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é a occasião de tractar expressamente da origem, e formação da segunda Camara; mas como se tocou neste ponto, eu sempre direi que, se nós tivessemos em Portugal as condições em pessoas e cousas que tem a Inglaterra, eu pugnaria pela conservação do principio hereditario na segunda Camara, porque não vejo a possibilidade de o destruir, sem levar comsigo por entre ruínas, e mares de sangue tudo quanto ha de util, respeitavel, e santo nas instituições daquelle paiz: e por esse preço eu não quero fazer experiencia de systema algum para a minha nação, nem a desejo ver ensaiada para outra: se eu estivesse ainda no tempo da Carta tambem não quereria comprar a mudança da Camara dos Pares á custa d'uma revolução, senão quando já não restasse remedio algum para ella concorrer; para o bem da nação. Mas os factos andaram mais depressa do que eu; e nas nossas circumstancias querer uma segunda Camara exactamente com a mesma origem que a da Inglaterra é querer um impossivel. Quando deste ponço se tractar eu darei as minhas razões. Também accrescentarei que se tirou da origem feudal da Camara dos Pares de Inglaterra um argumento contra a segunda Camara, que não conclue; porque a epocha do nascimento de uma instituição nem sempre decide da sua bondade ou maldade. Ahi está o processo por Jury, que nasceu em tempos feudaes, e todavia tem merecido a admiração dos seculos mais philosophicos; e ainda quando esta origem provasse alguma cousa era contra às Camaras que a haviam tido, e não contra as de uma origem, que nada tem de commum com ellas, como são as das republicas antigas, as dos Estados todos da America do Norte, e as de algumas monarchias Europeas. Quanto á lucta que se figurou de guerra aberta e interminavel, e não sei se até de exterminio, respondo com as duas Camaras do Congresso geral Americano, e de todos os outros Estados da Federação; que vão correspondendo admiravelmente aos seus fins sem essas guerras, mas sómente com aquellas contendas de saudavel opposição sem as quaes não ha vida nos Governos livres: outro tanto se ha de dizer do Parlamento Britanico desde a revolução de 1689, e dos mais corpos legislativos, se bem que ainda de moderna, duração. Disse-se mais que a segunda Camara era um Jano com as suas duas caras; que se uns olhavam para a cara da paz, outros podiam olhar para a da guerra: e isto despido de toda a figura quer dizer que a segunda Camara se póde fazer bem, póde fazer mal; e se na realidade tem feito um, tambem tem sido culpada do outro. Tudo isto é verdade; mas nem por isso conclue, porque, quanto o podér fazer mal, que instituição humana haverá que o não possa fazer? E quanto ao que na realidade tem feito, seria necessario enumerar, e pezar bem todos os casos de bem, e de mal; mas a historia geralmente não nos conserva senão os casos extraordinarios, e extremos de mal, contra os quaes raras vezes ha remedio nas Constituições humanas: e os bens com o mesmo caracter tambem não constituem a regra geral: se da nossa experiencia d'acção ordinaria destes corpos colhermos que elles fazem bem, com mais razão podemos inferir que está na sua natureza faze-lo. Ora isto é o que me parece ter visto por longos annos que os tenho observado, e comparado os resultados: por tanto estou authorisado a preferi-los, e affirmar que, quanto mais bem formadas são as duas Camaras, quanto mais bem contrabalançadas as suas attribuições, tanto melhor effeito produzem.

Disse-se que uma segunda camara nada podia fazer a respeito da vontade real, porque exercia a sua antes daquella. Este argumento é especioso, mas não tem toda a força, que ostenta a sua verdade chronologica , porque é bem sabido que quando uma lei é proposta pelo ministerio já se entende que não encontra a vontade do poder executivo que elle representa; e mesmo quando ella é proposta por um dos membros de qualquer das camaras geralmente se chega a saber antecipadamente a opinião do executivo; só em occasiões de grandes crises politicas é que póde haver incerteza a respeito da vontade real; mas essas são excepções muito raras, contra as quaes se não são do ultimo extremo, tambem se acha remedio. Não se deve perder de vista que quando um governo livre já está em seu andamento, regular a maior parte das grandes medidas são, e devem ser propostas pelo governo; e muito assim diminue o numero dos casos, em que se póde ignorara vontade do Rei. Há uma maneira, com que uma segunda camara concorre para temperar a acção do poder real, que é fazendo a lei mais conciliatoria pela madureza e reflexão, com que é feita, por ter attendido a maior numero de interesses, e os ter considerado por maior numero de faces, effeito este que tambem tem logar de uma camara a respeito de outra, porque é natural o esperar que estes corpos tenham de preparar as propostas de lei de maneira, que consigam vencer as dificuldades por ambos os lados. Isto tambem em regra vem a fazer com que a lei encontre maior obediencia na pratica, e melhor execução. - Eu me lembro agora mesmo do notavel exemplo do bill conciliador, que propoz um membro do Senado dos Estados-unidos na occasião da grande crise entre o Norte e o Sul, por causa das pautas das alfandegas, crise que esteve ameaçando um rompimento entre as differentes partes daquelle vasto paiz, e que muito provavelmente teria acontecido com uma camara só, a julgar pelo estado de exacerbação a que chegou a camara dos representantes. - «E se a segunda camara se unir para mal com o Throno?» Perguntou de um ar triumphante um dos adversarios. = E se a camara unica se unir com elle? Pergunto eu? - No primeiro caso a outra camara póde resistir; mas no de uma camara unica, unida com o executivo para mal, não sei qual ha de ser o remedio, senão o da desobediencia á lei: - «Facções, disse um Sr. Deputado, facções, Sr, Presidente, repetiu.» Com este espanto, que exprimiu, sendo o seu systema unitario, creio que quiz ter tal por impossível, ou a sua camara unica por impeccavel! - Pois nem a camara unica ephemera de Inglaterra, nem a da convenção franceza, lhe diz cousa alguma a este respeito? Mas eu não quero tirar partido d'esses casos excepcionaes, quero figurar um muito facil de occorrer. Supponhamos que em um paiz como o nosso, em que as cidades commerciaes exercem uma grande preponderancia, um grande partido commercial fazia prevalecer o interesse do commercio externo contra o da industria nacional, então mais fraco, e que os ministros eram do mesmo partido; que recurso haveria sem uma camara, que não dependesse totalmente da mesma origem, e por isso fosse levada pela mesma influencia que a primeira? Que o povo, ou havia de carregar com a lei, ou desobedecer-lhe, e resistir-lhe.
-Compulsou-se amplamente a historia de Inglaterra e França, e nellas se achou cópia de armas, com que fazer o processo á aristocracia, e fazer a instituição da segunda camara pagar pelos peccados desta. - Eu não me constituirei seu procurador; mas devo á verdade dizer, que raras vezes a aristocracia britanica fez, uma conquista a favor da liberdade, em que o povo tambem não lucrasse. E como não havia de ser assim, se os barões e o clero eram os que tinham mais poder em riquezas, e instrucção, etc.? Como não haviam de começar por elles essas conquistas em seu favor? Que se havia de esperar do povo então reduzido ao estado de ignorancia? Pois não era já bastante que a aristocracia, ganhando para si, repartisse tambem com o povo, até que finalmente este, elevado á sua propria dignidade, tomasse por si mesmo o logar, que justamente, lhe competia, e estorvasse toda a usurpação de seus direitos por suas proprias forças? Não entrarei na enumeração dos factos que comprovam esta marcha, porque elles são faceis de verificar, e estão ao alcance de todos. - Verdade é que a aristocracia vexou muitas vezes o povo, e mais vezes ainda talvez invadiu o poder real; porém, feitas bem as contas,

SESS. EXTRAOR. DE 1837. VOL. III. 15