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bre este paiz, como se elle fosse a táboa limpa, e raza do geometra, e por outro lado observo que justamente receosos os outros da impracticabilidade, e impossibilidade das abstracções theoricas, recorrem á historia e á experiencia para estabelecer, pelos factos do homem, a sciencia do homem, e regular por ella a Constituição, que se pertende dar ao povo.

Se pozermos de parte o que de sua origem, e futuros destinos nos diz a revelação, não sei que outra cousa saibamos do homem senão o que os factos delle nos ensinam. Toda a sciencia humana, sem excepção nenhuma, é de factos; as verdades mathematicas, puras e eternas como são, só chegámos a ellas por factos; e tivemos de contar pelos dedos um, dois, tres, antes de sabermos esta verdade, que hoje nos parece tão simples, que dois e um são tres: assim chegamos a todas as poucas, que sabemos. Ora como havemos de chegar a verdades tão complexas como são as politicas, e constitutivas se não formos pelo mesmo caminho dos factos? Estes não se estudam senão na historia, na experiencia dos póvos, ou naquellas por que nós mesmos tivermos passado. Acaso e rara vez podemos appellar para o sentimento intimo, que pouco nos diz. E em pontos destes eu sómente sei que elle nos testimunha a existencia de duas cousas; que em nós pôz Deus o desejo, a necessidade da liberdade, e ao mesmo tempo, e ao pé delle o desejo, a necessidade da ordem. Isto é o que nos diz o sentimento intimo; isto é o que tambem confirma a experiencia e o facto. Destas duas necessidades forçosas nasceram os dois elementos governativos, que o homem desde a sua origem tem estabelecido: e a democracia o governo da liberdade; e a monarchia o governo da ordem. Mas a monarchia e a democracia, mas a ordem e a liberdade tem luctado constantemente; mas a historia politica de todas as nações, de todos os povos não consta senão da lucta entre uma e outra - da repugnancia de uma com outra - dos excessos de uma forçando a apellar para os excessos da outra; -em summa a historia do homem redusida a dois capitulos; o da anarchia, e o do despotismo. Raros e rarissimos, e intercallares de verdadeira liberdade, de verdadeira ordem! Assim viveu o mundo seculos e seculos. Não fatigarei o Congresso com a demonstração do que assevero, e todos sabem, desfiando, uma a uma, a historia de todas as nações, cujos factos principaes aqui tem sido já citados. Bastará dizer o que é incontestavel e todos conhecem; que a historia do genero humano, seja quem fôr o chronista, assim é contada por todos. Nós queremos a monarchia como a querem todos os povos sem excepção nenhuma, ainda aquelles que professam viver no systema chamado republica; porque republica é todo o Governo, era que se considera, e attende a causa publica; e dar exclusivamente este nome aos que não tem chefe hereditario, é uma impropriedade de expressão. Todos os povos queremos a monarchia, porque todos precisamos ordem; todos queremos a democracia, porque todos precisamos, todos queremos, e temos necessidade de liberdade. - Mas estremes ellas e separadas já sabemos os excessos, a que levam, e por isso repugnam; uni-los, combina-los, onde estará o meio de o conseguir? - Bastará escrever-se em uma lei? Bastará decreta-lo a Constituição, e que a assignem os Deputados, para que estes dois elementos possam ficar unidos, e para que a sua união passe do papel á pratica? Não basta; e a experiencia dos póvos, que sem outro meio senão este o tem querido fazer é documento irrefragavel de que senão póde effectuar. Neste cabos se revolviam todos os Governos antigos, quando um homem só, um daquelles homens raros, que adivinham o futuro, que muito superiores e adiantados de seu seculo, nunca são entendidos por elle, daquelles homens que descobrem as verdades mais simples, e por tanto as mais difficeis de achar, - esse homem encontrou a resolução do problema. Foi Cicero, o homem da republica quem o resolveu. Mas fatal destino das cousas humanas! O homem transcendente morreu desentendido do seu seculo, e ignorado dos vindouros.

Quasi todas as obras filosoficas, politicas, e de eloquencia do grande consul de Roma, atravessaram as idades barbaras, e quasi tem interrupção tem continuado a fazer as delicias do filosofo; logo a sciencia do homem d'estado, o estudo do orador, o seu livro mestre, a sua obra prima, o tractado de republica, apenas conhecido de nome, estava perdido para nós.
Neste tractado estava resolvido o grande problema de uma Constituição politica, em que o Governo de ordem se combina com o de liberdade. - Parece que assim queria a fatalidade das cousas humanas; que o grande segredo ficasse tantos seculos debaixo d'um alçapão de ferro, para que o homem continuasse a endoudecer por elle. Quem sabe! Talvez que tanto sangue, que se derramou durante as luctas dos póvos modernos, não fosse vertido, se o nome e authoridade de Cicero tivesse podido interpor-se entre a questão e a espada.

Foi mister cançar a Europa de pelejas e desgraças para se achar no fim das luctas o mesmo, que no fim das luctas romanas tinha achado Cicero: as cousas eram as mesmas, as observações as mesmas, as circumstancias identicas, e a revolução do problema foi o mesmo. E quando lavado das argucias theologicas e sophisticas, com que os frades ignorantes da meia idade, tinham sujado o pergaminho Romano, a republica de Cicero appareceu ha 12 para 15 annos: nós já, á nossa custa, tinhamos achado o que elle descubríra á sua.

Nós portuguezes porém, nós representantes de um paiz quasi virgem, graças a Deus, das torpezas da anarchia, de um paiz, em que as discordias civis ainda não chegaram a ponto de atacar-se abertamente a vida, a propriedade do cidadão; nos que temos a gloria e a fortuna de ser representantes de um povo generoso e prudente, que nos cumpra fazer? Appellaremos paro a experiencia dos seculos, acceitaremos o testamento e o legado dos grandes homens, ou iremos lançar a nossa patria no fatal escorregadouro das experiencias? A opção não me parece difficil; e estou certo que as Côrtes portuguezas de 1837 não hão de dar esse triste documento de cegueira e desamor de patria.

Por minha parte quero consultar sobre tudo a experiencia madura, e despresar as theorias verdes. D'alli sei que terei fructo que sustente; daqui talvez nem flor que engane.

Com este espirito quero resolver o problema.

Eu não entendo a possibilidade de tractar separadamente de outras a questão, que hoje se agita: não sei como bem se dispute da organisação do Poder legislativo sem relação aos outros poderes, que com elle jogam na recta formação do systema representativo. Fallando pois de um, fallarei dos outros; e especialmente quando se tracte do corpo, que tem de formar as leis; preciso de considerar a authoridade, que as sancciona.

Vindo primeiro á formação do Poder legislativo, entendo que não é possivel organisa-lo senão com duas Camaras. E citarei aquella famosa expressão rustica, mas sublime de simplicidade, e digna da singeleza d'alma, da pureza do coração, de quem a empregou. Foi o virtuoso Penn, que offerecendo á assembléa da Pensilvania o seu projecto de Constituição com duas Camaras, disse: Em um destes corpos está o movimento, estão as rodas do carro do estado para subir no progresso; no outro está o calço para o amparar nas subidas.

Assim se combina a celeridade do movimento da vontade nacional do todos com a prudencia e moderação dos mais experimentados.

Estes são os verdadeiros homens da republica, aquelles, para quem já acabou o individuo, e só existe a causa publica,

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III 6