augusta Assembléa, se no mesmo informe se descobre parcialidade, ou suborno.

3.° Que quando este processo resulte mostrar-se falso, o que se tem dito, e tambem se acha escripto nos periodicos, e proveniente de má vontade, e espirito de partido, se faça isto officialmente publico no Diario do Governo; para ficarem convencionados de calumniadores esses escriptores, e sobre tudo passar o caracter portuguez aos seculos vindouros, lavado da nodoa, com que se acha denegrido.

4.° Que porém mostrando-se ter havido este desabamento, e barbara conducta, que se inculca com esses desgraçados; se legalise de quem proveio, e tanto os authores, como os verdugos destas crueldades sejam castigados em todo o rigor das leis, para que se conheça que a nação portugueza é capaz de dar ao mundo um publico documento do respeito, que sempre consagrou, e ainda consagra ao direito das gentes, e aos foros ultrajados da justiça, da razão, e da humanidade. - João Victorino de Sousa Albrey.

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente, este é um daquelles objectos, em que me parece que o Congresso precisa já hoje de alguns esclarecimentos, e como se acha presente o Sr. Ministro dos negocios da guerra, seria bom, que em primeiro logar S. Exca. nos esclarecesse a este respeito; entre tanto o Sr. Ministro talvez não tenha ouvido bem a leitura do requerimento, e por isso eu pedia a V. Exca., que tivesse a bondade de lho mandar ao seu logar, para que elle o leia, e para que nos possa dar os esclarecimentos que se nos tornam indispensaveis.

(O requerimento foi mandado ao Sr. Ministro da guerra, que o leu.)

O Sr. Leonel:- Certamente hão de ser precisos esclarecimentos da parte do Governo ácerca do objecto desse requerimento; porque eu apenas tenho delle uma idéa muito confuza; nem sei mesmo se o que tenho ouvido dizer a esse respeito é exacto, ou não. Os individuos, de que se tracta, são reconhecidos como inimigos, capitães, e mortaes, da liberdade da Hespanha; e creio que estão ahi presos pelo nosso Governo, mesmo de accôrdo com o Governo Hespanhol.

Ora agora não nos deixemos levar por sentimentos da humanidade, de maneira que, soltando nós agora aquelles presos, elles nos venham depois assassinar; nem se receia que a Europa dirá mal deste nosso procedimento, porque na França e na Inglaterra se praticaria o mesmo: e então já se vê, que nós não somos barbaros, mas toda essa gente que nos quer taxar de barbaros por termos os carlistas presos, hão de confessar, que se elles pudessem, nos haviam de fazer peior; porque em fim parece-me, que os carlistas não são só inimigos da liberdade da peninsula, mas do mundo inteiro, e não sei se o Governo Hespanhol teria ou não razão para se queixar de nós, se soltassemos agora os presos carlistas.

O Sr. Ministro dos Negocios da Guerra: - Sr. Presidente, effectivamente quando se fez a convenção d'Evora Monte, estipulou-se, que os presos carlistas, que se achavam em Portugal, fossem soltos, e que á proporção que houvessem, navios para os conduzir, se lhe dessem passaportes para os reinos estrangeiros; com effeito uma porção desta gente recebeu passaportes , e foi-se embora...................
houve depois a revolta das provincias Vascongadas, constando que muitos daquelles que tinham sabido de Portugal, se haviam dirigido áquellas provincias, e alli peleijavam a favor de D. Carlos; e julgo ser este o motivo, porque aquelles que ficaram em Peniche, e aonde fizeram algumas tentativas para se evadirem, foram mandados para Lisboa, e foram mettidos no pontão do Téjo. Quando no anno passado eu fui encarregado da pasta dos negocios da marinha, tive uma representação destes homens, que efectivamente estavam n'uma posição muito penosa; em consequencia dei-lhe licença para virem a terra um a um debaixo da palavra de honra do commandante dos mesmos carlistas , o coronel Rodrigues, e com effeito elles vieram snccessivamente de dia a terra e voltavam para bordo á noite, mas passados alguns dias tive noticia que um delles fugira, e justamente no dia seguinte depois da fuga deste homem tive uma representação duma authoridade, na qual se dizia que a respeito de um delles chamado Palillos havia uma conspiração para que se evadisse. Este Palillos era justamente o que havia fugido faltando á palavra de honra, e ha pouco tempo depois appareceu á testa d'uma guerrilha na serra Morena, e agora tem corrido a Mancha, e até ha pouco tempo veio a Truxillo quasi na nossa fronteira. Suspendi-lhe immediatamente a licença de virem a terra; entre tanto foram-lhe dados outros meios, e fez-se-lhe aquillo que podia ser, e que estava ao alcance do Governo. Permitti, que alguns dos soldados

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fossem trabalhar á outra banda, aonde o ministerio da marinha tem uns armazens, recebiam 4 vintens por dia aquelles dias que trabalhavam, indo para alli ora uns, ora outros, desertatam alguns, o que pouco me importou; porém n'uma occasião desertaram uns vinte juntos, que foram preste em Salvaterra, ou Samora, por consequencia não tive remedio senão fazer cessar essa mesma permissão, até que sahi do ministerio; não sei o que succedeu depois. Agora depois desta nova ordem de cousas tive uma nova representação daquelles homens, em que me pediam, que nomeasse alguem que fosse examinar abordo o estado desgraçado, em que se achavam; mandei proceder a esse examé, e sendo informado ser verdade o que representaram, offereci-lhes que seriam transportados os officiaes, uns para o castello de S. Jorge, outros para a torre de S. Julião da barra. Foram todos para esta ultima fortalesa, e alli estão recommendados ao governador, que é o brigadeiro Chapuzet, um dos homens mais humanos, e caridosos que existem, (Apoiado.) Eu não digo que estejam bem, por que quem esta preso nunca está bem; (Apoiado, apoiado) mas em fim o Governo tem feito, quanto tem podido, para que elles estejam o melhor possivel.

Agora a questão é, que se lhe dê a liberdade; effectivamente segundo os artigos da convenção d'Evora-Monte deviam-se-lhe ter dado os seus passaportes, o que se não tem feito, a esses que ainda estão abordo; porque os outros a quem se deram, foram para Inglaterra, e depois deram a volta por França, e foram para provincincias as Vascongadas, offerecer-se ao serviço de D. Carlos: ora, sendo a Causa de Hespanha, a mesma causa que a de Portugal, se eztes homens fossem mandados para fóra d'aqui, temos toda a probabilidade de que hão-de hir para lá ajudar o partido de D. Carlos. Tambem então se offereceu a alguns dos soldados o hirem servir para as nossas colonias Africanas, aonde poucos nenhum mal poderiam causar, e pelo seu trabalho receberiam pagamento, mas não quizeram: porque os officiaes tinham feito uma especie de batalhão, e insistiram com os soldados para que não aceitassem: estes mesmos offerecimentos se lhes tem feito agora de irem dous ou tres, ou quatro homens nos primeiros navios; mas por ora não me consta, que nenhum tenha aceitado. Eis-aqui o estado deste negocio: ora eu não digo, que se lhes tenha dado quanto se carece para as commodidades indispensaveis da vida; porque effectivamente alguma vezes se lhes tem demorado até essa pequena gratificação, que se lhe dá de 4, ou 6$000 réis aos officiaes por mez; agora não se lhe tem demorado este pagamento, mas assim mesmo não tem aquella regularidade que o Governo desejaria, mas isso vêm do erario actual de nossas finanças. Entre tanto tem-se feito a favor daquella gente desgraçada, o que está ao alcance do Governo, o qual está de accôrdo com a opinião dos membros deste Congresso, de que deve fazer a todo o homem, que está preso tudo quanto a humanidade reclama. O Governo com minto gosto adopará quaesquer medidas, que qualquer Sr. Deputado apresentar proprias a diminuir o seu penoso estado.

O Sr. Ministro dos Negocias da Justiça: - Creio que o Congresso estará satisfeito com a explicação, que o nobre Ministro da guerra acaba de dar. O Governo tem desempenhado para com individuos de que se trata todos os deveres de humanidade, e se muitos delles não tivessem abusado, evadindo-se sempre que tem tido occasião, o Governo teria continuado a ser generoso, como foi no principio: porém esta circumstancia, e as repetidas instancias do ministro hespanhol nesta Côrte, fizeram com que elles tenham sido tratados com mais algum rigor. - No pontão que está sobre o Téjo, estam ainda todos os soldados, tendo sido mandados para o Castello de S. Jorge ou officiaes; mas n'uma e n'outra parte, é verdade que estam debaixo de maior cuidado e vigilancia, sem que até hoje se lhes tenha faltado ao que a humanidade e a justiça exigem; sendo por consequencia tudo quanto se diz no requerimento do Sr. Deputado, contrario ao que acabo d'exprimir, e inteiramente inexacto.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Sr. Presidente, é indecoroso para uma nação Constitucional, ser guarda de prezos criminosos politicos de outra nação: o mais que se póde fazer, é manda-los retirar do seu territorio, não consentiu do que elles se dirijão ao paiz, aonde elles cometteram esses crimes politicos; mas mette-los em um pontão, é barbaro, é contra a dignidade de uma nação livre, e civilisada; tal é o caso que acontece com estes infelizes Carlistas. Nós devemos ter toda a contemplação com os nossos visinhos, porque defendemos todos a mesma Causa; porém essa contemplação nunca nos deve levar a praticar actos, que fiquem mal ao caracter da Nação Portugueza. Estes Carlistas estam prezos ha mais de tres annos abordo de um pontão, respirando um ar inficcionado, muito prejudicial á sua saude. Todos que tem lido a historia da guerra da revolução de França sabem, quanto a fiação Franceza ainda hoje clama contra a barbaridade do governo Inglez daquelle tempo, por ter mettido a bordo dos seus pontões os prisioneiros de guerra: mais de 70$000 prisioneiros que estiveram em Inglaterra, a maior parte dos que sobreviverão, regressaram ao seu paiz atacados de molestias epidemicas, que em breve os levára á sepultura: a mesma nação Ingleza desapprova altamente o comportamento do seu governo para com os prisioneiros da guerra; e o philantropico Howard, que foi mandado pelo seu governo inspeccionar todas as prizões da Gram Bretanha, quando falla dos Pontões, diz, que aquellas prizões devem ser reservadas para os crimes mais atrozes.

Ora se ainda hoje se clama contra o modo de proceder do governo Inglez para com aquelles prisioneiros de guerra, que se dirá de nós que temos mettidos esses Hespanhoes, ha mais de tres annos em um pontão, não sendo nossos prisioneiros? Porque, segundo me consta, nunca se batteram contra nós; a maior parte delles estavam até sem armas, e de mais a mais foram incluidos na convenção d'Evora-monte, convenção desgraçada, e causa dos males que ainda opprimem a Peninsula; porém Convenção que a honra Nacional exige se cumpra.

Argumentar-se ha com a lei da necessidade, e com o salus populi: porém quem dirá, que trezentos ou quatrocentos individuos, muitos dos quaes nem militares eram, possam influir na sorte da Peninsula; e se assim é, porque razão hão de ser mettidos em um pontão? Não temos nós bastantes praças de armas por onde esses Carlistas fossem divididos, onde estivessem com mais commodidade, e onde respirassem um ar mais livre? Certamente; e se assim se tivesse feito, ter-se-hiam poupado mais de 14 contos de réis, que tanto custa ao Estado o armamento do pontão, que teve logar sómente para esse fim: pois que o sustento daquelles prisioneiros tanto custaria estando elles a bordo, como em fortalezas. Não seria melhor, que com esses 14 contos nos tiverem armado mais algum navio de guerra, que poderia prestar importantes serviços á nação? A nação está muito pobre, e não deve gastar dinheiro algum mal gasto. - Quanto ao tratamento dos prisioneiros, estou perfeitamente informado de que os officiaes de marinha. encarregados do transporte em que elles se acham, os tem tratado com toda a humanidade, e feito todo o possivel, por minorar as males que elles soffrem.

Concluirei dizendo, que a minha opinião é, que o Governo deve fazer todas as diligencias para que estes Carlistas saíam do territorio portuguez, seja instando com o governo Hespanhol, a fim de serem trocados por prisioneiro Christinos, ou seja pedindo que este lhe dê uma amnistia; e se fôr indispensavel que se conservem por mais tempo neste paiz, que sejam tirados dos pontões em que actualmente existem, e divididos por differentes praças d'armas: é

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verdade que o Sr. Ministro da guerra já mandou para a Torre os officiaes, porém abordo ainda se conservam duzentos e tantos prezos; pelo modo que acabo de dizer, até si poupará a despeza dos pontões, que não está armado senão para esse fim.

O Sr. Silva Pereira: - Quando o illustre Deputado, que se senta ao meu lado, faz esse requerimento, com o preambulo que o precede, obrigou-me isto a tomar um conhecimento exacto das circumstancias destes prisioneiros, e da maneira porque eram tractados. -- Estes homens não foram, presos depois da convenção d'Evora-monte, esta guardou-se; mas sim em consequencia da revolta, que quizeram praticar em Peniche: - portanto há motivos mais que sufficientes para que fossem encarcerados. - A maneira porque têm sido tractados, não é de nenhum modo tão aspera como sé quiz inculcar; é nisto discordo do Sr. Vasconcellos Pereira: os homens tem sido tractados humanamente; e a este respeito, eu que me tenho visto na necessidade do estigmatisar uma grande parte dos actos de todas as administrações que tem havido em Portugal desde 1834, quiz agora dar um testemunho de que todos se condusiram bem, pelo lado da humanidade, sobre o objecto de que se tracta. Estes presos estão sendo tractados melhor do que os presos portuguezes; estão no pontão, que elles preferem a qualquer fortaleza; é verdade que vivem sobre o mar, mas respiram ar puro, porque todo o dia passeiam na tolda, é só á noute descem para as cobertas; têm por dia meio arratel de carne, um quartilho de vinho, e arrátel a meio de pão, e além disto, os soldados recebem dez tostões por mez, e os officiaes quatro mil réis. - Visto pois que houve necessidade de os prender, e attendendo ao bom que tem sido tractados, não devo julgar, que tem havido falta de humanidade com estes homens, que em vista dos factos, seria uma injustiça grave, que se faria á Nação Portugueza.

O Sr. Zuzart: - Parece-me que a nota de passar á ordem do dia está chegada: este objecto é de bastante ponderação, e por tanto fique addiado: se pata isso é preciso requerimento eu o mando á mesa.

O Sr. Freire Cardoso: - Eu queria propor isto mesmo, até porque não está presente o Sr. Deputado author do requerimento.

O Sr. Marquez de Loulé: - Eu tambem apoio o adiamento, até para entrarmos na ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Para se pôr em discussão, é necessario que seja apoiado por cinco membros.

Levantou-se então um maior numero de Srs. Deputados: pelo que, na fórma do regimento, tomando o adiamento o logar da questão primitiva, foi posto em discussão; e não se pedindo a palavra sobre elle, propôz-se á votação, e foi approvado o adiamento.- Disse depois:

O Sr. Barão do Cazul: - Eu desde já peço a palavra para quando continuar a discussão do requerimento, que se acaba de adiar; porque sobre a sua materia posso dar muitos esclarecimentos ao Congresso.

O Sr. Castro Pereira: - O Sr. Midosi me encarregou de participar ao Congresso, que pôr motivo de molestia não comparecia na sessão. - Ficou inteirado.

O Sr. Barão da Ribeira de Saborosa: - Eu peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Se a der ao Sr, Deputado, não poderei tambem deixar de a dar a muitos outros Srs., que a pediram, ou já estão inscriptos. Passe-se á ordem do dia.

O Sr. Barão da Ribeira de Saborosa: - Declaro que o meu requerimento tinha por fim saber, porque a Relação de Lisboa tinha suspendido o poder judicial.

Passou-se á ordem do dia, que é a continuação da discussão do projecto n.º 12 da Commissão de legislação.

O Sr. Leonel: - Sobre a ordem. - Sem querer estorvar a discussão, nem á ordem do Congresso, pediria a V. Exa. mandasse ler os artigos 77; e 79 da Constituição; porque uma das opiniões, que se tem emittido na discussão, (em referencia á parte do parecer da Commissão) é que os decretos da dictadura publicados depois do dia 18 de Janeiro, o eram posteriormente á reunião do Corpo Legislativo. Esta opinião, visto que é doutrinal, acho que está resolvida nos dous artigas, que mencionei; é a razão porque eu comecei, pedindo a V. Exca., que os mandasse ler. Se for necessario, eu proporei depois á questão prejudicial.

O Sr. Presidente: - Não sei que seja necessario mandar ler, aquillo que todos os Srs. Deputados tem na mão.

O Sr. Silva Sanches: - Tem a discussão durado ha dous dias sobre o parecer da Commissão; a seria na verdade curioso, que agora, por uma nova lei se quizesse tolher aos Deputados, que tem a palavra, mas ainda não fallaram, toda a liberdade que tem tido os outros illustres oradores. (Uma voz: - Não.) Se não, então a que fim vem dizer-se que na constituição está resolvida uma questão, que aqui sé tem tractado? Se o está hoje, não o estava já na sexta feira, quando o projecto entrou em discussão? E se então, os Srs. que fallaram, discorreram como lhes approuve, (apoiado) querer-se-ha hoje forçar um Orador, ha muito inscripto, a fallar restrictamente, e força-lo por uma resolução do Congresso? Não o julgo coherente. Sr. Presidente; e em consequencia não me parece necessario, que se mandem ler artigos, quê todos nós temos lido, para com isso estabelecer uma questão preliminar.

O Sr. Leonel: - Começarei por declarar que não queria estorvar a marcha da discussão; nem quero tão pouco estorvar á liberdade de cada um dos Srs. Deputados: não pretendo empregar meio algum, com o fim que pareça tender a forçar alguem. Mas, Sr. Presidente, tem se emittido uma opinião, que se julga contra á Constituição, ou que está resolvida nella; e um Deputado não terá o direito de pedir, que se tenham em vista taes ou tres artigos da Constituição, que segundo o seu modo de pensar decidem essa questão? Certo que isto não é forçar ninguem. Que poderia eu pedir, senão uma resolução das Côrtes? E se as Côrtes tomassem uma resolução qualquer, poder-se-hia dizer, que isto era contra o direito d'alguem? Não; porque o direito do Corpo Collectivo e superior ao de cada um de seus membros; aonde aquelle existe, desapparece este. O artigo 79 da Constituição, diz que as Côrtes se installarão á volta da Sé, e depois do juramento; ora se eu propozesse uma questão priliminar, fundado neste artigo não estaria no meu direito? Que duvida. - Agora faça V. Exca. o obsequio de dizer-me, se no regimento ha alguma cousa sobre questões priliminares.

O Sr. Presidente: - Ha o artigo 83.

O Sr. Leonel: - Faz V. Exca. favor de mandar ler esse artigo, que eu não tenho aqui o regimento.

Leu-se, e proseguiu.

O Sr. Leonel: - Propondo uma questão preliminar na fórma que o regimento me dá direito, não se póde dizer, que eu quizesse forçar o direito da outros. Asseguro a V. Exca. que quando fallei nisto, não tinha lido o regimento; mas parece me que alguma cousa havia de dizer á esse respeito, porque alguma cousa dizer todos os regimentos de todas as Assembléas legislativas. Sr. Presidente, eu não proponho a questão preliminar; já está conseguido o meu fim, que era fazer com que cada um dos Srs. Deputados, que vão fallar, tivessem em vista os dous artigos da Constituição. O 79 diz (leu). Foi no dia 26 de Janeiro, que isto se fez. Quantas Constituições temos nós, peço que me respondam, (Vozes. - Uma, uma) Bem. Ora quando aqui se tractou a questão de irmos á Sé, fui eu de opinião que não fôssemos lá e que prestassemos o juramento aqui mesmo; disse-se então, que a Constituição assim o determinas, e que nós ainda não eramos Côrtes; agora diz-se que já eramos Côrtes no dia 18. Então quantas Constituições temos nós? Não entendo, se me dizem que uma.

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O Sr. Gorjão Henriques: - Sr. Presidente, parece-me muito facil a resolução da questão, que faz o objecto desta, pequena discussão. Se o Sr. Deputado propõem a sua moção, para estorvar que a discussão do parecer vá ávante, nada mais injusto; porque eu entendo, que ella deve levar-se até á sua ultima extremidade: (apoiado) se a propõem para nos lembrar os dons artigos, todos os devemos ter visto: se o fez para apresentar a sua opinião a tal respeito, não tem a palavra, e quando lhe couber então dará as suas razões, a fim de mostrar com essa providencia o que lhe parecer, e corroborar e comprovar essa mesma opinião. Por tanto a questão preliminar não é necessaria, e por isso entendo, que se deve passar á ordem do dia, na mesma marcha, que a questão até agora tem seguido.

O Sr. Costa Cabral: - O Sr. Deputado, que se, senta na extrema esquerda, quiz sustentar, que os decretos da dictadura, devem ser considerados válidos até ao dia 26 de Janeiro; esta não é a questão; e se tal se tractasse, alguem lhe responderia com os mesmos artigos da Constituição, que elle invocou, mostrando-lhe que a sua opinião neste caso não é a melhor; mas como o Sr. Deputado parece que retirou a proposta da questão preliminar, não deve continuar a discussão sobre ella.

O Sr. Presidente: - E' escusado que esta questão continue, visto que o Sr. Deputado a não propõem: basta que os outros Srs. que entrarem no debate tenham em vista a especie suscitada (apoiado).

O Sr. Silva Sanches: - Tres são as questões, que offerece o parecer em discussão. Primeira, de que maneira, e porque methodo ha de o Congresso rever os decretos do ministerio, que encerram medidas legislativas? Segunda, quaes desses decretos se devem considerar em vigor? Terceira, de que maneira, e porque methodo ha de ser suspenso algum, que suspenso deva ser?

A Commissão de legislação deu por incontestavel o direito de revisão, que o Congresso tem; não se demorou por isso a demonstra-lo, partindo d'elle como de um axioma, que não carece de demonstração. Mas ella inutilmente teria estabelecido um meio de rever, se por ventura não houvessem cousas, que revistas devessem ser, e em vão pertenderia, que nada havia a rever; porque argumento algum póde destruir a existencia dos factos, e é facto que o ministerio publicou muitos decretos com força legislativa, ou com medidas, que só por leis podiam ser tomadas. Eis aqui pois tambem a razão, porque a Commissão de legislação não examinou, o que eram, e o que são esses decretos. Podia, e deveria ter talvez examinado a legalidade d'elles. Porém cumprir o que pelo Congresso lhe havia sido determinado era seu principal dever; e o Congresso só lhe determinou, que desse o seu parecer sobre as propostas, e requerimentos que lhe foram remettidos. E como em nenhuma d'essas propostas, em nenhum desses requerimentos se tocava a questão da legalidade, ou illegalidade, julgou por isso, que não estava obrigada a entrar n'ella, e a desenvolve-la. Deixo agora á sabedoria do Congresso, e á sua imparcialidade o decidir se estas razões bastarão para a Commissão ser justificada suficientemente de qualquer omissão, que se lhe tenha notado, ou possa notar. Mas pois, que se perguntou o que eram os decretos da chamada dictadura, e que se tem investigado a sua legalidade, ou illegalidade, forçoso é, que eu entre n'essa espinhosissima questão, que pelo parecer, em que eu sou relator, se quiz de certo modo evitar; e muito mais indispensavel me é isso, depois do singularissimo discurso do Sr. ministro do reino, pronunciado na memoravel sessão de Sabbado 8 decorrente. Apesar do que elle disse, é ainda a existencia da sua decantada dictadura a primeira cousa, que eu lhe nego; e principiarei respondendo ás objecções, que a esse respeito apresentou.

Estranhou elle muito severamente, que se dissesse que só em Roma tinha havido dictadores, e que elles não podiam fazer leis, e para provar a sua asserção recorreo aos exemplos de Moysés, dos Decemviros, e do Augusto imperador de saudosa memoria. Saiba porém Sua Exca., que neta eu, nem Deputado algum, que eu ouvisse, disse puramente, que só em Roma tinha havido dictadores. - Disse eu, que verdadeiramente só em Roma as ouvera; mas o adverbio verdadeiramente significa alguma cousa, e usei d'elle para denotar, que dictadores propriamente ditos só existiram n'aquella republica, sem toda via excluir que alguns poderes iguaes aos d'elle tivessem sido conferidos, e exercitados n'outra parte. Com effeito, é certo, que a dignidade dictatorial foi pela primeira vez reconhecida em Roma, como authoridade extraordinaria do estado; foi lá que mais habitualmente se recorreo a ella guardadas sempre certas formalidades: foi a isto, que eu alludí; pois bem sei, e bem sabia, que tanto poder como em Roma se conferio aos dictadores, tem sido conferido a cidadãos d'outros estados. O que porém para mim é fóra de dúvida, é que os exemplos citados pelo Sr. ministro do reino de maneira alguma provam o que elle pertendeo mostrar. Moysés foi, ou devia ser o enviado do Senhor para libertar os Hebreus do captiveiro de Faraó, em nome d'elle lhes fallava, em nome d'elle lhes deu leis. Moysés foi por consequencia um theocrata, que recebeu, ou disse ter recebido seus poderes do Ceo, e de Deos, em quanto todos os dictadores os teem recebido dos homens. Ainda mais, os dictadores commandavam os exercitos, sempre que exercitos havia a commandar. e Moysés nem sempre com mandou os seus, porque esse era o cargo de Josué. Por conseguinte só pela mais completa confusão de dictadura com theocracia se póde chamar a Moysés dictador.

Pelo que toca aos Decemviros, esses foram especialmente encarregados pelos Romanos de lhe apresentarem um codigo de leis, que os Romanos não tinham; e foram pura isso mandados ás cidades gregas, que então passavam por ter as melhores leis do mundo. Deram-se-lhe para esse fim especial todos os poderes necessarios. Mas se os Decemviros foram por isso dictadores, mais dictador é o Congresso actual; porque não só tem poder de fazer leis ordinárias; mas tambem, de fixar uma lei fundamental, ao passo que os Decemviros não podiam tocar na Constituição Romana. Dir-se-ha, que tambem se lhe conferiram durante um anno os mais poderes do estado. Porém é preciso accrescentar logo, que elles deviam exercer, como de facto exerceram (fallo dos dez primeiros) esses poderes segundo as fórmas ordinarias. Será isto ser dictador? E' verdade, que os que succederam aos primeiros Decemviros commetteram grandes abusos, e quasi se fizeram tyrannos. Mas o abuso, e a tyrannia provam alguma cousa contra a regra geral? De certo que não: é por consequencia tambem certo, que, ou os Decemviros não foram dictadores, ou o foram especialissimos; e a excepção firma a regra.

Pelo que toca ao Sr. D. Pedro, elle deu a Carta aos portuguezes não na qualidade de dictador; mas sim na de rei de Portugal, que era; e n'essa qualidade reunia elle então com o poder executivo e o de legislar. Nenhum dos argumentos pois do Sr. Ministro do reino prova, que tivesse havido dictadores propriamente ditos antes da primeira nomeação d'elles em Roma; nem que os dictadores tenham tido o poder de legislar. Posto isto, passo á demonstração da minha proposição, visto que estão destruidas as objecções, com que se quiz destrui-la. Quem admitte uma authoridade extraordinaria ha de admittila pelo seu principio, por que d'outro modo cria entes imaginarios; e nem as consequencias, nem o principio da dictadura se deram entre nós. A dictadura de invenção romana, era uma magistratura suprema, nomeada pelo povo nas occasiões de imminente perigo, investida por elle de todos os poderes necessarios para affastar esse perigo, e limitada a mui curta duração. Esta magistratura suspendia por um momento a authoridade so-

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berana, porque o povo não queria, que o estado perecesse pela observancia das fórmulas; o magistrado, que fazia calar o poder legislativo, não o podia fazer fallar: dominava-o - o sem o representar - tudo em fim podia, menos fazer leis. E houve entre nós algum perigo imminente, que ameaçasse a ruina do estado? Foi Portugal invadido por algum poderoso inimigo? Rebentou violento guerra civil no interior do reino, ou foi a segurança interna horrivelmente perturbada? Não. Houve, é verdade uma, ou duas revoluções; mas de tal modo foram pacificadas, graças á civilisação dos portuguezes, que no fim de 48 horas, quem chegasse de fóra não poderia dizer, sem o ouvir, que ellas tinham tido lugar. Como, e quando houve pois perigo imminente? Qual foi o honrado cidadão, que o povo em seu grande receio nomeou dictador, e investiu de poderes extraordinarios? A que duração limitou esse podar? E foi o illustre dictador fiel á investidura de não poder fazer leis? Nada d'isto existiu: - e se nada houve, se nem se deu o principio de imminente perigo, nem a consequencia da nomeação do magistrado supremo com supremo poderes: se o ministerio, a quem se attribue a dictadura, fez leis, mais que tudo; como se póde dizer, e sustentar, que houve entre nós uma dictadura?

Ainda mais: admittir a dictadura por um dia sómente, é reconhecer o puder absoluto; e o poder absoluto é tão perigoso para os cidadãos em geral, como para aquelle, que o exerce. E se acaso se admittisse este poder como legitimo durante um mez, ou meio anno; porque legitimo não seria sempre? Oh! longe, e para bem longe de nós tão funesto principio, idéa tão horrorosa!

Mas digo mais: nos governos representativos não é necessaria a extremidade de meio tão estremo. Com a sua feliz combinação, que reune e mistura a realeza, a aristocracia, e a democracia na mesma acção, e para o mesmo fim, não se precisa recorrer a revoluções para reconquistar a liberdade; nem de lançar um veo sôbre a liberdade para abater, ou levanta o poder. Basta que a opinião pública fortemente pronunciada derribe qualquer ministerio, e force o seu successor a seguir um cisterna, que possa saltar o estado da crice, em que se elle achar.

Mas, senão houve dictadura, (perguntar-sa-ha) o que houve entre nós depois de 9 de Setembro? Uma ou duas revoluções, como já disse; e no dia das revoluções quasi sempre é preciso recollocar o Governo sôbre novas bases. A machina social não póde, não deve parar um só instante; e quasi sempre os acontecimentos extraordinarios quebram, eu desmontam algumas das suas rodas. Em tal caso promptas providencias tão necessarias; e a ordem, bem como a demora das fórmulas, demandam certo espaço de tempo, pelo qual nem a necessidade, nem as circumstancias podem esperar.

Em tão graves circmustancias todo o cidadão, todo o magistrado é pois obrigado a expôr seus dias pela salvação do estado; e aquelle a quem os acontecimentos, ou qualquer outro acaso tenha collocado á testa da direcção dos negocios, tem rigoroso dever de providenciar promptamenta, nem para isso precisa dictadura. A impericia necessidade é sua unica lei; até onde ella se estender, estende-se sua authoridade: cessam seus poderes extraordinarios, onde ella acaba. Eis-aqui o caso, em que a 10 de Setembro se acharam os ministros actuaes. Vejamos agora como elles desempenharam sua importantissima, e difficil missão: entremos no exame da legalidade, ou illegalidade de suas medidas.

Poderá parecer methafisica a distincção de legalidade de direito, e legalidade necessaria, ou filha das circumstancias Mas uma, e outra existem, e difficilmente se póde tractar a questão, que nos occupa, sem assim se distinguir.

Considerados pelo lado da legalidade de direito, illegaes foram, illegaes são todos os decretos do ministerio com disposições legislativas; por que o poder da legislar só compete ás Côrtes, com a sancção do Rei: ao ministerio como agente do Rei, só toca o Poder executivo. Nem se diga, que o Poder legislativo expirou; porque elle nunca expira nos Governos representativos. Suspende o exercicio de suas funcções, ou acabam as que se tinham confiado a certos membros; mas passam a ser logo delegadas em outros. Suspendem-se no intervallo das sessões, e acabam as delegadas em uns membros para serem immediatamente delegados nos mesmos, ou em outros, quando acabo, ou se dá por finda uma legislatura.

Assim tanto houve entre nós Poder legislativo desde 4 de Junho até 9 de Setembro de 1836, como de 9 de Setembro de 1836 até 18 de Janeiro do corrente anno. O ministerio actual nunca teve pois o poder de legislar; e a todos os seus decretos falta por tanto a legalidade de direito.

E teram elles sequer a legalidade necessaria, aquella, que a necessidade, e as circumstancias inevitavelmente lhe podiam dar? A necessidade substitua o direito, ou legitima tudo o que ella indispensavelmente reclama; mas, como já estabeleci, o que por ella não for reclamado, não póde elle legalisar. Todos os decretos pois com medidas que devessem de prompto indispensavelmente ser tomadas; com medidas, que sem grave detrimento publico se não podiam espassar até á reunião das Côrtes, são legitimos, e necessariamente legaes: illegaes são pelo contrario todos os outros, e não podia sem grave prejuizo publico deixar de se providenciar antes da reunião das Côrtes sobre todos os objectos, que legislativamente foram providenciados pelo ministerio? Appéllo para elle mesmo, e na sua sinceridade conto, que a sua resposta, se eu a esperasse, seria igual á minha: seria, que muitos podiam sem inconveniente algum esperar a resolução das Côrtes.

Era necessario um decreto sobre eleições; porque d'elle, dependia a nomeação dos Deputados, e por consequencia; a reunião do Corpo legislativo. Eram necessarias medidas, que promptamente produzissem algum dinheiro; porque sem dinheiro não se póde governar o estado. Eram necessárias reducções; porque existia um deficit espantoso; e para o diminuir era necessario diminuir a despeza, onde ella fosse excessiva. Tambem admitto, que indispensavel fôsse uma prompta alteração no systema judiciario; porque a administração da justiça estava pessima; e sem boa administração da justiça nação alguma póde prosperar. Mas afóra estas, e alguma outra, que agora me não lembre, seriam todas as outras medidas, que se contém nos innúmeros decretos do ministerio, seriam todas outras immediatamente reclamadas por urgentissima necessidade? Não o creio, nem crel-o posso, nem possivel julgo a sua demonstração; e se não aponto muitas que não tenho por immediatamente reclamadas, é porque tracto a questão em globo, ou porque não quero ser muito prolixo, ou porque todos sabem tão bem, e melhor do que eu, quaes ellas sejam. Não foram muitas d'estas medidas publicadas nas vesperas da reunião das Côrtes?

E se o paiz póde sem ellas passar até então, não poderia sem ellas passar mais alguns dias? Doloroso me é por tanto concluir, que muitos decretos do ministerio nem ao menos tem a legalidade necessaria, ou das circunstancias.

Mas, reconhecida pelo proprio Ministerio a illegalidade de grande parte das suas medidas, diz-se: - é pela sua conveniencia que ellas devem ser examinadas, que a questão se deve decidir. - E deverá a conveniencia dalgumas medidas preferir-se á do credito do Systema Representativo, novo entre nós, e combatido ainda por furtes inimigos? E um argumento, que se emprega contra elle, e que se tem generalisado de dia em dia, não é o de se julgar, que as Côrtes fazem pouco, e de se dizer, que ellas gastam demasiado tempo em fazer qualquer lei?

O que a este respeito se passa entre nós acontece em todas as Assembléas legislativas, na Franca, na Inglaterra, em todos os Parlamentos do Mundo; porque a demora nas deliberações é inherente á natureza do Governo Representativo, é da sua essencia. Essa demora é mesmo uma de suas

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maiores garantias, porque ella prova maior madureza nas resoluções, as quaes por isso sempre são, ou devem ser mais vantajosas. Mas entre nós ainda se não tem querido entendei isto, ou entendendo-se, a isso mesmo se tem fechado os olhos para só se atacar o Governo Representativo, ou Mixto, o melhor de quantos se hão ensaiado sobre a terra.

E tendo o Ministerio feito mais leis em quatro mezes, do que póde qualquer Corpo legislativo fazer em quatro annos, a não querer trabalhar todos os dias, não fortificou por isso muito aquelle argumento? Não concorreu por tanto, sem querer certamente, mas não concorreu por suas obras para o descredito do Systema Constitucional? E que conveniencia póde equiparar-se á de se arreigar entre nós um systema mal apreciado, ainda que a todos garante a sua propriedade, sua segurança, e a sua liberdade de suas opiniões, e pensamentos? De um systema, que por si só torne impossivel o restabelecimento do absolutismo, com suas horrorosas consequencias? E o bem, ou a conveniencia das medidas, acaso compensarão o grande mal, ou a desconveniencia do descredito da fórma do Governo? Prescindamos porém de tudo isto, e passemos a ver, se a conveniencia real de suas medidas é tamanha, como fé nos inculca. Um dos grandes males, que aflige as provincias, é a falta de segurança outro a pessima administração da justiça, e o cancro de nossas finanças e o maior flagello, que molesta o Estado. Quem, não digo já curar todos estes males, mas quem lhes applicar saudaveis remedios, que diminuam a enfermidade, é o salvador da Patria, o Semi-Deos, a quem se deve a apotheose. As medidas que a diminuirem, ou tiverem diminuido, serão por tanto convenientissimas. E gosão as provincias de maior socego? Não, infelizmente não, ou são falças todas as noticias que dalli se recebem, e forjados todos os factos, que se referem, o que eu não acredito. São os criminosos mais promptamente castigados? Tambem não, porque ainda se não executaram as sentenças de muitos que se acham condemnados, e a impunidade e a mãi dos delictos. Observam-se melhor as leis respeitam se mais as authoridades? Tambem não, e quem de lá vem, assevera, que tudo e confusão, porque muita gente faz ainda quanto quer, e impunemente. E a justiça mais bem administrada? Tambem não, porque os clamores são cada vez mais vivos. E o estado de nossas finanças não e tanto, ou mais deploravel, do que era? Sim, infelizmente sim. Logo os grandes males, as maiores necessidades, que nos opprimiam em Setembro, se não teem aggravado, tambem não teem diminuido. Por consequencia, por nenhum dos innúmeros decretos do Ministerio ou se providenciou a tal tal respeito, o que seria a mais grave de todas as faltas, ou se providenciado foi, nenhuma vantagem resultou de similhantes providencias. E hei de eu acreditar na mesma conveniencia dellas? Não creio sem a ver, e desgraçadamente vejo muito menos, que se inculca.

Seria porém injusto, se não confessasse, que o Sr. Ministro da Justiça se occupou seriamente de melhorar a administração della; e que por se não ter podido ainda executar a sua reforma, se não póde julgar já, se o mal, que neste ramo existe, será por ella diminuido, ou curado. Essa reforma tambem tem sido objecto da presente discussão, e já se fallou pró, e contra. Eu, sem entrar na principal questão do restabelecimento, ou não restabelecimento dos Juizes ordinarios, e que por agora talvez não convenham muito, não terei duvida de notar, que é indispensavel quanto antes algum melhoramento no mundo de administrar a justiça, ou na fórma do processo. O que existe é máu, nenhumas garantias offerece, e pessoas ha, que antes querem perder algum direito, que exporem-se aos acasos de similhante processo. O que ultimamente se fez, ha de ter defeitos, porem é muito preferivel (fallo da forma de processo civil e crime) ao que vigera, e conto, que a justiça será por elle melhor administrada. Estimarei por este motivo, que elle seja quanto antes levado a effeito.

Agora voltando á analyse em que estava, repito, que não vejo tanta conveniencia, como se inculca, e que muita mais teria visto, se o tempo que se gastou em fazer muitas dessas leis, se tivesse empregado na coordenação do orçamento, de maneira que elle nos fosse apresentado, apenas se instalaram as Côrtes. (Apoiado, apoiado.) Se isso, como devia, tivesse sido feito, sua discussão estaria, se não concluida, pelo menos muito adiantada os meios de fazer face as despegas teriam sido, ou estariam a ser votados, e por conseguinte poderiam estar-se recebendo na época, em que, procedendo se, como desgraçadamente se procedeu, estaremos, quando muito a vota-los. E não seria isto muito mais conveniente? Não teriam os Srs. Ministros feito nisto maiores serviços ao paiz? (Apoiado, apoiado.)

O Sr Ministro do Reino, em abono da bondade de suas medidas, expõe, que ellas eram o resultado de projectos apresentados em todas as Côrtes desde 1820, até 1836. Mas prova isso alguma cousa de muito real? Primeiramente, nem todos os projectos que se apresentam numa Assembléa, merecem as honras da approvação. Em segundo logar, todas as Assembléas dão sempre a preferencia aos mais urgentes, e úteis. Se pois esses não passaram nessas Cortes, e porque nem os mais uteis, nem os mais urgentes se julgaram então, póde bem ser, que agora o fôssem. Mas o Sr Ministro não o provou, e sem essa demonstração, o seu argumento só poderá mostrar os seus bons desejos da acertar.

Tenho por tanto demonstrado, que grande parte dos decretos do Ministerio, são por todos os principios illegaes. e que a conveniencia de todos não he visivel, e não esta por isso reconhecida. Entre tanto rejeitar desde logo todos aquelles, que já estivessem em execução, poderia isso trazer males ao paiz. Se pois, como propõe a Commissão de legislação, o Congresso antes de distinguir os legaes, dos illegaes, os convenientes, dos inconvenientes, declarar em vigor todos os publicados até ao dia 18 de Janeiro inclusive, não toma já sobre si immensa responsabilidade? Não dá nessa declaração o Congresso a maior próva que se póde dar a um Ministerio, dos desejos que tem de marchar com elle?...

Mas não contente com isto, quer se ainda mais.....!

Quer-se, que se considerem em viger todos os publicados até o dia 26 de Janeiro. ....!!! Oh! E muito exigir na verdade é exigir o que se não póde conceder, sem a mais vergonhosa prostituição do decoro, da dignidade, e dos principios ... (apoiado, apoiado)

Do decoro, e da dignidade, porque a dificuldade de distinguir entre os legalizados, e não legalisados pela necessidade, difficuldade, que se verifica nos publicados até o dia 18, desaparece no de publicação posterior á reunião nos investidos do poder de legislar. Não ha por conseguinte razão, nem pretexto algum decente, em que se funde, ou com que se possa córar similhante approvação

Dos principios; porque sei alguma é obrigatoria antes da sua promulgação, e de ser sufficientemente conhecida. A publicação é por isso uma essencialissima parte, da qual tira a lei toda a sua força. E se no dm 18 ninguem quererá conceder ao Ministerio o direito de manjar leis, e submette-las á sancção, o que é menos para o effeito dellas, como se lhe ha de reconhecer o mais, isto é, o direito de obrigar depois desse dia, todos os cidadãos á observancia de leis, puramente Ministeriaes, e de todos ignoradas ainda então? (Apoiado.) A' observancia de leis puramente Ministeriaes, desconhecidas até o dia da reunião do corpo legislativo (Apoiado, apoiado.)

Demais, segundo o decreto de 30 de Agosto de 1833, combinado com a ordenação do Liv., 1.º tit 2.º § 10.°, os cidadãos das provincias, só 3 mezes depois de publicadas as leis, começam a ser obrigados á execução dellas. E querer-se-ha, que 3 mezes depois de reunião do Congresso, principiem todos os cidadãos portuguezes a obedecer ás leis,

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que não foram feitas pelas Côrtes, e que nem publicadas estavam, quando ellas se reuniram?!!

Mas diz-se, e agora entro na questão preliminar, que se quiz promover no principio desta sessão diz-se, que a 18 de Janeiro não havia mais, que uma Junta preparatoria, uma Commissão de eleições, como lhe chamou o Sr. Ministro do reino, ou uma Commissão de verificação de poderes, como expenderam outros - Vozes, é verdade.

O Orador - E não é verdade, que a 18 de Janeiro estavam reunidos os eleitos do povo, revestidos do poder de legislar? - Ninguem nega positivamente.- O Orador continua assim: Pois não se negando isto, o mais é um sofisma vão e futil. Diz-se, que só a 26 é que se instalaram as Côrtes, e tiveram mesa definitiva: forte novidade! Mas qual tem sido até hoje a Assembléa legislativa, que nomeie a sua mêsa, e se installe no mesmo dia, em que se ajunta, ou reune? E deixou por isso alguma de ser considerada desde logo a Assembléa, ou o Corpo, em que reside o poder legislativo? Não se installaram as Côrtes de 1834, cinco ou seis dias depois do dia 15 d'Agosto? E todavia disputou jámais alguem, que as Côrtes se reuniram no dia 15? Disputou jámais alguem, que nos Deputados então reunidos, residia o pudêr de legislar? Como se poderá pois disputa-lo hoje aos que se reuniram a 18 de Janeiro? Se o Ministerio d'então publicasse leis suas depois de 15 d'Agosto, considera-las-íamos nós em vigor E se então as não considerariamos em vigor, deveremos faze-lo hoje? Ha para isso hoje mais alguma razão?

Diz-se tambem; mas vos approvastes todos os actos legislativos do Ministerio, ou Dictadura de 1834 - E' verdade que assim foi. Porém commetteo essa Dictadura, ou esse Ministerio a gravissima falta de publicar leis suas nas vesperas da reunião dos Côrtes? Depois do seu primeiro ajuntamento, depois de 15 d'Agosto, perpetrou esse Ministerio o attentado de publicar mais alguma lei? E outra vez pergunto com toda a sinceridade; e com toda a sinceridade, e boa fé desejava, que se me respondesse se elle commettesse tão grave faltasse perpetrasse tão extranho attentado, sancciona-lo-iamos nós? E não é aos decretos publicados depois de 18 de Janeiro, que está finalmente reduzida a questão?

Por todas estas razões pois, nem o decoro, nem a dignidade, nem os principios, nem fundamento, ou pretexto algum plausivel permutem, que eu possa approvar os decretos do Governo publicados depois do dia 18 de Janeiro.

Findaria aqui o que tinha a dizer sobre a materia, se não devesse responder a algumas passagens do notavel discurso, do Sr. Ministro do reino, que muito bem póde fazer epocha nos fastos parlamentares não pela novidade de suas idéas, mas pela novidade de expressões inconvenientes para serem ditas em Parlamento.

O dito Sr. Ministro, estranhando, que se impugnassem as suas medidas, que se combatessem alguns actos seus, exaltou-se extraordinariamente, e no meio da sua excessiva exaltação, tanto mais infundada, quanto elle melhor sabe, que em todos os debates parlamentares se censura mais ou menos o Ministerio, conforme a sua politica desagrada mais, ou menos, exclamou: Porque mais cedo se não contestou ao Ministerio o poder de legislar, porque não te lhe fez resistencia em quanto elle legislou? Aqui, Sr. Presidente, torna a vir a proposito o programma da secretaria da guerra, tantas vezes invocado.

Um Sr. Deputado pede a palavra em voz forte, e o Orador repete:

Aqui, Sr. Presidente, é que vem a proposito o programma da secretaria da guerra, tantas vezes invocado. Ahi no dia 11 de Setembro perguntou o Ministerio aos seus amigos, que lá se reuniram, se nas difficeis circumstancias, em que o Ministerio se achava, elle teria ou não o direito de legislar? Respondeo-se, que em do difficeis circumstancias poderia elle exercer esse direito; mas á reclamação minha, e de um Sr Deputado, que eu já nomeei, se accrescentou, que sómente podia exerce-lo nos objectos absolutamente indispensaveis para sustentar a revolução, e dirigir os negocios até á reunião das Côrtes.

O Ministerio porem não legislou só nesses objectos. Logo usou de maior faculdade, do que aquella que se lhe aconselhou. E na parte, em que o Ministerio se apartou do conselho, não deve te-lo por uma resistencia aos seus decretos, ou a essas leis?

Além disso fallando-me posteriormente o Sr. Ministro do reino de um decreto, que tencionava publicar, e que já tinha commettido a uma Commissão, decreto, de que eu pensava que se haviam de seguir grandes vantagens, decreto, que estava reclamado ha muito tempo pelo paiz, e que fôra apresentado nas sessões de 18S5 e 36, fallo das hypothecas, e eu lhe disse, que muito conviria publica-lo; mas que não julgara fôsse elle uma medida indispensavel para conduzir as cousas a reunião das Côrtes, e o não considerava por isso com faculdade de publica-lo. Qual fosse a resposta do Sr. Ministro escuso eu de dizer aqui. Não seria tambem isto resistencia? E não se resistio tambem; e muito fortemente aos Srs. Ministros, quando elles declararam a sua elegibilidade? Não se vê pois, que este argumento é totalmente destituido de fundamento?

Diz-se mais que só o partido do Ministerio transacto era forte, porque só elle havia combatido as suas medidas, que todos os mais se humilharam. E' verdade, Sr Presidente, que esse partido o combateu, mas tambem é verdade, que o partido constitucional da revolução, que aquelle mesmo que a ella acquiesceo, impugnou muitas medidas do Ministerio. E' verdade, que em quanto se publicou o jornal intitulado o Provinciano, (e o Provinciano não era escripto, nem por miguelistas, nem por homens do partido do ministerio transacto) é verdade, que esse jornal lhe fez opposição. - E' certo, que alguns Srs. Deputados escreveram ao Sr. Ministro do reino, dizendo lhe, que elle não marchava bem. De um destes, que está ausente, fallou o Sr Ministro com pouca vantagem na ultima sessão, e S Exca. por certo teria sido mais cavalheiro, se em desabono delle se não houvera exprimido na sua ausencia. Ora se o Sr. Ministro do reino não acha isto resistencia, não sei a que elle chame resistir! Mas, Sr. Presidente, isto é nada, em comparação do que se accrescenta, que os mais se umilharam!! Umilhação ao Sr. Ministro do Reino!! Que orgulhosa extravagancia! Qual de nós, e qual dos meus collegas ha ahi, se lhe tenho umilhado, que lhe tenha apparecido, ou fallado alguma vez com menos dignidade, que a dignidade propria d'um cidadão?!! Então como é que se diz , que se lhe umilharam , e se diz isto no meio de um Congresso?!!.... E ainda na hypothese mil vezes negada de ter isso succedido, seria honroso para o Sr. Ministro referi-lo publicamente?!! De certo, Sr. Presidente, que eu não estava prevenido para ouvir similhante cousa, principalmente quando ella é, não só infundada, mas ate infundadissima (apoiado), e quando nada prova a favor de querer a disse!...

Ora a respeito de resistencia, teria mais alguma cousa a dizer, porque até ao dia 18 de Janeiro eramos simplices cidadãos. Como simplices cidadãos tinhamos direito de resistir, mas não tinhamos obrigação. Depois que se convocou este Congresso, depois que nos reunimos como Deputados, somos alguma cousa mais, que simplices cidadãos, porque somos os Representantes da Nação, e nesta qualidade o direito que tinhamos de resistir, se converteu na obrigação de resistencia aquellas medidas, que não forem, ou que não foram convenientes ao paiz. Ainda pois que se lhe não tivesse resistido tanto, como realmente se lhe resistio, cumpria-nos faze-lo agora, e nunca o Sr. Ministro do reino poderia por isso mostrar, que o Deputado, que antes o não fez, esta em contradicção; porque agora resiste. Inconcludente era

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por tanto este seu argumento, ainda que exacto fosse; porém muito mais inconcludente é, porque se funda, em principios falsos.

Disse mais o Sr. Ministro do Reino, que para, tomar todas as medidas se fundára no direito da revolução, ou do povo, que tudo póde destruir, tudo reedificar. Mas deo-lhe o povo, ou a revolução direito para tanto como fez? A revolução dava-lhe direito, que ningem contesta, nem contestou ainda, de a fazer triunfar, de a levar ávante. Mas está demonstrado pelo Sr. Ministro do Reino, que para fazer triunfar a revolução fôsse necessario fazer tantas leis? Certamente que não; e o contrario é geralmente reconhecido: S. Exca. mesmo era vão pertenderá deixar de reconhece-lo. Além desta, ha no principio, que o Sr. Ministro avançou, outro mui sensivel; revoltante inexactidão, que eu deixo por sua conta.

Disse mais o Sr. Ministro do Reino, que queria que lhe mostrassem o Plebiscito, que em 1832 investio o Augusto Imperador da Dictadura. Mas não sabe ella, que o Plebiscito foram os votos de todos os expatriados? não sabe que foram os votos de todos os portuguezes constitucionaes, e daquelles mesmos que soffriam em Portugal as tirannias? não sabe, que foram tambem, e principalmente os votos dos valorosos da ilha Terceira, e os da Regencia, que alli governava, como Sua Magestade Imperial expôz no mesmo, decreto, pelo qual se declarou regente?

Agora, Sr. Presidente, chego ao ponto, que na realidade mais me escandalisou! (attenção) O Sr. Ministro do Reino, continuando infundadamente a estranhar, que primeiro se lhe não tivesse feito resistencia, accrescentou, que senão admirava; porque sempre esperava, que tudo se lhe deixasse fazer, para de tudo se lhe pedirem depois severas contas, havendo para isso restricções hypocritas e jesuitas! Sr. Presidente, restricções hypocritas e jesuitas! A quem quiz o Sr. do Reino alludir? Foi a algum membro deste Congresso? Se foi, devia logo declarar qual era (apoiado); e se não foi a membro do Congresso, para que veio fazer aqui tão anojada censura....? Póde elle justifica-la, provando que houve em alguem essas restricções...? Era, Sr. Presidente, alguns da seus antigos amigos (que ainda hoje o são (apoiado), porque isto não são senão divergencias de opinião, e divergencias de opiniões, mais fortemente demonstrada por culpa do Sr. Ministro), era por ventura algum delles capaz de restricções hypocritas e jesuiticas? Recusou-lhe algum seu sincero parecer? Ou podiam e deviam elles, continua; a dar-lhe voluntariamente depois da pouca consideração com que S. Exca. tractou alguns, que foram com outros dignos cidadãos representar-lhe, que se não declarasse elegivel? E é assim, que S. Exca. indistinctamente compensa o cordeal apoio que muitos lhe hão dado ....? Forte arrebatamento...! Com tudo, eu espero que o Sr. Ministro do Reino, pensando um pouco mais maduramente sobre esta expressão, haja de a reformar, ou de vêr, pelo, menos, se a explica de modo, que a publico possa fazer-lhe justiça.

Disse mais o Sr. Ministro do Reino, que não querer leis novas é ser retrogrado, ou peior que retrogrado, creio que barbaro. Mas quem é que disse ao Sr. Ministro do Reino, que o Congresso não, queria leis novas? Alguns Srs. Deputados, disseram ao Sr. Ministro do Reino, que não tinha direito de fazer tantas leis, e que muitas d'essas leis não eram vantajosas ao paiz, mostrando-se por isso dispostos a não as approvar. Mas disse alguem, que não eram boas por serem novas? Porém sobre este ponto não me demorarei mais. Disse mais, continuando a estranhar muito que não approvassem tão benevolamente como elle queria e com a maior condescencia, as suas leis; que nas Côrtes de 20 a 26, e em todas as outras até 36, só tinha havido homens mediocres, talentos poucos abalisados; porém que o actual Congresso era composto de homens grandes, de genios transcendentes, de Licurgo, e Solons. - Assim se satirisa uma Assembléa Legislativa.....! E é certo, que ao Sr. Ministre do Reino já eu ouvi fazer uma opinião bem favoravel do Congresso. Eu sei, que no calôr com que se improvisa nem sempre se podem escolher as expressões, mas, a dizer a verdade, a ironia foi muito amarga para poder ficar sem resposta. O Congresso não a merecia ao Sr. Ministro; e em caso algum lhe era licito tracta-lo tão bruscamente, ou com tão pouca urbanidade. Espero pois, que o Sr. Ministro tambem sobre está ponto se explique convenientemente para elle, e para nós.

Aqui concluem as passagens mais notaveis do discurso do Sr. Ministro do Reino, que eu notei, e concluam tambem as minhas observações a ellas. Mas não devo acabar sem expôr, que por maior hostilidade que pareça haver entra o Ministerio e o Congresso, ou confio todavia, que os principios não deixem, de continuar a ser sustentados da mesma maneira, e tão fortemente como até aqui o tem sido por todos os Srs. Deputados, e pelos proprios Srs. Ministros, (Apoiado, apoiado.) Direi mais, que ainda que eu rejeite, como já disse, todos os decretos publicados depois do dia 18 de Janeiro, nem por isso quero que alguma repartição fique desmontada, ou que o serviço publico seja prejudicado. Ha um decreto, que já hontem foi lembrado pelo Sr. Ministro do Reino, sobre a fiscalização, que é da maior urgencia; porque as pautas hão de ser postas em execução no dia 15 deste mez, e é absolutamente necessaria uma exacta fiscalisação. Porém o que cumpre ao Congresso, e o que estou disposto a fazer, é tractarmos delle immediatamente, a fim de que por toda esta semana, se fôr possivel, elle fique em execução. Concluo por tanto votando pelo ultimo §. do parecer da Commissão; isto é , que se revejam todos os decretos legislativos do Ministerio; que só se considerem em vigor os publicados até ao dia 18 da Janeiro; e rejeito por conseguinte todos aquelles, que foram publicados depois d'esse dia.

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado que acaba de fallar, depois de ter dito uma opinião sua, disse que havia unanimidade no Congresso, e como só lhe não podia responder, quando elle, estava fallando, por isso eu agora declaro que não foi unanimentente; porque eu sou de outra opinião: disse mais que havia, hostilidade contra o ministerio. Quem lho disse? Já houve uma votação por onde o Sr. Deputado podesse conhecer isso......

O Sr. Barjona: - Sr. Presidente, eu chamo á ordem o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - E eu apoio.
O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado disse, que havia, uma unanimidade; como lhe hei de eu dizer que não ha essa unanimidade; como o hei de eu fazer?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado explicou um facto quando fallou, e agora o Sr. Deputado quando tiver a palavra tem o direito de o contestar, isto quando lhe chegar a sua vez; e além disto hontem resolveu-se que aos factos não se lhe dê explicações. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Leonel: - O que eu sei é que todos fallam, todos dizem o que querem, e eu não chamo ninguem, á ordem.

O Sr. Ministro dos negocios do Reino: - Sr. Presidente: eu queria que V. Exa. perguntasse ao Congresso, se me permittia dar algumas explicações; eu quero ser julgado pelos meus actos, mas não quero que as minhas expressões sejam mal interpretadas; e por isso pediria a V. Exa. que consultasse o Congresso, se me era permittido dar algumas explicações.

Consultado o Congresso decidiu affirmativamente.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - Disse-se, que eu tinha dado a entender, que durante o tempo da dictadura, não havia se não o partido da administração passada que resistisse abertamente á nossa usurpação, e ao poder legislativos isso é verdade: - e o Sr. Deputado diz, que o Governo não tinha o direito da legislar tanto; mas aqui não se tracta senão da violação do principio: e eu disse então

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que se tinhamos violado o principio - era mister resistir: - por quanto uma vez reconhecido elle; a questão domais, era menos, era de pouca importancia. - A respeito do que se me attribue, suppondo que eu dissesse, que os Srs. Deputados se tinham humilhado diante da dictadura, peço que o Congresso attente bem - que nem essa expressão lhe sahiu da bôca, nem tal podia nunca ser o meu pensamento! Eu declarei que a independencia do nobre Deputado não era superior á de nenhum outro, e foi o principal objecto sobre que fallei; e aquillo de que eu estou persuadido é, que nem o Congresso, nem nenhum dos Srs. Deputados é capaz de se humilhar senão diante da razão, e a justiça. Estas expressões o Congresso ouvio-as, e ellas só provam que eu tive a desgraça de ser mal entendido. - Eu combatia a opinião do Sr. Deputado, que se assenta do outro lado da Camara, tenho uma grande admiração pelas Côrtes constituintes. As assembléas passadas tambem tinham grandes illustrações e homens de grande saber, ora: pareceu-me que era injusto dizer, que os nossos trabalhos eram tão imperfeitos, quando elles em grande parte assentavam sobre os trabalhos de tantos escriptores, e sabios legisladores. O Sr. Deputado que se assenta do outro lado da Camara, não achou nada bom em tudo quanto se fez nesta administração; em quanto achou que a primeira dictadura fez a felicidade do paiz: o Sr. Deputado não achou nada bom em tudo quanto se fez, nem achou nenhum motivo nobre nos ministros, porque estes poderiam enganar-se, apezar das suas intenções serem boas: um todos os parlamentos se respeitam as consciencias e as intenções; o Sr. Deputado não achou nada bom, mas nem ao menos nos deixou aos nossos corações o desejo de acertar; e então eu para mostrar ao Sr. Deputado os nossos desejos lhe disse, que nós humildes ministros seguimos a experiencia, e fomos a traz desse resto de luz, que nos deixaram tão grandes varões e seus brilhantes parlamentos. O Sr. Deputado sem dúvida explicou um pensamento, que não era o seu; por que faço-lhe a justiça de acreditar, que elle não teria a vaidade de se querer comparar, ou julgar superior a todos os membros deste e de todos os parlamentos; e então como se pode entender ou reputar um argumento feito a um Sr. Deputado seja uma offensa feita ao Congresso? Quando eu dizia, que o Congresso não ha de querer que se lhe dêem louvores exagerados na sua presença, quando elle apenas tem três mezes de vida, e os seus actos hão de ser julgados pela posteridade, e pela historia; e eu estou persuadido da modestia do Sr. Deputado que não quererá colocar-se sobre todos os parlamentos. Sr. Presidente, tudo quanto eu tu, foi por honra do Congresso, e eu creio que esta explicação o satisfará. Quanto á iniciativa se os decretos não passam como lei, podiam ser de novo apresentados em virtude da nossa iniciativa, mas ou ellas são ou não uteis para o paiz : se o são escusado é perder assim o tempo. - Por esta maneira creio que tenho respondido: quanto ás outras encrepações que se tem feito se me chegar a palavra eu me defenderei; eu sei que se o Congresso perder a sua força perdida está a revolução, e perdidos estamos nós.

O Sr. Silva Sanches: - Eu pedi a palavra para responder ao Sr. Leonel; porque não fui tão inexacto, como ao Sr. Deputado parecea. O que eu disse foi, que a reunião dos eleitos do povo teve lugar em 13 de Janeiro; e pareceu-me que isto não tinha sido, nem podia ser contestado. Declaro com tudo que renuncio a essa unanimidade, se a não ha; porque eu expuz um facto verdadeiro, e tão exacto fica tile com a unanimidade, como sem ella.

O Sr. Presidente: - Devo observar que o Sr. Deputado, a quem se refere, foi chamado á ordem, porque estava fóra della; e agora Sr. Deputado tambem não póde deixar de ser chamado á ordem, porque falla sobre o mesmo objecto, que se assentou fóra della.

O Sr. Silva Sanches: - Pois bem, eu toquei isto de passagem, e aqui findo. Agora direi, que o Sr. Ministro dos negocios do reino, explicou-se de uma maneira, que não póde deixar de ser satisfatoria a este Congresso. Uma unica cousa tenho de rectificar, e é, que eu não disse, que ninguem tinha faltado de leis novas; mas sim, que e não impugnavam as suas leis, por serem novas.

O Sr. Almeida Garrett: - Já que me coube faltar n'esta occasião solemne, e depois das explicações que acaba de dar o Sr. Ministro, começarei por lhe agradecer a pequena parte que me poderá tocar na restituição, que hoje faz tão ampla, e que, pela alta opinião que tenho da sabedoria e justiça do Congresso, mais interessava a honra e satisfacção do Sr. Ministro do que á nossa propria.

Por minha fraca parte sei que não presumo de Solon ou Lycurgo; é ouso interpretar os sentimentos geraes da Camara, que superiores á imputação dessa louca vaidade, temos todavia o nobre orgulho de não ceder a nenhum legislador patriota em zêlo, em sincero amor dó bem publico (Apoiado).

Outro sentimento, não menos nobre, e nem menus unanime em todos os rostos vejo pintado, sentimento verdadeiramente digno de legisladores patriotas, o de serem altamente superiores ás mesquinhas susceptibilidades de amor proprio; nem julgo usurpar, nem receio ser desmentido, quando, constituindo-me interprete de tão nobres sentimentos, tomo a liberdade de declarar ao Sr. Ministro, que nem, as suas expressões do outro dia, nem as suas explicações dê hoje hão deter a minima influencia em nossos votos (apoiado); que as Côrtes hão de fazer seu dever (apoiado); que o hão de fazer sem nenhuma consideração apaixonada, que nenhumas sympathias, assim como nenhum podér humano, fóra ou dentro d'este Congresso, nos ha de obrigar a tratar ou decidir questão alguma senão com os olhos na patria, em seus interesses e no desempenho rigido e austero de nossas obrigações como procuradores dos povos (apoiado geral).

Ditas estas poucas palavras de exordio, que a circunstancia pedia, e em que era forçoso desaffogar, entro na questão, que é meu firme proposito e empenho restituir á sua natural simplicidade, em que me parece que já não esta.

A questão é simples, digo, simplicissima: e todavia a temos complicado com uma infinidade de considerações estranhas, porque é da mingoada condição do homem deixar tomar parte às suas paixões n'aquillo mesmo em que mas conhece que as devêra repellir sempre, e isolar-se de sua influencia.

Nas primeiras palavras, que pronunciei fiz a solemne declaração de que era meu intento reagir contra esta propensão de nossa fraqueza de homens, e aproveitar a generosa elevação dos animos, que neste grave momento se excitou, para instar que todos nos unamos neste esforço nobre e digno, e despresadas todas as pequenezes de amor proprio, todas as consideraçõesinhas de vulgaridade, sejamos sómente o que desejamos ser, desapaixonados interpretes da sabedoria nacional (Apoiado).

Por mais que a considere e examine, não posso ver nesta questão uma questão de direito, Sr. Presidente. Aqui não vejo senão factos: factos completos e cumpridos; e que já não está em nosso podér destruir: bons ou máus, justos ou injustos, succederam: segundo direito ou contra direito, fizeram-se, cumpriram-se, são irrevocaveis. Já nus hão resta se não tratar de sua conveniencia ou desconveniencia, discutir de seu merito, votar sobre sua necessidade ou utilidade. - O mais está fóra do nosso alcance (Apoiado).

Digo que não ha questão de direito. E abundando, como abundo, nas idéas de todos os illustres oradores, que me precederam, e que todos mais ou menos pugnaram pela independencia do poder legislativo, por manter illesos os inauferiveis direitos das Côrtes; não posso todavia conformar-me com a applicação, que ao presente caso se tem feito d'esses principios inquestionaveis, e por ninguem questionados.

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. I. 34 *

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Muitos Srs. Deputados, especialmente o que me precedeu a fallar, e que tão energica e nobremente o fez, tem reprovado os actos legislativos da dictadura por viciosos em sua origem, emanados do um poder illegal, destituidos por tanto de toda authoridade. Consideraram estes oradores o intervallo que mediou entre os acontecimentos de 9 de Setembro ultimo e a convocação das Côrtes, como um intervallo ordinario de sessões de legislatura, e a este estado ordinario e regular, regularmente applicaram as severas regras de direito constitucional.

Se este fôra o caso, Sr. Presidente, se tal fôra o estado da questão, o meu primeiro acto, apenas me sentasse n'esta cadeira, havia de ter sido o de me levantar para propor o decreto da accusação dos Ministros (Apoiado, apoiado). Se este fôra o caso, a leniencia do Congresso teria sido um erro, um crime, a nossa demora de tres mezes um peccado imperdoavel aos olhos da Constituição! Se tal é o caso, bem pouco tem sido, bem miseravel e bem fraco, tudo quanto temos dito, não ha nome para estes Ministros senão o de tyrannos, não ha qualificações para seus actos, senão a de usurpadores; não ha pena que se lhes imponha, senão a de lesa magestede.

E por mim declaro e protesto, que se hoje as Côrtes decidirem que este espaço de tempo, que mediou desde a revolucção de 9 de Setembro até a sua installação, foi um periodo ordinario, um mero intervallo de sessão, a sessão das Côrtes - amanhã hei de eu propor a acusação daquelles tres cavalheiros, que alli estão no banco dos Ministros, nem hei do descançar em quanto as leis, e os tribunaes não tiverem caido sobre suas cabeças com todo o peso da responsabilidade, que os deve aniquillar, e deixar feito uns perpetuo exemplo, em escarmento para todos os Ministros futuros - que se lembrem como em Portugal se castigam os violadores da Constituição!

Mas será esta, Srs., a hypothese em que estamos, - a posição em que estivemos? Prouvera a Deos que fôsse mais faceis seriam agora nossas obrigações, tanto mais leve o encardo, que temos aos hombros.

Não é assim ainda mal.

Nem esta era nossa posição, nem ella cabia nas regras de direito, toda exorbitava de suas demarcações. Applicar-lhe hoje o direito, em que não soube nunca, é um contra-senso absurdo, que por simples intuição fica logo demonstrado.

Aprecio, e louvo as rectas intenções, com que assim foi encararia esta questão. Mas ponderem os nobres Deputados até onde poderemos ir dar comnosco, seguindo por essa fieira de legitimidade, e legalidade, a que agora pretendemos sujeitar os factos de uma revolução!...

Fóra da revolução mesma, e de seus principios todos excepcionaes, aonde esta a constituição de uma revolução? Aonde estão as regras, para o que todas as regras destróe, aonde esta a ordem, e os tramites legaes, para o que era sua essencia traz o quebramento de toda ordem, e em sua natureza a anniquilação de todos os tramites legaes? Aonde houvesse leis, e ordem, e regimento estabelecido, não havia revolução.

Eu creio, Srs., nas revoluções, e no direito, que tem os póvos, em caso extremo, a recorrer a esse derradeiro meio extra legal, quando todos os outros estão esgotados. Esse é o unico direito das revoluções. De outro não sei, nem o reconheço. Cabe com elle e ao pé delle, o das fórmas legaes? Mas a nossa missão e chamar a revolução á legalidade, e em nome do povo , que no-lo ordenou, pôr termo a esse estado irregular, restabelecer as funcções normaes dos poderes do estado, acabar em fim a revolução. Tal é por certo a nossa tão difficil, quanto magnifica missão. Fechemos, e para sempre se pudermos, o abysmo das revoluções, e praza a Deos, que tal, e tão sólida seja a muralha, que nós construamos em torno da lei, que nunca mais haja dictaduras, nem precisão dellas, nem pretexto para ellas! (apoiado!) Mas nem nós, nem nossos constituintes podemos desfazer o que esta feito, podemos fazer com que deixasse de succeder o que succedeu.

A revolução mudou a constituição do estado. De um dia para o outro, os principios constitutivos não só foram alterados, mas (note-se bem) foram deixados incertos, por dependentes do que as futuras Côrtes houvessem de constituir. A authoridade de governar até esse periodo é confiada ao unico poder do estado, a quem era possivel exerce-lo, e que a revolução não destruira, nem quizera destruir, porque esse poder era o executivo encarregado á monarchia, e o povo portuguez até na propria febre das revoluções é sempre monarchico. (Apoiado geral.)

Tres, ou quatro homens são feitos ministros, dá-se-lhes o nome de ministros. Não o são, não o foram, quero dizer, no sentido constitucional, unica linguagem, que entendo, e fallo. Não foram monstros constitucionaes da Corôa. Foram ministros, e executores da revolução. Peza-me de lh'o dizer, pêza-lhes talvez de o ouvir, mas a exacta verdade constitucional é esta. Aquelles cavalheiros, que alli estão assentados, e que eu hoje reconheço ministros da Corôa, e legaes servidores do estado, até ao momento da installação das Côrtes não eram senão ministros da revolução, seus agentes, responsaveis por ella, e para com ella. Nós que vimos instaurar a lei, o povo que no-lo mandou fazer, não podemos, vêr outra cousa nelles, nem reconhecer-lhes outro caracter, nem, admittir-lhes outra missão. Acceitaram aquelle poder, exerceram-no, declararam que o não podiam fazer com as antigas leis, que pertenciam a outra ordem constitucional, alteraram-nas, modificaram-nas, fizeram outras. Sobre suas almas, e consciencias fica. Se delapidaram, havemos de castiga-los, se prevaricaram, havemos de puni-los. Mas para o que legislaram, bem, ou mal, util, ou inutilmente, não temos senão a reconhecer esse facto, dizer que existiu; e examinando-o com prudencia, e sabedoria, converte-lo em direito, se o merece, proscreve-lo, senão convém, (Apoiado.)

Estes incontestaveis principios forçosamente nos levam á questão do merito intrinseco dessas leis, ou determinações ministeriaes. Nessa nos repugna entrar, mas não ha remedio senão faze-lo.

Isto é o que o paiz quer, e pede, isto é o que a opinião reclama, isto é o que ella tem direito a exigir de nós. Façamo-lo, que não fazemos senão o nosso dever.

Mas como, em tanta multiplicidade, e variedade de leis? Facilmente, se o fizermos com methodo, com systema, a ordem. Não imaginemos, Srs., terriveis, e invenciveis difficuldades no que estamos assim vendo de longe, e na confusão vaga de um cáhos. Tenhamos animo para o encarar da perto, e examinar por miudo, com a regra, e o compasso, na mão, e a tarefa não ha de parecer tão ardua.

Não o faremos de certo nunca pelo methodo, que nos propõe a Commissão, cujas luzes aliás respeito, e cujas intenções rectas avalio, mas a experiencia de dezesete annos me tem mostrado, a todo o Portugal o tem provado, á sua custa, que por tal methodo senão faz, nem póde fazer-se. Nem vai das lentidões, e morosidade necessaria dos corpos legislativos, vai do methodo, que é errado. Refórmas, e revisão de leis lêem sido feitas por mais simples tramites, e menos peadas das fórmas e ainda não provaram melhor. Esta foi a segunda dictadura, já houve outra. Ambas legislaram acertou alguma? (Apoiado)

Esta reflexão naturalmente me leva a tratar (posto que de incidente) uma comparação, que aqui se fez entre as duas dictaduras. Bem pouco comparaveis são ellas, em minha opinião; porque larga, e longamente diversas, e distinctas as circumstancias constitucionaes de cada uma. Explico-me.

E antes que falle nas duas dictaduras, quero dizer, que me sirvo desta palavra, porque na imperfeição, e insuffi-

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ciencia de nossas linguas modernas, não conheço outra, que represente a idéa do poder discricionario, que nestas duas crises politicas foi exercido. Sei a historia da sua origem romana, conheço que não era em Roma exactamente o que lhe chamamos hoje; mas não sei outra palavra, que mais se aproxime da idéa; uso della com estas explicações; peço o favor de m'a tomarem assim, que não hei de disputar; nunca disputo de palavras.

Foram diversissimas, dizia eu, uma dictadura da outra. A do Senhor D. Pedro veio com a guerra, e as armas, é verdade, mas sem revolução: (apoiado) legislou; mas entre uma, e outra regular sessão da legislatura, sem interrupção, de direito, do systema constitutivo do estado. A Constituição era a mesma; suspensa de facto na maior parte do reino; mas existente de direito para todo elle. Então mais ousado, muito mais exorbitante foi, que o Governo ousasse legislar. E fê-lo; e muita gente se lhe oppoz. E foi dada a razão da salvação pública, e foi attendida, e vieram as Côrtes (Côrtes sujeitas a uma Constituição nunca revogada), e não só reconheceram, senão que sanccionaram o facto daquellas leis. E a Constituição tinha estado em pé, e o mesmo governo do augusto libertador não tinha origem na Constituição; mas tinha-a noutro principio mais antigo, maior, e mais poderoso; o da salvação pública.

Legislou-se então muito; e legislou-se bem, e mal. Legislou-se agora muito; e tambem se legislou bem, e mal. Em todas, ou quasi todas as leis de uma, e de outra dictadura, as theses são excellentes, muitas das hypotheses defectivas, algumas más.

Mas em todas estas leis, mas em todas as leis, que ha dezeseis annos nos fazem dictaduras e senados, em todas se nota um defeito primordial e constante - a falta de nexo e sistema (apoiado). Esto é, que é o vicio, que Portugal lhes nota; este é o erro, de que Portugal se queixa; este é o mal, a que Portugal pede remedio; pede, clama e exige - que tem direito a exigi-lo. (Apoiado.)

Nem sempre do mesmo modo se tem expressado a opinião do paiz; nem sempre com a exacção que mal se póde esperar dos murmurios do povo. Mas os seus murmurios e os seus clamores são estes, e isto é o que significam. Organisar o paiz é a necessidade d'elle, que mais salta aos olhos. A grande e optima occasião de o fazer, perdeu-se, é verdade; foi a da restauração de 1834 - quando suicidadas todas as pertendidas illustrações e notabilidades retroactoras, desassombrado o terreno de todas as instituições absurdas da tyrannia, era tão facil descrever os grandes traços da organisação social sobre um terreno limpo, e depois da queimada geral de todas as matas dos prejuizos.

São se fez por aquella dictadura; e podia fazer-se. Não se fez por esta, e não sei se podia fazer-se, as circumstancias eram diversas Mas sei que, se tudo se não podia fazer, alguma cousa se podia ter feito. Pelo que, podendo, não fizeram, censuro eu os Ministros; pelo que podiam organisar e não organisaram, pela falta de nexo que suas leis tem, as accuso e repróvo.

Pouco importa que haja muitas ou poucas leis o que importa é que haja unidadeeçntre ellas. O vicio da multiplicidade, que os publicistas reprovam, é este. Não se contam numericamente as leis, senão methodicamente. Tal codigo de centos do artigos póde ser mais simples, e mais um, do que tal lei de dous paragrafos.

Não direi eu, como alguns Srs. que me precederam, que não vi nem estudei estes actos legislativos das dictaduras. São muito e muito importantes para os eu julgar, nenhum para que o não lesse e meditasse. Eram onus que se impunham á minha patria, meditei-os todos; e pelo que n'elles vi, ouso já dizer que em uns e outros a somma total dos bens é minto superior á somma total dos males.

O que entre elles não achei é nexo, é ordem, é sistema; este é o que cumpre dar-lhes, este é que nos devemos empenharem que o tenham: e Portugal nos cobrirá de bençãos. (Apoiado).

Disse, que não importava o numero das leis. Digo agora que não importa a sua data. A ninguem repugnam mais innovações inuteis do que a mim. Ninguem, mais que eu, e tremece diante do neologismo legislativo, que anda em moda, e sobre tudo do estrangeirismo absurdo e feminino de copiar as instituições dos paizes alheios, com que este pobre reino se tem feito caricatura de todos, e o real manto de suas leis, capa remendada de mendigo, que vai esmolando trapos, com que se cubra; e sem ordem nem symetria os cose em seus tristes andrajos.

Mas sentido, que não vamos além das marcas da mão com esta generosa e nacional repugnancia! Cautela com o fanatismo d'essa independencia! Bem romanas eram as leis das doze taboas, e tiveram origem grega. O sistema representativo, com que tanto nos ufanamos hoje os povos do meio-dia, veio dos barbaros do norte.

Respeitemos as cans de nossas velhas, e venerandas leis; mas que não vá essa religião até á superstição. As reverendas cans de nossas instituições (que muitas são boas) uno devem fazer nojo á vigorosa mocidade de outras instituições, que podem ser tão uteis.

De passagem applicarei estas regras prudentes a algumas declamações sentimentaes, que aqui teem sido feitas por vezes sobre o desacato de nosssas liberdades municipaes. A seu tampo hei de mostrar, que tambem eu me declaro campeão de nossas velhas liberdades municipaes, e que vejo em cada foral de uma antiga villa destes reinos uma constituição de muito respeito, que não posso vêr derogada tão sem alma, como por ahi se tem feito amiudo; em cada pelourinho da seus rocios, um monumento do sempre constante amor da nossos avós a esta liberdade, que nunca morreu em Portugal, nem autuada por juizes de fora, nem devassada por corregedores, nem avexada por srs. feudaes, nem enforcada por desembargadores, nem arcabusada por soldados, nem queimada pela inquisição.

Mas desde já quero observar, e pedir aos meus illustres collegas, que observem, e meditem, que as liberdades municipaes antigas, e na confusão de principios, e attribuições, que então reinava, eram muitas um retalho da liberdade geral, e politica, que no desherdamento da republica se tinha sonegado ao inventario do despotismo, e que perdida para o estado, se acolhia ao municipio. Quando se restitue a liberdade á nação, e ao paiz, é forçoso reclamar algumas dessas liberdades extraviadas. E então não se diga, que diminuiram, que se tiraram; mas que se collocaram onde pertenciam.

Tenho sido longo; peço desculpa: o defeito é mais do assumpto, que meu. Vou concluir, e resumir-me. Repito, que esta questão senão póde tratar por direito: que coactos pelos factos não temos remedio senão reconhecer, que elles existem. Que só nos cumpre examinar o mento desses factos. Que o façamos. Que o methodo da Commissão me não parece bom, e tomo a liberdade de propor outro, que mandarei para a mesa. Que não sei, nem ouso, nem posso sanccionar taes leis sem as examinar. Que se assim se propõe, todas as reprovo. Que suspende-las em todo, ou em parte sem as examinar, é comettermos nós o mesmo, porque tão asperamente estamos censurando os ministros (Apoiado.) Mas antes de ler, e propor a substituição, que entendi dever propor ao parecer da Commissão, desejo fazer confissão explicita da doutrina liberal, que professo, e que em materia tão delicada, qual esta é, muito me pezará se fôr mal entendida, que não induza as gentes em erros perniciosos, quaes me parece, que poderão derivar-se das expressões, que antes de hontem se attribuiram ao Sr. Ministro do reino, que eu mesmo julguei ter-lhe ouvido, que de sua explicação posterior folgo de ver, que taes não eram.

O direito dos povos á revolução é, como já disse, o der-

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radeiro recurso, que só na falta de todos os outros, e esgotados elles, lhe compele. E o da salvação propria, que assim authorisa os individuos a prover em sua conservação, e obedecer a esta lei primeira, e mais antiga que todas, sem attenção a quaesquer outras.

Mas este direito tem limites: esta lei tem sancção. O povo que os ultrapassa, perde-se; a sancção dessa lei cae-lhe em cima, e o esmaga; porque é a mais forte de todas as leis, a mais poderosa, que a armou Deos de uma comminação tremenda, qual a não tem os homens para dar as suas leis ephémeras, e hesternas. Esta é a lei, que existe desde que nasceu o homem, e a sociedade com elle. Esta é a constituição das constituições, a soberana de todos os soberanos, que reina sobre os reis, e sobre os povos, e diante da qual se curvam as magestades representadas, e representantes. E' a lei da sociedade, que é a lei do creador. O individuo que lhe falta, morre; a sociedade, que a despreza, pereceu.

Sei que o povo portuguez não é tão ingrato, que nem pela imaginação lhe passasse mudar de dynastia; nem tão louco, que pensasse em alterar a fórma monarchica. Em nossas procurações está a próva. (Apoiado, apoiado geralmente.) Mas quando em taes febres delirasse, digamos-lhe (que o povo portuguez fólga de ouvir verdades), que faltava á lei primeira de sua conservação como povo; que por tanto não tinha direito a faze-lo, e que o crime, que assim comettesse contra si proprio (apoiado), contra si proprio, digo, havia de ser punido pela terrível sancção da lei natural, que nenhum poder commuta, que nenhuma intervenção póde moderar.

Digamos-lhe igualmente (e essa verdade ainda elle ouvirá com mais gosto, se é possivel), que nenhum direito tem, que nenhuma circumstancia lh'o dará nunca, para destruir os altares do seu Deos. (Apoiado, apoiado)

Sim, os altares do seu Deos! Manche-os que superstição os manchar, seja a sua crença qual fôr, nos altares do Deos de nossos pais não póde tocar mão de rei, nem mão de povo!

Ao desgraçado, que tiver a infelicidade de não crer, lá lhe fica o triste recurso de se abster de tomar parte no culto. O desvairado, que mudar (como se em taes cousas houvesse mudança), que vá embora erguer outros altares de seu rito. Mas destruir os que sagrou a crença de nossos paiz! Pereça tal pensamento! Anatheraa sobre a só idéa delle. E ainda bem, que somos representantes de um povo, como o portuguez, a quem o filosofismo repugna como a lepra, e para quem a moralidade religiosa é mais um elemento, mais uma condição de liberdade. (Apoiado geral.)

Como representante, que tanto me honro de ser deste póvo generoso, para elle appéllo, e me aggravo de quem taes direitos lhe quizer. persuadir, que tem. Como seu procurador lhe protesto, que os não tem. E como teu Deputado tenho a gloria de declarar, que elle os não quer, nem pretende. (Apoiado, apoiado, viva adhesão em todo o Congresso.)

A substituição, ou emenda, que tomo, a liberdade de propor, é esta (leu).

O Sr. M. dos Negocios do Reino: - O nobre Deputado que acabou de fallar, explicou as palavras, que eu tinha proferido de uma maneira contraria ás minhas intenções; não esperou que eu mesmo as explicasse, e fez o eu protesto.- Aquellas expressões, Sr. Presidente, não explicam a politica do governo; mas a minha particular opinião, e eu as rectifico se o Congresso m'o permitte. (Uma voz:- Falle) O meu pensamento era declarar, que o povo era soberano, tal qual se acha estatuido na lei fundamental do paiz, e que nenhum Congresso tinha o direito de lhe impôr uma constituição religiosa: (apoiado) entre tanto eu entendo que as Côrtes hão de perseverar na fé de nossos maiores, (prolongados applausos de todos os lados) despida de fanatismos e superstições, e accomodadamente ás instituições que tinham de reger o paiz: n'uma palavra, a minha particular opinião como homem - como Deputado - como ministro da corôa, é - que á Nação Portugueza não convém outra Dynastia, que não seja a da Casa de Bragança, nem outra fórma de governo, que não seja a Monarchia Constitucional, e que qualquer outro, que se apresentasse não daria mais Liberdade á Nação, antes a faria caminhar para um despotismo. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, quando esta questão se começou-a discutir, um de nossos honrados collegas pronunciou algumas idéas, que me pareceu necessario combater, pedi então a palavra só para lhe responder. Ainda agora não estou muito afastado do meu primeiro preposito. Intermediou-se um dia de folga; hoje a discussão principiou-se, e tem-se sustentado sempre com o mesmo calor, e se estas circumstancias me levão a pronunciar a minha opinião, nem por isso entrarei no debate com o espirito de desenvolvimento, e prolixidade de discurso, que o seu estado exige. Não me esqueço, que o meu fim principal é mais combater alheias opiniões, do que manifestar, e sustentar as minhas. Esta questão tem-se tractado debaixo das relações de direito, e de conveniencia: não a encararei do primeiro modo, porque assento que ella por este lado tem sido amplamente tractada: não examinarei pois, se os Ministros tinham o poder de legislar durante a dictadura, se elles abusaram d'esse poder, se se lhes podem fazer censuras por erros, ou se devem ser processados por crimes: tracto a questão só pelo lado da conveniencia, e desejo que por este mesmo lado o Congresso a encare bem seriamente. - Tracta-se de saber se havemos de declarar em vigor os decretos da ultima dictadura. Se os não declaramos em vigor, por que leis ha de ser governado o paiz? Pelas anteriores, as da primeira dictadura, pelas leis da Monarchia, quando ella não assentava nas fórmas representativas.

Sr. Presidente, voltaremos nós ás leis do mando, e quero, por sciencia certa, e motu proprio? Voltaremos aos fóros privilegiados? Voltaremos á confusão do administrativo com judicial? Voltaremos aos processos occultos? As jurisdicções excepcionarias, ás doutrinas do dominio da Corôa, em fim, a todos os abusos judiciaes administrativos, financeiros, e fiscaes, da antiga legislação? Certamente não. - Pois havemos de voltar á legislação da primeira dictadura, á legislação da Carta? Não, digo eu; e desejára que este não soasse bem alto em todo o paiz.

As leis da primeira dictadura nasceram de um poder tão irregular como as da segunda; e as leis da Carta, depois que ella entrou em andamento legal, foram todas anathematisadas pela opposição, combatidas pela imprensa, reprovadas, pelo paiz, arrancadas a uma maioria viciosa, e procedentes de votos de confiança; pois então a estas leis é que devemos voltar? Não creio que tal seja o pensamento do Congresso. A Carta acabou; far-se-hia uma revolução para a derribar, e voltar depois ás leis da Carta? Somos aqui chamados para sanccionar essa revolução, e o primeiro serviço que lhe havemos de fazer é repôr nos altares os idolos que ella derribou?

Sr. Presidente, a Carta, a pesar de cercada dos tropheos de mil batalhas, e do prestigio da gloria militar, de que os Portugueses somos naturalmente amantes; apesar de envolvida nas remeniscencias mais gratas ao coração do homem; a pesar de que cada successo da sua historia havia sido um transe, ou de martyrio, ou de prazer, ou de triumpho para milhares de Portugueses; essa Carta, que contendo uma liberdade de favor nos custou mais do que uma liberdade de conquista, não se póde sustentar no paiz, e tão facilmente cahio á voz de um tyranno, como aos gritos populares: essa Carta, diga-se o que se disser, se não tinha o odio da Nação, não tinha tambem as sympathias populares. E destruída ella, poderiamos voltar ás suas disposições legislativas? Havemos lançar outra vez no paiz as sementes

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da discordia, esporar os Portuguezes com as filhas de uma origem odiada, e sustentar os desenvolvimentos de um systema que a acabou? Havemos de levantar o novo edificio social sobre os alicerces, que ainda ha pouco abateram debaixo do peso que carregavam? Disse o meu amigo o Sr. Valentim, que não queria tomar sobre si a responsabilidade de consentir em vigor as leis da dictadura; desenganemo-nos; não viemos aqui para merecer a honra de martyrologio romano; se para salvar o paiz fôr necessario carregar com qualquer responsabilidade, é do nosso dever carregar com ella (apoiado). Sr. Presidente, é duvidoso se a revolução de 9 de Setembro deixará monumentos politicos; não sabemos se a Constituição que temos a fazer conservará principios da Constituição de 22; mas as leis da dictadura, boas ou más, são monumentos d'essa revolução, e quando estamos em duvida se alguns deixaremos, é que havemos de destruir os unicos que agora existem? Não será prudente pôr em vigor as leis da dictadura; mas tira-las inteiramente, e todas, da execução, é sem duvida stygmatisar a revolução, e este pensamento para mim é honoroso: disse eu inteiramente, porque o consenti-las em vigôr não nos prejudica o direito de as rever, fazendo nellas todas as alterações conducentes á prosperidade do paiz. Eu espero, que ou se adopte para isto o methodo proposto pelo Sr. Garrett, ou se approve o que a Commissão apresenta, as Commissões deste Congresso hão de ser Commissões vivas; que nós todos havemos de entrar zelosa e conscienciosamente nas discussão d'essas leis, e harmonisa-las por justas correcções com as necessidades do paiz.

As leis da segunda dictadura são em parte a reforma das leis da primeira; reformaram-se os pontos reprovados pelo tempo, pela imprensa, e pelas reclamações do povo; e qual será mais prudente, tomar por norma das nossas discussões as leis que tem todos esses vicios, ou aquellas em que já se começam a corrigilos. - A questão é esta, e assim encarada, creio que perde toda a difficuldade.

O Sr. Ministro das negocios do Reino, querendo censurar o Congresso por não haver exercitado o direito de iniciativa sobre as leis dictadura, perguntou:-Porque se escondem os Aquilles na tenda? Responder-lhe-hei com uma pregunta, que tambem tirei das cousas da guerra. - Porque no rijo da peleija tem o condestavel a espada na bainha, e a perna sobre o arção da sella? Porque o condestavel não combate fóra de tempo, e ataca só quando chega o ensejo proprio. Como queria o Sr. Ministro aos negocios do Reino, que os Deputados tivessem usado da iniciativa sobre as leis, que elle faz, se o modo de usar d'ella ainda está dependente de uma resolução do Congresso? Como queria que se apresentassem projectos de emendas sobre as leis da dictadura sem se ter discutido o parecer da Commissão, sem se ter determinado o modo de entrar no exame dellas? Agora sim, é chegado o tempo em que cada Deputado, depois de as ter examinado ha de apresentar o contingente das suas luzes; e eu, que não sou condestavel, nem no campo, nem no parlamento, hei de tambem propôr para essas leis as emendas que julgar convenientes.

Sr. Presidente, creio ter demonstrado, que é de extrema conveniencia politica, que declaremos em vigor as leis da dictadura; e julgo não será preciso dizer muito para provar que nisto não é menor a conveniencia administrativa.

Proclamou-se no paiz uma lei fundamental contraria em principios capitães á Carta de 26, reconhecendo uma diversa organisação das agencias subalternas, um differente systema de processos governativos: foi necessario harmonisar com essa nova lei muitos ramos da administração publica; e a necessidade dessa harmonia ainda hoje subsiste, porque essa lei ainda noa rege. - Destruir por tanto d'um só golpe todos os trabalhos legislativos da dictadura, seria pôr de encontro os com as consequencias, redusir-mo-nos a um estado e authorisarmos nós mesmos a anarchia no paiz.

Ponho um exemplo. - As eleições da Carta eram indirectas, e os eleitores de provincia, dividindo-se depois por districtos, faziam em cada um delles as eleições das respectivas juntas administrativas: as eleições pela Constituição de 20, são directas; não ha eleitores provinciaes, e por isso era impossivel a sua divisão por districtos, e impraticavel a eleição por este methodo: urgia por tanto providenciar este caso; de contrario ficava a maquina administrativa sem uma, das suas mais importantes rodas. - Eis ahi o que se fez por um decreto da dictadura. - E se agora a esse decreto fosse negada a execução? Não havia juntas de districto. - Páro nos exemplos, porque não quero cançar o Congresso, e a materia dispensa mais provas.

Vou já ao meu primeiro proposito; responderei a algumas das idéas apresentadas por um dos nossos honrados collegas, quando começou a discussão sobre o presente assumpto. - Accusou elle a dictadura, de haver feito leis multiplicadas: é preciso que nos entendamos bem sobre esta accusação, que é geralmente repetida, mas que me não parece estar bem deffinida. - Eu entendo que as leis são multiplices - ou quando se fazem para objectos, que as não precisam, e então além de multiplicadas são inuteis, ou quando um objecto legislando se divide por muitos diplomas, nenhuma das leis da dictadura, me parece que está nestes casos. A dictadura ou legislou sobre materias, para as quaes as necessidades publicas pediam imperiosamente medidas, ou sobre objectos, que já estavam providenciados por leis antigas. - No primeiro caso as instancias publicas, que reclamavam essas leis, repelem ellas mesmas a accusação de multiplicidade feita pelo nosso collega: no segundo a questão não se póde decidir sem comparar as leis da dictadura, e as que ella substituiu, e é então forçoso entrar no exame do merecimento d'umas e outras, porque as leis não se dizem multiplicadas em relação ao seu numero, mas em referencia ao seu merito comparativo á necessidade, que dellas ha. Se a multiplicidade das leis se medisse simplesmente pelo seu calculo numerico, já ha muito que teriam fechado estas officinas legislativas, e não se tornava a fazer mais uma lei em paiz algum do mundo civilisado; porque todos tem armasens dellas.- Além disto uma lei, que nasce para regular objectos, que por outras estavam regulados, as mais das vezes acaba por decretar a morte daquellas, que ella veio substituir. - Lei fóra de execução, não se conta como lei. - Considerando a questão pelo augmento dos diplomas, e pelo numero dos papeis, acho que a dictadura até resumiu muito o numero das leis, e posso prova-lo arithmeticamente, - A lei de 18 de Agosto, que regulava a administração do paiz, referia-se em muitos casos omissos ao decreto de 16 de Maio n.° 23. - A lei da eleição das camaras era uma lei separada da lei administrativa; era de 9 de Janeiro não sei de que anno. - Esta mesma lei referia-se a outras muitas para regular as condições da elegebilidade em relação ao censo.- A dictadura de todas estas leis, e de muitas outras, que eu não preciso referir, fez o codigo administrativo; fez uma lei sómente.

A respeito das leis judiciarias praticou o mesmo; reduziu a um codigo o decreto de 16 de Maio, a lei de 30 de Abril, e um sem numero de portarias, instrucções, e decretos, que continham diversas disposições sobre a organisação judicial. Parece-me pois ter provado, que a accusação feita pelo Sr. Deputado, de que as leis da Dictadura eram multiplicadas, não é bem fundada.

Disse mais o nosso collega = mas no inclusive do projecto da Commissão, é que está o perigo, e que está o vicio; porque por elle se vai declarar em vigor o temivel decreto da divisão do territorio: = cahi está a virtude, digo eu; porque antes quero o decreto da divisão do territorio, com todos os defeitos que lhe imputam, do que ter o paiz retalhado em 700 concelhos, que não tinham gente, nem dinheiro para se governarem; e é minha opinião (que não sei se

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todos a partilharão), que nós devemos declarar, que não aceitamos representações, nem ouvimos requerimento algum sobre divisão de territorio, por estes das annos. (Sussurro.) Eu sei que ha muitos deffeitos nos ultimos trabalhos estatisticos; mas sei tambem que os interesses particulares exaggeram uns, e inventão outros; e que ha de haver grande difficuldade, ou antes que é impossivel tirar-mos todos os pretextos ás queixas, e ás censuras. (Apoiado, apoiado.) Nestes termos parece-me indispensavel que se approve toda a divisão do territorio, boa, e má. Passa como incontroverso que ha nella muitos melhoramentos a fazer; mas não basta dizer isto, é preciso mostrar o modo de realisar esses melhoramentos. Eu digo que se tem esgotado todos os meios para fazer a melhor divisão territorial; tem-se consultado as authoridades de nomeação do Governo, as Juntas administrativas, as Camaras; os Ministros tem ouvido os seus amigos pessoaes, e ainda não foi possivel fazer um trabalho completo, nem se ha de nunca fazer de modo que satisfaça a todos; porque quando se attende a uma exigencia justa, desatende se outra que o não é, e por um queixoso, que se cala, incitam-se os clamores d'outros queixosos: assim entendo que o inclusivè .... (o Sr. Manoel de Castro Pereira, pediu a palavra para uma explicação ) Eu não digo que não hajam justas pretenções a respeito da divisão do territorio; mas sustento que ha de custar a extrema-las daquellas, que são inspiradas por motivos bem vergonhosos. Sei que na Commissão d'estatistica estão cem requerimentos, e maior parte para a conservação dos antigos Municipios. Que próva isto? Que a questão da divisão estatistica não nasce do desejo das commódidades para os Póvos, e da melhor administração municipal, mas simplesmente do espirito da supremacia, do apego ás governanças de ambições locaes (Apoiado, apoiado.) Diz-se que as leis da Dictadura, não tem bases estatisticas; nisto convenho eu, porque entre nós nenhuma lei tem as devidas bases estatisticas, e convido ao Sr. Deputado para me dizer, qual é a lei no nosso paiz, que só depois d'um exame estatistico fôsse votada, e promulgada. Se as leis da nova Dictadura não tem bases estatasticas, as da primeira, tambem as não tinham; e se este principio póde valer para depreciar as leis da ultima Dictadura, vale igualmente para despreciar se da primeira, e todas as leis de Portugal.

Disse mais o mesmo Sr. Deputado, que no orçamento não figuravam as grandes despezas da nova reforma judiciaria; mas que ellas se haviam convertido nos emolumentos, que pela Nação eram pagos; e que assim a nossa preconisada economia, era um systema de decepção, e engano ao Povo. Pois é possivel que o Ministerio, o Congresso, ou alguem se lembre de enganar ainda o Povo d'hoje d'um similhante modo? Pois o orçamento não se discute, não se vota, não se imprime? Pois o Povo não conhece que, o que paga de menos aos Magistrados em ordenados, lho dá em emolumentos? Pois o Povo não vê que os empregados judiciaes lhe pedem dinheiro, que até agora lhe não pediam? Pois o Povo não sabe o que quer dizer a palavra desconto? De mais, o orçamento não é orçamento de emolumentos; consigna-se nelle sómente as despezas feitas pelo Thesouro. Quando se elle discuta, póde se pedir ao Governo uma tabella dos emolumentos dos diversos empregados para esclarecer o Corpo legislativo ao votar dos ordenados; mas no mesmo orçamento votar emolumentos, isso é cousa que nunca se fez, nem se póde fazer, e o Ministro que o fizesse mostrava ignorar os primeiros rudimentos gavernativos! E' pois visto, que a accusação de enganar o Povo, que nos fez o nosso collega, não póde sustentar-se.

Exclamou-se tambem = E as pautas, as pautas que arruinam o nosso commercio, e acabam com parte das nossas rendas!? E esta uma questão, que ha de ser consideravelmente debatida: Eu sem ter adormecido sobre os escriptos dos economistas direi agora a minha opinião a este respeito.

Se é licito comparar Nações a particulares, se as condições d'um Povo tem analogia com as condições d'um homem, que poderei eu achar no trafico ordinario do mundo, com que compare bem umas pautas? Para mim são ellas simplesmente a declaração dos preços, porque uma Nação compra as mercadorias da outra; assim como uma alfandega é uma loja grande, onde uma Nação recebe os generos d'outra Nação. Ora um Negociante estabelece por uma vez ou preço inalteravel para comprar? Não: - observa o estado dos mercados, as fases commerciaes, especula tias compras e nas vendas, e assim o preço das suas transacções é tão variavel, e inconstante, como é irregular a oscilação commercial. Uma Nação porém estando ligada a outras por tractados permanentes, não podendo ser tão facilmente afectada em suas relações de commercio, como os particulares, tendo dados constantes para calcular os seus interesses, não precisa mudar tão amiudadas vezes os preços das suas transacções, e declara por isso e consigna d'um modo positivo, e para certa premanencia os valores porque compra as mercadorias das outras Nações. Mas porque tudo o que é dos homens tem uma certa instabilidade, e porque os interesses, e relações dos diversos paizes entre si mudam, tambem as pautas, consignando os preços porque uma Nação compra á outra, tem unido a si um elemento de, reforma, de modo que esses preços podem ser alterados segundo as circumstancias do paiz, e as relações que o ligam com outros. No mesmo decreto, que sanccionou as pautas, se manda crear uma Commissão que.....Não é assim? (Vozes: é, é.) Pois a essa Commissão é que a Nação delegou o seu poder de especular com as outras Nações; ella é que deve observar o estado economico do paiz, o procedimento dos diversos Governos, e aconselhar o augmento ou diminuição das taxas marcadas nas pautas. Para mim toda a questão de pautas se reduz a isto: Consignação dos preços porque nós Nação compramos a outras Nações, segundo as eventualidades. Arguem-nas de muito defeituosas, mas póde dizer-se, que uma cousa é defeituosa, tendo em si um elemento de alteração e melhora? Lá está a Commissão, que deve remediar esses defeitos. Disse-se, Sr. Presidente: = Para que são as Pautas? Portugal é uma Nação essencialmente agricola. =

Julgo que este principio apresentado na generalidade, merece algum reparo. Portugal é sem duvida uma Nação agricola; mas não póde fazer, da agricultura sómente a base da sua riqueza.

A Hespanha despedaçada por uma longa, e cruenta guerra, tendo atravessado seculos do despotismo; tendo soffrido o peso de governos tão pouco zelosos como os nossos, ainda assim abunda tanto em cereaes, que é preciso que tenhamos na nossa raia uma linha de alfandegas, para estorvar que ella enunde o nosso paiz de pães; e é tão consideravel a sua producção em vinhos, que aonde nós levamos os nossos, lá achamos os della, e é ao pé da Hespanha, ao pé d'uma Nação que possue tão largos terrenos, com tão diversas qualidades de producções, que o Portugal das cem legoas quer estabelecer a sua vida economica, só nos productos de suas terras?! Nós vamos a par da Hespanha no caminho da prosperidade; e suppondo que a não deixamos tomar a dianteira, quando chegarmos á meta, havemo-nos de achar ambas as Nações na condição em que nos pôz a Natureza: nós, Povo pequeno; a nossa visinha, Nação robusta e rica. Agricolas somos nós, mas não convém que nos contentemos só com isso.

E porque não hei de eu nesta questão declarar um facto a que sempre se alude, e que por todos é dito e confessado? Diz-se: - As pautas fazem-nos um consideravel mal; porque a maior parte das fazendas inglezas entram nós nossos portos para passarem por contrabando para Hespanha, e o excesso das taxas estorvando a entrada dessas fazendas, e por consequencia acabando com a possibilidade de contrabandear, reduz a nada as rendas das nossas alfandegas: ora-se este é

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o grande mal que nós fazem as pautas, se este é o motivo de as desapprovar, digo eu, que este mal estando a desapparecer, esse motivo da desapprovação vem a ser nullo. Sim: em breve as fazendas inglezas terão livre entrada nos portos de Hespanha; porque, quanto a mim, estão lançados os elementos d'um tractado de commercio entre estas duas nações. Sr. Presidente, quando eu passo por uma provincia de Hespanha, confirmei-me na idéa, que me tinham suggerido, de que um hespanhol era essencialmente inimigo d'um inglez, e de tudo que era inglez.

Estas antipathias da Nação Hespanhola; contra a Grã-Bretanha bem as conhecerão os homnens d'estado deste povo, e não perderão a occasião de as mitigar, e embrandecer.

O pertendente ao throno de Isabel 2.ª invadiu o territorio hespanhol; o governo inglez explicou-se logo a respeito dessa agressão pelos mais claros termos de desapprovação. A guerra cresceu nas provincias Vascongadas, e soccorros de Inglaterra começaram a ser generosamente enviados á Hespanha, Armas, dinheiros, munições, navios, levas de recrutas, o sangue dos proprios soldados inglezes, e a protecção da bandeira, e dos canhões britanicos, tudo, tudo o que um povo póde prestar a outro, tem os nossos visinhos recebido da Grã-Bretanha.- Ainda ha pouco Lord Palmerstondisse em pleno parlamento, que a Inglaterra se empenhava em que a Hespauha fôsse hespanhola: - Que quer dizer isto, Sr. Presidente? Quer dizer, que a Inglaterra deseja que a Hespanha se emancipe de antigas influencias; que lhe fique livre a associar-se commercialmente com quem lhe parecer; em uma palavra, que a Hespanha não seja Franceza. E' provavel, que a causa da liberdade hespanhola triumphe; os hespanhoes hão de naturalmente inclinar-se para aquella nação, que os defendeu, e ajudou na adversidade; e certamente não se esquecerão, que os tigres, que tem devorado o seu paiz, tem sido sustentados pelos perineos. A' vista disto não temo repetir, que estão lançados os elementos para um tractado de commercio entre a Inglaterra, e a Hespanha; e assim, que o argumento do contrabando para Hespanha, que se costuma fazer contra as pausas, vai a perder a sua força.

Fallou o mesmo Sr. Deputado nas congruas dos parochos, e censurou o systema de lhas fazer pagar pelas juntas de parochia. Aqui appareceu outra vez a accusação de que enganámos o povo inculcando lhe economias falsas, e redacções imaginarias. Disse-se: - no orçamento não apparece a verba das congruas, mas o povo lá paga a sua importancia, por diverso modo. Quem nega isto? Pertende-se persuadir ao povo, que elle não paga aquillo, que se lhe mandou pagar por uma, lei? Vem notadas no orçamento algumas verbas de despeza, que não sahem do thesouro e que são pagas por outras repartições; cujas despezas se não orçam conjunctamente com as do mesmo thesouro? Sr. Presidente, o governo disse em uma lei:.- As congruas dos parochos serão pagas pelo povo; - e no orçamento diz: - A verba congruas não figura aqui como despeza, porque não são pagas pelo thesouro. Aonde está aqui o engano, aonde está a decepção? Póde haver mais claresa, mais verdade, mais franquesa? (Apoiado, apoiado.) E a medida de deixar o pagamento dos parochos ás juntas de parochia é boa. Eu digo, que sim. Muitos parodias podiam viver bem com os reditos dos passaes, e pé d'altar, e a pesar disso, em quanto as congruas estavam a cargo do thesouro não cessavam de importunar o governo com as suas queixas, e elle sem ter os meios de sindicar bem o seu estado, e avaliar as suas exigencias, reputava-o como os primeiros na lista dos necessitados. Agora entregues a administrações locaes, podem ellas regular o seu pagamento com mais justiça, e conhecimento de causa; porque ninguem sabe melhor as circumstancias do parocho, do que os seus parochianos. Além disto elles mesmos lucrarão com a medida; porque por pouco, que lhe dêem, sempre recebem mais do que receberiam do thesouro, que não paga a ninguem, que tarde virá á ser proporcionalmente tão rico como um cofre d'uma junta de parochia. A legislação da dictadura sobre sustentação de parochos com algumas emendas, que lhe façamos, parece me que combinará bem os interesses do thesouro com os do povo, e com os da classe ecclesiastica.

Arguiu o mesmo Sr. Deputado as reformas da dictadura dê não economisarem homens; mas eu julgo que n'ellas é immensa essa especie de economia. Havia em Portugal setecentos concelhos, ou mais, a dictadura reduziu os a trezentos; e por consequencia economisou tantos administradores, tantos collegios de vereadores, quantos são os algarismos de differença entre setecentos, e trezentos.

Ultimamente queixou-se o nosso collega de que a legislação da dictadura fôsse provisoria. Este argumento é um daquelles que próva de mais e concluo, não é só contra a legislação da dictadura; é contra o sistema representativo, porque n'elle tudo é provisorio. Quem tirará aos Deputados, que nos substituirem, o direito de emendarem a legislação que nós fizermos? E a lei, que nós fazemos hoje, não a podemos nós mesmos reformá-la d'aqui a tres mezes? Só o Governo absoluto tem o privilegio d'uma estabelidade prolongada, e até certo ponto é esta a origem dos seus vicios.

Tenho respondido ás arguições do nosso collega contra as leis da dictadura. Tomei a sua defeza, porque as considero uma obra da revolução, e a revolução e que me confiriu os meus poderes, e eu ufaniso-me deter recolhido o seu pensamento; porque as vi atacadas com falsas accusações, e a falsidade deve sempre desmascarar-se; e finalmente porque observei, que se pertendiam fazer passar essas accusações das leis para ás pessoas, para nós, que nos sentamos nestas cadeiras, e para todos os Portuguezes corajosos, e livres, que souberam debellar os abusos de gente da Carta, e que agora carregam com a penosa tarefa de remediar os males, que essa mesma gente lançou sobre o paiz.

A pessoa dos Ministros, e a sua politica, entrego eu ao juizo do Congresso, e não os amparo das censuras que merecerem.

Provei tambem, que ha summa conveniencia em não negar execução a todas as leis da dictadura. Agora é natural que se me pergunte; qual é o meu voto sobre o parecer da Commissão Sr. Presidente, as extremas idades muitas vezes combinam-se em juizos, inclinações, e gostos. O muito illustre Deputado o Sr. João Victorino, disse na sessão de sabbado, depois de um longo discurso sobre esta materia, que ainda esperava, que a discussão lhe ensinasse a formar o seu voto. As suas cãs me convidam a seguir o caminho, que elle tomou, e a repetição das suas palavras é por ora o meu voto sobre esta questão. Espero que a discussão me esclareça.

O Sr. Soares Caldeira: - Depois do que se tem dito sobre esta materia, parece-me que o Congresso está sufficientemente esclarecido para votar; por isso peço a V. Exca. queira pôr á votação se a materia está discutida.

O Sr. Alberto Carlos: - Sobre a ordem. Eu pedi a palavra muito cedo para fallar segunda vez nesta questão; cedido logar, porque se me prometteu, que se me concederia antes de se fechar a discussão: já muitos Srs. faltaram antes de mim, mas depois do logar que eu lhes concedi: não fallei no meu logar competente nesta esperança. Demais tenho a dar explicações, porque ao meu discurso se tem quasi dirigido toda a discussão; tenho para dar conta das bases judiciarias, que hontem disse trazia; é como a minha pertenção é expressamente fundada no regimento, espero que o Congresso ma fará a graça de me deixar fallar, é ao mesmo tempo justiça.

O Sr. Presidente: - A ordem é pôr o requerimento á votação, e o Congresso é quem sabe se a materia está, ou não discutida; eu pela minha parte tenho sómente a dizer, que ainda ha vinte e cinco Srs. inscriptos.

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(Rumor, fallando alguns Srs. Deputados ao mesmo tempo).

O Sr. Costa Cabral: - Não sei se será conveniente fechar uma discussão sobre uma materia tão grave, quando muitos Deputados tem pedido a palavra; e muito mais, quando pelo regimento, e pela acquiescencia anterior do Congresso, o Sr. Deputado, que abriu a discussão em direito a aclarar o seu discurso: tem sido combatido por todos os Srs., que tem orado a favor dos decretos da dictadura; o Congresso não ha de querer privar o Sr. Deputado do direito, que lhe dá o regimento.

O Sr. Presidente: - Todos quantos pedem a palavra tem direito a fallar; mas quando o Congresso resolve, que a materia está discutida, nenhum Deputado tem esse direito.

Propoz se a materia estava discutida, e o Congresso resolveu que sim.

O Sr. Presidente: - As explicações são para o fim da discussão, na fórma determinada; e por tanto eu passo a dar a palavra aos Srs., que a pediram para esse fim.

O Sr. Mont'Alverne: - Como não pude ter a palavra, mando para a mesa a seguinte substituição.

Proponho que todos os decretos, e leis do Governo, datados desde o dia 10 de Setembro até á installação do Congresso, seja qual fôr a data da sua publicação, continuem a ter vigor, em quanto não forem suspensas, pelos meios, e tramites ordinarios. = Francisco de Mont'Alverne.

O Sr. Barjona: - Sobre a ordem. Eu entendo, que se não deve alterar o que se decidiu hontem, que as explicações fôssem no fim da discussão.

O Sr. Presidente: - Sendo essa a ordem, tem a palavra para a explicação de um facto o Sr. Barjona.

O Sr. Barjona: - Declarei hontem, que tinha feita tenção de não fallar na discussão, que nos occupa; e que por circumstancias decorridas posteriormente, julgava necessario dizer o meu voto, e os motivos delle. Devia por tanto procurar o exprimir-me com toda a clareza; porém apezar de tudo, suspeitei depois que não tinha sido sufficientemente explicito.

Não reputo em vigor: 1.º as leis feitas pelo Governo, que foram publicadas depois do dia 17 de Janeiro:

2.° Destas exceptuo as leis sobre impostos, cuja importancia não principiasse a ser percebida antes do dia 18 do referido mez, qualquer que fôsse a data da sua publicação:

3.° Nada disto é relativo á lei das pautas.

O Sr. Raivoso: - A minha explicação não é respeito á materia em questão, é para combater algumas idéas do meu antigo amigo, e companheiro de emigração o Sr. José Estevão, respeito á divisão do territorio, quando disse, que essa lei devia ser posta em execução, e que não deviam admittir-se representações estes dous annos: a minha opinião é differente, e estou persuadido que esta lei é como as outras, leis, que devem ser examinadas, e que devem ser emendadas; parque ella está cheia de deffeitos, e se não se emendarem, continuará a anarchia: reconheço que oitocentos e dezeseis municipios é muito para Portugal; mas isso é necessario ir devagar, e os inconvenientes da suppressão o tempo os mostrará. Sr. Presidente, eu tenho o defeito de acreditar mais os factos que theorias, e por isso importam-me mais as grandes, cousas, que fizeram os fundadores dos grandes imperios, que as lindas doutrinas dos modernos escriptores; por exemplo o conductor dos Hebreos pelo deserto, os legisladores de Esparta e Athenas, Numa Pompilio, o mesmo Srabe impostor, o nosso primeiro Affonso, esses genios, não só respeitaram os costumes dos póvos, a que presidiram, mas approveitaram os erros, e vicios dos mesmos povos para os tornar melhores. Todo o mundo sabe a finura dos padres da primitiva igreja; tão finos eram elles, que governando os governos de então, não quizeram fazer depender a sua riquesa dos mesmos governos, que elles governavam: estabeleceram a sua riqueza na decima parte dos productos da teria, para os terem sempre seguros: ora esses mesmos padres, quando entre nós firmaram a nossa religião sobre as raizes da idolatria, não destruiram os costumes, e superstição dos póvos; torceram esses costumes, e deram-lhes nova direcção; por exemplo, a festa de Cibeles, qae andava buscando a filha com uma candeia, foi mudada para a festa de hoje da Sra. das Candeias; as festas deApollo, para S. João; as Bachanaes, para entrudo etc.; assim obraram elles não destruindo os costumes dos povos com a espada de Alexandre; porque isso só Alexandre pôde fazer com as luzidas falanges Lacedemonias: eu sigo estes gigantes, com passos de pigmeu, que sou, e nunca approvarei que se ataquem de frente os costumes dos povos; se elles querem andar maior espaço de terreno por não mudarem de costumes, que andem, a perca é d'elles; tempo virá em que mudem, de costumes sem conselho alheio; mas em quanto esse tempo não chega, direi sempre que se attenda ás representações dos póvos: quando porém digo que se attenda ás representações, dos póvos, não digo que se attenda aos póvos, que augmentam com a nova divisão do territorio. Elles folgam muito com o seu engrandecimento, e é isso bem natural; todos querem ganhar, e ninguem quer perder; mas pergunte-se a esses que requeram a execução da nova lei da divisão, porque com ella ganham, se querem que seus concelhos sejam, supprimidos ou diminuidos; respondem que só á força consentirão nisso: pois d'alguns sei eu que estão na razão de serem supprimidos; para conhecer esta razão basta olhar a carta; apezar disso eu não quero que esses concelhos sejam extinctos, porque não quero a guerra civil, quero só a ordem, e o bem de todos, porque de todos sou procurador; mão desejaria que não quizessem para os outros, o que não querem para si.

O Sr. Alberto Carlos: - Sr. Presidente, o Sr. Ministro do reino fez allusão a mim, quando fallou do projecto judiciario, dizendo que os censores das leis do Governo diziam, que algumas não prestavam; mas que até hoje ainda não tinham apparecido com a iniciativa para a emenda; que esperava com impaciencia essas producções felizes: eu no mesmo acto o adverti, que senão inquietasse, que alli trazia com que lhe satisfazer, que são as bases judiciarias: aqui tenho pois as bases do projecto, e o desenvolvimento destas bases tenho-o em casa, em perto de cem artigos. Não os terei todos, mas aqui nestas bases estuo consignados os juizes ordinarios, não com o arranjo em que apparecem no novo decreto, porque esse me parece aburdo; mas em fórma que assegurem a justiça aos póvos. Tambem aqui está a reforma de custas, emolumentos, e multas, que ficam plenamente abolidas, e substituidas por um meio suave, justo, e politico, e que fará as demandas menos de tres quartas partes despendiosas, do que não até agora. Estes principios de certo serão adoptaveis; e o meio que proponho para reforma tira todo o receio de demora; porque as bases contém dezoito artigos, e no ultimo, digo, que a Commissão de legislação seja authorisada para pôr o decreto em harmonia com estas bases; e como eu tenho organisado o seu desenvolvimento, muito depressa se concluirá. Fique pois satisfeito S. Exca. o Sr.. Ministro do reino com a iniciativa, por que se mostrou tão impaciente; e tambem aquella Sr. Deputado, que se assenta n'aquella extremidade, que aqui tem os juizes ordinarios, com que tanto nos tem mortificado. E peço ao Congresso, que medite bem na necessidade desta reforma; porque se elle quer acudir á anarquia, que domina nas provincias, não ha de querer que um juiz ordinario, muitas vezes um homem de tamancos, tal qual se apresenta no novo decreto, vá presidir a uma audiencia de jurados de ratificação de pronuncia, algumas vezes dos maiores facinorosos!

O Sr. José Estevão: - A minha explicação reduz-se a dizer, que a muita honra do Sr. Deputado, que combateu a minha opinião, seu amor á liberdade, sua muita modestia, a amisade que consagramos um ao outro, me privam de dar algumas explicações, e só digo, que nada podem influir sobre a amisade que lhe tenho.

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O Sr. Rebello de Carvalho: - Eu fui dos que votaram na minoria, quando a requerimento do illustre Deputado o Sr. Soares Caldeira, foi consultado o Congresso se a materia estava discutida: votei contra o requerimento, porque entendi que a materia em discussão é muito grave, e havendo muitos Srs. Deputados inscriptos, tendo-se durante a discussão emittido diferentes opiniões, que nem tendiam a approvar, nem a rejeitar inteiramente o parecer da Commissão, julguei que todos os Srs. Deputados que quizessem, deviam emittir sua opinião. Já em algumas discussões tenho cedido da palavra; porém confesso que desejava fallar sobre a questão, que se achava em discussão. Respeito as decisões do Congresso, e limito-me a mandar para a mesa um requerimento sobre o objecto, que pertendia tocar.

Requeiro que no caso de ser approvado o parecer da Commissão, seja posto á votação se deve pôr-se em execução o decreto sobre fiscalisação, publicado no diario do Governo de 20 de Janeiro, por ser uma consequencia necessaria do decreto de 10 de Janeiro sobre o estabelecimento da pauta das alfandegas. - Rebello de Carvalho.

O Sr. Menezes: - Sr. Presidente, eu tinha podido a palavra sobre a materia; infelizmente a decisão do Congresso inutilisou o meu requerimento. Porém o assumpto é tão grave, que eu julgo não me poder despensar demittir o meu voto com as declarações, e restricções indispensaveis. Ei-lo ahi: Porque é possivel, que a administração de 10 de Setembro fôsse forçada a lançar mão de medidas legislativas nas arduas circumstancias, em que se achou o paiz; por que é possivel, que essas medidas então empregadas, sejam ainda indispensaveis ao paiz por não haver outras analogas, ou por se acharem derogadas as disposições que as encontravam; voto que sejam tolerados em vigor todos os decretos d'acção permanente publicados como taes pelos ministros da Corôa até á installação das Côrtes, até que sejam competentemente vistos, examinados, sanccionados ou rejeitados pelo Corpo legislativo. Declaro porém: 1.° Que não podendo ser empregadas pelos ministros medidas desta natureza sé não em presença d'urgentissima necessidade, e da grande lei da salvação publica, fica responsavel o ministro que referendou os respectivos decretos pelo crime resultante d'invasão de poder estranho, ou pelo menos de ter olhado com pouco respeito para a divisão dos poderes politicos, logo que no ulterior exame, que devem subir estes actos, se conheça que algum delles foi feito, e publicado, sem que della houvesse uma indispensavel necessidade. 2.° Que esta tolerancia não importa a mais leve idéa d'approvação sobre o merito interno de taes decretos.

Declaro, ainda fundado no artigo 80 da Constituição, que a installação deste Congresso se deve julgar, que teve logar no dia 26 do passado Janeiro.

O Sr. Gorjão: - Eu era um do numero dos vinte, e tantos Deputados que tinham pedido a palavra para emittir as suas idéas sobre um objecto, que unanimemente foi julgado da maior transcendencia; entretanto o Congresso decidiu, que a materia estava discutida: eu respeito muito a deliberação do Congresso, se bem que com repugnancia lhe obedeço: entre todos estes Srs. Deputados talvez nenhum com mais razão tenha a sentir haver-se imposto silencio sobre a materia, e o não ter continuado a discussão, por que apezar na minha opinião ser a de muitos illustres membros desta Assembléa, só contra o meu discurso, não sei porque, (e nisso me fazem muita honra) se tem deduzido a força dos principaes argumentos adversos, e muito particularmente eu tive a honra de ser apontado pelo Sr. Ministro do reino com a sua aguda penna de lapis por muitas vezes. Ora, Sr. Presidente, como já não posso fallar segunda vez sobre a materia, para que já tinha pedidoa palavra, e poherisar, como esperava, argumentos firmados, em bazes suppostas, limittar-me-hei simplesmente ao que se chamam explicações de factos, para o que tambem eu pedi, palavra: o meu discurso tem sido notavelmente alterado; já nas suas ideias, já nas phrazes, e já attribuindo-se-me expressões que eu não soltei, julgando-se talvez este o melhor modo de conseguir-se que alguém diga, que eu fui victoriosamense combatido, o que não deixará de apparecer escrito; e esta alteração que tem apresentado alguns dos meus illustres collegas, e que eu julgava não haver merecido, muito me sensibilisa; porque com o que se escreveu em certa papeleta, que fez outro tanto, isso puno eu com riso, e nada me importa: ora bem, a mais essencial de todas as alterações foi uma, com que transgredindo-se o art. 91 da Constituição de 22, que diz (leu), tomos por consequencia por este art. da Constituição mesmo obrigados infalivelmente ao art. do regimento interno das Côrtes, que diz assim (leu): o Sr. Ministro do reino disse, que eu tinha dito, que S. Magestade Imperial, de saudosa memoria, era mais capaz de ser dictador; e elle disse que tambem S. Magestade a Rainha como augusta Soberana era capaz de ser dictadora, pelas suas qualidades: de que se tracta, Sr. Presidente? Tracta-se d'impugnar uma legislação, tracta-se de votar sobre um parecer da Commissão, sobre a legislação feita no tempo da dictadura, em cujos actos, apezar, de serem sómente da responsabilidade do seu ministerio, são com tudo praticados em nume da nossa excelsa Rainha: então para que se vem invocar assim o nome de S. Magestade a Rainha, quando se tracta de uma votação, na qual parece querer-se influir com a magestosa fonte donde dizem ter dimanado essa legislação? (apoiado.) Eis-aqui como eu entendo transgredido o regimento, transtornando-se além d'isso, como já fiz ver hontem, o meu dircurso n'essa parte pelo Sr. Ministro do reino. Quanto ao Sr. José Estevão, em quanto ás ultimas palavras que eu lhe dirigi, eu logo disse ter sido uma expressão menos exacta; agora em quanto á outra expressão eu disse, que S. Magestade Imperial de saudosa e nunca assaz chorada memoria, tinha á cinta uma espada, da qual se serviria talvez, e voltei-me d'este modo para o Sr. José Estevão, (o Sr. Deputado voltou-se para o Sr. José Estevão) contra os seus ministros se como homens, ou como ministros o quizessem enganar, ou insultar: estas foram as minhas expressões exactamente (apoiado), e por isso saltando-me a idéa de que deste modo era quasi impossivel me não tivesse ouvido, disse precipitadamente, que ou me não ouvio, ou havia fingido não ter ouvido, e então eu afinal dei ao Sr. José Estevão, quando tractou d'impugnar as minhas expressões, todas as satisfações sobre aquellas expressões, por meu dever para com illustre Deputado, e com este respeitavel Congresso; e as mesmas dou agora novamente, e declaro que o Sr. José Estevão teve a bondade de não me pedir mais nenhuma outra satisfação.

O Sr. Presidente: - A primeira parte do discurso do Sr. Deputado diz respeito a mim, porque me accuso de não ter feito o meu dever, e de que consenti que se transgredisse o regimento; mas eu não entendi o regimento, como o Sr. Deputado, entende; e o Sr. Deputado não entende tambem hoje o regimento, como entendeu, n'essa occasião; porque, se o Sr. Deputado entendesse então que havia violação do regimento, certamente, não havia de guardar o mesmo regimento que lhe impunha a obrigação de chamar o Sr. Ministro do reino á ordem (apoiado, apoiado). Ora agora eu entendo, que o Sr. Ministro do reino não estava fóra da ordem fallando no nome da Rainha; porque o nome da Rainha não é um nome indecente......

O Sr. Garjão: - Pelo contrario; respeito-o muito.

O Sr. Presidente (continuando): - O regimento prohihe que se invoque o nome do rei para influir nos votos, mas eu não vi que o Sr. Ministro do reino invocasse é nome da Rainha para influir na votação: elle disse que o Sr. Deputado tinha dito, que admittia a dictadura por ter sido exercida pelo Duque de Bragança; e que não admittia a 2.ª, porque era exercida, pelos ministros, que nisto não havia exactidão;

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poupe a dictadura era da Rainha, e a responsabilidade dos ministros, como a 1.ª o tinha sido do Immortal Regente com a responsabilidade dos seus ministros. Isto não é fallar no nome do Rei para influir nos votos, e não é por consequencia estar fóra da ordem; e se o Sr. Deputado entendia, que havia prosternação do regimento, ao Sr. Deputado impunha o regimento obrigação de chamar o Sr. Ministro do reino á ordem: a hora deu, a sessão não se póde continuar sem se prorogar.

(Propoz a prorogação - approvado.)

Então eu continuo a dar a palavra aos Srs. que a tem.

O Br. Ministro do Reino: - Eu tenho a palavra para uma explicação, e para dar uma declaração por parte do Governo; limito-me agora a dar as explicações ao nobre Deputado. V. Exca. já muitissimo bem respondeu; não fallei no nome de Sua Magestade, de certo para influir na votação: quando um Sr. Ministro da Corôa, qne se sentara exactamente no mesmo lugar em que está sentado o Sr. Deputado, homem de muitos talentos, cujo fim foi mal fadado, invocou aqui n'uma questão o nome de Sua Magestade, o Sr. Deputado Leonel censurou-o nessa occasião, porque julgou ser aquillo tendente a influir na votação, e eu foi o primeiro a fazer justiça áquelle desgraçado Ministro, Sr. Presidente, o nome da Rainha, é um nome augusto, e póde fallar-se n'elle em todos os parlamentos: eu disse, que esta dictadura tinha sido exercida per nós, como tinha sido exercida a outra pelos Ministros do Imperador; a primeira dictadura pertence ao Imperador, e a segunda pertence a Sua Magestade a Rainha; porém foi exercida por seus Ministros: invoquei então o nome da Rainha pela grande desvantagem que havia de nós tres cidadãos obscuros, nos comparar-mos com o imperador, e de modo algum podia ser a minha intenção o querer influir de qualquer maneira na deliberação, que o Congresso houvesse de tomar.

Agora tenho a fazer uma declaração: eu entendo que qualquer resolução, que se tome a respeito da legislação, seja ella qual fôr, em nada diminua a responsabilidade do Ministerio; o Ministro fica da mesma maneira responsavel pelos seus actos: nós reconhecemos no Congresso o direito, não só de modificar, mas de reprovar tudo que quizer, fazendo nós esta declaração, creio que temos satisfeito á dignidade dos Srs. Deputados, e do Congresso.

O Sr. Mont'Alverne: - Eu por não desejar que se gaste mais tempo ao Congresso, limitto-me simplesmente a pedir a V. Exca. que tenba a bondade de mandar ler a minha substituição.

O Sr. Presidente: - Antes de se votar, eu hei de dar conta de tudo o que houver sobre a mesa.

O Sr. Barjona: - Eu não pediria a palavra senão fôsse uma expressão, que soltou no seu decurso o meu illustre amigo, o Sr. Rodrigo de Menezes: não era possivel, que alguem se lembrasse de que sobre nós cahia alguma responsabilidade. Sobre nós não póde recair responsabilidade, porque este Congresso é soberano; e sabem-se as nossas circumstancias ... Sobre o Governo porém, tambem não posso bem dizer até que ponto ha de recair uma verdadeira responsabilidade: elle já aqui declarou como procedeu ácerca do codigo penal...

O Sr. Leonel: - Eu chamo o Sr. Deputado á ordem, e é a primeira vez que o faço no minha vida...

O Sr Barjona: - E' natural, que tendo eu ha pouco chantado o Sr. Deputado á ordem, elle agora m'o faça por não querer ficar atraz. (Risadas.)

O Sr, Leonel: - O Sr Deputado chamou-me á ordem, por querer só elle faltar. (Risadas - Rumor.)

O Sr. Barjona: - Não, o Sr. Deputado falla mais do que eu: isso é verdade. (Riso.)

O Sr. Vatentim: - Pedi a palavra para combater, quanto em n'um caiba, e levar longe de minha consciencia uma idéa que fez parte do discurso de um illustre Deputado, que se assenta neste banco, bem conhecido por seus talentos (o Sr. Leonel).

Veio este Sr. com um argumento adverecundiam, e disse que este era um cavallo de batalha; que os aspirantes á magistratura, e jurisconsultos combatem, porque lhes diminue os logares, e os interesses. Esta asserção é injuriosa, é infundada, e gratuita; porque o Sr. Deputado viu, que eu argumentei, e dei razões da minha opinião; razões que elle ouviu, que elle não combateu senão com este pensamento. Ora, Sr. Presidente, este argumento do Sr. Deputado não destrós, nem ataca argumentos; ataca os creditos, previne o Congresso da um modo improprio: não é esta a logica de razão, e da Congresso, são as manhas do sofisma. Este dito gratuito dá-me um direito terrivel, o direito de suspeitar, e emittir as suspeitas; direito de que eu não farei uso, porque não por o desconfiar sem razão, e monos affirmar o que nem eu sei, nem os outros me acréditarão, e quem mal não usa, mal não cuida. E' bem novo o modo de ganhar empregos do poder, combatendo contra os Ministros...

Acabou o Sr. Deputado, com um anathema espantoso, contra a classe toda dos jurisconsultos; espantoso, e original, porque foi contra uma classe de letras, de virtudes, e de proprietarios. Contra a classe a que elle mesmo pertence; mas creio que nesta anathema, em que se fecham; as portas deste Congresso á classe dos bachareis, houve um pensamento reservado, e foi; que nem um jurisconsulto devia ser Deputado (menos elle, a quem elle quizer).

O Sr. L. J. Moniz: - Eu não pedi a palavra por motivo d'amor proprio; quando esses motivos dominam em mim, faço pelos sacrificar á conveniencia do Congresso: eu, pedi o palavra para fazer a declaração do meu veto, porque esta é uma materia das mais graves, que aqui se tem tratada, eu tenha responsabilidade moral para com a nação, e em occasiões de tanta importancia quero, que ella conheça qual foi a minha opinião: mas para não tirar mais tempo ao Congresso, direi simplesmente, que a minha maneira de encarar esta questão, é a mesma que a do Sr. Lopes ponteiro, e dos mais Srs., que fallaram no mesmo sentido; e se eu tivesse chegado a obter a palavra, eu faria por desenvolver na minhas razões eu tenho mais uma declaração a fazer: outro dia, eu expressei uma opinião, um pouco forte, a respeito do discurso do Sr. Ministro dos negocios do reino. Eu cheguei a dizer, que se ao expressões do Sr, Ministro fizeram nos Srs. Deputados a impressão, qne fizeram em mim; se as suas palavras; tinham o sentido, que eu lhe dei, e se o Congresso podesse ser dissolvido; S. E. para ser coherente, não tinha senão ir á Rainha, pedir-lhe que nos dissolvesse. E esta mesma opinião disse eu a S. E., e proferi-a tambem fóra do Congresso. Ella não foi só minha, foi tambem a de muita gente. E eu havia protestado, que a havia de dizer aqui publicamente. Mas o Sr. Ministro já deu explicações, com que o Congresso pareceu mostrar-se satisfeito: eu não quero ser mais severo; mas entendi, que era do meu caracter fazer esta declaração, porque não tenho medo de dizer a minha opinião, quando a isso me induz o meu dever. Ha outro objecto muito grave, sobre que S. E. já se explicou, que fui aquella passagem do seu discurso, em que disse, que o povo tinha direito a derribar altares, e thronos, o que o Sr. Deputado pela ilha Terceira já rebateu. Apezar disto eu tambem o repetirei, porque não se devo induzir o povo em erro; que o povo tem direito do mudar de crença: aí porém do povo, qus de leve muda em tal materia; e o povo não tem direito de derribar os altares dos outros, que não querem mudar; o povo portuguez nunca o fez, porque é um povo religioso, e tolerante; porque não é o povo de Mahomet, nem o povo de Cromwel : e em quanto ao throno, digo tambem, o povo portuguez tem sempre sabido derribar os tyrannos; ainda ha pouco o mostrou, quando expulsou o usurpador; das o povo portuguez nunca aspirou a derribar o throno legitimo, e espero em

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Deos que nunca o ha de fazer, (apoiado, apoiado) porque o povo deve estar persuadido, que em tudo está obrigado a regular-se pelos principios do justo, porque em fim, é um povo que conhece, que na monarchia constitucional está a sua felicidade. (Apoiado, apoiado.) Eis-aqui como eu queria declarar o meu voto francamente.

O Sr. Conde da Taipa: - Eu pedi a palavra para explicar o meu voto: hei de votar contra o parecer da Commissão, não porque eu approve todas as leis da dictadura; pois que não approvo a lei das pautas, nem a da divisão de territorio, pois que com estes objectos era necessario haver muita reflexão, e vêr como se faziam; por, tanto é preciso que eu diga, que não approxei todas as leis, que se fizeram, mas achando-as já feitas, creio que o maior inconveniente seria repróva-las.

O Sr. José Estevão: - A minha explicação é dirigida ao Sr. Gorjão: eu fui victima do muito zelo, que tenha pela memoria do Imperador, e tão grande, que nem o Sr. Deputado póde conceber. Ouvi bem as palavras do Sr. Deputado, e a ellas é que eu fiz as minhas reflexões: disse elle, que o Imperador tinha a sua espada, de que talvez usaria contra os setas ministros... Ouvi a palavra talvez; mas eu sou tão cioso da honra do Imperador, conhecia tão bem o seu caracter, e aã sublimes qualidades do seu animo, que assentei, que elle não merecia nem, a supposição de que fôsse possivel, que por qualquer motivo desembainhasse a sua espada contra os seus ministros. Aquillo que póde ser permittido a um particular, nem na possibilidade é airoso a um Principe. O Sr. Deputado disse depois, que eu parecia fingir não o ter ouvido; este fingir traduzido e quer dizer mente; e então eu redargui-lhe, que aquelle dito tinha tornado a questão de tal ordem, que não podia ser tratada nesta sala. Alguem entendeu, que isto era um desafio; mas foi simplesmente uma prevenção de decencia. Com effeito a questão, reduzindo se a uma satisfação pessoal entre nós ambos, não tinha aqui cabimento, nem podia aqui, ser tractada, porque podia dar logar a ditos acrimoniosos, que não devem manchar a santidade da representão nacional. Saímos para fóra, e a questão terminou, como todas devem terminar entre homens, explicando-nos, e abraçando-nos reciprocamente.

O Sr. R. Menezes: - Nada mais tenho a dizer, senão que fiz aquella declaração, porque a julguei devida a mim, e aos meus constituintes. E desta sorte creio haver respondido ao meu illustre amigo, o Sr. Deputado por Coimbra.

O Sr. Leonel: - O Sr. Deputado não me ouviu aqui, em outro tempo, fallar lingoagem, que se elle estivesse presente talvez ainda mais se escandalizasse; mas a coragem que eu tinha então, tenho ainda; quando fôr preciso hei de dizer tudo. O Sr. Deputado não me entendeu bem, eu não disse, que não devia vir nenhum jurisconsulto, disse que devia vir o menor numero possivel: aqui estão muitas pessoas, que trataram comigo de eleições em 1834 no Porto, e lá lhes disse, que elegessem o menor numero possivel, esta foi a minha opinião, e ha de ser. Pelo que respeita a mim, diz o Sr. Deputado, que eu tambem cá não virei. Agradeço muito aos que cá me tem mandado até agora, mas minto mais agradecerei para as futuras Côrtes, aos que cá me não mandarem.

O Sr. Ministro da Justiça: - Eu tinha pedido a palavra para dar as explicações, que deu o Sr. Ministro dos negocios do reino, não tenda por agora a accrescentar cousa alguma, renuncio a ella.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - O Congresso está muito certo, que eu dei as explicações precisas, e parece-me com ellas ter desfeito a má interpetração, que se deu ás minhas palavras.

O Sr. Presidente: - Proponho fé ha de haver ama tensão de todos os decretas do Governo, desde 9 da Setembro?

O Congresso decidia affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Proponho agora, se o molhados da revisão será o que se propõe no parecer da Commissão?

O Congresso decidiu que sim.

O Sr. Costa Cabral: - O Sr. Garrett mandou para a mesa um papel, que não sei se era emenda, se substituição; peço que V. Exca. me diga o que é.

O Sr. Presidente: - Eu vou dar conta de tudo, quanto está em cima da mesa.

O Sr. Silva Pereira: - Sr. Presidente, é preciso que a Camara fique na intelligencia, de que antes do dia 18 foi publicando um decreto relativamente a uma nova organisação militar, que se dou ao exercito; além disto ha muitas materias, que parecendo aparadas, são com tudo connexas, e que foram publicadas posteriormente; e é preciso que o Congresso decida, se approvando esse artigo, em que se comprehende a nova organisação do exercito, se approva tambem com ella tudo o mais, que com ella em connexão? Por exemplo, o conselho de saude militar, que inslallado no dia 16, só póde ser publicado pela imprensa alguns dias depois.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra, sobre a ordem aos Srs. Deputados, eu vou dizer a modo por que tenho tenção de propor, e depois terão a bondade de fazer as soas reflexões. Eu creio, que esta segunda parte do parecer envolve duas questões; a primeira é se devem, ou não ter execução os decretos da dictadura, e quaes, se todos, ou parte delles, ou nenhum; eu proporei por tanto á votação, se hão de suspender-se os decretos da ditadura; se se vencer isto, está tudo prejudicado, e senão, proporei então se todos, se parte; se se vencer, que senão suspendam todos, proporei o resto do parecer.

O Sr. Cezar de Vasconcellos: - Eu tinha pedido a palavra para apontar o mesmo facto, que apresentou o Sr. Silva Pereira; e dizer ao Congresso, que note bem os gravissimos inconvenientes, que se seguiriam, se se approvassem só as leis da dictadura publicadas até ao dia 18, quando o decreto, que criou á administração de saude militar e de 13, o installação do conselho de 18, é a publicação de 20: por tanto, não ficando este decreto em vigor, era consequencia do qual estão montados os hospitaes regimentaes, etc. etc., ficará tudo na maior confusão, e desordem neste ramo de serviço militar. Em quanto ao modo de propor a questão, parecia-me melhor designar até ao dia 26 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Isso é uma substituição: eu proponho se se hão de suspender, sem prejuizo das excepções; se se vencer, que não hão de ter execução, então está tudo prejudicado; e vencendo se que a tenham, resta saber, se todos, se parte.

O Sr. Barjona: - Eu adopto esse methodo de propôr; mas além disso se por acaso se tratar de marcar dias, cumpre que se proponha primeiro o dia 17, depois o dia 18, a por fim o 26.

O Sr. Almeida Garett: - Parece-me muito bem o methodo, porque V. Exca. quer propôr a questão; mas quero declarar, que eu não sei conhecer de data, não approvo nenhum destes decretos, porque não lhe reconhecendo legalidade, não posso sancciona-los.

O Sr. Silva Sanches:- Como o parecer da Commissão é que se esta votando, parece me que se podia perguntar primeiro ao Congresso se as leis do Ministerio publicadas até ao dia 17 de Janeiro, devem ficar em vigor, ou não? Depois se se decidi-se, que se consideravam em vigor, se pozesse á votação, se tambem se haviam-de considerar em vigôr as que foram publicadas até ao dia 26? Peço pois, que se vão marcando assim os dias; porque assim se satisfaz ás differentes opiniões dos membros deste Congresso.

O Sr. Ministro do Reino: - ............

O Sr. Franzini: - Eu tambem accrescentarei, que a parte, que diz respeito á divisão territorial em comarcas, de que fui encarregado, foi publicada muito antes da reunião das

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Côrtes, e a parte doutrinal da mesma reforma judiciaria foi publicada depois. Perguntarei agora, em que estado ficará uma lei metade approvada, e metade reprovada? Pela minha parte declaro, que na presente votação não entendo approvar nem reprovar todas as leis publicadas pela chamada dictadura, e limito-me sómente a tolerar a continuação de seu exercicio, em quanto as respectivas Commissões não apresentarem o seu juizo sobre as que devem definitivamente ser approvadas, emendadas, ou rejeitadas; e julgo, que é esta a unica deliberação prudente, que póde tomar o Congresso sobre objecto tão melindroso, sem comprometter a sua dignidade, approvando ou reprovando em globo um tão grande numero de leis, as quaes estão todas em execução. Outra qualquer deliberação augmentará a confusão e desordem, em que nos tem posto uma tão grande multiplicidade de leis contradictorias, publicadas por todas as administrações desde a época da restauração.

O Sr. Ministro da Justiça: - O Congresso parece-me não tem agora a approvar ou reprovar algumas das leis da dictadura; porque não está na dignidade do Congresso arriscar qualquer decisão sobre materias, cuja importancia não póde ainda ser avaliada. O que o Congresso tem a fazer, conforme o meu modo de pensar, é suspender o seu juizo até que os decretos da dictadura possam ser examinados com madureza, e competentemente alterados ou reformados. Sou de voto por consequencia, que não póde a questão ser proposta senão da maneira, por que a apresentou o Sr. Presidente; nem eu descubro motivo plausivel para que haja de cair o anathema com preferencia sobre uma outra lei, quando todas estão no mesmo caso. (Aqui advertiu o Sr. Presidente, que isso era entrar na discussão, o que não era permittido, e o Sr. Ministro sentou-se.)

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados não tem agora que discutir, e só quando os Srs. Deputados entenderem, que se deve propôr reunida a questão, é que eu a posso propôr.

O Sr. Ministro da Justiça: - Eu entendo que não deve haver excepção, em nenhuma das leis feitas no tempo da dictadura.

O Sr. Borjona: - Eu insisto que se vote por épocas separadas; porque cada um dos Srs. Deputados deseja, que se saiba lá fóra o modo, por que aqui votou.

O Sr. Presidente: - Não póde haver duvida nenhuma nisso; porque isto está no principio, de que o menos nunca exclue o mais, A approvação dos decretos publicados até 17 de Janeiro não exclue a dos publicados até 26; agora se nós viermos domais para o menos é que me parece, que fica prejudicada a primeira parte; porque se se propozer, suponhamos, todos os publicados até 26 de Janeiro, então é que fica prejudicada a questão daquelles Srs., que só querem approvar os que foram publicados até 17 de Janeiro.

O Sr. Ministro do Reino: -............

O Sr. f residente: -- Isso até é já uma questão secundaria, e isso cessa talvez propondo eu em primeiro logar ao Congresso se approva todos os decretos da dictadura; porque não se approvando, eu então passo a propor por épocas de menos para mais.

O Sr. Menezes: - Eu pergunto aos Srs. Ministros, se ha algumas leis da dictadura, publicadas depois do dia 26 de Janeiro.

O Sr. Ministro do Reino, e mais algumas vozes: - Não ha, não ha.

Uma voz do lado esquerdo: - Ha ha.

O Sr. Presidente propoz, se se haviam de suspender todos os decretos da dictadura? O Congresso decidiu que não.

O Sr. Presidente propoz, se se haviam de considerar em vigor todos os decretos da dictadura, ou em parte? O Congresso dicidiu por cincoenta e nove votos contra trinta e tres que todos.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu não sei se o Sr. Secretario no contar os votos, contou o meu, ou para approvação, ou para rejeição. Quero declarar-lhe, que não votei nesta questão; porque do modo que é proposta, não posso, nem sei, nem devo votar n'ella.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de ámanhã é projecto n.° 23 da Commissão dos vinhos; e se houver tempo a continuação da discussão do projecto da Constituição na sua generalidade.

Está fechada a sessão. - Eram cinco horas e meia.

SESSÃO DE 11 D'ABRIL.

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

ABRIU-SE a sessão ás onze horas da manhã, estando presentes noventa e oito Srs. Deputados.

Leu-se a acta da sessão antecedente; sobre ella moveu-se a discussão seguinte:

O Sr. Cezar de Vasconcellos: - Pedi a palavra sobre a acta, porque não julgo que esteja exacta. A acta deve ser a historia fiel do que se passa nas sessões do Congresso, e a que se acabou de ler, não me parece que esteja neste caso. Diz-se nella, que foram approvados todos os decretos da Dictadura; mas falta dizer-se (e eu fui um dos que pediram a V. Exca., que o propozesse) até que época se dava essa approvação aos taes decretos. V. Exca. disse, que não era necessario; e levantando-se o Sr. Deputado Franzini, e Menezes, declararam, que antes de votar desejavam saber dos Ministros, se haviam decretos legislativos, publicados depois do dia 26 de Fevereiro; em consequencia do que os Srs. Ministros fizeram a declaração «que não havia... Por esta razão, eu votei na supposição daquella declaração, isto é, que não havia decreto algum legislativo publicado depois do dia 26; não sei se os outros Srs. votaram no mesmo sentido. (Apoiado.) Por tanto, peço que se faça esta mesma declaração na acta, visto que foi um facto importante que se passou.

O Sr. Secretario Alberto Carlos: - Eu folgo muito que o Sr. Deputado não achasse a acta exacta, porque em minha consciencia tambem acho que o não está, com o que julgo, ser a mente do Congresso: entre tanto, eu redigi-a conforme o que se passou, e propoz na mesa. Tenho obrigação de tomar conta de tudo que se passa no Congresso, mas não posso fazer menção de cada uma das opiniões dos Srs. Deputados; eu não sou Tachygrapho, e por tanto não posso apresentar todas as lembranças dos membros do Congresso, mas só sim aquillo que vem para a mesa, e os termos em que o Sr. Presidente propõe as votações. Assim fica aos Srs. Deputados o recurso de mandar para a mesa as suas declarações. - O que está aqui, é o que hontem se venceu, e o Sr. Presidente poderá dizer, se na acta se acham as propostas que elle fez. Torno a dizer que muito estimo, que o Sr. Deputado não ache exactidão na acta, eu digo o mesmo em minha conciencia, em relação ao que me pareceu, que quereriam votar os Srs. da maioria; e fico á esta despe Srs. Ministros para os interpelar a este respeito: mas o que está na acta foi o que na mesa se passou. (Tornou a ler a acta no logar questionado, e proseguiu.) Foi isto; a minha opinião particular não altera a convicção em que estou da exactidão da acta. O que mais deseja o Sr. Deputado, é obrigação dos Tachygraphos, a minha como Secretario, reduz-se a mencionar os quesitos que foram votados, e creio que não será facil demonstrar que elles estão inexactos.

O Sr. Presidente: - Os quesitos que se apresentaram á votação, e foram approvados pelo Congresso, são exactamente os que estão expressos na acta. (Apoiado.) E' exacto tambem o que disse o Sr. Cezar; quando propuz esses

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