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não me parece necessario dar parte de huma installação, que eu julgo teve lugar no dia de hontem.

O Sr. Cupertino: - Pela Sessão Real não julgo que a Camara seja installada; para que isso be verifique he necessario que só verifique tambem a reunião de um número sufficiente de Deputados: poderia muito bem acontecer que hoje se não tivesse reunido esse numero, e nesse caso a Camara não ficava installada; mas, como tem acontecido o contrario, eis-aqui porque eu julgo que tem lugar a Proposição do Sr. Serpa Machado.

O Sr. Magalhães: - A mim parece-me que he desnecessaria a participação, pois que, como manifestou muito bem o Sr. Vice-Presidente, seria necessaria quando não houvesse Presidente, quando não estivessem legalisados os Títulos dos Deputados, etc., que he o que constitue a installação da Camara; mas, estando tudo isso já feito, agora não faz a Camara senão continuar nas suas Funcçôes, e para isso seguramente não ha necessidade alguma de se fazer essa participação. Pelo que respeita ao que se tem dicto, de que poderia acontecer que: senão tivesse reunido o número sufficiente de Deputados, isso tambem poderia acontecer em qualquer outro dia, e nem por isso se dirá que fosse necessario fazer uma participação no dia seguinte, se se reunião os Deputados necessarios, de ter-se tornado a installar a Camara.

O Sr. Soares Franco: - Eu queria fallar tambem nesse sentido. Nós estâmos constituídos pela Lei. O Decreto da Abertura da Camara não faz outra cousa que conformar-se com o que esta determinado na Carta, por conseguinte parece-me que não necessitâmos fazer participação alguma.

O Sr. Mouzinho de Albuquerque: - Não pode ter agora lugar a participação de achar-se a Camara installada; pelo que já se tem manifestado, mas não vejo que porisso não possa ter lugar o mandar-se uma Deputação a Sua Alteza, manifestando que, tendo-se reunido a Camara, começa hoje os seus trabalhos: proponho pois que se nomêe para esse fim essa Deputação.

O Sr. Vice-Presidente: - Talvez seria conveniente consultar-se a este respeito o Projecto do Regimento interno da Camara, que foi apresentado a esta pelo Decreto de Sua Alteza, para ver se nelle se faz menção de alguma cousa relativa a este caso.

Lêo-se do dicto Regimento o que dizia respeito a este objecto.
O Sr. Vice-Presidente poz a votos, se se deveria mandar uma Deputação a Sua Alteza a participar a reunião da Camara?
Decidio-se que não carecia enviar-se Deputarão a esse fim, nem fazer-se alguma outra participado.

O mesmo Sr. Vice-Presidente disse: - Não tendo hoje mais trabalhos preparados, convido aos Srs. Deputados a reunirem-se nas Secções para o fim indicado.
A Ordem do dia para ámanhã he a que já está determinada. Está levantada a Sessão. = Erão 20 minutos depois do meio dia.

SESSÃO DE 4 DE JANEIRO.

Ás 9 horas e 45 minutos da manhã, faltando Q Sr. Presidente, passou a occupar a Cadeira da Presidencia o Sr. Vice-Presidente.
Feita a chamada se achárão presentes 35 Srs. Deputados, faltando, alem dos 8, que ainda se não apresentárão, 17; a saber: os Srs. Marciano de Azevedo
- Leite Pereira - Bettancourt - Bispo Titular de Coimbra - Trigoso - Travassos -Ferreira de Moura - Campos Barreto - Gerardo de Sampayo - Machado de Abreu - Luiz Antonio Rebello - Luiz José Ribeiro - Alberto da Cunha - Pimenta d'Aguiar
- Borges Carneiro - Azevedo e Mello - Alves Diniz, todos com caixa motivada.
Declarou o Sr. Vice-Presidente que estava aberta a Sessão; e sendo lida a Acta da Sessão precedente foi approvada.
Dêo conta o Sr. Secretario Barrozo dos Srs. Deputados, que pelas respectivas Secções Geraea forão eleitos para Presidentes, e Secretarios dellas, assim como para as Commissões Administrativa, e de Petições; a saber:

1.ª Secção. - Presidente o Sr. Francisco Manoel Gravito. - Secretario o Sr. José Cupertino da Fonseca.

2.ª Dicta. - Presidente o Sr. Joaquim Placido Galvão Palma. - Secretario o Sr. João Elias da Costa.

3.ª Dicta. - Presidente o Sr. Manoel Gonçalves de Miranda. - Secretario o Sr. Antonio Vicente de Carvalho e Sousa.

4.ª Dicta. - Presidente o Sr. Manoel de Macedo Pereira Coutinho. -Secretario o Sr. Francisco Tavares de Almeida.

5.ª Dicta. - Presidente o Sr. José Antonio Guerreiro. - Secretario o Sr. José Victorino Barreto Feio.

6.ª Dicta. - Presidente o Sr. Bispo Titular de Coimbra - Secretario o Sr. Joaquim Antonio de Magalhães.

7.ª Dicta. - Presidente o Sr. Conde do Sampayo, Manoel. - Secretario o Sr. Rodrigo de Sousa Castello Branco.

Commissão Administrativa.

Os Srs. Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento. - Pedro Mouzinho de Albuquerque. - João Alexandrino de Sousa Queiroga. - Francisco Antonio de Campos - Visconde de Fonte Arcada. - Luiz Antonio Rebello. - Antonio Vieira Tovar.

Commissão das Petições.

Os Sr. Francisco Manoel Gravito. - Francisco Xavier de Sousa Queiroga. - José Joaquim Cordeiro. - Joaquim José de Queiroz. - Bento Pereira do Carmo - José Homem Corrêa Telles. - José de Macedo Ribeiro.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa das escusas por molestia, que enviárão os Srs. Deputados Machado de Abreu, Leite Pereira, e Ferreira de Moura; e igualmente do offerecimento, que a esta Camara faz o Barão de Eschwege,
Intendente Geral das Minas, e Metaes do Reino, de 112 Execi-

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plares da sua Memoria sobre o estado actual das mesmas Minas, que se mandárão repartir.

Mandárão-se distribuir pelos Senhores Deputados os Exemplares do Discurso recitado na Sessão Real pelo Excellentissimo Ministro dos Negocios do Reino em Nome de S. A., os quaes forão remettidos á Camara pelo mesmo Ministro; e o Discurso he do theor seguinte.

Dignos Pares do Reino, e Senhores Deputados da Nação Portugueza.
Renovão-se, depois de uma breve interrupção, os vossos cuidados, e trabalhos em serviço da Patria. Ella vos chama por meio da Lei; e a Patria não chama debalde os Portuguezes, que se presão de appellido tão honrado.

Mostrastes no curto espaço da Sessão encerrada em 23 de Dezembro que conheceis bem o que precisa de remedio, e que o desejais remediar com promptidão. Principiastes, como o perrmittião as circumstancias, esta Obra não menos ardua que importante; e, á vista do zêlo, e prudencia, de que d'estes provas, não he duvidoso que terá na presente Sessão consideravel adiantamento.

nsta a necessidade de Leis Regulamentares, que a Carta Constitucional suppõe, e sem que a sua execução não pode deixar de ser imperfeita. E como da sua perfeita execução dependem, em grande parte, os Proveitos Políticos, que ella se promette, e dos Proveitos Políticos o respeito, e amor, que lhe deve corresponder nos animos dos Cidadãos, o meio mais obvio, e mais adequado de conseguir este effeito tão relevante he assentar desde logo aquellas Leis. Sua Alteza a Sereníssima Senhora Infanta Regente sabe que a vossa tenção he esta; e espera que a ponhais em prática com a madura ponderação, que requer Negocio tão grave, e com o acôrdo das Camaras entre si, e com o Throno, em que consiste o acabado primôr do Governo, onde os Poderes são por tal modo separados.

A Gente Portugueza mostrou desde os mais antigos tempos, e particularmente desde a Fundação da nossa Monarchia, que possue prompto, mas seguro entendimento, e peito animoso, e nobre. Procedêo, como devia proceder, destes principios amor exaltado da Patria, união intima, grandeza de projectos, conselho, e valor na execução. O Seculo XV, o meado do Seculo XVII são para os Portuguezes épocas memoraveis, e gloriosas, que os Povos, que mais razão tem hoje de presumir do seu progresso, se vêm obrigados a olfiar com assombro, e a que podemos dizer, sem vaidosa exageração, que não sabem achar correspondencias na sua Historia.
Por vigôr de animo; por bom conselho; por acôrdo, e união sublime obrou tamanhas proezas uma Nação sempre pouco avultada em número. E se he verdade que ella ao presente não he muito mais avultada em número, tambem o he que valôr, conselho, união podem obrar em todo o tempo as mesmas maravilhas.

Seria desnecessario chamar Portuguezes ao valôr. Não aponta a Historia occasião, em que elle parecesse perdido, nem sequer diminuído. Tendes visto depois de uma paz de largos annos, e d'entre os babitos de segurança, e descuido, que ella traz comsigo, sahir soldados, que, para competirem com os das Nações mais bellicosas, somente bastou acostuma-los á mesma disciplina.

Mas não he intempestivo lembrar-lhes a necessidade da união. Sem a união dos Cidadãos a Sociedade Política deixa de o ser: sem harmonia dos Poderes o feliz regimento do Estado he impraticavel.

Não he certamente, nem pode ser desconhecida das Camaras uma verdade tão essencial, como he evidente; nem pode perdê-la de vista, na prática, o seu amor puro, e subido da Patria. O zêlo, e prudencia, torno a dizer, que tendes mostrado, tirão toda a dúvida, e affianção cabalmente que caminhareis de acôrdo ao grande alvo de realisar por Leis sábias as largas, e agradaveis esperanças da Nação.

A desunião, que nella se observou, nascida das perversas astucias de Sediciosos, e de erro dos Incautos, vai caminhando ao seu termo. Espera Sua Alteza a Senhora Infanta Regente que dentro em pouco tempo não haverá mais que uma opinião entre os Portuguezes sinceros; e os falsos Portuguezes serão reduzidos a estado de não perturbarem de novo o socêgo da Patria.

A Grã-Bretanha com a fé, e pontualidade, que a distinguem, tem declarado a Resolução de nos ajudar em todo o caso de aggressão estranha, e vôa com promptidão generosa a sustentar o nosso actual empenho. As outras Nações da Europa reconhecem as Instituições procedidas de Legitima Authoridade, e applaudem os nossos esforços; e, se alguma dellas se mostrou indecisa, ou duvidosa, com melhor conselho depoz em fim as suas dúvidas, e reconhecêo que lhe era conveniente abraçar, e seguir o Parecer commum.

Dignos Pares do Reino, continuai na primorosa emulação das Obras honradas de vosos Maiores. No Campo, no Concelho forão pontuaes Ministros, e apropriados instrumentos de Reis Magnanimos, e Sabios; tendes opportuna occasião de imitar os seus nobres exemplos.

Senhores Deputados da Nação Portugueza, vossos Antepassados correspondérão no amor da Patria, na cobiça virtuosa de Gloria, á sábia magnanimidade dos Monarchas, e á generosidade da Nobreza: continuai a marchar em seguimento dos vossos Antepassados.

Prosegui todos no caminho da Virtude, e da Honra; he arduo sim, mas he glorioso, e venturoso. Entrai de novo nas Funcções relevantes do vosso Encargo com espirito de moderação, sem abatimento; com zêlo da liberdade, sem excesso. Na circumspecção das Propostas, na madureza das deliberações, na isenção de paixões, e respeitos particulares, he que podeis assegurar a grandiosa Dadiva do Augusto Rei, o Senhor D. PEDRO TV, e as liberdades, e ventura do Reino. Ao Rei Grandioso, ao Reino, a Vós mesmos, á vossa Posteridade deveis o feliz cumprimento de Empreza tão nobre. Sua Alteza a Sereníssima Senhora Infanta Regente tem por certo que não ficará por satisfazer tão honrada divida.
Ao Reino sim, á Europa, ao Mundo, que nos contempla com expectação, fareis ver, pelo justo respeito á Sancta Religião, que professâmos, pela veneração ás Leis Fundamentaes, pela pontual, e rigorosa attenção aos Direitos na Carta assignados ao

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Rei, e ás Camaras, que a Religião Catholica Romana he, e será sempre a nossa; que, em vez de se pertenderem destruir, se pertendem antes restituir, melhorar, e consolidar as antigas Instituições da nossa Patria; e, em sumam, que a Nação Portugueza ainda he, como nos dias brilhantes de sua gloria, tão animosa para emprender grandes cousas, como avisada, e constante para realisar o que emprende.

Entrou em discussão o Projecto N.° 79 do theor seguinte:

A Commissão de Fazenda, tendo em vista a disposição do Artigo 80 da Carta, e a necessidade de assignar a Sua Magestade, e á Família Real uma Dotação correspondente ao Decoro de Sua Alta Dignidade, e compatível com as forças actuaes da Nação, offerece á consideração da Camara o seguinte:

PROJECTO DE LEI.

Art. 1. A Dotação de Sua Magestade, a Senhora Dona MARIA II, Rainha de Portugal, e Algarves, desde que Sua Magestade chegar a este Reino, será um conto de réis por dia; e na sua entrada em Lisboa, e por uma vez somente, a quantia de cem contos de reis.

Art. 2. A Senhora Dona Isabel Maria, agora Infanta Regente de Portugal, e Algarves, não tendo Administração de alguma Casa, terá a Dotação de quinhentos mil réis por dia para sustentar a Dignidade, que compete ao seu Alto Emprego.

Art. 3. A Senhora imperatriz Rainha, Dona Carlota Joaquina, alem do rendimento da Casa das Senhoras Rainhas, cuja Administração lhe compete, terá a Dotação annual de vinte contos de réis.

Art. 4. O Senhor Infante D. Miguel, alem do rendimento da Casa do Infantado, que já desfructa, continuará a receber a quantia de quarenta contos, em quanto estiver ausente.

Art. 5. A cada uma das Sereníssimas Senhoras Infantas Dona Isabel Maria, Dona Maria da Assumpção, e Dona Auna de Jesus Maria, será a Dotação de vinte contos de réis por anno para sua decorosa, e independente sustentação.

Art. 6. A Serenissima Senhora Infanta Dona Isabel Maria fica assignada a Dotação especial de outros vinte contos de réis annuaes, e vitalícios, que desde já lhe attribue a Nação Portugueza em testemunho de agradecimento pelos altos beneficios, que Sua Alteza lhe tem conferido, promovendo com tanta firmeza, e prudencia a consolidação do Systema, que felizmente nos rege.

Art. 7. A' Serenissima Senhora Princeza do Brasil, Dona Maria Francisca Benedicta, se continuará a prestação do Apanagio de quarenta contos de réis, que se acha estabelecida.

Art. 8. As mencionadas Dotações em cousa alguma affectão os particulares Direitos daquellas Altas Personagens, nem a fruição dos respectivos Palacios, e Propriedades, na conformidade do Artigo 85 da Carta Constitucional, e serão pagas pelo Thesouro Publico, na forma do Artigo 84 da mesma Carta. Paço da Camara dos Deputados 20 de Dezembro de 1826 - Filippe Ferreira d'Araujo e Castro - João Ferreira da Costa e Sampaio - Manoel Gonçalves Ferreira - Manoel Antonio de Carvalho - Antonio Maya - Francisco Antonio de Campos - Florido Rodrigues Pereira Ferraz - José Xavier Mouzinho da Silveira.

O Sr. Moraes Sarmento: - Sr. Vice-Presidente. Algumas reflexões desejo fazer a respeito do primeiro Artigo deste Projecto de Lei. Peço desde já indulgencia á Illustre Commissão, a fim de me explicar qualquer dúvida, que eu proponha. Primeiramente me parece que não pertence a esta Legislatura o tractar da Dotação da Senhora Rainha D. MARIA II, porque o Artigo 80 da Carta (lêo-o) diz que» as Côrtes Geraes, logo que o Rei succeder etc. «Parece-me que, sendo actualmente Rei o Senhor D. PEDRO IV, não estamos ainda no caso de se verificarem as circumstancias declaradas em a Carta. Verdade he que a Senhora D. MARIA II., ha de succeder no Reino pela abdicação de seu Augusto Pai o Sr. D. PEDRO IV, porem esta abdicação ha de verificar-se depois de preenchidas as condições da mesma abdicação, e he debaixo destes princípios que eu julgo estar fora da alçada da presente Legislatura, e da presente Sessão desta Camara o tractar-se deste assumpto. Torno a pedir aos sabios Membros da Commissão me esclareção sobre este ponto; e se elles tiverão em lembrança o reparo, que eu fiz, não duvido mudar de parecer, logo que se desfaça a minha dúvida. Farei em 2.º lugar outra observação. Não sei se os illustres Membros da Commissão repararião que a Senhora D. Maria II ha de herdar a Casa, e Estado de Bragança, que tem direito eventual á Casa das Senhoras Rainhas deste Reino, como herdeira de Sua Augusta Avó a nossa Imperatriz, e Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, e que na qualidade de Grã-Mestra das Ordens Militares de Christo, Avís, e Santiago ha de reunir algum dia os rendimentos de todos estes Estabelecimentos, que existem em Portugal, rendimentos, que forçosamente devem prefazer uma renda mui consideravel. Eu acho que he de facil conciliação o interesse da Fazenda Publica, da qual somos os verdadeiros, e principaes Fiscaes, como Representantes da Nação, e guardar intactas não somente as regras da justiça, escrupulosamente separando aquelles rendimentos, que são proprios d'EIRei, bem como assignando para decoro, e esplendor do Throno um augmento de tendas, as quaes juntas ao Patrimonio Real possa a nossa Rainha apparecer com magestosa Dignidade, rodeada do amor, e gratidão, que tanto distinguem os Portuguezes n'aquelle respeito, e acatamento, com que sempre venerão a Casa de Bragança, A Real Dinastia Portugueza em todos os tempos se distinguio no amor da Patria. O Senhor D. João IV, chamado para empunhar o Sceptro Lusitano, entre as muitas virtudes, que adornárão o seu elevado caracter, nenhum foi tão notavel como o espirito de economia, e moderação nas suas despezas, a ponto de declarar á Nação que elle se governaria com os rendimentos de sua propria Casa, e que as rendas do Estado tivessem prompta applicação para as despezas da guerra, de eterna honra nacional. Estabelecêo-se certo systema de administração de Fazenda, o qual se recentia do systema representativo então estabelecido. Se a escolha do modo de arrecadar os tributos não era a mais perfeita, todavia as contas se liquidarão; e atravez da falta de melhor ordem se descobria no modo de se votarem os tributos feições

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pronunciadas de um Governo de liberdade pública. Este systema de administrarão publica foi continuado; porem, apezar da mais rígida economia, vio-se a final que as rendas públicas, e o Mestrado das Ordens Militares não bastavão para manutenção das despezas de Guerra. Era necessario reparar as Fortalezas, abastecer outras, e pô-las em defensa, como effectivamente se poserão; e a uma tal medida, como a de fortificação d'aquella linha de Praças, que decorrem da Beira até ao Alemtéjo, deve hoje a Nação Portugueza a sua independencia, e gloria. Confesso que tenho divagado consideravelmente do ponto da questão, levado pelos exemplos de crises notaveis, em que tem estado a nossa Patria. O que eu desejo saber he, se os sabios Membros da Commissão tiverão os dados necessarios para calcularem aproximadamente os rendimentos das differentes Repartições, que eu indiquei, para se conhecer se elles fazem o conto de reis, o« mais, e depois se fazer o Orçamento proposto pela Commissão. Na mesma guerra da independencia d'esta Corôa, de tão gloriosa memoria para todo o Portuguez, que deverás ama a sua Patria, quando se lançou o tributo do Real d'Agua, destinado principalmente para a immediata defensa do Reino, houve tão grande escrupulo na sua administração, que se achou o ser mister a creação de uma Junta, chamada dos Tres Estados. Nomeárão-se para Deputados d'ella um Fidalgo da 1.ª Nobreza, um Ecclesiastico de grande graduação, e para Representante do Povo um Bacharel, que em Lisboa requeria Emprego na Magistratura: notarei aqui de passagem que tenho sempre visto o caso, que em todas as épocas notaveis da nossa Historia se tem feito d'esses Bachareis, em quem se não pode negar ter havido exemplos bem notaveis de amor da liberdade, e da justiça. Mas eu me ia outra vez desviando da ordem. Tornarei a pedir aos illustres Membros da Commissão que não desprezem a minha lembrança ácerca dos rendimentos da Casa de Bragança, das Senhoras Rainhas, e do Mestrado das Ordens, que he privativo dos nossos Reis, sendo os dízimos destinados por Bullas. He certo que para semelhante averiguação se ha mister de muita paciencia, e conhecimentos de antiguidades legaes: eu desde já arreio a minha bandeira, e me reconheço incapaz para semelhantes disquisições. Todas estas minhas observações se dirigem a que se tracte da materia em questão com ordem, e clareza; e segundo os esclarecimentos, que me forem dados, tornarei a dizer o que julgar necessario.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - A Commissão quando tractou de fazer a Dotação da Senhora D. Maria II, e Pessoas Reaes não teve em vista a Casa de Bragança, porque no actual estado das cousas nem ainda bem se sabe a quem pertenço a Casa de Bragança, nem se pode contar com o seu rendimento, o qual, chegando, quando muito, á 6O contos de reis, está de forma sujeito a pensões, e despezas, que se não podem tirar a quem se derão, ou desfazer de repente; que na sua applicação natural pode dizer-se que he nullo; e são taes os meios de administrar, que os meios absorvem os fins: quasi outro tanto se pode dizer da Casa do Infantado, a qual he maior; mas nem porisso deixa meios de decente subsistencia, e tractamento ao Senhor Infante em quanto ausente: quanto ao Mestrado, seu rendimento está de forma confun-

VOL. I. LEGISLAT. I.

dido com o do THesouro, que nenhuma applicação separada fez, ou podia fazer a Commissão; e deixou-o como estava no seu calculo. Por estas razões a Commissão estabelecêo estas Dotações sem dependencia de quaesquer outros rendimentos, e só teve em vista conciliar a maior economia com o respeito, e decencia da Família, e da Casa Real, que de certo não julga excessiva; mas á vista da mesquinhez, em que se acha a Nação, não pode a Commissão alargar-se mais nestas Dotações, e só lhe resta o sentimento de as não propor maiores, e correspondentes aos seus desejos, e no esplendor das Altas Personagens, a quem são destinadas. Os 100 contos de reis por uma vez somente julgou a Commissão que devião ser estabelecidos, porque, não havendo uma Dotação particular, que passe para esta Senhora, decerto necessita, para o primeiro arranjo domestico, que houver de fazer na Sua Casa, de mais algum dinheiro, porque tem de preparar uma Casa nova, e nesta occasião crescem as despezas com a organisação do Seu Estado, e arranjos, com aquella pompa, e grandeza propria de uma Soberana, o que de certo ha de acontecer á chegada de S. M. a este Reino: por esta razão a Commissão assentou que devia pôr á sua disposição os 100 contos de reis por uma vez somente; e, se não propoz maior quantia (bem contra o seu desejo), foi por attender ás circumstancias desgraçadas, em que se acha a Nação.
O Sr. Vice-Presidente poz á votação se a materia do Projecto em geral estava suficientemente discutida, e se decidio que sim.
O Sr. Secretario Barrozo lêo o Artigo 1.°, que entrou em discussão.
O Sr. F. J. Maya: - Sr. Vice-Presidente sou da mesma opinião de que não compete a estas Côrtes decretar a Dotação da Senhora D. Maria II. O artigo da Carta Constitucional diz: logo que Succeder (lêo), e a dicta Senhora ainda não Succedêo no Throno; porque o Artigo 86 da Carta, que falla da Successão, diz que a Senhora D. Maria II Reinará por formal Abdicação, e Cessão do Senhor D. Pedro I. Imperador do Brasil: mas esta formal Abdicação, e Gestão he dependente de Condições, que ainda não estão satisfeitas; faltando alguma das quaes caduca inteiramente a dicta Abdicação, e Cessão: assim o declara positivamente o Decreto nas seguintes palavras = E esta Minha Abdicação, e Cessão não se verificará, se faltar qualquer destas duas Condições. = Assim, o entendêo o Governo na formula, que adoptou para a expedição dos seus Diplomas, dizendo = a Senhora Infanta Regente em Nome d'EIRei =, e não em Nome da Rainha; porque esta tem direito a ser Rainha, mas presentemente o não he de facto. A Camara, fazendo-lhe o Dotação neste Projecto, encontra a opinião do Governo; e porisso voto pela suppressão do Artigo.
O Sr. Leomil: - O artigo l.° do Projecto diz (lêo): os artigos 80, e 86 da Carta dizem (lêo-os); o que não está ainda verificado be a Condição de ..., mas a Abdicação está feita, e he a base de toda esta Cessão. Ora: logo que o Artigo 80 diz (lêo). 0 1.º Artigo seguio esta primeira letra, porque diz = quando a Senhora D. Maria, II Rainha chegar a este Reino = e então he porque já está verificado o Casamento; julgo por estas razões que o Artigo 1.° está conforme
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com a Carta, e que se deve approvar na forma, em que se acha redigido.

O Sr. Rodrigues de Macedo: - Sr. Vice-Presidente, se bem me lembro (fallo sobre a ordem) ficou resolvido no Regulamento que os Projectos de Lei tivessem uma discussão na sua generalidade, e outra em differente dia sobre cada um dos seus Artigos; sendo assim assento que a discussão de cada um dos Artigos por agora he contra o Regulamento; requeiro portanto que se suspenda a discussão, e fique reservada para outro dia.

O Sr. Vice-Presidente lêo o Regulamento nesta parte, e observou estar resolvido que os Projectos de Lei tenhão uma discussão na sua generalidade, e outra sobre cada um dos seus Artigos; mas não declara que não possa ser no mesmo dia.

Continuou a discussão.

Sr. Mouzinho da Silveira: - Respondendo ao argumento do Sr. Sarmento digo que a primeira parte do Artigo, em quanto á Dotação de S. Magestade a Senhora D. Maria II, são formaes palavras da Carta = Rainha de Portugal, e Algarves =, tambem he tal e qual está na Carta, = desde que S. Magestade chegar a estes Reinos = tudo está comprehendido: a resposta portanto ao argumento está nestas palavras: que he Rainha de Direito, não entrando em dúvida que começa â receber quando chegar a estes Reinos.

O Sr. Soares Franco: - Eu voto pelo Artigo 1.° deste Projecto; porque diz o Artigo 5.° da Carta que continua a Dynastia Reinante da Sereníssima Casa de Bragança na Pessoa da Senhora Princeza D. Maria da Gloria, pela Abdicação, e Cessão de Seu Augusto Pai; he verdade que esta Abdicação he condicional; que, em quanto a Condição se não verifica, o Senhor D. Pedro IV he que he o nosso Legitimo Rei; mas tambem a Dotação he condicional; he para quando S. Magestade a Senhora D. Maria II chegar a estes Reinos. Logo; não se segue inconveniente algum de se assignar desde já esta Dotação. Por outra parte he preciso que o Projecto seja completo: nelle se assignão Dotações a todos os Membros da Família Real, e haveria uma grande falta, se o principal d'elles a Senhora D. Maria II não fosse contemplada. Voto por tanto pelo Artigo.

O Sr. Caetano Alberto: - De certo me parece muito sensata a opinião do Sr. Sarmento, por quanto a Abdicação foi condicional; e, como só não acha ainda verificada, me parece não he esta a Sessão, em que se deve assignar a Dotação á Senhora Rainha D. Maria II, porque isso deve ter lugar depois de verificadas as Condições, com que a Abdicação foi feita: por ora o unico, e Legitimo Rei de Portugal he o Senhor D. Pedro IV; o Senhor D. Pedro IV he que he o nosso Soberano; e a Abdicação, que Este Senhor fez na Pessoa de Sua Augusta Filha a Senhora D. Maria II só tem lugar quando a Senhora D. Maria II chegar a idade maior; então he que se poderá effeituar o Casamento, então he que ha de tomar posse do Governo, he que ha de Succeder: esta he a interpretação genuína do Artigo 30 da Carta, pois que ainda não Succedêo; por esta razão me parece que nesta Legislatura se não pode fazer a Dotação desta Senhora. Reservo-me para fallar quando se discutir a materia principal.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Sobre a materia em questão tem-se feito algumas observações, e reflexões, a que muito convem responder. A Commissão, tractando da Dotação da Senhora D. MARIA II., não teve em contemplação alguma os rendimentos das Casas de Bragança, e das Senhoras Rainhas, que porventura podem vir a pertencer-lhes não teve tambem em vista ou rendimentos do Grão-Mestrado das tres Ordens Militares, que todos sabem fazem parte das Rendas Publicas. São obvias as razões, que determinarão a Commissão neste sentido; e baatará reflectir que todos estes rendimentos se reduzem por ora a uma mera espectativa.
Debaixo deste ponto de vista, julgou a Commissão que era do seu indispensavel dever assignar desde já uma Dotação á Senhora D. MARIA II, como Rainha, a qual fosse conforme ás forças da Nação, e ao decoro devido á Sua Real Pessoa; e he isto o que fez, assignando-lhe no Artigo do Projecto a Dotação de um conto de réis por dia.

Não escapárão Á Commissão as razões, com que se tem pertendido sustentar a questão preliminar, suscitada pelo Sr. Sarmento. Mas, se he innegavel que o Acto de Abdicação em favor da Senhora D. Maria II. he condicional e que nem todas as condições se achão plenamente satisfeitas, e preenchidas, não he menos indubitavel que a primeira, e mais essencial condição se acha verificada, e que a segunda pode também ser desde já considerada neste ponto de vista; porquanto a celebração do Contracto dos Esponsaes entre Personagens de tão Alta Herarchia importa virtualmente o mesmo que o Acto do Casamento, Sendo assim, e por outra parte certo que, se a Senhora D. Maria II. Não he ainda Rainha de facto, o he todavia de direito, julgou a Commissão, mesmo em attenção ás razões de politica, que desde já devia assignar uma Dotação a mesma Augusta Senhora, para ter lugar quando venha a ser de facto Rainha. Ora: o Artigo da Carta diz (lêo). A questão parece portanto reduzir-se a saber, se a Senhora D. Maria II. tem ou não de direito Succedido; que tem. não me parece duvidoso á vista do que deixo expendido; e nestes termos a Commissão se decidio, no meu entender, pelo melhor, e mais seguro arbitrio. E em verdade: Que se diria se, assignando-se a Dotação a toda a Familia Real, só ficasse sem ser contemplada a Augusta Rainha? A commissão entendêo mais que seria decoroso para esta Camara o assignar também por uma vez somente á Senhora D. Maria II. a Dotação de cem contos de réis para supprimento das despezas da viagem, e do arranho da sua Real Casa, e Familia, Julgo portanto que não tem lugar a questão preliminar, e que deve o Artigo ser discutido, reservando para então as mais razões, com que pode ser sustentada a sua doutrina.

O Sr. Moraes Sarmento: - Receio muito que a minha falta de voz fizesse com que eu não fosse bem percebido. Nunca passou pela minha imaginação que a Senhora D. MARIA II., deixasse de ter uma Dotação: a questão preliminar, que eu propuz, consiste em se decidir, se esta Legislatura he a competente para designar a Dotação. Eu conheço quanto será difficil calcular a importancia dos rendimentos do Mestrado das Ordens, porque muitas das Commendas estão vinculadas, e são o Morgado de outras Familias; e na verdade a distribuição dos Dizimos he cousa mui com-

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plicada, porque alem das Commendas, que, por serem Apanagios dos Mestrados, se devem considerar como parte do Patrimonio Real, existem as Terças, que me parece deverão considerar-se parte de Fazenda Publica: fallo das Terças de Dízimos estabelecidos desde o tempo do Senhor D. Affonso V., segundo a lembrança que me occorre. Por outro lado observo que dessas mesmas Terças existem Donatarios, e são arrecadadas por particulares. Aqui nesta Camara está assentado um Illustre Membro, o Sr. Conde de Sampayo, a cujos valorosos Antepassados se fizerão mercês desses rendimentos; apparecendo ao mesmo tempo a anomalia de haver doações de Terças, as quaes, segundo as nossas Leis, se não podião doar. Tudo isto he digno de attenção, e convinha fixar-se a natureza de todos estes rendimentos; e como seria mui facil á Commissão o exigir do Throno, e de outras Estações de Fazenda os esclarecimentos necessarios, cousa difficultosa de conseguir um Deputado, parecéo-me lembrar todas estas circumstancias, a fim de ser formado um arbítrio seguro a respeito da importancia da consignação da Dotação para a Senhora Rainha. Não posso deixar de me admirar de que se houvesse posto em dúvida a quem pertencia a Casa de Bragança, porque sendo esta um Morgado era forçoso que elle passasse na forma da Lei estabelecida para as successões dos Morgados. O Senhor D. PEDRO IV. he o Duque de Bragança; posto que o Titulo do Ducado passe ao Herdeiro da Corôa, sempre em ElRei fica a administração da Casa. No Patrimonio da Casa existem igualmente Commendas. Nenhuma Familia, desde que ha historia dos acontecimentos da Peninsula das Hespanhas, chegou a maior gráo de distincção. Os Duques nomeárão seus Desembargadores para despacharem os seus Negocios, e a administração de sua Casa. Mesmo na infeliz época da união da Corôa de Portugal á de Castella os Reis Castelhanos conservárão aos Duques de Bragança a sua alta Dignidade, e Jerarchia; tinhão cadeira para se assentarem diante dos Reis de Castella, quando Famílias como a de Medina Celi, descendentes legitimos do Infante de La Cerda, e do grande Rei Affonso o Sabio, não erão tão distinguidos como os nossos Duques: tudo parecia ser precursor de que chegaria um dia, em que o Sceptro de uma das mais celebres Nações do Mundo havia de pertencer á Casa de Bragança. Não ha dúvida que os rendimentos da Casa de Bragança devem ter diminuído em razão de mercês, e pagamentos de serviços, que a esta Augusta Familia tem feito muitos Portuguezes, e com particularidade na guerra da Acclamação; alem da Bondade sempre ter sido o Apanagio d'esta Illustre Familia. O coração de todos os Augustos Reis, que procedêrão d'este Ramo da nossa Casa Real foi sempre bom; e, se alguma vez houve aspereza no Governo, tudo era devido aos Ministros, que cercavão aquelles Senhores nos tempos mais despoticos, quaes forão os do Reinado do Senhor D. José, em que a Justiça Criminal se administrou com bastante dureza: notava-se que este Soberano no seu particular era humano gostava de tudo quanto era capaz de sensibilisar o coração, extremamente apaixonado das Bellas Artes com preferencia da Musica, que tanto contribue para formar boas intenções. Porem he tempo de pedir á Illustre Commissão averigue a importancia dos rendimentos, que apontei. Ninguem se reconhece mais feliz do que eu em ser vassallo e subdito da Casa de Bragança: por effeito da Carta outorgada pelo nosso immortal Rei estou constituído Representante da Nação, e ao mesmo tempo que tributo o maior respeito ao meu Soberano, devo cumprir com os importantes deveres como Representante da Nação. Quem se pode lembrar, sem horror, das enormes despezas, que no presente momento se estão a fazer com a guerra ateada pelos Rebeldes? Nenhum Ministro da Fazenda poderá calcular a despeza sem assombro, porque para se lhe fazer frente será necessario recorrer a emprestimos de muitos milhões, sendo tudo pouco para calafetar tão grande rombo. Sou portanto de parecer que a moderação, que for compatível, se deverá guardar. As circo instancias podem mudar para termos maiores meios. Não receio fallar d'esta maneira porque, na frase do grande Poeta Castelhano, Garcilapo de Ia Vega, ha adulação quando ha séde de favores; e, imitando o nosso grande Patriota João Pinto Ribeiro, nunca se pode mostrar mais amor ao Soberano, como quando se falla com honrada liberdade. He a lealdade a verdadeira base da honra, e em fallar a verdade consiste o maior amor, que pode um subdito tributar ao seu Rei.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - A Commissão não teve em vista senão rendimentos públicos: os sem direitos particulares fizerão o objecto do artigo 8.º: (lêo) Ora: a respeito do Grã-Mestrado das Ordens a Commissão não entende que isto seja hum direito particular, mas sim que os rendimentos do Mestrado fazem parte dos rendimentos publicos; a intenção da Commissão he que, alem do que he já propriedade de Pessoas Reaes, tenha cada uma do Thesouro a quantia designada; pois ao que he seu de propriedade tem hum direito inquestionavel.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Sr. Vice-Presidente, eu devo observar que não he este o lugar de se discutir a quem pertencem as Casas, de que se tem fallado; e que ns vistas da Commissão não forão outras senão assignar as Dotações, na forma prescripta na Carta. A Commissão, ao arranjar este Projecto, teve em vista as circumstancias, em que se acha a Nação; e então apresentou esta quantia como a correspondente ao decoro da Alta Personagem, a quem he destinada. Quando diz um conto de reis por dia he porque teve em vista que seu Augusto Avô tinha o mesmo conto de réis diario, alem de que tinha tambem a Administração da Casa de Bragança, e por tanto não julgou dever dar-lhe menos. A Commissão sobre este objecto trabalhou cuidadosamente, e até chegou a persuadir-se que sobre este objecto não haveria, discussão na Camara, por assim convir ao seu decoro, e á índole de tão delicada materia. Um illustre Membro, que me precedêo, fallou sobre os rendimentos dos Mestrados: devo responder-lhe que elles não pertencem á Senhora Rainha D. Maria II porque fazem parte das rendas públicas. Em fim, esta Dotação não sobrecarrega o Thesouro ao presente, porque ella só se fará effectiva quando a Senhora D. Maria II for Rainha de facto. A questão reduz-se a saber se he nesta Sessão que se deve assignar esta Dotação. A Commissão entendêo que, sendo já Rainha de direito, lhe devia desde já ser assignada a Dotação.

O Sr. Serpa Machado: - Concordo com a opi-

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nião do Illustre Deputado, em quanto á prestarão consignada, porem não pertence a esta Legislatura assignar esta Dotação. Não ha dúvida que tem direito a succeder a Senhora D. Maria no Reino de Portugal; porem uma cousa he ter direito de succeder, outra cousa he succeder: quem succedêo effectivamente na Corôa foi o Senhor D. Pedro IV; por consequencia seria intempestivo estar tractando da Dotação de uma Senhora, que tem a succeder, porem que ainda não succedêo, quando a Carta diz (lêo); e então a Senhora D. Maria II pode succeder em tempo de outras Côrtes, e por ellas deve ser feita a sua Dotação, e até pela razão de que as forças do Thesouro na occasião da successão podem ser maiores, ou menores; e por isso o Corpo Legislativo, que nos succedèr, pode estabelecer maior, ou menor quantia de Dotação: attentas estas circumstancias, digo que se não deve tractar deste Artigo por agora; e parece-me que elle deve ser supprimido, porque a Dotação a esta Senhora deve ser feita quando se verificar a Successão, e não agora: por emquanto he Rei de Portugal, e Algarves o Senhor D. Pedro IV, e governa em seu Nome a Senhora Infanta Regente D. Isabel Maria.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Não he somente pelas razões, que se tem dado, que a Commissão de Fazenda tinha de se occupar deste Artigo: segundo o meu entender, o Artigo he de absoluta necessidade, até para evitar o embaraço, em que o Governo se vella, se Sua Magestade, a Senhora D. Maria II chegasse a esta Capital no intervallo das Sessões das Camaras Legislativas. Haveria o Thesouro Publico nesse caso de despender quinhentos contos de réis, que erão anteriormente designados para este objecto? Pareece que não, por ser contra a manifesta intenção das Côrtes: com tudo assim aconteceria se não subsistisse a disposição do Artigo. A vista pois desta reflexão parece-me que não só era conveniente que se fixasse esta Dotação, mas que a Commissão a propoz pela urgente necessidade, que para isso havia.

O Sr. Rodrigues de Macedo: - A Carta mui expressamente diz que as Côrtes assignarão, etc.. (lêo). Ora: eu não sei que a Senhora D. Maria II já tenha succedido no Throno, antes me parece que não, porque huma das condições da successão he o Casamento; e os Esponsaes certamente não satisfazem só por si esta condição. Se as clausulas da Abdicação estão verificadas, e se pode dizer já que a Senhora D. Maria II he a Rainha de Portugal, deve-se já assignar á Dotação: mas se acaso não he ainda Rainha Reinante, como o não he de facto, não se deve ainda assignar, porque seria o mesmo que declarar desde já que aquella Senhora tinha effectivamente succedido no Reino; por quanto a Carta diz: que logo que o Rei succeder no Reino se lhe assignará uma Dotação: por conseguinte, se agora se assignasse esta Dotação, seria o mesmo que dizer que o Senhor D. Pedro IV tinha cessado de Reinar, ou aliás reconheceríamos a existencia de dous Reinantes ao mesmo tempo. Logo: se se pode assignar a Dotação á Senhora D. Maria II he porque Ella he Reinante, e então não o he o Senhor D. Pedro IV; e em tal caso deverão todos os Diplomas Regios passar-se em Nome da Senhora D. Maria II, e não em Nome do Senhor D. Pedro IV. Mas se o Senhor D. Pedro IV não cessou ainda de Reinar, como he verdade, he claro que ainda se não verificou a Successão de Sua Augusta Filha: donde resulta não estarem as Côrtes ainda authorisadas para lhe assignarem Dotação na qualidade de Rainha. Disse-se tambem que pode chegar ahi muito brevemente. Se vier he porque effectivamente estão preenchidas as condições da Abdicação, e será então que se deva tractar desta Dotação. Mais se disse: que o Governo ficará indeciso se a Senhora D. Maria II chegar em occasião que as Camaras estejão fechadas: a isto respondo que as Côrtes, que então estiverem installadas, podem reunir-se, e tractarem immediatamente deste objecto.

O Sr. Henriques do Couto: - Eu pensava que seria da delicadeza desta Camara não haver discussão sobre este Artigo. Ainda que o Senhor D. Pedro IV lhe o nosso actual, legitimo, e bom Rei, a quem tudo devemos, certo he que a Senhora D. Maria II he o principal objecto d'onde emana a nossa felicidade, a nossa liberdade, e a nossa consolação. Esta Dotação he huma Offerta, que a Nação Portugueza designa á Senhora D. Maria II: oxalá que ella podesse ser Conforme ao bom desejo de todos nós. Esta Senhora he huma Senhora, por quem todos os bons Portugueses devião fazer sacrificios, e dispôr de seus bens para lhe offerecer ametade desses mesmos bens: por tanto devo dizer que voto a favor deste Artigo, e pensava que sobre elle não devia haver a mais pequena dúvida, porque he esta Senhora, a quem Portugal deve os bens, de que goza, e ha de gozar.

O Sr. Camello Fortes: - A Senhora D. Maria II he Rainha do Reino de Portugal, e Algarve pela Abdicação de seu Augusto Pai, o Senhor D. Pedro IV, nosso legitimo Rei. Esta Abdicação he condicional, e por isso a Senhora D. Maria II he tambem Rainha condicionalmente, a saber, verificadas os condições. Applicando agora estes princípios á sua Dotação, diz a Carta Constitucional, artigo 8O: = As Còrtes Geraes, logo que o Rei succedêr no Reino, lhe assignarão , etc. = De sorte que a Dotação tem lugar logo que o Rei succedêr no Reino; mas he sabido que a Successão pode ser pura, ou condicional, e de ambas falla a Carta, por isso que se explica geralmente, e sem distincção. Não se verifica na Senhora D. Maria II a Successão pura; verifica-se porem a Successão condicional, cujo direito está já radicado na sua Pessoa, e que lhe não pode ser tirado logo que existão as condições da Abdicação. Por consequencia he verdade que as Côrtes Geraes não podem assignar á Senhora D. Maria II uma Delação pura; mas podem assignar-lhe uma Dotação condicional, isto he, uma Dotação, que só ha de ter effeito verificadas as condições da Abdicação, que já se começarão a verificar; pois he sabido que só celebrarão os Esponsaes da Senhora D. Maria II com o Serenissimo Senhor Infante D. Miguel, e se impetrou a Bulla de dispensa necessaria para contrahirem o Matrimonio. A Commissão assigna à Senhora D. Maria II uma Dotação condicional, e que só ha dá ter lugar verificadas as condições da Abdicação; e por consequencia obrou na conformidade da Carta Constitucional.

A observação, que fez o Sr. Ministro da Fazenda, tira todas as duvidas: supponhamos que a Senhora D. Maria II apparece no porto de Lisboa, não havendo uma deliberação da Camara; o Governo de

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certo não sabe o que ha de fazer. Não deve passar sem resposta uma idéa, que aqui se manifestou, sobre o poder estar a Nação em melhores, os peiores circumstancias na occasião da Successão para se assignar a Dotação: he preciso observar que esta Lei ha Regulamentar; e como tal sujeita ás alterações, que se julgarem convenientes: voto por tanto pelo Parecer da Commissão.

O Sr. F. A. Campos: - O Sr. Ministro da Fazenda prevenio a principal reflexão para que eu linha, pedido a palavra, julgando desnecessario insistir sobre as outras razões já ponderadas pelos Srs. que tem fallado no mesmo sentido. Accrescentarei com tudo que a Commissão da Fazenda, offerecendo o presente Projecto de Dotação á deliberação da Cumara, não podia deixar de contemplar n'elle a Senhora D. Maria II, não por política, como alguns Srs. Deputados tem dicto, mas por uma obrigação stricta, imposta pela Carta, de que não podia eximir-se. No artigo 80.° se determina que as Côrtes Geraes, logo que o Rei succedêr no Reino, lhe seja assignada uma Dotação. Ora: pergunto eu, temos Rei, ou não temos Rei? Se temos Rei, e mesmo se, segundo os principios monarchicos, nem se pode suppôr que deixe um só momento de existir o Rei, como era possivel que deixassemos de assignar-lhe a Dotação, que a Carta nos prescreve? A questão poderia ser, se a Dotação deveria ser assignada ao Senhor D. Pedro IV, ou á Senhora D. Maria II, mas nunca se era da competencia desta Camara o faze-la, porque a Carta lho incumbe ao momento da Successão, como he evidente do artigo 80.º tantas vezes mencionado. Mas que a Dotação devesse ser assignada ao Senhor Pedro IV ainda nenhum dos Srs. Deputados disse, nem mesmo creio que nenhum o pense; por tanto a Commissão cumprio com o seu dever em a assignar á Senhora D. Maria II.

A reflexão, que aqui se produzio, de que o estado de abatimento, em que se acha presentemente a Nação, prejudicará os interesses da Senhora D. Maria II, podendo nas seguintes Legislaturas obter uma Dotação mais vantajosa, se a nossa prosperidade fôr em augmento, não me parece attendivel, não só porque não podemos eximir-nos de cumprir com a obrigação, que a Carta nos impõem, mas porque as seguintes Legislaturas terão muitos meios de prover á modicidade da Dotação, se as nossas circumstancias melhorarem. Em Inglaterra, aonde a Lista Civil importa em pouco mais de um milhão de Libras Sterlinas (deduzidos os encargos da Corôa) muitas vezes o Parlamento faz donativos extraordinarios ao Rei, ou lhe paga alcances, ou dividas atrazadas; e não ha difficuldade em que as Côrtes Geraes pratiquem semelhante generosidade, se com effeito a Dotação se reconhecer que he medica. (Concluo por tanto que a Commissão, a meu ver, cumprio com a sua obrigação em assignar á Senhora D. Maria II a sua Dotação,

O Sr. Serpa Machado: - Ainda insisto em que nós não temos authoridade para fazer esta Dotação. O argumento, que apresentou o Excellentissimo Ministro da Fazenda, de poder acontecer a chegada da Senhora D. Maria II, e estar fechada a Camara, esta hypothese não se pode verificar, porque todos os annos se reúnem as côrtes, e se podem, alem do trimestre reunir-se extraordinariamente. O Casamento desta Senhora ainda não está verificado, e isto deponde da sua idade e, dado caso que agora viesse, não poderia vir senão como Regente, e não como Successora da Corôa, por se não acharem verificadas as condições da Abdicação; por tanto parece-me, torno à repeti-lo, que não pode ter lugar fazer-se agora esta Dotação, por se não achar ainda esta Senhora revestida de Authoridade, pela qual nós temos direito de a assignar. Ora: supponhamos que esta Senhora tinha um Filho, havíamos nós estabelecer-lhe já uma Dotação para este Filho? Não. A Constituição diz que devemos assignar a Dotação para a Pessoa, que succedèr no Throno. Logo a questão deve ser, se a Dotação se deve fazer ao Senhor D. Pedro IV, ou se deve ser feita a quem fizer as suas vezes .... Em quanto á Senhora D. Maria II falta ainda verificar-se o Casamento, e isto depende de sua idade, para podermos assignar-lhe a Dotação conforme determina a Carta Constitucional; e para chegar a esta idade ainda decorre algum tempo, e não devemos ter receio que a Senhora, D. Maria II chegue com a brevidade, que prezume o Excellentissimo Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Se fosse verdade provada o que disse o illustre Membro, que acaba de faltar, ácerca da vinda da Senhora. D. Maria II de certo não teria força alguma a minha precedente reflexão. Porem, pelo contrario tudo faz crêr que Sua Magestade pode chegar a Lisboa muito antes d'aquelle praso; alem de outras razões, que tenho para assim o acreditar, faz-me pezo o haver seu Augusto Pai já nomeado para a acompanhar para Portugal logo que se effeituasse o Casamento um Mordomo Mor, e Camareiro Mor, o que indica a intenção d'ElRei de se effectuar o regresso com toda a brevidade. Julgo por tanto que o motivo existe, e com elle a necessidade do Artigo.

O Sr. Mouzinho d' Albuquerque: - A condição do Artigo tira todas as dúvidas, porque diz que, quando chegar Sua Magestade he que ha de verificar-se esta Dotação: disse-se que se nós assignâmos esta Dotação á Senhora D. Maria II, pela mesma razão a devemos assignar ao Filho da Senhora D. Maria II. Ora: aqui não ha linha do comparação. A Senhora D. Maria II existe, e existe declarada Rainha de Portugal, e não existe Filho da Senhora D. Maria II. Voto pelo Artigo, por elle dizer desde que Sua Magestade chegar a este Reino.

O Sr. Leomil: - Levanto-me para impugnar que esta resolução, que agora se tomar, vai em certo modo encontrar os direitos das Côrtes que existirem á chegada da Senhora D. Maria II. Pode ser que esta Dotação, que agora se houver de fazer nas circumstancias actuaes, seja em prejuízo da Nação, porque então quando se verificar a successão, não será conforme ás circumstancias dessa occasião: eis-aqui os dous argumentos, que não tem fundamento; e a Carta diz; As Côrtes Geraes, etc.; e a mim me parece que Côrtes Geraes são quaesquer que forem, todas ellas são Legislativas, e em consequencia não tirão o direito de mudar as Leis, conforme as circumstancias do Estado. Ao segundo argumento digo, que a Carta não manda fazer a Dotação com relação ás cir-

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cumstancias do Estado. Dêsse uma Dotação correspondente á sua Alta Dignidade; e em todos os tempos existe essa Dignidade? Portugal em todos os tempos foi o modelo do decoro, e do esplendor da Família Real; e, devendo ser sempre sustentada com a mesma Dignidade, cuido que sempre devem existir as mesmas circunstancias para este fim. As Côrtes, que estiverem reunidas, poderão decidir então o que lhe parecer, senão estiverem por esta Dotação. Que mácula não seria tendo de se fazer uma Lei para a Dotação das Pessoas da Família Real, esquecer-se a Senhora D. Maria II.! Ella ha de vir, e Deos nos livre que não venha. Disse-se que as Condições não estão verificadas, mas hão de verificar-se; por
tanto approvo o Parecer da Commissão.

O Sr. Caetano Alberto: - Eu perguntarei se a Senhora D. MARIA II. já succedêo no Reino? Se já succedêo no Reino deve-se-lhe assignar a Dotação já; porem eu creio que ainda hão succedèo, e então a Senhora D. Maria II. ainda não he Rainha de Portugal; ha de o ser, porem ha de ser quando se verificar a condição do Casamento; e ás Côrtes, que Existirem a esse tempo, he a quem compete assignar essa Dotação, e não a estas agora; porque, como já disse, ainda se não concluirão as condições exigidas pelo Senhor D. Pedro IV para se verificar na Pessoa de Sua Augusta Filha a Abdicação, e por consequencia a successão da Corôa; portanto voto pela Suppressão do Artigo.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - A Carta diz (lêo). Todos os Srs. Deputados, que tem fallado dizem a Senhora D. MARIA. II., e reparo que ainda hão disserão a Senhora D. MARIA DA GLORIA; bem se vê que o dizer-se desde já a Senhora D. MARIA II. Importa tanto em termos juridicos como dizer a Senhora Rainha D. MARIA II., logo não he condicional, como se tem pertendido sustentar. A condição do Casamento he para com o Senhor Infante, e não para com a Senhora D. MARIA II., esta Senhora , case ou não case, he a Rainha de Portugal, he quem ha de Reinar em Portugal, e a Dotação he applicada á Pessoa que ha de Reinar, por ser necessario indispensavelmente a quem Reina ter uma Dotação para sustentar o esplendor de tão eminente Jerarchia. Diz-se que a Senhora D. MARIA DA GLORIA ainda não succedêo, e que não pertence em consequencia a estas Côrtes designar-lhe a Dotação, e que a assignar-se Dotação e esto Senhora, pela mesma razão se pode assignar tambem Dotação para o Filho d'esta Senhora, que tambem deve succeder; o Sr. Serpa Machado disse nisto um absurdo, porque a Senhora D. MARIA DA GLORIA já existe, e o Filho da Senhora D. MARIA DA GLORIA não existe. A Senhora D. MARIA DA GLORIA existe já como Rainha, e como tal tem o Titulo de Senhora D. MARIA II., não he Rainha condicional, he Rainha para quando tiver idade de Reinar = a acção de Reinar he in tempus = mas a Senhora D. MARIA II. he já Rainha: esta he a idéa da Carta, e quem se ha de oppòr ao que diz a Carta? E para satisfazer ao tempo, que falta he que o Artigo diz, desde que chegar a este Reino. A Commissão fez pois o que devia, e tudo mais em quanto á successâo, e mais casos ponderados, deixemos isto á Providencia, que incessantemente vigia sobre nós.

O Sr. Magalhães: - A questão preliminar, segundo eu tenho entendido dos Srs., que me precederão, e a propozerão, reduz-se a uma questão de tempo, e competencia; pois, se me recordo, o Sr. Serpa Machado disse que era uma usurpação, que esta Camara fazia á que estivesse em exercício, quando a Senhora D. MARIA II. assumisse o Governo, o estabelecer-lhe agora a Dotação; eu não posso participar semelhante opinião, pois vejo que dizendo a Carta Artigo 80 = Logo que o Rei succeder = teve em vista o seu Auctor não faltassem por um momento ao Rei os meios necessarios para a sustentação da Dignidade Real, quando assumisse o seu exercício: não prohibe portanto que esta operação seja anterior, antes parece mais conforme ao seu espirito uma semelhante decisão. A Abdicação já teve lugar, já o tiverão os Esponsaes, estando nós reunidos; pode mui bem acontecer outro tanto a respeito do Consorcio; e então não he esta a Legislatura competente para estabelecer uma Dotação, que pode a todo o momento tornar-se necessaria? Ninguem pode disputar-lhe este direito, e particularmente quando ella o faz pelo modo que se expressa o Artigo 1.º do Projecto; logo a questão preliminar deve cahir, e por isso voto contra ella.

Antes de ser entregue á votação o 1.º Artigo propoz o Sr. Vice-Presidente a questão preliminar; - Se era já tempo, e occasião propria de se estabelecer a Dotação de Sua Magestade a Senhora D. Maria II? - E se venceo que = Sim. = Pelo que entregou á votação a materia do Artigo por partes, e forão successivamente approvadas.

O Sr. Secretario Barroto lêo o segundo Artigo e entrou em discussão.

O Sr. F. J. Maya, expendendo varias razões, concluio assim: - Neste Artigo acho uma expressão, que não julgo muito propria, e he dizer-se 500$000 réis por dia; outra expressão falta no Artigo, e vem a ser = E Domínios Portuguezes = e tambem me parece que se lhe devem tirar as palavras = Não tendo administração de Casa alguma.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - A Commissão, pelo que respeita ás palavras - Não tendo administração de alguma Casa = não tem dúvida em que se supprimão, pois que forão empregadas como razão, e não como condição. A Commissão, tendo assignado a Dotação de 1:000$000 réis por dia á Senhora Rainha D. Maria II, assignou tambem em justa proporção a Delação de 500$000 réis diarios á Serenissima Senhora Infanta Regente D. Isabel Maria; e servio-se destas palavras - Não tendo administração de alguma Casa = para que não parecesse excessiva semelhante quantia. Tambem não me opponho a que se expresse a Dotação pelo total da sua importancia annual, em lugar dos 500$000 réis por dia, a fim de que não pareça estabelecer-se aqui um salario, como se tem reflectido. Prudente he O procurar evitar toda o occasião de censura; e, como Membro da Commissão, convenho, como acabo de dizer, em que se facão estas mudanças, se bem que não julgue indecente a expressão de 500$000 réis por dia.

O Sr. Galvão Palma: - Se se vencêo que a Dotação de Sua Magestade a Senhora D. Maria II fosse de um conto de réis por dia, e não se julgou indecente, julgo que esta indecencia não existe dizendo-se

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500$000 réis por dia para a Serenissima Senhora Infanta D. Isabel Maria.

Julgada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Vice-Presidente. = 1.° Se devera supprimir-se as palavras = Não tendo administração de alguma Casa = E se vencêo affirmativamente. = 2.º Se as palavras - de Portugal, e Algarves = se deverão acrescentar as palavras = e mais Dominios Portuguezes? =
E se vencêo negativamente. = 3.° Se a Dotação será annual, e não por dia? = E se vencêo que fosse por dia. = 4.º Se se approvava o Artigo, salva a redacção na forma dos vencimentos? = E se vencêo que = Sim.

O Sr. Secretario Barroso lêo o 3.º artigo.

O Sr. Vice-Presidente disse que estava aberta a discussão sobre este artigo; e, não havendo quem sobre elle fallasse, o pós á votação, e ficou approvado.

O Sr. Secretario Barroso lêo o 4.º artigo.

O Sr. Moraes Sarmento: - Tornarei a ser importuno, e desejarei saber se os illustres Membros da Commissão na redacção deste Artigo tinhão alguma informação de que a Fazenda Publica he devedor á Casa do Infantado de huma quantia muito importante. Eu sei isto, porque na guerra Peninsular forão postos á disposição do Governo muitos Celeiros de generos pertencentes áquella Casa. Segundo a informação, que nesse tempo me deo o Procurador da Fazenda do Infantado, a divida devia passar de mil contos de réis. He bem sabido que a Casa do Infantado he um Morgado, que o Senhor Infante a possue conforme a Lei do Reino, que determina as Successões; e já na Casa da Supplicação se dêo Sentença em objecto de Succecção do mesmo Morgado. Se da nossa parte devemos respeitar as prerogativas de propriedade particular, sendo uma d'ellas o pagamento das dividas, de que a mesma Casa do Infantado he Crédora á Fazenda Publica, he igualmente do nosso dever habilitar o Senhor Infante, para que viva com aquelle esplendor, e dignidade conveniente, não só a um Príncipe Portuguez, mas a quem está destinado para Esposo da nossa Rainha. Os Portuguezes sempre o esmerárão de que os seus Principes apparecessem com distincto apparato em todas as occasiões de ostentação, mormente estando o Senhor Infante entre Principes Estrangeiros, ainda que a Corte de Austria não seja o de maior luxo na Europa. Parecia-me que se podia combinar, que as pertenções destinadas para Sua Alteza fossem satisfeitas por pagamento do que já he devido ao Senhor Infante, como Senhor da Casa do Infantado. Offereço esta observação á considerarão dos Sabios.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - A Commissão, quando tractou a questão da Dotação, que se havia de assignar ao Senhor Infante D. Miguel , não teve em vista o que acaba de observar o Illustre Deputado o Sr. Sarmento. A Commissão sabia que a divida do Estado á Casa do Infantado sobe de 800.000:000, porem não teve attenção alguma a esta circumstancia, porque semelhante divida deve ser paga, como as mais desta natureza, quando disso se tractar. O objecto da Commissão foi fixar a Sua Alteza a Dotação, que lhe era devida, sem vistas de compensação pela divida liquidada. Na occasião, em que daqui sabio Sua Alteza o Senhor Infante D. Miguel, Seu Augusto Pai lhe assignou a Dotação de 40 a45 contos de réis por anno, segundo o estado do comboio; e a Commissão julgou que esta Dotação era indispensavel, para que Sua Alteza possa viver com a decencia, que pede o seu Alto Caracter em toda e qualquer parte. Na época, em que Seu Augusto Pai lhe destinou aquella quantia, ainda o Senhor Infante não desfructava a Casa do Infantando: he isto uma verdade, assim como he fora de dúvida que desde tempo, mui recente a está desfructando ao pé, em que se acha; porem a Commissão, sem embargo desta nova circumstancia, julgou necessario que se conservasse a Sua Alteza a Dotação fixada no Artigo, por lhe ser presente o mão estado da administração da Casa do Infantado, bem como os muitos onus, e encargos, com que se acha sobrecarregada. Quando as Camaras, soltando os obstaculos legaes, proverem sobre a administração das Casas das Pessoas Reaes, então e só então se poderá contar com os seus rendimentos para a sustentação de tão Augustas Personagens; por agora de certo não, porque talvez pouco exceda a receita da despeza constante, e ordinaria.

O Sr. Vice-Presidente poz á votação se estava sufficientemente discutido o Artigo, e decidio-se affirmativamente: poz então o Artigo á votação, e foi approvado.

O Sr. Secretario Barroso Lêo o Artigo 5.º

O Sr. Serpa Machado - Sr. Vice-Presidente, eu julgo que o Artigo 5.° e 6.º devem ter alguma reforma: diz o Artigo 5.° (lêo): se se tractasse só da decorosa sustentação, estava bem, mas o Artigo diz = independente = não julgo bastante para as Senhoras Infantas tão limitada Dotação, assim como tambem não julgo bastante a Dotação especial do Artigo 6.º.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Quando a Commissão tractou de redigir os Artigos 5.º e 6.º deste Projecto pensou muito sobre as Dotações, que conviria assignar a Suas Altezas as Senhoras Infantas. As Côrtes passadas assignárão 400$000 réis por mez e cada uma de Suas Altezas; e Seu Augusto Pai elevou esta Dotação a 600$000 réis por mez. A Commissão teve isto em vista; porem por razões, que são faceis de concebem, julgou que mais convinha assignar a cada uma das Senhoras Infantas a Dotação de 20 contos de réis por anno, que he o juro dos seus dotes, a fim de que podessem viver com mais independencia. A palavrea = independente = deve entender-se em quanto ao pagamento dos seus Criados. Criadas etc.; porque em quanto ao mais he claro que Suas Altezas no seu estado actual nem podem viver de todo sós, nem sabhir a público, senão na companhia de Sua Augusta Mãi, Tia, ou Irmã. A Commissão, em fim, pensando assaz sobre este melindroso objecto, julgou que 20 contos era uma Dotação assaz sufficiente para cada uma d'estas Senhoras: e pode bem ser que ella tenha sonhado serem estas as vistas, e os constantes desejos das Mesmas Senhoras Infantas.

O Sr. Mouzinho da Silveiro. - A Commissão tinha grande desejo de assignar Dotações as mais fortes possiveis, porem attendeo ás circumstancias do Thesouro; ella teve uma base em que se fundou, e he o Artigo 7.°, que diz: (lêo) Ora; a Senhora Princeza do Brasil, pelo seu nascimento, pelo seu merecimento, e pelo seu destino, porque he Irmã da Senhora D, Maria I, e Viuva de um Principe destina-

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do a Reinar, teve 40:000$000, que lhe forão assignados quando Portugal tinha as immensas Colonias, que formão hoje o Imperio do Brasil, e assignados pela Munificencia Real; e os 40:000$000 lhe tem bastado, tendo feito uma figura brilhante pelo lado moral, pelo lado da decencia, e dignidade, e ainda pelo lado da caridade, e beneficencia; e tem bastado a esta Senhora, porque o seu Juizo a muito mais abrange; e tendo uma Casa separada, como he possivel graduar alguma Dotação particular acima desta somma? Será possivel que alguma das Senhoras infantas tenha mais do que a Senhora Princeza do Brasil. As Mesadas, ou Dotações das Senhoras Infantas, de vinte contos de réis, são sufficientes para a sua decorosa, e decente sustentação. Estas Senhoras, pela natureza do seu sexo, devem viver unidas nos Paços Reaes, e nesta hypothese he que a Commissão estabeleceo os 20:000$000 réis por anno a cada uma das Senhoras Infantas; estas Senhoras tinhão 600$ réis por mez, e a Commissão fez-lhe o augmento que pôde, atendendo ás circumstancias do Thesouro; foi o mais que se podia fazer a estas Senhoras.

O Sr. Serpa Machado: - Nós o que tractamos neste Artigo he de estabelecer uma Dotação ás Senhoras Infantas para os seus alfinetes, e não se lhe pode estabelecer por base o Dote para se tirar pelo juro os alimentos; que razão tem a Commissão para dizer que as Senhoras Infantas devem ter a mesma decente, e independente sustentação com ametade da Dotação da Senhora Princeza Viuva? A minha opinião he, que se deve reformar este Artigo, augmentando-ae um terço mais, e tirando-se a palavra = independente.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - A Senhora Princeza D. Maria Benedicta tem uma Casa separada; tem Criados, Criadas, e Estado separado. Quando a Commissão diz - sua decorosa, e decente sustentação - não quer designar, como já disse, que as Senhoras Infantas podem, ou devem viver em formal, e perfeita separação, maiormente no que respeita aos Paços Reaes, em que por força hão de habitar, bem como no que toca ao Artigo despendioso de Cavallariças; pois que, nos seus Estados, he igualmente forçoso que sempre se sirvão dos Coches da Casa Real. Esta Dotação dos vinte contos de réis vem por tanto a ser quasi privativamente destinada por Suas Altezas para as suas despezas particulares de alfinetes, Criados, Criadas, etc. A Senhora Princeza Viuva não está por certo neste caso: tem uma Casa, e Estado totalmente separada; e assim mesmo para tudo lhe chega o seu Apanagio, e até para adquirir duas formosos Quintas, e levantar desde o alicerce o magestoso Hospital de Runa, estabelecimento de tanta piedade, e utilidade. Como pode pois dar-se aqui algum parallelo? A Dotação de 20:000$000 de réis não só he decorosa, mas até sufficiente. Todas estas Dotações fórão assignadas com relação de umas a outras; e as Senhoras Infantas, como já disse, nunca pertenderão senão o juro do seu Dote, não como juro, mas como Dotação: por consequencia eu sou de parecer que o Artigo deve passar como está.

O Sr. Vice-Presidente poz o Artigo á votação, e foi approvado.

O Sr. Secretario Barroso lêo o Artigo 6.º

O Sr. Wan-Zeller: - Os beneficios, que devemos á Sereníssima Senhora Infanta Regente, a Senhora D. Isabel Maria, são tão grandes, são de tanta monta, que eu nada encontro, com que esta Camara possa mostrar-lhe a sua devida gratidão: não he por certo com huma Dotação maior, ou menor, que se lhe podem retribuir, nem esta he a idéa da Commissão, ou da Camara; todavia, tractando-se de uma Dotação especial, eu julgo que he muito pequena a que se lhe assigna neste Artigo: pêza-me que as circumstancias da Nação sejão tão tristes, e que se lhe não possa assignar o que eu desejava; com tudo, quanto he possivel, deve fazer-se. Voto portanto que, em lugar de vinte contos de réis, que se lhe destinão, se lhe destinem quarenta; entendendo-se isto a Dotação especial: vou mandar para a Mesa a minha Emenda.

O Sr. F. J. Maya: - Eu tambem assigno esta Emenda, e com bastante sentimento que o seu objecto não fosse infinitamente maior: he esta a primeira gratificação, que o Camara dos Deputados da Noção Portugueza assigna, e logo teve o dissabôr de não poder, pela crise calamitosa do Estado, corresponder aos seus desejos. Foi esta Senhora sem igual quem cimentou, estabelecêo, e defendêo as Liberdades Patrias. Foi ella quem com huma constancia inexplicavel tem triumfado dos inimigos das Instituições, que seu Augusto Irmão nos outorgou; em fim, he ás suas incomparaveis Virtudes que devemos todos quantos bens possuímos: he esta a primeira occasião de lhe manifestarmos a nossa gratidão. As circumstancias são escassas; porem não he impossível ao Thesouro o prescindir da quantia proposta.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Os meus desejos serião que se assignasse á Sereníssima Senhora Infanta Regente, não só 40 contos de réis, mas 80, ou 100: Estes erão por certo os sentimentos de toda a Commissão. Nenhum dos seus Membros, revestido dos sentimentos mais puros, e da maior gratidão para com esta Augusta Princeza, deixou de ter em vista suas Altas Virtudes, e o quanto lhe deve a Nação Portugueza; porem razões, que não são desconhecidas a pessoa alguma, em quanto á escacez de nossas finanças, como bem nos mostrou o Relatorio do Excellentissimo Ministro da Fazenda; e sobre tudo a delicadeza a respeito da Dotação assignada a outra Princeza, igualmente cheia de Virtudes, e que tem votado toda a sua vida a actos de beneficicencia, sendo entre elles hum dos de maior valor o Hospital que acaba de estabelecer em Runa, e que será o mais indelevel Padrão levantado á sua Memoria, e Beneficencia: estas circumstancias, digo, obrigarão a Commissão a não se exceder mais; e até mesmo porque está persuadida que o agradecimento nacional, que se deve a esta Princeza, não consiste na Dotação; muitos outros modos ha de se lhe dar, e que por certo não hão de escapar á perspicacia, e patriotismo desta Camara. Não ha de ser pela quantia, que aqui se designa, que esta Princeza ha de avaliar, e medir o reconhecimento da Nação, porque para este reconhecimento de certo não ha Dotação, que seja sufficiente (apoiado, apoiado). Eis-aqui pois as razões, por que a Commissão considerou que devia só assignar a quantia de vinte contos de réis: eu não impugnaria que fossem oitenta, cem, ou mais, se não fossem as ponderadas razões; e de boamente sacrificaria para isso a melhor parte da minha fortuna.

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com a Senhora Infanta Regente do que os Membros da Commissão, que assignárão o presente Projecto. Ms se estes sentimentos nos impelhão a que julgassemos insufficiente qualquer quantia, que se assignasse a Sua Alteza, os deveres de Deputados da Nação nos obrigavão a que acommodassemos a nossa gratidão ás forças da Renda publica. A Renda publica he uma porção da fortuna dos particulares; por outros termos, he uma parte do jornal do trabalho, do lucro do capita, e da renda das propriedades, origem da renda em todos os paizes; e n'uma Nação já exhausta por tantos motivos he necessario respeitar a subsistencia do Povo, e o manancial da reproducção. Desgraçados dos Governos que excitão o odio dos Subditos pelo resentimento da miseria! A experiencia de todos os tempos nos tem mostrado a Commissão julgou não dever exceder a quantia designado n o Artigo, e tem todo o sentimento de que as Rendas da Nação lhe não permittissem dar toda a extensão, que desejava á sua gratidão para com a Senhora Infanta Regente.
Sobre a suppressão, que o Sr. Serpa Machado propõe das ultimas linhas do Artigo, sou de parecer contrario. Se esta Dotação especial he um donativo da Nação em testemunho do seu reconhecimento, porque não ha de assim expressar-se? Longe de achar inconveniente nessa declaração, entendo que será mais lisongeiro para Sua Alteza que ella se faça, pois são prova dos benefícios, que temos recebido. Voto portanto pelo Artigo na forma, em que se acha concebido.

O Sr. F. J. Maia: - Os mesmos argumentos expendidos pelos Illustres Membros da Commissão, que tem por principal fundamento a comparação entre a Serenissima Senhora Infanta Regente, e a Senhora Princeza Viuva D. Maria Francisca Benedicta, me servem para sustentar a opinião contraria. Esta Senhora nunca occupou o Throno; e a Sereníssima Senhora Infanta está no Throno com todas as Prerogativas Reaes. As Virtudes da Senhora D. Maria Francisca Benedicta, a sua beneficencia pública, e particular são bem conhecidas de todos, e por todos admiradas; mas de Certo não se lhe offerecêo occasião para prestar tão relevantes serviços a Portugal, como tem prestado a Sereníssima Senhora Infanta Regente. Não se tracta de remuneração ou paga de serviços: longe de nós tal idéa. Os Benefícios, que a Nação Portuguesa deve á Sereníssima Senhora Infanta Regente não podem avaluar-se. Ella tem em si mesma, e nas suas Virtudes a unica, e digna recompensa. Sua grande Alma se satisfaz com a consideração, e bom resultado de seus sacrifícios a favor da Nação, que a Providencia lhe confiou. Ella sabe que lhe devemos o estabelecimento das nossas actuaes Instituições, que por ella nos achâmos aqui reunidos, que ao seu constante zêlo e desvelo he devida a tranquillidade publica interna, e externa; e que sem ella Portugal nadaria em todos os honores da Anarchia, e Guerra civil. A ella devem os Portuguezes as pacificas relações, e amizade com as Potencias. Estrangeiras, e o prompto, e efficaz auxilio, que nos enviou o antigo e fiel Alliado, EIRei da Grâ-Bretanha. A nossa Regente, Senhores, reclama de nós todos a maior demonstração possível da nossa gratidão: e esta deve ser digna d'ella, e das Côrtes. Quererá a Camara dos Deputados da Nação Portuguesa que, quando a Serenissima Senhora Infanta Regente acabar as suas altas, e importantissimas Funcções, desça de lodo o esplendor do Throno ao tractamento de uma Princeza inteiramente particular? Não deverá esta Augusta Senhora apparecer sempre em público no caracter, que compete aquella, que já exercêo a Soberania com todas as suas Prerogativas? Se todos os Portuguezes estarão promptos a sacrificar os seus bens, e vidas em defensa da Augusta Princeza, que preside aos seus destinos, porque ella tambem se sacrificou, e sacrifica em beneficio dos Portugueses; deixará a Camara de lhe votar mais a quantia de vinte contos de réis, elevando a sua Dotação a sessenta contos, quando ella deixar de ser Regente? Não receemos, Senhores, que por tal somma resulte prejuiso algum. Economisemos em outros objectos, mas não neste. Eu desejaria que a Sereníssima Senhora Infanta Regente se distinguisse sempre, e em todas as occasiões com a differença devida ás suas singulares, e incomparaveis Virtudes, e ao muito que lhe devemos: e se a Senhora Princeza tem como Dotação a quantia de quarenta contos de réis, eu quereria que a Sereníssimo Senhora Infanta Regente tivesse sessenta contos; ou sendo quarenta contos de réis de Dotação, e vinte contos de reconhecimento, e gratidão, ou inversamente. Insisto portanto pela adopção da Emenda do Sr. Wan-Zeller.

O Sr. Aguiar: - Pertende a Commissão que á Serenissima Senhora D. Isabel Maria se não conceda uma Dotação especial maior do que aquella, que he indicada n'este Artigo com o fundamento de que se guardou a devida proporção entre esta, e a quantia assignada á Senhora Princeza Viuva, á qual se manda continuar a prestação de quarenta contos de réis, quantia que Sua Alteza a Senhora Infanta Regente vem a ter annualmente, segundo este, e o Artigo antecedente; porem he necessario advertir que agora se não tracta de uma prestação destinada aos alimentos de Sua Alteza, mas de uma demonstração de gratidão pelos benefícios, que se devem a Sua Alteza em consequencia dos seus incessantes trabalhos a favor da causa do Throno, e da Nação, em consequencia do que não se pode com exactidão argumentar do que se estabelecêo n'esre Artigo a respeito da Senhora Regente, para o que se acha estabelecido a respeito das outras Pessoas da Familia Real, a quem só se tracta de determinar os alimentos, que pela Carta pertence ás Côrtes determinar; não sendo pois de pezo algum o argumento produzido pela Commissão, eu approvo a lembrança do Sr. Wan-Zeller de se arbitrarem a Sua Alteza, em vez de vinte, quarenta contos de réis, como Dotação especial, e até porque se a Camara acaba de votar que a Sua Alteza se dêm vinte contos de réis como alimentos, e esta votação he effeito de um dever, eu quereria que o effeito da nossa gratidão fosse mais exuberante, e que visto serem superiores a todo o preço os Serviços de Sua Alteza em favor da Causa, em que nos achâmos empenhados, ao menos lhe dêmos aquella demonstração de que os contemplâmos.

O Sr. Serpa Machado: - A Dotação da Serenissima Senhora Infanta Regente, chamada especial, me parece limitada; e as expressões, que vem no fim do Artigo = em reconhecimento dos Serviços = pouco delicadas, e se devem supprimir. Os Serviços da Se-

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O Sr. Magalhães: - Se eu me deixasse guiar pelos movimentos do meu coração, no que seria o orgão d'esta Camara, e de todos os Portuguezes, que se não tem coberto de eterno opprobrio, diria que não só a Dotação, do que falla este Artigo, mas uma muito superior, uma sem limites, devia ser assignada á Serenissima Senhora Infanta D. Isabel Maria; porem não posso deixar de vêr que, sendo toda a que podesse offerecer-lhe inferior ao seu alto merito, a Commissão teve em vista uma certa independencia compatível com o estado mesquinho dos nossos recursos; e por tanto acho conveniente a razão apontada de paridade com a Sereníssima Princeza Viuva; e muito maior razão descubro nas eminentes Virtudes da Serenissima Senhora Infanta D. Isabel Maria, a qual tendo mostrado, por immensos sacrificios, quanto deseja a felicidade publica, de certo se havia de mortificar, vendo excessos superiores aos meios, particularmente quando o amor dos Portugueses he o Throno maior, que se pode offertar a uma Alma tão generosa. Lembro-me porem de uma outra especie, que, não sendo de grave pezo, pode comtudo indicar os nossos bons desejos; e he offerecer, alem das Dotações indicadas, uma porção pecuniaria, por uma vez somente, áquella Senhora, quando demittir a Regencia, para empregar no que fôr do seu Real Agrado, à imitação do que se ha de praticar com a Senhora D. Maria II, quando chegar a Lisboa; e para isto mando para a Mesa um Additamento.

O Sr. Moraes Sarmento: - Não se pode repetir o Nome da Senhora Infanta Regente, D. Isabel Maria, sem se elevar a Nação Portugueza aos transportes de gratidão devidos á mesma Sereníssima Senhora. O coração de todo o Portuguez, que merece este nome, se enche do mais vivo desejo de se manifestarem os maiores agradecimentos. A existencia de huma Princeza tão excelsa pelas suas Virtudes, e Amor da Patria em tempos, em que temos prosenciado da parte de Portuguezes actos tão oppostos a antiga lealdade, que em todo o tempo distinguio o nosso caracter nacional, parece um dom especial da Providencia para nossa consolação. Só nos Livres Sanctos acharia expressões, com que se descrevão as nobres qualidades de Sua Alteza: Ella he Gloria, et homorificentia populi nostri. Quando se contemplão os poucos annos da Senhora Infanta; os poucos habitos de Administração pública; e se repara na prudencia, e discernimento, com que se tem applicado no Governo, parece que existe hum milagre, e hum pode extraordinario, que a dirige. Porem tudo se explica facilmente pela boa vontade, e desejos de fazer a felicidade da sua Gente, e executar as determinações de seu Augusto Irmão. Eu sempre tributei á Serenissima Senhora Regente o maior respeito; porem depois do que hum Ministro de S. Magestade Britanica, Lord Bathunt, acaba de declarar na Casa dos Lords, segundo me informão, pois ainda não pude lêr o Discurso daquelle Ministro, mostra-se que á Senhora Regente devemos inteiramente a existencia dos nossas peesentes Instituições Políticas, depois dellas nos serem outorgadas pelo Restaurador da nossa Liberdade. Eu não pertendo fazer qualificadas accusações a esse Governo fraco, e cuja fragilidade não merece desculpa; pois, enfraquecendo a Authoridade d'EIRei, veio a ser a primeira causa das desgraças, em que se acha esta Nação actualmente submergida. Que seria de nós se a Senhora Infanta D. Isabel Maria não tomasse sobre si a responsabilidade de executar as Ordens de Seu Augusto Irmão, e desse ouvidos a concelhos cobardes? A não ser a nossa Immortal Infanta tão corajosa, acabando as nossas Liberdades Publicas. Pertendia-se dizer a Seu Augusto Irmão que a Nação não gostava, e que não queria semelhantes Instituições. Quem duvidou até ao presente de que em todas as Associação Politicas o número dos estupidos, e dos egoístas he sempre mais crescido do que o dos que amão a dignidade de serem verdadeiros Patriotas. Voto pela Emenda do Sr. Wan-Zeller; e somente sentiremos que as circumstancias da Nação não habilitem os seus Representantes para se fazer hum estabelecimento dedicado á memoria de tão excelsa Princeza. Sua Alteza, a pezar dos grandes exemplos, que tem em Sua Augusta Tia, e em muitas Senhoras da Casa Real Portugueza, tem adquirido direitos, que nenhuma Princeza Portugueza tanto tem conseguido, porque ninguem tem arrostado difficuldades, e obstaculos como Sua Alteza a bem da Patria: Ella gravou com Sua propria Mão seu Nome no Templo da Immortalidade.

O Sr. Serpa Machado lêo uma Emenda, que remettêo para a Mesa.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - A Commissão, quando redigio este Artigo, tinha um motivo, que era difficultoso ultrapassar em um objecto d'esta transcendencia, que he o Apanagio dado á Senhora Princeza do Brasil D. Maria Francisca Benedicta; esta Senhora tem 40 contos de réis, tractou a Commissão de igualar em Dotação a Senhora Infanta Regente, na hypotese de que, deixando de ser Regente, tivesse a mesma quantia que Sua Augusta Tia; porque estou amamente convencido que a Senhora Infanta Regente tem feito tão altos benefícios á Nação Portugueza, que não ha nada que os pague, nem disso a Commissão tractava, mas sim de dar-lhe uma Dotação conforme a sua Alta Cathegoria. O Artigo quando diz (lêo): Fsta qualidade de vitalicios he de uma transcendencia muito grande por isso que nunca podem morrer, acompanhão esta Senhora em todo a parte em quanto viver, e são o unico modo de mostrarmos a esta Senhora por esta miseravel maneira, que he a unica que está ao nosso alcance, o quanto lhe estamos agradecidos, porque, torno a dizer, estes 20 contos de réis acompanhão a Senhora Infanta em todos os Estados, em todas as épocas, não como Infanta, porque como Infanta he igual ás outras Senhoras, e tem 20 contos de réis. A Senhora Infanta Regente, mesmo quando as circumstancias fizerem com que não seja Regente, pode muito bem passar com as mencionadas quantias, e basta conhecer o coração d'esta Senhora, e a sua conducta para conhecer que cella ha de ficar satisfeita com as quantias, que se lhe destinão, porque de certo ella não quer concorrer com a desordem das nossas Finanças; e a Commissão, attentas todas estas circumstancias, tachou esta quantia por ser a sufficiente para esta Senhora viver com decencia em qualquer Estado, que se ache, e com a decencia, com que tem vivido a Senhora D. Maria Francisca Benedicta.

O Sr. F. A. de Campos: - Os Srs. Deputados, que insistem pelo augmento da Dotação não abundão em mais sentimentos d'amor, e gratidão para

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renissima Regente são inestimaveis, não tem preço; e se admittem recompensa he a da nossa affeição, e respeito, e não um donativo pecuniario, que aliás se lhe deve consignar debaixo de outro fundamento, que he o maior decoro, com que deve viver uma Infanta que foi Regente.

O Sr. Teixeira Leomil: - As razões, que tenho ouvido em contrario ao Artigo, fundão-se em um principio de gratidão, dizendo que se o beneficio he grande a gratidão deve ser ainda muito maior. Uma cousa he gratidão, outra cousa he remuneração; a gratidão não he mais que um reconhecimento do coração em razão do beneficio, que se recebeo; esta Dotação não he mais que um testemunho de reconhecimento, que nós damos á Sereníssima Senhora Infanta pelos altos benefícios, que por sua intervenção temos recebido. Os pequenos presentes são aquelles, que entretem as amizades; e ao contrario os grandes presentes são quem quebrantão essas mesmas amizades, diz Montesquieu. He da ordem do coração humano, do coração bem formado, que he grato, não achar nunca nada que possa satisfazer aos benefícios recebidos, quando elles são de certo gráo: por esta razão digo que esta Dotação não he mais que um testemunho de reconhecimento, e não se deve nelle mostrar excesso, para que não pareça que queremos de algum modo pagar tão altos bens como a Senhora Infanta nos tem outorgado; e até a mesma Senhora Infanta Regente se visse que se lhe destinava uma quantia, que fosse superior ás circumstancias do Thesouro, a taxaria de excessiva; torno a dizer, a gratidão he um acto do coração, que não tem limites, e porisso he preciso nunca pôr o Auctor do beneficio em suspeita de que sequer de algum modo comparar a recompensa ao beneficio. Esta modica pensão de vinte contos de réis não he mais que um testemunho de gratidão, e hum testemunho, que ha de ser eterno; por isso voto pelo Artigo, não lhe acho nem uma palavra demais, nem demenos.

O Sr. Galvão Palma: - Se as portas do Oriente estivessem, como outr'ora, abertas para d'elle refluirem as riquezas sobre o Thesouro Portuguez; se o ouro, e diamantes d'America se transplantassem dos seus Certões, como até aqui, para o nosso Sólo, eu votaria não só nos vinte contos, mas em muito mais, para se applicarem á Dotação de Sua Alteza Serenissima Regente, mas a bem conhecida escacez, e extraordinaria mingoa das nossas Finanças, e bem assim o avultado deficit da Nação, me tolhe o ser, como desejava, generoso. Todo o ouro de Ophir, as grandes riquezas de Salomão me parecerião de nenhum valor para com ellas retribuir á Augusta Regente os altos benefícios, que tem feito á Patria, trabalhando mais que varonilmente na consolidação da Carta, que seu Augusto Irmão, o Rei Legislador, houve por bem outorgar-nos. Mas como a miseria pública chega ao gráo, que he mais facil pensa-lo, que exprimi-lo, resulta que eu me reputaria responsavel perante a Nação, se as minhas primeiros vistas se não dirigissem a sustentar a economia a mais severa. Estou tambem persuadido (e he um segundo fundamento) que as eminentes qualidades, que enfeitão a grande Alma da Sereníssima Senhora Regente, estarão de acôrdo com este meu methodo de pensar. Não approvo a Emenda, que um Illustre Deputado offerecêo a este Artigo. Voto por tanto a favor de todo elle.

O Sr. Moraes Sarmento: - Todas as vezes que se tracta dos interesses da Patria, não deve haver difficuldade alguma em apresentar em Publico cada um Deputado a sua opinião, conforme as inspirações da consciencia. Em Governos Representativos nada deve haver occulto, essa he a belleza de semelhantes Governos, elles devem ter o Ceo por telhado, e o Sol por luz. Não erão precisos os grandes talentos do Sr. Magalhães para se conhecer a differença, que vai entre uma Rainha herdeira da Monarchia a uma Princeza sua subdita. Tambem a Senhora D. Maria II ha de ser Senhora de todos os Palacios; e a Senhora Infanta, depois de Regente, se quiser viver em Palacio seu, e com economia separada, carece de meios para esse fim, e como foi regeitada a Emenda do Sr. Wan-Zeller, parece-me que a mente do Sr. Magalhães, quando offerecêo o seu Additamento, foi combinar os princípios de moderação nas despezas públicas, dos quaes eu vejo estar possuída a Camara, com a demonstração de se proverem os meios necessarios, para que a Senhora Infanta, quando deixar a Regencia, desça da Alta Dignidade com aquelle apparato conveniente ao decoro de tão grande Jerarchia, e aos agradecimentos de um Povo reconhecido.

O Sr. Vice-Presidente procedêo á votação, e propoz a emenda do Sr. Serpa Machado, que diz:

Proponho que se supprimão as palavras do Artigo - em testemunho de agradecimento = e seguintes; porque os benefícios, que Sua Alteza tem feito á Nação são inestimaveis.

E segunda do Sr. Wan-Zeller, que diz:

Proponho que a Dotação especial seja de quarenta contos de réis annuaes, e vitalicios.

Entregues á votação, uma e outra, não forão approvadas; mas sim o foi o Artigo como está; e entrou em discussão o seguinte Additamento do Sr. Deputado Magalhães:

Proponho que á Sereníssima Senhora Infanta D. Isabel Maria, alem das Dotações designadas, se lhe dê quando entregar a Regencia, por uma vez somente, cincoenta contos de réis.

O Sr. Mouzinho da Silveira: - Sr. Vice-Presidente, parece-me que tractar-se agora sobre este Additamento he vergonhoso; ter-se-ha de fallar em cousas, que por agora não se devem tocar. Peço a V. Exca. que, por decoro desta Camara, não admitta a votação esta Emenda, porque então ter-se-ha de a discutir primeiro, e não he esta a occasião propria.

O Sr. Magalhães: - Por ventura não assignámos á nossa Rainha a Senhora D. Maria II. a Dotação de cem contos de réis por uma vez somente? Logo que difficuldade, ou que vergonha pode haver em se destinarem cincoenta contos de réis por uma vez somente para a Senhora Infanta D. Isabel Maria?

O Sr. Leomil: - A razão de differença entre a Senhora D. Maria II., e a Senhora Infanta Regente he tão grande, quanto he grande a distancia, em que se acha uma Senhora da outra. Quando a Senhora D. Maria II. vier para Lisboa vem empunhar um Sceptro, vem ser Rainha de Portugal, e precisa fazer muitas despezas para sua equipagem, arranjos de uma Casa, que estabelece, etc.; e a Senhora Infanta D. Isabel Maria passa de um Lugar Publico

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qual o de Regente destes Reinos, para um lugar particular. Eu assento que sobre isto não se deve fallar mais, porque será pôr os Srs. Deputados na colisão de votarem contra os seus desejos, porque todos certamente estimariamos ter grandes thesouros para termos a satisfação de lhos offertarmos; porem as circumstancias do Thesouro não o permittem, e porisso julgo que não devemos pôr mais em questão o Parecer da Commissão, que está o mais conforme com o actual estado de economia pública; e não se creia que os Srs. Deputados, que o tem sustentado, oppondo-se aos augmentos de Dotação, que outros Srs. querem sustentar, sejão inferiores a estes em generosidade, e sentimentos de gratidão para com a Sereníssima Senhora Infanta Regente.

O Sr. F. J. da Maia: - Um direito inauferivel, que os Deputados tem, he apresentarem na Camara os seus sentimentos, conforme as suas consciencias. Admiro que um Deputado tão distincto, como o Illustre Relator da Commissão de Fazenda, quizesse suspender a discussão de um Additamento com palavras vagas, e sem sentido, receando que se possa tractar dignamente na Camara deste objecto! Que vergonha, ou perigo pode haver que não existisse para com todo o Projecto? Os Deputados votão, e não devem temer votar conforme as suas consciencias; persuado-me que se não deixão levar de paixões, e por consequencia deve entrar em discussão o Additamento, que propõe o Sr. Deputado Magalhães.

O Sr. Magalhães: - Disse-se aqui que havia uma differença muito grande entre as circunstancias da Senhora D. Maria II., e as circunstancias da Senhora D. Isabel Maria na occasião desta Senhora entregar o Sceptro, que de algum modo tem empunhado: he esta a mesma razão, que serve mais para corroborar o meu Additamento, e até seria bastante para eu me determinar a duplicar, ou triplicar a porção indicada. A Senhora D. Maria II. vem possuir um Throno, vem empunhar o Sceptro, vem cercar-se de toda; a gloria; e a Senhora D. Isabel Maria desce do Throno, deixa de empunhar o Sceptro, que tão varonilmente tem feito uso d'elle: tão pungente he esta descida, que parece que seria mais de nossa obrigação até em lugar de cincoenta contos destinarmos-lhe cem contos de réis, á imitação do que se destinou para a Senhora D. Maria II. Disse-se que he pôr os Deputados em uma colisão, pondo-se este Artigo a votação: não he assim; quem não quer fallar não falla, vota; e quem não quer fallar o verdade não vem aqui.

O Sr. Vice-Presidente poz á votação o Artigo 7, e foi approvado como está.
E sendo discutido o Artigo 8.° foi igualmente approvado, selva a Emenda offerecida pelo Sr. Deputado Francisco Joaquim Maia, aonde, diz = na conformidade, do Artigo 85 = se accrescente = e dos Artigos 82 e 83.
E sendo a mesma Emenda entregue á votação não foi approvada.

Entrou em discussão o Projecto N.º 80 do theor seguinte:

Cumprindo á Commissão da Fazenda estabelecer os Ordenados dos Conselheiros d'Estado, segundo exigio o Excellentissimo Ministro da Fazenda no Relatorio, que apresentou nesta Camara, offerece para este fim o seguinte

PROJECTO DE LEI.

Alem dos Conselheiros d'Estado, que podem ser nomeados na forma do Artigo 112 da Carta Constitucional , haverá mais sete Conselheiros d'Estado, feitos por Nomeação do Rei, vencendo cada um destes o Ordenado de tres contos e duzentos mil réis.
Os Conselheiros d'Estado, que tiverem Beneficios Ecclesiasticos, Ordenados, ou Soldos superiores a esta quantia, não vencerão aquelle Ordenado; e haverão o excesso, quando aquelles Beneficios Ecclesiasticos, Ordenados, ou Soldos forem inferiores.
As outras despezas de Ordenados, e Expediente serão fixadas na conformidade do respectivo Regimento.

Camara dos Deputados 20 de Dezembro de 1826 - Filippe Ferreira d'Araujo e Castro - Antonio Maya - João Ferreira da Cosia e Sampayo - Manoel Gonçalves Ferreira - Manoel Antonio de Carvalho - Florido Rodrigues Pereira Ferraz - José Xavier Mouzinho da Silveira.

O Sr. Girão: - Sr. Vice-Presidente, segundo o Regulamento parece-me que já não ha tempo para se discutir este Projecto, porque julgo serem chegadas as duas horas; porem no caso de que o Sr. Vice-Presidente resolva que se discuta então peço a palavra.

O Sr. Vice-Presidente: - Como ainda não he chegada a hora tem o Sr. Deputado a palavra.

O Sr. Girão: - Sr. Vice-Presidente, eu não sei se me será licito fallar já nos Artigos deste Projecto, visto que por ora se tracta somente da sua admissão, ou rejeitação em geral; todavia mal posso explicar-me sem basear o meu Discurso sobre alguma cousa, e por isso tenho absoluta precisão de fallar nos Artigos desde já. Eu tremo cada vez que me vejo nas circumstancias de augmentar as despezas da Nação; pois que vejo as fontes da prosperidade pública quasí todas sêccas. O Commercio acabou, as Artes estão moribundas, a Agricultura em tal estado, que já não pode fornecer o preciso para a sustentação dos Portuguezes, pois he necessario importar todos os annos mais de nove milhões de cruzados só de pão; e já não fallo nas mais cousas, que tambem comprâmos para o uso cibario, que he uma das maiores necessidades dos homens. Acabamos de discutir hum Projecto, em que todos os que fallárão fizerão ver o triste estado das nossas Financas, lamentando a sua decadencia, e mesquinhez, a qual não permittia aos Representantes da Nação o serem mais generosos para a Real Familia, que hoje faz as delicias de todos os bons Portuguezes; e tracta-se neste Projecto de augmentar as despezas bem precisão alguma, como logo farei vêr. Ora: com effeito, não ha nada mais incoherente!

Uma Nação não pode ter dinheiro sem ter productos provenientes do seu trabalho, industria, ou commercio, e que estes excedão o consumo annual; este excesso he que forma a riqueza verdadeira, que o numerario representa; pois eu só o considero como o valor, a medida, e o penhor dos mesmos productos, de que fallei: o dinheiro he finalmente uma mercadoria, que nunca se pode ter, sem haver primeiro outra, com que se compre: eu fallo sómente no que respeita ás

Nações em geral; porque um particular

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obtem muitas vezes o dinheiro a troco do ocio, e da pirguiça, sem trabalhar, nem fazer nada, sem fazer nenhuns serviços á Patria, antes pelo contrario fazendo-lhe bem mal; isto porem só acontece aonde os Governos são máos; e deixão crescer as plantas nocivas, que abafão as Cearas.

Devemos recordar-nos, Senhores, (e praza á Deos que nunca esqueça) que o nosso dever he salvar a Nação das bordas do abysmo, em que a vemos. Isto só pode conseguir-se fazendo brotar de novo os mananciaes da riqueza, desterrando abusos, e diminuindo despezas superfluas. Mas conseguiremos isto creando novos, e desnecessarios Ordenados? Não certamente. A lista dos Empregados Publicos desta Capital somente importa em 1:088 contos de réis!!! A Divida Nacional sobe de 140 milhões de cruzados!!! E á vista disto ainda mais despezas, ainda mais Ordenados? Ah! Senhores, recordemo-nos ao menos que a Guerra civil tem assolado já uma Provincia inteira, e mais de ametade d'outra, para assim resistir a semelhante tentação.

Dir-me-hão talvez que he necessario que um Conselheiro d'Estado tenha meios de se tractar com decencia. Sim, Senhores. E não haverá homens ricos, e já com bastantes Ordenados na respeitavel classe dos Magistrados? Não os haverá entre aquelles, que se tem encanecido na carreira das Armas? Se faltarem ainda não se acharão entre o Alto Clero, ou no meio dos grandes Proprietarios?

Por força havemos de suppor que sempre ha de recahir a escolha entre Filosofos Cynicos tão pobres como Diogenes? Não, eu não o creio: a Historia só apresenta um facto de serem estes homens chamados para o lado dos Soberanos; e, se todos se recordarem bem do desgraçado Seneca, não terão muita vontade de se aproximarem ás douradas columnas do Palacio.

Alem de tudo isto, a Carta Constitucional não limita o número, e sabiamente deixou de o fazer; porque estes Corpos Políticos precisão de serem regenerados, porque envelhecem; e se o Rei não poder nomear á sua vontade os que quizer, ver-se-ha obrigado a aconselhar-se com mumias, com homens, de quem não goste, ou com aquelles, em quem venha a conhecer o seu erro de escolha.

A Carta deve ter harmonia em todas as suas partes: As Camaras regenerão-se; a saber: a dos Deputados por meio das Eleições, e a dos Dignos Pares por meio das nomeações illimitadas, que Sua Magestade quizer fazer. Só o Conselho d'Estado não ha de ser regenerado? Eu não acho isto justo, nem politico, nem conforme com o espirito da mesma Carta. Voto pois que não haja número certo de Conselheiros, que não venção Ordenado aquelles, que houver, e por consequencia rejeito o

Projecto.

O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Eu creio que os Conselheiros d'Estado são vitalicios, pelo Artigo 107 da Carta; e, sendo vitalícios, não pode verificar-se o que o honrado Membro pertende. A Commissão de Fazenda, primeiro que redigisse este Projecto, discutio por longo tempo: eu me persuadia que não competia á Commissão de Fazenda fixar o número dos Conselheiros d'Estado; entretanto os meus Illustres Collegas me convencêrão de que não podia deixar de competir-lhe; porque, devendo elles ter um Ordenado, não podia a Commissão deixar de marcar
um número fixo, a fim de se poder apresentar o Orsamento provavel da despeza com a regularidade possivel; e por esta razão, alem das políticas, que para isso ha, não pode deixar de ser fixado o seu número em sete, alem dos que marca o Artigo 112 da Carta. (Lêo o 2.º Artigo do Projecto} Quer dizer que os Ordenados, que a Commissão estabelecêo, hão de só competir aos Conselheiros, que houverem de ser nomeado», e que não tiverem um rendimento equivalente: pode portanto muito bem acontecer que effectivamente se não verifique a despeza destes Ordenados, porque be provavel que estes lugares recaião em pessoas, que tenhão superior, ou igual rendimento. Portanto o Projecto he de necessidade que se não rejeite; e o julgo sustentavel com o número de sete, porque ha de haver mais em consequencia de que a Carta no Artigo 112 determina que o Príncipe Real seja de Direito Conselheiro d'Estado, logo que tenha dezoito annos, bem como o possão ser os Infantes. Tambem o julgo sustentavel na parte doa Ordenados, porque se pode dar o caso que seja nomeado para este lugar, quem não tenha um rendimento sufficiente para se tractar com a decencia, que elle pede.

O Sr. Sarmento: - Sr. Vice-Presidente, tirando da minha curta lição de Política algumas observações, confesso que entre as cousas, que tenho achado notaveis em todas as Nações, merece um lugar distincto á organisação dos Conselhos d'Estado. Parece que os Legisladores tem n'essa parte andado sem agulha de marcar. Na Russia, por exemplo, concede-se o titulo de Conselheiro d'Estado com bastante facilidade; entre nós, que habitámos a extremidade opposta da Europa somente ha pouco tempo se alterou o rigor sobre a escolha de indivíduos, que devião compôr o Conselho d'Estado. Em França tem havido uma renhida disputa ácerca da Authoridade, que compete áquelle Corpo Politico, e basta lançar os olhos pelos Catalogos das Publicações dos Escriptores em Politica para vêr a variedade de Pareceres, que se tem emittido a respeito de differentes questões de Direito Administrativo, de maneira que uns olhão para o Conselho até como Tribunal com Jurisdicção. Em Inglaterra, aonde tudo caminha com ordem, e regularidade, o Conselho Privado d'EIRei tem ido adquirindo certa regularidade progressiva, segundo o andamento das circunstancias; e está dividido em Secções, como a que se denomina Mesa do Commercio, e outras para objectos de Colonias, etc. Os Membros do Conselho em Inglaterra não tem Ordenados, e me parece que na Europa só em França tem Ordenados. Houve já occasião, em que eu fui de parecer que os Conselheiros d'Estado tivessem Ordenados, porem nesse tempo tractava-se de organisar este Corpo d'Estado por uma maneira mui diversa daquella proposta na Carta. Nós não somos mandados aqui para destruir tudo o que existia na Monarchia antiga, antes devemos aproveitar aquelles Estabelecimentos excellentes; e um d'elles he o dos Conselheiros d'Estado não terem Ordenados. EIRei pode convenientemente chamar para o seu Conselho pessoas mui capazes tiradas do Exercito, da alta Nobreza, dos Empregados públicos, que já tem Ordenados, da Igreja, e d'entre os Proprietarios abastados. O Conselho d'Estado, segundo a Carta, não vai encarregar-se de grandes trabalhos. Em fim, toda a discussão desta manhã consistio em obje-

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ctos de economia; e, para sermos coherentes, devemos ir com este systema até o fim, fazendo delle applicação ao Conselho d'Estado, pois de outra maneira vamos estabelecer uma nova Patriarchal em Lisboa. Escolhidas aquellas pessoas d'entre os differentes Empregados públicos, que já tem Ordenados, pode-se com facilidade estabelecer o Conselho d'Estado, como o premio de serviços bons, e distinctos, e verificar-se nelle o = Otium cum dignitate. Tambem me parece que para o andamento da Carta não se deve marcar o número dos Conselheiros d'Estado, o qual, como judiciosamente observou o Sr. Manoel Antonio de Carvalho, não se pode deixar de marcar, uma vez que elles tenhão Ordenados, a fim do Orçamento se fazer com a devida regularidade. Voto portanto contra o Projecto da Lei.
Sendo chegada a hora de findar a Sessão, o Sr. Vice-Presidente declarou que ella continuaria na Sessão seguinte; e dando igualmente para Ordem do dia a continuação da discussão do Projecto para a Eleição das Camaras, e os trabalhos das Commissões Centraes, e Especiaes, que estiverem promptos, disse que = estava levantada a Sessão =, sendo 2 horas, e 10 minutos.

OFFICIO.

Para o Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos, e de Justiça.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. = Passo ás mãos de V. Exa. as Reclamações de Manoel Christovão Mascarenhas de Figueiredo, Deputado eleito pelo Algarve, com todos os mais papeis relativos á sua prisão, que forão presentes á Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, para que unindo-se aos da culpa, por que se acha pronunciado, possa tudo ser remettido á Camara dos Dignos Pares do Reino, aquem pertence o seu conhecimento, em conformidade dos Artigos 26, 27, e 41 , §. 1.º da Carta. = Deos Guarde a V. Exa. = Secretaria da Camara dos Deputados, em 3 de Janeiro de 1827. = Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Luiz Manoel de Mouta Cabral. = Francisco Barrozo Pereira.

SESSÃO DE 5 DE JANEIRO.

Ás 9 horas, e 45 minutos da manhã, na falta do Sr. Presidente, tomou a cadeira da Presidencia o Sr. Vice-Presidente.

Feita a chamada pelo Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 81 Srs. Deputados, faltando, alem dos 8, que ainda se não apresentárão, 21; a saber: os Srs. Marcianno d'Azevedo = Barão do Sobral = Leite Pereira = D. Francisco d'Almeida - Bettencourt - Bispo Titular de Coimbra = Trigoso = Travassos = Ferreira de Moura = Campos Barreto = Gerardo de Sampayo = Machado de Abreu = Ribeiro Saraiva - Rebello = Rebello da Silva ~ Luiz José Ribeiro = Alberto da Cunha = Pimenta Aguiar = Borges Carneiro = Azevedo e Mello = e Alves Diniz, todos com causa motivada.

Disse o Sr. Vice-Presidente que - estava aberta a Sessão; - e, sendo lida a Acta da antecedente, foi approvada.

Dêo conta o Sr. Secretario Barroso que a Commissão Administrativa havia nomeado para seu Presidente ao Sr. Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento; para Thesoureiro
o Sr. Luiz Antonio Rebello; e para Secretario o Sr. João Alexandrino de Sousa Queiroga. Pelo que o Sr. Vice-Presidente propoz á Camara - Se approvava a mesma nomeação, e authorizava a respectiva Commissão a receber do Thesouro as Prestações applicadas para as despezas da Camara, com Recibo assignado pelos tres sobredictos Nomeados? = E se resolvêo unanimemente que = Sim; expedindo-se nesta conformidade a competente Participação ao respectivo Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda.

Referio o Sr. Deputado Secreterio Ribeiro Costa a escusa, que enviou, por doente, o Sr. Deputado Marcianno d'Azevedo.

O Sr. Sousa Castello Branco: - Eu fiz hum Projecto na anterior Sessão a beneficio da Agricultura, o qual foi distribuído ás Secções Geraes; e parece-me que está no caso do Artigo 66 do Regimento o decidir-se qual deve ser o seu destino.

O Sr. Vice-Presidente: - Parece que seria conveniente que passasse outra vez o Projecto ás Secções Geraes, a fim de ser remettido á Commissão Central.
O Sr. Lima Leilão: - Na Sessão anterior fiz duas Proposições, que estão reduzidas aos Projectos Números 37, e 82. O Sr. Noronha, hoje Ministro d'Estado dos Negocios da Marinha, fez outra, que tem o Número 67, sobre semelhante meteria, as quaes julgo muito interessantes para serem discutidas na presente Sessão de Legislatura Ordinaria.

Decidio-se que as actuaes Secções Geraes tomem em consideração os Projectos apresentados na Sessão do anno passado, e nomeiem as respectivas Commissões Centraes para aquelles Projectos, que se não acharem ainda a cargo de alguma das Commissões Centraes antigas em effectividade.

O Sr. F. A. Campos: - Eu peço á Camara que o Sr. Deputado Queiroz se reuna á Commissão encarregada de redigir o Projecto para a Lei das Eleições, visto que tem feito muitos trabalhos sobre este objecto, que podem ser de grande utilidade.

O Sr. Secretario Barroso: - Parece que está vencido que estas Commissões sejão compostas de tres Membros, e não sei se he conveniente alterar agora esta decisão.

O Sr. Sá Pereira: - Na ultima Sessão da Sessão Extraordinaria pedi á Camara o mesmo a respeito da Commissão encarregada das Ordenanças Militares; vencêo-se que não: não sei se agora terá lugar votar-se.

O Sr. Vice-Presidente: - Então vencêo-se um caso particular; agora tracta-se de outro caso particular: a Camara decidirá o que lhe parecer conveniente.
O Sr. Caetano Alberto: - O que se pede he que se una á Commissão um Sr. Deputado, que tem trabalhos sobre o objecto, de que ella está encarregada, que lhe podem ser de grande utilidade; e não que se augmente o número dos seus Membros.

O Sr. Vice-Presidente propoz se o Sr. Deputado

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