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(Presidencia do Sr. Dias d'Oliveira.)

Abriu-se a sessão ás onze horas e meia da manhã, estando presentes cento e cinco Srs. Deputados.

Leu-se, e approvou-se a acta da sessão antecedente.

Leu-se a seguinte declaração, de voto. = Declaro que cê estivesse presente, quando se approvou o art. 8.º do projecto sobre os vinhos do Douro, votava contra. Sala do Congresso, 2 de Maio de 1837. = M. A. de Vasconcellos.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um officio do Ministerio do reino a remetter a consulta pedida a requerimento do Sr. Deputado, da Junta consultiva creada na ilha Terceira, para a instituição de uma ordem denominada = do Açôr = e a declarar que não existem no Archivo d'aquelIa secretaria os modellos, a que a mesma consulta se refere.

Mandou-se para a secretaria.

2.º Outro do Ministerio da fazenda a participar que ficam expedidas as ordens necessarias para se satisfazer á indicação do Sr. Deputado Paulo Midosi, na qual pede todos os papeis relativos á pertenção dos proprietarios dos barcos de Castro.

O Congresso ficou inteirado.

3.º Outro do Ministerio da justiça e ecclesiasticos a enviar cópias das informações, dadas pelos juizes, que servem de Presidentes das relações de Lisboa e Porto, ácerca da indicação do Sr. Deputado Ochôa, na qual se inquire o motivo da accumulação de processos, que se diz existir nos tribunaes de segunda instancia; e a prevenir que, apenas cheguem as informações pedidas á relação dos Açores, sobre o mesmo objecto, serão devidamente enviados ao Congresso.

Mandou-se para a secretaria.

4.° Um officio do Ministerio da guerra a devolver o requerimento de José Valerio Rodrigues dos Santos, na qualidade de Feitor de suas sobrinhas, filhas do fallecido brigadeiro José Julio de Carvalho, com as informações pedidas pela Com missão de guerra deste Congresso.

Mandou-se para a Commissão de guerra.

5.° Uma representação da Camara municipal do concelho d'Aviz sobre divisão de territorio.

Foi para a Com missão de estatistica.

6.° Outra dita de Manoel Alvares de Lima director da Alfandega de Villa do Conde, em seu nome, e no de mais empregados d'aquella Alfandega a pedir promptas providencias ácerca dos meios de prover á sua subsistencia.

Foi á Commissão de fazenda.

7.° Outra dita d'alguns voluntarios do batalhão nacional movei de Bragança, a pedir remedio ao activo serviço, que estão fazendo, e que lhes seja permittido, como meio de evitar esse vexame, a passagem para a Guarda Nacional.

Foi á Commissâo de guerra.

Teve segunda leitura o requerimento seguinte.

Requeiro que se pergunte ao Governo, pelo Ministerio do reino, onde param os authografos da Constituição de 1822; e bem assim o do denominado - Assento dos tres Estados de 1828 - e que se exija que elles sejam repóstos no archivo da Torre do Tombo. Sala das Côrtes, 2 de Maio de 1837. = Rodrigo Joaquim de Menezes.

O Sr. R. J. de Menezes: - Sr. Presidente, por uma portaria do primeiro de Outubro de 1823 mandou o Ministro do reino, que então era Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, trancar na secretaria de Estado a Constituição de 1822: foi sempre uma mania dos governos despoticos retirar dos olhos do publico tudo aquillo, que lhe não faz conta: os governos liberaes procedem com outra generosidade, não se lhe dá que appareçam aquelles factos que podem ser-lhe Contrários: é por esta razão que eu peço, que sejam respostas no archivo, aonde devem estar, as boas, e as más leis, e até as emanadas de fontes illegitimas; então sendo aquelle o unico lugar proprio, requeiro que alli se deposite aquelle monumento de gloria, de valor, e de sabedoria que a Nação levantou em 1822; e bem assim esse outro de deslealdade e de deshonra levantado em 1828 nas pertendidas Côrtes illegalmente convocadas nesse anno. Não importa que saiba esta Nação e o mundo inteiro, que tambem neste paiz ha homens que negam a patria, o Rei; e se convém negarão como Pedro o Deos que tem.

O Sr. Leonel: - Eu acho inconveniente em se pedir ao mesmo tempo, e sem nenhuma distincção, o authographo da Constituição de 22, e o dos chamados trez Estados
de D. Miguel: quanto ao primeiro, é precizo procura-lo; quanto segundo, não póde haver a seu respeito outro motivo mais. do que curiosidade de conservar um monumento historico, (vozes, é de necessidade); mas é de uma necessidade de uma naturesa muito differente da outra necessidade: eu desejo que se peça; mas não quero que se faça, sem de alguma maneira se fazer alguma distincção; faça-se a distincção, que eu contenho; mas sem ella, acho-lhe inconvenientes.

O Sr. R. J. de Menezes: - Sr. Presidente, é, ou não é o archivo da Torre do Tombo o lugar proprio para se depositarem os authographos das leis? Não é alli que estão depositadas todas as outras leis, e mesmo as feitas pela usurpação dos Filippes, e depois as feitas pelo governo de D. Miguel; pois então porque não ha de estar esta? Ora, quanto á Constituição de 22 já disse quem a fez sair dalli, e por quem foi trancada na secretaria; e não obstante estar triunfante, ainda não sahio desse estado de escravidão; quero que vá para lá, e tambem esse outro monumento de deslealdade de 1828. Eu sei, que ninguem que se senta nesta Camara teve parte neste vergonhoso acto; mas quando assim não fosse isso, não obstaria a que as leis fôssem postas no seu logar.

O Sr. Leonel: - Eu não combati o requerimento, ponderei que não me parecia conveniente em que se pedisse ao mesmo tempo, e pelas mesmas palavras sem fazer distincção, entre doía monumentos tão diversos, é a unica cousa que eu digo: ora eu não sei o que se dirá de nós pedirmos os dois monumentos ao mesmo tempo, e do mesmo modo sem distincção; eu não queria, que se desse occasião a alguem para que fizessem observações: eu não sei o sentido em que ellas serão feitas; mas não queria que se lhe desse essa occasião.

O Sr. Presidente propoz á votação o requerimento, a foi approvado.

Leu-se na mesa o seguinte authographo da lei sobre os vinhos.

As Côrtes geraes, extraordinarias e constituintes da nação portugueza, decretam o seguinte:

Art. 1. Os vinhos, agoas-ardentes, e mais licores espirituosos de producção nacional, que derem entrada nas barreiras da cidade do Porto, e villa Nova de Gaia, pagarão os direitos de consumo estabelecidos no decreto de 14 de Julho de
1832.

§ 1.° As jeropigas porém, pagarão de direito de consumo quatrocentos réis por ai mude.

§ 2.° Os direitos de consumo poderão ser pagos em dinheiro de contado, ou em escritos do thesouro admissiveis nas alfandegas.

Art. 2. Os vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas de producção nacional, que forem destinados para exportação pela barra do Douro não pagarão direito algum por entrada nas sobreditas barreiras do Porto, e villa Nova de Gaia.

§ 1.º A disposição deste artigo, é extensiva ás agoas-ardentes, e jeropigas de producção nacional, que forem destinadas ao concerto e adubo, dos mesmos vinhos, e bem

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assim as agoas-ardentes, que cairem das referidas barreiras para o interior do reino.

§ 2.º Os Direitos dos vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas de producção nacional, que foram recebidos em virtude do-disposto no decreto, e regulamento de 2 de Novembro proximo passado, serão restituidos por encontro em pagamento de direitos na alfandega da cidade do Porto, nas mesmas especies em que se receberam, mas no caso de existirem ainda no cofre da referida alfandega os escritos, que ca tiverem dado em pagamento destes direitos, serão restituidos esses mesmos escritos.

Art. 3. Fica permittida, pela barra do Porto, a exportação dos vinhos de segunda qualidade para os differentes portos da America, Africa, e Asia, pagando cem por cento ad valorem de direitos de saida, como está determinado no artigo 1.º do decreto de 20 de Abril de 1833, se esta exportação se fizer em navio portuguez, ou d'aquella nação para onde o vinho for destinado, comtanto que essa nação admitia nos seus portos os navios, e producções portuguezas no pé de perfeita reciprocidade, e igualdade sendo porém â exportação destes vinhos para os sobreditos portos feita um outro qualquer navio estrangeiro, pagara cada pipa seis mil réis por direitos de saída.

Art. 4. Os exportadores dos vinhos mencionados no artigo antecedente, serão obrigados a apresentar certidão de terem sido os mesmos vinhos descarregados no Porto do sen destino, passada pela primeira authoridade da alfândega respectiva, e legalisada pela authoridade consular portugueza alli residente, e na sua falta pela authoridade consular da corte parente, e na falta destas pela authoridade consular da nação roais intimamente ligada com Portugal.

§ 1.º Concede e para a apresentação da referida certidão o prazo de doze mezes, quando a exportação tiver sido feita para a America do Norte, de dezoito mezes, para a America do Sul I e de vinte e quatro, para a Asia, ou Africa; contados estes prazos da data do despacho da alfandega da cidade do Porto.

§ 2.° Os exportadores, que dentro destes prazos não apresentarem a certidão determinada neste artigo, pagarão o tresdobro dos direitos, que deveriam ter pago, se tivessem despachado os seus vinhos, e os navios para os portos da Europa, para se tornar effectiva esta responsabilidade, os exportadores darão uma hypotheca, ou prestarão fiança idónea.

§ 3.º Quando por effeito de sinistro maior for impossivel apresentar a certidão de descarga exigida neste artigo, será esta falta supprida por documentos authenticos, que justifiquem o sinistro pelo modo mais indubitavel.

Art. 5. Fica tambem permittida pela barra do Douro a exportação dos vinhos, e agoas-ardentes de producção nacional, que forem despachados para o porto de Lisboa, sem pagamento dos direitos de saida estabelecidos pela legislação actual na exportação destes generos para os outros portos da Europa.

§ 1.° Os vinhos, e agoas-ardentes despachados para Lisboa, darão entrada na alfandega das sete casas, e para esse effeito os respectivos exportadores prestarão a fiança exigida no artigo 8.º do decreto de 16 de Janeiro decorrente anno, e ficarão sujeitos às penas nelle estabelecidas.

§ 2.º Os vinhos, e agoas-ardentes, que assim derem entrada na alfandega das sete casas para consumo de Lisboa, pagarão na mesma altandega os competentes direitos de consumo, não pagarão porem estes direitos aquelles vinhos, e agoas-ardentes, que derem entrada sómente por transito, e saírem para o interior do paiz.

§ 3.º Os vinhos, e agoas-ardentes, mencionados neste artigo, que tendo dado entiada na alfandega das sete casas, forem comtudo destinados para re-exportação pela barra de Lisboa, sómente pagarão os direitos impostos pelas leis, aos vinhos, e agoas-ardentes directamente exportados pela barra do Douro, e ficarão sujeitos ás mesmas condicções dos que são directamente exportados pela barra do Douro.

Art. 6. Os vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas, comprehendidos nesta lei, e que não pagam por entrada direito de consumo, sómente poderão ser depositados em armazens prévia, e exclusivamente manifestados para tal uso, e ficarão sujeitos aos regulamentos fiscaes, que o Governo estabelecer.

§ Unico. A disposição deste artigo é applicavel aos mesmos vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas aclualmentn armazenados dentro das barreiras do Porto, e villa Nova de Gaia.

Art. 7. Os contraventores dos regulamentos fiscaes, que o Governo estabelecer, e em cujos armazens se verificar por meio de varejos existir maior, ou menor porção de vinhos, agoas-ardentes, ou jeropigas do que tiver sido manifestado, não sendo essa diminuição procedente da exportação, ou consumo, com prévio pagamento de direitos, ou de rasoatel desfalque na razão de cinco por cento ao anno nos vinhos, e de seis por cento nas agoas-ardentes; serão reputados contrabandistas, e punidos na conformidade das leis relativas ao contrabando, soffrerão a pena do perdi mento do equivalente ao valor dos vinhos, agoas-ardentes, e jeropigas extraviados, e além disso uma multa igual ao quintuplo da importância dos direitos extraviados, a qual multa será paga em vinte e quatro horas, sob as penas de fieis depositarios.

Art. 8. Fica declarado sem effeito o artigo 2.° da portaria de 13 de Agosto de 1834, expedida por immediata resolução da consulta de 12 do mesmo mez, e só se concede o beneficio da sua disposição, depois da publicação desta lei, áquellas embarcações, cujas quilhas estivessem postas nos competentes estaleiros até ao dia 17 do mez de Abril do corrente anno, que forem julgadas dividamente construidas, e proprias para a navegação, e cujos donos abrirem termo de carga nas alfandegas no prazo de seis mezes.

Art. 9. Fica expressamente derrogado o artigo 3.º do regulamento, que faz parte do decreto de 2 da Novembro de 1836, e toda a mais legislação contraria ás disposições da presente lei.

Palacio das Côrtes em 3 de Maio de 1837 = Antonio Dias d'Oliveira, Presidente; Joaquim Vellozo da Cruz, Deputado Secretario, José da Costa Souza Pinto Basto,

Deputado Secretario

O Sr. Presidente nomeou a Deputação, composta dos Srs. - Visconde de Fonte Arcada, Fernandes Thomaz, Faustino da Gama, Macario de Castro, e Lopes Monteiro, para levar esta lei á sancção de Sua Magestade.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente, ha poucos dias que eu recebi um requerimento de alguns militares estudantes da Universidade de Coimbra, no qual pedem providencias a respeito do pagamento das matriculas Este requerimento entreguei-o ao Sr. José Alexandre, e depois disto tenho recebido repetidas cartas, instando-me a que faça todas as diligencias para que este negocio tome andamento. Ultimamente recebi esta, que passo a ler, e com a leitura delia, dispenso me de fazer por agora mais reflexões sobre a materia. (Leu.) Pareceu-me indispensavel, depois de tantas instancias, dar um testemunho publico, de que me não esqueci do negocio que me encarregaram Espero que a Commissão em breve dará o seu parecer sobre o requerimento, que entreguei a um dos seus membros.

O Sr. Barjona: - O requerimento a que se refere o Sr. Coelho de Magalhães, foi-me entregue ha dias pelo Sr. José Alexandre de Campos a Commissão occupou-se do seu objecto quinta feira passada, e encarregou um dos seus membros de lançar o parecer sobre elle. É espantoso, na verdade, que se queira arguir as Commissões de não terem apresentado os pareceres, que lhes estão incumbidos, sabendo-se que ha tres semanas que o Congresso se não divide em

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Commissões! A Commissão d'instrucção publica não póde fazer mais do que tem feito, pois se tem reunido nestes ultimos dias Santos. Em quanto as noites eram grandes, reunam-se as Commissões, e adiantavam muito os seus trabalhos, mas na estação actual, ainda que fé juntem, pouco podem fazer. Eu já por vezes tive vontade de pedir que tomasse-mos um dia para Commissões; porém não me resolvi a faze-lo por temer desagradar ao Congresso. Descancem os Srs. Deputados que interpellaram a Commissão, que ella vai reunir se ámanhã ás 11 horas em casa do Sr. José Liberato, e tomará em consideração primeiro do que tudo os requerimentos dos estudantes.

O Sr. B. da R. de Sabrosa: - Eu não me levanto para inculpar a Commissão, desejo aproveitar esta occasião para estigmatisar a medida que impõe matriculas tão pesadas, e a quem, Sr. Presidente? A estudantes que, em geral, não abundam era meios, e militares a quem se não paga ha 8 mezes. Esta medida he tão pesada, como aquella que os obriga a apresentar todas as patentes, que não tenham, descontando-lhes pela decima parte do soldo o importe dellas, quando por muitos annos se lhes não pediram; (não fallo por mim, porque tenho todas) mas agora que se lhes deve tanto, he que obrigam a tira-las todas. Para estigmatisar estas medidas, he que pedi a palavra.

O Sr. Barjona: - Talvez haja muito que dizer sobre as idéas que expendeu o illustre Deputado, que acabou de fallar; mas julgo que esta não é a occasião propria para o fazer. A Commissão ha de apresentar o seu parecer sobre o requerimento; então qualquer dos Srs. Deputados dirá o que entender mais conveniente, e a materia será completamente discutida: mas antes disso tudo me parece deslocado.

O Sr. José Estevão: - Eu limito-me a dizer ao Congresso, que não quiz fazer censura á Commissão, nem ao Sr. Deputado; e tambem se ha de reconhecer, que a pessoa que me escreveu a carta, que acabei de ler, não censurava nem a Commissão, nem o Sr. Deputado; e por isso parecia-me bem que o mesmo Sr. se tivesse abstido de explicações, e justificações, que não eram precisas.

O que disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, supposto ser um pouco fóra da ordem, sempre teve a conveniencia de fazer constar ás pessoas interessadas neste negocio, que o Congresso apoiando, como apoiou, as idéas de S. Sa., não está disposto a tolerar as excessivas matriculas estabelecidas pela Dictadura.

O Sr. J. A de Campos: - Levanto-me para declararão Congresso, que desejo que o Congresso possa remediar todos os excessos de matriculas; enes são os meus desejos, se o Congresso achar nisso a devida justiça.

O Sr. Midosi: - Eu tambem por ter recebido cartas (e entre ellas uma de um parente meu) apoio este requerimento, desejo que se decida com brevidade: já sobre este assumpto, disse alguma cousa no Sr. Ministro do Reino, que concordou com a justiça da supplica; estando porém o negocio entregue á Commissão, levantei me sómente para dar um testemunho a estes estudantes, de que me interessava por elles, e apoiava o requerimento dos meus illustres collegas.

O Sr. Presidente: - A Commissão ouviu os Srs. Deputados, tomará esse negocio em consideração, e por isso passemos a outro objecto.

O Sr. Sampaio Araujo: - Eu pedi a palavra para pedir a V. Exa. houvesse de fazer uma pergunta á Commissão de legislação. Declaro que não levo em vista fazer a menor censura, porque sei o zello com que ella trata os negocios publicos. Quando principiaram os trabalhos deste Congresso, eu tive a honra de pedir, que se nomeasse uma Commissão especial para apresentar um projecto de reforma de foraes. o Congresso attendeu este meu requerimento; porque, se não deferio quanto á fórma, deferio quanto ao espirito; porque mandou este negocio á Commissão de legislação, e com recommendação de ser o primeiro objecto de que tratasse: é passado bastante, e não tem aparecido; eu creio que não é perciso demonstrar a urgentíssima necessidade de prover sobre este negocio, porque tanto os que pagam, corço os que recebem, e mesmo os que não querem pagar, todos desejam ver decidida esta materia: peço por isso a V. Exca. tenha a bondade de interpellar a Commissão sobre o estado em que se acha este negocio, se o tem tomado em consideração, e convida-la a apresentar o seu parecer com a maior brevidade possivel.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu, como membro da segunda secção da Commissão de legislação, levanto-me para dar alguns esclarecimentos sobre o que pede o Sr. Deputado. - São muitissimo louvaveis os desejos do nobre Deputado, e creio que cada um dos membros da Commissão participa dos mesmos, entretanto é tal a afluencia dos negocies, que não é possivel saber por onde se deve começar. Foram destribuidos os papeis deste negocio de foraes na segunda secção da Commissão de legislação, e esta entendeu que devia encarregar a apresentação destes trabalhos a um illustre jurisconsulto, o Sr. Correia Telles; entretanto não sendo talvez uniformes as opiniões a respeito desta matéria, assentou-se, sobre proposta minha, que seria conveniente reunir as duas secções, e ver quaes as idéas que predominavam para que se não fizesse um trabalho que depois fosse encontrar uma maioria opposta: isto é o que se quer fazer a fim de haver uma discussão geral, para depois o Sr. José Homero, ou outro qualquer membro da Commissão, apresentar então um projecto, mas ainda esse dia não chegou. Depois desta resolução metteu-se de permeio o negocio de liberdade de imprensa, e outros, e ha tres semanas, que estão interrompidos os dias de Commissões; e então logo que haja occasião ha de tratar-se disso. - Eu tambem tenho recebido iguaes recomendações como o Sr. Deputado; e ha dois dias que recebi uma carta, na qual se me diz, que acaba de sahir uma sentença, em que o juiz dizia, que não decidia até não haver providencias! isto no julgado de Fafe: se elle fez bem ou mal não sei; mas a verdade é, que o negocio está tão intrincado, que é difficultoso de decidir. Concluo, que o negocio é importante, e que a Commissão não se terá esquecido delle; porque quem tem dado estes passos, é signal que o tem tomado em consideração.

O Sr. Rodrigues Ferreira: - Tinha pedido a palavra para apoiar o requerimento do Sr. Sampayo. Tem sido immensas as reclamações que tenho tido das provincias a esta respeito: julguei não dever passar esta occasião sem fazer esta declaração aqui em publico: tenho feito toda a diligencia para que os illustres membros da Commissão de legislação apresentem algum parecer. Eu sei que os povos das provincias, especialmente os da provincia do Minho, estão desconsolados, estão em alarme, e estão persuadidos de que se não trata deste objecto, e só se cuida de engana-los; porque tendo-se principiado em todas as legislaturas antecedentes nunca teve a fortuna de acabar-se. Sr. Presidente, a lei de 13 de Agosto de 1832 veio reduzir os povos á penuria; e eu sei que muitas familias estão reduzidas á mizeria, tendo aliás muito de que subsistir. Sr. Presidente, é caso muito serio tirar a cada um os meios com que contava para a sua subsistencia!! Peço por tanto, unindo os meus rogos aos rogos do Sr. Sampayo Araujo, que a Commissão se reuna, e apresente no primeiro dia de reunião algum parecer, porque tudo quanto vier é melhor do que o que está.

O Sr. Sampayo Araujo: - Eu, como fui o author do requerimento, estou no meu direito em exigir a execução de se apresentar um parecer, mas eu pedi a palavra tão sómente para responder a uma reflexão do Sr. Alberto Carlos, de que a Commissão não sabia por onde devia principiar. O Congresso decidio, que o primeiro objecto de que a Commissão devia tratar era deste projecto.

O Sr B. da R. de Sabrosa: - Sr. Presidente, não instarei nisto, porque sei as dificuldades dessa questão; mas

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como alguns Srs. Deputados tem declarado ter recebido muitas cartas e representações sobre este mesmo objecto, eu faço a mesma confusão. Eu tenho sido instado para fallar nesta materia; mas conhecendo que estaria incumbida á Commissão de legislação, e quanto ella é melindrosa, tinha-me abstido de instar pelo seu parecer, mas declaro, que é minha opinião, que o decreto de 13 de Agosto é um dos flagellos que assollam Portugal.

O Sr. Lopes Monteiro: - O Sr Alberto Carlos pedio a palavra para uma explicação:
não quero preveni-lo, aliás pediria ao Sr Deputado, que exige da Commissão de legislação um projecto sobre foraes, já, e com tanta pressa, que no-lo apresentasse.

Sr. Presidente, V. Exca., que tambem é membro da Commissão de legislação, e que tanto tem trabalhado neste objecto, sabe quanto elle é difficil, e melindroso, bem como a consideração em que o temos Exigiram-se os trabalhos feitos pelas antecedentes legislaturas; ao projecto que V. Exca. fez uniram-se-lhe os trabalhos de outros membros tambem muito distinctos, e tudo foi entregue ao Sr. José Homem Correia Telles, para nos apresentar um resultado, que satisfaça a exigencia dos povos, e a justiça dos interessados. Este negocio é daquelles, em que a pressa póde ser funesta precipitação, é preciso, que não sejamos tão léves, como o foram os que com mão ousada destruiram de um lance de pena o que havia de bom, e máo; e pelos suas abstracções cerebrinas reduziram a nossa terra á desgraça e confusão, em que a vemos, e de que tarde sahirá. Sr Presidente, eu tambem sou interessado em que terminemos o negocio dos foraes; varios amigos meus de diversos pontos da provincia do Minho m'o tem pedido com o maior interesse, mas entendo que devemos marchar com madureza e circumspecção e a alguem não apraz este systema, tem a iniciativa, use della, e por minha parte de bom grado lhe cedo a primazia.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu disse, que não sabia por onde se devia começar, porque só a parte dos papeis que me pertenceram é esta! (mostrou um grande volume) Demais, muitos objectos tem sido mais dados á Commissão, tambem de urgencia, como por exemplo, o de reforma judiciaria, liberdade de imprensa, orçamento, etc., e nem eu sei qual delles merece a primazia, porque todos urgem, como é sabido, e por tanto a Commissão tem mostrado seus desejos, dizendo que tem trabalhado, e continuará, mas que o não fará sem tempo, que para tudo é preciso, e especialmente uma materia tão melindrosa não se póde levar de improviso.

O Sr Presidente: - Eu creio que as vistas do Sr. Deputado, que fez o requerimento, são, o fazer com que se trabalhe neste negocio com a compativel brevidade, attenta a sua importancia: no entretanto, a Commissão ouvio o que disse o Sr. Deputado, e estou certo que ella apresentará o seu parecer com a brevidade que puder.

O Sr. Marquez de Loulé: - Pedi a palavra simplesmente para dizer, que fui incumbido pela Junta de parochia de Caifem para entregar neste Congresso um requerimento, pedindo providencias sobre a maneira como alli se cóbram certos impostos. Mando-o por tanto para a mesa.

O Sr. A. Garrett: - Tenho na minha mão um notavel documento, que recebi esta manhã pelo Correio. E um edital da Camara municipal do Porto, pelo qual se fez uma pauta nova, ou addicional, para a alfandega daquella cidade. Sem querer occupar o Congresso com uma cousa que deve ser primeiro examinada na Commissão competente, só direi, que vejo pelo edital da Camara do Porto, decretada uma pauta de alfandegas E supposto se diga no mesmo edital, que estes impostos são sobre os generos admittidos para consumo, com tudo, mandam-se arrecadar nas alfandegas. Não sei como á primeira vista se possa conhecer logo, se taes generos hão de ser consumidos no Porto, ou não. E é inquestionavel que se alli não fôrem consumidos, ficará o imposto não sobre os habitantes do Porto, mas sobre os que vierem a consumir os generos Peço pois, que este negocio seja remettido com urgencia á Commissão de administração publica, para dar sobre elle o seu parecer. Eu creio que a authoridade, em que a Camara municipal se estriba para ordenar isto, é tirada do artigo do Codigo administrativo: eu não questiono agora o principio, falo-hei em occasião opportuna. Sómente direi, que se as Camaras municipaes devem ser investidas do direito de pôr impostos desta grandeza, eu desde já sustento, que é contra todos os principios de direito, e contra todos os principios elementares e constitucionaes, que o corpo municipal de um districto qualquer, tenha direito de impôr tributos, que vão ferir habitantes de outros districtos.

O Sr. João Victorino: - Se V. As. admitte discussão sobre esta materia, eu peço a palavra para fallar sobre ella.

O Sr Presidente: - Isto não é outra cousa mais do que um requerimento, que faz o Sr. Deputado, mas ámanhã é que elle deve ter o seguimento preciso, não póde por isso entrar hoje em discussão.

O Sr. Barjona: - Eu posso dizer por parte da Commissão d'Administração publica, que no primeiro dia em que ella se reunir, ha de tomar este negocio em consideração.

O Sr. Alves do Rio: - Eu entendo que o Congresso só, não póde estar a tomar conhecimento de tudo isto em primeira instancia: - isto pertence ao concelho de districto, e nós não devemos intrometter-nos em cousas, que as leis tem estabelecido para quem se deve appellar dellas.

O Sr. Presidente: - A ordem agora é vir o requerimento para a mesa, e em occasião competente entrará em discussão não posso por tanto permittir discussão.

O Sr. Visconde de F. Arcada: - No entretanto direi, que V. Exa. tem dado a palavra a outros Srs Deputados para fallarem sobre este objecto, e por isso eu tenho igual direito para dizer alguma cousa.

O Sr, Presidente: - É verdade, mas eu tenho direito para chamar o Sr. Deputado á ordem, porque não póde fallar sem que eu primeiro lhe dê a palavra - passa-se por tanto á ordem do dia. O Sr. Santos Cruz pedio a palavra pela 3.ª vez: o Congresso já decidido que o Sr. José Estevão a tivesse pela 3.ª vez, proponho por tanto ao Congresso se concede, que tambem pela 3.ª vez falte o Sr. Santos Cruz.

O Congresso decidio que sim.

O Sr. Sunlos Cruz: - Tenho pela quarta vez a palavra nesta hora suprema da liberdade. Tenho-a por vossa graça especial, eu vo-la agradeço. Srs. em nome da Patria é um culto, e ainda um feudo a que ainda homem era a Divindade da Nação, e já não uma esperança o que me traz a esta tribuna Parlamentar. Em aquella urna pronunciando o veto, a dissolução e as duas Camaras, não ha mais Constituição de 22. Relevai me pois que acompanhe na sua ultima hora aquella victima sagrada!!!... Preciosa, Srs., assaz preciosa é hoje esta tribuna, pelos destinos, que encerra, e muito mais preciosa ainda quando tantos talentos, e tantas virtudes a disputam. Relevai me pois, que no momento de a deixar com saudade, eu a mantenha com firmesa. Não é o amor de um novo oratorio, o que tão frequente a ella me reconduz, não, as vaidades não chegam a este lugar! É o sentimento d'um amigo, que no processo d'um ente charo, vai depositar um gemido á barra do tribunal!!! E o que é a naturesa, Srs.! Ainda nenhuma lingua duvidou de ser eloquente em taes causas!! Eu que da minha tenho o coração cheio, eu que fallo, e represento a homers livres! Posso eu duvida-lo? Posso eu descrever o effeito que terá ainda sobre corações da Patria uma feliz palavra? Pedi-a pois, Srs., ainda esta vez, em nome da Patria, e pedi-a neste momento extremo da votação, porque uma Constituição nova se vai votar, que eu não sei se é nacional; porque irrevocavel, e precioso é este momento; porque de-

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pois da votação, tudo será um abysmo... Recuará a nação? Recuará a representação nacional? Pedi-a pois Srs., ainda uma vez; porque vos quiz fazer ainda uma vez meditar; porque errado o fatal lance, terrivel será ceder, terrivel avançar! Pedi-a em fim ainda uma vez, porque nada quiz deixar intemerato em assumpto tão grave; por quanto tendo sustentado a Constituição no meu primeiro discurso, n'um ponto de vista = legal = pelo direito publico positivo, ou pela vontade e razão escripta; tendo-a sustentado no meu segundo discurso, num aspecto = politico = pelo direito publico hypothetico, ou pelas circumstancias, e conveniencias Patrias; restava-me concidera-la n'um aspecto = phylosophico = pelo direito publico universal, ou pelos principios, e razão universal: = ponto de vista o mais analytico, e luminoso; e que, o que me parece ainda não ter sido tocado: é nesse terceiro aspecto, ou pela pura razão, e analyse, que eu vou pois considerar ainda a materia do veto, dissolução, e Camara privilegiada: = que ainda pelos principios aqui não foi tratada, mas só pelas conveniencia; argumentos que eu julgo sophismaticos. - Materia nova tinha pois ainda a propôr-vos; e se eu não tiver a felicidade de persuadir-vos, tenho ao menos o direito de interessar-vos. Guiado só do facho da razão. Alumno das sciencias exactas, mil vezes, antes de encetar uma carreira politica, tentei eu chamar os inexactos publicistas ao prisma da analyse, a jámais, por mais que se repitam, eu pude entender estas tres expressões = duas Camaras, veto, dissolução: = a pár destas = representação, vontade geral, soberania! = e então disse eu a mim mesmo - alto misterio aqui reina - ou antes pérfido sophisma, ou fórte incapacidade existe em tudo o que está escripto sobre os direitos das nações!!! Sim Srs., rasguemos as máscaras; a phylantropia, e a razão são nomes sonoros; dous grandes fados regem, e alteram o universo politico: - os principios, e os interesses: - daqui tanta obscuridade! nasce uma verdade, nasce a pár o seu sophisma; porque os interesses precisam deffender-se, e o erro é sempre a sombra d'uma verdade, que segue, como a noute ao dia; assim na natureza nasce o Zangão ao pé do favo, e o Acónito ao pé do trigo. Nasceu a soberania, a liberdade, e a representação, e veio logo acompanhada de seus terriveis satellites - dissolução, privilegio, e veto - e taes ficções correndo como principios nas gentes corruptas, ou nas capacidades mediocres, tem atravessado os seculos e as revoluções, e chegado até nós; e pasmado estou eu de tê-las hoje de combater aqui no seculo 19.°! Quando á mais simples intuição se pulverisam, e se revelam como puros interesses, e phantasticos sophysmas: obra por certo, é tudo isso da doutrinarios; mas quem crê hoje os doutrinarios, ou quem os combate já? (Murmurio) É com tudo preciso tolerar-lhes os murmurios, as calumnias, e os sophysmas, ou emmudece-los; porque elles não tem outra voz = a dos principios, a da verdade, a dos sentimentos, os perderia:... é generoso não lh'os exigir: quanto a mim, eu não espero que cessem os murmurios, em quanto houverem Catilinas no estado; mas eu não cessarei, de repulsa-los em quanto houver Tulios, que me ajudem a salvar a Patria.

Primeiramente Srs., eu declaro em resposta a todos os argumentos que aqui ouvi, que todos os raciocinios que se fundam no principio de desconfiança dos corpos electivos são contra-sensos improcedentes, e uma contradição manifesta á essencia, e fins, porque a mesma representação se fundou, e existe; porque Srs., as representações foram achadas para remedio aos governos, porque nelles não se confiava; e se as representações são suspeitas para que as levantaram? Srs., os governos fundados no direito divino, no da convenção, no da conquista (ou em fim em outras que se perdem na noute dos seculos), existiam até hoje sem ter representações nacionaes a pár. Se pois esses poderes governativos eram acreditados, ou se os electivos são igualmente suspeitos, para que foi levantar esta nova ordem de cousas. Estas representações, nacionaes da confiança do povo? De certo, os povos não inventaram as representações senão para fiscalisar por ellas os poderes governativas corrompidos para serem suas guardas; então agora já se suspeita das proprias guardas? Dos representantes! Então, achou-se tudo l!!... porque vem o absurdo. - Quis custodiet custodes? Quem guardará os guardas?!! Quem fiscalisará os representantes? Quem fisealisará os fiscalisadores? Serão os governos, que são os fiscalisados?... Aqui já ninguem se entende... e se vós dizeis que os eleitos do povo não são seguros, então nada é seguro, nada póde existir; nada basta; e aquella palavra absurdissima prostra toda a possibilidade do governo: se as emanações do povo pecam, então a prudencia humana não pode chegar a mais, esgotaram-se as garantias, deixemo-nos disto, e de nos governar-mos... Mas não, não se suspeita da representação; querem-se fascinar, intrigar (ou modernamente doutrinar). E todo este sophysma doutrinario ides vêr que é uma pura redundancia, um circulo vicioso, sem nexo, sem pensamento, sem finura ao menos, em fim uma pura imbecilidade. Tremendo-se da terrivel mas necessaria espada dos governos, podendo-a voltar contra os povos que lha confiaram, deu-se este escudo novo aos povos - a Representação nacional. - Então que quer dizer agora - dar ao throno no veto outra espada d'uma têmpera, que possa quebrar esse mesmo escudo popular! Então estamos na mesma - depois dar-lhe agora um Talisman, que a uma voz póde até paralisar, petrificar escudo, escudo, escudado, e tudo - a dissolução!!? O Talisman de Meduza?! Srs.! Não será isto redundar? Então diga-se: - que não se quer a representação nacional?!!!.... Se a morte, ou a vida dos poderes está na mão do Ministerio, então é alli que está a soberania; então não se minta aos povos: para que é dizer-lhe - que a soberania está na nação! - Srs., soberania, e dissolução, repugna. Onde ha esta como em França, e Inglaterra não ha verdadeira representação; mas tambem ninguem diz, que ha lá soberania nacional, - mas só privilegio; - e é a primeira vez que eu vejo junto num pacto, como no vosso - o privilegio, e a soberania nacional. - N'uma Carta, onde o principio é esse privilegio, ha dissolução, ha duas Camaras, ha todas as enormidades, porque o Rei é a unica soberania, e origem de todos os poderes; dá-os, guarda-os, reparte-os como quer: taes são as Cartas de Inglaterra, de França, e a nossa abolida; e essas ao menos são consequentes. - Privilegio, veto, e dissolução, tudo ahi está no centro, porque o centro tudo dá, e a soberania inteira alli reside; mas n'um pacto onde se faz a declaração dos direitos, onde se parte do principio da soberania nacional; vir amalgamar o privilegio, o veto, e a dissolução! E a primeira vez que vejo essa monstruosidade; e não me consta que publicista algum tenha confundido estas entidades: todos tem cuidadosamente distinguido Constituição de principio de privilegio, e Constituição de principio de soberania nacional, cartas de pactos, monumissões de regenerações, alforria de liberdade; e esta confusão do projecto nunca vista, não vinha em direito publico, senão na Hespanha; espero eu que por honra do Congresso não passe. Ha mais, Srs., com uma segunda Camara, e os vetos, (e saiba o povo este grande sophisma) o povo vem só a dar a nona parte da representação, e a lei não é vontade geral, é nona parte da vontade geral, porque se tres corpos fazem a lei a camara do povo faz um terço della; ora na camara do povo entram sempre dous terços de funccionarios, segundo o vosso projecto; logo a lei é um nono da vontade geral. Quereis a prova? Ella ahi está (apontando para a Camara). Ahi estão dous terços de funccionarios, e eu não os queria vêr mais aqui: os homens sim, faço-lhes honra: os funccionarios não!... não os queria ver aqui mais!... O meu projecto os exclue quasi na totalidade... Depois no systema dos vetos, a

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lei póde morrer por tres modos, e só por um póde ter vida: um tal systema é pois para fazer leis, ou para as vedar? Em fim os sophismas no systema do privilegio germinam, e negrejam por toda a parte. O explendor, a fortaleza do throno, que se quer armar com os vétos, o equilibrio, a democracia, todas essas grandes palavras são sophismas. N'uma nação grande póde haver essa decepção, de querer fortissimo o throno, porque maior e a reacção nacional, n'uma nação extença, populosa, civilisada, mais força e mais concentração deve ter a acção executiva, porque se perde n'um raio maior, porque se perde na maior resistencia phisica, na maior reacção moral de civilisação; mas n'uma nação pequena, fraca, ignorante, menos deve ser a força da execução, porque e menor o raio da acção, e menos a massa da reacção phisica, e moral. - O throno que tem de fazer-se obedecer a trinta e dous milhões de habitantes activos, n'um raio de trezentas legoas, não é o throno, que manda tres milhões de habitantes passivos com cem legoas de diametro.

Agora passarei ao argumento da letra dos nossos diplomas, que muito de preposito tenho negligenciado: parecia-me isso decidido por direito publico; e improprio da representação nacional ahi demorar-se nesse papel Ministerial, que cumpria restituir ao Ministerio, e nada mais; porque eu do Ministerio não recebi a investidura, mas do povo, no voto: e porque de tal diploma nada quero, nem sei que fazer. Primeiramente o diploma é absurdo, diz-se que nos conformemos a Europa ora se nos conformarmos á Inglaterra, cuja segunda Camara é nata, já não nos podemos conformar á França, onde e vitalicia; e menos á Hespanha, onde é eleita: = não entendo = nem ninguem entende diploma tal: nos havemos de conformar-nos, Srs., mas é a Portugal, que disse que a Camara era unica em 22, e agora = eu cá não lhe ouvi mais nada. Além disso, se eu hei de seguir o diploma do Ministerio, eu sou um representante do Ministerio, e eu digo = que não vim a isso cá = mas diz-se = o povo acceitou o diploma = a isso está respondido pelos publicistas; o povo não foi, nem póde ser consultado nesses casos as mezas é quem faz isso o povo faz o seu Deputado = pelo voto = e não pelo diploma, porque se o consultassem, cada assembléa dictaria um, e então era impossivel a representação. Logo, nem Ministerio, nem povo dão diplomas, quem os da é a Constituição do estado: - o povo dá plenos poderes para exercer dentro dos limites della, e dá um xoto, não póde dar mais nada é a doutrina dos publicistas os mesmos Srs. Ministros nos disseram que só tinham offerecido o diploma como programma, aliás Deos nos livre! Grave accusação lhes faria eu, se dissessem que mandavam a nação na sua soberania, que deram ordens á representação nacional! Então tinha-mos o parlamento de Izabel de Inglaterra, mandado por Raleig!!!?

De vagar, Srs.!... Não gastemos pois nisto nem uma palavra mais. Entremos no veto, e dissolução; e eu agora estabelecerei os seus principios constitucionaes, como fiz na Segunda camara, e nas mais questões que tenho tratado.

Véto, Srs., significa = não quero = e aqui já a razão recúa. Pois um ser diz á vontade geral = não quero? = Não, nenhum governo é tão immoral, que diga = não quero por minha propria vontade; = entende-se pois que quando o rei diz = não quero = é em nome da vontade geral. O rei diz = este acto do corpo legislativo não deve ser lei, porque não é a vontade do povo; = é pois a vontade geral, que se entende suspender-se a si mesmo na ordem constitucional. O véto pois importa um equivoco, e uma appellação para a vontade, e razão publica, e não póde por consequencia durar senão em quanto ella se não exprime n'uma segunda sessão legislativa: o véto é pois por sua propria natureza, e fins suspensivo, e temporario.

2.º O rei não póde querer o mal (diz o axioma constitucional, que lhe dá a inviolabilidade); elle pois não póde querer o véto senão em quanto duvida, e só até que saiba, que a lei é um bem nacional.

3.º Os fins do véto são aperfeiçoar as leis, cumpre pois que o véto as prorogue, e não que as mate.

4.º O rei diz «Olhai que esta lei não é boa, aperfeiçoal-a. Ora para aperfeiçoa-la, cumpre necessariamente que a discussão continue, e não que pare; cumpre que o véto espace, e não aniquille a lei. Que bello modo será de aperfeiçoar uma obra, faze-la parar!?

A experiencia do véto, dizeis vós, próva que elle não faz mal, não pésa; sim, Srs., aonde o não ha: a experiencia mostra pelo contrario, que elle é funesto, que é uma arma tão temeraria, que é só por seu desuso, que se próva a sua bondade, não se tem usado, diz-se, na Inglaterra por seculos, é verdade, e porque? Porque a segunda camara, satellite do throno, antecipa a sua acção, e mata no caminho as leis, que elle devia vedar, as que ao throno não agradam. Ah! Mas que terrivel é elle aonde se exerce, e póde pesar? Lede no manifesto da revolução de Virginia, de Julho de 1766, como elle pesou nos americanos inglezes «Oppondo-se (dizem elles) pelo direito negativo ás leis mais necessarias ao bem público, recusando toda a iniciativa das leis, que não tivessem a clausula; de suspender-se a sua execução até ao consentimento real, ficando assim suspensas por muitos annos, dissolvendo frequentemente o corpo legislativo, porque elle se oppunha valoroso ás usurpações sobre o povo, e recusando convocar outro por longo tempo, etc.» Que mais quereis ouvir, Srs.? São os mesmos inglezes, que dizeis felizes, os que assim fallam. Funesto é pois o véto aos póvos! E quanto mais funesto não tem elle sido aos thronos, que delle tem abusado! Foi elle o que abismou o throno da Polonia; foi elle o que fez essas duas illustres victimas, que aqui um orador veio recordar: foi elle, e não uma camara, quem produziu essas scenas da Rua do Parlamento, e da Praça da Revolução! Não, eu não quero, que ellas jámais existam, e por isso rejeito com horror a arma, que uma vez as póde provocar. O véto, diz-se, «é dado para defender a perpetuidade da corôa...» A legitimidade, ou perpetuidade hereditaria, Srs., existe entre nós pela constituição: a legitimidade não póde pois ser atacavel: e o véto não é jámais necessario: passemos a dissolução.

A dissolução, Srs., é um desmentido á soberania, é mil vezes peior que os vétos, é o despotismo em essencia, é a tyrannia de direito, e não de facto, eu a comparo ao poder do diluvio, é a cholera do Olympo abrindo as cataractas do Ceo, e submergindo a humanidade em vez de converte-la. Srs., a dissolução é a chave d'um abismo, é o punitum vitor d'um sistema politico. Duas terriveis alternativas se abrem ao ponto de toca-lo; se o rei dissolve, e é fraco, brota a revolução; se dissolve, e é forte, gera-se o despotismo: e que remedio nos dais vós contra a dissolução? Um remedio peior que o mal a negação de direitos, que póde por contra-choque ferir a nação, a revolução, que póde por um só golpe abismar o povo, e o estado! Não, Sr., eu não quero a revolução, e por isso quero o equilibrio da machina; quero que se possa revolucionar por meio de leis, para que se não precise revolucionar por meio de espadas, quero as reformações politicas, para evitar as reformações armadas, quero que o povo possa montar, e desmontar com a sua vontade as suas machinas, para que a força as não despedace; quero pois a dissolução pelo poder eleitoral.

A dissolução, ou o poder moderador, em não estando no povo, perturba a independencia dos poderes, porque se estiver nos poderes todos, esses poderes são a soberania, e a soberania acaba, se estiver n'um poder privilegiado, esse poder só existe, e mais nenhum ha; ou antes, esse poder é todos: é um, e tres, é o dogma trinitario em politica! Que será em fim agora um tal poder dado a uma mão inviolavel? Logo que alguém póde exercer todos os poderes, e exerce-los sem responsabilidade, invadirá todos, porque dis-

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solução é morte, e tudo horrorisa a morte; e toda a Camara será obxonia, em quanto sobre ella uma mão dissolvente pesar. A historia o mostra, (diz Pinheiro sobre o poder executivo) «em um throno podendo invadir o legislativo, acaba por despotismo a fórma do estado.» Tal foi o throno de Izabel em Inglaterra. Fazer uma camara dissoluvel é o sofisma dos ministerios; é o melhor modo de ministerialisa-la: ha pouco saimos desse abismo, para não voltarmos a elle. Tudo era devorista em Portugal, porque as Camaras eram ministeriaes: e as Camaras eram ministeriaes, porque tinham o véto, a dissolução, e o privilegio; porque a Carta era ministerial: a nossa experiencia ahi está, e alto falla. O poder moderador pois só póde estar no eleitoral pela natureza das cousas; ou estamos sempre no mesmo estado.

2.º É um principio de intelligencia «que a mão que cria, é a que póde anniquilar:» logo a acção dissolvente não está de direito senão no eleitoral.

Além disso o poder moderador só se exerce, quando ha perturbação entre os poderes, e mutuamente se accusam: logo se um desses poderes o tiver, vem a pronunciar-se a si mesmo; é juiz e parte: a moderação pois, e a dissolução só podem estar n'um corpo não poder, n'uma entidade fóra do sistema, n'um voto reservado, n'um corpo não executivo, não legislativo, não judicial; mas só consultivo do eleitoral, como é o senado (de que logo vou fallar-vos).

Agora farei o resumo dos argumentos todos aqui expendidos.

Mostrei pela analise à priori, que duas camaras, véto, e dissolução não estavam nos principios, ou em these; mostrei à posteriori, que elles não estavam nas nossas conveniencias, ou na hipothese; e que os argumentos do exemplo são contra producentem: que primeiro, o argumento de similltude de direito público das outras nações é contra producentem: o poder e que deu lá as suas instituições: as suas disposições são boas; porque são conformes ao principio que as deu, que é o poder; e não podem entre nós ser senão más, porque não são conformes ao principio, que as deu, que é o povo. Segundo, o argumento de similitude de direito hipothetico das outras nações é contra producentem, porque a propriedade está lá indiviza, e aqui dividida; e por tanto o que lá é bom para a maior parte, que são as classes, é o que aqui ha ser mão á maior parte, que são os individuos; porque a propriedade está aqui dividida nos individuos, e não nas classes.

Terceiro. o argumento de similitude de direito positivo das outras nações é contra producentem: lá foi bom o principio de privilegio na representação, porque o direito positivo das cartas o tinha: aqui é máo, e illegal, porque o direito positivo da Constituição não o tem.

Passo ao resumo da minha doutrina. Fundei a unidade da representação no principio constitucional, de que - a nação é unica; a soberania unica; os direitos dos homens iguaes; - e que repugna representação de segunda camara, porque é representar o representado, e legislar no legislado; e porque soberania, e privilegio excluem-se: em nenhum principio se fundam as duas camaras: o meu não foi destruido, nem podia sê-lo; logo a unidade da representação demonstrada existe. Aos sofismas de conveniencias europeas, de perfeição discussiva, de equilibrio de poderes, oppuz prepolentes inconvenientes, que os destruiam: mostrei que as analogias das nações eram falsas; que a perfectibilidade das discussões era illusoria; o equilibrio dos poderes, desequilibrio nacional: que tudo isto eram logares communs da logica dos privilegios: capitulações, e não principios, nas nações, que os adoptaram.

Fundei a limitação do véto n'outro eterno principio constitucional, que o rei não póde querer sendo o bem, e que por isso só póde querer o véto, até que a vontade nacional se exprima. Em nenhum principio se fundam os do véto absoluto: o meu não foi destruido, nem podia sê-lo; logo o véto limitado, demonstrado existe. Os sofismas do perigo de fallibilidade, e suspeitas dos congressos, de infallibilidade do throno, e de garantias no governo, revelei-os, e oppuz-lhe iguaes, ou maiores perigos, que os neutralisavam. Mostrei que o não confiar, e appellar do congresso era o argumento do acervalis; era guardar os guardas; era contra a hipothese constitucional; que a infalibilidade do throno era theocratica, e contra os factos; a garantia nos governos, ministerial, e contraria ás liberdades; que tudo uso eram allegações de logica do ministerio; era doutrinismo, e não principio, aonde tem vogado. Fundei a dissolução primaria no eterno principio, que só dissolve a mão, que cria; que não o póde fazer nenhum poder; porque não póde ser juiz e parte. Aos sofismas do principio moderador, e de tomar o senso eleitoral do povo por dissolução, oppuz os solidos argumentos, de que o moderador só póde estar n'uma mão reservada; e que demais cedendo a prerogativa real ao poder eleitoral, o que em ultima analise vem dar a elle, o poder dissolvente salva-se da inconveniencia de vêr-se ante o poder eleitoral anniquilado, e do abismo da revolução, ou da tirannia; porque em fim a vontade geral ha de marchar. E conclui, que um poder dissolvente era elle só, todos os tres poderes; era o dogma trinitario politico; era uma soberania mais que nacional, isto é, um logico contra-senso, e o privilegio reconquistado, onde quer que se dá.

Agora tirarei a conclusão de meus principios, e desenvolverei em poucas palavras o programma do projecto, que tive a honra de apresentar-vos: votei pela Constituição de 22; e eu digo com ella, attribuições só existirão; prerogativas pessoaes jámais. Todas, sejam de Ministros, sejam de classes, sejam de corpos, acabaram: duas prerogativas só ha n'uma nação livre; a do povo, e a do rei; soberania, e legitimidade. Sim Srs., e eu quero as bem salvas; porque só legitimidade, e soberania está na nossa Constituição, e nas nossas leis fundamentaes; nesse Liberi sumus, Rex liber est! Sim Srs. a soberania pre-existe, existe, e existirá no pacto; a legitimidade igualmente pre-existe, existe, e existirá no pacto; e eu a amo até porque ella é mais uma garantia da liberdade: e se a legitimidade o é, o que será a legitimidade da Filha de D. Pedro! do rei cidadão, do rei legislador, do rei soldado!!! Da nossa jovem rainha!!!... D'aquella que uniu nossas esperanças, e nossos braços na hora da agonia!!! D'aquella que nos enlaçou a Europa, e nos affiançou uma patria!!! D'aquella porque tantas vezes veio á nossa boca o tocante juramento = Moriamur = dos leaes Hungaros a Thereza d'Austria!!!... Sim Srs., soberania, e legitimidade, povo, e throno, é esse; mas só esse o meu progamma, nada mais; porque nada mais póde representar, nem ser representado. Quem quizer outras representações de classes, quem quizer uma nação de privilegios, procure-a, ou faça-a; porque esta aboliu-os, esta anivelou tudo, e não deixou senão dous pólos politicos, throno, e povo: throno, e povo, pois só existirá, e as oligarchias tem acabado. A representação popular, e real, é o que diz a Constituição; o que disseram todos os angulos do reino... nenhuma mais. A das classes... como? Quem a pediu? Onde? Que povo a proclamou? Srs., eu sou a voz do povo; se quereis que eu a vote, fazei-ma popular.

Estes eram os principios. Srs., cumpria pois um programma, que os desenvolvesse. Os vicios da Carta eram: - a falta de garantias, era o privilegio, era a anti-nacionalidade... em fim o Ministerialismo organisado - estes vicios a proscreveram; cahiremos nós no mesmo Ministerialismo, que está no novo projecto resuscitado? Que imprudencia. Srs.! quem ousará levantar essa bandeira cabida? Cumpria pois, affastar-se da Carta o mais possivel, e fazer um projecto, segundo a Constituição, e que tivesse popularidade, garantias, realidade; e em que a ordem representativa fôsse uma verdade, e não um sofisma; cumpria tirar a segunda Ca-

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mara do sistema; cumpria abolir o veto, a dissolução, e o moderador, como estão na Constituição; ou ao menos restitui-lo ao povo, a quem pertence; em summa, tira-los ao Ministerio, e da-los ao eleitoral; e para isso organisar no sentido dos principios, um senado, um Grande Jury, para ouvir o povo nos casos transcendentes; isto é uma grande deputação popular, e conservadora emanada da legislativa; porque isso era uma perfeição que faltava á Constituição, e completava o seu sistema de garantias reaes, e populares; numa palavra, era claro que sendo o espirito da nação, livrar-se da nullidade da Carta, substitui-la pela realidade da Constituição, e não reproduzir a mesma Carta... Para salvar a Constituição, para satisfazer á politica, e mesmo aperfeiçoar o sistema representativo; cumpria resolver o grande problema, que a tudo satisfazia, e era o problema de perfectibilidade dos publicistas, de combinar o principio Constitucional de unidade da Camara legislativa, com as pertendidas conveniencias dos vetos, e dissoluções. Creio que este problema está no meu projecto mais popularmente, do que em Constituição nenhuma resolvido; e que satisfazendo á politica o meu projecto, era a modificação que hoje á Constituição da nação cumpria; porque a conservava na sua essencia, e dogma; porque a completava no seu plano, e espirito; e porque o seculo não é para recuar, mas só para progredir; não fallo já da elegancia da redacção, e brevidade, assim como da eliminação das applicações ao Brasil, e redundancias regulamentares de que expurguei, e aperfeiçoei a nossa Constituição de 20, conservando a sua essencia e dogma d'uma maneira inteira, e escrupulosissima, e quanto possivel textual. Fiz a representação unica; porque é uma, unica, e indivisivel a soberania, e nenhuma secção do povo se póde attribui-la: fiz o veto limitado; porque o rei não póde querer o mal, e só póde querer o véto em quanto duvida; e porque o véto é para aperfeiçoar, e não para destruir. Puz a dissolução na mão eleitoral; porque a mão, que dissolve, é a mão, que cria; e quiz evitar as revoluções armadas, facilitando as reformações politicas. Cumpre desenvolver agora a minha ultima idéa, á do senado conservador, não legislativo. O elemento conservador, Srs., está na natureza, tinham-o os tribunaes em Roma, os parlamentos em França, e a chancellaria em Portugal; e elle estava na Constituição de 22; em parte confiado á deputação permanente... Elle está pois na natureza, e por mais que o eliminem, elle apparece sempre como elemento, segundo seus progressos, em todas as fórmas constitucionaes; porque elle é uma perfeição, e necessidade politica, elle existia; o seu erro era estar na mão dos Ministros: não fiz pois no meu projecto mais, senão passa-lo de uma mão para outra... pois, Srs., satisfazendo á politica, dar ainda á nobreza uma attribuição no estado, uma representação não; porque não ha segunda dose de representação; não se representa o representado. Não: a classe, o privilegio, não são estado: a classe e o privilegio não tem pois representação á parte. E com tudo não sou eu, que quero risca-lo de uma existencia politica; não sou eu, que sou inimigo da nobreza; eu respeito mesmo o prestigio desta antiguidade nobre, e ainda mais da nossa nobre por serviços á patria, e até á liberdade; (não fallo da aristocracia pretenciosa, ou da pecuniaria, essa odeio-a como degenere á igualdade, e tomo-a como perigosa á patria) fallo da verdadeira nobreza; eu a respeito, repito; mas privilegio de honra, posso eu dar-lho; de representação, jámais; porque ella não é um estado á parte, e então não seja um estado no estado; e estados só se representam, nada mais: e com tudo, Srs., eu não quero risca-la da lista politica; eu quero dar-lhe uma alta funcção no sistema: = a conservadora = funcção á parte podemos nós dar-lhe; mas representação á parte, soberania á classe, ao privilegio, jamais: entrem na representação geral, nella, só, porque os direitos são iguaes; e não me digam que a propriedade deve ser representada á parte... não me perguntem, que tem a representar o proletario... o homem sem propriedade; porque eu lhes respondo: - que tem uma vida, que tem uma honra, e talvez porque tem uma honra, não tenha uma propriedade!!! Srs., o direito do que tem muito, não é maior do que o direito do que tem pouco; o que é maior, é o objecto desse direito; mas o direito é igual. O direito do que tem uma casaca, é igual ao do que tem cem casacas. Se o grande proprietario paga maiores encargos ao estado, lá está compensado; por que tambem o estado despende maior serviço com elle, em defender-lhe as suas mil casas, os seus mil armazens, o seu infinito material; mas ante a lei é um individuo, o seu maior interesse, nem por isso lhe dá maior direito a ser representado á parte; porque isso é baixo, infame, absurdo: não, Srs., não é o material, que se representa, é o ente moral livre. Não se trata pois, Srs., de dar uma representação a classe alguma á parte, não; e a nobreza não tem representação, senão a geral. Propondo-vos pois, dar-lhes as altas funcções de conservadora, eu só vou buscar no seu alto nascimento o que só n'elle está, que é a equidistancia do throno, e do povo; eu não vou buscar o que no nascimento não está, nem póde estar, que é a representação á parte. Julgadores das altas authoridades, e dos altos vetos constitucionaes, vigiadores da patria, e do codigo, na nossa ausencia; depositarios do poder conservador do estado; com a vantagem verdadeiramente monarchica, que lhes dá a perpetuidade de cargo nato, e com a unção verdadeiramente popular, que lhes dá a eleição bienal, e o elemento dos notaveis; o senado (sem legislar, sem executar, sem administrar) para a sua funcção reservada de conservador, ou do Grande Jury, reunirá em si ao mesmo tempo pela sua formação, a garantia da independencia do corpo, e a legalidade da vontade popular; e eis como a aristocracia póde ser constitucionalisada; e só na ordem conservadora, que póde ter parte no estado. Sim Srs., o poder conservador, para o ser, só póde ser formado da nobreza, e das notabilidades. Sim Srs., a potencia conservadora para poder pronunciar entre os poderes, deve não ser poder, deve ser um voto reservado: ella não póde ser nenhum dos poderes; por que sendo um d'elles, será juiz e parte. Nenhum poder tambem póde ser conservador; porque é sobre os poderes, que o conservador pronuncia, e não póde a si mesmo pronunciar-se; um só corpo pois póde ser conservador, um que esteja fóra da esfera; que não seja legislativo, nem judicial, nem executivo, um que não exerça; masque tenha só - o voto reservado - um em fim, que esteja fora dos poderes todos pelo nascimento, pela independencia, e pela não funccionalidade; é pois só a attribuição conservadora, que naturalmente compete ao corpo pareal; é pois só também, o corpo pareal competente para a funcção conservadora.

É neste sentido que, attendendo á politica das opiniões europeas, e á dos interesses, e partidos patrios, eu sustentei o principio da Constituição na divisão dos poderes, e os interesses dos nobres, quanto com ella se podiam compadecer; e dei ao corpo pareal uma funcção, que a elle compete, que a Constituição admitte, e que lhe falta; uma funcção que a ambos convém, que funccionalisa a alta nobreza, e as notabilidades, e completa a Constituição patria. Resumindo-me: respeitando a divisão dos poderes, eu não posso jamais fazer o Throno legislativo, assim como não faço o Congresso executivo: respeitando a unidade representativa, eu não fiz a fidalguia legislativa, porque partes não legislam, porque lei é a vontade geral: n'uma palavra corpos co-legislativos é absurdo, como teria corpos co-executivos: e trindade legislativa é um pleunasmo, um commento, uma visão das cartas. Concluo: Srs., no meu projecto, e só no meu projecto, o rigor da Constituição está desempenhado, as conveniencias politicas respeitadas, o corpo pareal no sistema encorporado, e a uniformidade da Europa, quanto cabe em nosso, direito publico, procurada: o povo só legisla; o Throno

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só executa: o pareal, e a notabilidade, que não é um estado, mas uma classe, não podendo fazer uma representação, fazem uma funcção reservada no estado, a conservadora (ou o exercicio da prerogativa moderadora real): podendo aliás entrar na representação, mas na representação geral; forque o que se representa, é a soberania, e a soberania é a de todos, é indivisivel, e em nenhuma fracção do povo está. Tambem organisei o poder administrativo no meu projecto, e nisto direi duas palavras. As bases constitucionaes do poder administrativo estavam absolutamente mconstituidas nas Constituições até hoje. No artigo Camaras municipaes diz-se simplesmente nas Constituições, que uma lei marcará suas uteis attribuições municipaes, e economicas, e não se faz dellas artigo constitucional, porque se não julga corpo constituido, ou se julga o seu poder no executivo encorporado... E qual poder, Srs.? O poder das contribuições? O poder da representação local? Um poder deliberativo, e analogo ao das Côrtes, e nellas naturalmente filiado?!!! Isto era uma anomalia, uma lacuna, eu enchi pois essa lacuna; erigi constitucionalmente o poder municipal, (ou administrativo interno) em poder; porque é um verdadeiro poder do estado, e porque centralisado é uma dictadoria, uma usurpação do throno sobre o povo, uma prefeitura napoleonica: e porque centralisados a responsabilidade, principal caracter de uma instituição, não a ha; porque quando se procura essa responsabilidade, diz Benjamim, tom. 4. pag. 28 = O administrador do concelho rejeita-a sobre o - Maire - este sobre o administrador geral; este sobre o Ministerio; e o cidadão, para effectibilisar os seus direitos, tem de viajar cem legoas até ao centro do sistema; e combater um exercito de authoridades arranjadas em batalha. = Logo sejam as authoridades responsaveis tambem nos corpos, d'ante quem executam, e ás localidades cujos interesses gerem; salvo o recurso ao throno, de que dependem: esta opinião, contra a centralidade do poder administrativo interno, é tambem a de Villele, cuja authoridade não será suspeita, mesmo aos partidistas da ministerialidade.

Eis-aqui, Sr., o meu projecto de Constituição desenvolvido, e explicado em geral. Eis-ahi sim o programma de Portugal = dirá alguem = mas o programma da Europa, as conveniencias, as analogias de Hespanha estarão lá neste projecto?

Senhores, a analogia, ou antes a pupillagem de Portugal á Hespanha, é uma pura ficção; é um falso falsissimo principio de historia se alguma cousa ha diverso de Hespanha é Portugal. Andamos nós, ou andaremos nós ao nivel da Hespanha jámais? Ah! Riscai, riscai esse adagio imbecil, e - bamal! - Quando nós tinhamos duas Camaras, a Hespanha tinha Estamentos, quando Lisboa tinha uma Carta, Madrid tinha um estatuto real, que é em fim o que de lá nos tem vindo? A inquisição, a tortura, os dizimos, e a fabrica feudal, instituições degeneres, brutaes, retrogadas: e a nossa Lusitania foi desde o berço livre, e democratica (apoiado, apoiado) sim, os antigos Lusitanos eram livres, e democratas; nossos Reis, e nossas Constituições eram democraticas, e nossas Côrtes, e nossa Rainha, hoje são democraticas, amam as instituições populares, porque este foi sempre o nosso caracter. E aqui que Sexto Pompeu achou ainda companheiros d'armas, é aqui que as aguias foragidas de Roma acharam os ultimos combatentes pela romana expirante liberdade!

Monarchia pois democratica é o que sempre existiu, e existirá em Portugal... E a Europa? Srs. então nosso pacto faz-se em Paris, ou em Londres? Então que o digam d'uma vez Londres, ou Paris, e que se deixem as nações de ser nações... Ah! Srs. que immoral é o nosso seculo! Quando se usou isto no mundo? Quando importou a uma nação o que as outras queriam, o que as outras faziam, ou como as outras se governavam! Importava-lhes ou conquistar, ou nada; não se sabia o que era interferir, só o que era guerrear ... Mas hoje mesmo ... quem nos diz que as nações lhes importa as outras? Pois os Inglezes, ou os Francezes importa-lhes, que nós sejamos livres? Não; quem lhes importa isso são os funccionarios, Francezes, Inglezes, Russos; uma gente que vive disso: os Inglezes, e Francezes, não. O que é pois que chamais nações? Acaso será isso, que ahi anda a chamar-se França, Inglaterra?... isso que fez bulha, isso que eu chamo espantalhos de nações, isso que se quer dar corpo, e ser mundo; essa duzia abstracta de gentes - en place, gabinetes, diplomaticos, estados maiores, almirantados, em fim funccionarios? Sim os Ministerios? Essa duzia de particulas leves, que o povo eleva, e despuma, e que hoje passam rapidamente na scena politica, sem deixarem mais vestigio que o seu nome no almanak? Isso já não é de si; isso é dos póvos; isso está hoje ás ordens dos póvos, e se não for dos póvos, não será obedecido; será substituido successivamente, ou não será nada: sim os póvos estão entendidos, e são já hoje uma cousa á parte dos governantes os povos hão de ir, e sempre ir ao seu alvo, e hão de despumar successivamente essa gente de revolução em revolução, até as apurarem.

Sim, Srs., isso de classes já não póde servir para obstar as revoluções, porque isso mesmo já é a revolução: os exercitos são a revolução, as esquadras são a revolução, as administrações, e os tribunaes isso não póde pois já servir para fazer contra revoluções, mas só conspirações; porque revolução é tudo revoluções já não póde haver, conspirações contra ella é o que só apparecer poderá, porque, Srs., o movimento é infinito, e o que não é revolucionario, será revolucionado. Europas! Europas! Pois, são gritos dos doutrinarios, que já não valem a pena de dizer-se á gente sensata. A nossa Europa é que existe, a Europa delles é que já não ha.

Legisladores pois, por vós, por ella, pela nação, dai á nação a sua obra, a Constituição jurada. Ah! Ella é só a nacional. Cercada do prestigio do povo que a sanccionou, brilhante do lustre dos talentos, que a levantaram; ungida do sangue dos bravos que a defenderam; despojada dos estandartes dos guerreiros que a recordam em seus campos: primogenita da gloria portuguesa, que a criou em seus arrames, ella é o prestigio, o amor, o pensamento do povo, e já mais um pacto escripto, teve no altar civico, mais intensos nacionaes. Por ella chamava a nação em 26, quando as facções dividiam a patria; por ella chamava a nação em 36, quando os agiotas devoravam o erario; por ella chama ainda neste momento a nação, quando tremula e vê pendente da voz de seus representantes. Legisladores, ainda uma vez, por vós, por ella, pela nação, dai ao povo a sua obra, a Constituição jurada, ella é só o nacional, quereis dar-lhe o pomo da discordia, a Carta! Ah! Dai-lhe o simbolo da paz, dai-lhe o idolo de suas simpathias, não envejeis a sua obra a um povo exausto, forte, generoso, e ensanguentado! Salvai, Srs., que inda é tempo a nobre victima nacional. Insisto em propor a Constituição de 20 no meu projecto modificada. rejeito a nova Constituição do projecto commissional.

O Sr. A. Garrett: - O Sr Deputado concluiu o seu discurso, propondo que o projecto por elle apresentado fosse tomado em consideração pelo Congresso apoio esta moção, porque entendo que não se oppõe ao projecto da Commissão, nem este ao outro, e então não acho inconveniente algum em que o projecto do illustre Deputado se tome em consideração no progresso da discussão especial. (Apoiado.) Estou intimamente convencido que não se prejudicam um ao outro. Eu vejo exaradas no projecto do Sr. Deputado, (que eu meditei profundamente, como elle merece, e o merecem os talentos do sou author) vejo os mesmos principios do projecto da Commissão, posto que vejo variedade sobre o methodo e modos; e nisto conveio é Sr. Deputado comigo era um conversação que ambos tivemos. - O pro-

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jecto novo estabeleceu, assim como o da Commissão, uma unica Representação Nacional, pedida pela Constituição de 22. - Não este o logar de provar o que digo, mas protesto que em occasião opportuna o hei de fazer. - Vejo tambem no projecto da Commissão - o throno unico - do mesmo modo que no projecto do Sr. Deputado, e do mesmo modo que o pedimos todas os Portugueses, assim como as bases da Constituição de 22. - Vejo no projecto da Commissão o principio conservador, assim como o vejo no projecto do Sr. Deputado, ainda que encarregado a um corpo differente; e quando chegar-mos a organisar este corpo, então trataremos da preferencia: mas o Sr. Deputado não póde deixar de convir no principio. - Por fim de contas, examinado não só os dous projectos, mas todas as opiniões ácerca delles aqui emittidas, com consciencia, (que estou persuadido todas as foram com ella) vejo que todos queremos uma Representação popular; vejo que todos queremos um throno unico; vrjo que, todos queremos um principio conservador (ou chame-se-lhe moderador, que é a mesma cousa). E como querem que noventa e tantos homens, caminhem a um fim pelo mesmo methodo? Não é pouco que todos admittam os mesmos principios. E já não é pequena cousa, nem pouco progresso de politica. O mesmo Sr. Deputado que propõe uma Camara unica, não divergiu, nem n'um ponto desses principios. - Se as nossas opiniões não fôssem tão variadas, se fôssem uma só, nós seria-mos um Congresso de facção; sêlo-hia-mos se não variassemos em modos e methodos; se tivessemos a mesma opinião, seriam as nossas discussões uma farça ridicula, ensaiada para ser representada diante do povo. A próva maior que damos da nossa independencia, é que quasi todos combinamos nos principios, e todavia disputâmos sobre modos o methodos. O illustre Deputado pareceu ainda agora que nos excedia em principios liberaes: eu peço perdão para o contradizer, e declarar, que votando pelo projecto da Commissão, rejeito toda a hypothese de privilegio, e que a hei de combater.

Uma voz: - Não ha lá isso.

O Orador: - Se lá o houver hei de votar contra; mas tambem não acho que o haja. - O que eu quero dizer sobre a ordem, para que pedi a palavra, é que nenhum do nós entende, que por approvar agora a generalidade do projecto da Commissão approve todas as partes desse projecto. (Apoiado. Apoiado.) Quanto a mim, não só as não approvo, mas rejeito algumas. Logo como se póde dizer, que approvando a generalidade do projecto, se approvam todas as suas consequencias? Não approvámos tal: aprovámos um thema de discussão, e mais nada. - Falla-se n'uma segunda Camara; falla-se n'outro corpo, a que se chama Senado conservador; falla-se em Camaras co-legislativas. Mas acaso approvámos nós já o methodo do projecto da Commissão? Não. Como então cubrimos nós já a uma de um véo funeral? Segundo disse o illustre Deputado...

O Sr. Santos Cruz: - Eu disse se...

O Orador: - Mas o se não está na generalidade do projecto, nem no do Sr. Deputado, nem em nenhum dos outros. - Voto pois pelo projecto da Commissão em geral, porque contém os princípios admissiveis, principios que igualmente se contém no projecto do Sr. Deputado: approvo-o, porque vejo nelle uma unica Representação Nacional; approvo-o, porque vejo nelle um unico throno; e approvo-o, porque vejo nelle um encadeamento geral que me agrada, e que é fundado nas bases de toda a Constituição possivel. Mas, repito a declaração de que voto por elle em sua generalidade, sem que este meu voto me obrigue a admittir absolutamente e puramente nenhuma de suas especialidades. Uma cousa ha, por exemplo, que eu declaro já, e é, que não reconheço a eleição como unico methodo de se transmittir a delegação popular: e que quando as Côrtes venham a decretar essa these, a ella me hei de submetter certamente; mas então, como os seus defensores, eu hei de tambem apellar para as opiniões e paixões populares, applicando o seu rigor aos juizes, aos magistrados, a todas as ordens. Em fim hei de tirar taes consequencias do principio de eleição geral, que hão de espantar o Sr. Deputado. (Apoiado, Apoiado.)

O Sr. Judici Samora: - O Sr. Deputado Santos Cruz fallou tão largamente, e com tanta novidade sobre a materia, que me parece excitou, respostas, tom que talvez está discussão se alongue a muito mais do que seria necessario. Creio pois que para evitar esse inconveniente, tão seria máu que o illustre Deputado relator da Commissão de Constituição désse algumas explicações em resposta á materia e factos apresentados pelo illustre Deputado. Pediria por tanto a V. Exca. quizesse convidar o illustre relator da Commissão a tomar a palavra, com preferencia a outros quaesquer Srs. Deputados, convindo o Congresso nisto.

O Sr. Santos Cruz: - Explicações do que eu disse, só eu as posso dar. (Riso.)

O Sr. Gorjão Henriques: - Constituido nas mesmas circumstancias que o nobre Deputado o Sr. Santos Cruz, e tendo pedido a palavra para fallar sobre a ordem, tratarei de não sair della, nem n'um só ponto. O Sr. Santos Cruz disse, que tinha lançado mais uma pedra para se fazer perfeito, a seu modo de pensar, este edificio social, em que estamos trabalhando: a sua boa fé, os seus principios lhe fizeram, lançar essa pedra; eu lancei tambem uma pedra neste mesmo edificio; a minha boa fé, os meus principios, e a intima convicção de que vai bem á minha Nação nisto, (apoiado) me fez tambem lançar esta pedra. Com tudo, Sr. Presidente, nós não lançámos esta pedra para ella ficar abandonada, ou para ella ficar de tal modo empregada nesse edificio, que a sua força e utilidade se torne illusoria. Sr. Presidente, nós offerecemos cada um seu projecto de Constituição; e ainda que o nobre Deputado por Portalegre disse hontem para me combater, que eu tinha offerecido uma substituição, enganou-se, ou não me ouvio, ou não leu nenhum dos jornaes em que bem ou mal extractado vem a minha falla: eu offereci uma Carta Constitucional de 1826 para Servir de base á lei fundamental, e offereci-a como projecto; porque entendi que era tudo quanto me permittia a minha procuração, segundo a demonstração que fiz, restando-me o sentimento de, por tal motivo, a fazer descer assim do supremo logar, que entendo ella merece, e pelo sublime apreço, e alto respeito que lhe tributo. V. Exca. foi quem disse, que seria recebida como uma substituição; creio que isto é exacto: entre tanto não foi essa a minha proposição. (Apoiado.)

Ora, Sr. Presidente, ainda o Congresso não decidio, se tanto o meu projecto, como o do Sr. Santos Cruz deve ser tomado como projecto, ou como substituição: todos sabem que os projectos teem uma marcha, e um logar proprio; as substituições tambem o tem; nem eu vejo escripto na Constituição, ou no regimento, que eu estivesse fóra da occasião de offerecer um projecto de Constituição na occasião em que o fiz; e se a prática tem admittido outras formalidades parlamentares, não entendo porque ellas se hão da dispensar em outras occasiões, e com outros Srs. Deputados, e não hão de alterar-se em objecto de tanta monta, e comigo, e com o Sr. Santos Cruz? (Apoiado.) Em consequencia, Sr. Presidente, não me satisfaz a rasão de se dizer, que na discussão especial podem ser recebidos, e adoptadas as idéas de um ou outro projecto - isso estava visto: todas ellas hão de ser recebidos, quando se julgarem boas, e adquadas; mas differente é receber as idéas emittidas n'um, ou n'outro projecto, ou receber o mesmo projecto (apoiado); então de que serviam os projectos? Bastavam idéas. Ora bem, temos por tanto, que interessa muito essa resolução preliminar, e essa me ha de servir para a maneira, porque hei de votar; porque a minha votação ha de ser condicional: eu disse que se o meu projecto não passasse, eu votaria então pelo projecto

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adoptado pela Commissão; por tanto, Sr. Presidente, eu não quero agora motivar novamente o meu projecto, e tomar de novo o tempo ao Congresso, que bem me ouvio na sessão de Sabbado ultimo, e se fôsse necessario, eu diria que se lesse a minha falta na dita sessão; porque alli disse os motivos, porque assentava que devia ser recebido o meu projecto: e de novo os ratifico, tanto mais que só tenho sido combatido em palavras, ou exactidão de factos, ficando intactos de refutação os meus argumentos; é de primeira necessidade, e da razão de igualdade, e do decoro deste Congresso, e da satisfação aos constituintes de dous Deputados, que se apartaram deste projecto de com missão, que elles não deixem esta questão no esquecimento, e o Congresso decida te os nossos são projectos para passarem pelos tramites da lei, ou se hão de ser considerados meramente substituições: eu qualquer destas decisões sollicito instantemente, porque no que acabo de dizer tenho conseguido os meus fins; e bem visto é, que eu tenho de submeter-me, ainda mesmo sem convicção, e sem voluntariedade á decisão que este Congresso tomar sobre tal questão de ordem. (Apoiado.)

O Sr. Presidente: - Sobre o requerimento do Sr. Deputado tenho a dizer que, quando se descutem os projectos na sua generalidade, e se appresentam outros projectos em logar daquelles, combatendo-se esses que estão em discussão, não podem chamar-se se não substituições: nesse caso o regimento é expresso, ficam para se discutir depois de regeitado o projecto, que está em discussão; por tanto a esse respeito não tenho a consultar o Congresso. Agora pelo que toca a dizer o Sr. Deputado, que sendo a um projecto preciso passar pelos tramites ordinarios, é uma verdade; quando se apresentam nos termos ordinarios, fóra da discussão d'outros; mas para isso era perciso que se inscrevesse para apresentar um projecto, que tivesse uma primeira, e segunda feitura, e depois fôsse para a Commissão; porém o Sr. Deputado não usou, aqui do modo de apresentar os projectos para seguirem os tramites ordinarios, mas sim uma substituição á totalidade do projecto; e essa substituição, que o Sr. Deputado apresentou, não póde deixar de ter o seguimento marcado no regimento, que é ficar para entrar em discussão depois de regeitado o projecto, que está em discussão, e sem suspender esta.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu pedi a palavra sobre a ordem, quando faltava o Sr. Deputado Garrett; porque me pareceu que estava fallando fóra da ordem: o objecto de que se tratava, era se o projecto do Sr. Santos Cruz devia, ou não, entrar em discussão já; mas o Sr. Deputado saío fóra d'esta questão, e como saío fóra della de uma maneira que me pareceu inexacta, e querendo eu dar algumas explicações, por isso a pedi sobre a ordem. S. Sa. estendeu-se a asseverar que todos estavamos conformes em principios; eu não sei se estamos conformes, ou não, em principios; sei que estamos discordes em palavras. - Ora se essas palavras significam alguma cousa de real, parece-me que estamos tambem discordes em principios. Aproveitei esta occasião para declarar da minha parte, que estou discorde em palavras com o Sr. Deputado; e parece-me que tambem em principios, se as palavras significam alguma cousa.

S. Sa. prometteu apresentar grandes argumentos deduzidos da necessidade, que havia de delegação immediata do povo para todos os funccionarios da Nação; tambem lhe prometto, quando se tratar dessa questão, que hei de demonstrar com bons argumentos, que as delegações em materias executivas podem até admittir subdelegações; mas em materias legislativas não podem admittir subdelegações, nem delegações de longo praso:

O Sr. José Estevão: - Levanto-me simplesmente para fazer uma declaração, que eu entendia nunca me seria preciso fazer depois de ter pronunciado tão clara e solemnemente as minhas opiniões, depois de ter redarguido os Srs. Deputados, que discordam dellas. Disse-se, que todos estão concordes em principios; declaro, que não estavam com os principios da Commissão. Isto era o que eu tinha a dizer, quando pedi a palavra; mas agora sobre esta questão de ordem, que posteriormente se moveu, direi, que se o Sr. Deputado que apresentou como projecto, para servir de base á nova Constituição, a Carta de 26, exige que elle entre em discussão com o projecto do Sr. Cruz, está no seu direito; porque todas as Constituições do mundo possiveis, existentes, e imaginarias, podem ser apresentadas na discussão do projecto; por que cada um de nós póde ter uma Constituição, porque seja apaixonado, e que queira apresentar por thema das nossas discussões: isto todos o sabemos, e ninguem o contesta. É preciso porém advertir, que para isto é indispensavel, que o Sr. Deputado apresente a Carta de 26 como uma concepção sua, como uma organisação filha dos seus proprios pensamentos; porque se a apresentar como as instituições, que foram abolidas, digo, que nem o Congresso tem direito de aceitar para a discussão, nem o Sr. Deputado de as apresentar; e quem tirou esse direito ao Sr. Deputado, foi elle mesmo, que aceitou uma procuração filha da revolução, que destruio a Carta, que elle agora nos apresenta para base da discussão. O projecto do Sr. Cruz não tem as antipathias nacionaes, é uma concepção sua, e não experimentada; e a Carta de 26 rejeitou-a o paiz por acanhada em garantias, e mentirosa em suas promessas.

O. Sr. Costa Cabral: - Eu pedi a palavra sobre a ordem , quando o Sr. Judice pedio, que se consultasse o Congresso se devia ser immediatamente ouvido depois do Sr. Cruz, o Sr. Leonel, como relator da Commissão; fundando-se o Sr. Deputado, em que tendo o Sr. Santos Cruz apresentado argumentos deduzidos de factos, seria conveniente que fosse ouvido o Sr. Leonel para explicar esses mesmos factos. Ora, Sr. Presidente, é preciso que se não faça tão grande abuso do artigo do regimento, que regula esta materia; nem eu quizera que apparecesse um tal requerimento; porque nem o Congresso podia obrigar o relator da Commissão a fallar, nem o Sr. Deputado tinha ainda pedido a palavra para explicar factos, e não julgo mesmo - que o Sr. Deputado se podesse fazer procurador do Sr. relactor da Commissão; em consequencia d'isto parece-me, que não póde ter logar a moção de ordem proposta pelo Sr. Judice. Agora pelo que diz respeito nessas pedras lançadas no Congresso para servirem de base á Constituição, eu não posso ser suspeito nesta materia, por que sou um dos que mais tenho impugnado o projecto em discussão; mas entendo que é fóra da ordem exigir-se, que o projecto do Sr. Cruz, ou outro qualquer entre em discussão: se for rejeitado o da Commissão, então entrarão os dos Srs. Deputados. O Sr. Gorjão atirou tambem com uma pedra, que fui a Carta de 26; é verdade, que já um outro Sr. Deputado (o Sr. Lemos) nos havia lançado essa mesma pedra com uma pequena alteração, tal, por exemplo, que o jury seja electivo: se n'isto julga o Sr. Deputado ter feito grande serviço, então pertencem as honras a quem tomou a iniciativa!... Em consequencia parece-me, que a ordem dos trabalhos é continuar a discussão sobre o projecto da Constituição; se por acaso fôr rejeitado entrarão em discussão os projectos dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Essa era a ordem, que já hontem se transtornou, e hoje se vai transtornando de modo, que acabaremos a Sessão sem fazer nada.

O Sr. Santos Cruz: - Uma vez que eu disse, que deixava o destino do meu projecto ao Congresso, spu consequente; e por tanto não tenho nada a dizer sobre elle, ou sobre o que delle deve fazer-se: o que peço, é que, quando se pozer á votação tão vital assumpto, esta seja nominal (apoiado): e em segundo logar peço, que se vote no projecto de Constituição da Commissão sem prejudicar os outros projectos: neste estado de cousas não posso pedir mais

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nada - visto, que a admissão do projecto da Commissão está vencida, senão convencida.

O Sr. Silva Sanches: - Eu não sei sobre que tem versado esta questão de ordem; porque o illustre Deputado, o Sr. Santos Cruz, não fez requerimento algum; e se requerimento não fez, sobre que se discorre? Sobre a ordem? O Sr. Santos Cruz, como acaba de dizer, deixou ao Congresso o tomar ou não o seu projecto em consideração. Elle deve estar certo, que o seu projecto ainda que o da Commissão se approve na generalidade, não fica prejudicado. Elle fica com tanto direito, como tinha antes d'essa approvação (se ella tiver logar) de na discussão em especial apresentar como substituição a cada um dos artigos da Commissão os artigos do seu projecto: onde se propoem o veto absoluto, póde elle propôr o suspensivo; onde se dá o direito de dissolução, nega-lo; onde se apresenta uma segunda Camara composta de tal maneira, propôr o seu methodo, ou Senado: fica com este direito, embora o projecto da Commissão seja approvado. O Sr. Deputado Gorjão fica igualmente com o direito, ainda que o seu projecto não seja agora approvado, de tambem a cada um dos artigos offerecer esses artigos d'aquella pedra, com que atirou ao Congresso, e substitui-los aos do projecto. Mas o que tem sido sempre ordem, e o que está no nosso regimento, é que, quando um projecto está em discussão, se não póde fazer sobre-estar esta discussão com a apresentação d'outro qualquer projecto. Podem sim apresentar-se projectos em substituição a esse, mas lá está o artigo 82 do regimento que diz, que as substituições só podem discutir-se depois de rejeitado o projecto em discussão (leu). Por consequencia já vê o Sr. Gorjão, que tendo apresentado o projecto, quando o da Commissão já estava muito discutido, só como substituição podia ser apresentado, e como tal só poderá entrar em discussão, se o da Commissão fôr rejeitado. Isto é tambem conforme a todos os precedentes. Mas é tambem preciso saber-se, que a Commissão teve a Constituição de 22, e a Carta de 26 em vista, e que as considerou como projectos.

Eu entendo, que sobre estes projectos a convidou o Congresso a dar o seu parecer; e o parecer que a Commissão deu, está no seu projecto.

Parece-me, impossivel, absolutamente impossivel, que o Sr. Deputado não reconheça haver na Carta algumas cousas dignas de reforma. Inutil por isso me parece tê-la apresentado como projecto, quando a Commissão considerando-a como tal, já lhe fez as alterações, que entendeo dever fazer-lhe. Se o nobre Deputado pensa, que ella lhe não faz todas as necessarias, na discussão especial póde propôr as que faltarem: se julga terem-se-lhe feito mais, que as necessarias, póde propôr a suppressão d'algumas.

Por consequencia é inutil esta discussão: e para não continuar por mais tempo, pediria a V. Exa. que pondo um termo á chamada questão d'ordem, que não póde ter resultado algum, continuasse a dar a palavra aos Srs., que a tem sobre a materia. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Rodrigo Salasar: - Sr. Presidente, quando hontem pedi a palavra, foi unicamente com o fim de motivar o meu voto. Profundamente tratada a questão por tão abalisados engenhos, e eloquentissimos oradores, nada poderia eu acrescentar, que merecesse a attenção d'este illuminado Congresso: isto nada mais seria, do que repisar um objecto, que o tem já sido de sobejo, e sobre que o Congresso está mostrando um manifesto tédio.

Hontem se apresentou um requerimento tendente a este fim; e eu vi com magoa, que elle produzisse um effeito inteiramente contrario áquelle e que se propunha. Sou o ultimo talvez a quem se deve a palavra: não hesito em desistir d'ella, para que desta maneira só possa entrar quanto antes na votação.

Alguns Srs. que tambem tinham a palavra, cederam della.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Leonel.

(Vozes: - Cêda, cêda.)

O Sr. Leonel: - Estou prompto para ceder, mas peço primeiro que te me permuta fazer uma observação. - O Sr. Santos Cruz tem fallado tres vezes, e ainda se lhe não respondeu; e creio que se alguem lhe não responder, e não combater o seu projecto, fica o Sr. Deputado persuadido, que nós não tivemos nada que lhe responder, e que por isso lhe fexamos a porta. (Falle, falle.) As duas primeiras vezes que o Sr. Santos Cruz fallou, não pode ouvir; ouvi-o agora pela primeira vez; e digo a verdade, que eu esperava que elle sustentasse o seu projecto, mas não fez mais se não fallar contra elle; estava certamente esquecido do que disse, e do que mandou imprimir para se distribuir neste Congresso. - O Sr. Santos Cruz reconheceu, que na Constituição de 22 a distribuição, e organisação dos poderes politicos estava de tal fórma, que era perciso, ou que o Poder legislativo, e executivo se confundissem, e que por isso a sociedade viesse a ser destruida, ou que se batessem de tal fórma que o resultado fosse o mesmo, isto reconheceu, a Commissão, mas a Commissão recorreu aos meios ensinados pelo raciocinio; e o Sr. Santos Cruz recorreu a um principio já ensaiado na Europa, e que deu máu resultado. O meio do Sr. Santos Cruz é o senado, de que Bonaparte...

O Sr. Costa Cabral: - Se está em discussão o projecto do Sr. Santos Cruz, peço a palavra.

O Sr. Leonel: - Eu estou prompto a ceder da palavra, mas peço ao Sr. Presidente que me diga, se o Sr. Deputado não fallou no seu projecto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado apresentou a sua substituição, e combatendo o projecto para a approvar tinha direito de a sustentar.

O Sr. Leonel: - Eu supponho que seria util, que alguma voz agora analisasse áquelle projecto.

(Vozes: - Não Sr., não é preciso.)

O Sr. Leonel: - Bem, então calo-me, e acabou-se com isto.

O Sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum Sr. Deputado inscripto, tem a discussão terminado: o Sr. Santos Cruz propôz, que a votação fosse nominal; eu vou propôr ao Congresso.

Votou-se que fôsse nominal.

O Sr. Presidente: - O que tem estado em discussão, é o parecer da Commissão de Constituição na sua generalidade; creio do meu dever declarar como entendo a approvação na generalidade, visto que parece haver duvida; e porque tendo eu de regular os trabalhos (oxalá que não seja por mais tempo, que áquelle que me resta neste mez), devo dizer, que eu entendo, que a approvação de qualquer projecto dos que existem sobre a meza, na sua generalidade, não significa senão approvar com um texto para a discussão especial. (Apoiado.) E é assim que eu na discussão hei de admittir todas as emendas, e alterações. - Sobre a mesa existe além do projecto que esteve em discussão, a proposta do Sr. Pereira de Lemos, que consiste em chamar a Carta de 26 para a discussão, propondo-lhe algumas emendas, e alterações, que elle julgou conveniente: ha uma substituição do Sr. Santos Cruz, a qual é conhecida de todo o Congresso, porque foi impressa, e distribuida: a outra substituição é offerecida pelo Sr. Gorjão, tambem é conhecida pelos Srs. Deputados, porque todos sabem qual era a Carta de 26: agora os Srs. Deputados que approvam o projecto dizem approvo; os que não approvam dizem regeito: vai-se fazer a chamada.

Disseram - approvo - os Srs. - Braamcamp; Alberto Carlos; Sá Nogueira; Cezar de Vasconcellos; Dias d'Oliveira; Barjona; Duarte e Campos; Antonio Maria d'Albuquerque; Pereira Leite; Barão de Faro, Barão de Bomfim; Barão de Leiria; Barão da Ribeira de Sabroza, Bazilio Cabral; Sampaio Araujo; Barão de Noronha; Pereira Brandão; Conde de Lumiares; Conde da Taipa; Rebello de Car-

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valho; Faustino da Gama; Prado Pereira; Fernandes Costa; Mont'Alverne; José Maria d'Andrade; Freire Cardozo; João Alberto; Almeida Garret; Pina Cabral; João Joaquim Pinto; Lopes de Moraes; Teixeira de Carvalho; Luna; Tavares Ribeiro; Souza Albuquerque; Silveira de Lacerda; Judice Samora; Galvão Palma; Vellozo da Cruz; J. Alexandre de Campos; J. Caetano de Campos; Derramado: José Liberato; Lopes Monteiro; Rojão; Pereira Borges; José Ozorio; Ferreira de Castro; Branquinho Feio; Pinto Soares; Corrêa Telles; Campean; Passos José; Silva Sanches; Sôtto Maior; João d'Oliveira; Leonel; Maia e Silva; Moniz; Mascarenhas Zuzarte; Macario de Castro; Vasconcellos Delgado; Rodrigues Ferreira; Alves do Rio; Perache; Franzini; Marquez de Loulé; Marquez de Fronteira; Castro Pereira; Passos Manoel; Manoel de Vasconcellos; Raivozo; Manoel Joaquim Lobo; Midosi; Rodrigo J. de Menezes; Fernandes Thomaz; Valentim dos Santos; Ochôa; Visconde de Fonte Arcada; Visconde de Sá da Bandeira; Visconde de Beire; Visconde de Bobeda.

Disseram - rejeito - os Srs. - Costa Cabral; Neves Carneiro; Borralho; Gorjão; Pereira de Lemos; Marreca; Soares Caldeira; José Estevão; Pinto Basto, Senior, Pinto Basto, Junior; Mendes de Mattos; Souza Saraiva; Manoel Antonio de Vasconcellos; Santos Cruz; Rodrigo Machado da Silva Salazar; Furtado de Mello; Souza Pinto Basto.

Ficou por consequencia approvado o projecto da Commissão por 82 votos, e rejeitado por 17.

O Sr. Presidente: - Admittido o projecto na generalidade, será dado para ordem do dia na especialidade, na forma do regimento: as substituições, cahiram, e só na especialidade é que podem ser admittidas. - Agora vou dar a palavra a todos os Srs. que estão inscriptos para explicações.

Cederam-se della os Srs. Costa Cabral, Garrett, José Estevão, M. A. Vasconcellos, Maia e Silva.

O Sr. Gorjão Henriques: - Sr. Presidente, na mesma sessão de 29 do passado eu pedi a palavra para expôr certos factos, que por o Sr. Deputado Leonel Tavares foram taxados de menos exactos no meu discurso, e alguns delles foram invertidos de alguma maneira, no modo por que os expuz; por tanto tenho palavra para explicações de facto; e servindo-me, e usando della, servir-me-hei das palavras do mesmo illustre Deputado, que disse = tenho por tanto a palavra, farei por cingir-me ao que diz o regimento; porém em materias taes nem sempre é possivel ser restricto a um objecto unico; por isso se eu, contra o que pretendo, sahir algum tanto do que é de facto, peço a V. Exca., e ao Congresso, me desculpem; e se eu merecer a sua benevolencia, não abusarei della. = Taes foram as palavras do illustre Deputado; e tendo nisto as mesmas pertenções, devo esperar igual resultado; e tanto mais, que implorando ainda menos do que elle, pois como sempre costumo fazer, implorando sómente a tolerancia, que é menos, espero merecer uma igual sorte; tanto mais, que farei por sêr o mais breve possivel; porque além de eu conhecer que é necessario terminar esta materia, as minhas forças não me permittem mais longa tarefa. Não tendo podido na referida sessão de 29 fazer assentamentos dos objectos da impugnação do illustre Deputado ao meu discurso, por estar estancado de forças no fim delle, por haver sido um pouco longo, e no meio de improprias, mas inuteis interrupções, (apoiado, apoiado) só posso responder-lhe por ter lido um jornal, onde vem transcripta por extenso a impugnação brilhantissima do meu nobre collega, e o farei como minha lembrança me ministrar esses pontos de sua arguição.

Primeiramente notou o Sr. Deputado, e quiz fazer persuadir, que eu falhara quando fallei a respeito da Constituição de Hespanha, relativamente ao que aconteceu com ella no regresso de Fernando 7.º do seu captiveiro, e disse que elle tinha jurado a Constituição; notou por essa occasião o Sr. Deputado falta de exactidão nesta expressão: muito bem notaria o Sr. Deputado, e diria a verdade da eu ser inexacto, se eu com effeito tivesse dito, que Fernando 7.º jurára no acto de regressar do seu captiveiro; mas isso é o que o Sr. Deputado não ouvio, nem pessoa alguma; pois quando eu disse impoz, e fez jurar, não era isto simultaneamente; porque os hespanhoes com effeito lhe fizeram jurar a Constituição de Cadiz do anno de 1812; mas foi no anno de 1820, o que o Sr. Deputado não ignora - e se não fui extremamente exacto, ou explicito na maneira de me explicar, e por isso o Sr. Deputado me attribuio uma idéa, que eu não tinha, não sei se a sua sinceridade fica a salvo de fortes suspeitas em contrario; pois bem facil era de suppôr, que um orador no calor de um discurso, principalmente quando se tratava de objectos quasi identicos na sorte que tiveram ás duas Constituições, e tendo na lembrança os acontecimentos de 1822, succedidos com o Sr. D. João 6.º que não sahio de bordo da embarcação senão para prestar o juramento, bem facil seria, que neste jogo de combinações, nesta confusão de circumstancias identicas, muito é muito possivel, que uma expressão escapasse a ser empregada; mas isso não dá fundamento a uma das muito frequentes arbitrariedades de supposição no illustre Deputado; e por tanto isto não devia merecer-lhe tão grande censura, e bem devia julgar que eu estava bem presente no facto historico, e saberia muito bem o que se passou neste regresso de Fernando 7.º, como foram por exemplo as maquinações attribuidas a Lord Wellington, a conducta do general Ellio, e dos Deputados que tiveram a denominação de = Persas = e até da origem d'essa denominação, por começar sua declaração ou protesto pelas palavras = os Persas = etc. etc. etc.; mas seja-me permittido perguntar ao bom senso dos que me escutam, se uma tal arguição, para desfazer com ella a força e convicção de argumentos, não mostra da parte do Sr. Deputado uma pertenção na verdade bem innocentinha!!!

Temos outro facto, que é a respeito da bandeira azul a branca arvorada na ilha Terceira. Disse o Sr. Deputado, que ella rinha sido arvorada para renovar alli o enthusiasmo constitucional da era de 1820: parece-me, que aqui pelo menos houve uma falta de memoria do illustre Deputado; porque refere a invenção destas côres como emblematicas da Constituição de 1820 á necessidade dellas para fazer recordar o valor constitucional d'essa época: é esta uma puerilidade que não merece resposta, e basta recordar ao Sr. Deputado, que nessa época, durante a Constituição de 1820, nunca houve bandeira azul e branca; foi decretada na ilha Terceira para differençar os sustentadores da liberdade dos sectarios do despotismo debaixo das ordens de D. Miguel, como se mudaram os laços nacionaes por igual razão, por que nesta época não existiam nas bandeiras estas côres nacionaes, das quaes, a não ser por ignorancia, foi ao menos por discuido notavel, que o Sr. Deputado attribue a origem a essa época, devendo saber que ellas já o eram no escudo de Affonso Henriques; mas querendo que assim fosse, o illustre Deputado nesta idéa deu armas contra si, e forneceu-as a meu favor; porque se, como elle disse, para conservar o enthusiasmo foi necessario em nome da Carta arvorar a bandeira azul e branca, então para que se arvorou essa bandeira em nome da Carta, e não se arvorou em nome da mesma Constituição, cujo enthusiasmo se queria fazer reviver? Ora é bem verdade, que os povos pugnam pela liberdade, como alguns Srs. Deputados disseram que pugnavam os heroes da Terceira, e que pugnam pela religião, é isso uma verdade; mas elles sempre organisam, para assim me explicar, esses sentimentos de liberdade e religião (que aliás seriam tão vastos, vagos, e indefinidos, que até se tornariam abstractos) debaixo de certas regras, e bases indispensaveis, a que se chamam constituições, ou leis fundamentaes desta ou daquella sociedade civil, ou re-

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ligiosa, e estas são sempre representadas por emblemas os mais apropriados, e os mais tocantes, e as invocações mais proprias para produzirem effeito, e por tanto no nosso caso direi, que se escolheu a Carta de 26 como emblema, e invocação mais propria, para debaixo della os heroes da Terceira pugnarem por essa liberdade com preferencia a outra qualquer, acrescendo mais a consideração de que, como disse o mesmo illustre Deputado, era necessario conservar esse pouco dado pela Carta; porque se se fallasse em Constituição se perderia tudo certamente, tanto cá dentro, como lá fóra, no apoio, e consideração das nações estrangeiras; o que bem mostra claramente quanto eram então reconhecidas as vantagens na Carta sobre a Constituição. Creio que tenho sido entendido (Rumor.)

O sr. Presidente: - É para uma explicação que o Sr. Deputado tem a palavra, e então é só rectificar expressões, e não produzir argumentos, porque isso é renovar a discussão.

O Orador continuou: - Bem, pois eu vou apresentar os factos; mas eu não sei como se possa separar o facto do direito; porque quando elles se apresentam é preciso expender os motivos, porque se apresentaram esses factos, alguma cousa mais se ha de dizer, mas em fim, vamos gosando deste menos favor do que obteve o illustre Deputado, a quem trato de responder; e uma vez que não querem, que eu vista, e atavie de algum modo a minha exposição, e ainda dura o receio, eu farei por apresentar tão nús como pudér, e até reduzidos a esqueletos os factos, e se com tudo eu ainda escorregar pouco a pouco em raciocinar, queira alguem ter a bondade de me advertir, que eu me emendarei para lhe fazer a vontade (Risadas, e apoiados.)

Eu farei por ter breve, e me reduzirei quanto seja possivel. Quanto ao facto de Novembro de 1835, que o Sr. Deputado argue de menos exactamente produzido, e já sendo e, com o saliente do apimentado do mesmo Sr Deputado, isto é, da tal historia de ser isto cousa dos homens, e periodicos das saudades, e expressões quejandas, eu insisto em que disse a verdade tal qual; e que naquella época, por um procedimento da administração passada, que eu lá no canto em que vivia desaprovei por intempestivo, e de logo lhe agourei os resultados, foram desligados alguns oficiaes muito benemeritos; porque o Governo entendeu que elles usavam mui ás claras da influencia de sua situação para derribar a administração; e sem justificar de modo algum esse procedimento, digo com tudo, que nisso o Governo não excedeu suas attribuições, ou pelo menos que não fez maior cousa, do que tem feito a actual administração, que tem demittido a bel-prazer centenares de dignissimos empregados, e dissolvido um sem numero de Camaras municipaes, e por todos os modos tem feito do paiz uma sala, aonde se joga o = falta-me tudo = ficando, como accontece neste jogo, deslocados quasi sempre os menos leves, ou mais graves, mas eu já ia escorregando, é necessario sostêr-me (Risadas). É indubitavel, que na época dita um grande numero de officiaes, e até em occasião bem critica de marcha de tropas para Hespanha, foi declarar á Rainha, que se aquelles benemeritos, officiaes não fossem reintregados, muitos outros pediriam suas desligações: isto não póde em verdade chamar-se muito legal; e houve então, segundo me affirmam, quem dentro do paço soltasse a voz de demissão de ministerio: bem se vê, que se isto não foi pedir directamente a demissão do ministerio, ao menos foi faze-lo indirectamente, e pondo Sua Magestade em uma collisão terrivel, tanto mais, que segundo passa por certo, alguns corpos se achavam formados, e para não deporem as armas até que seus officiaes não fossem reintregados, ficando por tanto bem claro, que existio o facto, a que deu certamente origem uma momentanea exaltação, talvez provocada em um classe tão distincta, e patriotica, que tem a peito a causa da liberdade da sua patria; e por isso olhará sem duvida com indignação para a monstruosidade das antigas guardas pretorianas, e dos modernos, janisaros (apoiado)
Passarei a outro facto referido por mim, e vem a ser, que o Sr. Deputado disse, que eu não me tinha explicado bem sobre os fins da revolução parece-me que o Sr. Deputado não me ouviu, certamente, ou não se fez cargo do de que me ouvio: eu disse então, repito agora novamente, e já se tem dito por vezes neste Congresso, e o mais é que sem contradição, que o verdadeiro fim da revolução de Setembro foi sem duvida tirar da frente da nação, e derribar um ministerio, que não convinha, e o que succedeu então, é o que succede muitas vezes, é que dado o movimento a certas forças, não se póde limitar aonde se pertendia (apoiado), quanto ao mais disse, que a nação que se invoca, não teve parte nestes movimento; a nação acquiesceu ás ordens do Governo, que lhe foram dirigidas em nome da Rainha, senão veja-se o decreto de 10 de Setembro (apoiado); mas esta obediencia não foi filha do enthusiasmo geral, e até depois muitas Camaras, e muitas authoridades nem felicitações mandaram, e ainda repito, que a maior parte das terras das provincias foram surprehendidas da novidade de tal noticia - isto é uma verdade, (rumor) foi neste sentido que me servi da frase - feridas de estupor - que deu no goto ao Sr. Deputado, triste cousa é ter de analysar aqui palavras, e definir termos, mas o Sr Deputado sabe perfeitamente, que sem ser medico se póde usar desta palavra no meu caso, tanto em sentido proprio como metaforico, como sabe perfeitamente o Sr. Deputado stupefacto é aquelle que está momentaneamente, ou por algum tempo, inhibido do exercicio de suas faculdades intellectuaes, isto provém do verbo stupeo, que significa admirar-se, amedrentar-se, ficar pasmado, hirto, e sem poder fallar; e como se explica Virgilio - obstupui, steterunque coniae, vox faucibus licesit - e tambem a palavra stupor significa entorpecimento, admiração etc. etc.; por tanto tem a palavra estupor o sentido de entorpecimento, mas tambem tem de admiração por tanto não só com propriedade, mas tambem, com acerto metaforico, me servi daquella palavra, porque de certo o maior numero das povoações ficou admirado pela novidade de uma cousa para que não estavam preparadas; que adheriram a ella é um facto, mas que a não esperavam é uma verdade; o que mesmo ainda hoje muita e muitissima gente boa se não póde persuadir da necessidade absoluta, e effectiva utilidade de tal acontecimento, pois que não é axioma, que para derribar ministerios seja necessario derribar systema; e quanto a utilidade, ella até agora não se tem feito sensivel, pois que os seus resultados não tem sido os aemedios de que a nação necessita, e que não dependem da simples variedade na fórma de governo, nem na solução de uma questão sobre origem de poder; mas em boas communicações internas, instrucção publica, administração paternal, protecção contra os immensos bandos de salteadores que investam o paiz, juizos probos, legislação justa, processo livre de estorvos, e ambages, systema de fazenda que não peça o que a nação não póde pagar, é mais que tudo, ainda que se restabeleça a verdadeira liberdade, unindo a nação entre si, e de redor do Throno, pondo termo a revoluções, e silencio a partidos, riscando da bandeira dos vencedores - vaeli victis!! E então sobre taes bases governar o paiz, não com theorias, mas com a pratica, conforme a politica existente na Europa, o resto são palavras vãs, e theorias sonoras, com que a França foi influida por muitos annos, theorias que a historia de todos os povos nos ensina que não são reduzidas a pratica só em virtude da origem do pacto fundamental. Já se fez aqui por vezes o elogio do governo de Inglaterra é bem feito, mas lembremo-nos que em Inglaterra verdadeiramente não ha Constituição escripta, que ella se compõe do - habeas corpos - do bill dos direitos - da liberdade de imprensa, e que a sabedoria da sua legislação, e as justas providencias tomadas em differentes

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tempos sobre immensos objectos de interesse geral, hão sido a origem da prosperidade desse povo, cujo pacto nacional existe mais na historia do que na politica. Peço perdão por haver mais esta vez escorregado, e eu vou emendar-me: (Riso, e apoiados.)

Ultimamente desafiou-me o illustre Deputado em altas vozes, e confesso que n'essa occasião não percebi bem para que, porque como disse, por fatigado, não lhe prestei muita attenção = mas aquellas palavras; desafio, está desafiado = sempre tocaram então mesmo no meu sistema nervoso, e fleumatico, e como tenho desde muitos annos feito protesto de não desafiar pessoa alguma, porém sim aceitar todos os desafios a que me provocarem; tanto em defeza de minha opinião, como de minha pessoa, quiz depois ver para que fui desafiado, e lendo a falla do Sr. Deputado vi, que era para lhe provar que a Carta de 26 estava mais em harmonia com as constituições Europeas, de que o novo projecto de Constituição: ora muito forte é o Sr. Deputado quando combate os gigantes, que file mesmo produz!!! Todos sabem perfeitamente que eu confrontei a Carta de 26 com a Constituição de 22, e não com o novo projecto (apoiado); e então para que transtorna tudo o Sr. Deputado, e apresenta uma comparação, a respeito da qual eu nada disse, e da qual alguma cousa diria se estivesse agora para isso...! E assim por esta vez não tenho a aceitar o desafio do Sr. Deputado; porque não está no caso dos meus certames singulares, e me reservo para quando existir motivo real, e não imaginado, (apoiado, apoiado). Eu creio que tenho respondido ao Sr. Deputado, e que tendo usado das suas proprias palavras no principio do meu discurso, não me será necessario servir-me das outras suas palavras = eu, acabo de sair um pouco do langue frio, que devia consertar: fares o mais que puder para me reprimir, mas em fim ás vezes não é possivel: = eu mostrei ao illustre Deputado, e a todo este Congresso, como já tenho sempre feito, que tudo posso dizer, e escutar de sangue frio; sem vozerias, e reticencias, que pedem apoio dos ouvintes. (Apoiado, apoiado.)

Agora vou explicar alguns factos, e refutar asserções de outros Srs. Deputados. - Um illustre Deputado por Aveiro; o Sr. Coelho Magalhães, disse em seu discurso, ou quiz dizer, alguma cousa de que se podia inferir, que elle por sua parte se revoltou contra aquelle muito mal tecido elogio, mas filho do meu coração, que eu fiz aos illustres 7500 que desembarcaram no Mindello, cujos nobres factos estão impressos no meu coração - depois disse o illustre Deputado que quasi sempre quem contava as acções, eram aquelles que não tinham tido parte nellas; e a mesma idéa foi a de um illustre Deputado por Santarem, o qual abundou nos mesmos principios. Ora que cada um seja tão austero de principios, e quanto ao seu proprio merecimento; e que o não queira reconhecer, que se não queira lembrar delle, como disse o Sr. Deputado por Aveiro, que já esteja esquecido delle? Isso é filho; de modestia, e de um pensamento generoso; mas tendo sido companheiro de tantos heróes, cujas lições o joven Deputado deve ter em muita estima, e lhe não devem esquecer, não é de justiça, que queira negar ou tolher á memoria o pensamento, e á voz da historia o alto objecto, que lhes ministram tantos heróes; e a mim o prazer de lhe tecer como posso o seu elogio; e por tanto perdoe-me o illustre Deputado, quando digo, não seja ambicioso do que pertence aos mais (apoiado): e quanto a outra parte digo, que não foram só os guerreiros que salvaram a nossa patria; muitos martires cá mesmo para isso concorreram; e não está decidido que o merito da nossa restauração seja exclusivo dos emigrados: muito se lhes deve, muito soffreram; mas muito soffreram tambem os que estiveram tantos annos em anciedade debaixo do cutello da tirania; os que perderão tudo, bens, pais, parentes, amigos, e vidas, no meio de horrorosas prisões, degredos, e cadafalsos, de que a final os veio libertar o immortal Dador da Carta de 26 á frente de heróes que por isso amo, e de que nunca me poderei esquecer. (Apoiado, apoiado.)

Vamos o outro objecto que o mesmo Sr. Deputado disse, que eu na votação da Constituição tinha divagado; e por este acontecimento tinha ida revolver com o ferro do arado os despojos de tantos heróes, nos quaes se mostrava, ao viajante, escripto as palavras, que diziam Rainha e Carto: isto foi a verdade; e por essa occasião perguntou-me, o Sr. Deputado se nesses despojos se mostrariam aos colonos, e ao viajante, tambem as palavras perpetuidade de instituições, e nenhum progresso. Sr. Presidente, se o colono e o viajante tivesse uma imaginação tão viva, que naquelles, despojos lhe parecesse ver escriptas estas palavras, provavelmente alguns saberiam ler, e então desejando sabei o que era essa Carta, lá iriam reparar na mesma Carta com aquelle artigo escrito na mesma, que diz, passados 4 annos ella podia ser alterada nos seus artigos; e por tanto é mais um insulto feito á obra do generoso Pedro, dizer-se que ella representa - eternidade de instituições, e nenhum progresso - quando nella mesma se reconhece a necessidade das reformas, e se entregam á Camara popular. Um Sr. Deputado por Santarem entendeu que tudo que dizia respeito a theorias, do modo que Sua Sa. as concebe na sua elevada penetração, é que devem ser reduzidas a leis, e que só essas leis serão boas sendo novas como parece ser agora = gosto da moda, e que todas os que assim não eram; não mereciam uso, eram palavras, e eram papeis, e papelões, isto e aquillo. Ora, Sr. Presidente, quanto á Carta, que o Sr. Deputado por Aveiro quiz xasquear, dizendo que pela grandeza da que eu offereci, ella poderia ser uma boa base = direi ao illustre Deputado, que é frequente enganar-se, quem quer ajuizar das cousas só pelo externo, ou por outra do miolo pela casca: ella na verdade era muito grande no tamanho: e se maior a houvesse, eu maior a teria offerecido mas nesse folio não é escripto se não no muito pequeno espaço no meio; porque elle é impresso n'um tipo muitissimo meudo: eu fiz isto com muita propriedade, e muito de proposito; porque lhe deixei campo para que os Srs. Deputados lhe fizessem todas as emendas, que quizessem, visto poderem assim escusar a impressão do meu projecto; portanto aqui está provido, que sendo o objecto no seu volume muito grande, no seu tipo é muito pequeno; e que o Sr. Deputado se enganou quanto á grandeza material da Carta por mim offerecida. Agora, Sr. Presidente, falando moralmente digo, que se deve considerar como muito pequeno, ao menos no meu modo de pensar; porque eu entendo que para ter a grandeza material, que representasse bem a grandeza moral, era necessario que fosse pelo menos do tamanho de uma arvore, que cobrisse toda a nação portugueza, sem excepção de um só individuo: aqui está como não é bom avaliar as cousas só pelo seu volume; e sirva isto de lição ao joven Deputado, a qual lhe dá um homem que bem inveja lhe tem; porque hão pertence já a sua associação da juventude, mas sim a das cans, que já alvejam bem a meu pesar. Agora quanto aos papelões digo, que por leis escriptas, e leis velhas se governa o mundo; então usando-se da frase do Sr. Deputado por Santarem diremos, que o mundo se governa por papeletas, e que mesmo o nosso reino se governa por papelões: e se leis, alvarás, e diplomas escriptos; porque são differentes das theorias do Sr. Deputado, ou não são as mais novas, se devem chamar papelões, poderemos tambem dizer que a patente do Sr. Deputado é de papelão (risadas): é tempo de acabar.

O S. Macario de Castro: - Eu não fallaria hoje, senão tivesse havido alguns Srs. que se serviram de uma expressão minha para a combater com menos exactidão. Como porém eu não estava presente, quando o primeiro S. Deputado transformou a minha expressão, não pude redarguir; mas como hontem foi novamente tocado esta facto, por um illustre collega meu, que se senta, deste lado, eu não posso por isso deixar de fallar, paia que não passem expressões,

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que são menos exactas. Quando eu fallei, disse, que senão estivesse ligado ao paiz com propriedade, e se nada visse fóra do paiz, talvez daria mais vôo á minha imaginação. Esta minha idéa porém foi transtornada, dizendo-se...

Este Sr. Deputado, que homem inverteu as minhas palavras, estava no caso de o não dever fazer; porque podia ter lido nos Jornaes do dia seguinte, áquelle em que aqui fallei, o extracto da minha falla, e de minhas opiniões; e poderia ter visto, que nessa falla não disse, o que elle pertendeu.

Sr. Presidente, eu não julgo que a ligação ao paiz, esteja na rasão da maior ou menor propriedade: e tambem senão deve entender, que eu tenho uma opinião sendo proprietario; e que teria outra, se o não fôsse. A minha opinião é imittida sempre francamente, e disto tenho bastantes próvas dado sempre nesta casa. (Apoiado apoiado.)

Demais, o Sr. Deputado quando combateu esta minha asserção, era necessario que ... e que considerasse, que eu entrando na discussão em uma occasião muito desavantajosa, por isso que, quando acabava de faltar um dos mais brilhantes talentos desta casa, não podia eu com minhas fracas forças tocar os pontos, que o orador tinha desenvolvido tão brilhantemente, e só procurei analisar as differentes circumstancias, em que Portugal tem estado desde 1820, para d'ahi tirar minha opinião. Pela mesma rasão não pude entrar muito minuciosamente nas differentes partes do projecto, que está sobre a mesa, restringindo-me a dizer sobre elle quanto era bastante para o approvar, deixando antever quaes devem ser minhas opiniões, quando se tratar dos artigos em especial. Emitti então duas idéas, e foram ellas: 1.ª Que não votava por uma segunda Camara como a da Carta: 2.ª Que não votava por uma só Camara: tambem o illustre Deputado se oppôz a uma só Camara, e reconhecendo que ella não prehenchia os fins que elle deseja, apresentou um segunda Camara, constituida como outro Sr. Deputado a tinha imaginado. Eu porém direi agora de passagem, que sou de opinião de um segunda Camara; mas quero que seja electiva: - parece-me pois, que o Sr. Deputado não podia lançar mão de uma expressão minha para destruir um principio, sobre que não sabe, se estamos ou não de accordo. Mas não passarei ávante sem fazer sentir, que o illustre militar por Santarem quer uma segunda Camara, no que combino com elle.

Eu tambem emitti outra opinião, que não trato agora de desenvolver; mas que em outra occasião farei. Disse eu, que era necessario que houvesse veto; mas não declarei que veto queria, disse só que o da Constituição de 1822, não me satisfazia; ainda neste ponto, não sabe o illustre orador qual seja a minha opinião. Eu não toquei em outro objecto que foi o da dissolução; - e porque? Porque me esqueceu. Em quanto á segunda Camara, eu disse que rejeitava a da Carta plenamente; mas que tambem rejeitava a Camara só da Constituição de 1822. Concluo por tanto dizendo, que não tendo eu ainda desenvolvido a minha maneira de organisar o paiz, não posso ser por ora nem combatido, nem apoiado. Posso sim sê-lo por aquelles Srs. que deffendem a Carta, na qual mostrei defeitos essenciaes; possa ainda sê-lo por aquelles que defendem a Constituição de 1822 pela mesma rasão; mas o illustre orador não está no numero dos primeiros, nem tão pouco dos segundos, pois que elle combateu a formação de uma só Camara.

O Sr. João Victorino: - Eu tomo a palavra simplesmente para uma explicação, e o Congresso é testemunha que eu, ou nunca pedi palavra para este fim, ou é esta a segunda vez, e talvez a ultima que o farei. Tem-se dito que eu declarara a minha opinião por duas Camaras: eu digo, ou que foi muito mal ouvido, ou que ha nisto outra intenção; e por isso me compete pôr em toda a clareza, qual foi a minha expressão no meu discurso. Attribuio-se-me pois sem a menor sombra de motivo, que eu tinha tenção de votar por duas Camaras; é falso: o que eu disse, foi, que quando cahi da minha casa, eu vinha com a opinião firmemente tomada, como sabiam os meus amigos alli, e aqui mesmo alguns dos Membros são testemunhas, que eu a muitos o disse, que vinha resolvido a votar por uma só Camara; porque tambem esta era a opinião de muitos meus constituintes; mas que á vista da artilharia, que se tinha jogado de parte a parte tanto a favor, como contra duas Camaras, me achava em estado de duvida, e perplexo na minha opinião; e que muito anciosamente esperava a discussão especial, para poder votar conscienciosamente, e por persuasão sobre este ponto. Disse além disto, quando proferia o meu discurso, que faria toda a diligencia por ser o mais conciso; e que tendo eu promettido, ou antes compromettido-me a não cançar a Assembléa, repetindo o que já se tivesse dito, não repisando, como sobejo se havia feito, os argumentos e provas, que se haviam trasido a favor das proposições em questão, me limitaria só, ou a outras diversas; ou a rectificar aquelles factos, de que se haviam dedusido consequencias encontradas, e investigar o seu valor real para refutar, ou confirmar as mesmas, e identicas proposições; ou apresentar outros de novo, como me parece, que largamente fiz. Debaixo desta idéa disse eu, que toda a tragica historia de Carlos I, nem provava cousa alguma a favor de uma, nem de duas Camaras; porque não tinha havido alli senão força de partido, e força militar. Que nada houvéra regular; e que ninguem diria, que isto tinha força para fazer um precedente, nem se podia argumentar contra uma Camara de todo este complexo de acontecimentos. Quando eu proferia isto, um illustre Membro, dos que se sentam ao meu lado, acudio, que a camara dos Cummuns tinha sentenciado Carlos I. resolvida em tribunal de Justiça: como este meu illustre amigo é infinitamente versado na historia ingleza, pareceu-me dever responder-lhe, que havia quem dissesse isso; e continuei na marcha que levava. Fui depois increpado por ter apresentado no Congresso um facto com pouca exactidão, e que devia estar mais certo nelle para delle me servir; porque Carlos I. fôra sentenciado pela camara dos Communs constituida em tribunal. Ora, Sr. Presidente, permitta-se-me que diga, que isto é que é inexacto; e que este crime sendo attribuido ao exercito, e a Cromwell, está posto no ponto verdadeiro, que a historia lhe assigna. Dado o caso que o parlamento de Westminster fôsse o legal, isto é o parlamento de Cromwvell, e não o de Oxford, isto é o do Carlos, todos sabem, que daquelle mesmo parlamento Cromwell fez prender pelo coronel Pride 41 membros, e prohibiu a entrada a mais da 160 - os quaes protestaram contra isto; encaram só 50, até 60. - Eis-aqui a camara dos Communs; mas esta mesma não se constituiu em tribunal, nomeou sim o tribunal em dia de Natal de 1648. Este foi composto de Cromwell, de seu genro o coronel Ireton, de Harrisson, dos principaes officiaes de exercito, d'alguns membros dos Communs, e de varios cidadãos de Londres, e todos faziam 133. - Logo se vê que, nem existia cousa, que devidamente tivesse o nome de camara dos Commnns; e que essa mesma por modo nenhum se constituiu em tribunal, o qual foi composto da maior parte de membros que não eram dos Communs; e por consequencia se vê quem está mais nos factos, se quem falla no Congresso, ou quem o critica. Esta é a verdade escripta pelos mais imparciaes, e sabios historiadores.

Tambem fui accusado, que linha feito um grande desperdício de tempo com o meu discurso; confesso, elle durou bastante tempo; mas, Sr. Presidente, eu por vezes increpando-me a mim disso mesmo, disse, que nesta discussão tinha lugar algum luxo luterano; e sempre achei approvação nos meus sabios oollegas. Eu tinha observado em toda a discussão , correrem rios de eloquencias da bocca de tão brilhantes oradores; tinham-se espalhado ás mãos cheias a sabedoria, e a literatura; e só eu fui reprehensivel: entretanto a

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benevolencia do Congresso honrou-me com profunda attenção em quanto fallei. Abusei, confesso, porém a quem sou eu responsavel do tempo? Somente á nação, e aos seus representantes, e a mais ninguem; mas a esses peço perdão.

O Sr. Furtado de Mello: - Sr. Presidente, hontem quando toquei na palavra -propriedade - combatendo o argumento do meu illustre amigo e Sr. Macario de Castro, não tive em vista offender ninguem, e muito menos este honrado Deputado, cujas idéas patrioticas são bem conhecidas; pois estou persuadido, que elle nunca será capaz de menoscabar os direitos daquelles cidadãos, a quem a fortuna tenha sido menos favoravel: - elle sabe muito bem que os direitos individuaes, são os mesmos para todos os cidadãos, ou sejam grandes, ou pequenos proprietarios: - e tambem sabe muito bem, que estabelecer na Constituição distincções tiradas do nascimento, da propriedade, e das profissões, e dividir os cidadãos em classes, segundo essas distincções e privilegios, estabelecendo assim direitos differentes, é declarar os direitos do cidadão, e ao mesmo tempo priva-lo delles; dizer que o povo é livre, e que o não é; e zombar da boa fé publica no mais augusto dos contractos.

Pelo que toca ao Sr. Gorjâo a respeito do papelão, já hontem disse, o que se me offerecia sobre isto, e por isso nada mais accrescentarei agora.

Direi por esta occasião ao Sr. Garrett, que á pouco quiz fazer conciliação a princípios; que eu de maneira nenhuma concordo em principios com S. Sa., nem com nenhum daquelles, que apoiam a sua doutrina.

Quanto aos principios do Sr. Gorjão, e do Sr. Pereira de Lemos, elles são bem conhecidos ..., se elles votaram com a minoria, não é porque partilhem os nossos sentimentos; mas sim por outro motivo bem notorio... e mesmo um destes dois Srs. já aqui disse, que, se fôsse rejeitado o seu grande projecto, votaria pelo da Commissão, por ser o que mais se parece com a Carta de 26.

O Sr. Presidente: - Passa-se á segunda parte da ordem do dia, que é o parecer n.º 20 da Commissão de commercio e artes.

O Sr. secretario Velloso da Cruz, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão do commercio e artes tendo examinado, há parte respectiva, os estatutos da - Companhia da navegação do Tejo e Sado, por barcos movidos por vapor - e considerando que o objecto da referida companhia não tem por fim a introducção de algum novo invento, e de parecer, que não ha motivo para a concessão do exclusivo, que pede pelo tempo de 20 annos.

Que quanto á isenção de direitos do combustivel proprio, e indispensável para o trabalho das maquinas, seja o mesmo que se conceder a quaesquer outras emprezas industriaes.

E finalmente é de parecer, attendendo a 31.ª e 32.ª condição dos estatutos, que só se lhe concedam livres de direitos os primeiros barcos de vapor necessarios para o estabelecimento da companhia, e que ella pozer era effectivo serviço.

Sala da Commissão, em 9 de Maio de 1837. = J. M. Teixeira de Carvalho; José Pinto Soares; Manoel Alves do Rio; Ferreira Pinto Basto.

Declaro que entendi se lhe devia dar o exclusivo pedido por 3 annos. = Faustino da Gama; João Victorino d'Azevedo Albuquerque que (vencido em parte) declaro que neguei a franquia dos direitos dos barcos.

O Sr. Leonel: - Segundo as regras estabelecidas, a discussão agora deve ser sómente na generalidade; mas o parecer é negativo: eu farei por tanto as observações que me parecerem necessarias. Sr. Presidente, não ha duvida nenhuma em que os meios de communicação, constituem um dos principaes meios da prosperidade do paiz, e concorrem muito para a sua riqueza, abundancia, e illustração. Ora, todos nós sabemos, que os melhores meios de communicação, e mais faceis, são os por agoa; e entre estes os mais vantajosos são por meio de barcos de vapor; mas acontece, que desgraçadamente são estes, os de que nós temos mais falta: e é muitissimo natural, que havendo defronte de Lisboa uma bahia, a melhor que ha na Europa, e havendo do outro lado um terreno que póde offerecer uma immensa quantidade de producções que podem abundar Lisboa, e que hoje não vêm cá por falta de conducções, e que são suppridas por artigos que vem de paizes estrangeiros, parece que não na duvida nenhuma de se conseguir a realisação da sociedade; porque me parece que iodas as acções estão já distribuídas, e para se realizar falta só conceder o que ella pede: pediam no seu requerimento um privilegio exclusivo por vinte annos; a estas palavras privilegio exclusivo todo o mundo naturalmente se assusta, e tambem eu estimaria não ouvir privilegio exclusivo; mas é certo, que o estado d'atrazamento da nossa industria é reconhecido por todos, e sendo este um dos meios que podem concorrer para tiralla desse estado d'atrazamento, então longe de vir a ser uma cousa que faça assustar, vem a ser uma cousa muitissimo util: á vista de tudo isto, parece-me, e sou de opinião, que se deve conceder o privilegio não por vinte annos, mas por um prazo menor; póde ser por 10 annos, ou em fim alguma cousa similhante: em consequencia eu não approvo a primeira parte do parecer; quanto á segunda parte que diz assim (leu), creio que não está bem concebido: a isempção de direitos anteriormente concedida a materias primas, isso acabou e muito bem na minha opinião; eu julgo que se deve conceder esta isempção; mas é preciso que se saiba, que não existe isempção nenhuma para estas materias, isso acabou: ora agora eu sou de opinião que se deve conceder isempção de direitos para estas materias primas; e tambem sou de opinião que a respeito d'algumas materias, não ha inconveniente nenhum em se conceder a isempção; por exemplo, a respeito de carvão: se se não formar a companhia dos barcos de vapor, não virá a Portugal certamente a porção de carvão, que viria depois de formada; se este carvão não vem, se se não vier a formar a companhia dos barcos de vapor, que perda ha em se conceder a isempção dos direitos? (Apoiado, apoiado.) Não se perde cousa alguma: por outro lado com esta concessão, que não é em cousa nenhuma prejudicial á fazenda publica, vamos nós abrir uma empresa, de cuja utilidade, creio eu, ninguem duvida; em consequencia, eu sou de opinião que se deve declarar, que se concede a isempção dos direitos do carvão por um certo numero de annos, e essa isempção certamente ha de ser acompanhada do regulamento do Governo para evitar os abusos.

Quanto á concessão, ou perdão dos direitos dos barcos de vapor necessarios para o estabelecimento da companhia, pela mesma razão que sou de opinião que se conceda a isempção dos direitos do carvão, sou de opinião que se conceda a isempção dós direitos dos barcos; porque é claro que segundo o estado da nessa industria, hoje não se póde fazer em Portugal um barco de vapor; e não é só em Portugal que isso acontece (apoiado); porque em quasi todo o resto da Europa acontece outro tanto: eu creio que se fazem em França; mas com muita imperfeição... (Uma voz). Não se fazem

Orador: - O unico paiz onde se fazem com perfeição, é em Inglaterra; em Portugal não póde por ora construir-se uai barco de vapor: ora por um lado a favor da isempção destes direitos ha a mesma razão, que a respeito do carvão; porque se não concedermos; esta isempção, não vem cá os barcos; e se fizermos a isempção vem cá os barcos, e com grande proveito do paiz: por consequencia com esta isempção não se perde cousa nenhuma; além disso é conveniente, que isto se torne familiar; porque os artistas purtuguezes vendo a construcção desses barcos, é possivel que em Portugal, um dia se chegue a podêr construir um barco de vapor: por isso o projecto da Commissão é muitissimo util

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(apoiado): não se perde na concessão de um privilegio por um tempo mais limitado; e muito menos se perde na concessão da isempção dos direitos do carvão e dos barcos; por tanto eu aprovo as ultimas duas partes do parecer: quanto á primeira não a approvo, porque desejo que se conceda o privilegio por um prazo mais limitado.

O Sr. Barjona: - Eu Sr. Presidente, entendo que para poder progredir esta discussão, é preciao que esteja presente o Sr. Ministro do reino.

(Vozes. Está, está; elle alli está.)

Orador: - Estava escondido; não o via (riso): em primeiro logar desejo saber se já acabou o privilegio, que se concedeu a esse barco de vapor, que navega no Tejo; e em segundo logar é tambem necessário, que nos lembremos de que ha individuos, que vivem de fazer a navegação daqui para a outra banda etc., e os interesses desta gente, parece-me deverem ser contemplados.

(Uma voz: Estão ligados á companhia.)

Orador: - Ouvi dizer do meu lado; que se acham ligados á companhia, mas nós não temos certeza d'isso; por tanto eu estimava ouvir o Sr. Relator da Commissão, e o Sr. Ministro do reino; e agora sobre a materia peço a palavra, para depois d'elles fallarem apresentar mais algumas reflexões, que reputo da maior importancia.

O Sr. Leonel: - Eu pedi a palavra sobre a ordem para declarar em primeiro logar, que perguntei se acaso estava acabado o privilegio concedido a esse barco de vapor, que navega no Tejo; e o resultado dessa minha averiguação ibi que estava acabado: é verdade que essas averiguações não foram officiaes, posso estar enganado, mas eu perguntei a um dos proprios interessados, e creio que esse interessado a quem eu perguntei está tambem ligado com a companhia: ora agora a respeito d'essa gente que vive da navegação, tambem eu perguntei; e disserão-me pessoas; que eu acredito, que os donos das falluas estavam ajustados com essa companhia para entrarem com o valor das falluas em acções da companhia; alguns dos nossos collegas estão informados disto mesmo, em consequencia não haverá esse inconveniente; mas permitta-me o Sr. Deputado, que eu accrescente, que ainda que este inconveniente não estivesse remediado, isso não era motivo para se deixar de admittir a empresa (apoiado); lembra-me no tempo quando era criança, indo eu ao Porto, quando se tractava de fazer uma ponte no Douro, todos os barqueiros do Douro gritavam Contra essa ponte; mas entre tanto a ponte faz-se, porque era preciso fazer-se: temos a questão dos omnibus com os bolieiros, e a questão dos impressores com os amanuenses; portanto quando se apresenta um aperfeiçoamento de industria, é necessario ajuda-lo.

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente; eu pedi a palavra sobre a ordem para dizer, que não me parece se aproveita cousa alguma com esta discussão na generalidade; pelo contrario se continuarmos com ella perderemos muito tempo (apoiado): pedia eu por tanto a V. Exca. consultasse o Congresso, se dispensava esta discussão na generalidade, e entrassemos na especialidade; porque é uma questão, que tudo quanto se disser na generalidade ha de necessariamente repetir-se na especialidade.

O Sr. Presidente poz á votação se devia entrar-se já na especialidade, e resolveu-se, que sim.

O Sr. Alberto Carlos: - Sr. Presidente, quando eu li o parecer da Commissão, não pude bem entender as razões em que ella se fundou, e ainda hoje mesmo não as posso bem entender; porque eu sou de opinião contraria: ora dizendo nós todos os dias, que não ha emprezas, que não ha, associações, nem companhias, que são da maior utilidade publica, como havemos de corta-las no seu principio? como querer que ellas comecem sem interesse?! Quem se arrisca a estas emprezas, é necessario que tenha bons lucros, mesmo acima dos lucros ordinários; parece-me, que isso não traria grande desvantagem, antes traria uma Vantagem para que no futuro possam continuar similhantes emprezas; e além disso eu não sei como se possam fazer grandes obras senão por emprezas, especialmente no estado em que nos achamos, em que o Governo não póde fazer só por si, o que as companhias poderão. Eu julgo pelas expressões do parecer, que O que mais embarassou a Commissão, foi a palavra privilegio. Esta é uma d'aquellas palavras que assusta muita gente; mas é necessario descer ao fundo das cousas: na Carta de 26 já havia um artigo, que tirava a esta palavra tudo que era odioso, e admittia a concessão de privilegios, quando fossem para utilidade, e interesse publico: por tanto eu entendo, que esta palavra não nos deve embaraçar; e a minha opinião á vista das considerações que se tem feito, e que, ponderou o illustre Deputado que me precedeu, é que se conceda a esta em preza este privilegio: eu não tenho muita prática do estado da navegação do Tejo, mas é facil conhecer a quem pergunte; dizem-me que ha certos pontos, aonde é difficil, e até perigosa, a navegação: e mesmo para os quaes não ha navegação regular; e fazendo-se á empreza ou companhia, ha de se estabelecer os barcos de vapor para todos esses pontos (porque a companhia, ou a empreza assegura a navegação para todas as partes), todo o mundo conhece que, he do maior interesse, que para todos os logares proximos a Lisboa haja uma facil communicação; por outro lado parece-me que não ha perjuizo de terceiro; porque já muito bem ponderou o illustre Deputado que me precedeu, que os donos de falluas estavam interessados na companhia;
por consequencia nenhum perjuizo recahe sobre elles certamente outra das cousas, que embaraçou a Commissão, foi o lembrar-se de que poderia dentro de certo tempo estabelecer-se outra empreza, e concedendo nós o exclusivo a esta, não haveria possibilidade de concorrencia; mas como nós não temos certeza do que virá para o futuro, e pelo contrario vemos a utilidade que temos presente; parece-me que devemos abraça-la, e não trocar o certo pelo duvidoso. Eu convenho em que o praso seja mais pequeno, e direi, que eu mesmo fallei com um individuo, que tem uma boa parte das acções desta companhia (segundo creio); e elle mesmo me declarou, que a companhia conviria em diminuir o espaço a dez annos, ou ao que se julgasse rasoavel: e eu repetirei algumas das razões que elle deu para mostrar a necessidade do exclusivo. Se a companhia manda vir todos os vapôres necessarios, e estabelece carreiras para todos os portos de Lisboa, e proximidades, poderá vir outra empresa, que faça comprar outros vapôres, podendo assim fazer, um grande desfalque aos lucros da primeira, e arruinar os fundos, que tem de dispor para isso. Parece-me pois, que o parecer da Commissão poderá ter algum inconveniente pelo seu zelo louvavel; mas um pouco excessivo: e voto que se conceda á companhia um praso rasoavel, que poderá ser por dez annos, ou por aquelle tempo, que se julgar de justiça.

O Sr. Presidente: - Talvez que esta discussão caminhe melhor, lendo eu um requerimento, que me foi dirigido a fim de dar este negocio para ordem do dia; até mesmo porque tocará alguns pontos sobre que o Sr. Barjona desejava explicações... (Vozes: - Leia, leia) - Eu o leio. (Assim o fez, e continuou:) - Este officio é assignado pelo Sr. Antonio da Silva Lopes Rocha, como director da companhia, o requerimento de que fallei é o seguinte. (leu-o.)

O Sr. Pinto Soares: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado disse, que não sabia em que a Commissão se fundou; quando negou o privilegio exclusivo por vinte annos, pedido pela companhia. A Commissão não julgou dever apresentar ao Congresso a proposta para a concessão d'um privilegio tal, que recahia sobre um objecto, que não é de novo invento, nem de primeira introducção no nosso paiz; muito principalmente quando ainda existe um barco, que navega em algumas das mesmas direcções em que a companhia quer esta-

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belecer a navegação: este foi o motivo, em que a Commissão se fundou para não convir no privilegio por vinte annos.

Fallou-se sobre combustiveis, outra concessão que pede a Companhia a Commissão entendeu...

O Sr Presidente: - Por agora não se trata senão do primeiro quesito, se se ha de ou não conceder o privilegio exclusivo.

O Sr Pinto Soares: - Resumindo-me a elle, torno a dizer, que a Commissão não entendeu dever conceder um privilegio por vinte annos, a uma cousa, que não era nova no paiz; porque seria um precedente terrivel para qualquer outra innovação que se quizesse introduzir. Entretanto o soberano Congresso póde decidir o que bem lhe parecer.

O Sr. João Victorino: - Sr. Presidente, eu oppuz-me na Commissão a que se concedesse o privilegio, por varias, razões, e em primeiro lugar, porque os privilegios, longe de favorecer a industria, antes a tolhem, fazendo monopolio na mão de um só daquillo, que repartido por muitos produziria augmento de applicação, e de utilidade, e aperfeiçoamento; e nesta parte sigo eu os economistas, que dizem, e com muita razão, que os monopolios são os maiores obstaculos ao adiantamento, e perfeição da industria. Isto até constitue um dos principios, que se tem por mais liberaes, e até se acha consignado em muitas Constituições, sendo desse numero a nossa. A segunda razão, é porque não ha motivo para usar com esta outra cousa do que com outras companhias Tem-se estabelecido em Portugal mintas companhias, e não se lhes ha dado privilegios exclusivos. Em terceiro logar, porque desta maneira se irá fazer mal aos outros barqueiros. Diz-se, que elles venderam os seus barcos, ou as suas tabuas á companhia, recebendo em paga acções da mesma, e que sobre isto se acham arranjados. Diz-se com effeito, mas não constou na Commissão por meio legal. E então poderemos nos conceder um privilegio que vá desgraçar tanta gente, que vivia deste unico recurso? Dir-se-ha que o privilegio não exclue a industria das outras embarcações de véla, e remo, as quaes podem continuar no seu trafego. É verdade, mas como a companhia poderá fazer muito mais baratos os transportes, ficam indirectamente excluidos os outros barqueiros. De resto esta companhia não deve obter o privilegio, porque se outra apparece que se proponha a mesma empresa, seria uma injustiça privilegiar esta em perjuiso da outra, que podia servir os povos mais barato, e com mais commodidade; e se não ha outra companhia, então não percisa o privilegio, porque quem duvida que ella com as forças reunidas dos seus socios está em muito melhor condição do que qualquer particular, e nada tem a recear. Por tanto no primeiro caso não lhe devemos conceder o privilegio, porque pode ficar lesada outra companhia, e mesmo a nação, e no segundo, não o percisa, porque naturalmente ella terá sempre a vantagem sobre qualquer particular.

Por estas razões me parece que a Commissão muito judiciosamente foi cautelosa em conceder este privilegio, mas quando mesmo o Congresso queira conceder-lho, eu sempre direi que nunca deverá fazer-se isto, sem primeiro se abrir um concurso para ver se ha mais concorrentes, que se proponham a esta empresa.

O Sr. Barjona: - Primeiro que tudo devo chamar a questão ao seu verdadeiro estado. Digo, se eu não entendo muito mal este primeiro paragrafo, que ainda mesmo sendo elle approvado, se não resolve, que se não conceda privilegio algum aos pretendentes (Leu o paragrafo, e continuou.) Agora passarei a responder ao que se disse contra as reflexões, que ha pouco apresentei. Eu não tinha obrigação de saber se estava, ou não acabado o privilegio concedido a esse barco a vapor, que navega no Tejo, e muitos membros deste Congresso o ignoravam tambem: e bem se vê, que o ponto é de grande importancia, pois que nos não podiamos dar um privilegio exclusivo a uma companhia, quando houvesse outra, que o tivesse ainda sobre o mesmo objecto.

Em quanto aos donos das faluas, e aos barqueiros, insisto nas idéas, que já emitti. Todos sabem que o interesse geral está primeiro, que o particular porém deve-se em todo o caso fazer a diligencia por que ninguem morra de fome. Ao menos deveriamos nesse privilegio introduzir uma clausula, pela qual os emprehendedores se obrigassem a empregar os actuaes barqueiros, em igualdade de circumstancias, com preferencia a outro qualquer individuo. E isto mesmo o que fizemos, quando approvamos o contracto das estradas. Em summa, queira V. Exca. propor este primeiro paragrafo á votação, logo que tenham sobre elle fallado os Srs., que pediram a palavra e eu renovo o meu requerimento, para que seja quanto antes ouvido o Sr. Ministro do reino não é possivel que esta discussão progrida sem certos esclarecimentos, que só S. E. póde dar-nos.

O Sr. Almeida Garrett: - Quero impugnar o parecer da Commissão, porque é destruidor da industria, e sobre tudo destruidor do principio mais productor do mundo, que é o espirito de associação: espirito que entre nós está nascente, e que é preciso animar por todos os meios. Que pede a companhia ao Congresso? Que a ajude, porque só não tem forças. E o Congresso ha de dizer á industria portugueza, ao espirito de associação, "não vos protegemos" creio que ninguem aqui se lembra disso. Querem-se augmentar os meios do communicação: e a quem para esse fim vem pedir auxilio, não lho daremos nos? Mas tal é a letra do parecer da Commissão, ainda que o seu espirito não seja. Eu tambem não concedo a companhia o privilegio por vinte annos; é tempo demasiado, durante o qual a industria pode fazer progressos muito maiores; mas algum lhe concederei. Uma industria desta especie, a applicação do vapor aos meios de communicação, o mais feliz invento deste seculo, deve merecer-nos a maior attenção. E serão os homens do movimento os que se opponham ao maior movimento todos, que é o do vapor? (Apoiado) Seria isso desmentir terrivelmente de caracter. Em consequencia do que tenho dito, mando uma emenda para a mesa, que diz assim (leu-a).

O Sr Presidente: - Já está, por assim dizer, proposta esta emenda por um dos membros da Commissão, que fallou em se conceder o privilegio exclusivo por tres annos. A questão em these é, se se ha de, ou não conceder o privilegio, e depois se tratará do tempo. O Sr. Barjona propoz, que fosse por cinco annos.

O Sr. Almeida Garrett: - Então retiro a minha emenda.

O Sr Midosi: - Entro simplesmente em uma duvida. Desejo auxiliar a industria, e dar toda a liberdade ao commercio interno, por isso quando se tratou das estradas concorri, quanto pude, para que o contracto passasse: isto porque em these acho, que todas as emprezas são uteis, e muito mais as desta natureza. Concordo com o que expenderam, alguns illustres Deputados, quanto á concessão de um tal, ou qual privilegio, mas laboro n'uma duvida, que só póde solve-la o Sr. Ministro da fazenda. Diz a Constituição de 22 no artigo 90 (leu). Ora se o Governo têm esta facilidade, forçosamente deixou de conceder o privilegio a esta companhia por alguma razão, essa e a que eu ignoro, e sobre isso e que peço alguma informação.

Uma voz: - Supponho que é por não haver lei, segundo diz o procurador da Corôa.

O Sr. Presidente: - O que o Sr Deputado acaba de dizer, é verdadeiramente uma interpelação dos Srs. Ministros elles estão presentes, e se quizerem responder, o que posso fazer é dar-lhes a palavra.

O Orador: - Não me satisfaz o que se diz, O procurador da Corôa diz (leu). A Constituição é mais explicita, diz que na conformidade das leis; o Governo certissimamente no meu entender teve algum outro motivo, que não nos foi presente talvez a companhia quando pediu este privilegio não se conformasse com certas disposições, que o Sr. Ministro entendesse necessarias para a segurança deste con-

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tracto: e então não o quiz elle admittir, nem se fez cargo de o apresentar ao Congresso, para pedir na parte legislativa a providencia de que carece. D'aqui nasceu talvez vir este negocio directamente, e pelos interessados ao Congresso, falho porém de todas as solemnidades, que se requerem para a sua approvação. Desejaria pois que o Sr. Ministro, se nisso não tem inconveniente, me esclarecesse sobre similhante materia.

O Sr. Ministro da fazenda: - Quando eu entrei para o Ministerio, o director da companhia dirigiu-se á secretaria para lhe approvar este contracto: eu vi este contracto, e pareceu-me que não era tão simples como parece; porque a concessão d'um privilegio por vinte annos, longe de ser um favor á industria, era a morte da industria; pois que favorecendo os accionistas, matava os outros: por consequencia julguei não dever considerar este objecto senão como de communicação interior. O Governo estava authorisado para abrir um concurso para as estradas, e navegação de rios; mas era preciso dar um praso rasoavel para dentro, e fóra do reino se poderem formar outras associações, que entrassem em concorrencia; porque neste objecto quem o fizer por menos é o verdadeiro patriota. O Congresso póde conceder o privilegio por quanto tempo quizer; mas o Ministerio responsavel não o podia conceder, não estando authorisado por lei senão a pôr em praça. Esta foi a razão pela qual o Governo não julgou dever conceder este privilegio. De mais ha tambem um vapor, que anda do Porto para Lisboa, que pertence a uma associação, que não recebeu nenhum favor. Eu entendo, que é muito util haver vapores no Tejo; mas conceder-se um exclusivo, que vai arruinar as outras industrias, julgo que o Congresso o póde fazer; mas eu, pela minha responsabilidade, não julgo que o podesse fazer.

O Sr. João d'Oliveira: - Eu sou opposto em principios a tudo, que são exclusivos, e hei de sempre oppor-me a isso por sistema, como destruidor de todo o commercio, industria, e navegação no paiz; mas aqui vem pedir-se uma lei em favor de uma companhia, que não nos apresenta tabella nenhuma de seus preços; diz-se que não exigirá maiores preços, que os que exibem actualmente os barcos de véla; isso não fixa nada, porque ámanhã os barcos de véla podem diminuir os preços, e a companhia não estar por isso. Ora então era necessario, que a companhia apresentasse uma tabella dos preços; tanto por cavallos, tanto por carroagens, etc., e ser isso decretado por lei; mas em quanto isso não apparecer não podemos legislar sobre tal materia, é impossivel. Em Inglaterra mesmo, quando uma associação vem pedir um acto do parlamento para a construcção de uma ponte, para pedir, quarenta ânuos de barreireis, por exemplo, apresenta logo a sua tabella, para alcançarem o privilegio, e para serem processados só pelo seu secretario; porque esse é o grande privilegio, ser considerada a associação como um ente moral, e não ser cada um individuo em particular processado pelos actos da companhia; por consequencia para darmos um passo é preciso, que nos apresentem a tabella dos preços. (Apoiado.) Ora agora em quanto ao privilegio exclusivo, em fim como se restringe a vapores, e á navegação do Tejo póde conceder-se lhe por cinco annos, quando muito, até que a final chame a attenção d'outros emprehendedores; mas o principio é muito mao, sei que ha outros emprehendedores: agora se está fazendo um barco de vapor no Tejo para a mesma navegação, já cá está a machina; e eu não vejo difficuldade, que se possam construir barcos de vapor, isto é, as machinas vem de fóra, mas os cascos podem construir-se aqui; por consequencia, por que razão se ha de pedir admissão de cascos estrangeiros, livres de direitos? Que ganha a nação com isso? Por que se ha de pedir admissão livre do combustivel? Pois se a nação lhe conceder um privilegio, tambem é necessario isso, sendo tão grande a diminuição, que tem havido nos direitos desse combustivel? Mas isso não está em questão, é preciso haver uma tabella dos preços para legislarmos com conhecimento de causa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado vem propor uma questão preliminar, que é o adiamento d'esta materia, até appareoer uma tabella dos preços.

O Sr. Midosi: - Bem me parecia a mim, que a minha duvida procedia, e tanto procedia, que o Sr. MInistro da fazenda acaba de dizer, que se não julgou authorisado para contratar; então devo propor as seguintes questões preliminares, que se devem decidir antes d'entrar na discussão do projecto; primeira, que se apresente uma tabella dos preços que a companhia estabelece: segunda, que se abra em praça a concorrencia: terceira, que se sigam os tramites, que se seguiram no negocio das estradas: satisfeitos estes tres quesitos estou prompto a votar pelo projecto, e contrato com as restricções, que me parecerem mais conformes com o interesse, e utilidade publica.

O Sr. Barjona: - Eu pedia a palavra para apresentar um requerimento similhante ao do Sr. Midosi. Bem queria eu ouvir o Sr. Ministro do reino primeiro que tudo; elle é o verdadeiro relator em questões similhantes; e mal póde um Deputado muitas vezes discorrer sem o ter ouvido. Eu disse, que desejava saber se acaso tinha havido concorrência; affirmou-se que não havia mais ninguem; mas ouço o Sr. Ministro do reino dizer, que queria que houvesse essa concorrencia; mas que os emprehendedores a não queriam: então pedia, que se propozesse ao Congresso se deve ficar adiado este negocio até vir a tabella, e ter logar a devida concorrencia; se V. Exca. quer, mando um additamento para a mesa n'este sentido.

O Sr. Leonel: - Não me opponho a que se peça a tabella; aqui está no requerimento uma tabella para assim dizer completa, que vem a ser (leu). Isto não é uma tabella explicita; mas o certo é, que toda a gente, que navega pelo Tejo, sabe bem o que se costuma pagar. Ora, que se póde pertender mais do que aquillo mesmo, que se paga actualmente: querem talvez que haja um preço menor? E' muito; pois eu profetiso uma cousa, ficarão sem nada, e é o que ha de resultar dos nossos muitos escrupulos; mas em fim não tenho duvida, que se peça uma tabella, que explique o que aqui está; entretanto, Sr. Presidente, ha um inconveniente de decoro em ir agora pedir a tabella, sem estar resolvido se quando vier a tabella nós concedemos, ou não concedemos; porque dizemos: dar cá a tabella; vem ella, e depois dizemos: não damos o privilegio; então para que pedimos a tabella? Ha outra razão: desenganemo-nos de uma cousa; os principios geraes de que os privilegios matam a industria, isso é muito bom; mas é para paizes onde ha industria; para paizes onde não a ha, não ha outro remedio senão esta concorrencia, convenho nisso; mas que resultou da concorrencia, que por umas poucas de vezes se abriu para as estradas? Nada; não appareceu senão um: que acontecerá com esta? Provavelmente o mesmo que vemos acontecer todos os dias, quando se trata destes negocios entre portuguezes: não é porque os portugueses sejam inferiores aos outros povos, é porque as circumstancias os tornam interiores: falla-se a portuguezes n'um negocio d'esta natureza, diz, não, tenho medo de perder; deixe ver se outro começa, e então veremos. Nós vemos isto todos os dias, e então qual é o meio de fazer cessar isto? E começar; e como havemos de começar sem nos sugeitarmos ás condicções, que se propõem? Diz-se, isso é muito máo; mas entretanto ficamos sem cousa alguma. O Governo não devia conceder o privilegio, nisso convenho eu, assim como convim tambem no tempo da dictadura, que se não terminasse pelo Governo o negocio das estradas, como alguem então pertendia; e o Sr. Ministro do reino sabe que eu, quanto pude com o meu conselho, ajudei a sua resolução de não terminar por si similhante negocio: tambem não devia terminar este; mas nós que temos essa faculdade devemos termina-lo,

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Os cindo annos são bastantes para a experiencia mostrar se se ganha, ou não. Todos sabem o que custou a formação no Porto, da companhia do barco de vapor; agora os pertendentes d'este, negocio declaram, que não realisam a sua companhia sem privilegio; esperar por outra, o resultado ha de ser nada.

Ha outro inconveniente; o tempo da praça não deve ser illusorio, deve ser o necessario para se poderem formar propostas, e associações; e se o tempo de praça fôr illusorio, quando se acabará este negocio? Não é n'este anno; e entretanto perde-se todo este tempo, todo o verão, que aliás a companhia empregaria n'uma obra tão util como a construcção dos caes da outra banda, onde os não ha, e a titulo de todas estas conveniencias entendo, que vamos perder uma verdadeira conveniencia. Se concedermos o privilegio dos cinco annos, não matamos a industria, vamos apontar um exemplo d'industria, e vamos aproveitar o verão para se fazerem os caes; senão se aproveitar este tempo para se fazerem os caes, ficamos sem o negocio. Agora quanto á tabella dos preços, ha um meio muito simples, é, não continuarmos mais hoje no negocio; fazermos saber isso a um dos directores, ao que escreveu a V. Exca., ou a outro, que se diriga á Commissão ámanhã, que é para o fim de apresentar uma tabella dos preços; e apparece aqui a tabella no dia seguinte. Ora eu declaro, que voto pela pertenção da companhia; porque julgo que isso é de muita utilidade para o meu paiz: quem por formalidades se negar a isso fica sempre no mesmo estado.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Eu por mim estou determinado a votar por todas as emprezas, que fizerem as cousas melhor, mais depressa, e mais barato; e, sendo esta a minha persuação, parece-me que o meu fim se conseguirá, convindo o Congresso em que aos empresarios se dê noticia do embaraço em que nos achamos. Nem mesmo será necessario comprometter a mesa; os empresarios sabem hoje, ou ámanhã, tão bem como nós, o que aqui se passar, e talvez nos façam conhecer a tabella, e apresentem novos esclarecimentos, e melhor poderemos decidir então este importante negocio. Eu por mim acabo como principiei, dizendo, que votarei por todas as empresas, que fizerem as cousas melhor, mais barato, e mais depressa.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Parece-me que o Congresso está na opinião de que se deve admittir á discussão o projecto da Commissão sobre a empresa, uma vez que tenha mais esclarecimentos para poder julgar: estes esclarecimentos não nos podem ser transmittidos senão pelo ministerio; não devemos ter relações algumas com mais ninguem, nem devemos esperar que os empresarios saibam o que se passou aqui; os Ministros são o unico canal legitimo, por onde nos devemos communicar com pessoas ou authoridades de fóra. Para nos tirarmos pois d'esta duvida queira V. Exca. pôr á votação, se o Congresso quer ou não que o Sr. Ministro exija dos empresarios a tabella de todos os preços que devem pagar os passageiros, etc.; e no caso de se decidir affirmativamente, como me parece que ha de decidir-se, o Ministerio que nos remetta a tabella; e então o Congresso, depois de ter esses esclarecimentos, procederá com a prudencia que costuma. Eu parece-me que esta empresa é util, e pela minha parte estarei sempre prompto a apoiar qualquer empresa que aqui se apresente, que tenda a promover qualquer ramo de industria: não hei de perguntar d'onde vem, e sómente indagar a sua utilidade. Concluirei pois dizendo, que o que me parece mais legal, é que V. Exca. ponha á votação se se deve ou não exigir a tabella; porque, vencendo-se affirmativamente, está acabada a questão, e participa-se ao Sr. Ministro do reino a resolução do Congresso para o fazer constar aos empresarios.

O Sr. Almeida Garrett: - Todas estas considerações tem apparecido depois que fallou o Sr. Deputado pela Madeira. Diz elle que é necessario uma tabella, para que julguemos sobre ella. Allegam outros Srs., e com razão me parece, que isso é negocio do Governo. Vejamos se podemos trazer a questão ao seu verdadeiro estado; o que diz a Constituição? (leu.) Porque não concedeu o Governo o privilegio? Porque não tinha lei; pois authorisemos nós o Governo com essa lei geral; marquemos-lhe os limites; eu não quero dar voto de confiança ao Governo, quero authorisar o Governo para que dentro de certos limites conceda o privilegio. Aqui sigo a Constituição; ella diz conceder privilegios exclusivos é da attribuição do Governo; não ha leis que regulem a maneira de o fazer. Ora para tornar a execução deste artigo possivel, o unico meio legal é decretar limites ao Governo para conceder o privilegio. Este é o modo porque poderemos acabar com a questão sem ficarmos dependentes de tabellas e outras cousas, que nos não toca averiguar. Porque; observemos, Srs., que ha de acontecer o que diz o Sr. Leonel; havemos de estar um tempo eterno sem decidir a questão. Nós não estamos em caso ordinario, nós não somos um simples Congresso legislativo, devemos outras obrigações á nação, somos constituintes, não podemos descer a estes detalhes; authorisemos o Governo, e se elle o não fizer nos limites que lhe marcarmos, accusemo-lo, e castiguemo-lo depois.

O Sr. Presidente: - Quando as cousas são trazidas por meios que não são os competentes, acontece sempre isto; a questão, no estado em que está, é sómente tratar-se do parecer da Commissão; porém pede-se a palavra sobre a ordem, porque em fim o estado em que se apresentou o negocio foi irregular, e da falta de regularidade nasce esta confusão: cada Sr. Deputado tem apresentado o seu arbitrio, e a final eu não sei a que havemos de chegar: um diz que vá ao Governo, outro diz que se adie, outro que se faça uma lei geral; e eu creio que o melhor era discutir o parecer, e a final approvarmos, ou não, isto que aqui está; e o resto lá fica á empresa pelas vias legaes.

O Sr. João de Oliveira: - Não vejo que se possa votar sobre o parecer, porque elle não diz nada.

O Sr. Presidente: - Eu quero saber a final ao que havemos ir.

O Sr. Alberto Carlos: - Eu principiava agora a fazer uma substituição, a fim de que o negocio fôsse ao Governo, para que nelle proceda da maneira que o fez com as estradas. A companhia está formada; e, ou se lhe conceda ou não o privilegio, a navegação ha de fazer-se; a differença é que não cumprem o que promettem sobre os modicos preços das carreiras, então taxa-las-ha como quizer, e fica no mesmo caso que está o vapor do Porto: por tanto parecia-me que o meio era este que proponho, e neste sentido vou mandar uma substituição para a mesa, para que não deixemos escapar esta occasião de interessar o publico.

O Sr. Presidente: - Isso é quasi escusado, porque o estado actual da nossa legislação é como todos sabem; é o Governo propôr a concorrencia, e vir depois aqui pedir a sancção do Congresso no que depender de medidas legislativas.

O Sr. Barjona: - A questão reduz-se: a se este negocio ha de tratar-se já, ou ha de ficar adiado. E neste segundo caso, se ha de ser remettido á Commissão, ou ao Governo.

O Sr. Alves do Rio: - Eu pedi a palavra sobre a materia. Querem ou não vapores? Se os não querem então não se trate disto; mas seremos nós a unica nação que os não queira para a sua communicação interna? O barco de vapor portuguez é só um, e só para Villa Franca, e Villa Nova, e esta empresa propõe para todo o Tejo; é uma navegação em grande: os auctores desta empresa fizeram os seus estatutos, e na fórma da lei pediram ao Governo authorisação: o Governo mandou ouvir o procurador da corôa, e elle veio com esta quota (leu), que não cabia na attribuição do Governo; e este mandou para o Congresso, e a Commissão restringiu-se unicamente ao privilegio, e aos direitos,

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tudo o mais é do governo; eu fui membro da Commissão, não votei pelos vinte annos de privilegio: mas se se lembrasse tres ou cinco annos, eu teria votado por esse praso. Quanto á tabella, ella está aqui expressa, são os mesmos preços, porque agora se passa para a outra banda; e isto todo o mundo sabe quanto é, são preços estabelecidos. Aqui diz: e será livre a entrada dos barcos; isto é claro: é uma empresa, não é ama industria; aqui não ha uma fabrica de fazer viagens, aqui não ha senão dinheiro, e é perciso interesses de quem promove a empresa. Nós não estamos em Inglaterra, estamos em Portugal; eu quizera que todos os que
tem por lá andado nos trouxessem cousas, que convenham a Portugal: por tanto ou se quer isto, ou não; vinte annos parece-me muito; mas vencido que se conceda algum privilegio, trataremos depois do tempo.

O Sr. Presidente: - A hora parece que já deu, e então o negocio não póde deixar de ficar adiado. A ordem do dia da primeira sessão será a mesma de hoje, e se houver tempo alguns pareceres dos que estão sobre a mesa. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto.

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