O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

(199)

homens perfeitamente iguaes, em tudo, e por tudo, é certo que de facto o não são, nem jamais o poderão ser; porque as desigualdades fisicas, e moraes tem o seu fundamento na organisação natural, na idade, no sexo, na applicação, etc.; e por mais que a educação, e instrucção se empenhem, não é possivel dissipar estas causas: mas tambem é certo que no meio dessas mesmas desigualdades, a base onde se apoiam é commum a toda a humanidade; e em maior, ou menor grao, todos possuem necessidades primarias, instinctos, desejos, proporções cuja satisfação é indispensavel para que o homem viva, e viça satisfeito, ou feliz.

Deve tambem notar-se que esta differença, e desigualdade dos homens tem uma gradação tão subtil desde o minimo até ao maximo, que não será absolutamente possivel formar cathegorias exactas, e dizer, por exemplo, tal homem goza de um desenvolvimento moral, ou fisico como um, tal como dous, outro como tres, etc.; e se alguem tentasse faze-lo, ou iria cair n'uma horrorosa anarchia, ou n'um embaraço invencivel. Desta sorte os direitos de cada um não se podem medir pela craveira das desigualdades fisicas, ou moraes, porque ella não pode ser fixada, ou numerada: e senão contemplemos as consequencias. Supponhamos que tomavamos a força fisica por bitola, e que esta se podia de algum modo comparar por experiencias fisicas; o resultado seria que o melhor direito seria o do mais forte! Que a moral universal desapparecia! A sociedade seria uma republica de feras! E como o senso intimo da humanidade se revoltaria constantemente contra isto, o mais fraco, apezar de tudo, animado por seus desejos empenharia o combate contra o forte; e a contenda só poderia acabar pelo exterminio de um!...

Por outro lado se imos procurar nos bens da fortuna, e nas riquezas a medida dos nossos direitos, o quadro não será menos horroroso! Depressa veremos avantajado aquelle, que herdou boas heranças, ou adquiriu maiores sommas, sem merecimento algum, só por um cego capricho da fortuna; e a par delle o usurario, o egoista, o avarento, e muitas vezes o proprio usurpador do alheio, e o ladrão!.... Em quanto a virtude, e o merecimento Cearão gemendo debaixo de despotico arbitrio daquelles vicios!...

Pela escala das superioridade: intellectuaes o problema não será melhor de resolver: ponhamos em disputa qual dos homens é mais habil, qual tem mais bom senso, qual goza de maiores talentos, e procede com mais razão, e prudencia? No mesmo instante o idiota, o pirronico, o charlatão, o impostor, o orgulhoso, o vaidoso, e os insensatos, se apresentarão a frente, gritarão em todos os pontos que é tua a primazia, que ninguém ouse comparar-se-lhes; e bem pode fugir o bom senso, a prudencia, a reflexão, a modestia, o génio forte, e organisador, que sem piedade serão escarnecidos, insultados, e apupados!.... E mesmo quando entre estas cathegorias se queira procurar a gradação, o amor proprio não consentira que algum se confesse inferior! E de disputa em disputa, correr-se-ha ás armas, e virá então o direito do mais forte, e o quadro medonho, que ha pouco apresentei!...

E' certo que a historia das antigas nações, e com especialidade a sua organisação, apresenta por toda a parte os effeitos desta desigualdade; e a sua primeira direcção, e os seus privilegios não tem por certo outra origem; porque ou foi a força, ou a habilidade, que se faz admirar, e respeitar pela fraqueza, e simplicidade, e tomou sobre estas a ascendencia: mas tambem é certo que a cada pagina daquella historia se encontram desvarios, extravagancias, oppressões, e barbaridades, que ainda hoje nos arrancam gemidos sobre a sorte da infeliz humanidade!... Instigados pelo soffrimento, e auxiliados pelo divino favor da imprensa, os homens conheceram finalmente que havia outro caminho a seguir para regular os direitos da humanidade, e começaram a pugnar por elles; e os resultados destas instancias, e destes esforços no fim do ultimo seculo, e no actual tem sido tão importantes como todos conhecem!

Advertiu-se que todos os homens precisam comer, beber, cuidar da subsistencia, gozar do fructo do seu trabalho, communicar os seus sentimentos, entreter com os seus semelhantes relações de recreio, ou utilidade innocente, ter na lei a regra fixa das suas acções sem outra dependencia; gozar de repouso no seu domicilio, e outras semelhantes faculdades; e então começou a pronunciar-se o estabelecimento dos direitos individuaes, e garantias sociaes; e cada um, qualquer que fosse a sua condição, ou estado na sociedade, declarou-se igual no exercicio destes direitos, e pode, ou deve goza-los sem distincção! Assim vemos em quasi todas as constituições desde 1791 proclamada, e armada esta igualdade, não absoluta, isto é, a todos os respeitos, mas em relação aquelles direitos, que tendem mais directamente a satisfazer as necessidades da existencia, e os desejos licitos de cada individuo; e nós já mui amplamente nos occupamos desta materia, e talvez depois do arranjada não seja das peiores, que existem neste genero.

Depois do estabelecimento das garantias individuaes, é certo que ainda ficou subsistindo a superioridade fisica, ou, moral; mas com uma differença, que um cidadão só pode gozar delia para com outro cidadão quando elle consinta, e convenha; porque se o tentar fazer doutra maneira, a lei proteje o inferior; se o forte ataca o fraco, a lei pune aquelle; se o astucioso engana o simples nos seus contractos, a lei annulla-os, e assim em todos os sentidos; de sorte que se superioridades subsistem, e podem exercitar-se na sociedade, e de facto se exercitam, mas só por consentimento dos inferiores, sem chocar o seu melindre, e amor proprio; e muitas vezes, ou quasi sempre se exercitam por instancias da mesmos, que, por estarem na classe inferior, tiram proveito da superioridade dos outros; assim o trabalhador, que em forças fisicas excede o proprietario, aluga-lhe as suas forças para certos serviços; o facultativo é chamado para dirigir no tractamento das suas molestias aquelle, que não sabe; o professor é collocado á testa do ensino para instruir os outros; o magistrado é elevado ao emprego para dirigir os cidadãos conforme as leis, etc., etc.: mas, como eu disse, tudo isto conforme a vontade, e aos interesses de todos segundo as suas circumstancias.

Segundo este systema já se vê que eu estou tão longe de querer chamar ao governo, e as authoridades todas as classes da sociedade, que bem claramente eu deixo marcada a distincção. O interesse da sociedade, e o de cada um dos cidadãos, admiravelmente persuade que deve confiar-se a direcção dos outros aquelle, que não tem exercitado as suas faculdades intellectuaes, para comprehender bem as relações dos negocios; aquelle, que vive n'uma classe tão abatida, que não pode inspirar aos outros a confiança de ser bom director; aquelle, que mal assistido dos bens da fortuna precisa empregar todos os momentos da vida em trabalhar para subsistir; e finalmente aquelle, que por sua idade, ou circumstancias não pode geralmente ser respeitado, nem obedecido: mas todo aquelle, que chegar a estado de poder avaliar quem é digno da confiança publica, ainda que não tenha elle mesmo qualidades sufficientes para entrar no exercicio da authoridade, por certo que deve ser chamado a escolha daquelles empregados, que são de eleição; porque entre capacidades para escolher, e ser escolhido vai grande differença, e só resta que o eleitor a par daquelle conhecimento, esteja em circumstancias de fortuna, que lhe permittam occupar-se disto sem grave prejuizo, e com independencia.

Estabelecida assim a igualdade em relação ás garantias sociaes, e conservada só a distincção, que o interesse publico persuade a respeito do exercicio da authoridade publica é manifesto que, para tornar real a existencia daquellas garantias, e de todos os direitos sociaes, é mister fazer