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pado. Mas este Codigo, em que um Principe Grande, e Generoso nos restituia tão sagrados direitos, apesar da sabedoria, que o dictara, ressentia-se da origem d'onde partia os verdadeiros interesses nacionaes não eram satisfeitos, o Throno reservava-se demasiadas prerogativas, em relação ás que se designava para o Povo, o Throno tinha da mais, e o Povo de menos, e poderes politicos assim desigualmente dotados, designaes em forças, não duram nem podem durar assim foi facil ao mais cobarde dos tyrannos destruir a Carta com a propria Carta.
Outra vez correu o absolutismo, mas já com todos os horrores da mais pecada e infrene tyrannia, até que o mesmo Codigo voltou com os tendões da victoria, que tantos heroes, derrubando a tyrannia, hastearam em todo o paiz. Mas os mesmos defeitos intrinsecos vinham com elle, e os Legisladores, em vez de meditarem sobre elles, ou para os remediarem, ou pelo menos para não os aggravarem, de tudo se esqueceram, menos de si proprios, e precipitando-se no caminho das reformas, em vez da lima, só menearam o machado, que descarregaram a esmo sobre o corpo social. Dissera-se com toda a propriedade, que elles se empenhavam em realisar a engenhosa idéa dos antigos poetas na allegoria de Medea, quando esta, para remoçar a constituição d'Aeson, o partiu em pequenos pedaços, e, segundo as regras da arte, lançando-os em sua encantada caldeira para ferverem, por fim só tirou ossos. Assim a Carta tornava se de dia em dia relativamente mais defeituosa, e cançada a Nação, aliás socegada e amiga da ordem, de viver de esperanças e desejos sempre malogrados, reassumiu e exerceu o seu indisputavel direito nos dias 9 e 10 de Setembro, declarou cathegoricamente que se queria construir de novo, e para typo proclamou as instituições de 1822, não puras e estremes, mas taes quaes as reclamava modificadas a actualidade nacional.
Já vêdes, Srs., que não foi cem proposito, que eu corri rapidamente diante dos vossos olhos estes acontecimentos salientes da nossa era constitucional. São elles es que nos apontam os escolhos, onde tem habitado a morte de nossas instituições politicas. Assignalemo-los bem, que é o nosso primeiro dever, e fujamo-los, que é o segundo, e o mais importante dever, se uma vez queremos instituições estaveis.
Direi agora tambem, Sr. Presidente, seguindo o exemplo de conspicuos oradores, que me precederam, qual é a primeira base da minha monarchia representativa. E com algum pezar começo por enunciar uma proposição, que soará menos bem a muitos ouvidos; porém eu peço que não se julgue isoladamente nenhuma asserção minha, mas sim pelo todo do meu discurso - A realesa hereditaria parece-me o maior dos absurdos, que tem passado pela cabeça dos homens. Talvez alguem julgue, e eu não posso deixar de o repetir, que desta minha asserção vou fazer proromper uma explosão, e principios, ou proclamando a republica de Platão, ou a utopia de Thomaz Mornes, ou outros semelhantes, e outros politicos. Nada disto será, Sr. Presidente, eu ainda chego a distinguir o possivel do impossivel, uma realidade d'uma phantasia. Voltarei pois á proposição, que emitti, na qual estou de encontro com todos os publicistas que conheço, os quaes todos pertendem mostrar as vantagens da realesa hereditaria, asseverando que assentada a linha da successão se evitam os partidos, se calam as ambições, que aliás se desenvolveriam no seio da nação, se frustram as intrigas de fóra, em uma palavra, se evitam todos os males d'uma guerra civil, que se seguiriam inevitavelmente no caso de uma realesa electiva. Nada disto, Sr. Presidente, me póde despersuadir da verdade da minha proposição. Eu sei que Alexandre quando espirava em Babilonia, seus generaes, que o cercavam, levantavam os olhos para o seu sceptro, mas que, quando souberam que elle tinha seu filho, logo os baixaram, ou que os retiraram delle eu sei que o throno é assaz elevado, e cercado de prestigios e esplendor, que qualquer cidadão se não atreve a subi-lo, nem mesmo fita-lo com esses intentos; eu sei que n'uma republica póde um cidadão, que tiver alcançado o favor do povo, ou do exercito, subir aos mais altos postos do estado, e até attentar contra as instituições do seu paiz, como um Sylla, Cezar, e tantos outros. Porém a realesa hereditaria tambem nem sempre vio os degráus do throno limpos dos pés de cidadãos, que os subiram pelo crime, ou pela hipocrisia, e que ainda sobre o throno não deixára ás vezes de dormir o somno da morte tranquillamente. Mas em questão do grave fechemos o pequeno livro d'alguns factos soltos, abramos o grande livro das nações, de cujas paginas veremos resaltar os grandes factos, que desmentem os fundamentos dos publicistas, que sustentam a opinião contraria á minha. - Eu abro a historia de França e de Allemanha desde o anno de mil. Estas duas nações, dous ramos, que se desmembraram do grande imperio de Carlos Magno, foram desde aquelle anno de mil; a França uma monarchia hereditaria, e a Allemanha uma monarchia electiva. E que factos nos offerece cada uma destas monarchias no espaço de 500 annos? A Allemanha, monarchia electiva, apresenta-nos neste espaço vinte e cinco chefes eleitos, dos quaes doze ou treze se podem numerar entre os maiores homens d'estado, e isto com um progresso constante de liberdade, de luzes, e de prosperidade publica - e onze guerras civis, que abrangem o praso de quarenta e tres annos. A França, da sua parte, monarchia hereditaria, apresenta no espaço da mesmos quinhentos annos - vinte e tres Reis, sessenta e tres annos de guerras civis por causa da sucessão, um Rei demente trinta annos sobre o throno, noventa e dons annos de Reis menores de vinte e cinco annos, e cincoenta e seis de Reis menores de vinte e um annos. A estes factos eu poderá com facilidade accrescentar os da fusiona da Polonia, da Hungria, e de muitos outros estados. Mas estes são bastantes para convencer que os publicistas, que aliás os não podiam desconhecer, quizeram defender a monarchia hereditaria, por onde ella se não póde defender. E sou eu o que agora, apezar da minha dissonante asserção, a vou defender, mostrando que só a monarchia hereditaria, e não a electiva, é compativel com o systema de uma morarchia representativa.
Senhores, o Monarcha, que foi eleito, rarissimas vezes deixa de ser um cidadão dotado das mais sublimes qualidades, entre as quaes a capacidade governativa é a primeira, e é desgraçadamente por estas qualidades que elle se torna mais perigoso para a liberdade. Se acaso o throno, a que elle foi elevado, é hereditario ainda que conte com elle pela lei do paiz para seus filhos, sempre se julga pouco seguro, sobre tudo se o mesmo poder que o elevou a elle derrubou o seu antecessor. Então tracta de abrir e derramar em torno de si o cofre das graças e das honras, de formar uma numerosa clientella, de corromper os outros poderes do estado, e lisongear arteiro o mesmo povo; e aí das instituições, que tão habil inimigo tiveram! Se a dynastia fôr, pelo contrario, electiva, seus esforços constantes noite e dia dobrarão e redobrarão para a tornar hereditaria, e sempre á custa da liberdade. Sirva de prova disto, entre muitos exemplos que poderá citar, um Guilherme 3.º, um Napoleão, e entre os contemporaneos, um Luiz Filippe, os quaes todos, não só reinaram, mas tambem governaram. Monarchia representativa, em que o Monarcha reina e governa, é para mim uma ficção, e tal eu reputo actualmente o systema representativo dos Francezes, que desgraçadamente me parece se não poderá realisar senão por uma nova explosão do vulcão revolucionario. Na monarchia hereditaria não acho em toda a historia senão um monarcha, que reinasse e governasse ao mesmo tempo, é o grande Frederico, e talvez, como diz Sismondi, o Czar Pedro. E' pois só na monarchia hereditaria, que eu acho a possibilidade de verificar-se a maxima