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SESSÃO DE 29 DE SETEMBRO.

(Presidencia do Sr. Macario de Castro.)

E a sessão às onze horas e meia da manhã,, estando presentes setenta e nove Srs. Deputados.
Leu-se, e approvou-se a acta da sessão anterior.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre a organisação das Côrtes; tem a palavra o Sr. Lopes de Moraes.

O Sr. Lopes de Moraes: - Sr. Presidente, a questão, que agora occupa a Camara, é tão simples em seus termos, como grave, e seria em seu objecto. Tenho para mim que é por isso, que a discussão tem sido longa, sem deixar de ser regular; tem sido renhida, sem deixar de ser grave; mas no meu entender não só é plena, mas exuberante. Muito, e muito bem se tem fatiado, mas em grande parte se tem repetido, o que já ha mezes se disse, por occasião da discussão na generalidade do projecto, que na maior parte então versou sobre o ponto especial que hoje discutimos: entre tanto ninguem cuide que eu censuro repetições; ellas podem ser necessárias; porque muitos illustres Deputados se assentam hoje nesta Camara, que não assistiram áquella discussão, e além disso os ouvintes de fórn variam com os dias; e se as repetições enfastiam, cousas ha = quae decies repetita placebunt. =

Eu, Sr. Presidente, por occasião daquella discussão na generalidade tambem fiz a minha arenga, ou boa ou má; mas se bem me lembro fiz, por bem da ordem, quanto pude para restringir-me á generalidade dó projecto, mostrando nelle uma realeza organisada pouco mais, ou menos conforme aa luzes, a civilisação, e as necessidades do seculo; conforme aos costumes governativos d'Europa liberal, mixtos de monarchicos, aristocráticos, e democraticos; conforme aos principios de liberdade politica, tanto nos governos livres da antiguidade; como dos modernos; e sobre tudo conforme aos modelos de fórmas, que actualmente nos offerecem as nações mestras na liberdade, depois de repetido ensaios no seu pratico exercicio; e ainda mais conforme aos nossos costumes governativos, às nossas necessidades sociaes, e aos termos da nossa missão, que exprimem a vontade nacional. Eis-aqui o fundo do meu discurso, pronunciado por aquella occasião: nada mais repetirei delle, para me restringir quanto possa á questão especial, que agora nós occupa, já por duas vezes de sobejo batida.

Não se tracta agora de saber qual a organisação definitiva dos poderes politicos; tracta-se de ver se um delles, o legislativo, deve ser dividido, e de que maneira. Eu, Sr. Presidente, não sei que haja exemplo de governo algum livre, seja antigo, ou moderno, era que o poder legislativo fosse indiviso; nem me parece possível conciliar a liberdade política com a indivisibilidade do poder legislativo: nos governos livras, em que a authoridade das instituições, e das leis, é o principio fundamental, é preciso sempre lembrar-se que a injustiça, e o despotismo póde estar, e muitas vezes está, nas mesmas instituições, e nas mesmas leis; porque sempre serão homens, que dictem umas, e outras, e estes homens tem paixões, e interesses, que mais dirigem ordinariamente os seus actos, do que a razão, e a justiça: em um individuo pessoal, ou moral podem dar-se os mesmos vicios, ou as mesmas virtudes: um monarcha justo, e sábio tem sido sempre um legislador liberal; e um corpo legislativo ignorante, ambicioso, e injusto tem sido sempre um legislador despótico, e vice versa: os exemplos tem sido frequentes, e de sobejo se tem ahi produzido, escuso repeti-los; mas parece que o despotismo de um corpo tem sido
sempre peior do que o de um individuo. O que se segue daqui é que a garantia moral da liberdade política, que consiste na sabedoria, e nas virtudes dum corpo legislativo, é tão eventual, e tão precária, como a da sabedoria, e dai virtudes de um monarcha, e deixa de ser garantia: a única garantia, e a garantia política, e não póde conceber-se que outra possa ser senão a divisão do poder legislativo, que só assim póde temperar-se: elle póde temperar, e regular ou outros pelas leis; mas como é soberano só póde moderar-se, e temperar-se pela divisão. Diz-se constantemente que a chave de toda a organisação politica dos governos bem es está na divisão, e distribuição dos poderes politicos; e eu creio que toda a difficuldade está em uma adequada divisão do poder legislativo; porque sem essa divisão nem houve, nem ha, nem parece haveria governo livre.

A historia, a observação, e a experiencia nos mostram esta verdade: nos governos livres da antiguidade, o poder legislativo estava dividido em dous corpos, ou conselhos; o senado, que propunha as leis, e o conselho geral dos cidadãos, que as approvava, ou rejeitava; quaesquer que fossem, as variações, que o tempo introduzio na composição destes conselhos, sempre foram dous corpos co-legislativos, sem que o chefe, ou chefes do poder executivo tivessem parte na confecção das leis senão como membros, ou presidentes d'algum, ou d'ambos elles: mas de resto reuniam todos os mais poderes, e por isso a cada passo opprimiam, e eram opprimidos: tudo eram republicas mais, ou menos aristocraticas, ou democraticas, fragil mente constituídas pela confusão, e má divisão da poderes; mas o poder legislativo sempre dividido.

Pela queda do imperio romano, os povos do Norte estabeleceram nas ruínas delle as monarchias representativas por classes; a principio de clero, e nobreza, accrescendo a classe do povo, á medida que os vencidos se iam libertando. Esta representação, chamada entre nós dos Tres Estados, formava um só corpo legislativo; e bem que fosse informa a composição deste corpo, a sua participação com funcções legislativas constituuia a liberdade politica do estado, pela divisão do poder legislativo, que desta maneira se temperava, e moderava; ainda que pela maior parte sempre a prol dos vencedores, e nunca dos vencidos, ora opprimidos pelo rei, ora pelos grandes, que disputavam entre si u os pressão do povo, que ganhava na disputa quasi sempre.

Finalmente, suffocada em toda a parte esta liberdade, ainda que exotica, pela concentração do poder legislativo na pessoa dos réis, a revolução da Inglaterra a fez, surgir debaixo de uma nova fórma, dividindo o poder legislativo por dous corpos, ou camaras, e pelo rei. Esta divisão parece a mais natural: no conflicto d'interesses entre dous quaesquer dos ramos do poder legislativo, o terceiro póde ter arbitro: a divisão por dous deixa sem arbitro a proposição contestada, e continuado o conflicto; a continuação em um corpo, ou pescou tira a contestação, mas com ella a liberdade.

Até aqui, Sr. Presidente, não mostra a historia, nem seria possivel mostrar governo livre sem divisão no poder legislativo: as republicas da antiguidade, e modernas, todas tiveram, e tem dous corpos co-legisladores; uma representante desinteresses do povo, outro dos grandes; porque não pódp haver povo, por mais iguaes que sejam as condições, em que não haja pobres, abastados, ricos, e opulentos, grandes, e pequenos, e uma classe media na ordem social; não ha povo, em que não hajam interesses geraes, e permanentes do estado, e interesses moveis, e variaveis dos individuos; não ha povo, em que não hajam uns, que mais interesse tem em conservar, e outros em adquirir; e então não ha por isso governo livre, senão quando estes diversos interesses são representados, o que só póde ser por dous corpos co-legislativos: um mais fixo, e permanente, outro mais movel, e fluctante; esta é a representação nas republicas

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III. 11