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SESSÃO DE 29 D'ABRIL

(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

Abriu-se a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e quatro Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do Ministerio da fazenda, remettendo alguns papeis relativos á pertenção da Camara municipal da cidade do Funchal; que pede-se-lhe conceda a livre exportação da urzella produzida nas ilhas da Madeira e Porto Santo. - Mandou-se á Commissão do ultramar.

2.° Outro do Ministerio da justiça e ecclesiasticos, a participar em resposta á indicação do Sr. Deputado José Alexandre de Campos, que já em 18 do corrente mez enviára cento e trinta exemplares da reforma judiciaria para serem distribuidos pelos Srs. Deputados. - O Congresso ficou inteirado.

3.º Outro do Ministerio da guerra, a enviar as informações ácerca da morte do alferes Camara, do regimento de caçadores n.º 5, que pelo Congresso foram pedidos a requerimento do Sr. Deputado Raivoso. - Mandou-se para a secretaria.

4.º Outro do Ministerio da marinha e ultramar, a participar que ficam expedidas as convenientes ordens á contadoria geral da marinha, a fim de que os officiaes effectivos da armada, em activo serviço, sejam pagos em conformidade do parecer offerecido pela Commissão de marinha deste Congresso; sobre um requerimento dos mencionados officiaes. - O Congresso ficou inteirado.

5.º Uma representaçao da Camara municipal do concelho e villa de Castro. Laboreiro, julgado da comarca de Barcellos, sobre divisão do territorio. - Foi á Commissão de estatistica.

6.º Outra da junta de parochia da freguezia da Espiunca tambem sobre divisão de territorio. - Foi á Commissão de estatistica.

7.º Outra representação dos professores do ensino publico do districto administrativo de Braga, a pedir que os pagamentos se façam com igualdade, a todos os empregados, e que o subsidio literario seja unicamente destinado ao pagamento dos professores, devendo para esse effeito ser arrecadado em cofre separado dos mais rendimentos nacionaes. - Foi á Commissão de fazenda.

8.º Outra dos lavradores dos concelhos de Valença, e Monção ácerca dos direitos do gado vacum. - Foi á Commissão de fazenda.

Teve segunda leitura o requerimento seguinte:

Requeiro que pela secretaria dos negocios estrangeiros se paça ao Governo uma cópia do parecer da Commissão encarregada da reformado correio geral. Em 28 d'Abril de 1837. - Conde de Lumiares.

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Sampaio Araujo: - Como relator da Commissão de petições mando para a mesa um parecer de Commissão ácerca do requerimento de D. Libania Joaquina, viuva do tenente coronel José Joaquim Pereira Cifrão, em que pede se lhe confira o soldo do marido, ou uma pensão; e como a Commissão não propõe medidas legislativas, eu dispenso-me de ler o parecer, segundo a prática do Congresso; e quando elle entrar em discussão farei as observações, que convier.

O Sr. Presidente: - Passamos á ordem do dia: tem a palavra o Sr. Gorjão sobre o projecto de Constituição.

O Sr. Gorjão Henriques: - Grandes em numero, e maiores em eloquencia, tem sido por certo os discursos dos illustres oradores, que me precederam no afanoso empenho de defender suas encontradas opiniões, ou suas divergencias em uma materia, cuja resolução importa o cumplemento do mais principal, e mais arduo objecto da missão popular, que nos reune neste augusto recinto, e de que depende, sob tamanha responsabilidade, o desempenho das procurações, de que nos muniu uma nação, que cheia de enfermidades, e ulcerada de tantas, e tão penetrantes feridas, estende a nós seus languidos braços, e em nós fixa seus macerados olhos, pedindo-nos o seu curativo, em quanto elle póde aproveitar-lhe. Nobre tem sido a maneira por que esta Assembléa se tem caracterisado, tanto na ordem das discussões, como na attenção, e civilidade prestadas aos oradores, quando estes tem emittido suas opiniões, como quer que entendem, que ellas são boas ao bem do seu paiz, unica consideração, que (abstrahidas todas as de capricho, ou partido, está certamente gravada nos corações de todos nós) nos dicta a lei, e circunda os limites de nosso leal procedimento.

Sim, Sr. Presidente, sim, illustre Assembléa, perante quem vai alçar-se a. minha debil voz; nada ha que recear, antes bem motivadamente a esperar, que este empenho se termine com a mesma magestosa marcha com que principiou, e tem progredido.

Tendo-me cabido a sorte de fallar, já depois de um tão avultado numero de sublimes oradores, e sobre uma materia já tão habil, e plenamente esgotada, accrescendo a isto a insignificancia de meus talentos, e a vulgaridade de minha expressão, como posso eu deixar de temer, que o meu discurso não seja tão grato como eu desejo, e muito mais tendo elle por objecto apresentar uma opinião talvez nova, e a qual não affianço, que esteja em harmonia com a de grande parte dos membros deste Congresso: com tudo, força é dize-lo, cumpre ao meu dever, e satisfaço tambem aos meus principios, aliviando-me do fardo, que tanto me pesaria na consciencia, se eu, por uma consideração estranha ás do dever, da franqueza, e da coragem civica, fechasse, e lacrasse, esta opinião dentro em mim mesmo, logo que me convesço, de que ella é oriunda do desejo da felicidade permanente da minha patria, e da sua gloriosa ostenção das virtudes nacionaes, que a caracterisam, e devem caracterisar todas as nações inscriptas no cathalogo das nações civilisadas.

Por estes precedentes eu conto com certeza, que terei ouvido sem interrupções, como se me deve, e para depois de ouvido eu não exijo, como alguns dos illustres Deputados que me precederam, que minhas opiniões sejam respeitadas; dê-lhes cada um o peso, que entender ellas mereçam; chegue mesmo alguem a ludibria-las; mas o que exijo, porque o posso exigir, é a sua tolerancia; exijo o que por igualdade de direito tambem presto aos outros: se minhas idéas não agradarem, tolerem-as com tudo, que tambem sem explosão tolero muitas opiniões, e muitas obras, que, não só não respeito, mas de maneira alguma me agradam, nem poderão agradar jamais: assegurando por outra, que nem o menos agrado com que ellas podem ser recebidas, nem qualquer consideração pessoal, em consequencia de eu as publicar, me, estorvam para inalteravel seguir meu caminho, logo que entendo, que vai bem á minha obrigação, e bem á ventura do meu paiz, em exercer as funcções de Deputado consciencioso: eu me julgaria indigno de tal honra, e até indigno do nome de cidadão portuguez, se hesitasse um só momento, embora eu me ache só, ou quasi só na minha opinião, forte de mim mesmo, a bem da minha patria. Eu só com esta... aponto para a lingua; porque é a unica arma deste logar, aonde não é dado arrancar meia espada...

Fui votado ao sacrificio da minha pessoa pelos meus concidadãos; acceitei, deixei o abandono em que vivia á treze annos do barulho do mundo politico, voltei á scena publica com perfeita abnegação de mim mesmo, sem pretenções, sem partido de qualidade alguma; e seguro de mim mesmo, tranquillo aguardo o resultado de haver seguido a minha

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estrella, e a execução do infallivel decreto, com que o destino marcou as primeiras fachas, em que fui envolvido, é com que sanccionou o periodo, e os acontecimentos da minha existencia; muito poderia desenvolver estas considerações; mas assaz me terei já demorado.

Achamo-nos, Sr. Presidente, reunidos aqui os procuradores da nação portugueza: estas palavras logo mostram, que havemos de ter procurações, e que o bom procurador é aquelle, que em tudo, e á risca desempenha essas procurações de que está munido; e aos ajustes que fez com seus outorgantes, sobre o modo de desempenhar os poderes, que lhe conferem: vejamos qual foi o modo por que eu, e todos nós nos obrigámos a desempenhar á risca, e fielmente essas procurações, que a nação noa deu, quando para este logar nos mandou: este modo é aquelle, que está estampado no juramento, que démos ao tomar assento nestas Côrtes; e eis-aqui o que jurámos (leu). Ora bem se infere, por consequencia necessaria, que aquelle, que desempenha sua procuração segando em sua consciencia entende, que o faz bem, e fielmente; cumpre o seu dever e não tem crime: eis o que eu penso fazer, eis o que mesmo entendo haver feito desde que tive a honra de occupar esta cadeira; e tanto entendo em minha consciencia que hei obrado bem, e bem obrarei em quanto assim praticar, que durmo tranquillo sem receio algum, e menos incommodado do aguilhão dos remorsos, do que o seria, se no peso do meu somno fôsse levemente picado por um mesquito, que não chegasse a fazer-me acordar.

Vamos agora a saber qual é o theor de nossas procurações, e o que nos ha de servir de normas inalteravel: a minha diz, e creio que todas, ou quasi todas dizem o mesmo (leu): entendo pois que nós temos uma obrigação imprescriptivel de nos cingirmos ás condições, que nossos poderes encerram: digo temos obrigação, porque todas as procurações dos Srs. Deputados, que em grande numero examinei na secretaria, são iguaes á minha, mesmo no que toca á confecção da futura Constituição: estando por tanto chegado o tempo de desempenhar a parte mais essencial dessas condições, é necassario havermo-nos com toda a pontualidade nesse desempenho.

As nossas procurações tem duas partes, uma implicita, e outra esplicita; na parte implicita o Deputado tem todas as largas, que lhe ministra a sua consciencia com o bem geral da nação em vista, e então é-lhe permittido, está, na sua longanimidade, dar a maior latitude á intelligencia doutrinal do theor de sua procuração; mas na parte, que respeita ao que é explicito em nossas procurações, que marca positivamente os poderes dos Deputados na obra da futura Constituição, temos, como já disse, estricta obrigação de cingir-nos ás condições, que nos foram impostas; e nesta parte do theor de nossas procurações, não póde de modo algum dar-se outra intelligencia, que hão seja a litteral: isto é um axioma de direito, que não carece de mais demonstração alguma.

Sr. Presidente, a nação portuguesa trata hoje de constituir-se; este direito ninguem póde contestar-se uma nação soberana, assim como ninguem, que reconheço a sua soberania, póde desconhecer a sua independencia; mas tambem é certo, que uma nação a par da sua soberania; e independencia, tem para com ella mesma obrigações da sua conservação, e de seu aperfeiçoamento, e para com as outras nações o dever de as não incommodar, e o dever da união reciproca com aquellas, em cuja communhão pretende subsistir: ora a perfeição de uma nação dimana essencialmente da sua Constituição; mas esta nunca póde ser perfeita, ou menus imperfeita, senão quando uma nação se conhece a si mesma, tanto nas relações internas, como nas que dizem respeito ao seu estado comparativo com as outras nações; e quando, em virtude desse conhecimento, ella adapta sabia, e prudentemente a Constituição do estado a essas circumstancias, e relações; isto é o que eu chamo constituir-se, e o contrario seria aberrar inteiramente dos fins da sociedade, e pôr em perigo, e até destruir a mesma sociedade, o que ella não póde fazer, nem para isso tem direito; e ninguem me venha com o estrepitoso argumento, de que um povo soberano não depende dos outros para se constituir, e que, porque nenhuma nação tem direito de se intrometter na Constituição, e leis de outra nação, primeiro deve um povo independente sepultar-se nas finas ruinas, do que soffrer que uma nação estranha lhe imponha, ou de algum modo influa no fazer de suas leis: isto na verdade é muito heroico, é muito altisonante em these; mas descendo á prática é circumscripto por outras considerações, e muito verdadeiras. Aquelle povo, ou nação, que, levada só por aquellas maximas, quisesse apresentar na sua totalidade essas tão decantadas scenas de Sagunto, e Çaragoça, pergunto eu, satisfaria aos fins da sociedade? Cumpriria ella a primeira das leis, que é a sua existencia, e salvação, por aquelle axioma «salus populi suprema lex esta? Reduzida unicamente a montões de ruinas, poderia dizer-se povo independente? Poderia sim, porque só quem não existe não depende; os póvos soberanos são independentes em constituir-se, é verdade; mas tem melindrosos, e regrados limites no exercicio desse direito, prescriptos pela sua conservação, e aperfeiçoamento; e nunca esse direito se exerce devidamente, e se preenchem seus fins, se a lei fundamental não se basear sobre as circumstancias actuaes dos mesmos póvos; tudo que é o contrario, é uma obra efemera, e que em breve rolará sobre suas ruinas pela fraqueza, ou carencia de sua base; e para o demonstrar com exemplos, vamos chamando a questão ao ponto, que sevindo-me nesta parte do meu discurso faz igualmente bem a todo o corpo delle, e me leva á minha final proposta, e conclusão.

Todos sabemos, porque a materia é contemporanea, que quando um povo, pelos defeitos de seu Governo, chega ao cumulo dos males, e ao ultimo apuro de soffrimento; quando por parte do poder estão rotos os vinculos sociaes, e quebrado o contrato, esse povo só trata de saír desse estado violento para um outro qualquer, e escolhe o que lhe parece melhor, e de ordinario quanto mais opposto é ao que o afflige, mais preferivel lhe parece ao estado; e se a oppressão tirannisa um povo, sempre julga que lhe convém passar para a maior liberdade: a compressão do espirito, quanto maior é, maior reacção importa; mas nesse estado de paixão excessiva quasi nunca se encontra o acerto, e se vai mil vezes cahir em o extremo opposto: eu não citarei as scenas passadas em França, e Inglaterra, que comprovam isto, eu limito-me á nós, e aos nossos visinhos, ou a exemplos, como já disse, do periodo da nossa vida: opprimida a Hespanha pelas falanges monopolista-militar da Europa; arruinada inteiramente pelo governo da fraqueza, e da traição, esta nação se viu reduzida ao curto espaço da ilha de Leão: alli em quanto um rei gemia no captiveiro, essa parte herroica da nação, sempre esperançosa de seu restabelecimento, se emmancipou do jugo do despotismo: ella faz uma lei fundamental, que impoz, e fez jurar ao chefe do poder, quando libertado pelos heroicos esforços dos mesmos hespanhoes, e seus alliados; tornou a pizar a terra de seus antepassados; a constituição de Cadiz, foi o pacto fundamental da Hespanha constitucional desde então.

Quando em 1820 estava Portugal entregue ao abandono do seu Governo, e ao despotismo estrangeiro, feito uma colonia da sua colonia, presa da cesariana de detestaveis mandões, reduzido ao opprobrio, e á miseria, a ponto de que os portugueses na sua patria não tinham patria, o grito da nação se ouviu do Douro ao Téjo, do Guadiana ao Minho, e em breve retumbou além da mares, em toda a parte onde imperava o nome portuguez, e á imitação do povo hespanhol, o povo portuguez, roto o seu antigo pacto, proclamou um novo pacto; mas esse pacto era indifinido, este

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estado era quasi imaginario, ou paio menos muito abstracto, isto fez chocar opiniões, e partidos nascentes, e então para se definir esse pacto se proclamou um, que ainda que estrangeiro era definido, e foi a constituição de Hespanha; outros acontecimentos fizeram impor á nova constituição, que havia de fazer-se, a clausula = sine que non = de ser mais liberal do que a mesma de Hespanha; d'onde se collige, que o povo portuguez, nestes differentes actos de sua soberania, o que queria dizer era = abaixo o despotismo, e acima a liberdade = este fôra tambem o pensamento do povo hespanhol, porém, o que se conseguiu? Vejamos se por ventura se abraçou juno, ou a nuvem em seu logar. Forçados, os legisladores em ambos os paizes, lá em Hespanha primeiro, e cá em Portugal depois, pela exaltação de paixões, e opiniões, fizeram essas duas constituições, cuja sorte, e cujos resultados ninguem ha, que hoje ignore: os seus principios essencialmente democraticos; a pouca attenção aos costumes, e luzes das duas nações; a nenhuma contemplação com o direito publico, então vigente entre a maior parte das nações Europeas, acarretaram na Hespanha a quéda da Constituição de 1812, depois de tantos baldões, e sanguinosos combates; e na mesma época a constituição de Portugal de 1822 foi abismada debaixo de novos allicerces do tbrono do absolutismo, depois de banhada em sangue de portuguezes: eis a Hespanha; eis Portugal, bem como Napoles, e o Piemonte, sem governo constitucional; extincto este, e alçado o governo despotico = manus effugit imago. = Eu passo em silencio o que decorreu desde esse periodo, até que ambas as nações foram reconstituidas constitucionalmente; e vejamos como se aproveitaram as lições da experiencia: eu resumirei esta demonstração ao nosso paiz, e do visinho; só tirarei os exemplos de paridade, ou analogia.

Uma nova épocha se apresenta: é Pedro immortal quem, podendo ser absoluto, dá á Nação portugueza a sua Carta de liberdade em 1826, que por uma notavel coincidencia conta hoje pela umdecima vez o seu dia natalicio. (Rumor.)

O Sr. Presidente: - Ordem, attenção.

O Orador: - Eu sou inabalavel, e seguirei firme a minha marcha. (Apoiado, apoiado.)

Exercendo aquelle poder, que no sen exercicio é muitas vezes delegado, só nos Reis; mas que nem por isso é desmembrado dos póvos, em cujo nome os Reis exercem esse poder; então elle com os olhos attentos na fatal experiencia do resultado das duas Constituições decahidas nos apresenta uma, que se não póde duvidar satisfez plenamente, e reuniu então os differentes interesses do estado, e nos reconciliou com as Nações mais civilisadas, e mais bem constituidas da Europa, e do mundo conhecido.

Ora, Sr. Presidente, estamos chegados ao ponto em que se me póde objectar, que essa Carta, dadiva do Grande Homem, não emmanára da soberania popular, e que viera - de cima para baixo - quando pelo contrario as Constituições do povo soberano devem ir - debaixo para cima, - e por tanto que aquella Carta era Real, e não Nacional: a este argumento de origem de Constituições eu responderei, que a Carta de 26 é inteiramente nacional; e para o provar não tenho mais necessidade do que acompanhar a sorte, d'essa mesma Carta em os seus differentes periodos de existencia.

Quando em Maio de 1828 o usurpador occupava já de facto o reino, e o throno, que depois figurou ser-lhe conferido de direito, e já de facto havia despedaçado o vinculo e o pacto Constitucional, qual foi a voz que a parte sãa da Nação, onde se deve affirmar que existia o direito e a força armada, na cidade do Porto; qual foi, digo, a voz que fizeram escutar? = Rainha, e Carta. = e debaixo deste estandarte se reuniu esse resto da Nação, essa crusada liberal: e porque não foi debaixo do estandarte - Constituição de 22? - Quando reduzido o casco da nação portugueza livre ás alcantiladas rochas da Terceira, jurou em quando um só proscripto respirasse, manter a liberdade da sua patria, e debelar o tyranno; em que evangelho pôz sua mão? = Carta, e Rainha. = Quem embargou a esses heróes portuguezes, que tinham a peito a salvação da sua patria, dizerem, quando assim juravam - Constituição de 22? - Por que não foi debaixo de tal invocação, que podiam ter escolhido, que elles obraram os prodigios de valor na gloriosa batalha da Praia, primeira, e bem cara lição dada ao despotismo? Porque razão os legisladores da terceira, acanhados n'esse canto do reino, não fizeram uma Constituição nova, ou não se serviram da de 22 para, á emitação dos hespanhoes de Cadiz, a imporem ao Principe, que em consequencia dos acontecimentos politicos já se não apresentou a esses bravos, nem como Imperador, nem como Rei, mas como valente capitão? E então para que lhe disse essa nação livre e Constitucional. - Vós nos guiareis a salvar no campo da honra a nossa patria, e o throno de Vossa Filha debaixo do sagrado estandarte = Rainha, e Carta; = e porque nem ao menos lhe disse - Rainha, e Constituição de 22? - Porque razão quando o homem raro, e sempre immortal, á frente de 7:500 bravos e fidos lusos, saltando o primeiro na Praia do Mindello, e firmando na arêa a haste da bandeira azul e branca, tomou posse da terra patria, dizendo = pela Rainha, e pela Carta. = Porque razão, digo, esse invencivel, ainda que pequeno exercito, que fazia a melhor parte, que era a flôr, a principal força, e a segurança da limitada nação livre, não imitou o exemplo dos militares hespanhoes em 1820, e não disse: -tomai posse em nome da Rainha, e da Constituição de 22? - Porque motivo só debaixo d'aquella invicta bandeira se obraram tantos prodigios de valor e estupendas façanhas, de que são testemunhas asagoas do Douro, os muros d'essa cidade eterna, e seus campos em redor, onde no dilatado por vir o arado do lavrador irá topar com os ossos de tantos heróes, que ao colono, e ao viajante estarão apresentando como inscriptas as palavras = Rainha, e Carta!! = Porque foi este o sacro palladio que produziu tantos prodigios de heroismo, que nas lidas mais que humanas, nas bastalhas tão feridas da Villa da Praia, linhas do Porto, onde Brummont sentio murcharem-se os louros de Argel, que repentinamente foram envoltos no pó e pisados aos pés dos valentes defensores da liberdade Lusitana; Algarve, Cabo de São Vicente; que viu a esquadra do usurpador vencida, e aprisionada pela esquadra libertadora, que apenas era em quilhas em metade de vasos vencidos? Em Cacilhas, linhas de Lisboa, Almoster, Asseiceira, ultimo baqueo de dispotismo, e em quantas se derão com seu novo assombro fizeram esquecer as gloriosas épocas da monarchia em que centelhavam os Castros, e os Albuquerques, e excederam com o heroismo, nunca igualado, da cidade eterna, da serra do Pillar, de Marvão, e tantas outras povoações, quanto de prodigioso se conta de Sagunto, de Diu, de Çaragoga, e hoje se diz do immortal Bilbáu; e que tornando acreditaveis as façanhas dos antigos portuguezes, que pareciam fabulosas, tomaram um logar tão superior na historia dos lusos fastos, que d'elles se póde dizer:

Cesse tudo que a musa antiga canta.

Que outro louvor mais alto se levanta!!

Mas vamos ávante, e ainda pergunto; porque motivo, quando restaurado já o paiz do jugo da usurpação, livre já dos ferros toda a Nação, ella brindou de um acatamento geral, de um enthusiasmo nunca visto essa Carta de 26, no momento em que a podia repelir; e quando, despedaçado de todo o ediondo vinculo da força, ella se podia reconstituir, ou escolher essa Constituição de 22 já experimentada; e porque motivo tambem toda a Nação mostrou a mais cordeal affeição elegendo em virtude d'ella em 1834 os seus representantes, que se reuniram em Côrtes, época já d'antemão marcada pelo generoso libertador de Portugal, que á emitação do heróe de Virginia, e tambem libertador da America septem-

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trional, havia para então resignado o commando, a dictadura, e a regencia, e então que mais opportuna occasião poderia dar-se para se fazer uma nova Constituição, ou alçar-se a de 22, o que não só aconteceu então, mas em nenhum dos differentes periodos até 9 de Setembro de 1836, nos quaes um só clamor se não ouviu dos póvos, e seus representantes contra a Carta de 26? E finalmente qual o motivo porque, quando n'esse entervallo de mais de 10 annos de duração uma parte do povo portuguez, ou antes da força armada, se julgou sufficientemente motivada para reclamar ao Throno a demissão d'um ministerio insufficiente; porque motivo nem então mesmo um só individuo ousou proferir uma palavra mais alta contra essa Carta de 26?!... Que appareça quem regeu estes factos. - E poderá á vista do que fica enumerado negar-se, que esta Carta existia dada pela Nação a si mesma em tantas occasiões? Poderá deixar de se lhe reconhecer a qualidade de tanto e mais nacional e popular do que se fôsse feita em commissios? Eu creio que não, e só por algum sofisma, que eu não sei prever ..., mas porque aconteceu tudo isto a favor da Carta de 26, e não a pró da Constituição de 22, até 9 de Setembro do anno passado? A razão é clara, é a que eu logo direi, quando tratar de aproximarme ao meu fim, e justificar a minha indicação.

Verdade é, Sr. Presidente, que a revolução de 9 de Setembro do anno passado apresentou á Nação um facto necessario: digo necessario, porque dadas taes circumstancias não estava já ao alcance evita-lo, e então existiu necessariamente.

A ninguem é já occulto o que a este respeito se passou, e os fins que tivera em vista essa revolução; entretanto era inevitavel que abulido um pacto social, se proclamasse outro, para não se passar d'um estado definido, para um indefinido; e então bem se deixa ver, que não nos acuando então nas circumstancias de Novembro de 1820, em que não tinhamos pacto nacional, e por isso se foi buscar provisoriamente o estrangeiro, de necessidade se havia de proclamar o outro tambem nacional, que era a Constituição de 22. - Com tudo logo nessa mesma occasião lá veio o correctivo para o veneno, que a experiencia mostrára haver nessa Constituição pura e simples, como ella era, pelo qual não poderia medrar o nosso estaco politico, e por isso se lhe accrescentou logo = com as modificações que as Côrtes lhe fizerem; = entre tanto sem entrar nos pormenores, que precederam á revolução de Setembro, não posso deixar de dizer; porque em fim devo dizer com verdade o que sei, por ver, e por ouvir, - a Carta de 26 não era tão geralmente odiada, como alguem quer figurar: a sua quéda ferio de estupôr todas, ou quasi todas as povoações do Reino; á excepção da capital: tal cousa não se esperava em muitas partes, tal novidade se não acreditou por muitos dias; no districto da minha residencia assim aconteceu, e até me dizem, (talvez assim não fôsse) que mesmo na cidade eterna se hesitou sobre a verdade de um acontecimento não precedido dos simptomas, que o fazem esperar, e conhecer d'antemão... (Rumor continuado.)

O Sr. Presidente: - Ordem. Peço attenção.

O Sr. Soares Caldeira: - O que o Sr. Deputado acaba de dizer póde fazer muito mal lá fóra... (Sussurro.)

O Sr. Gorjão Henriques: (voltando-se para os srs. Deputados, e com voz forte): -Estou no meu direito, emitto minha opinião: (Apoiado, apoiado - unanimemente) a minha opinião é a de muita gente; todas as opiniões devem aqui ser emittidas, e ser representadas... (Apoiado geral) todos os interesses devem ser advogados... (Apoiado geral) devem-se tolerar as opiniões e o procedimento em contrario, é provar mais que a Nação geme debaixo da oppressão, e da força... que não é livre em suas eleições... (Sussurro) nem o são os Deputados... (Apoiado geral, e prolongado) digo o que vi, e tambem ouvi, não se esperava tal acontecimento em muitas partes do Reino; porque não precederam, como acabei de dizer, as reclamações dos póvos pela sua oppressão, já fóra dos limites, nem os escriptos que dispoem taes acontecimentos, nem a violencia, ou reacção contra as liberdades publicas da parte do Governo, que deu logar em França a que se espalhassem as proclamações sobre as baionetas da tropa, que opprimia o povo; nada d'isto, nem se quer a sua sombra appareceu...

Sabia-se que na visinha Nação se havia proclamado a Constituição de 12 pelos innumeraveis defeitos do estatuto, e porque elle se tinha mostrado insufficiente para debellar o despotismo do Pertendente; mas quem se lembrava de que um igual acontecimento teria logar entre nós em tão curto intervallo? Todos conheciam erros, e faltas commettidas pelas administrações antigas, mas não se entendia como fôsse necessario para derribar homens derribar todo um edificio social, sem tratar antes de se consertarem esses repartimentos, que por mal arranjados, e por serventias mal collocadas, davam áso a se acoutarem dentro d'elle homens que não agradavam? Eu fallo pelo que vi, e pelo que ouvi: talvez muitos dos illustres Deputados, que me ouvem, e cuja declaração eu não sollicito, vissem e ouvissem outro tanto nas suas provincias; (apoiado) mas em fim o facto appareceu, e a Nação adheriu a elle, esperava algum bem na mudança, e nas promessas; mas nem por isso toda ella perdeu o respeito, ou calcou aos pés o vencido, a Carta continuou a merecer o affecto, e a veneração de muita gente, e muito boa gente: bem se conheceu isto, e tanto se conheceu, que os mesmos acontecimentos de 4 e 5 de Novembro deram uma próva do peso, que ella ainda tinha na opinião nacional a estrangeira, a qual era necessario não desprezar antes attender, e conciliar para se não reduzir a Nação ao terrivel estado de divisão, ou antes de dissolução; e então se chamou novamente a estimação d'essa Carta; porque se conheceu, que, segundo o estado do paiz, era indispensavel, que ella fôsse reverenciada a ponto de servir ella mesma de base á nova lei fundamental: tantas eram as boas qualidades reconhecidas n'essa Carta pela mesma revolução de Setembro!! E nisso honra lhe seja, e gratidão se lhe dê; e ninguem me diga que isto foi sómente obrada parte do Governo, porque eu entendo que os acontecimentos de Novembro tiveram o mesmo fundamento, pêso, e legalidade, que os de Setembro, um filho do outro sem dúvida alguma; porém fôsse o que fôsse, a Nação assim o quer, ella correu ás eleições debaixo das formulas prescriptas, ella nos deu nossas procurações, é soberana, e como ella as deu, é que nós as devemos exercer.

Temos por tanto, que á futura lei fundamental, segundo a letra das mesmas procurações, deve sahir não menos da Constituição de 22, que da Carta de 26, e por isso me parece que a Commissão, permuta-se-me dize-lo, não guardou á risca este mandato, porque o projecto não póde strictamente chamar-se = alterações feitas na Constituição de 22, ou na Carta de 26 = e se alguem me disser, que isso equivale o mesmo, e que a Commissão attendeu a essas clausulas das procurações, e tirou de ambos os codigos o que julgou aproveitarei, eu respondo, que não vejo que a Commissão declare have-lo assim feito, nem expressão alguma que tenha referencia ás clausulas das nossas procurações; por isso declarando, que no Caso da não ser admittido o projecto, que vou apresentar, eu votarei pelo parecer da Commissão, por ser aquelle que mais se assemelha ao projecto que pretendo fazer adoptar eu sómente combato agora o da Commissão na sua generalidade pelo facto da sua geração, reservando-me para o combater tambem na sua especialidade em aquelles artigos, que me parecerem discordar muito do meu projecto. Parece-me pois, que o que verdadeiramente nos cumpre é - fazer as alterações necessarias na Constituição e na Carta - e que isto é que será seguir escrupulosamente o caminho marcado: ora, no modo de fazer estas alterações, e

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na escolha de sua base, é que eu entendo ser livre arcada um de nós tomar com especialidade este ou aquelle codigo, para sobre elle se fazerem as alterações necessarias por meio da discussão de seus artigos, e substituir aos eliminados, ou alterados, outros, ou as emendas tiradas do outro codigo, ou chamadas de novo, ou de outra qualquer Constituição, etc.: pela minha parte fiz a minha escolha, e eu passo a justifica-la.

Além da expressa declaração do theor de nossos poderes ha outra não menos importante, e vem a ser, que a futura Constituição deve garantir as prerogativas do Throno contitucional, e estar em harmonia com as das nações mais civilisadas da Europa: bem; apesar de não tomar a cargo fazer aqui o processo, nem o panegyrico da Constituição de 22, longe de dizer que ella é má, pelo contrario entendo que ella é boa, e muito boa, e fazendo honra aos principaes Cidadãos, que tiveram parte nessa obra, cumpre-me com tudo declarar, que muitos delles, e dos mais illustrados, conhecem os inconvenientes ponderados por muitos na mesma Constituição; mas um successo, a revolução de 11 de Novembro de 1820, os ligou por suas procurações a fazerem uma Constituição não menus liberal que a de Cadiz, a qual foi feita mais livremente que a nossa de 22; porque a exaltação de partidos teve em grande coacção os legisladores da ilha de Leão: digo pois, que ella é boa, e se tal qual está fôsse exequivel entre nós pela sua coincidencia em o hoje direito publico da Europa, e sua politica, ella fazia sem duvida a felicidade dos portuguezes; mas por outra parte eu appello para o testemunho de todos os publicistas do tempo; e pergunto, se não é verdade que a opinião delles, a respeito da Constituição de 22, era, que contendo ella excellentes principios em abstracto, não fôra (e este era o seu maximo defeito) harmonisada com as Constituições monarchico-representativas, que regem nos paizes mais adiantados em civilisação; e em consequencia d'essa grave falta foi que se vio, que tal Constituição não era exequivel na Europa: ora, se esta clausula da harmonia com as demais Constituições da Europa se deve sobre todas observar, força é convir, que a Carta de 26 é preferivel á Constituição de 22, para nos servir de modelo.

Já neste Congresso se disse, e com verdade, que as garantias da Carta eram mais amplas que as da Constituição - sentença verdadeira, que tambem não permitte hesitação na escolha.

Passando a particularisar alguns artigos mais essenciaes da mesma Carta direi, que a existencia das duas Camaras, a divisão dos poderes politicos, a creação do poder moderador, que se deve ao illustre Benjamin Constant, harmonisou perfeitamente com as Constituições europêas; sendo certo, que a Carta Portugueza era de todas a mais liberal.

Nesta mesma Carta eu vejo consagrado o nosso dogma politico da soberania nacional em quanto ninguem, senão a Nação reunida em Côrtes, póde alterar os artigos da Constituição do Reino; e quanto ao veto real, alli tambem consignado, eu sómente descubro uma prerogativa, que está mais que todas sujeita á sancção da opinião publica, contra a qual não ousará mostrar-se pelejar, ou resistir em parte alguma desde que esta se pronunciar de um modo decisivo: a pratica o demonstra; e se exemplos são necessarios, eu os vou buscar a Inglaterra na separação da America Septentrional, na emancipação dos catholicos, na reforma do parlamento, etc.; e quando o contrario se praticasse, eu faria olhar para o ex-throno de Carlos X. Ora, as Dualidades essenciaes que deixo apontadas na Carta de 26 são sem duvida as que harmonisaram com as outras Constituições europêas; a necessidade desta harmonia é um principio grande, e muito verdadeiro; ha vinte annos a esta parte as nações civilisadas se unem estreitamente, a rapidez das communicações, o estudo dos idiomas, o immenso tracto commercial, tem feito da Europa culta como que uma só nação, uma só familia: as differenças de caracteres vão-se abliterando; hoje um inglez, um francez, um allemão, pouco se differençam; estas circumstancias, e outras que poderia produzir, e muito bem sabidas são, fazem que haja necessidade de similhança, e maior identidade nas Constituições dos estados para se manter este tracto familiar, entre nações, que necessitam, ou querem ser amigas; a dessimilhança nas Constituições isolaria os povos em que ella apparecesse, seria tão intempestiva hoje entre rios a republica, como o dispotismo, e certamente a Carta é o pacto, que nos reunio á Europa, e eis-aqui a razão porque toda ella a saudou como o Iris da nossa mutua alliança com as nações constitucionaes, entre as quaes não é possivel que nação alguma exista fóra da communhão geral.

A comparação do passado importa tambem alguma cousa: a Carta de 26 fez que a Europa se reunisse a nós, quando a Constituição de 22 a havia afastado; esta foi um cartel de guerra, aquella um pacto de paz; a Constituição de 22 foivenéida, a Carta de 26 triumphou por entre os maiores prodigios de heroismo sobre seus inimigos. Obteve por isso de todas as potencias estrangeiras o acatamento, e a amisade, e da Nação Portugueza a sancção nacional da victoria; sendo, torno a repetir, nacional, porque um Principe, é verdade, a deu espontaneamente; porém dessa outhorga privou os Portuguezes a tyrannia do usurpador; e a Nação depois, a mesma Nação, movida de seu proprio patriotismo, tomou as armas para restaura-la, o que conseguio á custa de rios de sangue, e sacrificios inaudictos, depois do que a Carta ficou o mais nacional, e o mais popular que se pode conceber: - isto é innegavel...

Por tanto concluo, que sendo-me obrigatorio por minha procuração tomar a Carta de 26, e a Constituição de 22, para nellas se proceder às attenções, que reconheço deverão existir, eu escolho para offerecer um projecto de lei fundai mental = mutatis mutandis = para ser discutida em seus artigos, e alterados alguns, uma Carta Constitucional de 1826; que mando para a mesa; pois que ainda mesmo que não me parecesse, como já disse, que a Commissão não seguio bem á risca a letra das nossas procurações, na sua parte mais explicita, apesar disso nada obsta que eu como Deputado, que tem a iniciativa em todos os negocios, e sem me ligar a que haja outros projectos sobre qualquer materia, offereça tambem sobre esta um terceiro projecto além do da Commissão, e do Sr. Santos Cruz, o qual foi aceito como cumpria.

Ora finalmente, eis-me aqui amanhã já cheio de epithetos pelos homens, e pelos papeis; chamar-me-hão differentes cousas, ajuisarão uns bem, outros mal! A todos agradeço, tanto a quem me elogiar, como a quem me corrigir; mas sou indifferente a tudo isso, e nada altera a minha segura marcha; e ponho termo ao meu já não pequeno discurso, dizendo - que tenho saudades da Carta de 26, e das gloriosas recordações a que, apesar de alguns defeitos, dá logar a mesma Carta, que collocou sobre o Throno a Nossa Augusta Rainha, e sua descendencia, que nos deu a liberdade, e tanto, que até habilitou a Nação para com o titulo de maior liberdade produzir a revolução de Setembro passado, o que não aconteceria se gemesse-mos ainda debaixo do despotismo; que tenho saudades de tantos bravos, e martyres, que por ella perderam a vida, e com essa perda até nos habilitaram para estar-mos hoje neste logar; e que tenho muitas saudades do seu Immortal Primeiro Dadôr, e que tanto amo as suas Cinzas, que se me fosse possivel, á imitação do que fabulosamente se diz de Castor, e Pollux, que repartiam entre si a vida, eu não cedería metade, mas daria toda a minha existencia para elle gosar da vida. - Isto é opinião, isto não é facção (apoiado); as opiniões devem tolerar-se, as facções devem esmagar-se (apoiado, apoiado); sempre terei opinião minha, e nunca serei faccioso: sempre Cidadão obediente á lei, e amigo da ventura da mi-

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nha patria, mas corajoso, e denodado, sem fazer vergonhoso contracto da minha vida (apoiado, apoiado).

O Sr. Leonel: - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra para fallar quando me pertencesse; mas depois ouvi que o Sr. Deputado citava alguns factos, que, se a minha memoria me não falha, e se o meu proprio testemunho não está illudido, carecem d'exactidão; em consequencia julguei que como relator da Commissão tinha direito de pedir a palavra, para explicação desses factos; tenho por tanto a palavra, e farei por cingir-me ao que diz o regimento, porém em materias taes nem sempre é possivel ser restncto a um objecto unico, por isso se eu, contra o que pertendo, sahir algum tanto do que é de facto, peço a V. Exca. e ao Congresso que me desculpem; e se eu merecer a sua benevolencia, não abusarei della. O primeiro facto que o Sr. Deputado citou com pouca exactidão, foi o dizer que Fernando VII, quão-do voltou de França em 1814, tinha jurado a Constituição do anno 12: não jurou tal. Disse o Sr. Deputado, que a Constituição de 22 nos tinha posto em dissidencia entre nós mesmos, e com os estrangeiros; e que a Carta de 26 nos tinha unido, e harmonizado entre nós, e com as nações estranhas. Não é verdade; todo o mundo sabe, e se lembra, que a Carta teve muita opposição ainda antes de ser publicada, e logo que foi jurada, um grande partido, e com mais força do que nunca, se levantou contra ella; a historia dos nossos dias ahi está; esta é a verdade dos factos, e o Sr. Deputado estava muito esquecido delles, quando disse que a Carta de 26 nos tinha harmonisado. Eu acabo de sahir um pouco do sangue frio que devia conservar; farei o mais que poder para me reprimir; mas em fim ás vezes não é possivel.

Disse o Sr. Deputado que os partidistas da Carta se tinham levantado em 1828 contra D. Miguel; isto é verdade; mas queriamos ver se contentando-nos com o que senos tinha dado, nos deixavam quietos, como tanto nos inquietaram, já não valle o argumento.

O Sr. Deputado, quando fallou da ilha Terceira, esqueceu-se que para alli conservar o enthusiasmo foi necessario com o nome da Carta arvorar a bandeira azul e branca, assim como o laço constitucional: isto não lembrou ao Sr. Deputado.

Tambem o Sr. Deputado repetiu agora, o que tem sido repetido desde o fim de 1835, por todo o partido das saudades. Que isso se diga nos periodicos das saudades não me espanta, mas que se diga aqui, é que me admira: disse o Sr. Deputado, creio que referindo-se a Novembro de 1835, que ao throno se tinha pedido a demissão do Ministerio; não é assim. O que se pediu nesse tempo? Vimos um Ministerio verdadeiramente inimigo do paiz, que nos pisava de todas as maneiras; que, em nome da Carta, tinha feito, e tencionava acabar de fazer de Portugal o seu patrimonio; esse Ministerio, aonde quer que apparecia algum amigo da liberdade, lá o hia pizar, e foi pizar tres ou quatro militares, algum dos quaes aqui está, e admira-se o Sr. Deputado que, quando se pizavam tres ou quatro pessoas destas, houvesse alguem que dissesse: pois se aquelles foram desligados, nós, que somos tão liberaes como elles, queremos tambem ser desligados. Se neste mesmo acto assim relatado, e que é a verdade, ha alguma cousa que reprehender, quem teve a culpa foi quem levou as cousas a tal apuro, mas não diga o Sr. Deputado que se pediu a mudança do Ministerio, não se pediu tal, todo o reino de Portugal sabe, que isto foi como eu acabo de contar.

O Sr. Deputado disse umas palavras a respeito da fins que houve para fazer a revolução de Setembro; mas não se explicou bastantemente, por isso não lhe respondo; mas se se explicar, tenha a certeza que alguem lhe ha de responder; eu pela minha parte o que sei é, que com a revolução de 9 de Setembro, a nação quiz voltar á origem da liberdade, e lançar fóra de si um jugo que a opprimia; senão é isto, explique-se o Sr. Deputado: torno a dizer, ha de achar quem lhe responda. Diz o Sr. Deputado que a Carta tem muita gente que se lembra della, e a prova é que a noticia da revolução foi recebida nas províncias como um ramo de estupor. Foi sim sr., mas para quem?

Sabe o Sr. Deputado o que aconteceu, por exemplo, em Lamego? Mal lá chegou a noticia por cartas particulares, se repetia quasi unanimamente o mesmo grito de Lisboa. O que aconteceu em Evora, em Elvas? (vozes repetidas. - por toda a parte, por toda a parte - o Orador, continuando) Por toda a parte!! Aqui estão homens de toda a parte, e todos elles asseveram, que em toda a parte se manifestou rapidamente a mesma vontade: basta este testemunho. E teve Lamego um ramo de estupor pela noticia?

Ora Sr. Deputado, que não é professor de medecina, assim como eu tambem o não sou, não admira que usasse de uma expressão tão pouco própria: mas a denominação ramo de estupor, foi bem empregada pelo Sr. Deputado, deve tira-la do cathalogo das moléstias. E verdade, que ha muita gente que tem saudades da Carta, mas são aquelles, que em nome della tinham feito, e queriam continuar a fazer de Portugal o seu patrimonio. Ora eu, se me tirassem uma Quinta tambem havia de ter saudades della. Diz o Sr. Deputado que a Carta não é tão desprezada como parece, e a prova é o ter-se feito menção della nas nossas procurações. Ora tantas vezes se tem fallado aqui em procurações, e eu não citei ainda a minha: será pela não ter lido? Não senhor, tenho-a lido mas não achei na minha procuração cousa que já antes não estivesse no meu espirito: diz que se eu achar na Carta alguma cousa boa o possa aproveitar; todos nós podemos fazer isso, e todos temos essa faculdade; e um Sr. Deputado que aqui esteve poucos dias, disse que se achasse cousa boa na Constituição dos pretos do Haity lá a hia buscar; e eu tambem.

Disse o Sr. Deputado, que as garantas da Carta são mais explicitas que a Constituição de 1822. Sim senhor é verdade, e eu já aqui o disse; mas os legisladores das necessidades legislavam em outras circunstancias, e receavam tanto o poder como os excessos populares; receavam os combates da hipocrisia, do fanatismo, da superstição; estavam em muito peiores circunstancias do que nós, e do que estava o author da Carta quando a fez, e é esse o motivo porque nesta parte ella é melhor; e nós hoje estamos melhor que todos; effectivamente os direitos individuaes estão na Carta mais explicitos que na Constituição, e por isso nós na Commissão não tivemos duvida em tirar della a esse respeito mais que Constituição de 1822; e isto faria-mos a respeito de todas as Constituições, aonde estivesse o bom lá o iria-mos buscar, ou mesmo cousa nova que estivesse na opinião de qualquer de nós: para isto não é precizo procuração? - Eu não estava em Lisboa nos dias de Novembro; mas o que vejo no convénio de Belem? Poder-se tirar da Carta o que lá estivesse bom, sem para isso sei necessario alterar o juramento de 10 de Setembro. - Aqui está respondido ao Sr. Deputado, sem para isto ser necessario nem as procurações, nem o convénio; eis-aqui está como eu entendo a materia.

Está tambem nas nossas procurações a recommendação da pôr-mos a Constituição em harmonia com as outras Constituições da Europa, e em manter as garantias do Throno. - Esta ultima é uma materia de raciocinio, cada um de nós póde julgar mais conveniente isto, que aquillo; agora pelo que respeita ás outras monarchias representativas, diz o Sr. Deputado que a Carta Constitucional está mais em harmonia com ellas: mas perniitta-me o Sr. Deputado que lhe diga, que não ha de mostra-lo. Quantas são as outras principaes monarchias constitticionaes na Europa? São quatro: Belgica, França, Inglaterra, e Hespanha; e nenhuma das Constituições desses paizes, o Sr. Deputado me mostra o poder moderador, personificado, como na Carta de 26: por tan-

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to, nesta parte está ella em opposição com as Constituições representativas da Europa. Em quantas destas quatro Constituições está sanccionada uma camara hereditaria como na Carta. Em uma só; em consequencia a Carta está conforme com uma só, e em contradicção com trez: o projecto da Commissão está em harmonia com a Constituição franceza actual; e o voto da minoria com a Constituição Belga, e hoje com a Constituição hespanhola: aqui temos um projecto de Constituição, em harmonia pelo voto da maioria com uma Constituição existente, e pelo da maioria com duas Constituições existentes. - Se o Sr. Deputado me poder provar que isto não é verdade, e que a Carta está mais em harmonia com as Constituições da Europa, eu voto com o Sr. Deputado. Ora agora está desafiado, e ha de responder ao desafio.

Agora Sr. Presidente, eu ha pouco servi-me de uma expressão, de que me não devia servir fallando de Haity, e que de algum modo se póde julgar injuriosa áquelles habitantes, mas não era a minha intenção faze-lo: faço esta declaração para que senão entenda, que eu desprezo os homens que não são da minha côr.

O Sr. Presidente: - Peço que continuemos a discutir este projecto, com áquelle sangue frio com que temos discutido até agora, e pela minha parte estou disposto a manter o direito amplo e livre, que tem todo o Deputado de emittir sua opinião: se vier algum que proponha para tipo de governo, e de D. Miguel, que é o mais feroz e tyranno, que tenho visto; hei de mante-lo no seu direito, e com a lei na mão estou prompto a sustentar-lhe esse direito: agora o que é perciso é muito, é dizer, que a revolução de 9 de Setembro for uma revolução muitissimo popular; porque sem a minima resistencia foi abraçada por todo o territorio portuguez; a revolução teve um fim nobre, que foi a reforma constitucional, a organisação de uma lei fundamental, que assegure a liberdade constitucional de Portugal, de modo que satisfaça ás necessidades publicas, e que não tenha as faltas das duas Constituições anteriores; que o Povo Portuguez foi o mais sensato Povo do Universo nesta sua revolução, porque não teve em vista senão constituir-se, e bem, sem a minima violencia, sem nenhum daquelles crimes, ordinarios em revoluções; e nem o Povo Portuguez está em contradicção com os factos antecedentes, porque quando o Povo Portuguez fallava na Carta, tomava este nome como grito de liberdade, como principio de progresso; não a tomava por o que alli estava escripto nas suas palavras, e isto foi tambem o pensamento do mesmo Dador da Carta, que reconheceu tanto isto, que lá estabeleceu que podia ser alterada e reformada, passados quatro annos.

O Sr. Daurte Campos: - Se a minha situação era mui difficultosa, entrando nesta questão, depois de ter ouvido tantos illustres Oradores trata-la por um modo, que eu nunca poderia igualar, a dificuldade da minha posição augmentou muito, desde que entrámos na ordem do dia; porque um illustre Deputado, que concluio propondo a Carta de 1826, como base de discussão para o novo Codigo fundamental, serviu-se de argumentos, que por não serem conformes ás minhas idéas, me puzeram na necessidade de responder-lhe, e poucas cousas novas poderei agora acrescentar, depois de ter fallado o digno relator da Commissão, e V. Exca. ter dito o que acabo de ouvir. Seria demasiada presumpção o suppôr eu, que poderia levar a convicção aos espiritos, ainda não convencidos, a adoptar o projecto da Commissão, quando tantos de meus collegas, tão versados no estudo dos publicistas, quanto exactos observadores, o não tivessem feito; o meu proposito não é esse. Uso da palavra ha tantos dias pedida, apesar do que deixo dito, para satisfazer a minha consciencia: estando resolvido a adoptar o projecto de Constituição na sua generalidade, e a impugna-lo em algumas de suas disposições principaes, poder-se-hia induzir da minha approvação silenciosa, que em tudo me conformava com a doutrina do projecto; comvém pois declarar os pontos em que a minha opinião differe do parecer da Commissão. Sr. Presidente, não encarei a questão da generalidade, como a maior parte dos membros que me teem precedido. A questão da generalidade era, em quanto a mim, a seguinte.

A Constituição fórma por ventura um todo, cujas partes estejam tão intimamente ligadas, que eliminada uma dellas, as outras devam necessariamente cahi? Existe no projecto alguma parte, da qual dependam necessariamente as outras, e essa parte não póde ser conservada? A doutrina do projecto excede os poderes, que nos foram conferidos? No comêço da discussão teria eu seguido estrictamente esta ordem; hoje vejo-me precisado a seguir a ordem adoptada: mas fa-lo-hei só, em quanto fôr necessario para enunciar mui resumidamente, e de um modo muito geral, os principaes artigos da minha crença politica.

Tem-se dito tudo, segundo me parece, para demonstrar pela letra das nossas procurações, que o projecto está em harmonia com ellas: nada direi por isso sobre tal assumpto.

Procurando interpretar o espirito do nosso mandato pelos acontecimentos occorridos no nosso paiz, e no paiz visinho desde 1820, o illustre Deputado, que primeiro fallou hoje, vio nesses acontecimentos, na queda das instituições liberaes, a absoluta necessidade de conformar o direito publico novo com o direito publico antigo; e para conseguir este fim julga conveniente a adopção da Carta de 26, por ser desejada por muita gente, por ser mais conforme ás nossas necessidades, mais em harmonia com os Governos estabelecidos, etc. Se eu concórdo em geral com o principio, de que a mudança de instituições deve ser operada sempre com muita attenção aos antigos usos, que regem os Povos, aos habitos que elles possuem, não tiro desta regra, e muito menos dos acontecimentos passados desde 1820 em Portugal, e fóra delle, as consequencias que ouvi tirar ao illustre Deputado, e muito menos vejo a necessidade de voltar á Carta de 1826. O que eu tenho visto, Sr. Presidente, desde 1820, é a malfadada Nação Portuguesa soffrendo o suplicio de Tantalo (permitta-se-me a expressão), desejar desde essa época anciosamente a liberdade, e sem nunca colher os seus fructos; carregar por tantas vezes com todo o peso dos males, que as revoluções trazem, não provando nunca os bens, que ellas pódem produzir... (O orador
sentiu-se encommodado de modo, que não pôde seguir o fio de suas idéas; concluiu approvando o parecer da Commissão.)

O Sr. Alves do Rio: - Ainda que me levantei para approvar, que o projecto da Constituição, proposto pela Commissão, fôsse discutido na sua generalidade, não era com tudo para fallar nessa generalidade, reservando-me na discussão dos artigos especiaes emittir minhas idéas em um, ou outro artigo; com tudo ouvindo alguns Srs. Deputados, que fallaram na semana passada, e nesta semana, dizer cousas, que entendi, que importavão o mesmo que censuras á Constituição de 1823, que eu tive a honra de assignar, concorrendo, quanto em mim estava, para ella se concluir, e feita por um Congresso que ha de ser memoravel na historia portugueza, assentei, que era obrigado em minha consciencia a responder a essas taes quaes censuras que lhe fizeram, já que tenho a desgraça de estar quasi só neste Congresso, tendo a morte roubado-me tantos amigos, que se aqui estivessem, o haviam de fazer muito melhor do que eu; com tudo ainda que não dotado de tantos talentos, e eloquencia, como elles o eram, trabalharei por deffender os principios em que a mesma Constituição foi baseada. Principiarei por expor as circunstancias em que estavamos em 1820, e referirei os factos que deram causa á gloriosa revolução de 24 de Agosto de 1820. Como este Congresso é composto de gente moça, que de certo não póde ter conhecimento de muitos factos particulares que houveram naquella occasião; é preciso que me demore a fallar mais alguma cousa, contra meu costume.

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Resolvido D. João VI. a ir para o Rio de Janeiro, o que fez ao mesmo tempo que deu entrada o exercito do Junot: deixou um Governo para dirigir Portugal na sua ausencia, o qual não se instalou immediatamente; porque logo deu entrada em Lisboa o exercito do Junot, o qual chamou ao pé de si os homens mais illustres, dos nomeados por El-Rei para a Regencia, que foram o principal Castro, Pedro de Mello, e o Sr. Marquez de Sampaio, os quaes ao pé de Junot fizeram grandes serviços aos nacionaes; porque evitaram grandes males, e grandes perseguições: estes homens quando veio a épocha da expulsão dos franceses, quando a Regencia tornou assumir o podêr de D. João VI., esta Begencia excluiu esses homens illustres, e ficou composta de outros que fizeram grande parte HM desgraças do paiz: eram dom nados inteiramente pela facção ingleza, e aqui estavam estes homens governando; mas Portugal não o era se não no nome. Elles fizeram muitas perseguições: e em fim uma das victimas desse immoral Governo!... Foi este um Governo que na historia do despotismo deve occupar um grande logar: 40 cidadãos honestos, proprietarios, e grandes empregados, alguns descendentes de familias de primeira qualidade, foram deportados para a ilha Terceira, sem saberem a razão nem a causa de um tal procedimento do Governo sem processo ou sentença: foi esse Governo que levantou as fogueiras de campo de Santa-Anna; foi o que fez uma fogueira ao pé da torre de S. Julião da Barra, aonde morreu um grande general; tal era o Governo de Portugal em 1820! Então meus illustres amigos no Porto deram o grito de liberdade; este grito retumbou em todo o Portugal, em todo elle não houve ninguem que não emitasse o grito de 24 de Agosto de 1820: estes homens foram obrigados a chamar á roda de si alguem, para levar ao fim a intentada revolução. Entre esses foi Antonio da Silveira, de Traz-os-montes: este Silveira sahio do Porto em companhia, e fazendo parte do Governo provisorio, o qual quiz logo tomar o primeiro logar na administração do ritmo, quiz fazer o sobrinho, conde de Amarante, membro do conselho de guerra, querendo despachar seus amigos e parentes: isto durou assim até ao dia 11 de Novembro, e por ensinuação dos commandantes, as tropas da guarnição de Lisboa se reuniram no Rocio, em o palacio da Regencia; fizeram conselho militar, para o qual foram convidados todos os commandantes desses corpos, e mais alguma geme, e alli se decidio que a Revolução devia continuar, e que o Silveira não devia fazer parte della.

Como não convinha publicar a verdadeira razão da união da tropa, cujo fim era assumir o Silveira toda a administração, e excluir della os illustres authores da Revolução; foi necessario inculcar a necessidade de haver desde já uma Constituição, e então se proclamou a hespanhola, com as emendas que as Côrtes haviam fazer; porém para ser mais liberal. Com procurações especiaes, com esta clausula expressa nos reunimos na casa das Necessidades, e tratou de fazer-se a Constituição. Os homens mais capazes de fazer essa Constituição foram nomeados para formarem as bazes; eu não entrei nesse numero, porque estava reservado para Commissão de fazenda, e não tinha tempo para mais: os meus amigos, que faziam de maior consideração que eu merecia, consultavam-me em tudo, e tratavamos em particular de tudo, antes de que entrasse em discussão publica.

Sr. Presidente, nós tinhamos a fazer uma Constituição mais liberal do que a de Hespanha; tinhamos poucos conhecimentos de jurisprudencia Constitucional, não tinhamos conhecimento se não da Constituição ingleza, que não era possivel de modo algum adopta-la em Portugal; porque aquella Constituição é particular para aquella ilha, e para a grande, e rica aristocracia que foi a primeira parte della, o que nós não tinhamos.

A Constituição franceza tinha vindo na bagagem dos exercitos estrangeiros que tinham entrado na França: essa era tão grata para os francezes, como para nós a Carta de 1826: - era melhor do que o despotismo de Bonnaparte, é o que eu quero dizer com isto.

Nós por tanto não tinhamos senão as bases da constituição de Hespanha, e a que um, ou outro tinha lido mais ou menos a respeito de Governo representativo. Em uma conversação, que eu tive com o meu amigo o Sr. Moura, perguntando-me elle qual era a minha opinião sobre as duas camaras, disse eu então, o que agora digo aqui, e vem a ser; que para fazer a constituição, as reformas, as leis organicas, e etc., bastava uma só Camara; porém, que para tudo o mais que depois se quizesse fazer, houvessem quantas camaras se quizessem. Já nesse tempo era minha opinião, que leis quantas menos possiveis; porque toda a lei coarcta mais, ou menos a liberdade, e eu quero que todos gozem da maior porção de liberdade, e nos já temos tantas! e agora de mais, bastam as das duas dictaduras! Estabeleceu-se uma só Camara por necessidade, tendo-se reservado na occasião da refórma passados os quatro annos estabelecer a segunda Camara, se então isso se achasse mais conveniente. Fez-se por fim a constituição, contra a qual, diga-se o que se disser, ella era um chefe d'obra, olhando para os tempos, e para as circunstancias d'então.

E verdade, que mesmo então se conheceu, que outras cousas se poderiam pôr alli: lembrou tudo; mas conheceu-se que não era necessario, e que era muito cedo; porque o povo ainda não sabia o que era liberdade, estava ainda novato; e por isso foi necessario ir com o estado de conhecimento do povo. Na ordem das garantias não pozemos se não a garantia da prisão; porque este era o maior abuso, e encargo, que se punha sobre os portuguezes; porque não havia juiz nenhum, que não mandasse prender á sua ordem, confórme sua vontade, e sem formalidade alguma; e conseguintemente era isto o que os cidadãos mais sentiam. Eis-aqui o fim principal, porque eu pedi a palavra: foi para dizer qual era o estado de Portugal em 1820, e accrescento, que nós tinha-mos conhecido que no fim de quatro annos, necessariamente havia de ser reformada a constituição; e como não ha de precisar hoje depois de terem decorrido dezeseis annos?

Vamos agora fallar da queda da constituição. Tem-se dito aqui muita cousa a este respeito; mas não se tem dito toda a verdade. Srs., a Europa não gostou, nem podia gostar dos principios, que se adoptaram na constituição de Cadiz; no entretanto as circumstancias eram taes, e precisava-se tanto da coadjuvação de Hespanha, para a guerra contra a França, que a mesma Russia tinha um encarregado junto da regencia de Cadiz, e parecia reconhecer a constituição hespanhola.
Então pouco importava a constituição, eram dos hespanhoes de que necessitavam, como de uma alavanca para deitar abaixo aquelle colosso de Bonaparte.

Tambem não podiam gostar das bases da Constituição portugueza, que eram as mesmas; e então o que fez a Santa Alliança? Proclamou a desgraça do genero humano; e cortou pela raiz a liberdade de todos os cidadãos: foi nos Congressos de Verona, Laiback, e Toeplitz, que se assentou, que toda a ingerencia do povo em refórmas politicas seria abafaria na sua origem, e que as forças dos Estados dessa Santa AHiança seriam empregadas para esse fim. Era necessario acabar a constituição de Hespanha, modello d'outras; foi a França encarregada dessa execução.

E he necessario tambem dizer, que nós tinhamos a Rainha Carlota, e o Infante D. Miguel entre nós; e que depois que viram, que D. João VI tinha jurado com verdade a constituição de 1822, por isso mesmo a Rainha D. Carlota Joaquina, vendo que elle a tinha abraçado, foi o maior inimigo dessa Constituição. A Rainha, o seu querido filho, os ecclesiasticos, e principalmente os frades, e alguma parte da nobreza, que seguiu esse partido, foi quem nos deitaram a perder; e a desgraça de Portugal data dessa ida para

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villa Franca; porque se isso não tivesse acontecido, e se se tivesse feilo o que as Cortes das Necessidades tinham decretado, especialmente sobre finanças, o paiz hoje estaria em um estado grande de prosperidade. Tambem aqui se disse, que houve uma grande falta da parte da gente de 1822, em senão rodear dos grandes. A tudo se attendeu, Sr Presidente. Mas o Governo ultimo do Rocio, composto de fidalgos, tinha desagradado tanto, que não era possivel por isso chama-los, sem que o povo o olhasse mal: e tanto é assim, que não houve senão um eleitor da sua classe, que foi José Telles. Eu então servi de escrutinador na Assembléa provincial para a eleição de Deputados da Estremadura, e conheci isso bem, porque todas as listas me passaram pela mão: só a lista de José Telles, cuja letra conhecia, propôz para Deputados todos fidalgos, que então havia em Lisboa.
Nós quizemos metter, e mettemos o Marquez de Castello Melhor na
administração, porque era um fidalgo honrado, e muito de bem; porém aconteceu, que adoeceu, e logo depois morreu.

Nós tambem chamámos ecclesiasticos, e tantos, que eu às vezes me na comigo mesmo; porque o Congresso me parecia mais um Concilio, do que uma Assembléa legislativa. Havia nas Cortes muitos ecclesiasticos.

Disse-se tambem, que não tinha-mos feito concessões ao Povo, a quem devia-mos interessar na revolução. Fize-mo-las, Sr. Presidente, decerto: - deitaram-se abaixo os direitos banaes, reduziram-se a ametade os direitos dos foraes; e posso certificar, que muitas vezes conversei com os meus collegas sobre a extincção dos dizimos; mas o que eu perguntava a todos, era como os devia-mos substituir; e aonde havia-mos de ir buscar cousa com que supprisse-mos a sua falta. Era minha opinião que os dizimos fossem secularisados, e reduzidos a uma quota certa, para se pagar com elles aos clerigos, e o resto para o Estado: - isto porém já lá vai, e não tem remedio.

Agora fallarei no projecto da Constituição na generalidade. Como eu vejo que elle consigna em si a base sagrada, (para mim) da Soberania Nacional, não tenho duvida em o approvar: o que porém eu não approvo, é a formação da segunda Camara, pelo modo que elle a apresenta pela maioiia da Commissão. Sr. Presidente, o direito de legislar está na Nação: isto é, na Soberania Nacional com o Rei. Eu approvo muito o systema monarchico; mas com aquellas modificações que as circunstancias demandam; e o porque temos passado nos obrigarem a adoptar: eu quererei por isso, que entre na formação desta segunda Camara, supposta a necessidade della, alguma cousa do principio democrático.

E verdade, Sr. Presidente, que a segunda Camara tem feito bens em alguns paizes, ha exemplos disso; mas tambem tem feito males; e entre nós ella foi mal composta; tem-se deixado corromper! Quereria eu pois que essa segunda Camara, tenha sempre uma dose de eleição popular, embora o Rei escolha depois; mas a sua origem que seja esta. Por ora nada mais tenho a dizer, retervo-me porém para quando entrar mos na discussão em especial: (Apoiado geralmente.)

O Sr. Lopes Monteiro: - Nesta longa, e brilhante discussão tres opiniões diversas se haviam representado: uns ligados ás clausulas de nossos mandatos, e fieis ás vontades de seus constituintes, tem sustentado o parecer da Commissão de Constituição; porque entendem ser elle um excellente texto, para se formar em Portugal um governo representativo: outros julgaram-se comprometidos pela revolução de 9 de Setembro do anuo passado, a não admitlir senão a Constituição de 1822 com muito pequenas alterações; e um Sr. Deputado por Santarém homem nos apresentou novo projecto, que chamou a Constituição de 1822 modificada.

Estas tres opiniões desenvolveram-se tão habilmente, que muitos oradores antes de mim já sentiam, que nada restava a accrescentar; hoje porém um Sr. Deputado, que toma assento no lado direito da Camara, emittiu uma quarta opinião, apresentando-nos outro projecto na Carta Constitucional de 1826, e isto obriga-me a approveitar-me da palavra, de que aliás não faria por agora uso, senão para declarar meu voto.

Dous foram os argumentos, com que o nobre Deputado pretendeu sustentar o seu projecto: primeiro: as recordações históricas dos brilhantes feitos d'armas, que precederam ao estabelecimento, e restauração da Carta Constitucional: segundo: as garantias, que essa Carta offerece, e em que se avantaja á Constituição de 1822.

O Sr. Deputado desenvolveu o seu primeiro argumento com tal força d'eloquencia, que me pareceu Demosthenes, incitando na tribuna os gregos pela recordação de suas antigas victorias, e instigando-os quando elles já não tinham o ardor da victoria, para domarem os macedonios; mas permitta-me elle que lhe diga, que taes argumentos fallam só ao coração, e poucas vezes á razão. Grandes foram as gentilezas, e feitos d'armas de nossos avós, quando capitaneados pelo primeiro Affonso vieram collocar em Lisboa a capital da monarchia: grandes foram as victorias, que seguraram na cabeça de D. João I. a Coroa, que lhe disputavam os infantes de Castella: e muito espantosa a audacia, que nos levou no tempo do venturoso D. Manoel a descobrir novos mundos, por mares nunca dantes navegados; e quererá alguem por tão grandes feitos resuscitar as Côrtes d'Almocave; os tres braços do Dr. João das Regras, e as ordenações do Senhor Rei D. Manoel!!

Mas, diz o Sr. Deputado, foi ao som de viva a Carta, viva a Rainha, que nos batemos na villa da Praia, que desembarcámos no Mindelo, vencemos em Pernes, e na Asseiceira; não devemos esquecer, ou ter em menos preço tal divisa; convenho: mas, Sr. Presidente, quando os portuguezes victoriavam a Carta, victoriavam a liberdade, como victoriavam nossos maiores a religião, e a independencia; quando no principio das batalhas invocavam S. Jorge e a Virgem. O Sr. Deputado sente isto tão bem, e melhor que eu; nem por certo elle quererá, como o antigo conquistador, que se queimem todos os livros, á excepção do seu alcorão; porque nelle estão as verdades todas.

O segundo argumento do nobre Deputado - de que a Carta é mais ampla em garantias, que será a Constituição de 1822 - é verdadeiro; mas não se segue, que o novo projecto, que eu adopto, não seja tanto, e mais amplo, como o mesmo Sr. Deputado reconheceu, e pelo qual se comprometteu a votar, quando seu projecto lhe não fosse admittido. Sr. Presidente, eu estou pelo que disse aqui em outra sessão um nobre Deputado, que não queria fanatismo em causa alguma; e por isso tão ridiculos, e hypocritas me parecem os que fallam na Carta com horror, como os que se inculcam supersticiosos por ella. A Carta tem cousas muito boas, e cousas más; aproveitemos aquellas, e rejeitemos estas, visto que temos occasião; e com isto não somos ingratos ao grande Pedro: a sua vontade, os sacrificios da sua preciosa vida, foram todos para que fossemos livres; secundemos tão nobres desejos com prudencia, e juizo: á vista do que exponho já se vê, que não desprezando eu a Carta, lhe prefiro o projecto da Commissão; direi em breve porque rejeito os outros projectos.

Sr. Presidente: a Constituição de 1822 foi excellente para o tempo; e eu, que hoje voto por duas Camaras, se fôsse Deputado então votaria, que houvesse uma só, ainda que tivesse a certeza da guerra de sangue, que as grandes classes tem feito á liberdade neste, e nos outros paizes. É triste, mas é forçoso confessar, que uma nação senão regenera senão em um banho de sangue: é a imagem do velho Azom, a quem Medea não torna á mocidade, senão despedaçando-o, e fazendo-o cozer no seu proprio sangue. Como haviam os prudentes legisladores de 20 dar importancia na sua

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Constituição, é maior força a um clero, que lhe dizia pela boca do seu chefe, o cardeal patriarcha desse tempo = Não quero, povo, a vossa Constituição!

Como haviam dar preponderancia ao elemento aristocratico, se este, representado pela esposa do monarcha, dizia do palacio = Não quero, povo, a vossa Constituição?!

Hoje porém outro é o estado destas classes, e muito mais avantajada a posição do povo; e então eu que só o quero servir, embora lhe não agrade; digo-lhe - para aqui povo; interessa-te que tenhas um limite no teu poder; porque a natureza O prescreveu a todas as cousas.

E aqui cumpre-me declarar, que eu não considero o povo portuguez hoje, como um illustre Deputado, que toma assento ao meu lado, o considerava hontem em seu forte discurso. Se o povo se deixou já seduzir por vis caudilhos, que o arrastavam á escravidão; se entre elle soaram os primeiros vivas á mais tyrannica usurpação, que ha espesinhado a humanidade; hoje vejo com prazer, que os exemplos de desgraça lhe abriram os olhos (apoiado), e que elle está armado, e vigilante para defender, e sustentar uma bem entendida liberdade. (Apoiado, apoiado.) Os factos que isto provam estão á vista, e outros são de tão recente data, que não precisam ser recordados.

O projecto do Sr. Deputado por Santarem, que elle hontem nos apresentou, e desenvolveu com toda a força da sua grande capacidade, temo adopta-lo; porque receio, que o seu senado conservador, pelo tempo venha a absorver os outros poderes do estado, e quebrando o equilibrio, degenere em forte oligarchia. Além disto estou inclinado a seguir os modelos das nações, que na Europa gosam de governos representativos, e que a elles devem tanta prosperidade; e é por isso que voto pelo parecer da Commissão.

O Sr. Mont'Alverne: - Antes de tudo, e sem me fazer cargo de responder ao que disse o illustre Deputado o Sr. Gorjão, devo fazer uma declaração neste Congresso, e é de que aos defensores da Terceira, do Mindelo, e do Porto, a cujo numero tive a honra de pertencer, nunca conheci esse fanatismo pela Carta, como o Sr. Deputado pretendeu inculcar (e sem querer ser orgão de ninguem), ao menos pelo que me diz respeito, devo declarar, que nunca defendi cartas; mas sim os principios; isto é, liberdade, e Rainha: (apoiados) foram estas as palavras de interrupção, que se deram; uso muito frequente em todas as assembléas legislativas, e mesmo nesta casa; (nas não se diga, que estas palavras são signal de intolerancia; porque eu já disse, e hoje o repito, que sou tolerante por principios, e que não desejo deitar algemas ao modo de pensar de ninguem, nem quando proferi no meio do discurso do Sr. Deputado, o que levo dito, tive por fim o que alguem lhe quiz attribuir.

Agora, Sr. Presidente, depois do que se tem dito a favor, e contra o parecer da Commissão, pouco se póde accrescentar, que não seja repetir o mesmo; e na minha opinião será gastar o tempo inutilmente. Mas já que pedi a palavra, e tenho de votar nesta materia, eu quero dizer com franqueza o meu voto, e dar as razões, e motivos delle: serei muito breve, e hão cançarei a attenção do Congresso. Logo que tive a honra de ser eleito Deputado, e que vi os poderes, que me eram confiados pela procuração que me foi dada, julguei que o nosso principal dever, e a nossa principal missão era a de formar uma Constituição, aproveitando o que houvesse de conveniente na Constituição de 22, e na Carta de 26: combinei pois estas com outras mais conhecidas, e que tem feito a felicidade das nações, aonde regem; comparando umas, e outras com o parecer da Commissão, não tive dúvida em me decidir por elle; porque nelle achei garantias sufficientes á liberdade; porque corresponde muito bem ás nossas circumstancias particulares; porque nelle se acham garantidos os direitos individuaes dos cidadãos, e bem divididos os poderes do estado.

Sr. Presidente, eu amo a liberdade, hei de achar-me sempre ao lado de seus defensores; fui perseguido na quéda da Constituição de 22, arrisquei a minha vida muitas vezes pela Carta de 36; mas nem por isso isto me fanatisa. Eu amo a minha patria, faço justiça a todos os meus illustres collegas de que, como eu, estão animados dos mesmos sentimentos, ainda que discordes nos modos; por isso desejava, que este Congresso désse ao paiz uma Constituição, que fizesse a sua ventura, e felicidade; e ainda que eu fique na minoria, protesto obedecer, e defender a obra da maioria, e por ella se necessario for sacrificar-me, como o fiz pelas de 22, e 26; e para não abusar mais tempo da benevolencia do Congresso, concluo votando pelo parecer da Commissão, approvando-o na generalidade; e reservando-me para a especialidade, para desapprovar alguns dos seus artigos.

O Sr. Silva Pereira: - Sr. Presidente, é exacto tudo, quanto se tem dito, que depois de tantos, e tão distinctos oradores terem fallado, mal podem os que lhes succederem, deixar de reproduzir suas idéas; mas tambem é exacto, que tratando de formar-se o codigo fundamental, que deve decidir da nossa sorte futura, o Congresso decidiu, e decidiu muitissimo bem, que todas as lembranças, todas as opiniões fossem ernittidas, para que os coevos, e a posteridade tenham conhecimento da maneira, por que cada um de nós se houve neste importante objecto; e é por isso, Sr. Presidente, que tenho francamente de emittir a minha opinião: e fazendo-o assim, declaro que conservo a maior consideração para todas, quantas se tem manifestado, tanto mais, quanto já ellas foram minhas, e ainda muitas hoje o são.

Eu, Sr. Presidente, defendi com o ardor de Um mancebo a Constituição de 20; fiz por ella grandes sacrificios; não admittia na minha opinião, que em uma só virgula se lhe tocasse; e quando abatida em Portugal, tinha combinado com outros camaradas meus ir sustenta-la em Hespanha, aonde inda se pelejava por iguaes principios: perto deste logar se assenta um illustre general, que era do numero: (o Sr. Barão do Bom Fim apoiou:) logo não sou suspeito de não desejar a Constituição de 20: já que se tocou neste ponto, farei algumas reflexões sobre a opinião de um illustre Deputado, a qual, no meu entender, não tem fundamento algum: este Sr. Deputado avançou, que o exercito portuguez tinha destruido a Constituição, e liberdade de Portugal; o Sr. Deputado por Santarém, profundo conhecedor das circumstancias, que tem originado a queda da liberdade em Portugal, tirou a conclusão, mas não quiz ir aos princípios; e se elle o não fez, eu me farei cargo de o fazer. E facto reconhecido por todos, que o exercito portuguez nunca destruiu a Constituição do paiz em nenhuma occasião, e pelo contrário tem sido um dos principaes elmentos para ella se estabelecer: em 1820 foi com o auxilio do exercito, que a liberdade se estabeleceu: em 1823 uma facção poderosa foi arrojada pelo exercito para as planicies de Hespanha: em 1826, quando o Governo duvidava receber a Carta, foi esse mesmo exercito quem a fez plantar, e a sustentou, lançando todos os inimigos, que com mão armada a queriam destruir, para longe de nossas fronteiras: em 1828, ao primeiro grito levantado na cidade eterna, vinte e dons corpos de primeira linha se uniram espontaneamente: um só, das quatro provincias limitrofes, deixou de o fazer; mas desse mesmo se uniram ao grito da honra muitos dos seus individuos: como pois se póde fazer tal injuria a uma milicia eminentemente civica, eminentemente liberal! O Sr. Deputado conhece bem quaes os inimigos da nossa liberdade, de todas as liberdades! No estrangeiro a santa alliança, a sua diplomacia, e os seus exercitos, com cem mil homens de avançada na peninsula: e em Portugal? Uma democracia fanatisada por um clero, e uma fradaria inda não fanatica; uma aristocracia ameaçada na parte mais vital de seus interesses; e um Principe com prestigio! Mas quando alguma mácula tivesse sido attrahida sobre o exercito, por

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algum de seus corpos, não seriam sufficientes para a lavar os serviços espantosos feitos de 1832 a 1834! Enumera-los, Sr. Presidente, será gastar tempo inutil!

Sr. Presidente, votando a Constituição, que temos a fazer, eu sigo as máximas da legisladores -fazer as leis segundo as necessidades, e as circumstancias dos póvos para quem se fazem, e não segundo os desejos de quem as faz. Sr. Presidente, ainda do meu coração não desappareceu a sympathia d'uma só Camara; mau eu voto por duas neste caso, porque na minha consciencia entendo, que assim o devo fazer em todo o caso esta segunda Camara, não direi que seja como a maioria da Commissão a propõe; mas isso reservo-me para a discussão na especialidade: eu hei de votar uma segunda Camara, que levando o caracter da independencia, e da dignidade, vá seguida do correctivo necessario, para que nunca possa abusar da sua alta posição. - Quanto ao veto não me envergonho de dizer, que a minha opinião não está inteiramente fixada; por isso voto pelo projecto da Constituição na sua generalidade, e reservo-me para a sua especialidade.

O Sr. Luna: - Sr. Presidente, depois do que neste Congresso se tem dito, nada me resta a juntar, direi simplesmente, respondendo ao Sr. Deputado, que abriu a discussão, e que chamou estrepitosos aos acontecimentos de 9, e 10 de Setembro, que estrepitosos queria alguem, que elles fossem o povo portuguez cançado de soffrer tantas desgraças, quantas soffreu, decidiu-se felizmente a libertar a patria: talvez que o Sr. Deputado ainda não saiba, que os nossos inimigos chamaram então ao Tejo nada menos, que nove náos de linha guarnecidas, e armadas em guerra, uma fragata, tres brigues, uma barca, e um barco de vapor, e tudo isto montando para cima de novecentas bocas de fogo, além de dezoito obuses; mas o bom senso da nação portugueza, o grito da guarda nacional aterrou seus intentos? Sr. Presidente, ainda nos estão ressoando nos ouvidos os tiros da noite de 2 de Novembro á meia noite!! Já um meu nobre collega respondeu á outra reflexão do Sr. Deputado, de que os acontecimentos de 9, e 10 de Setembro senão foram da maioria da nação, é porque a nação não estava toda na capital, se o estivesse o grito havia de ser todo geral. O Sr. Deputado tambem disse que, o que não existe... que não existe, não é nada. Fallou mais o Sr. Deputado nos cruzados da Terceira. Agradeço-lhe muito o honroso titulo, que nos quiz dar; ainda que não tenho procuração dos meus companheiros, que formaram a guarnição, e defeza daquella ilha, posso assegurar-lhe em nome de todos, que nós não queremos o titulo de cruzados; honramo-nos muito com o de defensores da liberdade legal, para cujo triunfo tenho tufo a honra de fazer mais d'um sacrificio, e a fim de que o meu paiz seja bem governado.

Quanto do parecer da Commissão, convenho na sua generalidade, ainda que não sou da opinião da maioria da Commissão no que toca á formação das duas Camaras entre tanto reservo-me para na discussão especial approvar, ou reprovar tudo, que eu entender, que convém, ou não á felicidade do meu paiz.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, exhausta já a questão, exhaustos até os exordios, eu tenho todavia necessidade de tornar ainda a fallar sobre a materia; e ousarei dizer, que fazendo-me o Congresso favor, sempre que me escuta com attenção, desta vez far-me-ha justiça; e justiça não a recusa elle a ninguem.

Eu tenho a honra de ser membro da Commissão de Constituição, e (não me pejo confessa-lo) fui um dos mais zelosos collaboradores dessa parte do projecto, que tem sido impugnado com maior vehemencia pelos illustres oradores, que o combatem. - Dous destes Srs. me tem já chamado á authoria, e ambos arguido de contradietorio no discurso, em que emprendi a sua defeza. - Com perdão de SS. SS. eu vou demonstrar-lhes que foram elles que se contradisseram, tanto ácerca da contradicção, que me imputaram, como comsigo mesmos nas doutrinas, que expenderam.

Disse o primeiro dos honrados membros a quem alludo, que eu me havia contradiçto; porque avançara que-se me fosse licito projectar uma Constituição politica da monarchia modelada exclusivamente pelos principios do direito publico filosofico, a formaria exactamente da fórma nonarchica-representativa, como se acha no projecto; e que todavia eu introduzira neste projecto artigos transitorios, o que na opinião do illustre Deputado, é contra os principios da sciencia, que são constantes. Mas o Br. Deputado não advertiu que eu estava faltando do projecto da Constituição do estado na sua generalidade; que eu recenseava os principios essenciaes da monarchia representativa, dados os quaes existe esta forma de governo, e tirados, um só que seja, elle deixa de existir; e que nenhum destes principios se acha compromettido, quer sejam sanccionados, quer não os artigos transitorios.

Além disto, o honrado membro sabe muito bem que a sciencia que professa, não é tão absoluta, e inflexivel em seus principios, que não consinta que estes se modifiquem segundo as circunstancias particulares de cada paiz. Ao contrario ella aconselha que, se naquelle em que trata dappli-ca-Ios, existirem prejuizos e interesses assaz fortes e geraes para que não devam ser desprezados pelo legislador constituinte, que conhece ao mesmo tempo que laes prejuizos e interesses não podem ser de longa duração; por isso mesmo que não são fundados nas verdadeiras necessidades do homem social; sejam estas circunstancias passageiras attendidas sómente em artigos transitorios - A pratica das nações cultas vai d'accordo com esta theoria. Não houve por tanto. Sr. Presidente, da minha parte, nem se quer uma leve sombra da contradicção imaginada por meu illustre adversario.

O honrado membro notou também, que eu não fizera a exposição dos principios em que fundava o meu sistema de Governo, mas como outro dos meus impugnadores me arguiu de ter passado dos princípios geraes a considerações especiaes, ao mesmo tempo que eu havia adiado a questão da especialidade, quando refutar esta arguição contradictoria, terei acabado de responder a meu primeiro adversario, em quanto interessa á minha logica; mas não devo deixa-lo já sem resposta, pelo que respeita á minha causa, á causa do projecto, á bella causa da monarchia constitucional.

O illustre Deputado extasiou-se em apostrofes contra a Commissão, por haver ousado destruir, segundo elle affirmou, e não modificar, a Constituição de 22, - negou-nos o poder de perpetrar este imaginario liberticidio: e, se as folhas da Constituição rasgada fizessem sobre a assembléa portugueza tanto effeito, como fez sobre os romanos a tunica ensanguentada de Cezar, mal estariam certamente os accusados destruidores daquelle venerando codigo de nossas publicas liberdades.

Porém, Sr. Presidente, apezar de suas apostrofes patheticas, o honrado membro não fez nenhum effeito, nem devia faze-lo, n'uma assembléa illustrada, que vê sim rasgadas algumas folhas da Constituição de 22, mas que observa ao mesmo tempo esta lei fundamental regenerada no projecto, com elementos de vida e de duração, que lhe faltavam na sua organisação original! Despregou por tanto como fallaz o corpo de delicto: e, em vez de condemnar os suppostos liberticidas, tem-se dignado sauda-los como verdadeiros fundadores d'uma justa, e innocente liberdade.

A Commissão alterou, é verdade, na fórma e na substancia, a Carta de 22. Honra seja feita aos sabios, e patriotos collaboradores deste primeiro ensaio da nossa regeneração politica! Elles o fizeram tão perfeito como podiam consenti-lo as luzes, os interesses, e as paixões do tempo. Ainda ha pouco, um destes illustres veteranos da liberdade acabou de referir os obstaculos de toda a especie, que tiveram a ven-

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car. Mas quem póde hoje duvidar, que elle sahiu deficiente dos proprios principios, que devem ser invariaveis em todas as Constituições livres; e muito mal construido na parte, que é destinada a garantir estes principios?

Pois que! Quereria o Sr. Deputado que, nestes tempos de tolerancia, justiça, e humanidade, nós deixassemos a liberdade de consciencia, (a mais incontestavel de todas as propriedades) e a manifestação dos pensamentos, que nos descobrem as relações do homem para com o creador, entregues á censura inquisitorial dos bispos! E estes com plenos poderes para nos punirem, por não pensar, e não fallar (fallo hipotheticamente) segundo os seus interesses mundanos, e suas opiniões ultramontanos?

Quereria mais o honrado membro que, os melhores, e mais generosos cidadãos, que tiverem a desgraça de desagradar a um Ministro orgulhoso, ficassem expostos a serem arrebatados do seu leito, (o asilo do cidadão de 22, não é tão sagrado como o de 26) para se sepultarem n'um carcere por espaço de quarenta e oito horas; e, no fim destas, entregues a um juiz, talvez connivente, que por uma supposta indiciação de crime politico poderá perpetua-los nas masmorras, até expiarem o attentado de revelar ou censurar as prepotencias, e prevaricações d'um ministerio corrompido?

Se queria o honrado membro tudo isto, declaro, que se não póde entender comigo em materia de liberdade legal; e sa não queria, (certamente não quer) deve consentir ao menos, que se rasguem essas folhas da Constituição de 22, aonde estão exaradas estas bellas maximas da liberdade dos codigos da Meia Lua. (Apoiado, apoiado.)

Eis-aqui, Sr. Pressente, o que basta para justificar as alterações da Constituição de 28, quanto a sua substancia: Tigora quanto ao modo - O genero d'arguições, que refuto, faz muna impressão na parte do povo menos sensata, e illustrada; é forçoso proseguir.

«A fórma de governo (diz uma mulher publicista) aristocratico ou democratico, monarchico ou republicano, não é mais do que uma organisição de poderes, e os poderes não são em si mesmos se não uma garantia da liberdade. Não é certamente de direito natural que todos os governos sejam compostos d'uma Camara de pares, d'uma Camara de deputados eleitos, e dum Rei, que por sua sancção faça parte do poder legislativo. Mas a sabedoria humana não tem descoberto até hoje cousa alguma mais capaz de realisar os beneficios da ordem social.»

A Commissão adoptou por tanto esta fórma de governo em toda a sua extensão; e eu me congratulo com toda a nação portugueza , vendo-a apoiada por tantos, e tão distinctos oradores, que a tem tornado triumfante pela força do raciocinio, pela historia das sociedades, e pela vontade expressa dos nossos constituintes! (Apoiado, apoiado.)

Em vista do exposto póde já conhecer o illustre Deputado, a quem respondo, qual ha de ser a cara com que nós, os membros da Commissão, e todos os deste Congresso, que defendem o projecto, nos apresentaremos na presença dos nossos constituintes: póde já descubrir-lhe as feições da honra, e da probidade politica, isenta dos traços do remorso, cara de fieis procuradores, que fielmente desempenham sua honrosa missão! E eu então, Sr. Presidente, que, quando elles fallavam em me elegerem para seu representante, constantemente lhes disse: olhem, Srs., que eu estou persuadido no intimo da minha alma, que nas decrepitas monarchias da Europa, e sobre todas na cara nossa portugueza, não é possivel liberdade prática, que não seja garantida pela fórma do governo monarchico representativo, modelado fundamental pelas Constituições de França e d'Inglaterra. Se vós quereis alguma outra cousa, não me escolhais para vosso mandatario; porque eu não posso desempenhar mandato, que é opposto á minha consciencia. - São esses mesmos os nossos desejos, e votos - me respondiam meus constituintes; e o facto de me achar aqui fallando próva bem, que eram sinceros. Inda mais, Sr. Presidente, eu era o administrador geral em Beja, quando aili fé ajuntaram os portadores das actas do primeiro escrutínio para a eleição dos Deputados. Havia entre elles todos, homens conspícuos dos seus concelhos, muitos que eram doutores: aproveitei uma tão opportuna occasião de descobrir a verdadeira opinião publica de todo um districto ácerca da questão constitucional. - Achando-me entre o maior numero deites pedi-lhes, que me dissessem sinceramente se elles, por si, e confor-me a opinião que lhes devia ser notoria dos seus concidadãos, outorgavam a procuração nos termos da formula do governo, por assentarem, que lhe deviam esta obediencia passiva; eu espontaneamente, por julgarem que assim convinha á nação. Responderam-me unanimamente, que queriam a maxima liberdade, que fosse compatível com a maxima ordem; e que esta alliança do poder, e da liberdade, no seu entender, só poderia conseguir-se adoptando-se os principias da formula da procuração, enviada pelo Governo, que mui voluntariamente adoptavam.

Agora, Sr. Presidente, depois de ter exposto o ar de confiança com que eu me apresentarei aos meus constituintes, depois de ter desempenhado a sua procuração; não posso deixar de dizer, que será mais embaraçada a situação daquelles Srs., que assentando que suas procurações os não authorisam senão para modificarem a Constituição de 22, juraram com tudo, comigo, e com todo este Congresso, de lhe fazer as profundas alterações , que eu tenho indicado. Mas eu creio que é só por graça do argumento, que elles assim se suppõe persuadidos; pois sei muito bem que não querem perjurar. (Apoiado, apoiado).

Não devo tambem deixar sem resposta, o modo porque o Sr. Deputado considerou a independencia, e har monia dos poderes políticos. - O honrado membro não concordando com a distincção, e separação em que o projecto colloca os tres grandes poderes politicos, que os harmonisa numa dependencia reciproca, unindo-os, sem os confundir; e, sugeitando-os a regras fixas, a fim de não exorbitarem da sua esfera; postos, como se acham, na necessidade de se observarem, de se conterem, e conciliarem uns aos outros nas suas relações constitucionaes: - não concordando digo, com esta parte da organisação do projecto; julgou mal dotado o poder legislativa, excessivamente aquinhoado o executivo, e o judicial, com o que justamente lhe pertence; mas ainda assim debaixo de uma tutella, que se oppõe á verdadeira independencia, que lhe compete; devendo só receber ordens de um chanceller mór, tirado do seu seio, não sei tambem se disse, com faculdade de registar ou não registar as leis do parlamento?

Este modo de conceber a independência do poder judicial é novo, e leva a faze-lo absoluto, em vez de distincto dos outros poderes; e constituido assim, formaria um status in statu. Na sociedade, onde houvesse um similhante poder judiciario, nenhum cidadão, que conheça as verdadeiras garantias da liberdade, poderia dormir um somno descançado! Pois não ha de a administração suprema do estado ter correspondencia com o poder judicial, e saber se elle se desvia dos seus deveres, para o compellir a entrar nelles pelas vias legaes? Não sei que a tanto se adiante a conveniente independência do poder de julgar.

Desembaraçado assim do primeiro, eu passo agora a combater o meu segundo adversário. - Este Sr. tambem me notou contra dicções. Elle tem já feito neste Congresso tres profissões de fé politica: - na primeira declarou pertencer á seita dos escrupulosos; na segunda á dos doutrinarios; e na terceira á da juventude. Ora sendo a divisa das duas primeiras seitas = Festina lente = e a da terceira = Quo me rapit tempestas deferor hospes = não admira que, quem pertence ao mesmo tempo a seitas tão oppostas, ache contradicção na propria constancia, e inversatilidade.

Eu préso muito a seita da juventude; nella colloco as

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mais lisongeiras esperanças da patria; e, individuo por individuo, nenhum para mim mais esperançoso do que o jovem Deputado. Mas nós devemos fazer uma Constituição do estado, capaz de acommodar toda a grande familia portugueza, jovens e velhos, ricos e pobres, sabios e ignorantes.

O honrado membro disse que, eu não havia refutado os seus argumentos, com pretexto de dizerem respeito á especialidade de projecto, pondo-o por tanto em desigual situação; por não poder elle redarguir ás minhas generalidades: mas que eu mesmo havia tirado argumentos dos artigos do projecto, cahindo não menos no vicio de descer a especialidades.

O illustre Deputado não advertiu, que eu não me servi nos meus argumentos senão daquelles artigos do projecto, que comprehendiam os principios, que eu sustentava como essenciaes á monarchia representativa; e isto para demonstrar, como evidentemente demonstrei, que a Commissão havia adoptado todos os que dão por base a esta fórma de governo os publicistas mais classicos e liberaes; e que elles não prejudicavam de modo algum as questões secundarias desta especie de organisação politica: e é tanto assim que eu fui extrahir os principios, que recenciei como bazes do nosso projecto, ao liberalissimo, e sábio commentador de Montesquieu que, os considera communs ao governo representativo, composto d'uma só, ou de duas Camaras; d'um só, ou de muitos chefes. Não exorbitei por tanto da verdadeira questão da generalidade; e neste campo me podia o meu habil adversario combater no momento em que se quesilava de eu o haver impossibilitado debaixo desta relação, pois que tinha a palavra, e estava no seu direito, se o fizesse. Não o fez, creio eu, porque o projecto, considerado na sua contextura geral, é realmente invulneravel; e então, é mais facil imaginar gigantes, n'outra arena para se adquirir a glorio de os combater e destruir.

Mas eu me congratulo actualmente de que, a questão sobre a generalidade do projecto, tenha sahido da sua verdadeira esfera; e que por esta occasião se tenha discutido alguns pontos secundarios do systema de governo, que queremos e devemos adoptar. - Seguirei por tanto o honrado membro nas divagações, que elle fez na occasião a que estou alludindo. -

O illustre Deputado, fez uma viagem politica por todo o mundo civilisado - demorou-se muito na Europa; e depois de não encontrar cousa alguma digna de imtar-se nas Constituições de Inglaterra, França, e Hespanha, tornou a Portugal; e aqui disse = J'ai mà politique a moi = e proclamou a sua monarchia representativa, com um juiz só a julgar, um rei só a executar, e uma só Camara a legislar. - Mas se o honrado membro da procuração lege solutas (como é proprio da seita ultima a que pertence) quer assim a monarchia, o projecto foi tão providente que comprehende satisfaz a este seu desideratum: nelle achará duas Camaras a legislar, juizes e jurados a julgar, e em um só rei com ministros responsaveis a executar. - Póde por tanto o digno Deputado desembaraçar-se de algumas destas quantidades, e ficará com o seu governo favorito. Mas a respeito de juizes só a julgar, creio, pelo muito amor que professa á liberdade, que sempre consentirá que elles julguem sobre a decisão dos jurados; e que não fará constitucional a instituição do juizo correcional, que, como actualmente existe, faz arripiar a todo o homem, que deseja ser livre!

O illustre Deputado arguiu a Commissão de ter introdusido no projecto o veto absoluto, que no mesmo se attribne á corôa debaixo de uma fraze artificiosa, segundo elle disse. - A Commissão, Sr. Presidente, não usou d'artificio algum no seu modo d'exprimir a faculdade, que deve ter o rei, como representante da nação, fazendo parte do poder legislativo, de dar ou negar a sua sacção ás propostas de lei, que lhe forem enviadas pelas Camaras co-legislativas. - Exprimiu-se a este respeito como se exprime a Constituição de França; mas fallou em portuguez, e não em latim; porque a Constituição é feita para os portuguezes, e deve por todos ser entendida. Além de que, personificar o veto dá togar a desnaturalisar, e obscurecer a questão. - O povo de París em 1791 chegou a persuadir se que, o veto era, não sei que especie de monstro que devorava os meninos: mas elle ao contrario é um genio propicio que nunca póde fazer mal, e póde nalguns casos fazer muito bem. - Gosta tão pouco porém de trabalhar, que, existindo á cento e quarenta e tantos annos na casa d'Orange, apenas Guilherme 3.º usou delle uma só vez para negar a sua sancção ao bill dos parlamentos triennaes, que passados alguns tempos sanccionou. - Eu disse que o veto nunca podia fazer mal, e podia algumas vezes fazer bem, e o provarei em poucas palavras. - Quando duas Camaras, que representarem verdadeiramente a nação proposerem uma lei necessaria, e adaptada aos seus interesses, não se póde suppôr que haja rei tão desavisado, que lhe negue a sua sancção; nem ministros tão imprudentes, que lhe áconcelhem um procedimento tão arriscado para os mesmos conselheiros. Mas podendo muitas vezes acontecer, que passe nas duas Camaras uma proposta de lei contraria ao bem do povo, ou á dignidade da corôa, (a historia offerece mais de um exemplo) será muito conveniente á causa do mesmo povo, que o rei possa negar a sua sancção a similhante proposta facciosa.

O poder de dissolver a Camara dos Deputados conferido á corôa pelo projecto, é outro ponto antipathico para o digno adversario a quem respondo. - Mas eu lhe peço, que escolha entre o direito de dissolução, e o d'insurreição; porque, a não se conceder ao rei o direito de dissolver uma Camara, facciosa, só resta centra esta o meio d'insurreição popular, ou o de usurpação real; pois não deve esquecer que, quando uma Camara electiva não tiver a nação por de traz de si, um batalhão de granadeiros será sempre mais fórte do que um cento de Deputados.

Mas o que escandalisa sobretudo o joven Deputado, é o estabelecimento da Camara dos Senadores; e a duração vitalicia, que lhe dá o projecto! - Nós havemos de tratar ainda de todas estas questões importantes da organisação dos Poderes; e é nos artigos especiaes, que devem ter logar todos os argumentos pró e contra as doutrinas do projecto. Mas observarei ao honrado membro que, se não collocar-mos um corpo intermedio, forte, e independente, entre o Poder executivo, e a Camara mais immediatamente popular, estes dois elementos, pela natureza irresistivel das suas pretenções, estarão em perpetua luta, até vencer um dos dois: se vencer o Rei, teremos o despotismo d'um só; e se vencerem os Deputados, teremos o despotismo d'um cento, o mais fatal, e insupportavel de todos os despotismos! Isto está demonstrado a priori, e a posteriori. - Necker no seu livro sobre o Poder executivo, e n'outras obras, que publicou no principio da revolução francesa, desenvolveu e demonstrou estas verdades, que os factos justificaram. - Uma Camara patriciana deve por tanto existir na nossa Constituição, que seja ao mesmo tempo um ramo do Poder legislativo, uma magistratura, e uma dignidade; e sua duração vitalicia é o dogma politico a que eu estou mais apegado; nem posso comprehender como aquelles Srs. Deputados, que consideram a inamovibilidade dos juizes como condição sine qua non da sua independencia, não exijam nos Senadores uma similhante garantia, visto que é impossivel não deixar a este corpo, além das outras fnncções, a attribuição de julgar (ao menos) os Principes da familia Real, e os membros do supremo tribunal de justiça; salvo se querem tambem que estes se julguem a si mesmos, para ficar mais independente, e como status in statu o Poder judicial. - Eu terei occasião de tornar a fallar da Camara dos Senadores, que já se vê que não é a aristocracia fixa, e privilegiada; mas sim a verdadeira aristocracia social.

Não posso deixar este meu illustre adversario sem obser-

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var, que a Commissão se vê combatida por duas opiniões oppostas; uma que a censura por se ter aproximado demasiadamente da Carta de 26; e outra que lhe não perdoa o ter-se inclinado tanto á Constituição de 22! Talvez esta não seja a próva menos evidente de que ella cumpriu o seu dever, tomando o justo meio entre estes dois extremos.

Sr. Presidente, eu acho-me cançado, e o Congreço talvez ainda mais de me ouvir. Mas, deixando muita cousa que tinha a dizer, não posso dispensar-me de me dirigir agora a outro illustre impugnador do projecto, meu collega na Commissão d'administração publica, e com as opiniões do qual ordinariamente concórdo em material d'administração; mas de quem, (com mágoa o digo) discordo muito em questões vitaes de politica Constitucional.

Este illustre orador, impugnando o projecto de Constituição, figurou-se, repellindo os seus deffensores, qual outro Leonidas, á testa de 300 lacedemonios, disputando o passado das Thermopilas aos innumeros persas, que pretendiam forca-lo. - Eu não creio, que o honrado membro quizesse fazer alguma allusão injuriosa ao grande numero dos Srs. Deputados, que se tem dignado coadjuvar a Commissão na defeza do seu projecto. - Mas sempre quizera, que S. Sa. se lembrasse que, se a denominação de persas tem ha historia das revoluções modernas uma accepção ominosa; não a tem por isso menos o numero de trezentos. - Por tanto, antes de despedir os dardos para deffender as suas Thermopilas, reconheça bem o exercito, que para ellas se encaminha, a fim de o repellir como inimigo, ou de o saudar como alliado!

Olhe, repare bem no primeiro batalhão, que se avança!... vem na sua frente Marco Tulio Cicero, a quem Roma livre chamou o pai, e salvador da patria! A devisa da sua bandeira é a mesma do seu governo bene constitutum, regali, optimo, et populari compositum!

Note agora o corpo que o segue: trás por Capitão o Algeron Sidney!... Lá vem trasladadas no album da sua tlâmmula as palavras, que escreveu no album de Copenhague:

«Manus hoc inimica tyrannis
Ense petit placida cum libertate quietem.

A sua gente é toda do Governo favorito do illustre martyr da liberdade, por quem juram ainda hoje os seus devotos!... desse Governo composto dos tres elementos do orador romano, democratico, aristocratico, e monarchico!...

Veja, repare mais! Lá vem marchando um regimento americano! Este trás á sua testa o famoço Franklin! A legenda do seu elmo é = Eripuit coelo fulmen, sceptrumque tyrannix. = Fez alto... levantou tendas... e está entretendo os seus camaradas com o bem conhecido apologo, que fez decidir na Constituição da sua patria o estabelecimento das duas Camaras...

Quantos destes illustres persas poderia eu agora recencear, Sr. Presidente!... Mas basta... Só me resta pedir ao nosso Leonidas politico que, contra similhantes persas, não tenha o incommodo de deffender as suas Thermopilas: - elles nunca as hão de forçar para entrar na Grecia livre, salvo se forem occupadas pelos trezentos de Villele; salvo se fôr necessario penetrar nas cidades gregas para combater e expulsar d'alguma dellas os trinta tyrannos; salvo, em fim, se ainda for preciso resgatar os Ellenos do ignominioso jugo dos turcos, como á pouco fizeram os cavalleiros da liberdade!... E para que Sr. Presidente?... Para estabelecer na Grecia a monarchia Constitucional!... As forças me falecem... não posso proseguir. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Almeida Garrett: - Se eu combatesse aqui por amor proprio, e de puro afferro a minhas teimosas opiniões, não ousaria de certo rir boja de novo abusar da paciencia do Congresso.

Tambem, se agora sómente tratasse de sustentar os principios que professo; - tão explicitamente os declarei o outro dia, e taes são elles, que nem de mim precisam, nem de mais poderosos defensores hão de precisar nunca para triunfar.
Mas de tal modo, e tão sem piedade tenho visto desnaturar por meus sabios contendores as cousas mais simples que disse, que não podendo ou admittir - como não admitto, - a menor suspeita de má fé, devo crer que, apegar de verdades tão triviaes, tão mal as sube expressar, que não pude ser entendido. Grande desgraça minha!

Pois, estou certo que se as expozera pela maneira luminosa com que me entraram n'alma, e me penetram até ao coração, não haveria um só de meus ouvintes que as não entendesse, que em todo seu desenvolvimento as não abraçasse!

Quero por tanto fazer um novo esforço, e ver se a tid esclarecidos juizes posso fazer conhecer a justiça de uma causa, que para saír vencedora só precisa de uma cousa - ser entendida.

Pasmo com effeito, Sr. Presidente, de como tive a desgraça de me não entenderem.
Parecem e tão simples quanto disse! Tanto de simples intuição!

Todos os meus argumentos e demonstrações tenderam a demonstrar este theorema: «Que não ha sociedade verdadeira se não a livre, nem Governo normal se não o representativo.» E por consequencia, que todo o Governo que sabe d'esta norma, não é Governo, é despotismo.

Não póde haver por tanto se Dão uma forma de Governo unico: os nomes são accidentes locaes, e que dependem dos factos e circumstancias; a base não póde nem variar nem ser modificada.

Do mesmo modo importa pouco o nome que se dê ás diversas observações do estado normal; todas são variedades da especie despotismo.

Se o Governo não fôr de todos e para todos, - se o derem a um somente, a uns poucos somente, ou a uma só classe, por vasta e numerosa que seja - despotismo é sempre, ou monarchico ou aristocratico ou democratico.

Tenho visto (e lido em parte) ponderosos volumes, em que se trata a questão de preferencia entre estas três monstruosidades. Escolha quem quizer d'esses tres flagellos, que eu não quero nenhum para a minha patria (apoiado, apoiado). Estaremos nós tambem discutindo esta abominosa preferencia! folgo de crer que não, Srs.; lisongeio-me de esperar que a Nação Portugueza está mais adiantada do que isso - e qne não quer entregar a sua liberdade ao arbitrio de ninguem - senão confia-la á recta administração de todos. (Apoiado.)

Disse, e digo, que não é Governo senão o que fôr fundado na natureza da sociedade, e que Como tal possa garantir o livre exercicio da liberdade que Deos nos deu, e sem a qual não ha sociedade. Ora, para que não chamassem a esta alta verdade theoria de phylosophos, percorri todos os paizes conhecidos, e suas Constituições, e mostrei na presença de tão variadas hypotheses, que era incontestavel a minha these. Eis-aqui o que fiz, e o porque me accusaram de viajante. Ainda bem que viajei! E que vi tantos usos e opiniões differentes. Tirei, pelo menos, um proveito - o de me habilitar a estuda-los antes de os julgar. (Riso.) Excellente remedio seria em muitos casos - o viajar!

Tambem me accusuram de interrogar a historia - cousa absurda, se disse aqui, e que de nada vale. Eu protesto que me não arrependo, nem pejo de confessar, que verso com mão diurna e nocturna este unico livro em que sei estudar politica; porque nunca entendi que a politica fôsse sciencia abstracta, senão fundada no estudo do homem na sociedade. Tambem me apoiei em factos, que tem sido transtornados - direi mais, falsificados completamente alguns. Devo restitui-los. Disse, que em toda a federação da America do

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Norte não havia senão um só estado, cuja legislatura não era dividida em duas camaras. Este estado é o de Vermont. Asseverou-se aqui que havia outros. E falso. Citou se a Pensilvania - faltou-se á verdade: o seu corpo legislativo hão tem uma só camara. Aqui tenho na mão, e neste livro, ás Constituições de todos aquelles estados. Convido os meus illustres collegas a que leiam, e se desenganem: que a fatiar a verdade, sem viajar, nem lêr, nem ouvir, não imagino como se possam saber os factos, e o que mais é - fallar delles. E tambem me parece, que o methodo de combater argumentos fundados em factos, negando-os sem verificar primeiro se sim ou não existem, poderá ser um methodo luminoso, e de certo é novo; mas não é o mais recebido entre quem, como nós todos, argumenta de boa fé.

Disse eu mais, que assim como o corpo do homem, logo que sahe doestado normal; vive miseravelmente e morre cedo, assim tambem logo que o corpo social é forçado a sahir de sua norma por uma Constituição escripta, que não está conforme com a natureza social, e com os factos sociaes, - começa logo o desequilibrio - e delle a quéda e a morte, suas consequencias.

Leis, insisto eu, leis escriptas, que não são conformes com a lei primitiva e natural, não são leis. Este, Srs. é um principio, que durante muitos seculos foi desconhecido; mas quê a phylosophia desenredou finalmente d'entre os sophismas de todas as côres, de todas as seitas, e de todos os partidos; é que as leis Verdadeiras, as que unicamente são leis; porque indestructiveis e inalteraveis são as que nasceram com o homem. Legislar não é fazer leis, é reconhecer a sua. Mas esta lei, cujo decreto varia segundo seu objecto, tem uma unica sancção por todos; e que recahe sobre a sociedade em geral a sua destruição. Esta é a legislação de Deos, que para tudo fez leis, quando tudo fez. Mas as suas leia são armadas de uma sancção terrivel - a destruição da cousa que regulam. - Na Verdade são a destruição da sociedade. O que são pois, e o que fazem as leis dos homens? Declarar aquellas leis. E porque da inobservancia do decreto se não siga o commisso fatal; para prevenir a universal sancção da patria o legislador humano arma esse decreto de uma sancção especial e preventiva, que arredando aquella da cabeça da sociedade a vá fazer descarregar sobre o individuo. Porque sustento esta doutrina, gratuitamente me attribuem, que eu quero fazer uma Constituição eterna! E talvez se riem de mim! E tem razão - que o mundo tambem ria de Galileo, quando elle lhe asseverava que se movia. Hão de convencer-se; e então ha-de-lhes chegar a vergonha de se terem rido. Que absurdo haverá na serie de todos os absurdos possiveis - que attribuido me não seja! - Dizem, que achei más todas as Constituições deste mundo; e concluem daqui, que, segundo meu proprio argumento, nada havia nelles, que imitar. Nem eu tal disse, nem que o dissesse, tal conclusão se podia tirar de meu dito. Emitti ao contrario, que nenhum exemplo alheio era de desprezar, e que não deviamos conceber a rematada loucura, e pretenciosa vaidade de nos querermos constituir por um modo experimental. Expuz o que em todas as Constituições, que eu saiba, me parece defeituoso. Mas porque noto defeitos, não se segue, que não ache perfeições tambem: porque increpei vicios para os fugirmos, não se segue que não louve virtudes para as imitarmos. Quantas cousas boas não notei? Quantas não pedi que se aproveitassem? E será isto - viajar inutilmente pela Europa? Será isto andar com um sacco a pedir esmola pelos paizes representativos da terra, e voltar, como voltou um Sr. Deputado, com elle vazio para casa? Roma, quando quiz fazer leis, mandou os seus Deputados viajar pela Grecia. Voltaram com grande colheita, e de seus trabalhos e viagens nasceram as leis das táboas - que ainda hoje governam o mundo. Praza a Deos, que os legisladores constituintes Portuguezes de 1837 viagem tanto, e com igual proveito! Ainda bem que a nossa Commissão viajou! Assim a sabedoria do Congresso converta os seus trabalhos em uma lei, que aposte duração com a dos viajantes Romanos! Allegou-se contra o projecto da Commissão, que elle alterava demais a Constituição de 22: que devia respeitá-la até em seus defeitos, porque ella tinha as sympathias populares.

Srs! aqui disse eu, e repito. - Eu fui defensor e martyr da Constituição de 22: não o allego como serviço; fiz o meu dever. Quantos fizeram então o seu? Pois a esses que então não fizeram o seu dever - e que hoje apparecem tão nobres campiões, e tão denodados quando não ha perigo, a esses chamo eu hypocritas defensores da Constituição. Caia o raio em quem cahir. Então sim, então quando era crime imperdoavel dizê-lo, então quando os carceres, e os degredos, e a forca citavam diante de nós - pobres, raros, e abandonados defensores da liberdade em 1823, então é que era nobre dizer o que nós dissémos, e que não achou eccho no paiz!!!

Então (e não agora) é que era nobre, e generoso dizer, como nós dissemos: «Esta é a obra do povo, conhecemos-lhe os defeitos; mas não consentimos na alteração, nem de uma virgula. Queremo-la com esses mesmos erros; damos a vida por esses mesmos defeitos!»

Então, repito, era nobre e generoso; porque tudo era contra nós; porque estavamos debaixo; porque o povo estava vencido, a Coroa triunfante, e soberba. (Apoiado, apoiado.)

Mas hoje!... (Apoiado, apoiado.)

Aquelle não dos Deputados de 23, aquelle não duro, é incondicional, aquelle não severo, e teimoso dos patriotas d'então, que se foi sellar na emigração, e nos desterros; esse foi sublime, grande, e digno dos verdadeiros representantes do povo; porque o povo não tinha força, e a força estava do lado opposto.

Mas hoje póde elle ser o mesmo? Hoje é o contrario, Srs.! (Apoiado, apoiado.)

Hoje, que nós povo, temos a força, a authoridade toda em nossa mão, que ninguem mais a tem; hoje que o povo ainda não embainhou a espada, com que venceu; hoje o que é nobre, e generoso, e digno d'elle; digno do povo portuguez, sempre grande, e sempre heroico; é dizer: «Não queremos senão o que legitimamente nos toca, e justamente nos basta!» (Apoiado, apoiado.)

Hoje o que é nobre, hoje o que é corajoso nos seus Deputados, é dizer ao povo: «Os vossos direitos são estes, e não queiraes, porque vencestes, exigir demais do que vos toca: envergonhai os despotas, que isso costumam fazer quando vencem.»

Quando a espada está levantada, é que é nobre dizer: não. Então é essa a mais sublime, e energica expressão de um povo. Sê-lo-ha agora? Eu entendo, e sei, que o povo portuguez não fez sacrificios pela carta, nem pela constituição. Sei que os fez, como eu , pela liberdade, e pela monarchia livre, e representativa; e por minha fraca parte declaro, que os hei de continuar afazer, seja qual fôr a fórma, seja qual fôr o codigo, apezar de lhe conhecer os defeitos, apezar de lhe conhecer os absurdos, ainda que os tenha. Repito, que os emigrados, e victimas que o fomos em 1823, e que então demos exemplos a tres milhões de homens, temos direito, e temos obrigação de dizer o que padecemos, e o que vimos aos que ficaram em suas casas. Este argumento não é offensivo a ninguem. Estou convencido, que dentro deste parlamento não ha ninguem que emitta opiniões, quando d'ellas não esteja convencido. Esta e a unica satisfação, e explicação, que posso dar ás arguições, que neste ponto se me fizerem. Srs., eu apresentei aqui alguns principios, que foram refutados com muita eloquencia, e energia de frases; mas não foram destruidos por outros argumentos; por que elles não são destruiveis, são da natureza; e só o poderão fazer quando poderem destruir a organisação do homem; quando em vez de entes reaes os quizerem applicar a fantasmas. E preciso hão confundir as entidades rectas do es-

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tado normal, com as aberrações do estado anormal. A democracia é um prefeito elemento da sociedade; mas a demagogia é um abuso. A democracia é tão precisa na sociedade, como a monarchia. A aristocracia não é, que é o vicio; vicio é quando ella degenera para oligarchia. Eu não combati a democracia, principio vital de todas as constituições; mas não quero que se confunda uma cousa com outra. Não se diga, porque eu combati a demagogia, que combato a democracia; eu reputo este principio indespensavel á monarchia. Sem democracia não ha monarchia, mas despotismo. Entre o principio monarchico, e o democratico, é precisa uma modificação, e um nexo. Este é o elemento aristocratico, palavra que no seu fundo não tem nada de máo; porque aristocracia quer dizer, a moderação dos melhores, dos mais virtuosos, dos mais considerados, ou em luzes, ou em riqueza, etc. Mas não se confunda tambem aristocracia com oligarchia. A sociedade foi constituida sobre uma base unica - á igualdade dos direitos de todos. Este principio só é, que póde ser a base unica de todos os governos livres. E como a democracia e a aristocracia, ambas tendem, por vicio de nossa natureza, a destruir aquella igualdade, e formar a oligarchia, creou-se como remedio a aristocracia (note-se que fallo da recta) para que impeça a oligarchia; do mesmo modo que a monarchia foi creada para impedir a tyrannia. Na organisação do homem, este principio de morte luctando contra a vida, a falta de equilibrio traz a morte. O mesmo succede na sociedade. Não se sustenta o equilibrio social com a unidade de uma Camara; mas pela boa destribuição do principio moderador: com este principio é, que se ha de manter o prefeito equilibrio dos poderes; porque resistindo uns aos outros, assegurem a liberdade de todos.

Quando fallei do poder judiciário, não fui tão pouco entendido. Eu disse, que o podêr judiciario não estava bem dotado no projecto de Constituição: o podêr judiciario é o unico que, na sociedade bem constituida, o povo reserva para si. Este não delega o povo: este poder é por elle exercido, porque é exercido pelos jurados, pelos pares, cada um de per si; o não se delega no Rei, nem nos Deputados, nem nos juizes. Julgam-se os cidadãos uns aos outros.

A Constituição de 22 fraudava neste ponto o povo; por que o jurado alli é eleito; e os juizes letrados para serem inamoviveis dependem de novos Codigos; e em quanto estes se não fizerem hão de estar á vontade do Governo.

Este era o podêr judiciario da Constituição de 22. Mas em um verdadeiro Governo livre esse podêr é outro, é o mais forte, é o que o povo reservou para si. Mas eu quero suscitar a antiga chancellaria mór do reino! - Quero sim; porém não aquella que se achava organisada antes da sua dissolução, quero uma chancellaria que dê centro ao podêr; que reveja os regulamentos do Governo, e não as leis das Côrtes. A seu tempo me explicarei mais amplamente. Estes principios, que eu não quero por ora applicar a cousa alguma, são taes, que me parece não admittirem contestação, e são tambem os que me obrigam a votar pelo projecto.

Mas, o Sr. Deputado por Aveiro, ponderando os inconvenientes que eu achava na Carta franceza, disse, que eu esperava que, ou eu vota-se contra o projecto, ou que tivesse a coragem de propor a Camara hereditaria: - Eu respondo ao Sr. Deputado, que se estivesse persuadido que em Portugal havia os elementos para formar uma Camara hereditaria; se eu estivesse persuadido que ella era possivel nesta terra; e que havendo-a se estabeleceria a boa ordem no Estado; eu havia de ter a coragem de a propor. - Se a não proponho não é por ter receio, nem por falta de animo; é porque entendo não ser possivel; é porque não ha com que a fazer; e não quero propor o impossivel, e o que não tem existencia.

Não tratarei por ora da questão, se deve haver uma Camara de Deputados, e outra de Senadores, nem como essa segunda Camara, havendo-a, deve ser constituida. - Quanto essa materia entrar em discussão, hei de mostrar que nem sigo o parecer da Commissão na sua maioria, nem tambem nenhum dos que ao tem apresentado aqui: bei de offerecer uma outra idéa.

Quando fallei a primeira vez, citei todas as Constituições que ha; e citei então um facto que não foi bem entendido pelos Srs. Deputados, e que depois foi alterado por outros. A Camara unica, que foi dissolvida era 1823, em Portugal, foi-o como o teriam sido duas ou trez Camaras, se então as houvesse; porque assim o tinha decretado a santa alliança: - isto não admitte duvida. (Apoiado.)

Em Hespanha porém em 1814 a Camara unica que alli havia não foi dissolvida; mas pegou na Constituição de 1812, e foi mete-la debaixo dos pés do Rei, com a famosa e infame representação na mão, que começava assim = os Persas...: = daqui vem o ficar-se-lhe chamando Persas; daqui o odio peninsular á designação injuriosa de Persas; daqui tambem se chamaram Persas aos sectarios de uma Camara unica. E o que nos aconteceu a nós? Que tivemos dous annos uma só Camara: - aqui estão Deputados dessa Camara, e elles diram se não é verdade fazer-se calar então a imprensa; transigir-se com o partido liberticida; perseguirem-se os liberaes escriptores, degradarem-se! Eis aqui o que se fez com uma só Camara.

Argumenta-se porém agora dizendo: - mas com duas Camaras tambem tendes visto isso mesmo: - eu responderei, que é verdade; mas é muito menos possivel se ellas forem perfeitamente constituidas.

Succedeu assim em 1828; mas porque? Porque essa segunda Camara não era uma verdadeira Camara nacional; era composta de uma aristocracia pôdre, nulla, que não adheria de coração ás instituições.

Vou terminar minha resposta; mas cumpre antes de o fazer, que diga alguma cousa a um Sr. Deputado que hoje nos apresentou uma nova base de Constituição, Falo-hei em poucas palavras, apesar de não se poder ser curto em cousas similhantes; porque esta questão é questão que interessa a todo o Povo, e convém por isso medita-la com toda a moderação, e sisudez; e ter muita consideração com as idéas de todos, sejam ellas quaes fôrem, e ouvi-las com attenção. (Apoiado, apoiado.)

Disse pois o Sr. Deputado, que em logar de fazer-se um novo projecto, e de recorrer se a exemplos estrangeiros, venhamos, disse elle, a nossa casa, e aqui acharemos um texto constitucional na Carta que o Senhor D. Pedro 4.º outhorgou a Portugal. Não é possivel de certo, que o Sr. Deputado tenha, nem mais saudades por essa Constituição, nem pelo seu Dador, do que eu tenho. O dia de hoje, para mim, continuará a ser um dia de gala; porque foi neste dia que o seu Dador deu a Carta a Portugal!

É verdade que a Carta Constitucional tem muito boas cousas; mas, segue se daqui que a Carta é, a que hoje nos póde governar? Não póde ser: - as suas bases não são rectas; e não o são, porque a divisão dos poderes não está bem feita; nem a sua organisação em estado de evitar os nossos malles. O Povo appellou para a Constituição de 22, porque não achou na Carta garantia suficiente de liberdade - a Carta é impossivel.

Se o Sr. Deputado nos offerece hoje a Carta de 1826 como um codigo, para tirar-mos della o que é bom; devo dizer-lhe, que não era necessario o seu offerecimento; porque todos nós temos a Carta de cor, e havemos de ir lá tirar o que ella tiver de bom.

Se nos apresenta a Carta para nos lembrar-mos do seu Dador, saiba o Sr. Deputado, que nós não nos esquecemos nem da Carta, nem do seu Dador; - mas o que nós dizemos é, que pelo modo como estava feita a Carta, não podia hoje reger: - era impossivel, e é. Mas o Sr. Deputado allegou uma razão não verdadeira, quando disseque a Carta tinha menos inimigos que a Constituição de 22. E po-

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sitivamente o contrario. A Carta Constitucional achou (como muito bem disse um Sr. Deputado) muito mais inimigos dentro, e fóra, do que tinha achado a Constituição de 1882; porque a intriga estrangeira não descançou, nem a intriga dos inimigos da liberdade dormia: - ella não dorme nunca. Ella vio na Cohstituição de 1822 que poderia ser destruida, e entregou-a a si mesmo; porque os defeitos que ella tinha eram taes, que necessariamente a fariam cahir. Em 1826 porém vio, que esses defeitos apareciam correjidos em grande parte; e então trabalhou com mais fôrça, e destruiu a Carta! Estes factos são incontestaveis, e d'aqui tirarei uma moralidade; e é, que abra-mos nós agora os olhos, e vejâmos que o Povo ha de ser levado a exigencias desmedidas: - mas por quem? Pelos inimigos da liberdade, e pelos inimigos estrangeiros. E contra quem dirigem elles o seu alvo? Contra aquelles que mais defendem aqui a moderação, e que querem o bem do seu paiz: - e são mais brandos para com todos aquelles que tendem á exageração; porque vêem nisso o dia de juizo para o Povo, e o dia de ressurreição para elles.

Hoje já a Santa Alliança não póde decretar a entrada de exercitos na Peninsula; mas o seu odio á liberdade é o mesmo; e tanto maior, porque os malles que se lhe tem seguido, são tambem muito maiores.

Se hoje se não armam exercitos para vir destruir a liberdade, armam-se as intrigas, e emprega-se o ouro, para levar a excessos que tudo percam.

O dia da morte dos nossos inimigos, foi aquelle em que se apresentou aqui o projecto de Constituição; porque viram nelle consignados os verdadeiros principios da liberdade; - viram o respeito que se tributa á Corôa, e a dignidade com elle é apresentado: - foi, torno a repetir, desde o momento em que se apresentou este projecto, que nasceu á desanimação desse partido: desde esse dia continuaram, e cada vez hão de continuar mais as intrigas, com o fim de nos destruirem. Peço aos meus illustres collegas, que olhem a que eu não faço este argumento como censura a ninguem; mas só para que abram bem os olhos, e vejam bem estas cousas, que não são só a historia de Portugal, mas a historia de toda a Europa, e a que o partido vencido, não tem outra cousa a que recorrer. A sua unica appellação é para nossos proprios erros.

O Sr. Presidente: - O Sr. José Estevão tem a palavra; mas é pela 3.ª vez, e conforme o regimento não póde fallar mais, que duas vezes.

O Sr. José Estevão: - Eu Sr. Presidente, só fallei vez e meia; porque ultimamente deu a hora, e eu não continuei.

Vozes: - Falle, falle.

O Sr. Presidente: - Eu vou consultar o Congresso se convém, que o Sr. Deputado falle 3.ª vez.

O Congresso resolveu, que sim.

O Sr. José Estevão: - A hora está muito adiantada; e como eu tenha de ser alguma cousa longo...

Vozes: - Ámanhã, ámanhã.

Vozes: - Falle, falle, falle.

Sr. Presidente, Se eu estivesse só empenhado, em uma luta de amor proprio, se tivesse de insistir por vaidade na sustentação das minhas opiniões, eu não cançaria mais o Congresso com os meus discursos, e o silencio seria até o meu dever; mas a inversão total das minhas idéas, e o mal entendido das minhas expressões, reclamão imperiosamente a ratificação solemne dos meus enunciados. Assim começou o seu discurso o illustre Deputado, que me precedeu, e assim começo eu, porque estou na mesma posição.

Primeiro que chegue ao meu principal proposito, permitta-se-me, que toque em algumas observações, que acabam de produzir os illustres Deputados, que ultimamente fallaram.

Sr. Presidente, eu estou bem penetrado dos meus deveres, e sei avaliar as circumstancias do paiz. Reconheço, que o interesse da ordem demanda muitas vezes o sacrificio das opiniões, e exige o silencio como obrigação; mas eu conto com a sisudeza do publico, que não ha de com exagerações culpaveis prender a liberdade das discussões, nem tornar exemplo das isenções parlamentares para quebrar os laços da obediencia, e transtornar a ordem que lhe cumpre respeitar. Eu sei que a nossa missão na actual conjunctura não acaba nesta sala. Em quanto deliberamos, apostolos da ordem, sem nos deixar escravisar de medos, nem subjugar as consciencias a perigos ficticios; depois que sahimos deste recinto pregoeiros da obediencia, e do respeito á lei, e os primeiros a apresentar o peito aos ferros populares se algum desvairado, e louco se atrevesse ainda a levanta-los. (Apoiado geral.) Eu pela minha parte tenho medido bem a minha situação, a extenção dos meus deveres, e sei cumpri-los todos, todos.

Disse-se com certa ironia, que eu já tinha confessado aqui que pertencia a tres seitas; mas deve saber-se, que essas seitas tem os mesmos principios: sou dos escrupollosos, e por isso regateio á corôa os direitos, que são do povo; sou joven, e por isso sou fiel ás idéas progressivas; e sou doutrinario, mas a minha doutrina é a dos escrupulosos, e da juventude. Sr. Presidente, quando, eu disse, que era doutrinario, accrescentei: = mas a minha doutrina é esta; = e essa doutrina é a que eu então proferi, e que ainda agora defendo. E por que me quiz eu chamar doutrinario? Para tirar a esta palavra certa accepção pouco sympathica, que costuma dar-se-lhe, para diminuir dentro desta casa os gritos de guerra? Este procedimento generoso pagam-me agora separando, dividindo as minhas frases para desfigurar o sentido das minhas palavras!

Sr. Presidente, se muito mal iria aos membros da Commissão, quando as folhas da Constituição de 22, que aqui se tem apresentado rasgadas por elles, fizessem nesta assembléa a mesma impressão, que fez no povo romano a toga ensanguentada de Cesar; tambem não iria muito bem, nem a dignidade deste Congresso, nem a liberdade da discussão, se todos os nossos collegas estivessem nesta questão tão obrigados a ajustes, tão compromettidos por promessas como o illustre Deputado por Evora.

Este mesmo honrado Deputado accusou-me de eu querer uma Constituição só para a juventude; mas eu pertendo tanto como S. Sa., que a Constituição, que houvermos de fazer, abranja todos os interesses, e tenha os votos de todos os portuguezes. Tenho estudado as circumstancias do paiz, e alegro-me, que nesta questão as inspirações do meu coração, e o timbre da minha idade se combinem com os dictames da minha razão, e com os interesses publicos.

O mesmo illustre Deputado manifestou, que mesmo para reprimir os abusos do Throno era indispensavel uma magistratura palaciana...

O Sr. Derramado: - Patriciana disse eu.

O Orador: - Entendi Palaciana, e se o illustre Deputado referindo fé a uma analogia historica, chamou Patriciana á segunda Camara do projecto, eu attendendo a sua origem verdadeira, posso, sem receio de errar, chamar-lhe Palaciana. E como se pertende, que uma magistratura creada pelo Throno seja repressora dos abusos do Throno? Como se quer que uma magistratura, que é toda do palacio, vigie o palacio, e escude o Povo contra as tramas palacianas? Sr. Presidente, a discussão tem sido longa, muito se tem discorrido sobre a necessidade d'uma Segunda Camara; e ver-me-hei eu ainda obrigado, depois d'uma discussão tão prolixa, a perguntar de que serve esta segunda Camara? Um illustre Deputado por Villa Real disse hontem, que uma segunda Camara era um antemural das liberdades publicas, e uma das maiores garantias do Povo! (Apoiado, apoiado.) Mas quando um membro da Commissão disse, que a segunda Camara era um ante-mural das liberdades publicas, e uma das maiores garantias do Povo, um outro disse,

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que queria a segunda Camara para sustentar as prerogativas do Trono, e refrear os excessos populares. Sr. Presidente, eu não quero fazer censura a ninguem; mas em um Parlamento cada doutrina, embora tenha muitos defensores, deve ter uma só cabeça. Que se póde dizer d'uma côr politica em que se notam vistas oppostas, contradição de principios, divergencia em opiniões capitaes? Um Sr. Deputado pela Terceira asseverou, que eu tinha combatido todos os Governos, que dissera que todos eram máos. Declaro que não me lembro ter proferido similhante idéa: e como poderia eu ter dito que achava todos os Governos máos, quando eu esperava compromettido na defeza de um programma governativo para o meu paiz? Era impossivel que eu dissesse tal. Appellou-se para o sentimentalismo; invocou-se a nossa generosidade para não cercear-mos as prerogativas da Corôa; representaram-no-la fraca, e abatida; e empenharam a favor della nosso timbre de cavalheiros. Sr. Presidente, o coração não póde ter parte, não vota nas questões de organisação politica do paiz: assás sérias são ellas para que se entregue a sua solução ao empulso das paixões; nós fieis mandatarios do Povo não podêmos ser generosos dos direitos, que não são nossos; a Corôa nunca esteve tão robusta como agora, que descança nos braços do Povo, origem de toda a força.

Se eu algumas vezes tenho appellado para o sentimentalismo desta Assembléa, tem sido no fogo da discussão, mas pela minha parte farei sempre todas as diligencias para que Ba votação elle de modo algum influa no meu espirito. (Apoiado.) Somos obrigados a advogar os interesses da Nação, e o seu interesse é que nos ha de determinar o modo de constituirmos o Throno, porque o Throno é um accessorio da mesma Nação, instituido por ella, e para vantagem sua. O illustre Deputado pela Terceira declarou, que, em quanto a maior parte dos que agora defendem a Constituição de 22, ficaram em suas casas, elle, por causa della, foi ganhar o pão a terras estranhas com o suor do seu rosto. Essa corôa de martyrio não lha posso disputar; mas peço ao illustre Deputado, que me não leve a mal o eu ter nascido muito depois delle. Em 1824 era eu criança, e creio que isto não me põe impedimento de entrar nesta questão com a liberdade que lhe é propria.

Sr. Presidente, muitas vezes se tem aqui invocado a tolerancia do Povo de Lisboa: essa tolerancia é um facto; (apoiado, apoiado.) todos o sabemos, todos o conhecemos, e o temos presenciado; assim tenho eu como escusadas estas repetidas invocações. Mas se a tolerancia do Povo de Lisboa é um facto, e por isso não percisa ser invocada, nem por isso deixará de ser conveniente classificar esse facto. Essa tolerancia digo eu que é um dever; porque o Povo deve ser o primeiro sustentaculo da ordem, e a ordem agora é até um a necessidade. (Apoiado, apoiado) Nós estamos cumprindo o nosso dever, occupando-nos dos objectos que nos encarregaram; é preciso que o Povo cumpra o seu, aguardando pacifico as nossas decisões; essa tolerancia é, além d'um dever de Cidadãos, a paga d'uma divida sagrada.

Sr. Presidente, disse um Sr. Deputado = ha um meio de delegar poderes sem ser por eleições repetidas, e tanto que o Throno é um poder delegado, sem que esta delegação se opere por meio d'eleições repetidas. = Não contesto esta doutrina; mas oponho-me ás consequencias que d'ella se querem tirar. Porque ha una meio de delegar poderes, sem fazer uma eleição para cada investidura pessoal; porque se podem transmittir direitos a gerações; porque admittimos o principio hereditario na Constituição da Corôa, segue-se que devemos abusar desta faculdade, que devemos multiplicar esse principio, e constituir-mo-nos ás cegas, privando-nos da garantia da renovação eleitoral?! Eu não puz em duvida a coragem do Sr. Deputado para apresentar com liberdade e franqueza as suas convicções politicas, quaesquer que elles fôssem. Estou certo que ao Sr. Deputado pão faltaria a coragem para propôr o principio hereditario na formação da segunda Camara, se entendesse que era conveniente ao paiz; mas eu julgo que das minhas expressões se não deduz tibieza de crença nas muitas virtudes do Sr. Deputado; colloquei-o simplesmente na alternativa de lhe ser forçoso, visto ter aprovado o parecer da Commissão, apresentar o principio hereditario, ou confessar que nós estamos mais maduros para a liberdade. Sr. Presidente, tem-se-nos clamado com os máos effeitos d'uma só Camara em 23 e 24; disse-se que ella foi facciosa; disse-se que se bandeou com o Ministerio. E porque, Sr. Presidente? Porque em circumstancias extraordinarias o Congresso muito acisado e patriotico se unio estrictamente com os Ministros, e tentou fazer desta união uma barreira contra os muitos, e poderosos inimigos, que então guerreavam a liberdade; porque os homens que dirigiam os negocios do paiz, reconhecendo a força das cousas, e os perigos de que estavam cercados, não se esqueceram que o seu primeiro dever era a salvação publica, e esforçaram-se por não immolar a liberdade aos principios. E faz-se-lhe disto um crime? E sã o fôra, crime d'homem desauthorisam instituições? Em 23 e 24 o Ministerio tinha a maioria no Congresso, e o que hoje se chama o symbolo da legalidade, o que se reputa uma lei do systema representativo, era então uma conjuração, um horror, uma tyrannia! Sr. Presidente, o homem politico que fóra das circumstancias extraordinarias aberra dos principios, e aquelle que, dadas essas circunstancias, não tem a coragem necessaria para cortar por todas ellas, e arrostar contra os odios, e preconceitos, são igualmente criminosos, e indignos de presidir aos destinos dos Povos.

Fallou-se da lei dos morgados, passada na Camara electiva de França, e rejeitada na dos Pares. Eu invoco o testemunho do Sr. Deputado, que citou esta passagem historica para que aponte as circunstancias particulares, que levaram a segunda Camara á rejeição dessa lei, e para que diga em sua consciencia se foi o amor do bem publico, ou o interesse de classe que motivou aquella decisão. Eu tambem só estudo a politica nos factos; mas para a estudar nellas coma convém, é precizo não os desfigurar, nem separa-los das suas circumstancias; porque um facto isolado é um thema para cada um discorrer como lhe parecer; é um viveiro de argumentos para apoiar todas as proposições: a rejeição da lei dos morgados repito, foi filha mais dos interesses particular do corpo, que a rejeitou, do que do interesse publico. E que provaria esse facto, se elle fôsse, como o inculcam? Que avultaria elle no meio de milhares d'outros, que estão apontando aos póvos que uma Segunda Camara é, e tem sido sempre inimiga das liberdades publicas? Qual é a Constituição, por mais viciosa que seja, que uma vez ou outra não apresente fructos de utilidade, e conveniencia?

O Sr. Deputado que hoje abrio a discussão, recebeu uma clara prova de que nem e Deputado exacto, nem de ampolheta, porque faltou longamente, e como quiz nesta questão; gloriou-se de deffender as suas opiniões, declarou que não ficava por isso com remorsos, e prometteu-nos que havia de dormir bem esta noute. (Risadas.)

Pela minha parte declaro também, que o remorso do silencio me não inquieta, e que se alguma causa estranha me não perturbar o somno, esta de certo mo não fará perder.

Nas longas viagens que só tem aqui feito pela Europa, todos tocaram só em grandes paizes; mas o Sr. Deputado viajou mais minuciosamente; abordou a Sagunto e Carthago; tambem correu o mundo, mas fechou a viagem nestas pequenas republicas.

Debaixo do pendão da Carta, disse o nosso honrado collega, se combateu na Terceira; debaixo do pendão da Carta se desembarcou em Mindello; debaixo do pendão da Carta se deffendeu o Porto; debaixo do pendão da Carta se marchou do Algarve a Lisboa; debaixo do pendão da

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Carta a tyrannia deu o ultimo arranco na batalha d'Asseiceira. Tudo isto é verdade, Sr. Presidente, mas a Carta era simplesmente um hymno de guerra, e a liberdade o vardadeiro idolo dos nossos corações (Apoiado.)

Eu corri a maior parte dos transes, a que se referio o Sr. Deputado, e ainda que me não recordo tanto delles como S. Sa., (o que não admira, porque quem mais estuda e sabe a historia, é sempre quem menos tem figurado nella.) (Apoiado e riso) posso affiançar-lhe. que quando me lembrava da Carta, era só como da liberdade do meu paiz.

O mesmo Sr. Deputado, invocando as mais sentimentaes recordações disse: quando daqui a muitos seculos se revolverem as terras, que cercam o Porto, o arado ha de encontrar os ossos de nossos irmãos, e nelles esta a legenda = Carta e Rainha; = e quer o Sr. Deputado traduzir essas palavras por abnegação de progresso, e eternidade de governos? quer o Sr. Deputado oppôr a historia á liberdade, e converter a memoria de nossos feitos em tyrannia de sentimento?

Proseguio o Sr Deputado: - A Carta teve por muito tempo uma veneração geral no paiz, foi espontânea mente acceita por todos os portuguezes, fizeram-se eleições na conformidade da Carta, e não era esse o ensejo proprio, o momento eminentemente Constitucional, para se revogar á acceitação dessa Carta? - Era; mas o povo olhava-a então como uma esperança, e aguardava confiando a sua execução; mais tarde a Cana foi um engano, e desde então a sua morte foi decretada.

Diz-se mais: - A revolução surprehendeu todo o paiz; deu um estupor em toda a Nação, quando teve conhecimento dos acontecimentos de 9 de Setembro. Deu sim um estupor na Nação pelos acontecimentos de Setembro; mas foi de alegria: que tambem os ha desta especie; pelo menos o que eu presenciei na minha terra, foi de muito jubilo, e satisfação; e se os que atacaram as terras do Sr. Deputado foram de dó, e sentimento, ficam estupores por estupores, e tudo está compensado. (Risadas.)

Disse-se: na Carta havia o dogma da Soberania popular; porque ella é simplesmente o direito que tem o poio de se constituir, e a revisão da Carta estava decretada na mesma Carta. Sr. Presidente, desenganemo-nos. a Soberania popular só se exercita, só está verdadeiramente reconhecida, quando um povo depois de fazer (elle só) a sua lei fundamental, diz ao Rei: = Se nos queres governar, jura o Codigo que fizemos. E podiamos nós fazer isto governados pela Carta, embora a reviessemos como quizessemos? O Sr. Deputado, depois de ter tocado em muitos factos historicos, em que o não posso seguir, porque estou cançado, e não desejo tambem cançar a Assembléa, concluio apresentando a Carta de 1826, para base da Constituição. Se a segurança de um edificio deve ser medida pelo tamanho da sua base; muito folgarei que o novo edificio social, que a Constituição que houvermos de fazer, se basei-e sobre essa Carta, que apresentou o Sr. Deputado, porque na verdade é enorme. (Riso.) Adopto-a pela materia, e pelas dimensões.

Por este lado acabei, mas como não tenho outra ocasião, não posso deixar de rectificar agora algumas das idéas que falsamente se me attribuiram.

Disse-se, Sr. Presidente, que eu tinha argumentado da unidade do poder judiciario, e executivo, para a unidade do legislativo.

Quando ouvi, que se me attribuia este argumento, pedi logo a palavra para rectificar um facto.

Disse eu - juizes só, a julgar só; um Rei só, com Ministros responsaveis, a executar só; uma Cornara só, o legislar só: eis aqui o meu Governo representativo Ora quem não vê que isto é a expressão de um desejo, e não uma argumentação? O Sr. Deputado disse, que eu tinha argumentado da unidade do podêr judicial e executivo, para a do legislativo; e porque não teria eu argumentado antes da unidade deste, para a daquelles? Porque o legislativo está no fim? Porque é o ultimo de que fallo? Então a conclusão é o fecho do discurso? A logica do Sr. Deputado é de lugares, e não de idéas. Repito que não argumentei, exibi simplesmente o meu desejo. Fingio-se disto pena argumentação, e tornou-se o trabalho de lhe redarguir. Nisto não sei qual mais devo admirar; se o talento da refutação, se o da invenção - Repetio-se tambem que eu tinha dito, que nau queria para o corpo legislativo direito de recusar os tributos. Tendo eu pugnado sempre por maior dotação de direitos paca o povo, não podia dizer similhante cousa; votei unicamente que esse direito produzia sempre, ou quasi sempre, os mais tristes resultados. - Igualmente se me attribuio que eu dissera, que o direito de dissolução era origem de revoluções. Disse, é verdade, ainda o digo, e os membros da Commissão confirmaram-no, quando referiram que o resultado da dissolução da nossa Camara dos Deputados, havia sido a revolução; e outro quando sustentou, que a revolução franceza fôra motivada pela dissolução das Camaras dos Deputados daquelle paiz; e effectivamente isto são verdades: e é de notar, que as trez vezes que se tem usado da direito de dissolução desde certo tempo, sempre delle tem resultado revoluções. Em França a revolução de Julho, e a queda de Carlos X.; em Hespanha a da Granja; entre nós a de 9 de Setembro.

Disse-se, que os artigos transitorios não involviam um triste agouro sobre a sorte futura do paiz, e então fez-se uma longa digressão historica para provar que ainda podemos retrogradar, e que a Constituição da Commissão previne todos os casos possiveis e provaveis. E preciso confessar, que a Commissão por este lado foi demasiadamente cautelosa, e admira-me que, em uma inspiração da sua previdencia, não redigisse alguns artigos sobre emigração, porque ainda podemos emigrar. (Riso.)

Não posso deixar ainda de me explicar sobre as minhas suppostas contradicções, e tenho pena que o Sr. Deputado, que mas notou, não esteja presente, para sabermos se ellas são minhas ou delle.

Disse S. Sa., que eu não queria tomar exemplos estrangeiros; mas que me devia lembrar que, quando se discutio a resposta ao discurso do Throno, insisti em que nella se declarasse, que a nossa revolução fôra filha da de Hespanha. Mas que tem isto com pertender que o nosso paiz se gover-ne pelas leis de outro paiz? Que tem o asseverar uai facto com o sustentar uma doutrina?

Disse-se, que eu tinha argumentado contra uma Camara vitalicia com máos feitos de Camaras hereditarias, e que; estd argumentar não era justo. Apresentou-se-nos no projecto uma Camara vitalicia, que para mim é muito peior do que a hereditaria, e então argumentei desta para aquella: estes argumentos chamam-se de menor para maior, que são muito logicos, muito justos, e muito fortes. Se uma Camara hereditaria faz destas, o que não fará uma vitalicia? Eis-aqui a base dos meus raciocinios. O Sr. Deputado, que notou de viciosa a minha maneira de argumentar, argumentou elle mesmo como eu, tirando ilações a favor d'uma segunda Camara vitalicia ou temporaria, dos feitos duma Camara hereditaria. Disse vitalicia ou temporaria, porque eu não pude perceber se o Sr, Deputado estava então na minoria ou na maioria da Commissão, se defende a Camara vitalicia, se a temporaria.

Disse-se que eu tinha dito mal e bem da revolução franceza. Parece impossivel
que o Sr. Deputado asseverasse isto. Eu disse que a revolução franceza havia sido generosa, e magnanima; masque não assegurara o seu triumfo, nem tratara da sua sorte; e quando faltei dos destinos desta revolução, disse, que ella tinha sido assassinada: ainda o digo sem admittir a correcção do Sr. Deputado; porque não vejo mal em enunciar aqui francamente as minhas opiniões, quaesquer que ellas sejam. A revolução franceza foi assassinada. A

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sua sombra vagueia pelo territorio francez, como em nossas bistorias domesticas se conta, que vêm, e andam neste mundo as almas dos finados a pedir a execução de seus legados, e cumprimento de seus testamentos. E sem duvida a presença desta sombra respeitavel, que inquieta a França, e em quanto as suas exigencias não forem satisfeitas, ella não socegará: esta é a minha opinião... A respeito da revolução franceza, eu morro na fé do general Lamarque.

Agora deveria eu entrar na materia, mas não me atrevo a abusar por mais tempo da vossa attenção, e benevolencia; sei que a hora já deu ha muito, e é assaz sincero o meu agradecimento por me haverdes escutado tão benignamente, e por mais tempo do que o vosso dever o exige. Já agora na discussão especial farei os desenvolvimentos, em que agora não posso entrar.

O Sr. Presidente: - Já deu a hora; a ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje; está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

DECLARAÇÃO.

Na sessão de 28 d'Abril no fim da 1.ª columna da pagina 94 linhas 66, aonde diz = O Sr. Presidente = leia-se = O Sr. Ferreira de Castro. =

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