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SESSÃO DE 28 DE SETEMBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro).

Abriu-se a sessão às onze horas e meia da manhã, estando presentes oitenta e um Srs. Deputados.

Leu-se e approvou-se a acta da sessão anterior.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre a organisacão das Côrtes: tem a palavra o Sr. Fernandes Thomaz.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sr. Presidente, para me convencerem a votar por uma só Camara, seria necessario que se me provasse primeiro, ou que uma segunda Camara era incompativel com as liberdades publicas; ou segundo, que pelo menos ella seria um estorvo ao bom andamento do systema representativo, e uma verdadeira imperfeição. Mas, Sr. Presidente, nenhum dos Srs. Deputados, que tem advogado a unidade do corpo legislativo, demonstrou ainda quer uma, quer outra das proposições, que acabei de enunciar; e então não posso mudar da minha opinião -duas Camaras = Tem-se dito muita cousa contra ellas, mas não se tem passado de argumentações sem força, e de asserções gratuitas; razões convincentes, nem uma só ainda se deu, como é fácil demonstrar.

Porém , Sr. Presidente , antes disso eu desejava fazer a reflexão seguinte: que se tem trazido para demonstrar que a formação de duas Camaras é incompativel com a liberdade do paiz? O exemplo de Inglaterra; e para provar que o systema de uma só Camara repugna com as idéas de sua politica, e publica estabilidade, tem-se igualmente trazido o mesmo exemplo! Ora, Sr. Presidente, parece-me que elle não póde servir na questão actual, nem pró nem contra; porque não tem as circumstancias d'aquelle paiz paridade alguma com as nossas. Os exemplos de Inglaterra não podem servir para a França; ou para outros paizes, que estão abaixo da França, mas inferiores ao nosso, quanto mais para nós! A historia do governo constitucional d'Inglaterra, e das suas revoluções politicas é mui singular. Em todas ellas o povo sempre tem lucrado mais ou menos, em quanto que nps ontros paizesquas,i em todas as épocas, os sacrifícios de muitos tem sido para proveito de poucos. Em Inglaterra os nobres ligaram-se com o povo para obstar ao despotismo dos Reis: nos outros paizes os Reis ligaram-se com os povos para de debelirem o poder dos aristocratas. Vejam-se ao mesmo tempo os barões inglezes a extorquirem a Magna Carta a João Sem Terra, e Filippe Augusto de França unido ao povo a esmagar em Bovines o poderio dos srs. feudaes.

Ahi está a Dinamarca que já hontem se citou, onde o povo ajoelhou aos pés do Throno para se libertar do despotismo dos grandes; ahi ha exemplos na Suecia, no reino visinho a nós, e da nossa proprio historia; basta citar que um dos Reis mais populares, que tivemos, não obstante ser um dos mais despoticos, foi o nosso D. João II, só porque andou sempre em continuas hostilidades com os srs. de terras. Eis-aqui como a Inglaterra, e a sua aristocracia não póde servir de exemplo para nós, porque sabe fora da marcha uniforme das outras nações, e particularmente da nossa. Se a aristocracia inglesa tem feito -""rviços á liberdade, a aristocracia das outras nações tem feito o contrario e por isso não se traga como exemplo: Se eu argumento por outro lado contra o estabelecimento de uma camara aristocratica; e de privilegio , como a ingleza, tambem se não traga essa exemplo, porque nós não temos já essa aristocracia forte, e soberba. A organisação constitucional d'Inglaterra é só propria d'aquelle paiz. Nós não queremos uma segunda Camara de privilegio e aristocratica, mas na minha opinião só a devemos querer de origem popular, como a primeira (apoiado).

Disse um Sr. Deputado, que a formação d'uma segunda Camara seria incompativel com as liberdades publicas; e, sé o provasse, decidida estava a questão; mas o Sr. Deputado quando o quiz demonstrar, recorreu á exclamação seguinte: e querem uma Camara composta das notabilidades sociaes?" E que garantias dá ella ao povo? Querem uma Camara de desembargadores? Deos nos livre, que são inimigos do povo. Querem que ella se componha dos militares das ultimas patentes? Nada, que são inimigos do povo. Querem lá vêr os grandes proprietarios, os homens de subidos talentos, e distincto saber? Por modo algum, são outros tantos inimigos do povo!!" Eis-aqui, Srs., como se tem argumentado! Dize-lo, nada mais facil; mas prova-lo não o julgo eu possivel. Oh, Sr. Presidente, pois quaes são aquelles, que melhores garantias podem dar a bem do povo, a bem da ordem, e da segurança da liberdade? Não são esses, que dedicaram de longos annos seus serviços na gerencia dos negocios publicos, na profissão das armas, nas suas longas meditações, e estudos a prol do seu paiz, não são esses bem qualificados representantes delle? Ha de dizer-se: tu que és tenente general, tu que és grande proprietario, tu que és magistrado, vós todos embora tenhais ganho vossos empregos á custa de trabalhos, vigilias, e estudo, e sacrificado vossa fazenda, e vidas para merecerdes a estima de vossos concidadãos, e o nome de servidores leaes de vosso paiz vós todos retirai-vos, que não podeis constituir um segundo corpo legislativo; vós sois inimigos do povo!!.. Que tristes reflexões se podem fazer sobre tal asserção, Sr. Presidente! Que desgraçadas consequencias se não podem deduzir della! Aonde é que se podem achar maiores garantias para o bem-ser do paiz em dous corpos co-legislativos, aonde se encontrem num desses as notabilidades sociaes delle ou em um só, cuja maioria póde ser composta de homens não conhecidos, sem serviços, sem aptidão para os negocios, e que começando por terem illudido o povo, se sirvam do alto logar de representantes delle, para involverem a sua patria, por sua louca ambição, em milhares de desgraças? Qual é aquelle, que mais facil é de corromper, qual é aquelle, que se deve julgar mais ambicioso? O que chegou aonde podia chegar, da aquelle, que ainda vê de muito longe o termo de sua ambição? (Apoiado.) Sr. Presidente, não me tem escapado nesta discussão uma circumstancia muito notavel, e é que aquelles de nossos collegas, que se esforçam por defender uma camara só, depois de julgarem ter provado que a creação d'uma segunda seria um mal terrivel para a liberdade do paiz, começam a provar depois a inutilidade dessa mesma segunda camara, como uma excrescencia constitucional! Ora, Sr. Presidente, parece que, depois de se julgar bem provada a primeira proposição, a que vem a segunda? Provado o mais, e o tudo neste caso, quero dizer, a incompatibilidade da segunda camara com a liberdade do povo, para que provar depois o menos, e o nada? Disse-se hontem que a multiplicidade dos corpos legislativos era um mal para a boa marcha dos negocios do estado; mas se por multiplicidade se entendem duas camaras, (porque ninguem, assento eu, quer mais) então declaro mui positivamente o contrario. Ellas são necessarias para a boa marcha das cousas: Uma camara só a legislar está mais sujeita á doença dos corpos legislativos "o abuso de fazer leis" D'ordinario sempre se abusa das faculdades, que se não, quer seja a um individuo, quer a uma collecção delles. Isso é da natureza humana. A multiplicidade de leis quando desnecessarias, é uma praga para a sociedade. Este mal sempre se obvia mais havendo duas camaras, do que uma só; porque a primeira camara evitará de certo fazer mais leis do que convém, e as circumstancias publicas imperiosamente exigem, com o justo receio de não serem approvadas

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na segunda camara e vice-versa. Estes dous corpos mutuamente se hão de respeitar, e d'aqui necessariamente ha de resultar beneficio para os povos.

Accrescenta-se que em dous corpos desta natureza sempre ha rivalidades, e que destas vem necessariamente prejuizo ao publico. Respondo tambem pelo contrario. Ambos elles quererão merecer a confiança dos constituintes, cada um quererá seja o mais imparcial, e o mais justo, e deste mutuo esforço para agradar, quem ha de tirar vantagem ha de ser o povo. (Apoiado.) E demais, Sr. Presidente, se a rivalidade é um mal, acaso se evitará ella em uma só camara? Não ha nelle rivalidades? Não ha dissensões, que são muitas vezes as maiorias, e as minorias? Accrescentarei ainda, que n'uma só camara póde formar-se uma maioria ignorante, malfazeja, impopular; a que poderá contra ella uma minoria sabia, bem intencionada, e verdadeira representante do seu paiz? Ser sempre vencida. E havendo uma segunda camara d'eleição popular, já não póde fazar tanto mal essa maioria furiosa, pois lá está outra maioria n'outra sala, que o não é. (Apoiado, apoiado.) Eis-ahi evitada a collisão, que tem consequencias sem remedio, da maioria contra e minoria pela collisão, que tudo remedeia d'uma maioria contra outra maioria.

Sr. Presidente, quanto a mim em todos os argumentos, que se tem trazido, ainda não bouve uma só razão, que podesse demonstrar que a formação de uma segunda Camara era imperfeita, e que era incompativel com a liberdade dos povos. Quando eu pelo contrario todas as razões, que tenho expendido, tem a meu ver, de sobejo provado a necessidade da formação de uma segunda Camara; e para ainda mais mostrar a grande necessidade della, basta lembrar que temos nas nossas procurações expressos os desejos dos nossos constituintes para que façamos uma Constituição que fique em harmonia com os governos representativos, das nações livres da Europa. E o que ha nos paizes circumvisinhos? Duas Camaras? Logo aqui se conhece a necessidade, que temos de uma segunda Camara, para nossa Constituição ficar em harmonia com as dos paizes circumvizinhos. Disse-se tambem que a actual Camara tinha dado um documento da sensatez, e de que não era incompativel a sua existencia unica com a justa distribuição dos poderes politicos; e disto se apresentaram factos, que assaz provam o bom uso, que temos feito do poder, que nos foi confiado; mas isso que quer dizer? Que havemos sido bons representantes do povo. E pergunto eu agora, e havemos de ser eternos? É para nós Deputados presentes que fazemos a Constituição, ou para o paiz? Para a nossa vida, ou para o futuro? Em fim, Sr. Presidente, nós que desejamos pôr em ordem o nosso malfadado paiz, e dar estabilidade às nossas instituições, de certo e não conseguiremos, se tomarmos mão do systema, que tem mais inimigos. E na verdade, Sr. Presidente, queremos fazer uma Constituição, que vá a pár das outras dos paizes civilisados, e livres; e ficaremos sós nomeio de todos elles? (Apoiado, apoiado.) Ainda que muitas razões houvesse para se reputar melhor systema o de uma só Camara (que de certo não ha) sacrificariamos á facilidade do throno as difficuldades, as praticas? Sr. Presidente , as revoluções começam de ordinario por uma só Camara; e quando um paiz se quer constituir, é na verdade um só corpo legislativo, que melhor o póde fazer; mas tambem de ordinario como acabam as revoluções? Consulte-se a historia dos paizes constitucionaes; terminam sempre por duas Camaras. Tendo começado por uma, começamos por onde deviamos começar, terminemos pois como devemos terminar pelo estabulecimento de duas.

Eu entendo que devem haver duas Camaras; mas entendo que a segunda Camara deve representar tanto o povo como a primeira; porque eu não julgo, que haja representação senão do povo, e mais nada. Os poderes politicos não são senão emanações da soberania nacional, não são mais que representações do povo, porque este não se póde representar a si em massa.

Ora, Sr. Presidente, debaixo deste ponto de vista digo que o Rei é um representante do povo. Eu não admitto que o Rei seja uma pessoa á parte na nação; a nação é tudo: o Rei é um individuo pertencente á nação como os outros individuos della; e a differença que eu acho entre uma monarchia, e uma republica, não é senão esta: na republica o chefe não é perpetuo, mas sim temporariamente eleito: na monarchia existe a perpetuidade do chefe; e se quizermos consultar a nossa historia ella nos dirá que a eleição presidio á formação de monarchia, e varias vezes se tem repetida nas pessoas de nossos reis.

No campo d'Ourique o exercito acclamou D. Affonso Henriques, e depois fizeram o mesmo as Côrtes de Lamego. Quando se rompeu a linha de successão pela morte de D. Fernando tivemos uma nova eleição, a de D. João I pelo senado, e corporações de Lisboa, e Côrtes de Coimbra. Terminou infelizmente outra vez a linha de successão em D. Sebastião, veio a usurpação hespanhola; e uma nova eleição teve logar na pessoa do Duque de Bragança, cuja dynastia por felicidade nossa ainda hoje nos governa. Por consequencia sempre que tem terminado uma dynastia, outra é eleita pelo povo o Rei é pois um representante da nação, e eleito por ella; com a differença, que o Rei é perpetuo em sua pessoa, e descendencia, e o Presidente d'uma republica é temporario. Nos corpos legislativos quero eu por tanto eleição em ambas, porque ambas representam a nação: eu não quero para um corpo de representantes uma regalia, que não dou ao poder monarchico, porque vejo que elle é sempre eleito, e só tem a perpetuidade na linha de dynastia para o bem-ser da sociedade. Vejo que a Camara dos Deputados é eleita pelo povo, quero que a segunda Camara o seja tambem pelo povo. (Apoiado.)

Eu termino: tenho sido bastante longo, e esta discussão já está bastante adiantada; e termino Sr. Presidente, por me inclinar á opinião d'um celebre publicista, que descobre além dos interesses geraes, que estão a cargo dos representantes do povo nas duas Camaras, e na pessoa do Rei, interesses particulares, mas nacionaes, que caracterisam o differente mandato dos legisladores da primeira Camara, da segunda, e do Throno. (Apoiado.)

O Sr. I. J. Pinto; - Sr. Presidente, eu nada diria sobre este objecto, depois de tão lucida discussão, que tem precedido, se acaso eu não tivesse necessidade de emittir a minha opinião politica, porque o não pode fazer na discussão geral.

Eu entendo que se não póde fazer uma Constituição duravel, e estavel, sem haver duas Camaras. Eu entendia que em um Governo, de que um dos principaes elementos é a monarquia hereditaria, esta não podia existir, ao menos dentro da orbita de suas legaes attribuições, sem um corpo permamente, forte, e intermediario, que sem ter interesses oppostos aos da Corôa, como os antigos individuos, que componham as Assembléas feudaes, não podesse ao mesmo tempo prescindir dos interesses do povo, o que tivesse por isso a peito, tanto conservar integras as prerogativas da Corôa, como não deixar invadir as do povo. Eu via que todas as Nações, que tem querido ser livres, e todos os povos, que tem querido firmar solidamento suas liberdades patrias se tem achado embaraçados pelo modo como hão-de conservar intacta, e garantida a independencia dos poderes porém que todos os meios empregados pelos povos desde os Ephoros em Esparta até ao senado conservador em França, nenhum tem sido tão efficaz, como a segunda Camara, de cuja invenção tem a gloria a nação ingleza ,e por ella empregado com tão bom successo: todos os outros meios, ou tem tornado mais aggravante o mal, de que tinham a cargo garantir os povos, aspirando elles mesmo ao despotismo, ou tem sido victimas d'outras suggestões, servindo de escada á

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tyrannia a segunda Camara porém tem produzido effeitos inteiramente oppostos.

Além disso, Sr. Presidente, apresentar uma unica Camara, e Soberana a par de um Rei hereditario, e uma irrisoria anomalia; é tirar o prestigio áquelle que tem necessidade talvez delle para exercer as suas funcções: era pôr dous corpos sem interesses differentes em contínua lucta, cujo resultado, devia ser o despotismo, quer elle viesse do Rei, quer do povo, entre os quaes eu não sei optar; e nesta, lucta, Sr. Presidente, qual teria a causa mais compromettida? Eu respondo, sem hesitar, que a do povo; pois quando este chegasse (do que duvido) a conseguir um doloroso triunfo sería para satisfazer a ambição, do que o conduzisse á victoria. O povo, Sr. Presidente, sendo tudo não é nada, é o agente do primeiro, que o sabe fazer mover, é a maior parte das vezes o instrumento da sua propria sujeição; em quanto o Rei collectado em uma posição que satisfaz as ambições humanas, quasi sempre é o mais forte. Encarada a questão por este lado, eu voto pelas duas Camaras; e se nesta opinião tive algum tempo tibieza, isto foi pelo proprio facto da Commissão, quando ella apresentou um projecto, que me parecia mais proprio para a monarquia electiva, que para a hereditaria; porém attendendo aos fortes motivos, que ella teve para o apresentar nestes termos, eu não posso deixar de dar immensos louvores á Commissão, pelo partido que ella tomou.

Sr. Presidente, eu não trataria de responder a alguns argumentos, que se produzirão em sentido contrario, porque a grande parte delles, já se tem respondido se não suppozesse que a alguns em parte, se não respondeo com suficiente elucidação.

Um illustre Deputado disse que havia ainda, hoje na Europa dous corpos colegislativos; mas que a razão era porque os povos ainda não tinham acabado a conquista de seus direitos: porém qual será a razão disto? Sr. Presidente, senão é porque os povos se não acham ainda elevados áquelle gráo de civilisação necessaria, e á moralidade, que os póde constituir na posse do optimo neste genero; (porque um povo que conhece os seus direitos tem vontade de os vindicar, e se se acharem em estado de gozar delles, não tem mais que declarar a sua vontade, e a conquista está feita) então será talvez porque as desgraçadas experiencias feitas na Europa, e talvez em todo o mundo, lhes tem provado que não devem fazer outras da mesma natureza imprudentemente. Se acaso é pela primeira razão, esses povos, a que allude o illustre Deputado, necessariamente são aquelles das nações mais illustradas da Europa, porque eu não posso conceber que sejam outras; e então nós que estamos muito atrazados em civilisação, como é possivel que queiramos deitar a barra em politica adiante dessas mesmas nações? E se acaso a razão é a segunda, eu supponho, e sei que o illustre Deputado é dotado dos conhecimentos necessarios, e de bastante amor patriotico, para que nos não queira apartar da vereda da prudencia.

Disse mais o illustre Deputado que Inglaterra, de quem se deduziram alguns argumentos a favor da segunda Camara, estava n'um estado excepcional a nosso respeito, e por dous motivos; já porque a sua Constituição constava de fragmentos conquistados, ora pelo Rei sobre os Barões, ou grandes Srs., ora por estes auxiliados pelo povo sobre o Rei; que estes fragmentos eram baseados no systema feudal, que a conquista estabeleceu na Inglaterra; e que nós estavamos n'um estado muito differente, porque entre nós nunca houve semelhante systema; e logo por uma especie de contradicção disse S. S.ª, que a outra razão de differença, era porque os princIpios de liberdade estavam gravados no coração do povo inglez, em quanto entre nós tudo era indifferença a semelhante respeito. Mas S. S.ª deve lembrar-se de que, se o feudalismo entre nós nunca foi reduzido a um sjstema, comtudo de muitas apparencias de feudalismo, nós nos ressentimos; e, se fosse necessaria alguma prova, não temos senão ,a tira-la das medidas, que se tem empregado, desde 1821 até hoje, para desvanecer inteiramente da nação semelhantes vestigios. Além disso, que esses mesmos fragmentos, de que hoje consta a Constituição ingleza; são medidas tomadas contra esse sistema, que tem reduzido a nação a um estado que hoje pouco differe da nossa; em quanto á outra razão de differença, por isso mesmo é que eu julgo necessaria ainda mais entre nós a segunda Camara. Além disso, Sr. Presidente, disse o illustre Deputado que a segunda Camara não podia ser medianeira entre o Rei, e o povo; é a razão era a seguinte, porque tendo ella sempre de rivalisar com a primeira Camara, devia decidir constantemente contra as decisões daquella, e ao mesmo tempo não podia pronunciar-se ácerca da vontade do Rei, porque pronunciava, primeiro que elle a tivesse declarado. Mas eu, Sr. Presidente, entendo, perfeitamente o contrario: entendo que nem a segunda Camara deve decidir sempre contra as decisões da primeira, pela rivalidade que se lhe supõem , porque os interesses são mutuos: e nos membros da Segunda Camara mais se deve suppor este interesse, porque é do suppor que tenham mais vinculos que os unam á patria, e que tenham mais a peito a segurança individual, e real, e a ordem publica;, mas nem ella foi inventada para compra secundar as vistas da Corôa; e as suas decisões tem por fim a prudencia e moderação, e com ellas revestir as medidas legaes das qualidades, que as devem tornar duraveis, e exequiveis. Por todas estas razões eu voto pela segunda Camara, e voto pelo parecer da Cammissão, tal qual o apresentar a maioria.

O Sr. Maia e Silva: Sr. Presidente, somos chegados á época de preencher a nossa missão, e ao mesmo tempo os votos de todos os Portuguezes dignos d'um semelhante nome. A Divina Providencia coroou os desejos dos meus illustres collegas, que assim como eu trataram de espaçar por 15 dias esta questão: no meio deste praso acabou a revolta; e a salvo ficámos nós do odioso, de que alguem pouco nobre, e acintemente quizera cobrir-nos.

Agora pois que o Genio do mal fugio do nosso paiz, que o estridôr das armas, e o sybillar das balas já não perturba o familiar socego, nem se escuta nas provincias do Norte, devemos com toda a paz d'espirito, sisudeza, e serenidade construir o edificio da prospesidade publica, e ultimar d'uma maneira sólida o Pacto fundamental da Monarchia.

Pró, e contra se tem argumentado sobre a existencia de uma segunda Camara: eu voto por ella, Sr. Presidente, mas prescindirei dos argumentos intrinsicos, para demonstrar a sua necessidade; deixarei o metafico da questão; porque o habil Orador, que hontem fallou ultimamente, bem como hoje o que encetou esta discussão, tão bem desenvolveram esta materia, que eu seria temerario, se alguma cousa pertendesse accrescentar.

Limitar-me-hei pois a responder a alguns argumentos produzidos por dous illustres Deputados, cujos talentos são superiores á causa, que defendem, e a cuja capacidade eu não tenho repugnancia alguma em applicar aquella linguagem, que á sombra de Heithor, apparecendo a Eneas, deu o Poeta latino =

....Si Pergama dextra

Defendi possent, etiam kac defensa fuissent. Disse o primeiro dos illustres Oradores - que para o bem d'um paiz bastaria uma só Camara, onde os Povos tivessem conquistado a sua força. - A resposta a este argumento está em Xenofonte, e Nepos , que nos deixaram o quadro das atrocidades praticadas em Athenas pelo governo dos tres Tyrannos ideado por Lysandro. - Que não convinha entre nós uma segunda Camara, porque os habitos liberaes ainda não estavam arraigados no paiz - Ora, Sr. Presidente, é por isso mesmo, que eu a julgo necessaria

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Desde que Lock, o creador da Idealogia, e Condillac, desenvolveram a marcha dos conhecimentos humanos, é sabido hoje, que nós devemos partir sempre do conhecido para o desconhecido. Se assim não fizermos, transtornaremos todos os nossos systemas. É esta a marcha da Natureza. E o homem que é arbitro della, por seus meios tambem segue o mesmo trilho. - O homem nasce, cresce, vigora-se, está por algum tempo estacionario, e depois decresce, definha-se, e morre. Tudo no Mundo assim vai. As leis que nós agora aqui fizermos, tambem hão de morrer um dia. Esta é a moda geral da Europa; mas quem póde volvidos tempos affiançar-lhes a sua duração? E por isso um Sabio methafisico Inglez sómente se abalançava a fazer um Codigo de leis, que apenas durasse um seculo. Mas quereremos nós que as nossas instituições morram antes da sua decrepitude? Antes mesmo de amadurecerem, ou de chegarem á puberdade?.... Não precisarão ellas de um apoio, que lhes guie a planta debil, e ainda incerta na estrada da civilisação? E a segunda Camara não lhe dará este apoio nas circumstancias, em que nos achamos?....

Se o elemento primitivo de uma só Camara é a reflexão, como ha de essa reflexão ser modificado por um corpo estranho, pergunta o mesmo illustre Orador? Pois bem, e não sendo modificada não volverá um dia essa reflexão sobre a consciencia da sua força? E se a ambição se misturar a isto? Se essa Camara se adiar hoje, se ámanhã se tornar inamovivel, e depois de amanhã tyrana? Queremos a lei dos Tyrannos?

O segundo Orador, o meu nobre amigo Deputado por Aveiro, tambem pergunto em que seculo viviamos nós, ou se estando no seculo 19.° quereriamos retrogradar para a idade media? Sr. Presidente, ou eu não entendo a questão, ou por isso mesmo que estamos no seculo 19.° devemos ter duas Camaras: se isso é o que se vê em todas as Monarchias Representativas; se esse é o uso geralmente estabelecido nos Povos melhor constituidos, para que havemos de colocar-nos em uma posição excepcionali? Temos nós mais força, mais illustração, mais exuberancia de meios? Não o concebo assim.

Argumentou-se com a rivalidade dos Corpos colegisladores, como a causal da servidão dos Povos; e eu persuado-me de que, quanto mais rivaes forem esses Corpos, mais liberdade resultará para aquelles; e que assim como em um Collegio a emulação produz os bons alumnos, assim tambem a rivalidade nos poderes politicos ha de produzir a perfeição governativa.

O mesmo nobre Orador julgou chimerica e romantica a idéa d'equilibrio entre os poderes politicos. Será chimerica, Sr. Presidente, será um romance; mas é uma chimera, e romance sanccionado pelos factos da experiencia, e pelas lições da historia. É um romance adoptado por todos os Publicistas apoz de Montesquieu seu chefe; é um romance consagrado nas paginas de todos os Escriptores celebres, que se dedicaram ao estudo destas materias. Se não houver um correctivo aos excessos de uma só Camara, desapparecerão as prerogativas do Throno, dizia aquelle sabio Presidente. - E Mirabeau, Sr. Presidente, Mirabeau o idolo da Revolução Franceza, cuja authoridade não póde aqui ser suspeita, e cujas cinzas, apar das de Voltaire, em um accesso de vertigem foram colocadas nas aras do Deos dos Christãos; - Mirabeau não temeu affirmar, que sem esse equilibrio, sem essa linha divisoria, sem esse correctivo, elle preferiria viver antes em Constantinopla....em Constantinopla, Sr. Presidente, do que em França.

Fallou-se em sumidade de jerarchias: ora eu entendo que essa sumidade consiste na preponderancia, riqueza e fortunas de certos Cidadãos; e porque não havemos de interessar na nossa Causa essa preponderancia, essas fortunas? Segundo eu creio, é mais um penhor da futura estabilidade.

O Ilustre Deputado, para comprovar a sua doutrina, tirou o exemplo de nós mesmos, e disse, que este Congresso ainda não pertendêra ser déspota. É verdade, Sr. Presidente; mas o argumento não colhe; porque este Congresso tem lido uma excepção da regra geral. Direi aqui as idéas, que em seu abono expende um jornalista Francez. - Diz elle = que o Congresso de Portugal tem sido o unico na historia parlamentar - que sem ser faccioso, tem curado unicamente da salvação do seu paiz. - Que se viram Deputados nas Linhas; Deputados no Ministerio; Deputados dirigindo a opinião publica; Deputados mantendo a ordem nas Cidades; Deputados no campo brandindo a espada, e nos Concelhos manejando a pena. = Sr. Presidente, com tal Congresso, e tão nobres membros, era impossivel que triunfasse a revolta ; e o sucesso o verificou já.

Continuou finalmente o illustre Deputado, dizendo que cada um dos individuos, que aqui se assentam, o Desembargador por exemplo, que só cuida de Autos; o Parocho, que só serve para levar o Viatico, etc., etc., não tinham os recursos para formar um partido anarchico. Ora quer o illustre Deputado um exemplo, em que eu lhe mostre como esses individuos, essas humildes creaturas reunidas em um Corpo deliberante, causaram a destruição do seu paiz? Esse exemplo - ei-lo - é a Convenção Nacional Franceza. Lá estavam esses pobres Conductores dos Rebanhos de Jesus Christo, advogando atrocidades inauditas, e subscrevendo os decretos de exterminio, e de morte. Lá estava Danthon, e Robespierre, deshonrando a Magistratura, e a Toga. Lá estavam muitos pais de famílias, noutr'ora pacificos educadores de seus filhos, forcejando por extinguirem a geração então existente.. .. de lá partio o raio da morte a mais de dous milhões de victimas. que pereceram nas cadêas, nos cadafalsos, por meio da fome, do assassinato, e do suicidio. De lá partio o exterminio, a cento e tantos mil Cidadãos; de lá partio o incendio, que devorou mais de vinte e sete mil edificios. Centenares de conspirações, d'insurreições poseram o ultimo remate a esse systema devastador; e do paiz das delicias, fizeram, segundo o Abbade Dellile, uma patria d'amargura, e de dores. N'uma palavra poseram a França num transtorno tal, que na frase de Chatheanbriand, viam-se os tumulos, onde tinham existido os palacios, e os palacios, onde eram os tumulos.

Eis o que eu receio que aconteça na minha Patria. Doe-me as suas feridas; quero um Governo estavel, e permanente; e por isso voto por uma segunda Camara; porque só assim auguro a consolidação do nosso systema.

O Sr. Almeida Garrett: - Entramos na questão, sem duvida a mais transcendente, e que se póde agitar; mas com ser tal e tão importante, está já tão trilhada por 50 annos de discussão perpetua a que tem sido sujeita no mundo civilisado, - foi, demais, a mais, tão completamente tractada nos debates geraes do Projecto de Constituição, que firmemente estava resoluto a não tomar parte nella agora. Suppunha-a esgotada, cuidei-a madura e decidida; mas com grande espanto meu, por tal modo a vi hontem recrudescer; ouvi sustentar opiniões e doutrinas; propugnar em nome do povo cousas, que eu entendo que são damnosas ao povo; defender como a pró da liberdade, o que eu entendo ser destruidor da liberdade, que julgo de minha obrigação, como forçado e jurado defensor do povo de quem sou representante, e da liberdade, que tenho no coração desde que nasci, dizer alguma cousa sobre a questão; não tanto por esperar que de meu fraco pelejar, venha o triumpho da causa, que defendo; que esse couto eu decidido; mas porque me não soffre o animo vêr dar a batalha sem romper alguma lança pela sua causa.

Segundo o que tenho observado, na discussão pelos dois lados, em que se sustenta, parece-me que os oradores que mantem um delles pertendem com o compasso das theorias abstractas na mão descrever o circulo constitucional so-

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bre este paiz, como se elle fosse a táboa limpa, e raza do geometra, e por outro lado observo que justamente receosos os outros da impracticabilidade, e impossibilidade das abstracções theoricas, recorrem á historia e á experiencia para estabelecer, pelos factos do homem, a sciencia do homem, e regular por ella a Constituição, que se pertende dar ao povo.

Se pozermos de parte o que de sua origem, e futuros destinos nos diz a revelação, não sei que outra cousa saibamos do homem senão o que os factos delle nos ensinam. Toda a sciencia humana, sem excepção nenhuma, é de factos; as verdades mathematicas, puras e eternas como são, só chegámos a ellas por factos; e tivemos de contar pelos dedos um, dois, tres, antes de sabermos esta verdade, que hoje nos parece tão simples, que dois e um são tres: assim chegamos a todas as poucas, que sabemos. Ora como havemos de chegar a verdades tão complexas como são as politicas, e constitutivas se não formos pelo mesmo caminho dos factos? Estes não se estudam senão na historia, na experiencia dos póvos, ou naquellas por que nós mesmos tivermos passado. Acaso e rara vez podemos appellar para o sentimento intimo, que pouco nos diz. E em pontos destes eu sómente sei que elle nos testimunha a existencia de duas cousas; que em nós pôz Deus o desejo, a necessidade da liberdade, e ao mesmo tempo, e ao pé delle o desejo, a necessidade da ordem. Isto é o que nos diz o sentimento intimo; isto é o que tambem confirma a experiencia e o facto. Destas duas necessidades forçosas nasceram os dois elementos governativos, que o homem desde a sua origem tem estabelecido: e a democracia o governo da liberdade; e a monarchia o governo da ordem. Mas a monarchia e a democracia, mas a ordem e a liberdade tem luctado constantemente; mas a historia politica de todas as nações, de todos os povos não consta senão da lucta entre uma e outra - da repugnancia de uma com outra - dos excessos de uma forçando a apellar para os excessos da outra; -em summa a historia do homem redusida a dois capitulos; o da anarchia, e o do despotismo. Raros e rarissimos, e intercallares de verdadeira liberdade, de verdadeira ordem! Assim viveu o mundo seculos e seculos. Não fatigarei o Congresso com a demonstração do que assevero, e todos sabem, desfiando, uma a uma, a historia de todas as nações, cujos factos principaes aqui tem sido já citados. Bastará dizer o que é incontestavel e todos conhecem; que a historia do genero humano, seja quem fôr o chronista, assim é contada por todos. Nós queremos a monarchia como a querem todos os povos sem excepção nenhuma, ainda aquelles que professam viver no systema chamado republica; porque republica é todo o Governo, era que se considera, e attende a causa publica; e dar exclusivamente este nome aos que não tem chefe hereditario, é uma impropriedade de expressão. Todos os povos queremos a monarchia, porque todos precisamos ordem; todos queremos a democracia, porque todos precisamos, todos queremos, e temos necessidade de liberdade. - Mas estremes ellas e separadas já sabemos os excessos, a que levam, e por isso repugnam; uni-los, combina-los, onde estará o meio de o conseguir? - Bastará escrever-se em uma lei? Bastará decreta-lo a Constituição, e que a assignem os Deputados, para que estes dois elementos possam ficar unidos, e para que a sua união passe do papel á pratica? Não basta; e a experiencia dos póvos, que sem outro meio senão este o tem querido fazer é documento irrefragavel de que senão póde effectuar. Neste cabos se revolviam todos os Governos antigos, quando um homem só, um daquelles homens raros, que adivinham o futuro, que muito superiores e adiantados de seu seculo, nunca são entendidos por elle, daquelles homens que descobrem as verdades mais simples, e por tanto as mais difficeis de achar, - esse homem encontrou a resolução do problema. Foi Cicero, o homem da republica quem o resolveu. Mas fatal destino das cousas humanas! O homem transcendente morreu desentendido do seu seculo, e ignorado dos vindouros.

Quasi todas as obras filosoficas, politicas, e de eloquencia do grande consul de Roma, atravessaram as idades barbaras, e quasi tem interrupção tem continuado a fazer as delicias do filosofo; logo a sciencia do homem d'estado, o estudo do orador, o seu livro mestre, a sua obra prima, o tractado de republica, apenas conhecido de nome, estava perdido para nós.
Neste tractado estava resolvido o grande problema de uma Constituição politica, em que o Governo de ordem se combina com o de liberdade. - Parece que assim queria a fatalidade das cousas humanas; que o grande segredo ficasse tantos seculos debaixo d'um alçapão de ferro, para que o homem continuasse a endoudecer por elle. Quem sabe! Talvez que tanto sangue, que se derramou durante as luctas dos póvos modernos, não fosse vertido, se o nome e authoridade de Cicero tivesse podido interpor-se entre a questão e a espada.

Foi mister cançar a Europa de pelejas e desgraças para se achar no fim das luctas o mesmo, que no fim das luctas romanas tinha achado Cicero: as cousas eram as mesmas, as observações as mesmas, as circumstancias identicas, e a revolução do problema foi o mesmo. E quando lavado das argucias theologicas e sophisticas, com que os frades ignorantes da meia idade, tinham sujado o pergaminho Romano, a republica de Cicero appareceu ha 12 para 15 annos: nós já, á nossa custa, tinhamos achado o que elle descubríra á sua.

Nós portuguezes porém, nós representantes de um paiz quasi virgem, graças a Deus, das torpezas da anarchia, de um paiz, em que as discordias civis ainda não chegaram a ponto de atacar-se abertamente a vida, a propriedade do cidadão; nos que temos a gloria e a fortuna de ser representantes de um povo generoso e prudente, que nos cumpra fazer? Appellaremos paro a experiencia dos seculos, acceitaremos o testamento e o legado dos grandes homens, ou iremos lançar a nossa patria no fatal escorregadouro das experiencias? A opção não me parece difficil; e estou certo que as Côrtes portuguezas de 1837 não hão de dar esse triste documento de cegueira e desamor de patria.

Por minha parte quero consultar sobre tudo a experiencia madura, e despresar as theorias verdes. D'alli sei que terei fructo que sustente; daqui talvez nem flor que engane.

Com este espirito quero resolver o problema.

Eu não entendo a possibilidade de tractar separadamente de outras a questão, que hoje se agita: não sei como bem se dispute da organisação do Poder legislativo sem relação aos outros poderes, que com elle jogam na recta formação do systema representativo. Fallando pois de um, fallarei dos outros; e especialmente quando se tracte do corpo, que tem de formar as leis; preciso de considerar a authoridade, que as sancciona.

Vindo primeiro á formação do Poder legislativo, entendo que não é possivel organisa-lo senão com duas Camaras. E citarei aquella famosa expressão rustica, mas sublime de simplicidade, e digna da singeleza d'alma, da pureza do coração, de quem a empregou. Foi o virtuoso Penn, que offerecendo á assembléa da Pensilvania o seu projecto de Constituição com duas Camaras, disse: Em um destes corpos está o movimento, estão as rodas do carro do estado para subir no progresso; no outro está o calço para o amparar nas subidas.

Assim se combina a celeridade do movimento da vontade nacional do todos com a prudencia e moderação dos mais experimentados.

Estes são os verdadeiros homens da republica, aquelles, para quem já acabou o individuo, e só existe a causa publica,

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para quem já a ambição morreu; esses homens, para quem o adiantamento pessoal é impossivel; os homens, que tem todo que perder, nada que ganhar; os homens, que já não podem ter senão um verdadeiro espirito conciliador; e tal é a idéa, que o illustre Deputado por Santarem nos deu do seu Senado, idéa que eu admitto, mas não approvo em todo o desenvolvimento, que lhe deu. Este principio conciliador é o fiel da balança entre os dous poderes. Não preciso dizer muito para a demonstração deste principio reconhecido por toda a parte. Em 1822, creando-se uma Camara unica para discuttir as leis, e para as votar, reconheceu-se a necessidade deste principio, e então se recorreu a um Conselho d'Estado, creação absurda, inconstitucional, mas que em seu mesmo vicio mostra a necessidade da cousa. Fallarei agora da sancção real. Apresentada a questão assim só: se se deve dar a um poder do Estado uma acção de destruição, e annullação sobre os actos dos outros poderes; apresentada a questão assim, eu votaria contra ella, porque, se se me disser, se se ha de dar a um poder do estado, se se ha de dar ao chefe do Poder executivo este direito de privilegio sobre o Podar legislativo, apresentada assim a questão (estou persuadido que de boa fé, mas com pessimas expressões) eu voto contra ella; não quero tal sancção. Mas a questão não é essa, a questão é se entre os poderes politicos do estado se ha de dar a uns a moderação sobre os actos dos outros, para que elles não exorbitem, para que se conserve o equilibrio entre elles; esta é a questão, não é, se o poder executivo ha de ter a sancção sobre o poder legislativo; a questão é, se a um dos poderes do estado se ha de dar a moderação sobre o outro; este é que é o verdadeiro principio moderador, principio que eu tive a honra de desenvolver tanto neste Congresso, quando se tractou da discussão em geral; principio, que torna os outros poderes efficazes absolutos para todo o bem, incapazes para todo o mal: muitas objecções se tem feito a esta doutrina: mas permitiam-me os Srs. Deputados que lhes diga que todas as que aqui agora se repetem foram com outro vigor, com outra eloquencia repellidas na assembléa constituinte de França. Nada se disse de novo; muito do velho se deixou de dizer....

Uma voz: - As respostas tambem são repetições.

O Orador: - São repetições tambem as respostas na maior parte, não ha duvida; mas com esta differença, que as nossas theorias tem por si o assenso de todos os povos, aquellas tem meio seculo de desgraças, de miserias, e de actividades a refuta-las com brados de sangue, e de lagrimas. Boas ou más as nossas theorias não tem pelo menos esta refutação.

Entre aquellas objecções ha duas, a que especialmente desejo responder. É a primeira a impeccabilidade, e santidade da urna. Venha indo á urna; saia tudo da urna, que tudo ha de ser bom e recto, toda a organisação, que tiver esta base ha de ser util e vantajosa para o paiz.

Certamente que a eleição é um grande principio constitucional; mas será elle o unico? Deixado só e abandonado a si, será elle sempre recto, recto as mais das vezes? Que nos diz a nossa propria experiencia? Não vimos nós ainda peccar a urna nunca? Não peccaria nas nossas pessoas, (na minha peccou de certo) não nas que aqui estão; seria sacrilegio pensa-lo. Mas não peccou nunca a urna? Não se tem visto peccar a uma dentro desta casa? Ora, senhores, a urna não é essa cousa santa, e impeccavel! E se é possivel que elle péque, porque lhe não havemos de dar algum correctivo, algum director, que a arrede do peccado? Porque não havemos nós de pôr a essa virgem, virgem que deve ser pura, mas a quem tantas vezes escorrega o pé (Riso) forque não lhe havemos de dar tutor? Porque não havemos de pôr uma duegne á virtude, a uma donzella tão facil em peccar?

Perdôe-se-me metter cousas menos sérias em objectos de tanta gravidade. É um movimento involuntario, um deseja, a que não posso resistir. Para me fazerem bacharel obrigaram-me a dar juramento de defender a immaculada Conceição da Virgem: protesto que nem para ser bacharel prestaria hoje o juramento de defender a immaculada conceição da urna eleitoral, (Riso.) Ha outro argumento, a que pouco tem recorrido ultimamente os illustres Oradores da opinião contraria (honra lhes seja por isso), mas a que muito se tem recorrido dentro e fora desta casa, e que por isso necessita resposta. Este argumento é - que o povo proclamou a Constituição de 22, que essa é a Constituição, que devemos dar-lhe, e que não sendo o poder legislativo, segundo ella, senão de uma camara, não devemos nós por consequencia votar duas: que na Constituição de 1822 se concedeu ao Rei uma sancção suspensiva (mais exactamente uma sancção de mofa e escarneo), que é por tanto essa mesma, que nós devemos attribuir ao chefe do poder executivo. Nego o facto. - Em 1823 eu assisti como dorido á morte atraiçoada, e desprezadas exequias d'essa desgraçada Constituição. A ninguém ouvi então desejar que fosse restabelecida tal e qual ella era, (Apoiado, apoiado.) Vi-a renascer em Setembro do anno passado, e ouvi então o povo da capital, (a quem não consentirei que se calumnie) ouvi que em vez de proclamar essa Constituição, tal qual tinha cabido em 23, elle a proclamou - com as modificações, que as Cortes julgassem necessarias - e que pozessem a Monarchia Portugueza em harmonia com as outras Monarchias representativas da Europa. (Apoiado) Ora, se nós votarmos um corpo legislativo composto de uma só camara, como querem alguns illustres Deputados, se nós não dérmos ao chefe do poder executivo senão uma sancção ironica, como lhe dava a Constituição de 22, temos annullado s vontade do povo, porque, em logar da Constituição proclamada com modificações nós votâmos a Constituição de 22 pura e simples, o que é contra a vontade da Nação Portugueza. (Apoiado geral, e prolongado.) Resumo o meu discurso em poucas palavras.

Por tanto, pela vontade nacional, pela experiencia propria e alheia, em nome da liberdade do povo, e só por ella, voto que o corpo legislativo seja composto de duas instancias, não na phrase rigorosa deste vocabulo juridico, mas no sentido, de que a lei approvada n'uma seja reconsiderada na outra; voto tambem que os tres poderes do Estado tenham reciproca sancção um sobre o outro. (Apoiado, apoiado.)

O Sr. Leonel: - Todas as questões de organização social, menos uma, estão hoje resolvidas de uma maneira uniforme por todas as Nações da Europa, onde existem monarchias representativas: uma parte dessas questões são communs às monarchias, e às republicas. Estão tambem resolvidas de uma maneira uniforme em todas as Nações de ambos os mundos, onde existe representação Nacional, eu lhe chamem monarchias, ou republicas. A questão resolvida por todas essas Nações é a do Poder legislativo em duas Camaras; digo - todas as Nações - ainda que para sustentar a minha opinião não recorro a outras constituições da Alemanha, que ninguem cita, porque não são para ser citadas, nem á federativa da Suissa porque tambem não vem para o caso: fallo só daquellas constituições, que podem citar-se. - Não ha pois uma só destas Nações, que não lenha o seu Poder legislativo dividido em duas Camaras; todos os seus oradores, todos os seus escriptores - inclusivamente os periodicos - reconhecem essa necessidade. Este argumento, para um homem, que quando se tracta de votar nestas materias treme que por um erro seu a desgraça possa vir no paiz, que representa, este argumento digo, tira-lo de todas as Nações que tem governo constitucional, da experiencia, da pratica dessas Nações, parece me bastante para votar hoje por duas Camaras; porque eu não posso de maneira nenhuma imaginar que os Francezes, Inglezes,

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Belgas, Republicas d'America do Norte, Brasil, Republicas d'America do Sul, não posso crer que todas estas Nações se enganem quando adoptam duas Camaras, e que só eu hei de acertar votando por uma. (Apoiado, apoiado.) - A America do Norte tem a Constituição commum de toda a federação, e tem muitas Constituições, porque cada um dos Estados tem a sua particular: um, ou dois desses Estados tiveram no principio uma só Camara, mas dentro de pouco tempo voltaram às duas, como unico meio de conservar a ordem, e a liberdade no seu paiz: todos os outros as tinham já, e ainda hoje as conservam. - A França foi o primeiro paiz, onde se estabeleceu uma só Camara legislativa, persuadidos que melhoravam a sua sorte; mas a França, dentro de pouco tempo, pagou cara a experiencia; e quando um dia quiz verdadeira liberdade veio ao principio das duas Camaras. - A Inglaterra, que havia seculos tinha tido duas Camaras, tambem a titulo de melhorar a liberdade fez a experiencia de uma só; mas essa experiencia custou-lhe a paz e a liberdade, e a Inglaterra voltou às duas Camaras. - A Belgica, quando ha dois annos fez a sua Constituição, estabeleceu duas Camaras. - A Hespanha, que imitando a constituição da assembéa constituinte, linha tambem provado uma só Camara por duas vezes, não podendo conservar-se em nenhuma dellas, ha pouco acaba de estabelecer duas Camaras. - Nós que, a exemplo da Hespanha, tambem tivemos uma só Camara, o resultado foi o que todos sabem.

Contra tanta experiencia mal se póde argumentar. Alguns escriptores no seculo passado sustentaram o principio de uma só Camara, mas actualmente ninguém haverá que tal defenda; todos os escriptores estão d'acordo sobre as duas: e se na França alguem fosse ensinar a doutrina contraria, a França inteira responderia que estava enganado. - Em Inglaterra tracta-se da reformar a segunda Camara; mas eu já aqui citei as palavras de um homem que, passa pelo mais radical dos tres Reinos unidos, e a quem lá chamam outros - o agitador : - O'Connell disse: - devemos reformar a Camara dos Lords, mas Deos nos livre que fique-mos com uma só.

Aos argumentos tirados da experiência verei se junto alguns do raciocinio

Nos corpos legislativos ha muita tendencia para a formação de facções; que aspiram a usurpar o poder, e a atacar a liberdade: assim o tem mostrado a pratica. E qual é o meio d'estorvar este mal? As duas Camaras: nem a experiencia, nem a razão mostrou ainda outro remedio que não seja a divisão do Poder legislativo em dois ramos. Mas, diz-se, que se esses dois ramos tiverem a mesma origem, teremos o mesmo inconveniente, e cada um em seu seio poderá conter uma facção, e ainda senão vio que em dois corpos colegislativos se formassem facções ao mesmo tempo e para o mesmo fim: quanto á diversidade das origens, não sei se esta questão se tracta agora conjunctamente com a principal, ou se fica para outra discussão....

(Vozes: - Nada - Para outra.)

(Uma voz: - Artigo 45.º do projecto.)

Bem. - Pouco mais direi por não cançar o Congresso repetindo o que já está dito, limitando-me a responder a alguns argumentos trazidos contra a opinião da Commissão.

Disse-se que - sendo a Nação unica deve a representação ser tambem unica. - Não acho que isto seja argumento; por que, sendo a questão, se o Poder legislativo se deve compor de um ou dos ramos, não é solução do problema responder que a Nação é uma só; respostas desta natureza são taes que nada resolvem: isto faz lembrar Alexandre Magno quando dizia que havendo no ceo só um sol devia na terra haver só um Rei. Além de que, os individuos, que defendem o poder absoluto, tambem assim argumentam. - Disse-se mais que, sendo o corpo legislativo formado de dois ramos, podia haver choque entre elles. O governo representativo não é governo de silencio, e governo de agitação; essa é a alma da liberdade, que não dá receios de desordens, mas de discussão que é a principal salva-guarda da liberdade; se a não houver, pouco importa que o governo se chame representativo: mas se a guerra póde existir nos dois ramos legislativos, é muito mais perigosa se houver uma só Camara, onde facilmente se formam partidos, e a experiencia tem já mostrado que a guerra entre dois partidos na mesma casa traz comsigo sangue, o que ainda não produzio a guerra entre duas casas. (Apoiado.) - Já em outra occasião aqui se disse que era necessario um só corpo com o Poder legislativo, porque cada um dos outros poderes tambem era um só. A este argumento responde-se com facilidade: o Poder legislativo é um só, ainda que seja dividido em muitos ramos, assim como o poder judicial, que é exercido em diversas instancias.

Mais se disse que, estando nós no seculo dezenove devia-mos votar nesta questão conforme as luzes d'esse seculo. É o que eu faço, votando pelas duas camaras. (Apoiado, apoiado). O que se fez no seculo passado, que tenha durado até hoje? Constituição com o poder legislativo em duas camaras. Nenhuma foi decretada com uma só camara, que durasse muito; e para o provar basta recordar a constituição franceza da assembléa, que não póde chegar ao principio do seculo actual, posto que feita no fim do passado.

Disse-se que ha sete annos tres camaras tem tido na sua mão a sorte das dynastias: não foram tres, foram quatro. Em França, a camara dos deputados de 1830, a primeira cousa que fez foi derrubar a dynastia, e crear outra, fazendo assim uma monarchia, e uma constituição com duas camaras. As côrtes hespanholas tiveram na sua mão a monarchia, e o fazer a constituição; e o que fizeram? Conservaram a monarchia, e formaram uma constituição com duas camaras. E havemos nós por ventura fazer agora uma constituição com uma só camara? Não devemos: e se o fizermos faremos então uma cousa contraria ao que aconselham todos os escriptores do seculo dezenove. Disse-se que esses congressos, que ha sete annos tem havido, tem procecedido de uma maneira muito respeitosa para com a monarchia; mas o que tem elles feito? O mesmo que nós fazemos agora. Já se mostrou que nenhuma das camaras unicas, que tem havido até agora, levou ainda ávante a missão, que se lhe entregou: isto é verdade. É preciso porém distinguir-se as cousas: para fazer uma constituição todo o mundo está de acordo de que só um congresso unico a póde fazer; mas para sustentar essa constituição depois de feita, é que são precisas duas camaras: é preciso tambem distinguir-se côrtes constituidas, de côrtes constituintes, e foram estas, de que se fallou quando se trouxe este exemplo. Está pois provado que todos os argumentos tirados das luzes do seculo dezenove são a favor das duas camaras: e seremos então nós (chamados para uma igual incumbencia) os unicos, que façamos uma constituição com uma só camara? Taes creações dos seculos passados com duas camaras ainda existem, e as creações com uma só camara nenhuma existe. Mas, Sr. Presidente, o que me parecia conveniente era não gastar muito tempo mais com uma tal questão: isto não quer dizer que a cada um dos Srs. Deputados se negue a faculdade de dizer o que entenderem, mas os discursos muito longos certamente que não serão agora os mais proveitosos.

Em vista d'estas razões, voto por duas camaras. Nisto estou persuadido que faço um serviço ao meu paiz; por muito que se diga que com uma só fica mais segura a liberdade, o contrario é a resultante da experiencia, e do raciocinio; uma só camara legislativa deixa a liberdade mais arriscada, na minha opinião; e eu que a desejo consolidada, não posso deixar de pugnar por duas.

O Sr. Valentim: - Partilho os desejos do illustre Deputado, que acaba de fallar, e por isso tratarei de resumir o

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que tenho a dizer, quanto o permitte a espinhosa materia, que nos occupa, declarando que é com a maior humildade que vou emittir, e defender uma opinião contraria á doe illustres oradores, que me precederam, cujo talentos me in-fundem respeito, e acanhamento, que nada venceria a não ser a obrigação, em que me colloca esta cadeira mas eu hei de pensar como posso, e votar como penso: não posso dar procuração para votar, porque m'o prohibe a lei, nem para pensar, que o não permitte a natureza, obedecendo por tanto á minha situação, vou entrar na discussão, não como orador. = nemo dat quad non habet = mas como quem procura a verdade, expondo em breve os argumentos, que me obrigam a separar d'uma maioria tão respeitavel, com a esperança de que serão refutados, e então por convicção unirei meu voto áquelles, a que meus desejos estão unidos.

Duas são as fontes dos argumentos, /em que se fundam os defensores duma segunda Camara. Theoria dos governos representativos, e experiencia das nações, aonde se tem estabelecido, eu seguirei a mesma ordem passando já aos primeiros.

A oppressão de seculos, que esmagou a humanidade, e a fez representar na Europa como patrimonio dos Reis, dos nobres, e do clero, as disputas que a ambição destas classes originou entre si, e a independencia com que se pertendia a supremacia, e firmar cada um seus privilegios á custa do auxilio do povo, como diz Thiers = Ainsi les premieres autorités de l'etat donnerenl le singulier spectacle de detenteurs injustes, se disputant un objet en presence du proprietaire legitime, et fenissant meme par l'invoquer pour juge = fez que as massas reflectissem no seu poder, e nos seus direitos, e que desejassem um governo digno de homens, que cobrisse a sociedade dos abusos do poder, isto foi o que se tem pertendido por meio de revoluções, que a resistencia, e tenacidade dos privilegiados fez necessarias, e que essas mesmas cousas, que por todos os modos queriam impedir as reformas, foram as que desvairaram os espiritos, prolongaram as guerras, e preferiram a destruição da sociedade á dos seus privilegios, creio que ninguem duvída, e eu provaria, se me não apartasse do objecto, que as desordens da revolução franceza não nasceram da democracia, mas sim da aristocracia tenaz e resistente, e que semeou a zizania, que ensanguentou tudo para desacreditar a revolução, e levantar-se nas cinzas da nação, e infelizmente ainda hoje só querem d'ahi tirar argumentos contra a democracia, e são os males que nunca existiriam, se não fôssem as classes dos privilegios, causas voluntarias das guilhotinas de França, e das guerras civis de Inglaterra.

Em fim, resolveu-se o problema politico, e appareceu a monarchia representativa uma fórma de governo, que corta os abusos da democracia, e na qual o Rei não póde abusar; é de certo o alvo de todos os desejos, mas esse governo póde, sem perder o nome nem a essencia, ser mais ou menos popular, mais ou menos aristocratico, a divisão dos poderes póde fazer-se de muitos modos, sem que por isso se possa chamar republicano, nem despotico; a excellencia deste systema está em divinisar o Rei, e pô-lo acima da responsabilidade, faze-lo impeccavel, e dar lhe com tudo poderes bastantes para evitar a desharmonia, que entre os outros se originar, elle terá o poder de conter os excessos e abusos do legislativo, dissolvendo-o, e os defeitos do executivo, demittindo-o, sem que por isso fique responsavel. Eu lhe darei o veto suspensivo para casos de menos ponderação, e assim ficará superior sem ingerencia nos outros, forte, sem poder fazer mal, authorisado para cortar abusos, resistir a invasões , sem poder aggredir.

É um absurdo dizer-se que, havendo duas Camaras, não ha representação, mas não o é menor, se dissermos que, ha vendo uma só, não ha monarchia.

Toda a vez que se verifiquem as duas idéas, de que se compõe o nome de monarchia representativa; ou todas as vezes que exista um Rei exercendo algum dos poderes do estado, ha monarchia, e não é menos havendo tres, duas, ou uma divisão do poder legislativo: póde dizer-se que o Rei não fica com suficiente força, que fica debil e pouco firme, que não tem poderes que lhe defendam a existencia, mas isso é outra questão differente do nome, que merece esta fórma de Governo. Ha duas fontes, donde dimanam os differentes poderes do estado, consagrados pelo nome de monarchia representativa, e mencionados em nossas procurações, e em quem, nem eu nem alguem quer tocar, e são o povo e o Rei destas duas entidades ha de sahir toda a força para o povo, e ao Rei se ha de dar a forca de crear os poderes do estado, o povo e o Rei é que havemos de dotar convenientemente, e colloca-los de modo que um não dependa do outro, mas que ambos possam emendar os erros dos poderes, que crearem. Os poderes, executivo, judicial, e legislativo serão divididos com igualdade, e independencia, e nisso consiste a harmonia e perfeição do systema, e, não sendo assim será um monstro, um sofisma, um engano que não póde produzir senão desordem.

Creio que ninguem disputa, nem duvida que a nomeação do pessoal, que ha de exercer o judicial; a promoção dos funccionarios civis, e militares, seja dado aos Ministros do Rei, a quem se encarrega o executivo, e que os Ministros são nomeados pelo Throno, e por seu arbitrio conservados: não me demorarei a demonstrar a magnitude deste poder, o quanto elle joga com a fortuna e posição social, e por isso a grande influencia, que tem na sociedade, influencia que, quando se tem abusado della, tem feito a desgraça das nações: influencia, de que em nossos dias se tem sentido e chorado os effeitos, e que eu hoje dou ao Rei sem responsabilidade, porque é necessario que a suspeita não presida á organisação do pacto social, e que tem por fundamento a boa fé. Nenhuma ingerencia tem aqui o povo, e eu destruiria, e confundiria tudo se lh'a desse, seriam mais os inconvenientes do que os bens assim resta o poder legislativo que deve puramente pertencer-lhe, e em que o Rei tenha parte nelle , aliás perdido está o equilibrio, desigual a dotação, fomentada a desordem, e semeada a desconfiança.

Se o Rei, que nomeia Ministros que dão os empregos, as honras, as mercês, que dirige o exercito, e tem debaixo da sua dependencia todos os poderes, e os empregados, tiver parte e ingerencia na factura das leis, que fica ao povo?

Se o Rei, cuja influencia traz a esta Camara, ou póde trazer um partido, lhe ficar o direito de nomear a segunda, o Rei, que póde pelo andar dos tempos querer aggredir os direitos do povo, e voltar ao velho sistema do despotismo, (que é a tendencia de todos) nada tem a destruir para ali chegar senão a representação nacional, e podendo elle nomear a segunda, ahi tem a arma, com que annulla todos os actos da primeira. Ahi consagramos no pacto social o principio da destruição da liberdade, damos armas para illudir tudo.

Se nomear legisladores em parte, se nomear a segunda camara, que empata a vontade da primeira, o fiel da balança perdeu-se, e o povo ficará sempre na desconfiança, porque fica pouco dotado, e na dependencia, a isto ha de produzir tristes resultados, e muito tristes, Srs., e os mesmos que produz nas outras Nações, que é uma lucta de opinião constante, como se vê em França e Inglaterra. Não é desta lucta que vem a felicidade d'essas Nações, a lucta é o remedio que emenda o defeito de seu pacto social, se o povo se esquecer um dia, se afrouxar, os ferros da olygarchia estão certos, e se alguma vez se exceder, a democracia será o resultado. Como se argumenta tanto com Inglaterra, e tanto como se occulta seu verdadeiro estado? Não é do pacto social que lhe vem as riquezas, é dos costumes, é da justiça, que era a magna carta, por que aquel-

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a Nação se tem regido? Um aggregado de precedentes e factos é que fazem sua constituição, que só aquelle povo é capaz de não transgredir e respeitar. Ha povo, que em theoria tenha menos liberdades? Não de certo. A liberdade dos Inglezes é toda da pratica, é filha do civismo, da virtude, da moral, e da execução severa das leis; transplantemos para Portugal sua constituição e leis, ficaremos peior do que antes; aquellas leis são boas com aquelles costumes. Sim, Srs., salvou a camara dos Lords a Inglaterra do despotismo; mas porque razão, com que fins? Não foi a sorte do povo, foi a da aristocracia, que se quiz salvar: e como tem ella existido depois disso? Quaes tem sido os trabalhos d'essa camara tão gabada, que queremos transplantar para Portugal? Tem empatado as reformas, que a justiça reclamava, tem votado sempre, e com uma tenacidade espantosa contra tudo o que é ganhar o povo. Tomado descaradamente o partido do despotismo em todas as luctas e tempos, tem-se couduzido de maneira que, a não ser a constancia daquelle povo, estaria já no despotismo; e se faltasse aos Inglezes illustração para evitar uma catastofre, que é sempre má, teria sangue dos Lords corrido e acabado de um golpe. Mas elles sabem o que podem, e o que lhes convém, e por isso vão sem revoluções, (que n'outra parte seriam inevitaveis) anniquilando aquelle colosso, e fortificando a camara dos Communs. Quem duvida, de que a França e Inglaterra estão luctando todos os dias contra a segunda camara? Que as segundas camaras estão contra o espirito do seculo, e são a taboa, era que se firma o despotismo, em cujo partido trabalham? Será necessaria uma segunda camara para reagir a rendencia do povo Portuguez, que em grande parte ainda espera por D. Miguel?

Um governo de duas camaras tem em si o elemento de destruição. Se a segunda é da nomeação do Rei estará nos interesses do Throno e, como neutralisa ou embarga o que faz a primeira, está visto que, logo que o povo durma á sombra da Constituição, ha de acordar escravo, porque em nada, passando, por mais justo que seja, do que a camara dos Communs fizer, e estando o povo e a imprensa neutraes, acabou a representação e a liberdade, sem se attentar contra a Constituição do Estado. Sim consignadas duas camaras, como em Inglaterra, temos feito uma Constituição, em que se consagra o despotismo, em que se ha de
verificar, sem se alterar, o pacto social: quem na Inglaterra sustenta a liberdade o faz contra a Constituição do Estado: sim, quem fez passar medidas, que tem o anathema dos Lords, é o povo, que obriga os Lords por modos indirectos a approvar o que impugnaram, a respeitar o odeiam. Organisaremos nós pois um governo que necessite constantemente de uma lucta? Crearemos uma camara, que não ha de approvar medidas populares, e de interesse vital, senão obrigada? As Monarchias representativas é o governo mais perfeito, é o achado do nosso, seculo, são preferiveis a todas as fórmas de governo; mas nessa theoria nem é necessario, nem cabe o sofisma de duas camaras, verdadeiro sofisma, com que se tem resistido e enganado os desejos da liberdade. Sim, não restava outro meio á oligarchia do que a creação de uma segunda camara, que alludisse a força da representação, que dividindo o poder legislativo, único dado ao povo, o enfraquecesse, e o tornasse dependente da segunda creada pelo Rei. Sofisma ridiculo, que se não cobre senão com pretextos, que se não defende senão com histórias mal applicadas; sofisma, contra o qual se revolta o espirito, e que tem de desapparecer. Nem os bens que gosa Inglaterra, Srs. lhe vieram das duas camaras, contra o que os nossos dias nos fornecem argumentos, nem as desgraças da revolução vieram, de se adoptar lá o governo representativo; são bem sabidas as causas que derramaram o sangue dos Franceses, e que assustaram a França e o Mundo; são bem sabidas para nós quererem inculcar as mesmas scenas, se ficarmos com uma só. O unico mal, que experimenta a Inglaterra é a segunda camara, que lhe embarga o andamento, que lhe tem estorvado as reformas mais justas e convenientes; e não virá longe o dia, em que desappareçam esses entraves do espirito, e da igualdade. Só a idéa, Srs., de uma camara hereditaria é revoltante, ella traz o cunho da escravidão, e feudalismo; é immortal, Srs., e contrario á natureza, admittir superioridade de entendimento e de virtudes em uma linhagem; é doutrina impropria do nosso seculo, e que a mostrar-se em todos os lados hororisaria o povo em um governo igual, com quem repugna.

- Tanto medo do povo só os tyrannos o devem ter; o povo nunca é temivel senão quando o opprimem: quando está garantido e representado, é docil, prudente, e respeitador da ordem: e a quem, senão a elle, pertence respeitar as leis, respeitar o governo? Leis, governo, Reis, empregados, tudo é para o povo. Não foi o povo que em França allagou tudo de horrores, nem foram leis nem constituições, foram as paixões, que tudo dominaram. Veja-se o que diz Benjamin Constant: - Não foi a liberdade, que produzia as desordens da delirante e desgraçada revolução; a longa privação da imprensa tinha tornado o povo Francez ignorante, e por isso feros em todos os crimes, que se attribuem á liberdade: (continua elle) eu não vejo mais do que os effeitos da educação dos tempos arbitrarios. - Como pois attribui-los á republica, e para que comparar o nosso estado com o da França? Quem dahi tira argumentos pouco acha em que fundamente sua opinião. Não, Srs., não se póde argumentar da revolução franceza para a nossa, porque o nosso estado é muito differente, e muito mais á nossa tendencia e desejos, que todos queremos a Monarchia representativa, e o haver uma ou duas camaras não altera esta fórma de governo. Eu não abraçaria um projecto de revolução por cousa de duas camaras, nunca aconselharia tal; mas no estado em que nos achamos eu votarei pelo menor - por uma só camara, - porque vejo que para ahi tendem essas Nações, de que tanto nos tem fallado nesta discussão, e que no estado de lucta em que estão ha de um partido suplantar o outro, e ha de ser victima a segunda camara. E qual é, Srs. o resultado de duas camaras? E ter o povo na desconfiança, é demorarem-se as medidas legislativas muito mais; e se este inconveniente é próprio de todos os governos representativos, e um mal, é o muito maior em Portugal, aonde há tudo para fazer, ainda se não discutio um orçamento, aonde para discutir a Constituição vamos tão de vagar, que já tudo está cançado: que faria se tivesse que ir á segunda?!! Dizem que a segunda tempéra o fogo da primeira e a contém. Vamos á história, Srs., das duas Nações Europêas, que nos citam,- e acharemos que, na maior parte das medidas, a segunda camara pouco ou nada altera os trabalhos da primeira, e que por isso para essas era ella inutil; ha porém um ramo, em que nunca são conformes, e é em politica interna e externa. ahi é onde se vê a divergencia, o genio, e o plano dellas; na primeira vê-se advogar a liberdade, e a humanidade; na segunda põem-se entraves a marcha do seculo das luzes. É a emancipação dos catholicos que cimbatem os Lords é contra a reforma que se cançam e que nunca passaria se não fosse o medo; é em favor de Miguel, e de Carlos, que se pugna e basta. Senhores, dizem que se deve ir de vagar para a liberdade, para que o povo se não desvaire, e os mesmos marcham para o despotismo a todo o passo, no seculo 19. Desvairar-se-hão, reformando sem consideração.

A segunda camara, ou há de ser vitalicia, e então é escravo do Rei; e da sua dependencia; ou hereditaria, que apezar de ser um privilegio de dar sabedoria, e honra a uma raça não é tão dependente como a outra. Com uma camara dizem - póde ella ser uma facção e então está a segunda que tampére a primeira. - Quando a primeiro camara fôr facciosa, o Rei dissolve-a e deve faze-lo logo e mesmo antes, do que deixa-la luctar com a segunda, e ahi

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está o remedio, a nação elege de novo e se muda a eleição, morreu a facção sem ser necessaria a segunda, e se não muda, então, a, nação toda reclama, o mesmo e já não é senão a vontade soberana contra a qual não deve a segunda camara ir, nem poderá nem quer e por isso escusala, inutil.

Agora porém como que estabeleçam a outra hypothese, que talvez se possa verificar e tenha verificado e é sendo a segunda camara do interesse do throno, uma facção combinada com o Rei (o que estamos a ver todos os dias) aonde está o remedio? Na lei não o ha, porque a segunda é indissoluvel ,em nomear novos Pares (triste meio). Tambem não porque o Rei não quer. Aonde está pois o remedio? Em uma revolução, na força, e na vontade do Povo que é aonde está a soberania, porque a soberania vai para onde ha força, e por isso esteva até boje com os Reis, e já esteve com os Papas, hoje veio para casa do Pai dos Reis todo o poder: - para o Povo. No caso da primeira ser facção há remedio na lei na dissolução: no caso da segunda o ser não há remedio logo estando providenciada a primeira hypothese sem segunda camara, para que é esta? E havendo uma que se não póde remediar na segunda, como admiti-la?

Reduz-se tudo a dizer: - dê-se mais ao Rei porque tem menos força - (falço), porque o povo em querendo reside á segunda, e a tudo e usa de ajuntamentos de petições.

Quem é o representado na segunda Camara? Eis uma pergunta que embaraça muito seus defensores, a que mal se pode responder. Uns dizem que é a nobreza, outros as riquezas, e, propriedade e outros os interesses da sociedade em geral a politica interna e externa desta ultima opinião é o reseitavel Sr. Silvestre Pinheiro, que diz - não póde representar a nobreza, porque é um absurdo admittir a existencia real dessa classe, aonde não ha privilegios no que só póde consistir a nobreza; aliás é nominal, é nobre, porque tem um titulo, porque é nobre e por consequencia não póde a nobreza ser representada porque não existe na lei.

As riquezas, e propriedade tambem não; diz elle: por que não tão exausivas dos Pares, e de tal sorte se tem animado a industria, as artes, çommercio, e agricultura, e tantas riquezas se tem creado, que seria um absurdo hoje dizer, que os Pares são os representantes dellas quando a origem, das riquezas está no comercio Talvez porém, querendo que a segunda Camara represente alguem, vê se obrigado a faze-la representar os interesses geraes, e a politica; o que elle mesmo lhes dá por suas riquezas e posição, que os poem ao alcance d'uma educação própria para isso; mas o contrario, d'isto afirma elle quando diz; que não representam as riquezas porque sabe todo o mundo que ha muita mais riqueza representada na primeira do que na segunda: e se hoje a aristocracia dos contos de réis é a unica que dá maior posição, maior educação; como póde elle admittir uma posição maior na nobreja, que elle diz que não existe, que não tem se não o nome? De mais Senhores. Não sabemos nós em primeiro logar que tem havido, e há muitos e grandes politicos fóra das segundas Camaras e para dizer tudo. Nós sabemos que a politica é o resultado de todos os poderes do estado, e que não póde ser representada pelos Pares? E avanço mais que é este o ramo em que elles se desvairam, o ponto perigoso que menos lhes deve competir: aquelle em que elles tem feito o seu descredito, e ganhado a desconfiança do povo é neste ponto que elles são mais temidos, não por seu saber, que é igua1 aos outros, mas por seus interesses,, que são differentes, e que em questões politica vão sempre para lado da arrocho, como se vê por consequencia Deos nos livre de que isso fosse o pbjecto da sua creação.

Não Senhores; nada disto representam senão a nobreza é uma sombra do feudalismo, que ainda se tem conservado. A nobreza acabou quando acabaram os privilegios mas o seu Par por nascimento ou por toda a vida é um privilegio, e por isso uma excepção á regra. Sim acabaram de direito mas de facto se crearam debaixo d'outro nome, e apparencia. É um privilegio e não é como o do Rei, porque o Rei e a Dynastia são necessarias para que haja monarchia representativa para se verificar o equilibrio, a ordem, a independencia dos poderes a responsabilidade dos Ministros, mas não assim os Pares. O governo monarchico representativo é um problema que resolve muitas difficuldades em materias de Governo. O Poder do Rei é um Pactuado, é um dado necessario, um privilegio indispensavel, e por isso queremos esta fórma e consignamos: mas os Pares não são essenciaes nem necessários; até são de alguma sorte repugnantes; por tanto, contra ambas estas especies me pronuncio: l.º por desnecessario, 2.° por desigual, e enfraquecer
o Poder do povo: 3.° por deixar em lucta sempre, e na
desconfiança o povo, e o throno: 4.º porque a historia me
mostra que é um sophysma dos despotas para inutilisar a
representação. 5.° porque em politica é sempre partidaria escandalosa do despotismo: 6.º porque vejo que para ahi tende o espirito do seculo, e não quero que fique para se conseguir por revolução um dia e que hoje podemos ter pacificos: 7.º porque o governo de duas Camaras, sendo uma da numeração do Rei, tem em si o elemento da sua destruição: e necessita d'uma continua vigilancia da parte do povo. Para não acabar de uma lucta; e sem se offender a Constituição póde a primeira Camara existir só no nome não passando nada do que elle fizer: 8.º porque a segunda Camara nomeada pelo Rei não representa a Nação; e a vontade da Nação é a lei.

O Sr. Alberto Carlos; - Acha-se em discussão a questão mais transcendente, e talvez a que mais tem suspensas as attenções do povo portuguez há muito tempo. Sobre ella dem-se dito e fallado com tanta erudição que pouco resta para dizer aos Srs. Deputados, que ainda não fallaram: - supponho até que segundo já se disse as opiniões de todos nós estão formadas a este respeito, e que dentro deste Congresso a discussão já não poderá igualar vontades mas como materia tão grave nunca se póde dizer sobejamente discutida, e o povo folgará mesmo de ouvir as opiniões de todos os seus representantes, (Apoiado) é por isso que, abreviando quanto me for possivel, exporei tambem as minhas idéas ácerca deste gravissimo assumpto.

Sr. Presidente, à questão é, se nós devemos votar uma, ou duas Camaras? As opiniões tem-se pronuciado em decidida opposição: - umas por uma só, outras por duas; mas, apezar desta diversidade; todas assentam principalmente num
fundamento commum = a maior conveniencia = e ainda
bem que desta vez nos não mortificaram os chamados principios de justiça e direitos adquiridos que tantas vezes costumão transtornam as melhores questões: Resta por tanto mostrar qual das opiniões será mais conveniente e mais
sensata; porque sendo contrarias, uma exclue a outra, e não póde haver senão illusão de algumas das partes.

Eu não sou tão vaidoso que me atreva a dizer afontamente que os Srs. Deputados de opposição contraria á minha, são os que estão illudidos mas devo dizer que ha muito tenho formado meu juiso e as razões, que se tem dado para que haja duas Camaras, e aquellas que eu tenho podido combinar no mesmo sentido, sampre me tem parecido de muito maior peso, e por isso eu voto por ellas.

Agora para proceder com algum methodo discorrerei pelos principaes argumentos que nesta materia se podem offerecer pró, e contra, para ver a final, quaes pesão mais na balança da prudencia. - O primeiro argumento, que apresentam os Srs:. Deputados que se oppoem ás duas Camaras, parte do principio de que a soberania nacional é uma, a Nação, é uma e por conseguinte que o Poder Legislativo deve estar reconcentrado em um corpo só. Eu confesso que não comprehendo bem a força desta argumentação talvez porque ella encena uma methafisica muito delicada, e as-

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senta sobre expressões, que não tem uma accepção fixa-o bem determinada; tal a palavra = Soberania Nacional = Por esta creio eu; que se quer exprimir o supremo poder, e authoridade publica; resultado da maioria das vontades nacionaes e expresso por meio das leis mandadas fazer ou toleradas; ou então o exercicio, dessa publica authoridade; mas em qualquer destes sentidos; que se tome, para chegar a obter o resultado da maioria das vontades da Nação, ou para se verificar o exercicio, e execução dessas vontades, muitos individuos, muitas operações, e muitos actos podem ser empregados, já como agentes, já como instrumentos, e meios do fim ultimo; e então nenhuma incompatibilidade ha em que na formação das leis delibere um, ou mais corpos, assim como, n'uma ou em duas Camaras deliberam 10, 20, e 100 individuos! e da maioria, das opiniões se forma a decisão. Os mesmos illustres Deputados, que argumentão naquelle sentido, não querem que o exercicio da soberania Nacional se limite sóment ao Poder Legislativo; mas sustentam, já votaram, que elle se estenda ao Poder Executivo, e ao Judicial; e então para que os Srs. Deputados argumentem com aquella coherencia, que lhes é propria, devem restringir todos os tres Poderes a um só;
porque, se não, dar-se-ha a divisão da soberania, que elles receião; entre tanto elles estão tão longe de o fazer que julgariam perdida a liberdade com tal confusão; e á vista disto como se ha de querer concluir, que haja só uma Camara, porque a soberania é indivisivel?! Na verdade ainda ninguem disse, segundo creio, que ella não podia ser exercida, senão por um homem, por uma só cabeça, ou por um só ramo do poder; antes todos estão de acordo, que o póde ser por dífferentes, com funcções destinctas e então julgo que muito bem se deve concluir por força de comprehensão, que não é preciso que seja uma só Camara para que o resultado dos corpos legislativos seja individual, e unico.

As Nações mandam seus representantes deliberar; mas não lhes dizem que o façam juntos, ou separados, dizem-lhes que apresentem o resultado, que houver da maioria de nossos votos, quer estes sejam tomados juntos ou separados, quer o sejam por uma só casa, quer em duas; porque o resultado final é o da vontade nacional, segundo a convenção, e os principios adoptados: é o resultado da maioria dos dois corpos juntando as maiorias das vontades. Desta sorte parece-me cerebrina semelhante argumentação; parece-me até inconcludente, e já se vê que por este lado os arçamentos apresentados a favor da unidade do corpo legislativo não me tem podido convencer. Outro argumento mais palpavel, era que se tractou mais de persuadir uma só Camara, é aquelle tirado do absurdo resultante de organisação da segunda Camara e das suas consequencias: entre tanto convém exmina-lo, porque não tem a força; que se lhe quer suppôr, ou pelo menos para mim não pesa tanto; que me faça mudar da minha opinião. Primeiramente diz-se, que da organisação d'uma segunda Camara se segue o absurdo de se crear uma inutilidade, porque ella é escusada; mas eu entendo que não basta só dizer isto; mas que é preciso antes de tudo provar essa inutilidade. Enunciar uma questão em geral, e não deduzir prova, não acho que seja conveniente modo de argumentar, ou, fallando mais claro, não acho modo de argumentar que se concilia uma cousa d'outra que não está demonstrada. - Que a segunda Camara seja inutil, não julgo cousa facil de provar, antes eu espero logo apontar razões, e referir argumentos do mesmo que se tem passado neste Congresso, que talvez fação peso aos illustres Deputados para não duvidarem de que um segundo Corpo legislativo é uma garantia de liberdade. Tambem se taxou de absurda a proposição, de se dizer que este segundo Corpo legislativo seria para se empregar como medianeiro entre a Camara do Povo, e do Rei1, porque a segunda Camara dava o seu voto antes do Rei pronunciar a sua opinião a respeito da medida; e se ainda não contava o que o Throno fazia, que não podia ter logar tal combinação entre o conhecido, é o ignorado! Neste argumento parece-me haver algum equivoco: a segunda Camara pôde considerar-se á maneira d'uma instancia de prudencia, aonde a materia ha de ser novamente pesada, e discutida depois de o ter sido na primeira; e, quando nesta tiver passado alguma medida que vá clara, e directamente atacar os interesses do Throno, ou as suas idéas e prindipios conhecidos, não é preciso esperar a sua repugnancia para saber sua opinião. Nestes casos uma decisão intermedia da segunda Camara viria neste sentido a ser proveitosa, modificando as cousas de maneira que evitasse a repugnancia do Throno; ou pelo menos que mais o convencesse da necessidade da medida a ponto de a não encontrar; porque taes recusas produzem sempre as desconfiaças e desgostos, que todos sabem; e quanto possa servir a evita-las, será uma instituição; prudente: e então não se segue já o absurdo, de não ser precisa e util; é muito compativel a existencia da segunda Camara para estes effeitos e para fazer tornar a reflectir a primeira. Tambem hontem e já hoje se repetiu, aqui que se apresentava outro absurdo e era, que a segunda Camara não representava interesses nenhuns. Neste argumento parece que se teve principalmente em vista combater a segunda Camara, organisada decerto modo; e a nãõ ser isso até creio que alguns Srs. Deputados o não empregariam; porque neste sentido o emprega quasi por formaes palavras o nosso publicista, o Sr. Silvestre Pinheiro, donde creio que foi tirado; e então como ainda aqui se não tracta do modo dessa organisação, não me farei muito cargo de responder, e até direi, que naquelle sentido talvez tenham alguma razão os illustres Deputados, que empregaram estes argumentos, assim como muitos outros se podem razoavelmente empregar, se se discorrer em relação a uma, ou outra especie das muitas, por que póde ser organisada a segunda Camara; mas como disse não me encarrego de todos esses argumentos, porque a discussão corre em geral. Entre tanto pergunta-se que interesses representará hoje esta segunda Camara, ou se não há perigo de que ella venha a estar sempre em guerra com os interesses nacionaes, e com a outra Camara? Parece-me facil a resposta - ha de representar a da Nação Portugueza, e neste sentido ha de luctar, e ser forte quando for preciso. Eu confesso que me horrorisaria se me lembrasse que se havia de organisar uma segunda Camara, para que estivesse em guerra com a outra; que trazia por fim a sua destruição reciproca, é longe de tirar bom resultado, que teriamos só a guerra. Mas eu entendo que os interesses, que a segunda Camara deve representar, são os verdadeiros interesses nacionaes; a discussão de primeira Camara póde ser, ou precipitada ou menos reflectida; nada mais frequente! Passa depois o projecto para segunda: alli tornando-se a reflectir, se conhecera se foi ou não bem considerado; esta acção é reciproca de ambas as Camaras, porque os projectos, ou iniciativa começam tanto na Camara Alta como na Camara Baixa: cada uma dellas exerce um voto reciproco, tanto uma como outra; e como naturalmente haverá certo melindre em fazer uso deste voto, sem dar rasões muito plausíveis, julgo eu por isso que mais se póde esperar, que elle seja, dirigido no interesse nacional, pela maior parte das vezes.

Assim cuido eu, que póde considerar-se que ambas as camaras representarão os interesses nacionaes, e que não precisa fingir-se que representam outros interesses de classes separadas, e distinctas, porque a isso me opporei - Disse-se mais, que se queria hoje instituir um gigante, que daqui a poucos annos nos custaria a derrubar; o argumento podia colher-se com effeito, se se podesse provar que daqui a cincoenta, ou mais annos; se havia de firmar o systema de uma só camara, e que só para ella se encaminham as idéas; mas, segundo a historia nos apresenta, deve reputar-se a

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tendencia para as duas camaras, e que daqui a alguns annos este principio estará mais sustentavel; porque depois que a França começou a regeneração para si, e para toda a Europa em 1789, fizeram-se varias tentativas, que na maior parte começaram por uma só camara até 1822. Os primeiros ensaios das nações europêas depois daquella època começaram geralmente por aquelle methodo; mas, passado aquelle primeiro ensaio, a França mesma, e á imitação della as outras nações passaram para o outro systema; e loje a tendencia geral é tão pronunciada, como se mostra na revolução de Julho em Paris, na Belgica, e ultimamente na Hespanha; e então é de suppor que, em logar de haver mudança para uma camara, antes se venha a firmar o systema contrario para que haja duas; e, segundo esta, tendencia, animo-me a crer que este systema, que alguem reputa um gigante, que d'aqui a cincoenta annos deva ser abatido, antes virá a ser geralmente reconhecido como a columna, ou a sentinella forte da liberdade! A este respeito ha para mim um facto de grande peso, e creio que tambem, comprimirá os Srs. Deputados da opinião contraria: é o seguinte, e peço sobre elle attenção. Em 1830 fez-se a revolução no centro de Paris; creio que muitos dos illustres membros deste Congresso a viram, porque lá estavam depois de tres dias de gloriosos combates, a victoria ficou na mão dos patriotas, e os patriotas francezes passam sem duvida pelos mais ardentes defensores das liberdades publicas: entre tanto eu não vejo, não sei, não leio na historia daquelles dias, que houvesse alguem que lembrasse uma só camara! Ninguem se empenhou por uma só camara, ninguem disse haverá uma só camara! Parece-me que foi questão, que alli não appareceu, e que ninguem fallou nisso, porque entenderam que não eram necessários mais ensaios, do que aquelles, porque já tinham passado. E então quereremos nós ser mais liberaes do que os francezes, os patriotas de Julho; ou poderemos dizer que a tendencia do seculo é para uma só camara, quando ha sete annos no centro de Paris, no meio do enthusiasmo de uma gloriosa revolução, coroada pela victoria, se não ouve uma só voz a favor de tal systema, no mesmo momento, em que iam rever o seu pacto fundamental? Este facto é que me parece um gigante, que os Srs. Deputados não poderão combater. (Apoiados geraes.) Por consequencia vamos dispondo a nossa organisação politica pelas idéas dominantes, pela tendencia, que os povos mostram depois de encaminhados pela experiencia; e não tomemos por base acontecimentos futuros, nada prováveis; e que o fossem, só no momento da sua chegada deveriam ser tomados em conta, porque hoje é que a Constituição apparecerá como uma arvore de novo plantada, e que é necessario ampara-la, enào expo-la á repugnancia dos povos; porque os primeiros abalos é que podem faze-la definhar. (Apoiado.) Outros argumentos tem sido tirados da theoria do mandato, e representação: eu acho que ha certo inconveniente neste modo de argumentar, porque até se póde empregar pró e contra uma só camara. Mas diz-se que os povos, não podendo de per si legislar, delegam nos seus mandatarios; e que estes não podem cuidar senão dos interesses publicos, sem distincção de interesses de classes; e então que é necessario fugir de uma segunda camara, porque nella se advogariam com preferencia os interesses da classe, ou classes, donde fosse tirada. Eu julgo que tudo isto dependerá do modo como ella fór organizada; e se ahi se fizerem representar simultaneamente todos os interesses, certamente ella não póde ser prejudicial a nenhum; entre tanto olhemos o negocio mais a fundo. Os interesses dos diversos membros da sociedade são tantos, e diversificados, que seria preciso talvez reunir todos os cidadãos, para se poder dizer verdadeiramente que todos eram representados: mas como isto não é possivel, e mesmo como muitos interesses são desarrazoados, e contradictorios, adopta-se o meio de encommendar á presumida intelligencia, e virtude de poucos mandatarios toda a representação dos interesses em globo; mas não tem duvida, que todos devem ser representados, e pesados; e para que as cousas publicas vão por diante, é mister que se façam reciprocas cedencias; que o fraco ceda alguma cousa ao forte, e o forte ao fraco; o rico ao pobre, o pobre ao rico; o sabio ao ignorante, e o ignorante ao sabio. Por mais que os homens queiram nivelar tudo, apagar todas as distincções, é impossivel, porque as desigualdades fisicas, e moraes existem na natureza; e então se a distincção de interesses, e de classes existe de facto, e não póde deixar de existir, é necessario attende-los de direito; e neste sentido uma segunda camara, organisada de maneira, que coadjuve, á representação de todas as classes, e especialmente daquellas, que menos o serão numa só camara de eleição da massa popular; tal camara, longe de ser um reducto dos privilegiados, póde, e deve ser um escudo contra a, oppressão de qualquer classe. Uma segunda camara formada de maneira, que represente a prudencia. (o que deve haver, tambem na primeira) dará grande peso ás leis; e é debaixo destes principios, que eu julgo a theoria do mandato, e a qual póde ser favoravel á organisação de uma segunda camara ; isto. é, fazer com que sejam representados todos os interesses por todas as maneiras, e de todas as fórmas.

O argumento mais amplo que tem sido apresentado pela erudição dos Srs. Deputados, e onde se offerece um campo mais largo, é o exemplo de outras nações: este argumento é por certo de bastante força, porque não é crivei, que tantos homens, que tem pensado tanto nesta materia, se tenham enganado sempre.
Entretanto confesso francamente que não tenho achado nesta argumentação tanta força como ella parecia indicar, porque os nobres oradores não tem provado exactamente, que nós estejamos nas circumstancias dessas nações, cujos exemplos referem; ou que essas nações não teriam outro meio melhor de se constituir. Eu não quereria ao menos, que esse argumento se empregasse com tanta vehemencia, que com elle se pertenda destruir tudo, é esquecer a nossa nacionalidade, usos, e costumes, alguns dos quaee encerram excelentes germes de, liberdade; e se os illustrados oradores baixassem às causas, e motivos desses facto: que apontam, causas que eu na sua grande maioria não possa apreciar, talvez, encontrariam o que não desejam; isto é, motivos de persuadir o contrario do que per tendem persuadir. O certo é, que depois de tudo os argumentos da historia tem servido a todos pró e contra; e mal se póde ajuizar qual é mais exacto, ou terá mais razão. Entretanto ha um povo, cuja historia eu julgo de maior peso pela identidade dos costumes, e proximidade; é o povo hespanhol, de que refirirei alguma cousa. Em 1812 na formação da sua Constituição, appareceu com e fiei to decretada uma só Camara ; porém não faltou quem lembrasse um segundo corpo legislativo, e quem desejasse estabelece-lo; mas não era possível, naquella época, e as razões diz um observador, não foram as de convicção, de que uma só Camara fosse ainda theoricamente a melhor; mas foram as do estado seu particular, que elles não podiam deixar de seguir! Naquella época elles não se lembravam de organisação de segunda Camara senão a hereditaria, a qual devia ser composta de nobres. Estas eram as idéas mais dominantes, até porque então a nobreza era ainda tal, que ou se havia de combater abertamente, ou acommodar por aquelle modo; mas os hespanhoes achavam-se então na circunstancia especial de ter compromettida a maior parte da sua nobreza na invasão franceza, e por isso não tinham elementos para compor um segundo corpo. Este observador accrescenta, que foi testemunha de facto, e que faltando com muitos legisladores de Cadiz elles lhe disseram, que se tivessem elementos para uma segunda Camara elles a votariam; mas como disse, não tinham; porque a nobreza hespanhola estava toda compromettida. Entre nós, Sr. Presidente, em 1822 tambem esta cousa não passou á revelia; e muita gente já então

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apezar do fogo daquelles dias instou por ella; e uma das pessoas, que neste negocio tornou então grande parte, ainda no presente anno me disse, que a opinião do Congresso daquelle tempo estava muito propenda a favor das duas Camaras, e circumstancias bem proximas e votação fizeram mudar alguns dos principios influentes; e por fantasmas, medos, e receios se não decidiu esta questão importante! Assim mesmo teve já então vinte e seis votos contra cincoenta e nove; e note-se que esta votação foi feita por homens, que acabavam de quebrar as algemas; e que naquelle momento os portuguezes obravam ainda debaixo da influencia da desconfiança, e do odio que é natural aos opprimidos contra os oppressores no momento, em que se libertam, sentimento que de ordinário induz á precipitação e ao excesso. Desde então parece a lição não tem sido pequena, e póde asseverar-se que mudou inteiramente o espirito da nação, ou por que reflectiu melhor, ou porque em fim desconfiou do resultado de 23. Ao menos (em quanto a mim) entendeu-se no geral da nação, e firmou-se a crença que era necessario o elemento da segunda Camara, cuja falta, foi a causa efficiente, ou muito principalmente da queda da Constituição em 1823. Desta crença resultou, que o geral da nação quando se proclamou a revolução de Setembro, fallo especialmente dos sitios aonde eu estava , disse quasi em voz uniforme = se houverem duas Camaras vão muito bem = isto ouvi eu a homens muito sensatos; ouvi estas palavras a homens de todas as cores politicas!

É mesmo nos nossos antigos habitos que nós até certo ponto podemos ir achar a raiz desta crença, ou tendencia.

Observando a historia portugueza desde Affonso Henriques até hoje, nós vemos que havia, uma especie de organisação, e representação tripla, e dividida em classes de tres especies, que eram o clero, nobres, e povo. Assim foram sempre convocados para os graves assumptos das differentes épocas da monarchia. A mesma distincção se observava nas nossas municipalidades; pois que quando havia negocios mais graves se exigia a reunião destas tres classes distinctas. Assim quasi por instincto, e por habitos naciooaes se acha reconhecido entre nós o principio da divisão da representação nacional; e creio eu que será prudencia não querer obliterar isto, que tem atravessado, tantos seculos, e épocas tão gloriosas para a nação. Em 1826 appareceram na Carta as tres antigas classes reduzidas em duas, e tenho para mim que não foi a existencia da segunda Camara, mas sim a demasiada latitude do poder moderador, e ouso menos prudente que d'elle se fez, ligado com o desarranjo das finanças, quem produziu a revolução de 9 de Setembro. Debaixo destes principios, e levado por estas considerações estou convencido, e sinto no fundo do meu coração que a nação portugueza (eu julgo pela gente que conheço), quer as duas Camaras, talvez mais por habito, e por instincto que por força de reflexão; está hoje nesta tendencia de querer uma segunda Camara; é este o voto geral a ponto de que haveria um susto, e desgosto geral, se nos vissem votar uma só!... assim o juizo!... Agora considero eu,
que em politica, assim como em tudo o mais tambem ha mudos, tambem ha certa tendencia, que os povos tomam para certos principios, que o legislador não deve contrastar sub-pena de pôr em perigo e despreso as suas medidas. As circumstancias, o caracter, os habitos, os mesmos vicios e preconceitos devem ser tidos em conta, quando o legislador quer dirigir com prudencia um povo; e para as grandes reformas, que muitas vezes são indispensaveis, é preciso levar como pela não os homens, e por caminhos novos, e desconhecidos, não querer que elles corram, porque o enthusiasmo da novidade é passageiro, esfria de repente, e á mais, leve difficuldade, ou enfado começa a repugnancia, e forceja-se por voltar ao caminho velho, que se elogia, só por que era conhecido. As circumstancias, a posição dos povos, e certas tendencias são o norte, seguro.
Por acaso seria bom o piloto que navegasse sempre com o mesmo panno em todas as direcções, em todos os mares, e em todas, as torrentes, quer fossem contra, quer a favor? Não era de certo piloto prudente, nem passaria por experimentado. Assim nós os legisladores devemos sempre seguir a opinião geral da maioria da nação, e ir com ella, porque contesta-la seria pelo menos um pretexto muito grande para o desgosto, e para a desobediencia.

Ligando estas observações á materia, em questão, estou decidido a votar, porque haja uma segunda Camara; mas devo ainda accrescentar que a razão principal, mesmo theorica, e de combinação à priori, que metem movido mais, é a necessidade de toda a natureza, e de toda a reflexão e prudencia nas medidas legislativas, porque estou eu persuadido que por mais prudente que seja um corpo legislativo, sendo um só, não é possivel evitar muitas vezes a precipitação do momento, e a surpresa, influindo para isto não só causas moraes de genio dos oradores, assumpto das materias, e influencias estranhas, mas mesmo causas fisicas, e certos dias que parecem aziagos. Com magoa eu me recordo de algumas cousas, que entre nós se tem passado, que algumas vezes estimariamos bem (pelo menos eu) que houvesse uma segunda Camara para lá lhes dar remedio! E refirirei um exemplo. Houve aqui um momento, no qual nos vimos obrigados, por força de nossa convicção, a rectificar uma votação! Eu fi-lo, e instei porque se fizesse com toda a coragem, porque um legislador, quando o interesse publico lhe falla, não deve ter vergonha de dizer = eu enganei-me, é um dever de Deputado, a que eu me parece que jamais faltarei; entretanto, sendo certo que nesse momento se fez com coragem, eu muito mais estimaria uma segunda Camara, que reflectindo fizesse de novo reflectir; e devolvendo-nos o projecto, nos desse occasião mais desafogada para firmarmos o voto da nossa consciencia: quem em taes momentos o não desejará? Porque, Srs., a verdade é que assim como este facto haverá muitos outros, em que passado o momento de discussão, nós reflectindo, diremos = conscenciosamente se votou no Congresso; mas não se votou convenientemente. Nisto especialmente eu fallo de mim, porque tenho conhecido que sempre votei conscensiosamente, mas algumas vezes que não votei convenientemente! Em algumas destas ocasiões eu tenho de proposito chamado attenção de algum de meus collegas, que se recordará de eu lhe dizer: quanto valia agora uma segunda Camara?! Quanto conviria uma nova occasião, em que se votasse que a marcha do Congresso não tinha sido boa, e em que se declaras-se que se mudava de opinião?! Além disto, que são as nossas concepções em comparação da infinidade de especies, que as leis vão encontrar? Por mais que se medite, por mais que se preveja sempre escapa uma grandissima parte das circumstancias; e a prova é a que a pratica mostra, em que tudo são duvidas, embaraços, e absurdos! E então não será conveniente uma instituição, que contribua para o remedio deste mal por meio da reflexão e madureza, que traz às decisões legislativas? Diz-se; mas o Congresso póde decidir com mais vagar, ou póde demorar a discussão: não é possivel faze-lo com proveito, depois que o objecto se encete; não é possivel enceta-lo de maneira que, tornando elle, senão proceda com esse mesmo andamento, sendo feito na mesma instancia; já porque podem existir ainda as causas da precipitação, já porque falta o gosto da novidade; já finalmente porque não ha o amor proprio da descoberta, que pela primeira vez, passou; e nem ao menos deixa o da rivalidade para o supprir; e sem paixões não se faz obra em termos, especialmente quando é difficil como a de legislar! Mas insta-se ha outro remedio; porque apresenta se um projecto, demora-se a discussão (remedio que já deu a Constituição, porque conhecia esta necessidade!) Porém será isto sufficiente? Pela minha parte digo que não; porque a mim acontece-me que quando me dão um projecto só me lembro

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delle quando é dado para ordem ao dia; o mesmo creio que acontece aos mais Srs.; porque é facto observado, que quasi sempre nos segundos dias de discussão é que apparecem considerações profundas, e então a demora é perdida, porque de um anno que seja nada se estuda nesse meio tempo. A par desta ha a outra consideração, que eu já toquei por occasião da generalidade deste projecto, e vem a ser, a tendencia facciosa, que se póde apoderar de uma só Camara, a influencia, que às vezes ahi obtem um só homem! A historia da revolução franceza é fecunda nestes exemplos; e quando uma Camara discutir em presença de outra; que tenha iguaes direitos, e um veto, estou persuadido que ha de haver mais gravidade e respeito; e, se o não houver, ha feio menos muito prompto remedio. Digo o mesmo a respeito da objecção, que a segunda Camara retarda a legislatura: pela minha opinião isso em geral é um bem; porque muito mal vai a um povo quando se vê embrulhado em leis precipitadas, como hoje estamos soffrendo com as das dictaduras! (Apoiado, apoiado). Em consequencia do que tenho exposto, e olhando para o nosso estado actual, eu voto para que haja uma segunda Camara, e a seu tempo fallaremos de sua organisação, tendo em vista que eu sou de voto que nau deve ser privilegiada, e que não deve ter superioridade exclusiva, isto è que deve ser organisada da tal fórma, que nem os interesses do povo possam ser esmagados, nem os de outro qualquer poder ou classe politica; porque ma sociedade todos se devem garantir, porque a sociedade Portugueza é a reunião de todos os Portugueses, e tanto uns como outros tem direito a ser attendidos, e protegidos.

O Sr. José Estevão: - Sr. Presidente discordar da maioria do Congresso, é para mim um martyrio, é este martyrio redobra com a idéa de que alguem poderá ter por caprichosa tal discordancia. Assim, pela minha propria honra, e pela força da minha convicção, estou rigorosamente obrigado a apresentar ao Congresso, nas razões que a produziram a desculpa, e fundamento das minhas opiniões, e principios.

Sr. Presidente, na minha consciencia não influem affeições algumas; não quero lisongear, nem o Throno, nem o Povo; respeito o Throno, e o Povo, dispenso os Sseus favores, e delles só exijo justiça, porque a justiça é uma divida sagrada, em que reciprocamente estamos empenhados todos os filhos da humanidade. Se no discurso, que tive a honra de pronunciar na Sessão de hontem, fallei em direitos do Povo, já antes se tinha fallado em prerogativas da Corôa. (Apoiado.)

Sr. Presidente, em um discurso do honrado Deputado por Evora, no qual (salvo os seus talentos) eu ouvi mais citações do que argumentos, e uma escolha feliz de ditos sentenciosos, mas não razões concludentes, e principios demonstrados, estranhou-se que ainda apparecessem em Parlamento as doutrinas, que eu defendo, e que o honrado membro já tinha por absoletas, e defuntas, e na verdade logo depois a fraca tempera das suas armas bem me mostrou que elle mui sinceramente julgada que vinha combater com inimigos já mortos. Agora mesmo outro nosso Collega nos assegurou que estas doutrinas luctão sem interrupção há que tem sido sellados com o sangue de tantas victimas illustres, e com os mais importantes sacrificios dos povos?!

Sr. Presidente, visto que (como se disse) a Monarchia representativa é só uma, como é só uma a geometria, visto que as suas linhas de construção são todas marcadas pelo dedo infallivel da natureza, tambem os principios qye eu professo são s+o uns, immutaveis, eternos como é uma a irresistivel e constante força das cousas, a historia das Nações, e o fim das sociedades humanas. Tambem finalmente me quero elevar como despota dos espiritos, e dizer a todas as cabeças não penseis sobre os problemas sociaes, porque a natureza decretou para todos os povos os seus destinos, e leis.

Sr. Presidente, o edificio dos equilibristas levantado por architectos habeis, decorado com todas as flores da eloquencia, sustentado com os recursos da imaginação, e cercado de nomes respeitaveis, eu o derrubei hontem. Essa obra celebrada debaixo das apparencias d'uma falsa solidez encobre os pés de barro, em que se sustenta, tocada nelles desaba; nelles lhe toquei, ella cahiu, mas hoje pertende se reconstrui-la com as suas proprias ruinas, vou-lhe á base, e cahirá outra vez. Demos por provado o que aqui se nos intimou como um dogma, que os tres poderes, supposto moverem-se em direcções oppostas, concorrem em uma linha commum, que é o interesse publico; ao menos esta lei de mecanica politica não póde ter uma execução constante; e que recurso nos apresentam os equilibristas contra estas observações? Nenhum. Das tres forças destinadas a equilibrarem-se reciprocamente, se uma se une á outra, como soccorrer a terceira desemparada de seus naturaes auxiliares, ou antes guerreada por ellas mesmas? Que se ha de fazer quando o equilibrio se desiquilibra? E entre tanto este é o vicio constante do systema da balança, que mais se deve reputar um desiquilibrio systematisado, do que uma combinação de forças, que mutuamente se reprimem.

Sr. Presidente, vamos buscar á historia a verdadeira origem da Segunda Camara, nas suas paginas como esta instituição bastante veio enxertar se no tranco da Liberdade; mas para isto é preciso que lêamos não como romencistas, mas como politicos, não para subjugar os factos ás theorias, mas para estabelecer as theorias sobre os factos, era no seu tempo uma organisação regular, um verdadeiro progresso. As idéas da individualidade domminavam então todo o mundo moral; e politico; ainda não tinha chegado o reinado das abstracções. Então o chefe supremo d'um estado reputava-se o Sr. dos homens, e cousas; e, delegado em elle o poderia, outra defendendo-se, e por largo tempo, e com guerra. Quereis saber, Srs. Qual é o interesse o grande documento desta celebre transacção? É a seguida a Camara. Com effeito esta instituição é falta das necessidades e não dos principios do direito publico é uma concepção de politica, e não sys-

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tema organico, é um successo, e não uma doutrina. Esta instituição achou-se primeiro nos factos que nos livros, e as cabeças tem-se atormentado para justificar um systema, que o tempo vai destruir.

Sr. Presidente, nisto devia eu ficar, porque a historia é a syntese das sciencias, e uma lição della dispensa-nos de largas argumentações, mas já que sou accusado de repelir doutrinas alheias, quando ouvi um longo discurso feito de folhas de livros, visto que, invocando-se de contínuo, a historia se está sempre atortura-la progredirei na materia.

Eu não posso deixar de ser longo, e muito longo, mas diligenciarei por não ser enfadonho, e espero consegui-lo.

Sr. Presidente, eleição, renovação, e ampla representação, são as condições indispensaveis do systema representativo. Sé esta fórma de Governo tem por base a participação dos cidadãos nos negocios publicos, e se é impossivel que esta participação seja pessoal e directa, é forçoso que a eleição venha a resolver esta difliculdade pelo meio das delegações da urna. Se todos os interesses publicos soffrem com o tempo continuas e consideraveis modificações, se estas modificações devem ser escrupulosamente pesadas e attendidas, é igualmente forçoso que o corpo legislativo, aquém toca este encargo, possa ser renovado em proveito do progresso, e das tendencias dos tempos. Se não ha na sociedade um só individuo, que não tenha interesses sociaes, e se todos esses interesses tem direito a deffenderem-se e a protegerem-se, esse o não pódem fazer senão representando-se, é forçoso tambem que a representação seja completa e geral. A eleição e a renovação dão juntas, o mui procurado elemento da estabilidade, daquella estabilidade, que regula o movimento social, e que o não opprime e abafa. Este systema resolve pois todos os problemas da vida social; e se os não resolva todos, o systema contrario tambem até hoje os não tem resolvido; e agora converte-se em favor deste meu systema o argumento tantas vezes contra elle produsido, de que não tem podido sustentar-se porque ao menos sobre este ainda podem haver as esperanças, que razoavelmente devem conceber-se ácerca do objecto, que não foi experimentado, em quanto a doutrina do equilibrio tem sido mil vezes ensaiada, e por isso está sem crédito, nem prestigio.

Sr. Presidente, disse eu hontem que a illustração ia em progresso, que a classe media ia conquistando a outras, e que viria com o tempo arefundir em si o todo das sociedades. O nosso illustre coljega por Evora, concebeu os mais terriveis receios, se o meu prognostico se realisasse; apontou-nos cahos como sua infallivel consequencia. - Vio elle o compasso dos Mathematicos trocado pela charrua dos lavradores a espada dos guerreiros pelos livros dos sabios; todas
Perante a lei contra a diversidade das profissões, não posso deixar de o dizer, que rematado absurdo. - Sr. Presidente, por ventura, porque todos os homens seja é iguaes perante a lei, segue-se que as diferenças entre as occupações da cidadãos desapareçam perante essa igualdade, e por virtude della ? Não entramos nós em um tribunal, e não vemos ahi serem julgados o medico, o artista, o litterato, o soldado &c. &c. Por ventura por este facto perde o medico a sciencia de receitar, e apparece repentinamente soldado; torna-se o artista em lavrador, o lavrador em soldado, e o soldado em lavrador? E se isto não acontece quando todas as profissões se curvam á igualdade da lei no systema judiciario, porque ha de acontecer quando se curvam á igualdade da lei politica? Além disto a classe media é forçoso que progrida, se ella progredir ha de infallivelmente absorver a maior parte das classes externas; mas, se não progredir, morre: ora, o nobre Deputado deseja que ella não progrida, logo quer que ella morra: mas se ella morre, ficam na sociedade as duas classes extremas, e eis aqui o nosso collega a promover o dominio dos extremos, quando elle defende as doutrinas do justo meio.

Sr. Presidente, em um paiz, onde há as diversas classes que as leis consideram diversamente, a melhor condição d'umas é sempre sustentada á custa das outras.

Se uma classe quer dizer porção de pessoas privilegiadas em direitos, e em exclusão da totalidade dos cidadãos, uma classe prejudica sempre a outras, e todas prejudicial a nação. Em Inglaterra ha uma classe privilegiada, que é a classe aristocrata, ella vive poderosa, rica, considerada. Mas como se sustenta esta classe, como está incarnada nas instituições do paiz? A custa das outras classes. Em quanto ella tem uma ingerencia completa em todos os negocios publicos, o povo inglez começa agora a emancipar-se; em quanto ella possue os terrenos do reino unido morrem milhares de pessoas datadas de fome, e mirradas de frio.

Sr. Presidente, eu creio que o Poder Legislativo é indivisivel por sua natureza. A soberania nacional consiste no direito que a nação tem em fazer as suas leis, e em governar-se pelas leis que ella faz; (apoiado) mas se o Poder Legislativo sahe das mãos da nação, se elle é entregue a algum, que não sejam os seus representantes, a soberania nacional desappatece, porque a liberdade é só uma, e indivisivel, e aqui está ao meu lado quem escreveu estas idéas em muito bons versos: A divisão da soberania popular é em politica o mesmo que em Methaphisica o Pplytheismo.

Diz-se, mas o poder de legislar na segunda camara é uma delegação popular como todos os outros, que nada tem de prejudicial. Eu entendo uma nação pôde, deve, e precisa delegar o exercicio dos poderes politicos; mas esta delegação, de que se tracta; é uma abdicação; e uma nação não póde suicidar-se: o acto é nullo porque se não presume do sentido (Apoiado.) Mas entra tambem n'esta questão a sciencia do architecto. Devemos nós disputar sobre a divisão material das casas, em que deve reunir-se o corpo legislativo? Dividam-no como quizerem, e no melhor que lhe parecer, mas não se argumente com as paredes de uma sala contra, os verdadeiros principios de direito publico constitucional.

Sr. Presidente, eu creio ter demonstrado, que este direito

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publico rejeita a instituição d'uma segunda camara; agora passo a responder a algumas objecções, que contra o systema unitario se tem aqui produzido.

Toda a causa deve ser mais bem tractada por dous procuradores do que por um, o assim muito aproveitara aos interesses publicos ter dous orgãos, dous advogados, que o sustentem, e deffendam. Eis aqui um argumento, nem eu sei se lhe responda. Se ambos estes procuradores são de eleição popular, se elles tem ambos as mesmas condições de elegibilidade, a questão reduz-se a um augmento na representação Nacional, e isso ao mais póde ser escusado, mas nunca poderá ser damnoso. Se parte dos tres procuradores não são de nomeação do povo, ou são inamoviveis, então nem elles merecem tal nome, porque a theoria do mandato tem por condições essenciaes 1.° a delegação do mandatario, 2.º a revocabilidade do encargo.

Uma camara arrasta-se pela eloquencia, por movimentos repentinos, e toma em um momento as mais imprudentes decisões. Olhe se para a convenção Franceza, aonde quasi sempre um acaso de violencia arrancam os votos á maioria. Eis-aqui outro argumento. Sr. Presidente, aonde está a Assembléa legislativa, que se deixa arrastar pela eloquencia de seus membros? Que mude a sua politica, por um bom discurso? Um corpo legislativo é sempre um aggregado de homens, que se dividem em differentes grupos politicos, um, ou outro póde discorrer melhor, ou com mais ou com menos felicidade sobre esta ou aquella questão, mas isso serve sómente para o credito pessoal dos oradores, e no Parlamento sustenta apenas a dignidade dos debates, mas não ganha as questões.

Trouxe-se o exemplo da convenção Franceza, porque alguns dos nossos collegas costumam sempre involver as questões de Constituição nos prestes da morte, e no crepe das revoluções. Sr Presidente, a convenção Franceza, em cujo recinto estava a guilhotina como symbolo horroroso da inviolabilidade dos Deputados, a convenção Franceza, cuja sala foi tantas vezes violada pela soldadesca desenfreada, pelo povo amotinado por deputações tumultuosas, o até pelas furias da revolução as mulheres famintas, a convenção Franceza, em cuja tribuna Marat empunhou uma pistola. Tallien um punhal, póde ser citada aqui agora neste seculo? Sr. Presidente, quando a casa de um corpo legislativo é considerada como um santuario venerando, quando a pessoa d'um representante do povo é para todos sagrada, e quando os debates parlamentares são o objecto da curiosidade, mas igualmente do respeito publico?!! (Apoiados geraes.)

Mas uma camara póde tornar-te facciosa, e sendo uma só domina sem contradicção, nem obstaculos. Em primeiro logar eu não sei o que é uma camara facciosa. Se se chama assim aquella, em que domina uma maioria compacta, a expressão e arbitraria, e jurídica, porque uma maioria póde ser facciosa aos olhos da razão, mas nunca aos olhos do direito, se foi a producção legal duma eleição livre. A condição indispensavel do systema representativo é o dominio das maiorias parlamentares, e quem pertende substituir a esta lei de estabilidade, e razão exigencias das minorias anarquisa a liberdade, ou despotisa as nações. Mas supponhamos que estas maiorias em rigor viciosas apparecem no corpo legislativo, não bastará contra ellas o poder de dissolver a participação legislativa do Rei, mas alem disto ainda será preciso estabelecer uma segunda camara?! Entrando nesta questão tem affeições, calculando as cousas pelo seu justo valor, querendo dar a todos os elementos governativos a força que devem ter, sustento que entre nós o elemento democratico não é tão invasor que precise de tantos, e tão fortes barreiras, temo que levados de injustos receios o não vamos suffocar, quando só queremos dirigi-lo e conte-lo.

Cito agora os requilibristas. Elles que digão, e elles que confessem se é igual esta partilha de poder, se elles proprios não arrumam o seu systema, e se prégando-nos equilibrios não estão agora a desequilibrar (Apoiado) porque essa camara ha de ter conflitos com elle, e por fim póde destruido, e tão pouco o queremos entre duas camaras igualmente populares, porque se segundo a nossa doutrina uma só o póde destruir, duas mais facilmente o farão. Pois eu tambem não quero o corpo legislativo de eleição popular entre a inamovibilidade do senado, e a herança da Corôa. (Apoiados.) Equilibrio! Igualdade! Os equilibristas devem ouvir estas vozes. Desenganemo-nos, ou a nação quer o throno, ou não se a nação quer o throno, se presa esta instituição, ella a gurdará solicita, forte, e guerreira, se a nação o não quer, roborem-no como quizerem, cerquem-no de corpos politicos, porque elle a final ha de desabar, embora o arraste por algum tempo uma existem mesquinha, e todos os dias ameaçada. Eu, que sou sinceramente monarchico, eu que sei esposar monarchia com a liberdade, confesso que estremeceria pela segurança do Throno, se o visse entregue unicamente á protecção das instituições que aqui decretarmos, e o não e considerasse radicado nos nossos costumes, nos nossos interesses, e na affeição de todos os Portuguezes. (Apoiados geraes).

Tambem se disse, que o modo porque no systema representativo exorbitava o poder executivo era procurando, e alçando maiqnas nos corpos politicos, e que assim o multiplicar estes corpos, para multiplicar as maiorias, era oppôr barreiras ao executivo, e difficultar a execução dos seus planos. Se o segundo corpo, legislativo tiver a sua origem do Throno, então com votar-se uma segunda camara favorecem-se as pertenções do executivo, assegurando-lhe logo uma maioria, e fortalecendo o com ella para alcançar outra. Se esse corpo tem a mesma origem, e condições, que o primeiro, a maioria será neste tão facilmente alcançada,como no outro.

A segunda camara será hereditaria, vitalicia com cathegorias, ou sem ellas em todos os casos; mas de nomeação do Rei? Vamos a um argumento geral. Que é a lei? É a vontade da Nação. Quem faz a lei? Os representantes da Nação. Quem são os representantes da Nação? Os que ela elege para esse fim. Elegeu ella os membros da segunda camara, que o Rei nomeou? Não. Logo a segunda camara, porque exerce funções legislativas, não póde ser da nomeação do Rei. Se desgraçadamente somos obrigados a julgar os homens cheios de ambição e pertenções, se alguns dos poderes do estado buscam sempre, por interesse e por

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costume, aproveitar-se destas fraquezas para armar ciladas é honra dos que tomam a vida publica, é indispensavel dar ao povo alguns meios, com que contrabalance os muitos recursos de corrupção, que possue o governo. É elle, o livre dispensador dos titulos, e das honras, distribuidor de empregos, e fortunas, não ha paixão que não possa lisongear, desejo que, mais ou menos, não possa contentar; assim elle exerce de continuo uma influencia corruptora sobre todos os homens publicos, e a experiencia mostra que não poucas, vezes tem com ella obtido os mais desgraçados triumphos. Se pois o Throno tem todos estes poderosissimos meios de corrupção, é preciso que tambem ao povo se dêem alguns, não para corromper, mas para obstar as corrupções, premiar, seus servidores, e dar algum pasto às ambições, nobres e patrioticas, que podem degenerar á mingua de consideração. Quaes são estes meios?. As cadeiras legislativas unicamente. Tirar ao povo a eleição completa dos membros de quantos corpos legislativos se criem é entregar todos os homens publicos á corrupção do governo, e coarctar ao mesmo povo os seus direitos inalienaveis, e desapreciar aquelles de que fica gosando. A experiencia prova que as maiorias da segunda camara de eleição regia pertencem sempre ao poder, por inclinação, por temor, ou por novas nomeações. A camara franceza duas vezes lhe quebraram a maioria: uma Mr. Villele no sentido doutrinario, outra Mr. Dicares no sentido monarchico: porque, não tem sido amiudadas vezes desfeita a maioria da camara dos Lords em Inglaterra? Porque esta camara representa a aristocracia; e a aristocracia em Inglaterra é tudo, e póde tudo, domina o Throno, e dirige o povo. O Rei de Inglaterra é o primeiro Lord; é a cabeça do gigante aristocratico.

Passemos ao exame dos diversos principios constitutivos da segunda Camara.

A Camara hereditaria julga-se geralmente que tem independencia propria, porque observa-se que pasmada uma geração assim como o Rei se senta no Throno pelo seu direito de herança, tambem o Par se senta por igual direito na sua cadeira legislativa; e á vista disto parece que a sua posição é verdadeiramente independente: mas quantos exemplo nos provam, que assim como a dignidade de Par passa de paes a filhos, tambem passa com ella como legado oneroso a submissão á vontade de todos os Governos? A independencia dos corpos politicos de qualquer modo, porque elles são constituidos vem da forma do governo e não do seu principio organico: Não foi escravo dos Imperadores o senado inamovivel da republica de Roma, que for livre em quanto houve liberdade? O senado de Napoleão corri a carta não seria tão independente como a Camara hereditária de Luiz 18.°, e a Camara hereditaria de Luiz 18.° não seria tão servil com a Constituição do Imperio como o senado de Napoleão? Eis-aqui como se deve estabelecer a questão da independência do principio hereditario, e não fundar essa independência na propria natureza delle, - e da lei como constante, e necessária, quando é filha dos successos e das cousas, e com elles se modifica, e varia. Contra a tendencia para a retrogradação, ou estacionamento que é natural na Camara hereditária argumenta-se de ordinário com o ingresso dos Pares moços, que devem representar os interesses da sua idade; mas, Sr. Presidente, não é de recear, não é certo que nisto sempre os prejuisos da classe supportão os impulsos do coração, e que o joven Par aprende, e segue sempre a chronologia da sua familia, e não a do seu seculo. O pareato é indispensavelmente um privilegio escandaloso: porque dá a umas poucas do familias o direito de ter parte na confecção das leis, de totar os tributos, e de julgar as summidades do corpo social - Mas a base de todo o direito é a utilidade publica; e se o pareato hereditario é uma instituição util nem se quer se lhe póde chamar privilegio; e com effeito não será difficil provar que grandes utilidades se deparara na Camara hereditaria. - Este argumento era facil de prevenir, porque é usual O produzi-lo, e não é de maior difficuldade o responder-lhe. - Ainda não houve um só erro, a que faltasse um defensor, um privilegio, que não tivesse uma justificação; até a servidão adscripticia, monstruosidade politica, e economica teve um panegyrista celebre; e seria para admirar que elles faltassem ao privilegio do pareato, embora absurdo. - A questão reduz-se pois a saber se o principio hereditario na segunda Camara é, ou não util? - Para isso cumpre examinar o que são as aristocracias, reconhecer, o seu espirito e suas vantagens sociaes. Olhemos para Roma, e para Inglaterra, e uma só vista destes povos nos poupará mais indagações: Senhores, miseria d'um lado, e escandalosa opulencia do outro; poder e grandeza para um, abatimento e nullidade para o maior numero; a fuga para o Monte Sacro; os motins de Manchester, a questão da lei Agraria, e as taxas dos pobres, tal é em resumo a historia politica das duas grandes Nações Roma, e Inglaterra: tal é a historia de todas as aristocracias do mundo; e os appetecidos, e ricos dous d'esse principio hereditario que tanto se gaba, e deseja: com tudo ainda que não fossem estes os resultados infalliveis do predominio do principio aristocratico, que se funda na herança, restava a tractar a questão da applicação d'elle ao nosso paiz, e nisto vão muito mal os que tal applicação desejam.

O que é uma forma de governo? É ou deve ser a traducção litteral do estado politico, civil, e intellectual do povo, para que essa fórma se estabelece; o Governo não é uma machina, que se transporte d'um para outro paiz: não é um instrumento rural, que sirva para cultura tanto nos campos do Tejo como nos do Tamisa, ou do Sena. Assim a aristocracia em Inglaterra conto se basea nos costumes d'essa nação, nas suas leis, nas suas tradicções, e particularmente no seu direito civil, póde ahi subsistir, e aos males que lha são inherentes une ainda alguma vantagem: mas entra nós seria uma instituição illusoria, e ridicula. Que digo eu? Impossivel, repugnante, impraticavel.

Dizia Chateaubriand na camara hereditaria de França: - Aonde está a Aristocracia em um Estado, em que a divisão igual dos teres impossibilita a accumulação da propriedade, aonde o espirito de igualdade não tem deixado subistir distincção social alguma, e soffre apenas as superioridades naturaes? - Eis-aqui uma autoridade, que não póde ser suspeita aos illustres Deputados, que contrariam aí minhas opiniões, eis-aqui como se explica um homem notável (de quem certamente se não pode dizer que o perdem os verdores da mocidade) sobre o estado da França; é incompatibilidade, em que com elle se achava o principio aristocratico. E a esse principio será mais favoravel o estado do nosso paiz? A divisão das propriedades entre nós não é tanta como em França? Certamente: e ainda bem que assim é que não sacrificamos ao esplendor de poucas familias a subsistencia dum povo. Além disto; em um paiz aonde predomina a aristocracia, aonde ella governa, sempre se exime de pagar tributos, e faz pesar a grande massa de imposições sobre as classes inferiores. Venha o registo dos tributos, que se pagam em Inglaterra, e ver-se-ha que tudo ahi são contribuições de consummo que pesam sobre as classes pobres, emquanto a propriedade em proveito dos ricos é quasi isenta do pagar. A antiga legislação ingleza sobre cereaes foi modelada por estes principios; e em Londres as questões de impostos unem os partidos politicos pelo vinculo do interesse, fazem desapparecer esta denominação de Wigs, e Torys. - No tempo da Carta appareceu um projecto de lei, que ao principio mereceu as sympathias populares e simulando querer acabar com a aristocracia do paiz; a radicava por um modo, que seria difficil destrui-la.

Não me recordo quem foi o seu auctor, mas o Projecto, a que me refiro, é um que abolia os morgados, e que só deixava a faculdade de vincular bens às familias daquelles, que tivessem assento na Camara dos Pares. Este Projecto

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ara a Magna Carta da Aristocracia, e se elle recebesse a sanção, e durasse por algum tempo no paiz, seus tristes effeitos seriam sentidos em breve.

Sr. Presidente, nada ha mais proprio para celebrisar um paiz, para dar á sua historia paginas brilhantes, e mesmo para o fazer poderoso, e robusto, do que uma aristocracia governativa; mas todos estes bens são comprados á custa do miseria publica, da degradação das classes inferiores, e da guerra, porque a guerra é a vida, é o fado de todas as aristocracias. Como ellas são imminentemente repugnantes ao coração humano, e offensoras do sentimento d'igualdade, é o idolo de todo o homem livre; logo que a paz deixa os espiritos em socêgo, principiam a examinar os titulos aristocraticos, a razão dos seus privilegios, e então a efervescencia publica começa, e logo uma guerra se prapara, e se levanta.

É forçoso fazer aqui uma digressão historica, porque quero assentar os principios nos factos, e porque já não posso ouvir impassivel calumniar os Povos, e os tempos.

Sr. Presidente, a aristocracia Ingleza em 1668 fez uma revolução, para obstar a que o Povo a não fizesse em 1669. Desde 1668 até 1714 seguio-se uma guerra continental, sustentada pela Inglaterra, e suatentada com graves perdas,e quebra de seu credito. Nella se lançou a aristocracia Ingleza, e comsigo arrastou a população efervescente, e a distrahiu assim dos assumptos politicos. Depois disto, seguiram-se as grandes fundações coloniaes, e com ellas a guerra maritima, cujas victorias deram á Gram-Bretanha o sceptro dos mares, que hoje empunha. Os homens que em Inglaterra se revoltaram contra a acção corruptora da aristocracia, contra a intolerancia da Igreja Anglicana, deixaram as terras de seu nascimento, as seitas politicas e religiosas, e foram semear a sua energia por todo o Globo. Quakers de Inglaterra, Jacobitas d'Irlanda, Presbyterianos d'Escocia, todos foram desabafar da oppressão, que soffriam no paiz, e realisar fora delle os principios, que a prepotencia d'altas classes lá guerreava, e soffucava.

Em 1766 os Estados Unidos deram o grito de liberdade; e o principio popular da revolução de 1640, frustrado pela revolução de 1688, lá appareceu vingado, triunfante, e forte, além do Atlantico. Todos sabemos a impressão, que a emancipação das colonias Americanas fez na Mãi-Patria. Já Pit por ganhar a popularidade se dispunha a apresentar o Projecto da reforma parlamentar.

Appareceu a Revolução de 1690, e então a Aristocracia ingleza sequiosa, e precizada de uma guerra, aproveitou a occasião; e, excitando as paixões nacionaes, levantou a bandeira dos combates, e foi apagar com o sangue a luz da Liberdade, cuja chama já inquietava aquelles, a que ella podia queimar os titulos, e os pergaminhos. Com isto a questão da reforma parlamentar; symbolo do progresso em Inglaterra, teve um adiamento de 50 annos. Em fim a revolução de Julho appareceu, e essa reforma parlamentar passou, e o primeira passo progressivo deu-se. E estão quietos os espiritos, as exigencias satisfeitas, e a lucta acabada? Não, mas já lá se sabe que appareceu o tratado da Republica de Cicero, desse livro maravilhoso, que um dos nossos Collegas em um voo poetico nos inculcou como o realisador da paz geral, e o termo de todas as contendas politicas. (Riso.)

Vamos á França. Eu divido a Revolução franceza em duas épocas. Desde 1789 até 1792 tirnm-se todas as consequencias dos principios da Soberania popular até á Republica. Desde 1792 até 1804 todos os successos, os mais variados e oppostos, concorrem todos a estabelecer este grande principio, e todos por elle se explicam que a independencia vai sempre adianta da Liberdade, e que sem unidade não ha independencia. Sr. Presidente, logo no principio da Revolução as recuzas do corpo ecclesiastico, e da nobreza para se reunirem com o terceiro estado, e depois o chamamento das tropas a Versalhes, querendo pôr barreiras na revolução; que começava, fizeram apparecer uma reacção; e a Basilia foi tomada. A Monarchia constitucional estabeleceu-se, mais logo a quizeram sofismar, e outra reacção se levantou; a Monarchia cahio ao som do canhão de 10 de Agosto, e a republica foi proclamada.

O Governo passou depois para o consulado, e do consulado imperceptivelmente para o imperio, e a França depois que vio segura a sua independencia, e a sua liberdade, depous completa a obra da revolução, de que todos os successos só tinham siso meios, oppoz ao espirito conquistador de napoleão a força de inercia, e .... e Napoleão cahiu. Mas essa carta foi o instrumento da sua priopria destruição. E nós não levantamos o principio da soberania nacional em 1820? Não veio depois uma carta outorgada? Não cahio ella, e das suas ruinas não resurgio de novo a soberania popular? Não estamos nós aqui para dar ´´a Corôa a lei da Nação? A Hespanha não se declarou por duas vezes soberana á face da Europa? Não gemeo ella debaixo dum despotismo feroz, e depois não teve do Throno concessões de liberdade? Sim, Srs., mas o estatuto não durou, e novamente o Throno recebeu a lei do povo? É verdade que um illustre Deputado, cheio seguramente dos melhores desejos pela felicidade da Nação visinha, disse que a revolução da Granja fóra fatal para a causa Constitucional desse paiz; e eu estimo Ter esta occasião para o desenganar a este respeito pela leitura d0um documento interessante. Neste estudo de cousas convém que V. Exca. Solicite do Governo de Sua Magestade, o rei dos Francezes, prompto socorro das suas armas debaixo de qualquer condição, e por qualquer maneira, uma vez que se salve a authoridade de Sua Magestade a Rainha governadora. Isto escrevia o Ministro Stturiz ao embaixador Hespanhol em França nas vesperas da revolução. Sr. Presidente, antes a revolução, e todas as

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e das consequencias, ainda as mais funestas, do que a perda absoluta da nacionalidade, do que, a sujeição completa a um gabinete estrangeiro, e as liberdades publicas entregues as decisões da diplomacia. Sr. Presidente, pela filosofia da historia tenho demonstrado que esta lucta politica, que se conta acabada, e cujo resultado se dá por determinado, começou ainda ha pouco, e que é lei constante da civilisação escripta nos fastos da Europa; que a democracia tende a conquista todas as instituições sociaes. Sr. Presidente, eu não receio nada desta tendencia, nem contra a liberdade, nem contra os Reis; porque, Srs., a democracia e uma onda para e socegada, que beija os degraus do throno, é que nunca contra elle sem provocação se levanta; mas vós não quereis acreditar nesta brandura do elemento democratico, sempre o julgais prompto a arrasar os thronos; levantais contra elle mil barreiras; irritai-lo corri tanta precaução, e converte-lo de doce ribeiro em rio caudaloso. E contra pontem indignatus Araxes.

Sr. Presidente, eisa-qui porque eu me reputo mais monarchico, eis-aqui porque eu sou mais amigo dos thronos du que os nobres Deputados, que se dão por seus defensores exclusivos: quero que se façam concessões razoaveis ao principio; que, se lhas não fazem, as conquistam, não por vicio, mas por direito. Sr. Presidente, para combater estas asserções, para responder as minhas indicações historicas vão sempre buscar-se exemplos remotos, citações horrorosas, pronunciam os nomes de Cromwel, e Napoleão, e falla-se muitas vezes em guilhotina, em invasões, em regicidios etc. Porque motivo os nobres Deputados, carregada a fantasia de lugubres idéas, hão de sempre viver como tristes corujas nas noites tempestosas das revoluções, e fugir deste sol maravilhoso da liberdade, que hoje aquece a Europa, e que já se não eclipsará.

Sr. Presidente, ler a historia e moralisar os successos, é descobrir as suas causas, reconhecer o espirito dos acontecimentos, e ouvir as suas lições; mas exclamar sem tino, predizer sem fundamento, atemorisar sem causa, recitar nomes e mais nomes, não é acertado, nem decente. Assim é que as creanças lèm a historia de Carlos Magno, que só lhes ficam na cabeça os nomes dos Pares, e os transes perigosos dos combates.

Disse-se, Sr. Presidente, em tom decisivo, e seguro que a realesa ha de sempre cahir diante de uma camara só, porque em França uma camara despedaçou o throno. Mas não foi essa camara, que em França despedaçou o throno, foi a aristocracia, que o destruio, e perdeo; foi o veto absoluto, obra sua, que levou á morte Luiz XVI. O veto foi para o Rei um presente funesto; foi um cordel turco. Se esse infeliz Monarcha não podesse recusar a sua sancção aos actos necessarios para o bem do paiz, seguramente não teria subido ao cadafalço, e os horrores da revolução franceza talvez não começassem.

Mas vamos ao principio vitalicio: já d'elle fallei tendo cathegorias, mas hoje considero-o sem ellas, em si mesmo. No principio vitalicio com cathegorias ao menos as escolhas são mais decentes, essa camara assim formada póde ter algum prestigio; mas quando a escolha fica ao arbitrio puro do Rei, quando o homem escolhido fica logo marcado com o sinete ministerial, então essa segunda camara é um corpo de janisaros, contra que sé levanta logo o odio publico, e que compromette o throno. Além disto, o principio vitalicio converte-se facilmente no principio hereditario, mas com todos os inconvenientes da herança, sem algumas das suas vantagens. Dada a camara vitalicia, reputam alguns dos nossos collegas como sua immediata consequencia a nomeação do Rei. Sr. Presidente, eu estremeço quando vejo entregue á urna, nem sempre imparcial, e incorruptivel, antes muitas vezes cega, e facciosa, a escolha dos homens, que devem exercer funcções legislativas; mas tambem maravilho-me da confiança, com que muitos dos meus collegas entregam essa escolha ao arbitrio ministerial, sempre é justo, sempre é liberal, é patriotico. (Apoiados). Eu não acredito na virgindade da urna, conheço as suas fraquezas - Direito divino, carta outorgada, e pariato heriditario são cousas, que se dão as mãos; mas soberania do povo, e legislatura inamovivel são idéas repugnantes.

Sr. Presidente, sobre todos os outros modos conhecidos de orginisar a segunda Camara, eu tinha que reflexionar; mas não devo abusar da attenção do Congresso, e não quero prejudicar as suas decisões; com tudo digo de passagem que o systema das propostas pelo povo, e da escolha do Rei, ou da proposta pelo Rei, e da escolha do povo, do augmento do censo nos elegiveis, ou nos eleitores, ou das qualificações pessoaes para um e outros, da renovação periodica de uma parte dessa segunda Camara, em uma palavra todos os systemas conhecidos, e que possam descubrir-se nunca farão desse corpo politico, mais que uma redundancia, ou um monopolio, ou uma anomalia. Apesar disto, Sr. Presidente, se a maioria do Congresso votar uma segunda Camara, como conto, eu que não posso desamparar a causa do meu paiz, que hei de pugnar até á ultima pelos seus interesses, esforçar-me-hei por conseguir, ao menos que na formação dessa segunda Camara, se respeite o principio da soberania nacional, fóra do qual eu julgo em minha consciencia, que não estamos authorisados para regular, (Apoiado apoiado).

Agora passo a examinar os fins, para que se pertende uma segunda Camara.

Para amparar o throno? Sr. Presidente, se a segunda Camara é da mesma origem e condições que a primeira, não ampara o throno melhor que ella. Se é uma Camara fortemente aristocratica inamovivel, então domina-o, e não o protege. Em Inglaterra a aristocracia hão defende a corôa, é ella a mesma corôa, é o governo, é a nação, é tudo. Só se defende a si em tudo que defende. Todas as mudanças politicas, todas as concessões á democracia, são feitas em nome da aristocracia, e por consenso e direcção della. Se examinarmos o martyrologio dos Reis, acharemos que as aristocracias tem conspirado contra os thronos muito mais que as nações, e que por seus mui variados meios tem abatido mais testas coroadas, do que os furores populares. Em França as imprudencias, e máos conselhos da aristocracia perderam duas vezes a realeza: levaram Luiz 16.º ao cadafalso, e desthronaram Carlos 10.º - Entre nós bem recente, e bem amarga é a recordação dos perigos, que tem corrido o throno pelas ambições aristocraticas.

Vamos a ler outra vez Chatheaubriand, (que não fique em privilegio aos livros de economia, o virem só elles ao Congresso). - (Riso). As assembléas aristocraticas reinam gloriosamente, quando são soberanas, e as unicas investidas do poder de direito e de facto: ellas offerecem as maiores garantias á liberdade, á ordem, e á propriedade; mas nos governos mixtos perdem a maior parte do seu valor, e são miseraveis nas grandes crises do estado. Nunca conjuraram um perigo, nem obstaram a uma invasão; fracas contra o Rei, não impedem o despotismo, fracas contra o povo, não previnem a anarchia. Sempre arriscadas a serem compremettidas pelas commoções populares, só resgatam a sua existencia á custa de perjurios, e da sua propria liberdade. A Camara dos Lords salvou Carlos 1.°? Salvou Ricardo Cromivel, a que tinha prestado juramento? Salvou Jacques 2.°? Salvará agora os principes de Hanover? Salvar-se-ha a si mesma? Estes pertendidos contrapezos aristocraticos não fazem, senão embaraçar a balança politica, e tar-

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de ou cedo serão lançados fóra das suas bacias. Uma aristocracia antiga e opulenta, habituada á tribuna, e aos negocios publicos não tem sendo um meio de guardar o poder que lhe escapa; e pasta-se gradualmente para a democracia, e colloca-se insensivelmente á sua frente; saho se se julga assaz forte para mover a guerra civil. Assim se explica Chatheaubriand sobre o amparo que d3o aos thronos os corpos aristocraticos, e esta authoridade não é suspeita certamente, pelo menos para os nossos collegas, que o tem citado. A segunda Camara pois ou é senhora, ou não é nada.

Para representar e proteger a propriedade? Divide-se a propriedade em differentes porções, e por diferentes classes; e não vejo motivo de justiça, ou conveniencia para dar uma representação especial, antes a esta do que áquella porção de propriedade, de certa classe antes que á de outra; e tanto mais quanto a diversa natureza das propriedades, e o seu maior, ou menor valor estabeleceu interesses distinctos na sociedade, e tendências encontradas. A grande propriedade assignala-se sempre por um espirito de estacionamento invencível ; a propriedade media participa do movimento social; a propriedade commercial não tein as mesma» conveniências que a propriedade territorial &c. As vezes prospera uma á custa da outra. Além disto se estabelecermos o principio de que cada interesse social deve ter uma representação em separado, colloca-nos na necessidade de multiplicar as representações até ao infinito. Guardemo-nos desta doutrina, que chega a ser perigosa. Quer-se proteger a propriedade? Quem o não deseja? Para que são as íeis, os tribunaes, os exercitos, os magistrados, o throno, o corpo legislativo? Tudo é que nos cerca, tudo o que vemos, tudo o que dizemos «3o outros tantos testemunhos de que a propriedade, o primeiro vinculo, e o primeiro dom social, está protegida por todas as nossas cabeças , vontades e instituições. Srs. a propriedade é o primeiro elemento da civilisação, e a mais forte columna da liberdade. (Apoiado apoiado). A sua conservação interessa a todos os cidadãos; e eu que francamente digo que não sou proprietario (nem tenho ninguem por tal, sem lhe ver os livros da rasão) (apoiado), mas que sou e me preso de ser membro da familia portugueza, zelo os interesses dos proprietarios, como se o fosse, e por isso não, quero que elles recebam a falsa protecção de um privilegio, que os compromette, que os arruina, e que os põem em risco. Fortalecer um privilegio com a propriedade, isso razoavel é; mas fortalecer a propriedade com o privilegio, é inutil e perigoso. Sr, Presidente, em França o privilegio prejudicou a propriedade, como prejudicou o throno.

Para dar estabilidade? Entendàmos primeiro o que se quer dizer com esta tão fallada estabilidade. - Levanta-se em um paiz a voz do progresso, propoem-se as medidas que elle aconselha, e contra ellas apparece logo o elemento da estabilidade que as combate, e que as não deixa levar a effeito. Empenha-se a lucta; dura às vezes annos sobra annos; e aos que tão prejudicados com abusos, que se queriam extirpar, recommenda-se-lhes que soffram estas delongas a bem do paiz e da ordem; que esperem o ensejo proprio, que se divirtam com as luctas, aonde se finam seus interesses, e durante as quaes às vezes lhes passa a vida, sem ter ainda chegado a hora da justiça. A final, é forçoso ceder; triunfa a força das coisas; e essa estabilidade vencida depois dos maiores esforços, tendo guerreado não por calculo, mas por vicio, não para demorar, mas para estorvar, pede agradecimentos por seus serviços, inculca a necessidade como virtude, e felicita os opprimidos, por mais cedo não terem sido libertos. Este argumento da estabilidade é daquelles que prova de mais. Se se pertende estabilecer um corpo, que cercado da privilegios se esforce sempre por conservar no paiz as instituições que lhos garantem; já se vê que esta estabilidade é um verdadeiro sacrificio das massas, o sacrificio das massas é tyrannia, porque a liberdade em politica quer dizer governo de todos, e para todos. (Apoiado.) Dizia Mr. Bignon na Camara Franceza; Esta doutrina da estabilidade, como vós a entendeis, é a doutrina da Santa Aliança, é a dos Reis absolutos, é aquella, por virtude da qual se esmagaram as revoluções de Napoles, de Piemonte, da Hespanha, e Portugal; é por, ella que se levantam os cadafalsos em Modena, e se opprinem os Povos. = O elemento muito simples, mas verdadeiramente constitucional de estabilidade, é a reeleição. Um homem que tenha sempre, e por muito tempo sustentado certas opiniões, é difficil mudar; e, se muda, sempre a mudança se annuncía, e contra ella ha tempo de acautelar. (Apoiado. ) Ora como a uma está aberta para todos os nomes, como os eleitores conhecem o evangelho politico de todos os homens públicos, e é permittida a reeleição, elles comporão sempre o Corpo legislativo de homens taes, que se não deixem arrastar das impetuosidades do momento; o sentimento nacional de estabilidade terá interpretes, e órgãos no Corpo legislativo.

Para representar as summidades sociaes? Estas summidades tem, ou não tem os mesmos interesses que a Nação? Se tem os mesmos interesses, representa-os como os da Nação; se tem interesses diversos, não os quero representados, porque esses interesses é preciso subjuga-los, e não dar-lhes força.

Um dito pouco medido escapou a um dos nossos collegas fc que já hoje fallou na questão; é forçoso, ainda quede passagem, redarguir-lhe. - Disse o nobre Deputado que o Throno era o elemento da ordem, o Povo o da liberdade. Sr. Presidente, eu reputo o Throno tão amigo da liberdade, como o Povo amigo da ordem. (Apoiado, apoiado.} Porque eu não conheço liberdade sem ordem, nem ordem sem liberdade. Infelizes de nós se esta diversidade de tendência? fosse real e verdadeira! Infelizes de nós se a liberdade, garantia monarchica e popular, se a ordem e interesse do Rei, e do Povo, não unissem fortemente estes dous grandes elementos sociaes. (Apoiado.)

Não me occuparei em responder a uma serie de citações históricas, porque ellas nada tem com a questão pelo lado, por que a tenho tractado. Vou pois concluir, mas antes de o fazer, interrogarei o paiz sobre o problema, que agora nos entretem.

Sr. Presidente, nós sahimos de um systema judiciario, montamos outro, e ainda estamos para saber se elle póde funccionar no paiz. - Nós temos um systema administrativo, recopilação de diversas leis, sem nexo, sem ordem, e sem força de execução. - O nosso exercito está era uma completa desorganisação. - A Guarda nacional carece de uma lei forte, que não offenda as immunidades dos cidadãos soldados, mas que assegure tambem o maior proveito do serviço. - A nossa fazenda está em um cahos medonho. A nossa contabilidade são os Mysterios d'Eleusis. - ( Apoiado.) As prerogativas da Corôa, a acção do executivo limitam-se a ter por seus órgãos 6 homens, que escrevem muito, que mandão escrever a outros muitos; esses muitos que escrevem para outros; e estes, etc. mas cumprimento e execução não ha, não se conhece, acabou, aã Nação vive, mas não se governa.

Eis-aqui o nosso estado triste, vergonhoso e miseravel e para um paiz, que precisa organisação prompta em todos os ramos do serviço publico; para um paiz, que precisa o seu governo creado, as más finanças restauradas, que tudo precisa, que nada tem; votaremos, Sr. Presidente, uma segunda Camara, que una às delongas da primeira, delongas de capricho, ou de insinuação, que reveja as leis que daqui vão mais que maduras, e que sempre o remédio ao enfermo, que pela menor demora delle esvaece, e morre? Sr. Presidente, eu temo que esta tardança de organisação de os mais funestos resultados: temo que a liberdade se desacredite no nosso paiz, e que quando procurarmos, o Povo portuguez o achemos entregue, ou á inação da indiffe-

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rença, ou ao frenesi da anarquia. De qualquer destas desgraças não ha de a responsabilidade cahir sobre mira. Eu voto por uma só Camara legislativa.

O Sr. Presidente: - O Congresso decidiu hontem, que na hora do expediente de hoje se tractasse do Parecer da Commissão de Marinha, sobre o Almirante Napier; e para esse fim foi convidado a assistir á Sessão o Sr. Ministro da Fazenda; e, como está presente, vai-se ler o Parecer.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho, leu o seguinte.

PARECER.

A Commissão de Marinha foi enviado um requerimento do Almirante Napier Conde do Cabo de S. Vicente, no qual allega que o Imperador o Senhor D. Pedro o nomeara Visconde, por elle ter capturado a Esquadra de D. Miguel; e depois Conde pelos serviços que prestara em terra na Provincia do Minho, quando Caminha, e Valença cahiram no seu poder no espaço de dez dias; que, retirando-se do serviço de Sua Magestade a Rainha. Ella lhe concedêra uma pensão annual e vitalicia de seis mil cruzados por Decreto de 23 de Outubro de 1834, confirmado por outro das Côrtes, de 15 de Abril de 1835; porém que ocorre duvida ao Sr. Ministro da Fazenda, se o pagamento, da sua pensão deve principiar da data do primeiro Decreto, ou da sua confirmação pelas Cortes; accrescenta que, tendo sido reduzidas as pensões por um Decreto da ultima Dictadura, submette á sabedoria do Soberano Congresso, se elle, que prestara tão relevantes serviços á Nação Portugueza, deve ser incluido nesta reducção. - Pede ao Soberano Congresso lhe defira, como fôr de justiça.

O Decreto da Dictadura de 30 de Dezembro de 1836, publicado no Diario do Governo de 7 de Janeiro de 1837, reduz o maximo das pensões a 600$000 réis; o artigo unico desta Lei, no paragrafo 3.º, exceptua aquellas, que foram concedidas em virtude das Cartas de Lei de 25 de Abril de 1835; uma destas Cartas de Lei concede ao Almirante Napier, uma pensão annual vitalicia de 2:400$000 réis; porém o Diario do Governo seguinte diz = que tendo havido notaveis erros na publicação deste Decreto, novamente se transcreve, e em logar do paragrafo 3.° declara serem as pensões concedidas em virtude da Carta de Lei de 20 de Fevereiro de 1835 = á vista do que, parece que a pensão concedida ao Almirante Napier não, fica exceptuada da redacção.

A Commissão porém é de parecer que, attendendo aos relevantissimos serviços, e brilhantes feitos d'armas, praticados pelo Almirante Napier, que tão poderosamente contribuiram para o triunfo da Causa da Liberdade, e pelos quaes elle se tornou credor da gratidão Nacional, se lhe deve conservar a pensão annual e vitalicia de 2:400$000 réis, que lhe foi concedida por Sua Magestade, e confirmada pelas Cortes, e que a sobredita pensão se lho deve principiar a pagar da data do Decreto de Outubro de 1834, pelo qual ella lhe foi concedida. E porque a Commissão entenda que para tal fim seja necessaria uma disposição legislativa, tem a honra de propor a este Congresso, o seguinte.

PROJECTO DE LEI.

Art. 1.º A pensão annual, e vitalicia de 2:400$000 réis, concedida por Decreto de 23 de Outubro de 1834, e confirmada por Carta de Lei de 25 de Abril de 1835, ao Almirante Conde do Cabo de S. Vicente, continuará a ser-lhe paga na sua totalidade.

Art. 2.º O pagamento desta pensão terá effeito desde a data do referido Decreto de 23 de Outubro de 1834.

Art. 3.º Fica derogado nesta parte tão sómente o Decreto de 30 de Dezembro de 1836.

Sala da Commissão, em 26 de Setembro de 1837. = Barão de Faro; Marino Miguel Franzini; Francisco José Barbosa Pereira Couceiro Marreca; Marquez de Loulé; Manoel de Vasconcellos Pereira de Mello, Relator.

O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu sinto que houvesse nesta Casa uma voz, que desafinasse a harmonia do geral applauso, com que a Assembléa, por um movimento quasi involuntario, nascido certamente das recordações gloriosas e gratas, que desperta em todo o bom Portuguez o nome do Almirante Napier, approvou o Parecer da illustre Commissão de farinha; consola-me entretanto observar que esta voz solitaria foi a voz clamante no deserto.

Não é minha intenção ajudar agora com o meu pequeno brado o pergão immortal da sua fama. Napier desde a batalha nas aguas de S. Vicente tornou-se um nome histórico, que associa um feito d'armas, que diz mais por si só, do que poderiam dizer os panegyricos dos proprios Ciceros, e Plinios! (Apoiados.) Mas o que eu desejo, Sr. Presidente, é que a este nome immortal vá sempre associada a memoria do agradecimento da Nação Portugueza ao Heroe, que a habilitou para reconquistar a sua liberdade, pelo mesmo feito com que grangeou para si imperecivel gloria! (Apoiados.) Peço por tanto que se declare na Acta o numero de votos, porque foi approvado um Parecer, que é um acto de gratidão e justiça, praticado pelas Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Nação Portugueza, de 1837, para com o Conde do Cabo de S. Vicente.

O Sr. Pereira Brandão: - Se o illustre Deputado, que acaba de fallar, não sabe quaes são os deveres de Deputados, sei-os eu; um delles é fiscalisar as rendas publicas, e que se gastem sem desperdicio. (Vozes: - á ordem. ) Sobre a mesa está uma Proposta minha, da qual se prova, que os homens d'Inglaterra, que tem feito serviços a este paiz, não tem escrupulo de pedir, e exigir sommas, que lhes não são devidas. O Congresso breve ha de conhecei que Lord Wesllington, Lord Beresford tem pedido sommas muito avultadas, a que não tinham, nem tem direito. Se eu sou bem informado, muitos exemplos poderia trazer d'outros Inglezes, que se não pejam de pedir o que se lhes não deve! Portanto para se votar com conhecimento de causa, exijo e peço informações para saber se o Almirante Napier já recebeu sommas, porque esteja indemnisado da pensão, assim como o foi pelo nosso Governo da patente que tinha perdido em Inglaterra. Julgo que faço o meu dever, e por isso desejo que a este respeito nos informe o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Branquinha Feio: - Quando o nobre Deputado que encetou esta questão principiou a fallar, parece-me que elle se dirigia a num, por isso que eu tinha sido o primeiro membro que hontem pedi se adiasse esta discussão para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Fazenda; por quanto, algum fóra desta sala me tinha dito que o Almirante Napier, no tempo d'uma das administrações da Carta, tinha tido certas pettenções, e que afinal se havia concertado para resgatar a pensão de que se tracta, dando-se-lhe uma quantia equivalente a certo numero de annos, ou o quer que fosse; era este um ponto, que eu ignorava, ê parecia-me da dignidade do Congresso não decidir o negocio, sem estar presente o Sr. Ministro da Fazenda. Como porém o nobre Deputado se não dirigio a mim, ouvirei o que o Sr. Ministro disser a este respeito, para votar com conhecimento da materia, pedindo aos membros deste Congresso que tiverem a palavra antes de S. Exa. queiram ceder delia para obtermos a sua informação. (Apoiado.)

O Sr. Presidente: - Deu a hora; ò Congresso decidirá se se deve prolongar á Sessão. ( Apoiado.)

Consultado: resolveu que a Sessão se prolongasse sómente para a conclusão do negocio em discussão, pelo que teve a palavra, e disse.

O Sr. Leonel: - É certamente muito conveniente que

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nada questão, assim como em todas as outras, se não tracte senão da materia restrictamente, por isso, conformando-me com o Sr. deputado, que há pouco fallou, peço que seja ouvido o Sr. Ministro da Fazenda, para depois de nos dar ás informações, que julgar convenientes, podermos decidir com acerto. (Apoiado.)

Houve um decreto da Dictadura guerra por empreitada, e que d'empreitada a acabou. Deu-se-lhe um titulo, e uma pensão para sustentar essa dignidade Portugueza: essa pensão é o meio soldo de um Almirante, e nessa qualidade lhe foi concedida. Ponderei-lhe que recorresse ao Congresso, porque estava persuadido que lhe havia de fazer justiça: (Apoiado.) da minha parte; a pesar dos meus desejos nada podia fazer-lhe. - Este Congresso tem sido calummado pelos periodicos de Londres por jacobinismo; os seus membros tem alli sido chamados homens de bonet rouge, por isso eu estimaria muito que elle desse todas as provas (como ha de dar) de que sabe respeitar os contractos. Finalmente o Conde do Cabo de S. Vicente mostrou sentimentos differentes dos de muitas estrangeiros sentimentos muito dignos relativamente á guerra, que terminou ha dias.

Em vista do que acabo de dizer, entendo que o Congresso fará um acto de justiça sanccionando a pensão, que as Côrtes de 1835 concederam ao almirante Napier, (Apoiado, apoiado.)

Julgando-se a materia suficientemente discutida foi o projecto posto á votação, e approvado na sua generalidade.

Lido o artigo 1.°, pediu à palavra, e disse.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Pedi a palavra não para impugnar este artigo, mas para arriscar algumas reflexões, em consequencia das quaes me parece não devemos tomar uma medida particular para o Almirante JNapier, mas sim uma medida geral: darei a razão, em que me fundo!

Eu entendo que qualquer remuneração de serviços que é concedida pela Corôa, e confirmada pelo Corpo legislativo, fica sendo uma propriedade particular do indivíduo, a quem se fez essa remuneração, porque a Nação entendeu que tinha contrahido uma divida, e assegurou-lhe uma certa fórma de pagamento: não são taes verbas da natureza d'aquellas, que estão sujeitas á discussão do orçamento annual, por que é uma despeza, que se suppoem feita por uma só vez. Pergunto eu, se o executivo julgasse que, em logar de pensão, devia conferir a certo individuo tal ou tal quantia por uma vez somente, e a legislatura entendesse que devia sanccionar esse pagamento, haveria depois o direito de a cercear? Não. E qual será a razão, porque se dão as pensões annuaes? Parece-me que não póde haver outra senão a economia, o não se poder dar de prompto uma somma que indemnise o individuo. Estas dividas são sempre de capital, e não de juros; mas para se satisfazerem de uma só vez era mister uma somma exorbitante. - Entendo pois que as dividas convertidas em pensões, tendo sido approvadas pelas Côrtes, não podem ter cerceação. Não digo isto porque tenha relações com alguem, essas pensões, nem menos porque deixe de convir em razoaveis economias; mas eu julgo que a melhor economia é cada um pagar o que deve; mas depois de ter a Nação decretado um certo pagamento, ir tomar o que está dado, não me parece de justiça. Ou o Almirante Napier fez serviços que valham a pensão da 2:400$000 réis, ou não: se os não fez, nada devia dar-se-lhe, mas se os fez, como é constante, e a Nação assim reconheceu; essa pensão é propriedade sua. (Apoiado.) Por tudo que acabo de dizer proponho que se faça uma lei geral extensiva a todos os que estiverem no mesmo caso; que obvie a injustiça da lei, a que se refere este projecto; o que quanto mim é indispensavel.

O Sr. Leonel: - Não me parece que por occasião de um negocio particular se possa tomar uma medida geral a esse respeito, como aquella que acaba de propôr o Sr. Deputado; por isso eu pediria que a discussão continuasse agora sómente sobre o parecer da Commissão de Marinha! Nem outra cousa fôra possivel, porque a respeito de cada uma das outras pensões será necessario tomar informações, que nos levariam muito tempo: decida-se pois o que nesta dado para ordem do dia, porque isto não offende o direito que alguem possa ter em identicas circumstancias para se lhe deferir de futuro. (Apoiado.)

Agora direi uma palavra ao nobre Deputado, que, por mais de uma vez, tem trazido ao Congresso o nome de Lord Beresford. - Lord Beresford não pede cousa alguma, que se lhe não deva já em outra occasião aqui o mostrei ao nobre Deputado, e hei de provar-lho novamente, se tanto quizer.

O Sr. Almeida Garrett: - Esta questão póde dizer-se resolvida pela opinião unanime do Congresso; (Apoiado, apoiado.) não ha um só de nós que queira deslustrar a gloria portugueza, que outro tanto seria regatear neste negocio. Por honra da Nação, por honra da Camara peço que se acabe com esta discussão. (Apoiado, apoiado,)

O Sr. Derramado: - Pedi a palavra sómente para dizer ao illustre Deputado que tão urbanamente me arguio, que se elle conhece os seus deveres como membro -deste Congresso, eu tambem me preso de os não desconhecer; se elle é fiscal da fazenda publica, eu tambem tenho desejos de fiscalisa-la, mas entendo que se não póde ser menos fiscal da fazenda, do que disputando uma recompensa aquelle, sem o qual não teriamos fazenda publica, e que habilitou os portuguezes para reconquistarem a sua liberdade e independencia, pelo nmesmo facto com que conquistou o seu immortal nome. Quando eu fallei na voz que desafinou a harmonia, com que a assembléa approvou o parecer da Commissão, não offendi o illustre Deputado, manifestei apenas o meu sentimento, de que elle não fosse da opinião unanime deste Congresso. Conheço por tanto os meus deveres, assim como o illustre Deputado julga conhecer os seus; mas

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o que, eu não sei é imitar os argumentos da sua logica.

O Sr. Pereira Brandão: - O Sr. Deputado, que acaba de fallar, não me podia dizer o que me disse, e por isso lhe respondi daquella fórma. O Congresso só póde attender á pertenção do Almirante Napier, quando tiver as informações. Entretanto eu sei que elle tem recebido sommas enormes, e que o Congresso não sabe quaes foram, devendo descontar-lhe o que já tiver recebido, se for por indemnisação da pensão. (Susurro). Quanto ao mais, voto pela opinião do Sr. Vasconcellos, porque entendo que havendo muitas pessoas benemeritas, ás quaes redusiram as pensões, tem ellas direito a serem comtempladas como o Almirante Napier.

O Sr. Ignacio Pissarro: - Peço a V. Exa. queira consultar o Congresso, sobre se julga esta materia discutida.

Assim se resolveu:

Posto o artigo á votação foi approvado; ficando prejudicada a emenda do Sr. M. A. de Vasconcellos, para se fazer uma lei geral para todos os Pensionistas.

Entrou em discussão o art. 2.°

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Parece-me, Sr. Presidente , que não é preciso fazer esta declaração. Foi concedida uma pensão ao Almirante Napier pelo Poder Executivo; e as Côrtes approvaram esta pensão, dando por bem feito o que tinha obrado o Poder Executivo. (Apoiado). E' claro que ella se deve contar desde a data, em que foi concedida; e o Governo que se dirija por este principio: - parece-me então que a melhor cousa, seria a eliminação deste artigo.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - O meu illustre amigo o Sr. Vasconcellos tinha muita razão em fazer o seu requerimento, se não houvesse um decreto da dictadura, que lhe reduzia a pensão a 600$000 rs. decreto que tem força legislativa pela approvação que as Côrtes deram a todos os seus actos. Existindo pois este decreto, o Poder Executivo não póde pagar por mais do que a razão de 600$000; e por conseguinte, se o Congresso decretar que lhe seja paga a pensão por inteiro, desde que ella lhe foi conferida, forçoso é então ir na lei este artigo. Por esta occasião direi que, segundo as informações que eu tenho, mas que não posso agora affirmar que sejam exactissimas, digo que, segundo essas informações, as som mas que recebeu o Almirante Napier não foram sommas que se lhe não devessem dar; mas sim sommas provenientes das prisas, que elle fez. (Apoiado).

O Sr. L. J. Moniz: - Todo o ponto aqui era o que acaba de referir o Sr. Ministro dos Negocios do Reino. A pensão do Almirante Napier, que era de 2:400$000 rs., foi redusida a 600$000 rs. por um decreto da dictadura: - o Ministerio agora entrou em duvida, e consultou a Camara para saber se aquelle decreto tinha ou não o caracter legislativo. Por qualquer modo que melhor lhe pareça ao Congresso, é preciso que a questão se decida.

O Sr. Ignacio Pissarro: - Eu pedia palavra para fazer o seguinte requerimento (leu). Parece-me, Sr. Presidente, que sabendo todos nós o estado, em que estão as pensões em Portugal, o quanto mal ellas se pagam aos que as tem, não poderá então o almirante Nopier sustentar e garantir o titulo, que tem de conde do Cabo de S. Vicente, para cuja sustentação elle carece receber esta pensão. Suppondo eu pois que o almirante Napier é uma parte da marinha portugueza, eu peço que essa pensão seja paga quando se pagar á marinha portuguesa em effectico serviço.

O Sr. Pereira Brandão: - Em Inglaterra tinha sido tirada a patente ao almirante Napier, e depois foi-lhe restituida: peço por isso se pergunte aos Srs. Ministros se em virtude desta restituição se lhe fez alguma diminuição na conta, que elle exigia.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu pedi a palavra para dizer que me tinha equivocado na data do decreto, que ahi vem apontado; o que conheci á vista da explicação, que deu o Sr. Ministra dos negocios do reino, pela qual fiquei sabendo que a citação se refere a um decreto da dictadura, e não á lei, que approvou a pensão: á vista disto não remetto para a mesa o meu requerimento. Em quanto porém, ao requerimento do Sr. Pissarro, não me conformo com elle, porque não posso consentir que se faça um privilegio para este pensionista, privilegio que se não dá a nenhum dos outros pensionistas do estado; e por isso voto contra. (Apoiado, apoiado).

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu requeiro que V. Exca. pergunte se a materia está sufficientemente discutida.

O Congresso assim o julgou, e posto o artigo segundo á Votação foi approvado, bem como o terceiro.

Posto á votação o requerimento do Sr. Pissarro, para que esta pensão fôsse paga com o quadro effectivo da armada, foi rejeitado.

O Sr. M. A. de Vasconcellos: - Eu não insisto em que o meu requerimento seja votado hoje, ainda que me parecia pouco inconveniente haveria nisso; porque não se quer por elle outra cousa mais do que regular um principio; isto é, saber-se se o decreto da dictadura é ou não justo: se elle é justo, cumpra-se; se não é justo, derogue-se.

O Sr. Presidente: - Permitta o Sr. Depulado que eu lhe diga que, votado o artigo primeiro, ficou rejeitado o seu requerimento. Mas se elle se approvasse depois se harmonisava na redacção.

O Sr. Derramado: - Eu desejava saber se o Sr. secretario contou os votos dos Srs. Deputados, que approvaram na sua generalidade o parecer da Commissão de marinha, relativo ao almirante Napier: e eu requeria se declarasse na acta, que elle tinha sido quasi unanimemente approvado. porque isto interessa o decoro da nação.

O Sr. Pereira Brandão: - Por isso mesmo que interessa o decoro da nação, eu peço que se contem os votos.

O Sr. Presidente: - Consulto o Congresso se se deve declarar na acta, que o parecer foi quasi unanimemente approvado.

O Congresso decidiu que sim.

O Sr. Vasconcellos Pereira: - Eu só quero responder ao que disse o Sr. Brandão. As grandes sommas, que recebeu o almirante Napier, foram pela parte das presas, que elle fez, e que lhe pertenciam; foram pelos seus soldos, e foram tambem dos contractos, que elle fez com a nação portugueza: por essas sommas não nos ficou em obrigação, pagou-se-lhe o que se lhe devia: e a pensão foi dada pelos seus relevantes serviços, principalmente pela tomada da esquadra miguelista; a esta brilhante victoria deve a Rainha o estar sentada no seu throno, nós nestas cadeiras, e tambem o Sr. Deputado (se acaso foi um dos defensores do Porto) deve o ter a cabeça entre os hombros. (Apoiado, apoiado).

Sr. Presidente, quando Lafaiette, passados mais de quarenta annos, regressou á America ingleza, para cuja independencia tinha tanto concorrido, foi recebido com o maior enthusiasmo pelo povo americano, foi convidado ao recinto da camara dos representantes da nação, e o seu Presidente, da parte da nação lhe significou quanto ella se regosijava de ver entre si um dos seus libertadores, a quem tanto deviam. O Congresso votou-lhe uma somma (segundo me parece) de um milhão de pesos duros; e quando elle voltou, para França, o mandou conduzir em uma fragata de sessenta peças. Ora, se os filhos e netos desses americanos, a quem elle ajudou, honraram tanto a Lafaiette, que não concorreu tanto para a liberdade da America do que Napier concorreu para a nossa, havemos nós, a quem elle tantos serviços fez, te-lo em pouca consideração? (Apoiado, apoiado) Seria por tanto uma ingratidão, que este Congresso cometteria,

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se consentisse que esta pensão fosse decimada: voto por tanto por ella: (Apoiados geraes).

O Sr. Presidente: - Esta discussão está fechada; a ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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