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SESSÃO EM 7 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Segunda leitura e admissão do projecto de lei do sr. Navarro, apresentado na sessão anterior. - Juramento do sr. vice-presidente Ribeiro dos Santos e dos srs. deputados Pinto de Mascarenhas, Luiz Ferreira, Mendes Pedroso e Guimarães Camões.- Justificação de faltas da srs. Guilherme de Abreu. Ferreira Freire, Alfredo Peixoto, Pedro Guedes, Fouces de Carvalho, João Arroyo, Luiz Ferreira e Avellar Machado. - Representação dos professores de instrucção primaria de Penafiel. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Garcia de Lima, Alfredo Peixoto, Augusto Fuschini, Teixeira de Sampaio e Eduardo Coelho.-Proposta para a renovação de iniciativa de um projecto de lei, apresentada pelo sr. Alfredo Peixoto e que uca para segunda leitura. - Nota de interpellação do sr. Eduardo Coelho, sobre os acontecimentos de Chaves. - O sr. Antonio Candido, referindo-se aos acontecimentos do Porto, lamenta a falta de comparencia do governo e pede que se suspenda a sessão até que se apresente algum dos srs. ministros.- Discursa no mesmo sentido o sr. Consiglieri Pedroso, ficando ambos, por indicação do sr. presidente, com a palavra reservada para logo que o governo compareça. - O sr. Elias Garcia estranha que não lhe tivesse sido concedida a palavra no um da sessão anterior, discordando da resolução da mesa no tocante á occasião em que a encerrou. - Dá explicações o sr. presidente, e o orador, continuando, allude aos acontecimentos do Porto e fica, como os oradores precedentes, com a palavra reservada para quando esteja presente o governo. - Sob proposta do sr. Avellar Machado, resolve-se adoptar para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia, sem necessidade de novo escrutinio, a mesma lista quintupla apresentada a Sua Magestade na ultima sessão legislativa. - Passa-se por isso á segunda parte da ordem do dia, continuação da discussão do parecer sobre a eleição do Funchal.- São convidados a entrar na sala os respectivos deputados eleitos.- O sr. Elias Garcia, continuando o teu discurso, faz diversas considerações no intuito de justificar o requerimento que apresenta, para que seja submettido ao tribunal especial o julgamento d'esta eleição.- Entrando na sala o sr. presidente do conselho, interrompe-se esta discussão para usarem da palavra sobre os acontecimentos do Porto, os srs. deputados que a haviam pedido, para quando comparecesse algum sr. ministro.- Usam da palavra sobre o assumpto os srs. Garcia do Lima, Antonio Candido e Consiglieri Pedroso, respondendo a todos o sr. presidente do conselho. - Presta juramento o sr. deputado Ferreira Braga.- O sr. ministro das obras publicas manda para a mesa uma proposta para que possam alguns srs. deputados accumular as suas funcções legislativas com os empregos que exercem na capital.- Identicas são apresentadas pelo sr. presidente do conselho por parte dos srs. ministros da justiça e da marinha. - São todas approvadas. - É nomeada a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade a lista quintupla e participar a constituição da camara.

Abertura da sessão - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 66 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Alfredo Rocha Peixoto, Antonio Cândido, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Antonio Borges, Santos Viegas, Antonio Centeno, Athaide Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Lobo Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Carlos d'Avila, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Eduardo Coelho, Emygdio Navarro, F. A. Geraldes, Firmino Lopes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Pinto de Castello Branco, João Arroyo, Teixeira, de Vasconcellos, J. R. dos Santos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira de Sampaio, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira
de Almeida, Elias Garcia, J. F. Laranjo, José Frederico, Gama Lobo, Figueiredo Mascarenhas, Luiz de Lencastre, Bivar, L. J. Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Mariano de Carvalho, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os sra.: - Antonio Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Mendes Pedroso, Augusto Barjona de Freitas, Caetano de Carvalho, Filippe de Carvalho, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, João Valente, Melicio, Scarnichia, Ferreira Braga, Souto Rodrigues, Coelho de Carvalho, Dias Ferreira, Pereira dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Luiz de Figueiredo, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Diniz, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde do Reguengos e Visconde de Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Sieuve de Seguier, Urbano de Castro, Barão de Ramalho, Darão de Viamonte da Boa Vista, Bernardino Machado, Carlos du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Pinto Basto, Goes Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Silva Curte Real, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, J. A. Teixeira, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Couto Amorim Novaes, Correia do Barros, José Borges, José Luciano, Ferreira Freire, J. de Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Manuel da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves do Freitas, Pedro Roberto, Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O respeito ás immunidades do poder legislativo é a base fundamental das liberdades publicas em todos os paizes regidos por instituições constitucionaes. E quando algumas vezes a forca inexoravel das circumstancias obriga o poder executivo a invadir aquellas prerogativas, cumpre-lhe regularisar essa situação anormal no primeiro ensejo, que para isso se lhe offereça, solicitando um bill de indemnidade, para que essa invasão de attribuições se não tenha como usurpação, e naquella confissão e pedido vá um testemunho do acatamento pela magestade do poder, a que a acção executiva se substituiu dictatorialmente.

Providencias de diversa indole, mas de caracter legislativo, foram promulgadas pelo governo durante o intervallo

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das sessões e para nenhuma d'ellas pediu ainda a sancção parlamentar e bill de indemnidade. É hoje o ultimo dia util da primeira sessão da actual legislatura, que sendo principalmente destinada á reforma nas nossas instituições constitucionaes, assim se inaugura, mostrando o governo, que se apropriou da iniciativa d'essas reformas, o seu menosprezo e desrespeito pelas liberdades publicas e pela integridade dos poderes do estado.

Ainda não ha muito, e já sob as responsabilidades politicas do actual sr. presidente do conselho de ministros, o governo investiu-se em poderes dictatoriaes para a cobrança dos impostos; e apesar das reiteradas instancias dos que entendem, que não são inuteis as formulas constitucionaes, só muito tarde se pediu a absolvição dessa invasão de poderes. Taes praticas, manifestamente contrarias á letra e ao espirito da lei, tendem a radicar a idéa funesta, origem de graves perturbações, de que ha no governo um poder pessoal e abusivo, que em si absorve e desvirtua os poderes unicos, que a carta constitucional da monarchia estabeleceu, e o seu acto addicional não annullou.

Estas considerações levam-nos a supprir a falta do governo, propondo o bill de indemnidade, que já deveria ter sido solicitado. E limitamos este ás providencias adoptadas para defender o paiz contra a invasão do cholera-morbus, porque entendemos que os outros actos da dictadura, por desnecessarios e propositadamente affrontosos para a dignidade e independencia do poder legislativo, não devem ser absolvidos.

N'estes termos, temos a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É relevado o governo da responsabilidade, em que incorreu, adoptando dictatorialmente providencias de caracter legislativo para defender o paiz contra a invasão do cholera-morbus.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 31 de dezembro de 1884. = Henrique de Barros Gomes = Mariano de Carvalho = Emygdio Navarro.

Admittido e enviado á commissão de legislação civil, ouvida a de fazenda, quando eleitas.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Tenho a honra de participar que o sr. deputado Guilherme de Abreu não tem podido comparecer ás ultimas sessões e deixará de comparecer a mais algumas por motivo justificado. - Pereira Leite.

2.ª Declaro que por motivo justificado faltei á sessão de 5 do mez corrente. = Alfredo da Rocha Peixoto.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes tem faltado a algumas sessões e continuará ainda a faltar por algum tempo por motivo justificado. = Visconde de Alentem.

4.ª Participo a v. exa. que o sr. deputado Ferreira Freire não tem podido comparecer ás sessões anteriores por incommodo de saude e pelo mesmo motivo deixará de comparecer a mais algumas. = Sousa e Silva.

5.ª Declaro que o sr. deputado Ponces de Carvalho tem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado. Agostinho Lucio.

6.ª Declaro que faltei ás duas ultimas sessões por motivo justificado. = João Marcellino Arroyo.

7.ª Declaro que faltei até hoje ás sessões por motivo justificado. - O deputado pelo circulo n.º 55, Luiz Ferreira de Figueiredo.

8.ª Declaro que por motivo justificado faltei ás sessões; d'esta camara nos dias 30 e 31 de dezembro, 2 e 3 de janeiro. - Avellar Machado, deputado pelo circulo n.° 86.

Para a acta.

REPRESENTAÇÃO

Dos professores de instrucção primaria de Penafiel, pedindo augmento de ordenado.

Apresentada pelo sr. visconde de Alentem e enviada ás commissões de instrucção primaria e de fazenda, quando eleitas.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, ou pelo das obras publicas, se deste for a competencia, sejam remettidos a esta camara, os seguintes esclarecimentos:

I. Quaes os districtos administrativos do continente e ilhas em que se paga o imposto de portagem;

II. Qual foi a importancia total d'esse imposto no ultimo anno economico;

III. Qual a sua importancia na provincia do Minho nos ultimos dez annos, comparada com a dos dez annos immediatamente anteriores á abertura e exploração do caminho de ferro do Minho e Douro. = Garcia de Lima.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos a esta camara os relatorios annuaes dos inspectores da instrucção secundaria, menos qualquer parte que n'estes documentos haja de confidencial. = Alfredo da Rocha Peixoto.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada, com a possivel brevidade, uma nota da importação, exportação, reexportação, baldeação e transito de mercadorias pelo porto de Setubal, por artigos da pauta e contendo a quantidade e o valor de cada artigo. = Augusto Fuschini.

4.° Desejando interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca dos motivos que determinaram a escolha da margem esquerda do Tua para a construcção da linha ferrea de Foz Tua a Mirandella, requeiro que, pelo respectivo ministerio, sejam com a maxima brevidade possivel enviados a esta camara os documentos seguintes:

I. Copia das memorias descriptiva e justificativa apresentadas ao governo pelo concessionario, com o projecto que submetteu á approvação do governo e do officio de remessa;

II. Copia das representações que as camaras municipaes de Alijo e Murça dirigiram em abril do anno findo a Sua Magestade ácerca da directriz do referido caminho de ferro;

III. Certidão de onde conste se as mesmas foram presentes á junta consultiva de obras publicas, e sua opinião sobre ellas;

IV. Finalmente copia da consulta da dita junta a respeito do projecto apresentado pelo concessionario e da portaria que o approvou. = O deputado por Alijo, Joaquim Teixeira Sampaio.

5.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviadas com urgencia a esta camara, as seguintes informações e documentos:

I. Mappa demonstrativo dos guardas fiscaes que na ultima eleição geral de deputados votaram na eleição do circulo de Chaves, com a designação dos postos fiscaes em que estavam naquella epocha, e distancia das respectivas assembléas, em que exerceram os seus direitos politicos, aos já referidos postos fiscaes;

II. Copia da ordem ou officio, que mandou saír nas vesperas das eleições, em commissão de serviço, o chefe de

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secção, com residencia em Chaves, quantos dias durou este serviço, e por quem foi substituido;

III. Mappa dos postos fiscaes do concelho de Chaves, na parte que este concelho confina com a Hespanha;

IV. A extensão, em kilometros, da parte do concelho de Chaves que confina com a Hespanha, chamada raia secca, no alludido concelho;

V. Relação de todos os individuos que têem servido a commissão de director da alfandega de Chaves, desde 1870 até hoje, e tempo por que cada um tem servido a alludida commissão. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

6.° Requeiro que, com urgencia, sejam remettidas a esta camara, pelo ministerio do reino, as seguintes informações e documentos:

I. Data do decreto que exonerou o administrador de Chaves, o bacharel Antonio da Silva Bravo e Carvalho, no anno de 1884, o se essa demissão assentou em proposta do governador civil e a pedido da auctoridade demittida;

II. Se ao dito funccionario foi concedida pelo governo alguma licença, por que tempo e em que mezes, desde 1883 até á epocha em que foi exonerado;

III. Se o referido administrador do concelho esteve no exercicio de funcções, depois de pronunciado pelo crime de abuso do poder, prendendo a maioria da commissão recenseadora quando esta funccionava no anno de 1882, e por quanto tempo;

IV. Se no ministerio do reino houve participação official de que estava no exercicio de funcções, não obstante iniciado pelo alludido crime;

V. Nome dos individuos e suas profissões, que representavam a auctoridade perante as assembléas eleitoraes, nas eleições geraes para deputados no anno de 1881 e no anno de 1884, e, no caso de serem empregados publicos, a qualidade do emprego. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

7.° Requeiro que, pelo ministerio da justiça, sejam enviados a esta camara, com urgencia, os seguintes documentos e informações:

I. Certidão de teor do corpo de delicto pelas occorrencias eleitoraes na assembléa de Aguas Frias, no concelho de Chaves, por occasião das eleições geraes para deputados, no anno de 1881, não havendo já segredo de justiça;

II. Certidão de theor do corpo de delicto no processo instaurado pela tentativa de assassinato contra o juiz de direito, que foi, da comarca de Chaves, José João de Azevedo Mourão, não havendo tambem segredo de justiça;

III. Certidão de corpo de delicto, no processo instaurado contra a maioria da commissão recenseadora, presa no exercicio de funcções no anno de 1883, quaesquer promoções do ministerio publico, e despacho final, não havendo segredo de justiça;

IV. Certidão narrativa, contendo a data do despacho de pronuncia da auctoridade administrativa, por abuso do poder, tendo prendido a commissão recenseadora no exercicio de funcções, data do accordão da relação do districto, que admittiu fiança ao dito funccionario, e certidão de theor do accordão do supremo tribunal de justiça, de 23 de dezembro proximo findo, no qual era recorrente Luiz Paulino e o ministerio publico e recorrido o bacharel António da Silva Bravo e Carvalho, visto que, pelo facto de fiança prestada, não haja segredo de justiça. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

Mandaram-se expedir.

O sr. Presidente:-A mesa transacta auctorisou o sr. director geral das repartições d'esta camara a fazer extrahir uma nova edição do nosso regimento.
No desempenho d'esta incumbencia houve-se o mesmo sr. director por fórma que se torna digno de louvor e do mesmo modo os empregados que o coadjuvaram nesse trabalho, que se acha completo.

Vão ser distribuidos os exemplares necessarios pelos srs. deputados.

O sr. Rocha Peixoto: - Venho renovar a iniciativa de dois projectos de lei sobre questões de instrucção publica. Um d'elles é de nobre ascendencia; foi apresentado nesta camara em sessão do 1.° de março de 1855 pelo deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, prohibindo o ensino particular aos professores de instrucção publica superior e secundaria. Encontra-se publicado a paginas 14 do volume 3.° do Diario da camara dos senhores deputados desse anno; e é o seguinte.

(Leu.)

O segundo é mais modesto em sua origem. Foi apresentado por mim na sessão de 4 de fevereiro de 1876, abolindo o escrutinio secreto nas votações dos concursos, informações, actos e exames na universidade de Coimbra e em todas as escolas de instrucção publica, qualquer que seja a sua categoria.

Sem duvida v. exa.. foi discipulo de Basilio Alberto de Sousa Pinto e sabe que os antigos discipulos de tão illustrado professor apenas cumprem um dever quando ensinam seus filhos a respeitar tão venerando nome. Assim foi que, desde a minha infancia, aprendi a respeital-o.

Talvez por isto entenda alguem que a outro professor mais auctorisado cumpriria renovar a iniciativa d'este projecto, mas puz de parte esta consideração, realmente de falsa modestia, diante da magnitude e necessidade do mesmo projecto.

Sabe v. exa. que esto finado cidadão, um distincto parlamentar, principiou a sua carreira nas cortes de 1821 e foi acabal-a na camara dos pares, com um protesto solemne contra o socialismo e iberismo, que, disse, eram então os inimigos mais poderosos que tinhamos.

Sabe v. exa. como este distincto homem publico considerava o ensino particular exercido pelos professores de instrucção publica? Como um contrabando, que desacredita os professores e prejudica a instrucção publica.

E diz mais:

«É certo que o professor publico, ensinando particularmente alguns discipulos, não póde evitar a suspeita de que, approvando-os nos exames, o faz para tornar boa a paga, e, sendo approvados por outros, que é esse um resultado de conluio; e o professorado é um sacerdocio tão nobre, que deve ser, não só isento do crime, mas ainda mesmo da sombra d'elle.»

Um crime! Assim era que Basilio Alberto de Sousa Pinto considerava o ensino particular exercido pelos professores de instrucção publica. Era preciso, em sua auctorisada opinião, que o professor publico, para ficar isento de um crime, e mesmo da sombra d'elle, fosse privado de exercer a leccionação particular!

V. exa. conhece ha muito mais tempo do que eu, e tão bem como todos os que pensam nos negocios publicos, a auctoridade de Basilio Alberto de Sousa Pinto em questões criminaes; sem duvida v. exa. respeitou-o sempre como o primeiro professor de direito penal neste paiz. Pois bem; elle considerava um crime a leccionação particular exercida pelos professores de instrucção publica. E preciso repetir isto muitas vezes.

V. exa. pertence á classe que n'este paiz é mais respeitada, e mais digna de veneração, porque não ha classe que como a magistratura judicial tenha mantido sempre tão alta a sua independencia, no meio de muitas provações e no meio de grandes e improbos trabalhos.

V. exa. nunca viu que um juiz de direito, nem magistrado judicial, abandonasse, com ou sem licença do governo, a area da sua jurisdicção para ir exercer a advocacia perante um collega seu, perante um juiz de instancia superior.

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Não digo que isto não venha a succeder d'aqui a vinte annos, porque tremo ao pensar o que então será tão elevada magistratura; mas até hoje v. exa. não o tem visto, e farei votos para que a magistratura judicial seja sempre o que tem sido no nosso paiz.

V. exa., que occupa um logar tão distincto como é o de eleito dos eleitos do povo, phrase que não é minha, mas que peço licença para repetir, porque é de um dos mais dignos antecessores de v. exa. hoje um ornamento da igreja catholica, o sr. dr. Ayres de Gouveia, bispo de Bethsaida; v. exa., para chegar a tão elevado logar, não teve que subir, porque o seu cargo de magistrado não é menos alto do que esse que occupa ahi.

Pois era na magistratura judicial que eu quizera que todos os funccionarios fossem procurar o exemplo do cumprimento dos seus deveres; e, antes de todos os outros, os professores de instrucção publica, que tambem exercem funcções de juizes.

Nem os delegados do ministerio publico podem exercer a advocacia em todas as questões.

V. exa. sabe que a estes é prohibida a advocacia em questões criminaes, orphanologicas e de fazenda, e; se não tenho uma idéa falsa, creio que nas comarcas de Lisboa e Porto é prohibida a advocacia a estes funccionarios em qualquer questão.

V. exa. sabe que tem sido mal considerado e com rasão, que tem causado pessima impressão, o facto de terem alguns conservadores de registo predial, e por consequencia representantes eventuaes do ministerio publico, advogado em causas criminaes.

Pois a rasão que ha para isto, a que ha para que o juiz de direito não desça da sua cadeira e vá occupar a dos advogados, é a mesma que ha para que um professor de instrucção publica não possa exercer a industria do ensino particular.

Todavia posso assegurar a v. exa. que todos os annos têem sido examinadores professores que têem exercido o magisterio particular; que mesmo alguns têem sido examinadores dês seus próprios discipulos!

Indecoroso!

Este projecto do illustre deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto não ficou esquecido; nem podia ficar assim, porque quando elle o apresentou era ministro do reino Rodrigo da Fonseca Magalhães e eram membros da commissão de instrucção publica nesta camara os deputados:

Antonio José d'Avila.
Justino Antonio de Freitas.
José Maria de Abreu.
Antonio Ferreira de Macedo Pinto.
José Teixeira de Queiroz.
Julio Maximo do Oliveira, Pimentel.
Basilio Alberto de Sousa Pinto.

Todos estes deputados apresentaram um projecto de lei no parecer n.° 31 de 1855; apenas Julio Maximo de Oliveira Pimentel o assignou com declarações.

Houve um deputado, José Tavares de Macedo, que apresentou então pela primeira vez a idéa das commissões dos exames.

Para justificar este projecto, cuja iniciativa renovo, basta a leitura d'estes nomes.

É inutil lembrar á camara quem foi o primeiro deputado que assignou este parecer. A sua morte foi uma grau de perda nacional; o aproveito esta occasião para prestar á memoria do duque d'Avila e de Bolama o meu sincero testemunho de respeito e veneração.

O segundo foi um illustre lente da faculdade de direito, representado hoje na camara dos dignos pares do reino e nos conselhos da corôa por um filho, que é um dos mais vigorosos talentos que temos conhecido, e n'esta camara por dois netos, que são formosas esperanças d'este paiz.

O terceiro, José Macia de Abreu, foi meu mestre na faculdade de philosophia e director geral de instrucção publica; prestou importantissimos serviços á sciencia e á nação.

Emfim todos de reputação superior.

Diziam elles:

«Considerando que, sendo os professores dos lyceus e dos estabelecimentos de instrucção superior examinadores publicos segundo a legislação vigente, não podem, se ao mesmo tempo exercerem o ensino particular, desempenhar com o devido rigor, a necessaria independencia e imparcialidade, as funcções de julgadores...»

Basta.

Na sessão de 30 de janeiro de 1857 o deputado Roque Joaquim Fernandes Thomás, que foi um dos ornamentos da universidade e dos mais distinctos antecessores de v. exa. n'essa cadeira, renovou a iniciativa d'este mesmo projecto. Em 1856 tinha sido larga a sua discussão, mas não foi possivel conseguir-se a sua traducção em lei do paiz, apesar da sua manifesta importancia.

Pouco direi para justificar a renovação da iniciativa do outro projecto; apenas pedirei a v. exa. me permitta que eu leia um periodo do relatorio que o precede:

«Para a consciencia negra póde servir bem o segredo, do voto, como a traição do punhal para o cobarde da encruzilhada.»

Assim é.

Permitta ainda que eu, para justificar este projecto, invoque a memoria do deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto.

Dizia elle n'esta camara, traduzindo um pensamento de Mirabeau: «dae-me um juiz ignorante, venal e perverso, mesmo meu inimigo se quizerdes, não o temo, comtanto que me julgue em publico; dae-me um juiz probo, instruido e
mesmo meu amigo, treino d'elle se me julgarem segredos.

Bastam estas palavras para convencer a todos, de que é uma immoralidade e uma vergonha o escrutinio secreto.

E v. exa. sabe que não é já novo o que pretendo, porque ainda ha bem pouco tempo, o sr. ministro da fazenda, no regulamento que publicou para os concursos dos logares das alfandegas, estabeleceu que a votação fosse publica e
nominal, depois de discutidas as provas dos candidatos.

Bem haja o nobre ministro por esta disposição.

Envio finalmente para a mesa um requerimento e a justificação da minha falta de antehontem.

As propostas para renovação de iniciativa ficam para segunda leitura; o requerimento e justificação vão publicados a paginas 8 d'este Diario.

O sr. Garcia de Lima: - Mando para a mesa um requerimento pedindo diversos esclarecimentos ao governo, pelo ministerio da fazenda. Preciso destes esclarecimentos para formular um projecto de lei sobre o assumpto a que o mesmo projecto se refere, ou para renovar a iniciativa de um projecto que foi aqui apresentado por um dos membros da camara passada.

Queria aproveitar esta occasião para fazer algumas perguntas sobre os ultimos acontecimentos da cidade do Porto, das reservo-me para quando estiver presente algum dos srs. ministros. A v. exa. peco que me conceda então a palavra.

Mando para a mesa o requerimento a que me referi, para ter o devido destino.

Vae publicado no logar competente.

O sr. Visconde de Alentem: - Mando para a mesa uma declaração de que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes tem faltado a algumas sessões por motivo justificado.

Mando tambem uma representação dos professores de instrucção primaria de Penafiel pedindo augmento de vencimento.

Como não está presente o sr. ministro do reino, dispenso-me de fazer agora algumas considerações sobre tal assumpto.

A justificação e representação tiveram o destino indicado a pag. 8 d'este Diario.

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O sr. E. J. Coelho: - Pedi a palavra porque desejo que fique consignado nos annaes parlamentares que na ultima sessão não pude pedir providencias ao governo com relação aos graves acontecimentos que se deram na villa de Chaves; e não pude reclamar providencias por não estar presente nenhum dos srs. ministros e porque a sessão, apenas v. exa. tomou posse da presidencia, foi logo encerrada.

D'aqui dirigi-me á secretaria do reino a fim de procurar o sr. ministro, para lhe pedir as providencias que as circumstancias urgentemente reclamavam, mas, por infelicidade minha, não o encontrei na secretaria, e por isso resolvi-me a escrever-lhe, e mandar-lhe copia do telegramma que recebi de Chaves, onde se narravam acontecimentos gravissimos.

Mau grado meu, essa carta não chegou ao conhecimento de s. exa., e, receioso d'esse extravio, e não querendo disperdicar nenhum meio de fazer chegar ao conhecimento do governo os graves attentados praticados pelos seus agentes, no dia immediato dirigi-me pelo telegrapho ao sr. ministro do reino; obtive então resposta dizendo-me que não havia recebido a minha carta.

Tive por isso de procurar o sr. ministro em casa, e devo declarar á camara de que fui recebido por s. exa. com extrema bondade, o que, na estreiteza do tempo, elle deu as providencias que julgou convenientes, e me auctorisou a registar a promessa de que havia de ser severo contra qualquer violencia, que porventura chegasse ao seu conhecimento.

Se os factos ou violencias, agora praticados em Chaves, fossem um facto isolado, devia-me limitar a aguardar os acontecimentos, até saber-se a efficacia das providencias dadas pelo governo; mas a anarchia administrativa, em fraternal convivio com a anarchia fiscal, é um facto normal n'aquelle concelho; e essa anarchia temulenta é alimentada e fortalecida por influencias que assoberbam os poderes publicos. É, pois, um dever provocar uma discussão ampla sobre este estado de cousas para liquidar todas as responsabilidades.

Mando, pois, para a mesa a seguinte nota de interpellação.

Desde já me declaro habilitado para entrar n'esta discussão, porque conheço os factos, e sobre elles posso fazer as considerações que os mesmos me suggerirem; no entretanto folgaria muito que os srs. ministros, com a urgencia que o caso reclama, satisfizessem os requerimentos que vou tambem mandar para a mesa, porque eu não queria fazer interpellação que parecesse apaixonada, mas sim raciocinar sobre factos verdadeiramente documentados, de maneira que tanto a camara como o governo podessem ficar convencidos de que eu levantava uma questão de ordem publica e garantias individuaes em cumprimento dos meus deveres de deputado eleito pelo circulo de Chaves, e em favor dos opprimidos.

É dever, que cumprirei, e é direito, que não declino.

Folgarei, pois, que a remessa dos documentos se não faça demorar, e que elles sejam presentes á interpellação por mim annunciada.

Mando, portanto, para a mesa os seguintes requerimentos, e peço a v. exa. que lhes de o mais rapido andamento; e, se a força das circumstancias reclamar que a interpellação se realise antes da remessa dos documentos, pedirei entSo que se designe o dia para ella se verificar.

Tenho dito.

Os requerimentos vão publicados a pag. 8 d'este Diario.

Leu-se na mesa a seguinte:

Nota de interpellação

Desejo interpellar os srs. ministros do reino e da fazenda sobre a situação anormal do concelho de Chaves, pelo que respeita á ordem publica, garantias individuais e serviço aduaneiro e fiscal. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

Mandou-se expedir.

O sr. Teixeira de Sampaio: - V. exa. recorda-se do que na sessão do anno passado se trocaram algumas explicações entre mim e o sr. ministro nas obras publicas a proposito da directriz do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella, e que por essa occasião o sr. ministro mo disse que as minhas considerações se antecipavam e que ellas só teriam rasão de ser depois que o governo escolhesse a directriz d'aquelle caminho de ferro.

Agora que já se fez essa escolha, e que o caminho do ferro já está em construcção, parece-me chefada a occasião de eu interpellar o sr. ministro das obras publicas a este respeito, e como para esse fim careço de uns certos documentos, mando para a mesa um requerimento pedindo-os.

Vae publicado a pag. 8 d'este Diario.

O sr. Agostinho Lucio: - Mando para a mesa uma justificação de faltas do sr. deputado Ponces de Carvalho.

Vae publicado no logar competente.

O sr. Antonio Candido: - Pedi a palavra para tratar de um assumpto grave, que traz ha muitos dias profundamente impressionado o espirito publico. Seria estranho que não tivesse repercursão n'esta camara o que tanto prende e com move a attenção do paiz.

Vê v. exa., sr. presidente, que me refiro aos acontecimentos do Porto.

Sinto, lamento que não esteja presente nenhum dos srs. ministros. Parece-me que a obrigação de s. exa. era virem aqui satisfazer a justa anciedade d'esta camara, dando-lhe as explicações e esclarecimentos que este momentoso caso reclama, (Apoiados.)

Os acontecimentos succedidos no Porto originaram se n'uma greve de resistencia contra um imposto municipal.

Empregou-se a força armada, houve lucta, houve sangue, houve mortes!

O povo congregou-se n'um meeting extraordinario, fazendo depois manifestações imponentes, claramente significativas de aggressão ao governo e de adhesão sympathica a um dos mais distinctos caudilhos do partido republicano!

Os ultimos telegrammas dizem que a cidade do Porto está ainda em tumulto, muito longe de acalmada a excitação a que chegou!

Este lamentavel estado de cousas dura desde domingo. Na segunda feira constituiu-se a camara, e não veiu nenhum dos srs. ministros; hoje, a mesma ausencia só nota, ausencia inexplicavel, porque se trata de acontecimentos que enlutaram uma cidade e impressionam todo o paiz! (Apoiados.) E todavia nós não pudemos deixar de tomar conta d'este facto, aqui, no parlamento, que é o logar proprio para apurar as suas verdadeiras causas, e attribuir, a quem pertençam, as suas graves responsabilidades. (Apoiados.)

Eu não preciso dos esclarecimentos do governo para formar o meu juizo ácerca do que se está passando no Porto; dispenso-os até; presinto quaes serão; mas, se porventura apparecer algum sr. ministro, ouvirei com a mais urbana attenção o que quizer dizer á camara. Entretanto os acontecimentos são tão graves, a presença dos srs. ministros, para assumirem ou declinarem a responsabilidade d'elles, e tão indispensavel, que requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se quer que se suspenda a sessão até que esteja representado o governo. Parece-me que nenhum outro assumpto póde ser tratado hoje de preferencia a este.
(Apoiados.)

O sr. Presidente: - Sei que não deixará do comparecer algum dos srs. ministros; por isso, se o sr. deputado deseja proseguir nas suas observações, eu não tenho duvida em reservar-lhe a palavra, para usar d'ella quando o governo estiver representado.

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O Orador: - N'esse caso, peço a v. exa. que m'a reserve; mas se não comparecer algum dos srs. ministros, desde já peco a v. exa. que me conceda a palavra antes de se encerrar a sessão.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, associo-me completamente aos dois pedidos feitos pelo meu illustre collega o sr. Antonio Candido, tanto mais que fui eu, juntamente com o sr. Elias Garcia, quem na sessão passada levantou a voz para pedir esclarecimentos ao governo ácerca dos factos anormaes e tristissimos que se estão passando na cidade do Porto.

Por um equivoco, não sei se da mesa, se de nós que pedimos então a palavra, se nos disse que estava encerrada a sessão; mas o facto é que a camara, o publico e os srs. ministros sabiam bem que, havia dois dias já, se tinha n'esta camara levantado alguem, a pedir explicações ácerca d'aquelles acontecimentos. (Apoiados.)

Lamento por isso profundamente que, n'esta occasião e com o aviso previo de quarenta e oito horas, os srs. ministros ainda não tivessem comparecido, perante o parlamento, para dizerem o que ha ácerca dos factos, que nós sabemos já como começaram, mas que não podemos prever como terminarão.

Eu tambem, como o sr. Antonio Candido, não venho tratar n'este momento da questão que a todos nos preoccupa; e não o farei, sr. presidente, porque não desejo discutir um assumpto d'esta ordem sem que esteja n'aquellas cadeiras o poder executivo representado por algum dos seus membros.

Para mim, sr. presidente, a significação dos tumultos do Porto pouco importa na actual occasião. E já direi por que motivo. No entretanto, sabe v. exa. o que elles significam?

É que a nação já começa a responder a essas palavras imprudentes, impensadas e provocadoras que se lêem no discurso da corôa; é que a nação já principia a discutir, n'um campo pratico, cansada dos sophismas tantas vezes enganadores das falsas theorias, se realmente o povo portuguez póde e deve pagar mais, ou se pelo contrario as massas populares, alquebradas por grande numero de extorsões tributarias iniquas, suppõe chegado o momento de lavrar o seu protesto formal.

Mas a questão de agora é outra.

O facto capital que urge esclarecer, é o dos tumultos, que já fizeram victimas, havendo, na hora em que fallo, duas viuvas, alguns orphãos, e familias desoladas, que estão cobertas de lucto e de tristeza. Pois bem, sr. presidente, é necessario que se saiba, pela bôca do governo, a que entidade cabe a responsabilidade d'estas mortes; é necessario que se saiba o modo como se tentou apaziguar ou se provocou a desordem, que tão graves consequencias teve; porque felizmente o parlamento está aberto e desta vez não pesará sobre as victimas do Porto o mesmo silencio official e o mesmo olvido que deixou esquecidas as victimas ainda não vingadas da Macieira e de Ourem!

Ha mortes. É preciso, portanto, que saibamos quem é d'ellas responsavel; e para isso, discordando talvez um pouco do illustre deputado o sr. Antonio Candido, que prescindia do documentos, eu desejo que o governo traga aqui todos os telegrammas e peças officiaes trocadas entre elle e as auctoridades civis e militares do Porto. Só assim poderei ter perfeito conhecimento do modo como o governo, era occasião tão grave, soube zelar a sua propria dignidade e com ella a dos altos interesses do paiz que á sua guarda estão confiados.

É preciso que o governo venha aqui responder pelos seus actos; e não desejando entrar n'este momento na questão, pelas rasões que expuz, peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando algum dos membros do governo esteja presente, pedindo mais, e n'este desejo creio que todos os membros da camara me acompanharão, quaesquer que sejam as suas opiniões sobre o caso, que logo que conste achar-se no edificio das côrtes algum dos srs. ministros, especialmente o sr. ministro do reino, seja convidado para immediatamente vir a esta casa dar as explicações que sobre o assumpto lhe forem exigidas.

O sr. Arroyo: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

Vae publicada no logar competente.

O sr. Elias Garcia: - Chegou-me a palavra: hoje por tres vezes a pedi a v. exa., sem ter a felicidade de ser ouvido.

Preciso justificar-me de uma falta que v. exa. julgou dever notar-me na ultima sessão; porque toda a camara ouviu que v. exa. me negou a palavra, sob pretexto de estar encerrada a sessão.

Como v. exa. sabe ha muito tempo, e toda a camara igualmente, eu tenho o maximo respeito por todos os cavalheiros que se sentam n'esse logar, e esse respeito cresce sendo essa cadeira occupada por v. exa.; mas por muito que respeite a auctoridade do presidente, e a auctoridade de v. exa., quando exerce essas funcções, peço licença para dizer que respeito muito mais as garantias de deputado e as prescripções do regimento.

Devo observar a v. exa. que, se no exercicio das suas funcções, póde fechar a sessão, não póde todavia fazel-o quando quer, porque, segundo o regimento, só póde encerrai-a tendo dado a hora.

É isto o que diz o regimento na parte em que designa o que é incumbido ao presidente; preceitua ainda, ao tratar do modo porque é aproveitado o tempo das sessões, e completa, esclarecendo-o mais uma vez, no artigo que indica poder ser occupado o tempo em assumptos analogos aos que te tratam antes da ordem do dia, caso conclua a discussão da materia dada para ordem do dia, antes da hora do encerramento da cessão.

V. exa., no plenissimo uso das suas faculdades, póde encerrar a sessão unicamente depois de ter dado a hora, ou quando, por não haver trabalhos, ninguem reclame que a sessão vá até á hora marcada no regimento. E tanto isto assim é, que, se se levantar uma grande agitação na assembléa, v. exa. não póde fechar a sessão, mas simplesmente suspendel-a.

Entendi dever fazer estas observações para que ninguem possa incriminar-me por ter faltado ao cumprimento do meu dever, deixando passar uma infracção do regimento, que de algum modo cerceia regalias que não são só minhas, mas de todos os meus collegas n'esta casa.

Devo ainda declarar que faço estas minhas observações com muito sentimento e com muito pezar, por estar acostumado a dirigir-me sempre a todos os cavalheiros que têem occupado o logar da presidencia com muito respeito e veneração, e principalmente a v. exa.

Mas apesar de conservar inteira esta minha homenagem de respeito e veneração, não podia deixar de dizer estas palavras.

O sr. Presidente: - Peço licença ao illustre deputado para o interromper a fim de lhe dar uma explicação.

O sacrificio que fiz em não conceder a palavra a s. exa. na ultima sessão é igual á consideração que sempre tive e continúo a ter pelo illustre deputado. Mas entendi que não lhe podia dar a palavra depois de ter annunciado a ordem do dia para hoje e até declarado que estava encerrada a sessão. (Apoiados).

Não quiz nem devia estabelecer um pessimo precedente, que, alem de outros inconvenientes, viria prejudicar a direcção dos trabalhos e introduzir a desordem na assembléa.

Quero dizer agora a s. exa. que, segundo o regimento, a sessão fecha-se quando dá a hora, se o orador que está fallando não pretende concluir o seu discurso, ou se não houve prorogação para explicações, ou para continuar e terminar qualquer debate; mas tambem se fecha a sessão antes da hora, quando se esgota a ordem do dia, podendo

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o resto do tempo ser empregado, ao arbitrio do presidente, em trabalhos nas commissões, ou em assumptos que se tratam antes da ordem do dia.

Porém não podia eu convidar a camara para trabalhos nas commissões porque estas não estavam eleitas.

Fiz uma pausa depois da leitura de varios officios que estavam na mesa para ver se algum deputado queria inscrever-se. Ninguem se inscreveu.

Ora, desde que se tinha esgotado a ordem do dia, e não estavam eleitas as commissões, nem algum sr. deputado se tinha inscripto, não tinha outra cousa a fazer, ainda que eram só 4 horas e 10 minutos senão declarar encerrada a sessão, tendo designado previamente a ordem do dia para a sessão immediata; e foi isso o que fiz. (Vozes: - É verdade.)

Comtudo se o illustre deputado entende que a mesa infringiu qualquer artigo do regimento, póde s. exa. propôr a sua moção de censura para a camara se pronunciar sobre ella, e fique s. exa. certo de que os membros da mesa, acatando qualquer deliberação da camara, hão de saber cumprir dignamente o seu dever. (Muitos apoiados.)

O Orador: - Não me proponho estabelecer dialogo com v. exa. sr. presidente, porque não são esses os meus habitos e mesmo porque a camara acaba de cobrir de applausos as palavras que v. exa. proferiu.

Simplesmente peço a todos os srs. deputados o favor de lerem o artigo 35.º do regimento, que declara quaes são as attribuições da presidencia, e especialmente que tenham sempre de memoria o n.º 15.º d'esse artigo.

Depois peço lhes tambem que leiam os artigos 54.º e 70.° do mesmo regimento.

Tudo isto responde ás observações de v. exa.

V. exa. sabe perfeitamente que não seria eu que propozesse uma moção de censura á mesa por este motivo. Entendi unicamente dever fazer estas observações por estar intimamente convencido de que não eram mal cabidas.

Não digo mais nada a este respeito e passo ao outro assumpto para que tinha pedido a palavra.

Na ultima sessão pedi a palavra porque desejava haver do governo esclarecimentos a respeito dos factos occorridos na cidade do Porto.

Estranhou-se nesse dia que os srs. ministros não estivassem presentes, e já estranharam hoje a ausencia de s. exa. os mesmos collegas os srs. Antonio Candido e Consiglieri Pedroso.

Esta estranheza sobe do importancia por uma rasão muito simples que eu vou dizer.

Na sessão passada, quando acabava de me ser negada a palavra para tratar d'este assumpto, diversos membros d'esta casa me cercaram dizendo que eu não tinha rasão de queixar-me, e mesmo um amigo imprudente de v. exa. chegou a avançar que não havia duvida em se darem esclarecimentos, porque o sr. presidente tinha no bolso uma communicação do sr. ministro do reino, para responder aos que quizessem saber alguma cousa a este respeito.

Ora, é bem certo que esta communicaçao não existia, porque, se v. exa. a tivesse no bolso, não privaria a camara de esclarecimentos sobre um assumpto tão importante.

Agora, devo declarar que me associo aos pedidos feitos pelos meus dois collegas, os srs. Antonio Candido e Consiglieri Pedroso.

Eu desejo que o governo dê á camara todas as informações que poder dar sobre os acontecimentos do Porto.

Depois de elle dar essas informações é que eu hei de fazer as observações que se me offerecerem.

N'este ponto o meu collega, o sr. Antonio Candido, está mais habilitado do que eu s. exa. declarou que não precisava dos esclarecimentos do governo para formar o seu juizo ácerca dos acontecimentos de que se trata; eu, porém, preciso de que o governo me esclareça, esclarecendo a camara e o paiz, como é seu dever.

Termino pedindo a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino, e, quando s. exa. não compareça, peço a v. exa. que me inscreva para antes de se fechar a sessão, porque desejo dizer mais algumas palavras a respeito d'este assumpto.

O sr. Aveller Machado: - Mando para a mesa uma justificação das minhas faltas a algumas sessões, e uma proposta.

Peço a urgencia d'esta proposta, porque está dada para ordem do dia a materia a que ella se refere.

A justificação vae, publicada no logar competente.

O sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia era a eleição da lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara; mas, como a este respeito o sr. Avellar Machado acaba de mandar para a mesa uma proposta de que pediu a urgencia, vão esta ser lida.

Leu-se na mesa. É a seguinte:

Proposta

Proponho que, dispensando-se o regimento, seja apresentada a Sua Magestade El-Rei para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia d'esta camara, a mesma lista quintupla que lhe foi presente na ultima sessão legislativa. = O depurado, Avellar Machado, deputado por Abrantes.

Considerada urgente, foi logo approvada.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção antes da ordem do dia.

Ficam inscriptos, para quando estiver presente o governo, os srs. Antonio Candido, Consiglieri Pedroso, Elias Garcia e Garcia de Lima.

O sr. Garcia de Lima: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que houve uma inversão na ordem da inscripção dos srs. deputados que pediram a v. exa. a palavra, sobre os acontecimentos occorridos na cidade do Porto, para quando estivesse presente algum dos srs. ministros.

Eu fui o primeiro a pedil-a, e segundo a leitura, que v. exa. acaba de fazer, vejo que não sou o primeiro inscripto. Pedia por isso a devida rectificação.

O sr. Presidente: - Quando estiver presente qualquer dos srs. ministros, eu darei a palavra aos srs. deputados pela ordem da inscripção, e será attendida a reclamação do sr. deputado.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Pela approvação da proposta do sr. Avellar Machado, já não póde ter logar a primeira parte da ordem do dia, que era a eleição da lista quintupla.

Logo será nomeada a deputação que ha de apresentar a Sua Magestade a lista a que se refere a mesma proposta, para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia.

Vae passar-se agora á segunda parte da ordem do dia, que e a continuação da discussão do parecer sobre a eleição da Madeira.

Em virtude da resolução da camara vou mandar convidar os srs. deputados eleitos por aquelle circulo a entrarem na sala.

(Entraram na sala tres dos referidos srs. deputados.)

O sr. Elias Garcia: - Na ultima sessão em que se tratou d'esta eleição li á camara as considerações feitas por um escriptor muito distincto com respeito aos factos passados na ilha da Madeira. E sem apreciar os trechos que li á camara, creio que a leitura d'elles é sufficiente para mostrar como os acontecimentos se impõem por fórma que devem levar o animo da camara a reconhecer que aquella, entre todas as eleições que se fizeram em 29 de junho, é incontestavelmente a mais contestada.

Ora, uma vez estabelecido o principio, em virtude do

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accordo entre os dois partidos, de crear um tribunal destinado a resolver no caso de eleições contestadas, affigura-se-me ser este o ensejo opportuno, o mais asado, para enviar ao tribunal a eleição da Madeira.

não discutimos nos a eleição da Madeira, porque entendiamos que ella devia ser levada ao tribunal. Mas a maneira por que o parecer tinha sido redigido, quer da primeira, quer da segunda vez, podia levar ao animo dos nossos collegas a convicção de que a eleição tinha corrido com toda a regularidade ; era indispensavel desfazer esta impressão avivando a memoria dos nossos collegas, apresentando-lhes alguns factos essenciaes que se tinham dado n'aquella eleição. Assim poderiamos, sem discutir essa mesma eleição, submetter á resolução da camara, um requerimento com intuito de conhecer se ha numero sufficiente de votos para que a eleição seja levada ao tribunal. Foi este o motivo por que o meu collega Consiglieri Pedroso, abstendo-se de discutir a eleição, teve comtudo o cuidado de citar os factos, irregularidades, oppressões, corrupções, violencias e emprego da força armada, que todos se encontram no processo relatados mais ou menos minuciosamente, e que todos elles são motivo sobejo para mostrar a esta camara que a eleição foi contestada; e contestada por tal fórma que até houve durante a eleição, e não depois d'ella concluida, que lamentar a perda de algumas vidas.

Este foi o meu intuito. E estou intimamente convencido que este debate elucidativo é bastante para permittir que se peça a remessa d'esta eleição para o tribunal.

Talvez se tivesse evitado se esta camara, ao eleger as commissões encarregadas de examinar os processos eleitoraes, se houvesse com mais generosidade fazendo ahi representar a minoria.

A camara, porém, entendeu que devia constituir essas commissões com cavalheiros de um partido exclusivamente, impedindo assim qualquer das fracções da minoria do poder examinar esses processos detida e pausadamente, e de chamar a attenção dos seus collegas para as irregularidades que porventura lhe tivessem escapado.

De mais a mais, quando o parecer foi aqui apresentado, um da meus collegas pediu que fosse permittida a entrada n'esta casa aos individuos que neste parecer se dizia deviam ser proclamados deputados pelo circulo do Funchal; e acudindo logo outro collega lembrou que, apesar do regimento não permittir isso, de muito boa vontade pediria que elle fosse dispensado a fim de que esses individuos podessem assistir á discussão.

Tambem me associei a esse requerimento e á resolução da camara. N'este ponto, apesar de ser minoria, votei com a maioria, associando-me a que viessem aqui individuos que tinham recebido suffragios n'aquelle pleito eleitoral.

Mas v. exa. ha de reconhecer que eu vou mais longe, porque a lei o foi, permittindo que se submetiam ao tribunal especial os processos eleitoraes que estejam nas condições em que se encontra este, porque ahi todos comparecem, ou podem comparecer, em frente uns dos outros, não só os candidatos que se apresentam como vencedores, mas tambem os que se dizem vencidos, uns e outros sem o favor de ninguem.

É este o motivo porque eu sou levado a insistir e a propôr que a eleição de que se trata seja levada ao tribunal.

Aqui citou-se já o facto de se ter feito uso da força armada durante os actos eleitoraes, e de um grandissimo numero de eleitores ter deixado de votar na assembléa da Ribeira Brava.

Esse numero do eleitores é tão crescido que póde invalidar a eleição.

Na eleição, já se disse aqui, a lucta estabeleceu-se entre dois grupos. De um lado estavam todos os grupos monarchicos, o constituinte, o progressista, o regenerador e o liberal conservador; do outro lado o grupo republicano.

O que mostra a votação?

Mostra o grupo republicano compacto, unido, apresentando uma votação que apenas discrepa nos tres nomes em poucos votos; de forma que, sendo a media da votação republicana de 4:749 votos, os desvios para mais ou para menos são apenas de 63 e 62 votos.

Quer dizer que o partido republicano foi á uma compacto e unido, levou uma lista só, e deu assim uma manifestação da sua unidade e uniformidade de pensamento.

O que se deu, porém, na votação dos grupos monarchicos?

Desde que a media dos eleitores republicanos, mesmo a que está aqui expressa, e não digo a verdadeira, era de 4:749 votos, os eleitores que ficaram para os outros grupos eram 9:832; mas em vez de se dividirem pelos tres candidatos, tinham de dividir se pelos quatro, e a media que devir esperar-se para contrapor á votação republicana era de 7:374 votos.

Mas quando se compara esta media com a votação que houve, vê-se que se deram desvios de 1:431 votos em um e 1:785 votos em outro candidato.

Ora, comprehende-se bem, e aqui foi explicado sufficientemente nesta camara, a necessidade que ha, quando tem de se fazer o desdobramento da votação de um partido ou de diversos partidos para conseguirem que a representação da minoria seja absorvida, ou evitada pela maioria, comprehende-se bem que é indispensavel fazer essa divisão com extraordinaria igualdade, dividindo os votos pelas listas com a maior uniformidade, para que não haja desvios, que arrisquem o resultado da eleição.

Quer dizer, os quatro grupos monarchicos, regenerador, progressista, constituinte e conservador, se desejavam conseguir o triumpho dos quatro candidatos, deviam dividir-se por modo que a votação de cada candidato não se afastasse da media de 7:374 votos, porque aliás a victoria corria risco.

Ora, desde que houve desvios de 1:400 e tantos votos e 1:700 e tantos votos, quem é que pode imaginar combinações regulares, licitas, decorosas e honestas que permittissem dar este resultado?

Podia dar-se, mas por outra foórma.

Basta reflectir sobre estes numeros para se conhecer immediatamente que elles não podem corresponder a nenhuma media verdadeira e leal.

Eu não desejo prolongar mais este debate, nem o meu intuito é discutir a eleição.

Limito-me a mandar para a mesa um requerimento, e só explicarei a maneira por que elle está feito. V. exa. sabe que a lei estabelece o principio de que sejam enviadas ao tribunal especial todas as eleições contestadas, ou em que tiver havido protestos, logo que assim o requeiram quinze deputados. Que a eleição da Madeira foi contestada parece-me fóra de toda a duvida que n'ella houve protestos é evidente; mas para que o processo possa ir ao tribunal é preciso que quinze deputados o requeiram.

A fracção politica a que eu pertenço conta apenas n'esta camara dois votos, portanto nos não tinhamos numero sufficiente para apresentar n'esta casa um requerimento n'este sentido.

Tivemos portanto necessidade de ver se encontravamos collegas n'esta casa que quizessem associar-se ao nosso desejo, e collaborar comnosco para que aquella prescripção da lei não fosse leira morta. Conseguimos effectivamente o auxilio muito valioso de alguns cavalheiros, e esses são os srs. Emygdio Navarro, Eduardo José Coelho, Vicente Pinheiro, Antonio Candido, Carlos Lobo d'Avila e João Cardoso Valente.

D'estes cavalheiros os quatro primeiros logo, e os outros pouco depois, associaram-se da melhor vontade e com o maior cavalheirismo ao nosso requerimento, e eu não posso deixar de agradecer d'aqui a s. exas. o favor que nos fizeram prestando-nos as suas assignaturas para que nos podesse-mos conseguir o numero de quinze indispensavel para que

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a eleição fosse enviada para o tribunal. Apesar, porém, desse auxilio cavalheiroso, nós não tomos ainda n'este requerimento senão oito assignaturas, as seis de s. exas., a do sr. Consiglieri e a minha. E eu agora mandando este requerimento para a mesa, devo dizer que, embora aqui se encontrem as assignaturas d'esses cavalheiros do partido progressista, comtudo peço ao sr. presidente da camara a bondade de não considerar estes cavalheiros como assignados n'este requerimento, mas sim unicamente o sr. Consiglieri Pedroso e eu, porque eu sei que esses cavalheiros deram os seus nomes para outro requerimento feito por correligionarios seus, e não seria proprio, nem da minha parte, nem da parte de s. exas. para com os seus correligionarios que se désse um facto qualquer que parecesse significar divisão entre esses partidarios.

Rogo, pois, a v. exa. que, considerando este requerimento como apenas assignado pelo sr. Consiglieri Pedroso e por mira, o submetta á approvação da camara, a fim de se verificar se ha quinze deputados que o approvem, pois creio que assim se satisfaz a prescripção da lei.

Não quero concluir sem dizer a v. exa. que entre os cavalheiros que se prestaram a associar-se a este nosso empenho, e que se levantarão quando o requerimento for submettido á approvação da camara, ha um a quem não posso deixar de referir-me especialmente, pelas circumstancias que se dão com s. exa., e a esse se refere o parecer, indicando que deve ser proclamado deputado, o sr. Henrique de Sant'Anna e Vasconccllos, que desde o primeiro dia disse immediatamente que estava prompto a apodar-se a esto requerimento.

Portanto, vou mandar o meu requerimento para a mesa e peço a v. exa. o favor de o submetter á approvação da camara para se saber se ha o numero de quinze deputados para esta eleição ser enviada ao tribunal.

Tenho concluido.

O requerimento ficou na mesa.

O sr. Presidente: - Como o governo já está representado e segundo o regimento póde ser interrompida qualquer discussão, quando haja a tratar negocio urgente, e tendo eu reservado a palavra a alguns srs. deputados sobre os acontecimentos do Porto, vou agora concedel-a aos que se acham inscriptos, tendo a em primeiro logar o sr. Garcia de Lima.

O sr. Garcia de Lima: - Pedi a v. exa. que me reservasse a palavra para quando estivesse representado o governo; vejo que agora está representado pelo nobre presidente do conselho, e sem duvida s. exa. está habilitado a responder ás perguntas que pretendo dirigir ao governo sobro os acontecimentos do Porto.

Principiarei por dizer, que as noticias que os nobres deputados, que tomarem a palavra sobre este assumpto, tiveram do Porto, são provavelmente divergentes d'aquellas que eu tenho recebido.

Ha por isso necessidade de appellar para as informações officiaes, que são effectivamente aquellas que devem merecer mais conceito á camara.

As noticias que tenho dos acontecimentos do Porto têem summa gravidade. As minhas perguntas ao governo são: O que ha de verdade a respeito das noticias propaladas sobre esses tristes acontecimentos? Quaes as causas reaes ou apparentes desses acontecimentos? E quaes as medidas que a auctoridade tem tomado para a manutenção da ordem publica n'essa laboriosa e historica cidade.

As noticias que correm sobre esses acontecimentos fazem ver, e bem tristemente, que a ultima rasão substituiu imprudentemente a primeira ou o primeiro meio de pedir; a ultima rasão, digo, porque nos governos constitucionaes o primeiro procedimento a haver sobre motivo de queixas é sem questão nenhuma o direito de petição.

Esquecer o direito de petição para o substituir pela resistencia illegal, foi, sem duvida, aconselhar um triste e mau caminho de consequencias fataes, que todos nós lamentâmos. (Apoiados.)

Quaes são as causas reaes ou apparentes d'esses acontecimentos do Porto?

Foi a imposição de impostos? Foi algum vexame de medidas que porventura alguma auctoridade tomasse?

Se assim é, a primeira rasão, o primeiro procedimento, o primeiro conselho a dar ao povo inconsciente é ensinar-lhe o caminho legal, que é o direito da petição, d'esse direito do que fazem uso os povos livres, e que quando fundado em justiça é sempre attendido pelos poderes publicos que nos estados constitucionaes nascem da opinião, e com ella se conservam e fortalecem.

Fugir d'esse campo para o da mão armada é a imprudencia que faz victimas, é o crime que todas as leis condemnam, esteja a, sociedade constituida como quer que seja, é finalmente a anarchia, que paralysa todos os progressos, que estanca, todas as fontes de riqueza publica, e que atraza, a civilisação.

O caminho da resistencia em que os povos muitas vezes se lançam será, a, ultima rasão, que só póde justificar-se em casos extremos o nunca, antes de escutados os meios constitucionaes.

Creio que toda a camara lamento, como eu, os ultimos acontecimentos do Porto e a causa d'elles. (Apoiados.) Todos os partidos desejam, creio eu, que não seja este o caminhar das massas, (Apoiados.) e que condemnam de certo as suggestões criminosas não as levam no erro fatal da anarchia.

Creio que a camara, representada por diversas individualidades que representam differentes partidos, deseja que a paz o a ordem seja o primeiro elemento da nossa vida constitucional. (Apoiados.)

Não accuso ninguem; ao contrario estou aqui para fazer, segundo a minha, consciencia, justiça a todos que têem militado nas nossas luctas politicas. Lamento, comtudo, que uma idéa nova, ou antes uma idéa velha, a que se chama indevidamente nova, e velha porque data do tempos immemoriaes, allucine, seduza, e desvaire os credulos inconscientes, os homens do trabalho honesto, a quem essa utopia não faria nunca mudar de condição.

Digo isto por estar convencido de que a idéa nova, conveniente e util aos povos, não é essa, mas sim a que tem sido implantada no paiz por os governos do todos os partidos que têem cooperado para que ella se desenvolva o cresça. (Apoiados.)

A idéa nova não é essa idéa politica que vem de epochas muito atrazadas; é aquella que tem feito o progresso d'este paiz, da Europa, do mundo. (Apoiados.)

A idéa nova, e folgo de fazer n'este caso um plagiato, servindo-me das palavras de um talento multo distincto, de um caracter muito nobre, de um digno representante do nosso paiz n'uma das nações europêas; a idéa nova é a dominação do raio, como o ensinou a sciencia; a idéa nova é a applicação do vapor á navegação e ás industrias, de que os povos têem tirado tão fecundos resultados; a idéa nova é a applicação da electricidade, communicando com rapidez os pensamentos e as idéas por meio do telegrapho e do telophone; a idéa nova é tudo quanto ultimamente se tem feito n'este paiz, e em que os governos constitucionaes têem cooperado, como as admiraveis descobertas modernas têem ensinado a esses governos e aos representantes dos povos.

Mas a idéa que traz a desordem, que não dá garantias a ninguem, que serve apenas para illudir os incautos, que, estabelecida ella, o mendigo ha de continuar a pedir esmola, os homens de trabalho hão do continuar na sua labutação, assim como aquelles a quem a fortuna bafejar hão de continuar a ter as mesmas regalias do que hoje gosam, essa idéa não é nova, e a experiencia, a rasão, e o bom senso mostram que não é ella que faz variar as condições de ninguem.

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A idéa util, a que se traduz no interesse dos povos e das individualidades, é inquestionavelmente aquella que muda as condições economicas de um povo, aquella que lhe dá ensino no trabalho, civilisação e educação moral, e que lhe garante a liberdade com ordem.

Sr. presidente, eu não inculpo ninguem sobre os tristes acontecimentos do Porto, d'essa cidade querida a todos nós; o que lamento é a cegueira dos incautos, a allucinação do povo e o condemnavel erro de quem o dirige, e que, em logar de lhe aconselhar o direito de petição, que é a primeira rasão do povo, o induza para a ultima, que é a resistencia illegal e criminosa. (Apoiados.)

Não quero cansar a v. exa. nem a camara; e concluo pedindo ao governo esclarecimentos sobre os factos occorridos, e sobre tudo que o governo nos diga quaes as medidas tomadas para a manutenção da ordem publica, que é uma das nossas primeiras necessidades, (Apoiados.) e a que o povo sensato, trabalhador honesto, e amante da liberdade com ordem, d'essa cidade de tão gloriosas tradições, tem direito a pedir para o seu progressivo desenvolvimento e grandeza.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Antes do mais desejo dar uma explicação a v. exa. e á camara.

Não vim mais cedo a esta casa, porque tive um negocio urgente de serviço publico que me deteve n'outra parte, estando alem d'isso persuadido que o meu collega do reino se acharia aqui.

Infelizmente s. exa., por incommodo de saude, não póde sair, mas eu só o soube agora, quando entrei no edificio, assim como que não estava presente nenhum dos meus outros collegas.

Por este unico motivo é que não compareci mais cedo.

O illustre deputado que acaba de fallar, pediu alguns esclarecimentos sobre os acontecimentos recentes da cidade do Porto, mas como s. exa. não precisou os factos sobre que desejava as minhas explicações, farei a historia breve e succinta d'esses acontecimentos, como elles têem chegado ao conhecimento do governo.

A camara municipal do Porto lançou alguns impostos sobre os generos alimenticios, e um augmento no imposto que já existia para os carros da cidade.

Os novos impostos levantaram a resistencia de alguns contribuintes, e o augmento de imposto nos carros provocou uma resistencia mais aberta e mais determinada por parte dos carreiros, ou das pessoas interessadas n'aquelle trafico. Esta resistencia foi-se traduzindo successivamente em actos de violencia.

O governador civil procurou apaziguar os animos, para que as cousas entrassem n'um caminho legal, e não proseguissem os meios de resistencia que já se empregavam mais ou menos violentos. Não o pôde, porém, conseguir, e então, forçado a empregar a força, ordenou-lhe que pelos meios suasorios procurasse dissolver os ajuntamentos que se faziam em volta da cidade, com o fim de impedir que viessem ao mercado os generos alimenticios de que a cidade carecia.

A força que primeiro se apresentou, foi recebida com pedras, assuadasse tiros, e sendo em pequeno numero e vendo-se assim atacada pelos populares que estavam atraz dos muros, onde ella não podia ir facilmente, teve que retirar fazendo alguns tiros para o ar, que não mataram, nem feriram ninguem.

Mas os desordeiros, entendendo que era fraqueza o que tinha sido prudencia, mais se animaram.

Foi por isso necessario empregar mais força e empregou-se, resultando desgraçadamente a morte de dois homens dos desordeiros que atacavam a força publica. Um soldado foi ferido com uma bala n'um hombro, e diz-se que da parte dos populares tambem houve alguns feridos, mas estes não foram encontrados.

Em presença d'estes deploraveis acontecimentos, o governo determinou que regressasse ao Porto o general commandante da terceira divisão militar, que estava ausente em serviço publico, inspeccionando infanteria 13 em Villa Real. Ao mesmo tempo recolheu de Penafiel uma pequena força e assim se conseguiu dominar completamente os acontecimentos, achando-se hoje a cidade do Porto perfeitamente tranquilla e as avenidas para a mesma cidade perfeitamente desembaraçadas.

Os populares, ou aquelles que os protegiam na cidade, fizeram um meeting, no qual se proclamou contra os impostos estabelecidos pela camara municipal, resolvendo-se enviar uma deputação ao governador civil a pedir-lhe que provesse de remedio contra o que elles julgavam ser um attentado aos seus direitos e aos seus interesses.

O governador civil, respondendo a esta deputação, disse-lhe que não tinha competencia para suspender, e muito menos para abolir os impostos estabelecidos pela camara municipal, mas que, principalmente a respeito de um, para o qual já havia um recurso pendente no conselho de districto, empregaria os meios ao sou alcance para que a camara municipal o suspendesse.

Effectivamente a camara municipal, reunida em vereação, deliberou depois d'isto suspender a execução d'aquelle imposto.

Hoje tive telegrammas, tanto da auctoridade administrativa, como da auctoridade militar, dizendo que umas barreiras que tinham sido levantadas nas estradas que conduzem ao Porto, já se achavam destruidas; que o transito estava perfeitamente desembaraçado e que havia ordem e socego completo fóra e dentro da cidade.

São estas as informações que por agora se me offerecem dar á camara; mas, se algum illustre deputado as pretender mais desenvolvidas e detalhadas, tomarei de novo a palavra para dizer á camara o que sei em referencia aos tristes e deploraveis acontecimentos a que me tenho referido.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Antonio Candido: - Começo por explicar a divergencia manifestada nas poucas palavras que pronunciei ha pouco e nas que proferiram depois os illustres deputados, meus nobres amigos, os srs. Elias Garcia e Consiglieri Pedroso.

Eu disse que, para as considerações que podia e tencionava fazer, dispensava os esclarecimentos do governo, porque a questão para mim, a questão principal, não é o acontecimento do Porto nas suas causas directas e nas suas responsabilidades immediatas. Isso, que é importante, liquidar-se ha depois. Talvez o governo tenha procedido correctamente. Tenha, ou não, eu, collocando a questão n'esse campo, forçosamente deveria acceitar as explicações que elle quisesse dar-me. Mas eu considero este incidente de mais alto, vejo n'elle um claro symptoma do estado geral do paiz, o meu espirito relaciona-o com todas as causas complexas que o produziram, e, n'este sentido, o meu juizo é independente do que me digam os srs. ministros. (Apoiados.)

Mas, apesar d'isto, para não contrariar os illustres deputados republicanos, e tambem para dar espaço maior á questão que se levanta, eu não teria fallado sem ouvir o sr. presidente do conselho, ainda que a palavra me coubesse antes do sr. Garcia de Lima.

Fallou o illustre presidente do conselho. Foi correcto e sobrio. Disse o que a camara já sabia. Das suas palavras nada me impressionou a não ser o tom sereno, a voz calma e firme, o animo inteiramente desassombrado com que nos contou essa pequena mas sombria historia de um conflicto, que dura ainda, e já foi assignalado pelo sacrificio de algumas vidas! (Apoiados.)

O sr. Fontes narrou, como indifferente, tudo isso, e ningurm viu uma sombra de desgosto na sua limpida palavra!

E todavia eu recordo-me de lhe ouvir um discurso so-

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bre um assumpto d'esta natureza, mas muito menos grave, ha quatro annos, e então a sua palavra tremia de indignação e de dor, o seu espirito parecia excitado e apprehensivo, e o seu coração não era leve e facil como agora! É que então as circumstancias eram graves, e o ministerio não estava á altura d'ellas; hoje, que importa que sejam gravissimas, se o sr. Fontes governa, e manda, e póde tudo?! (Apoiados.)

Sr. presidente, os acontecimentos do Porto reproduzem em maior escala os acontecimento de Caminha no anno passado. O exemplo do Porto ha de ser contagioso para o paiz, e não tardará que chegue a vez á capital, onde um incidente administrativo d'esta especie pode tornar-se facilmente em movimento politico de maior importancia...

A quem pertence a responsabilidade de tudo isto? De quem será a culpa do que ha de succeder?

Esta é a questão, no seu mais delicado melindre e na sua maior altura.

O codigo administrativo de 6 de maio de 1878 é da responsabilidade do partido que está no poder. Este codigo, que tem o incontestavel merecimento de testemunhar e pregoar em muitas disposições o espirito liberal do glorioso jornalista da Revolução de setembro, é inteiramente falho de plano na sua parte financeira, que logo foi indicada, por palavras imparciaes e auctorisadas, como causa fatal de futuras desordens na administração e na politica do paiz. O legislador de 1878 carregou as corporações locaes de attribuições dispendiosissimas, sem ter pensado devidamente no melhor processo de as custear, julgando que se libertava de todas as difficuldades e embaraços com o artigo 113.° e seguintes, que a boa rasão condemnava antes de postos em pratica e hoje têem, desgraçadamente, o triste e funebre comraentario datado do Porto no dia 4 d'este mez!

Este codigo vigora ha seis annos, e, desde a sua publicação, em cada anno, em cada mez, em cada semana e em cada dia se têem levantado brados contra o seu systema financeiro e economico. Umas vezes é o professor de instrucção primaria cheio de fome e de miseria, cuja lastimosa situação envergonha a civilisação d'esta terra; outras vezes é o abuso, administrativo e politico, das faculdades concedidas ás corporações locaes sobre a viação publica; outras vezes, é, como agora, a resistencia armada contra o vexame tributario, que a lei faculta e permitte, indicando as fontes da fazenda municipal, n'uma extraordinaria amplitude, sem as definir, sem as precisar, sem as combinar com as finanças do estado, como se fossem dois factos sociaes desconnexos e independentes! (Apoiados.}

Estes protestos enchem o paiz. E não podem ter-se perdido no movimento da vida geral.

É certo que a vida politica de hoje é extremamente complexa, e a imprensa, que a traslada e serve, rola e agita confusamente todos os assumptos que se lhe referem; mas tambem é certo que desde 1878 o parlamento, em todas as suas sessões, se tem tornado echo das reclamações do paiz contra a lei administrativa, e o governo, tão facil e fecundo em promessas, ainda não teve tempo nem occasião para remediar os inconvenientes d'essa lei, para cumprir a sua palavra, para satisfazer os compromissos solemnemente tomados diante do parlamento.

Não sei como poderá explicar essa omissão, de que soffre, n'este momento, as consequencias e as responsabilidades. Não sei como a poderá explicar, a não ser pela necessidade de empregar todo o tempo, todos os dias, todas as horas, na reforma do exercito pelos processos que mais affrontosos podiam ser para a consciencia publica, (Apoiados) e na redacção do projecto das reformas politicas, em que era preciso metter toda a habilidade do sr. Fontes, e ainda essa outra cousa que s. exa. chama, engraçadamente, o espirito do seculo. (Apoiados.)

Por isso, sr. presidente, eu affirmo que os acontecimentos do Porto caem sobre quem podia evital-os e não os evitou; por isso eu asseguro que esses acontecimentos, considerados como symptoma do estado geral, e é por esse lado que os considero principalmente, são da inteira responsabilidade de quem mais tem contribuido para o descontentamento geral, para o profundo desalento, para a completa descrença, para a miseria moral e economica a que o povo tem chegado nos ultimos annos do nosso desregramento constitucional. (Apoiados.)

Os acontecimentos do Porto caem sobre o governo, e a sua primeira e maior responsabilidade pertence ao sr. Fontes Pereira de Mello. Pertence-lhe por muitas rasões, e principalmente por esta, que não póde ser desconhecida de ninguem, que me não póde ser annullada por argumento algum; pertence lhe porque s. exa. nos governa ha quinze annos sem limitação de poder, sem embaraços, discricionariamente, com a excepção de curtissinios intervallos destinados ao seu descanso e cuidado pessoal. (Apoiados.)

Sr. presidente, vê pouco e vê mal quem não considera devidamente a acção que o procedimento dos governos tem na educação dos povos. O exemplo, quando vem de cima, quando vem do alto, propaga-se e é fecundo. A anarchia do poder importa sempre comsigo a anarchia das consciencias em que esse poder se exerce. E anarchia, desordem, tumulto permanente, tem sido a vida d'este governo, nas suas successivas transfigurações, desde 1881 até hoje. (Apoiados.) Dictaduras, fusões e allianças politicas inexplicaveis, pomposas promessas nunca cumpridas, o desbarato da fazenda publica, a diminuição do nosso credito, quatro annos sem um alto pensamento e sem uma obra boa, eis o que assignala este largo consulado do sr. Fontes Pereira de Mello, que parece resolvido a realisar, mais cedo do que se temia, o funebre vaticinio attribuido, não sei se com rasão, a um velho duque, fallecido ha pouco tempo! E como o ultimo grande poeta da Allemanha, H. Heine, desejava um amplo caixão, em que podessem caber o seu corpo e todos os seus sonhos - poder-se-ha dizer que o sr. Fontes abre, com os seus attentados politicos, um espaço tão largo e tão profundo, que decididamente quer sepultar n'elle as instituições e o paiz...

Sr. presidente, o ultimo ministerio progressista que tive a honra de apoiar n'esta camara, e que tão largas tradições deixou de honestidade politica e de economia administrativa, caíu, como é sabido, diante de um movimento popular. Designo assim, por euphemismo, isso que houve nas das de Lisboa.

Foi enormemente injusto esse movimento, preparado o explorado, principalmente, pela opposição regeneradora.

O imposto do rendimento tornou o necessario a penuria do thesouro, levada á extremidade pela administração regeneradora; o tratado de Lourenço Marques, que talvez a conferencia de Berlim nos faça lembrar com saudade, era da responsabilidade de uma situação regeneradora, e tinha a assignatura do sr. conselheiro Andrade Corvo!

Mas emfim o movimento fez-se, cooperando n'elle juntamente, na melhor das harmonias, o partido regenerador, o partido constituinte e o partido republicano.

Não tinha importancia, não era serio. Foi um artificio da opposição, que parecia augmentada, simplesmente porque se movia. Eu disse tudo isto, e disse mais, quando esse movimento, protegido pelo actual presidente do conselho, triumphava completamente, compromettendo para a historia, que pouco depois se lhe abriu, o nome saudoso de Rodrigues Sampaio, e viciando, pela origem, a estreia de alguns homens novos, cheios de talento e de prestigio!

Diante d'esse movimento que foi o que succedeu? Todos se lembram. Redigiu-se e apresentou-se na camara alta uma moção, que ficou celebre, e pediu-se, exigiu-se, reclamou-se a demissão do ministerio em nome do sangue derramado, da ordem compromettida e dos interesses nacionaes em perigo!

Estranha coincidencia! Os dois collaboradores d'essa moção, o que prestou a letra e o que forneceu o espirito, estão hoje nos conselhos da corôa, um presidindo ao gabi-

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nete, outro sentando-se-lhe á direita, e sobraçando a pasta politica de maior responsabilidade, a pasta do reino! E desde que s. exas. governam, a anarchia mansa, que existia latente na consciencia nacional, manifestou-se, veiu a lume e poz largas nodoas de sangue no acto eleitoral a que presidiram, e agora no conflicto levantado entre o municipio da cidade do Porto e o povo d'aquella cidade!

Bem sei que o governo não tem a responsabilidade directa e immediata do sangue derramado na ilha da Madeira, em Ourem e no Porto.

Ás tradições do partido regenerador, e ao caracter dos seus homens dominantes, repugna o emprego de processos tão violentos, que têem, alem de outros, o inconveniente de ser inhabeis, encurtando a duração dos ministerios que os empregam; e os ministerios de procedencia regeneradora querem sempre viver, desejam viver, precisam de viver... Mas se o governo não tem a responsabilidade directa e immediata d'estes tristes acontecimentos, tem outra responsabilidade maior, tem a responsabilidade das causas que os determinaram, e esta ha de soffrel-a agora, ou mais tarde, porque a justiça popular é morosa, mas inevitavel.

E uma parte da sua expiação lhe annuncio eu já. Conte que, dentro de pouco, na outra camara, um illustre fidalgo, veneravel pela sua idade, respeitado pelos seus longos serviços ao paiz, assignalado pela sua coragem nos grandes dias do Imperador, de quem foi companheiro e amigo, altamente collocado na casa do Rei, que serve com extremosa dedicação, ha de levantar a sua veneranda voz confessando que tem medo, muito medo, do que ha e do que póde vir! (Vozes: - Muito bem).

Eu, sr. presidente, não tenho medo dos acontecimentos do Porto. Pungem-me, mas não me assustam. Impressionam-me como symptoma do estado publico, mas não me fazem tremer pelas suas consequencias immediatas.

Aquellas barricadas exprimem apenas o desgosto popular, que é grande, e vem de longe, mas não servem um pensamento definido, não são ainda as barricadas da revolução. A dynamite não destruirá, não matará!! (Apoiados.) É grave que o bom, o laborioso, o paciente povo do norte conheça e use já esses processos; mas não tem atraz de si um partido que o dirija, e não ha n'esta camara nem na outra quem queira explorar habilmente a gravidade d'esta situação. E quando falta isto, os conflictos resolvem-se de pressa, a guarda municipal avança alguns passos, o governo retrocede e transige, e voltam logo a ordem exterior e a tranquillidade apparente.

Por isso não tenho medo dos acontecimentos do Porto. O que me faz tristeza é o que elles significam e traduzem, porque traduzem e significam um estado geral de pessimismo irresistivel, e de profundo mal estar, e de negação completa, que, em determinado momento, poderão levar o povo muito mais alem do que querem, desejam e esperam os partidos mais adiantados d'esta terra. É d'isso que eu tenho medo. E lamento que o não tenha o governo.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, é a primeira vez que tenho a honra de ouvir o illustre deputado que acaba de fallar.

Sabia pela fama publica que os seus dotes parlamentares eram grandes. Vejo agora confirmada essa opinião, e com satisfação o digo, porque tenho sempre muito gosto em ver apparecer, em ver surgir nas camaras legislativas talentos brilhantes, talentos que illustrem e honrem as assembléas de que fazem parte.

Já vê o illustre deputado como eu respondo serenamente e até com o elogio da sua pessoa, ás pouco amaveis observações que fez a meu respeito.

Eu sou assim, cada um tem o seu feitio.

Sr. presidente, eu tambem não tenho medo dos acontecimentos do Porto. Deploro-os, como o illustre deputado; deploro-os, como um mau symptoma, e bem vê s. exa. por isto que não estamos muito affastados, no que respeita ao modo por que devem considerar-se aquelles acontecimentos.

Deploro-os, repito, como um mau symptoma, porque é sempre um mau symptoma appellar-se para a violencia, para a força, para as armas, tratando-se de questões que podiam e deviam resolver-se no espirito da constituição, na letra d'ella e nas tradições dos paizes que sabem usar da liberdade pelos meios pacificos que estão ao alcance de todos. (Apoiados.)

Deploro aquelles acontecimentos, e tanto mais quanto me parece que elles podem ter sido, não um acto espontâneo das populações irritadas, (Apoiados.) mas a consequencia de suggestões mais ou menos apaixonadas, que não sei donde partiram, porque não accuso ninguem, mas que até certo ponto nascem do exame dos factos e das consequencias que elles tiveram. (Apoiados.)

Quando eu vejo, por exemplo, que nos acontecimentos a que me refiro, n'aquelles graves e deploraveis acontecimentos, quasi todos os individuos que foram presos por estarem alliciando as massas populares a impedirem, empregando violencias, que viessem á cidade do Porto os generos necessarios á alimentação publica, são ourives, são chapelleiros, são emfim negociantes e não proprietarios de carros ou lavradores, mais directamente interessados na questão; (Muitos apoiados) quando vejo tudo isto, é me licito suppor que não foi a indignação popular, excitada por um vexame qualquer, partisse elle d'onde partisse, o que produziu aquelles resultados. (Apoiados.)

Não o affirmo, não o posso affirmar; mas posso suppor, é me licito suppor, que algumas suggestões, motivadas por paixões ou por quaesquer circumstancias, que não me é dado devassar no animo de ninguem, levassem individuos que, pelas suas profissões, eram naturalmente estranhos ao assumpto de que se tratava, a incitar as massas populares á pratica de violencias que se traduziam nada menos do que no proposito de reduzir á fome uma cidade inteira.

E digo - reduzir á fome -- porque até se tratava de impedir que viesse á cidade o gado que havia de ser abatido para se prover á alimentação do povo. (Apoiados.)

Repito: tambem vejo n'estes acontecimentos um mau symptoma, como o illustre deputado vê; mas é n'este sentido: é como resultado da propaganda que ha muito tempo se faz ás massas, exhortando-as a que resistam constantemente á auctoridade. (Apoiados.)

É prejudicialissima esta propaganda e d'ella hão de ser victimas todos os partidos politicos. (Apoiados.)

Illudem se quando pensam que, procedendo assim, atacam simplesmente um governo qualquer que esteja dirigindo os negocios publicos; o que atacam é a entidade governo, o principio da governação publica. (Muitos apoiados.)

Ha muito tempo que estou acostumado, á honra immerecida, mas immensa, de ser o unico responsavel, n'este paiz, por tudo quanto se faz; do que não tinha ainda tido a honra era de assim ser declarado pelo illustre deputado; e é honra muito mais subida, por que, sendo s. exa., como realmente é, um grande talento, um grande orador, um espirito elevado e claro, eu devo suppor que ha realmente fundamento para que se me attribua essa responsabilidade.

A minha vaidade sente-se extremamente satisfeita, mas não posso com tanta gloria; francamente, não posso. (Riso.)

Desde que pela primeira vez tive a honra de entrar nos conselhos da corôa, outras diversas parcialidades politicas têem governado por mais de quinze annos; e todavia só eu sou responsavel pelo que fiz e pelo que ellas fizeram!

Desde que se publicou o codigo administrativo de 1878,

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a que se referiu o illustre orador, o partido, a que s. exa. pertence, esteve quasi dois annos no poder, e o codigo lá está tal e qual foi publicado; mas o responsavel sou eu!

O sr. Navarro: - Foi justamente a reforma d'elle que o partido progressista propoz.

O Orador: - Propoz?! Mas porque não tratou de conseguir a sua realisação?
(Apoiados.) Propor é a cousa mais simples do mundo.

Se nós vivessemos de propostas, oh! senhores, seria isso um edem, um eldorado. Mas a questão não é só de propor, é principalmente converter em lei do estado o pensamento governativo; (Muitos apoiados.) para isso é que se torna necessario viver; é necessario governar; e saber governar não é só fazer propostas, para isso todos servem, qualquer é sufficiente, até eu.

Tenho feito muitas propostas; e se de alguma cousa me honro não é d'isso, mas de ter tido a fortuna de traduzir em leis do paiz os meus pensamentos.

(Interrupção do sr. Navarro, referindo-se ás arruaças de Lisboa em 1881.)

e isto é dialogo, estou prompto a acceital-o, porque acceito todos os dialogos, todas as conversas, quaesquer que ellas sejam, e onde quer que forem; mas eu declaro, por mim, que não tomei parte alguma, sabe-o o paiz inteiro, e o illustre deputado que me interrompeu tambem o sabe muito bem, nem directa nem indirecta, n'esse movimento a que se referiu o sr. Antonio Candido; e quando me faltaram n'elle alguns amigos, condemnei-o acerbamente.

O sr. Antonio Candido: - Então sempre alguem fallou n'isso a v. exa.?

O Orador: - Se alguem me fallou n'esse tal movimento?! Ora essa! Pois não durou elle uns poucos de dias? Como não sou cego nem surdo, era impossivel que não soubesse o que se passava na cidade de Lisboa, onde estava, onde nasci e onde vivo; não era preciso que m'o dissessem.

Por consequencia, eu sabia desse movimento, assim como todos sabem perfeitamente que eu não tomei parte n'elle.

Bem sei o que estes acontecimentos produzem, assim como sei tambem que aquelles que os dirigem, não vão lá, ficam em suas casas; mas eu nem fui lá nem mandei ninguem.

Posso, porém, assegurar ao illustre deputado que, se alguma vez tivesse a desgraça de ter similhante opinião, e apoiasse arruaceiros, ía com elles não ficava em casa.

Tenho dito mais de uma vez, e repetil-o-hei muitas vezes, porque não quero a responsabilidade do que não me pertence, que o movimento de que se trata, se se pode chamar movimento a essa arruaça feita em Lisboa por occasião do imposto do rendimento, ou com esse pretexto, não foi elle dirigido, nem iniciado, nem auctorisado por mim. E se apparecer alguem que me possa dizer, cara a cara, por acto praticado por mim, ou por palavras minhas, que fui cumplice nesse acontecimento, penitenciar-me-hei diante do meu paiz. Mas ninguem o póde dizer. (Vozes: - Muito bem.) Por consequencia rejeito a responsabilidade.

O que é peregrino, o que é extraordinario é que o talentoso deputado, o sr. Antonio Candido, e não quero dizer com isto que não sejam tambem talentosos todos os outros ers. deputados; respeito muito os talentos alheios para não os disputar a ninguem; o que é extraordinario, repito, é que o talentoso deputado queira tornar-me responsavel por uma resistencia havida na cidade do Porto, ou nas suas vizinhanças, contra um imposto que não foi lançado pelo governo, mas pela respectiva camara municipal!

O governo que está á frente dos negocios tem toda a responsabilidade; mas não é ao governo que a exigimos, dizem s. exas., é ao sr. Fontes. E diante d'isto desapparecem os meus collegas. Muito bem; mas elles é que não devem ficar muito lisonjeados com isso. (Riso.)

Eu declaro desde já que, se se trata de glorias, quero repartil-as por todos os meus collegas; mas, se se trata de responsabilidades, torno-as só para mim. (Vozes: - Muito bem.)

Não posso com as glorias que me attribue o illustre deputado, mas posso com a responsabilidade; sempre pude, e nunca fugi a ella.

É notavel! Na questão sujeita a responsabilidade é toda minha, embora o imposto seja da camara municipal do Porto; mas em 1881 o governo não teve responsabilidade alguma, não obstante o imposto ter sido lançado pelo governo, porque, emfim, esse governo era apoiado pelo illustre deputado. Teve elle essa fortuna, que nós não temos, e tomára eu saber como a poderia conseguir. (Riso.)

O sr. Antonio Candido: - Ahi está o costumado processo.

O Orador: - É um processo de certo, mas honroso para todos. Pois se eu podesse captivar o illustre deputado, se podesse convencel-o, trazel-o ás minhas idéas, porventura seria isso uma cousa deshonrosa para mim ou para s. exa.? (Apoiados.)

É um processo que se usa em toda a parte e de que o proprio illustre deputado tem usado e está usando agora mesmo, porque está procurando attrahir a camara ao seu modo de ver.

Não quero antecipar idéas, nem argumentos; quiz unicamente responder, como me cumpria aos illustres deputados que chamaram a minha attenção para estes acontecimentos. E a dizer a verdade pouco mais tenho a responder ao sr. Antonio Candido, porque debaixo do ponto de vista restricto da questão, levantada por outro illustre deputado que se senta do lado direito da camara, s. exa. quasi que não tratou d'essa questão, limitando-se, em phrase levantada e com espirito pouco justo, permitta me que lhe diga em boa paz o sem animo de offensa, a lançar um certo numero de responsabilidades sobre o presidente do conselho, e a discutir, ou pelo menos incriminar, como a causa primaria de todos estes acontecimentos, a lei de maio de 1878.

Sr. presidente, o codigo administrativo não é de certo um modelo e o governo tem já dito em ambas as casas do parlamento que carece de modificações. Creio que v. exa. declarou hontem constituida a camara, e não me parece que o illustre deputado tenha muita rasão para accusar o governo por não ter vindo trazer ainda uma reforma completa ou parcial de um ou outro artigo do codigo administrativo. A sua impaciencia é justificada de certo pelo seu amor ás cousas publicas, mas a minha demora ou a do governo é tambem, creio eu, justificada pela altura da sessão em que estamos e que apenas acaba de nascer. Mas se o illustre deputado, ou todos nós tivermos vida e saude e não houver aqui as grandes calamidades que assolam outros paizes, teremos vida prolongada ainda por largos mezes para tratarmos d'esse e de outros assumptos.

Por consequencia, acompanhando o illustre deputado, em primeiro logar, na sua declaração, de que não tem medo dos acontecimentos do Porto; acompanhando-o depois na outra declaração de que os deplora; acompanhando-o ainda na sua apreciação, quanto a considerar as occorrencias do Porto mais como symptoma do que outra cousa e symptoma que condemna como eu o condemno, não acompanho todavia nas accusações que dirigiu ao governo e ao presidente do conselho, porque, por muita vontade que eu tenha de acompanhar o illustre deputado, não o posso fazer n'esta parte e seria mesmo uma inepcia minha, se o fizesse.

Limito aqui as minhas declarações sobre a questão que propriamente se suscitou n'esta assembléa, porque ainda se não disse cousa que me obrigasse a mais largo desenvolvimento. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Interrompe-se esta discussão para

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ser introduzido na sala um sr. deputado que está nos corredores da camara, a fim de prestar juramento.

(Introduzido pelos srs. vice-secretarios, prestou juramento o sr. Braga.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (A. A. de Aguiar): - Mando para a mesa uma proposta de accumulação de funcções.

Leu se na mesa.

É a seguinte:

Proposta

Na conformidade do artigo 3.° do acto addicional, tenho a honra de pedir á camara dos senhores deputados da nação portugueza, que permitta possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico da competencia do ministerio das obras publicas, commercio e industria, os seguintes srs. deputados:

Pedro Roberto Dias da Silva e Francisco Augusto Florido de Mouta e Vascencellos, chefes de repartição.

Mariano Cyrillo de Carvalho, Estevão Antonio de Oliveira e José Maria dos Santos, vogaes do conselho geral do commercio, industria e agricultura.

João Ferreira Braga, vogal addido ajunta consultiva de obras publicas e minas.

Antonio José d'Avila, em serviço na direcção geral dos trabalhos geodesicos do reino.

Lourenço Augusto Pereira Malheiro, em serviço na repartição de minas.

Rodrigo Affonso Pequito, professor do instituto industrial e commercial de Lisboa.

Henrique da Cunha Matos de Mendia, chefe de serviço agricola no instituto geral de agricultura.

Augusto de Sousa Lobo Poppe, em serviço na direcção de fiscalisação das linhas ferreas de leste e norte.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 7 de janeiro de 1885. = Antonio Augusto de Aguiar.

Approvada sem discussão.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Por parte dos srs. ministros da justiça e da marinha mando tambem para a mesa iguaes propostas de accumulação.

Leram-se na mesa.

São as seguintes:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital, dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, os srs. deputados:

Arthur Urbano Monteiro de Castro.
Agostinho Lucio e Silva.
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.
Augusto Neves dos Santos Carneiro.
Emygdio Julio Navarro.
Firmino João Lopes.
Frederico de Gusmão Correia Arouca.
Ignacio Francisco Silveira da Motta.
João Ribeiro dos Santos.
Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos.
Joaquim Antonio Neves.
Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre.
Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.
Manuel d'Assumpção.
Marçal de Azevedo Pacheco.
Pedro Augusto de Carvalho.
Visconde do Rio Sado.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 5 de janeiro de 1885. = Lopo Vaz de Sampaio e Mello.

Approvada.

Proposta

Em conformidade do artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede á camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com o dos seus empregos ou commissões dependentes deste ministerio, os srs. deputados:

João Eduardo Scarnichia.
Joaquim José Alves.
José Bento Ferreira de Almeida.
Pedro Guilherme dos Santos Diniz.
Tito Augusto de Carvalho.

Secretaria de estado dos negocios da marinha e ultramar, em 7 de janeiro de 1885. - Manuel Pinheiro Chagas.

Approvada.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, accedendo ao desejo que o sr. presidente do conselho de ministros acaba de manifestar, de que, se porventura algum reparo, mais digno de ser respondido, a s. exa. se apresentasse, não teria elle duvida em tomar immediatamente a palavra, eu, circumscrevendo a questão, que entendo deve ser limitada a certos e determinados pontos e promettendo ser muito breve, tanto quanto possa sêl-o para ficarem bem illucidados os pontos que precisam ser esclarecidos, vou levantar algumas das asserções pronunciadas pelo sr. presidente do conselho e pedir-lhe que essas asserções sejam claramente documentadas, sem o que não podarei acceital-as como justificação do governo.

Antes, porém, sr. presidente, de responder ao illustre presidente do conselho de ministros, eu levantarei a titulo de mera curiosidade umas palavras do discurso do sr. deputado que me precedeu, o qual, sendo membro da maioria, em vez de esclarecer-nos a todos a respeito dos factos occorridos no Porto, entendeu por melhor entreter a camara com uma tremenda objurgatoria contra a idéa nova na phrase pittoresca de s. exa., parecendo querer imputar as desordens portuenses a não sei que tenebrosos manejos do partido republicano.

Com respeito á idéa nova e á correlação entre a tal idéa e os successos do Porto, tenho a dizer a s. exa. que me parece, pelo contrario, bem velho o expediente de se levantar uma população contra as extorsões do fisco. E tão velho é esse expediente que o illustre deputado póde, se quizer, encontrar d'elle um echo em muitas paginas dos annaes parlamentares do sr. presidente do conselho, que já não são muito novos.

É esta a unica resposta que dou ao discurso do sr. Garcia, de Lima.

Emquanto ao sr. presidente do conselho tenho a dizer a s. exa. que a impressão que recebi pelas suas primeiras explicações á camara, relativamente aos successos que tiveram logar na cidade do Porto, me foi verdadeiramente dolorosa, não por mim, porque já as esperava, mas pela dignidade d'esta camara, que em assumpto de tão alta gravidade tinha o incontestavel direito de ser melhor e mais precisamente informada pelo governo.

O sr. presidente do conselho entendeu que devia repetir, pouco mais ou menos, em phrases resumidas, indifferentes e perfeitamente tranquillas, aquillo mesmo que já mais circumstanciadamente se sabia pelos jornaes.

Nas phrases do sr. presidente do conselho encontram-se expressões d'esta ordem: «houve abusos da parte do povo», «houve actos de resistencia á força armada», «procurou-se apaziguar successivamente», «empregou-se a força successivamente», etc.

Oh! sr. presidente! Pois trata-se da intervenção da força publica em uma greve, e das consequencias funestissimas a que essa intervenção deu logar, e; sendo este o

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ponto capital da questão, o sr. presidente do conselho procura responder ás perguntas categoricas que se lhe fazem, com estas phrases vagas, quasi verdadeiras evasivas, que a nada obrigam, que a nada vinculam a responsabilidade do governo?!

É preciso que se descreva tudo o que se passou em termos claros e terminantes.

É preciso saber-se qual o procedimento da força publica em tão grave conjunctura; se ella cumpriu todas as formalidades que os regulamentos policiaes mandam observar n'estes casos, ou se pelo contrario ella arbitrariamente commetteu uma grande violencia, direi mesmo, um crime atroz. Por tudo isso o governo é responsavel perante a camara.

O sr. Antonio Candido, dirigindo-se ha pouco ao sr. presidente do conselho, invocava a sua leitura em litteratura allemã, a proposito do trecho de um poeta da Grermania, que citava; permitta-se-me que, seguindo o exemplo do meu illustre collega, eu invoque tambem as leituras do sr. presidente do conselho para um trecho de litteratura politica franceza que deve, sem duvida, ser conhecido de s. exa.

Quando o sr. presidente do conselho se levantou ha pouco e em phrases banaes, releve-me s. exa. a expressão, e em termos vagos, improprios do assumpto e da occasião, descrevia qual tinha sido o procedimento da força publica para com os grevistas do Porto, recordei-me involuntariamente de um debate celebre, occorrido no parlamento francez nos ultimos tempos da existencia do imperio.

O facto que então se discutia era em tudo analogo a este de que nos occupâmos agora.

Como o sr. presidente do conselho deve saber, tratava-se de uma greve promovida por operarios da mina Creuso, da intervenção da força publica, n'esse movimento de resistencia.

A força publica interviera, mas conservára-se na expectativa; não teve que disparar um tiro, não houve um unica victima a lamentar.

Entretanto, percorrendo os annaes parlamentares francezes d'essa epocha, v. exa. póde ver como na sessão a que me estou referindo se estabeleceu a verdadeira doutrina constitucional e parlamentar em assumptos analogos; doutrina digna de servir de norma aos governos que se sentem honrados ao respeitarem a liberdade dos cidadãos nas suas legitimas manifestações.

A theoria exposta com admiravel lucidez, viril eloquencia, e com o assentimento de uma parte importante da camara, pelo illustre tribuno Gambetta, é que a intervenção da força publica era face de uma greve, a não ser n'um certo numero de casos restrictos e bem especificados, representa um acto violento do poder; acto que tornará responsavel o governo por todas as tristissimas consequencia: que d'essa intervenção possam resultar.

E agora, note bem a camara, não se trata de um case de mera expectativa da força publica em presença de um movimento grevista, como então; trata-se da intervenção effectiva da força armada, do espingardeamento do povo, que teve como consequencia alguns ferimentos e a morte de dois populares, que eram chefes de familia, e que deixam esposa e filhos em tristissima orphandade!

Pois não mereceriam essas duas victimas, ás quaes s. exa. tão de leve se referiu no seu discurso, mais algumas palavras para que todas as responsabilidades officiaes podessem ficar devidamente liquidadas?

O sr. Antonio Candido declarou que já tinha o seu juizo formado ácerca do que significaram os acontecimentos do Porto. Tambem eu sei, sr. presidente, o que esses acontecimentos significam, e como se explicam. Explicam-se, pelo estado de desorganisação e desordem anarchica, em que este pobre paiz se encontra.

Tambem sei que esses motivos são apenas symptomas de um estado pathologico geral; tambem sei que elles são apenas um acto de drama em que, quem sabe, por quantas peripecias nós próprios teremos que passar.

Tambem sei que esses acontecimentos que se deram agora no Porto se hão de repetir cada vez mais a miudo; porque, recordando á camara a phrase que proferi ha pouco, estou convencido que a nação começa a responder de um modo sinistramente serio á imprudente imprevidencia dos seus governantes.

Não ha duvidas, não podemos illudir-nos a tal respeito. A nação começa a reagir contra a phrase impensada e provocadora que se encontra no discurso da corôa, que o paiz está desafogado para poder pagar os seus compromissos, phrase que não e mais do que uma nova edição d'essa outra do si, presidente do conselho: «que o paiz póde e deve pagar mais».

Explique s. exa. como quizer os successos do Porto; mas o que é certo é que o povo está nas circumstancias da não poder nem dever pagar mais, pelo menos em quanto nos diversos ramos da administração publica se não fizerem as reformas que são indispensaveis, e que o simples s bom senso bastaria a aconselhar!

Estou completamente de accordo com o que disse o sr. Antonio Candido ácerca da significação dos acontecimentos do Porto.

Não será ainda a revolução; mas, quem sabe? talvez paraphraseando um dito celebre dirigido a Luiz XVI, quando estavam escalando os muros da Bastilha: nos devemos dizer que é o começo d'ella!...

O que posso affirmar ao sr. presidente do conselho é que estes factos succeder-se-hão com mais frequencia de hoje em diante, se a administração publica continuar entregue aos baldões de uma politica sem patriotismo nos seus intuitos, sem sciencia e sem consciencia nos seus resultados e nas suas applicações!

Mas voltemos á questão, quanto a mim, principal d'este debate.

Ha victimas e portanto, é preciso saber-se á vista dos documentos officiaes, qual foi a altitude que o governo tomou em face dos acontecimentos. É preciso saber-se qual foi o procedimento do governo era face do conflicto que ha dias se preparava e se previa.

Por isso eu sinto que o sr. presidente do conselho não tivesse apresentado já os documentos necessarios para mostrar a grande responsabilidade que lhe cabe. São precisos documentos e não palavras, documentos e não phrases, por que estas por si. só não convencem ninguem, apesar dos applausos da maioria que o sr. presidente do conselho com tanta solicitude cultiva!

Eu preciso em primeiro logar saber quaes foram as instrucções dadas pelo governo ao seu delegado, o governador civil do Porto; em segundo logar preciso ter conhecimento das ordens dadas pelo sr. ministro da guerra ao general da divisão; preciso tambem saber quaes foram as instrucções dadas pelo governador civil do Porto ao commandante da guarda municipal, o qual segundo é voz publica, foi quem deu ordem de fogo á tropa que atirou sobre o povo. E conforme o que disserem os documentos, eu não terei duvida em vir dizer a esta camara se o governo andou correctamente ou não, para no caso negativo lhe formular a mais severa censura.

Mas não concluirei sem levantar duas ou tres asserções curiosas do sr. presidente do conselho, uma d'ellas tanto mais digna de reparo, por partir de um homem que tem por mais do uma vez sobraçado a pasta da fazenda.

V. exa., sr. presidente, viu que uma das rasões dadas pelo sr. presidente do conselho para desvirtuar a origem; ou a intenção do movimento do Porto, foi que, tendo esse movimento como causa o imposto municipal sobre os carros, era para estranhar que entre os presos apparecessem chapelleiros, ourives, commerciantes, quando tal gente nada absolutamente tinha que ver com o imposto dos carros.

Estas phrases proferidas emphaticamente pelo sr. presi-

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dente do conselho, por um financeiro, ou pelo menos por um ministro que tinha obrigação de o ser, por isso que tem gerido a pasta da fazenda em differentes administrações, é uma heresia de tal ordem, que eu confesso não esperava ouvir a s. exa.

Pois então porque o imposto dos carros vae directamente incidir sobre os carreiros, não têem nada que ver com tal imposto as outras classes? Pois não se sabe que esta contribuição deve, em ultima analyse, ser paga pelos consumidores da cidade? Pois ignora o sr. ex-ministro da fazenda que se trata de um caso de «incidencia» e «repercussão» de imposto, previsto pelo bom senso popular?

Então como póde alguém admirar-se e muito menos s. exa., que interviessem no movimento os commerciantes ou industriaes?

S. exa. o sr. presidente do conselho pareceu-me querer lançar desdouro sobre a genuidade do movimento do Porto, unicamente porque n'elle intervinham chapeleiros e ourives; pois eu digo que esta circumstancia de tomarem parte no movimento individuos que exercem diversas profissões, algumas d'ellas de grande importancia e influencia, bastava pelo contrario para mostrar a seriedade da greve de resistencia aos impostos lançados pela camara municipal do Porto!

Demais, sr. presidente, uma corporação administrativa não tem a força moral necessaria para cobrar novos impostos, quando essa corporação, como a camara municipal do Porto, ainda não ha muito tempo gastava loucamente o dinheiro dos seus cofres em festas, que a consciencia publica já marcou com o stygma indelevel de uma merecida reprovação!

O sr. presidente do conselho, que esteve em Inglaterra, deve saber como em Londres se fazem meetings e greves quasi mensalmente; recordo-me neste momento de uma greve celebre na historia da grande metropole ingleza, realisada em 1860, e tendo como consequencia uma enorme manifestação em Regents Park, composta de 160:000 pessoas, todas operarios constructores.

Esta monstruosa manifestação grevista reuniu-se em plena paz, não se encontrando nem um unico policeman em meio dos manifestantes, para intervir nos actos de resistencia legal que ali tiveram logar.

E isto porque? Porque era Inglaterra nenhum estadista, embora pertencesse á escola mais reaccionaria (e eu desejaria que os liberaes do meu paiz fossem tão avançados como os reaccionacios d'aquella nação), porque nenhum estadista, digo, embora reaccionario, ordenaria ali que a força publica interviesse em uma reunião d'aquella ordem.

É assim, sr. presidente do conselho, que se respeita a liberdade!

Vou concluir renovando o meu pedido, sr. presidente.

O que eu peço são os documentos das ordens dadas pelo sr. ministro do reino ao governador civil do Porto, e os documentos que mostrem quaes as instrucções que o commandante da guarda municipal recebeu do governador civil d'aquelle districto.

Sabe-se que o sr. governador civil do Porto se comprometteu a usar da sua influencia para se suspender o imposto sobre os carros, depois de se terem dado os tristes successos a que nos estamos referindo, e depois do meeting imponentissimo a que concorreram todas as classes do Porto, ter, por assim dizer, arrancado á auctoridade tal promettiinento.

Pois bem. Se o governador civil do Porto, quer dizer, se o governo julgou que tinha força bastante para poder fazer suspender o imposto, depois de se terem dado as desordens e as mortes que se lhes seguiram, porque não fez esse mesmo promettimento quando a greve ainda não tinha attingido o seu estado agudo, e não passava ainda de um movimento pacifico e perfeitamente legitimo?

Se o governador civil do Porto se considerou auctorisado a prometter que seria suspenso o imposto sobre os carros, porque não tomou essa mesma deliberação dois dias antes, com o que se teriam evitado as desgraças que depois succederam?

Pergunto: porque não mandou o governo fazer essa communicação mais cedo aos interessados?

De modo que, este acto pelo qual eu poderia louvar o ministerio em virtude da sua prudencia, se antes se houvesse praticado, tornou-se exactamente em libello de severa condenmação, pela maneira como se effectuou: fóra de tempo e quando nada podia já evitar.

E depois, sr. presidente, o dilemma n'este caso é fatal. Se o governador civil se comprometteu a que o imposto sobre os carros seria suspenso, é porque entendeu que esse imposto era iniquo; pois, de contrario, se houvesse julgado que elle era justo, não daria assim rasão aos manifestantes.

Se o imposto fosse equitativo, seria um triste acto do pussilanimidade e fraqueza da parte do governo recuar perante uma manifestação popular, n'esse caso sem rasão. Mas não era equitativo o imposto sobre os carros, e a prova de que o não era está no procedimento do governador civil do Porto.

A responsabilidade do governo, apesar de se tratar de um imposto municipal, já vê v. exa. que não é tão pequena como ao sr. presidente do conselho se afigurava.

Concluindo as minhas considerações, peço ao sr. presidente do conselho que remetia a esta camara copia da correspondencia e telegrammas trocados entre o governo e o seu delegado na cidade do Porto, assim como a nota das instrucções dadas pela mesma auctoridade ao commandante da guarda municipal.

Limito-me a fazer este pedido, sentindo que o sr. presidente do conselho não tivesse começado o seu discurso pela apresentação de taes documentos, que constituem o corpo de delicto necessario para que possamos emittir a nossa opinião ácerca dos factos occorridos no Porto e da responsabilidade que n'elles cabe ao governo.

Disse.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Quando ha pouco usei da palavra, não comecei exactamente por onde queria o illustre deputado que acaba de fallar, porque, eu só tinha que responder ás perguntas que se me faziam.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Ainda tenho mais perguntas a fazer.

O Orador: - Então o illustre deputado tem mais perguntas a fazer, e guardou-as para depois? Pois foi o mesmo que eu fiz. (Riso.) Responde-se ao que se nos pergunta, e não ao que está fora da discussão. (Apoiados.)

Eu, que fui agora mais particularmente aggredido pelo illustre deputado, pelas faltas que tenho commettido e peias responsabilidades que sobre mim pesam, provenientes dos acontecimentos do Porto e pela omissão de documentos que possam justificar o governo, vou responder a alguns pontos que julgo necessario esclarecer, mas em breves palavras, porque a hora está adiantada e eu não quero abusar da benevolencia da camara.

Sobre tudo procurarei responder, por parte do governo, ás arguições feitas pelo nobre deputado.

Em primeiro logar, declaro que não tenho duvida alguma em mandar para a camara, se ella assim o desejar, copia da correspondencia havida entre o governo e o seu delegado no Porto, a respeito dos acontecimentos de que se trata; e se a hora não estivesse tão adiantada, se a luz não fosse tão pouca e a minha vista não estivesse já tão cansada, talvez eu lesse á camara essa correspondencia, porque a tenho aqui na minha gaveta. Não o faço, porém, e ficará para ser enviada para a mesa, se a camara, repito, assim o desejar.

Devo, porém, declarar desde já, que as instrucções dadas pelo governo ao seu delegado no Porto foram: que mantivesse a liberdade de todos e que procedesse com firmeza e

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energia contra aquelles que quizessem perturbar a paz publica. (Muitos apoiados.)

As ordens dadas á força publica em regra são: que ella deve por meios suasorios e sómente com a sua presença, procurar evitar conflictos, que nunca deixam de ser deploraveis e cujas consequencias são sempre para sentir, mas que todas as vezes que for aggredida com mão armada, responda com mão armada a essas aggressões. (Apoiados. Vozes: - Muito bem.)

Fique o nobre deputado sabendo já quaes são as instrucções dadas, não em especial para este caso, mas para todos os casos, em que houver tumultos e aggressões á forca publica.

A força publica é a representante da lei, não vae ali por acto proprio; apparece nos conflictos quando é mandada; vae muitas vezes pagar com o seu sangue a obrigação que tem de manter a paz publica. E n'esta occasião, um soldado foi varado por uma baia dos desordeiros.

A força publica representa a magestade da lei e não pode ninguem desfeiteal-a. Ninguem no paiz tem direito a arremeçar-lhe a pedra, que é ignominiosa, nem a bala que é assassina. (Muitos apoiados.)

O sr. Consiglieri Pedroso: - É preciso saber-se quem a mandou.

O Orador: - Eu do certo que não fui, estava cá muito longe, essa responsabilidade não me cabe. (Muitos apoiados.)

Estava muito longe das balas, repito, apesar de ser hoje muito grande o alcance das armas portateis.

O sr. Consiglieri Pedroso: - A idéa nova não manda fuzilar.

O Orador: - Aqui não ha idéa nova; a idéa no vá, creio bem, não é a perturbação da paz publica (Apoiados).

A idéa nova não é impedir que cada um exerça o seu mister; não é de certo impedir que uma cidade seja abastecida.

O sr. Consiglieri Pedroso: - A idéa nova é da maioria.

O Orador: - Eu fallo em meu nome e não no da maioria.

A idéa nova não podo ser essa, e se é essa, é uma idéa detestavel, que nenhum homem de bem póde acceitar. (Muitos apoiados.)

Este é que é o facto.

Não estou aqui defendendo a camara municipal do Porto. Essa camara não é composta de nenhum dos meus amigos politicos; é composta, na sua maior parte, por amigos da opposição parlamentar; e já vê o illustre deputado, que o governo no desempenho dos seus deveres, não foi salvaguardar os actos de uma corporação que lhe fosse particularmente affecta; mas sim porque diante da lei, a camara municipal do Porto é tão respeitavel como outra qualquer camara municipal; e eu pela minha parte, apesar de não ser seu correligionario, folgo de dar testemunho n'este logar, de muita consideração que tenho pelo digno presidente d'aquella corporação.

Se o illustre deputado quer sabem quaes foram os acontecimentos, estão elles narrados n'um jornal, que está acima de toda a suspeita, sobretudo para o illustre deputado, porque uma penna que collabora n'elle não póde de certo ser suspeita a s. exa.

N'esse jornal vem tudo narrado minuciosamente e ali se stygmatisa o procedimento dos desordeiros que quizeram impedir que a cidade do Porto fosse fornecida do viveres.

O argumento de Gambetta em relação ás greves das minas de Creuzôt não colhe, porque não se trata de intervenção da força publica n'uma greve nem n'um metting.

Ainda menos colho a observação feita pelo illustre deputado, em relação aos mettings em Londres; e se s. exa. sabe tanto com relação a esses meetings, deve saber tambem como elles são dissolvidos a maior parte das vezes. (Apoiados.)

(Interrupção.)

Mas não se trata disso. A força publica não interveiu n'um meeting nem n'uma greve; foi lá, mas não fez fogo, não empregou a arma branca; foi, pelo contrario, victima das pedradas e dos tiros dos desordeiros, voltou novamente e ás pedradas o aos tiros que então continuavam, respondeu então com a força e cumpriu o seu dever. (Muitos apoiados.)

Notem bem que esse jornal a que me referi, e onde collobora essa pena illustre, não diz uma unica palavra para condemnar a força publica.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Desejo saber quem tem a responsabilidade.

O Orador: - Deseja saber quem tem a responsabilidade? Tenho-a eu. Aqui estou no seio da representação nacional. Accusem-me, se podem.

A força publica não póde ser aggredida ás pedradas, e eu não seria ministro da guerra nem um só dia, sequer, se a doutrina contraria podesse prevalecer nos corpos do exercito do meu paiz. (Muitos apoiados.)

Ha outro ponto que é preciso esclarecer, e é que o governador civil do Porto não suspendeu os impostos lançados pela camara municipal.

É uma inexactidão, cuja verdade resulta do exame dos documentos, das declarações o governador civil e do proprio jornal a que me referi.

Eu não costumo citar os jornaes, e se citei este, foi porque não podia ser suspeito a s. exa.

O governador civil quando foi procurado por uma commissão do meeting, respondeu-lhe que não tinha faculdades para suspender os impostos lançados pela camara municipal, mas que havendo recurso de um d'esses impostos porá o conselho de districto, ia envidar os seus esforços junto da camara para que elle fosse suspenso, emquanto não se resolvesse o mesmo recurso. Esta é que é a verdade dos factos.

Portanto, o governador civil não suspendeu, porque não podia, o imposto lançado pela camara. Foi a camara municipal que depois disso, em sessão de todos os vereadores, deliberou suspender, até nova resolução, a cobrança do imposto de que se trata.

Era preciso que se desse hoje esta explicação, e por isso abusei por alguns momentos da benevolencia da camara, do que peço desculpa. Não me levará ella de certo a mal que eu repozesse os factos na sua verdadeira luz e que procurasse tirar de sobre mim uma responsabilidade que me não cabia. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vou nomear a deputação que ha lê apresentar a Sua Magestade a constituição definitiva da amara e apresentar-lhe a lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara.

A deputação será composta, alem da mesa, dos srs.:

Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro.
Agostinho Lucio e Silva.
Antonio Freire Garcia Lobo.
Antonio José Pereira Borges.
Arthur Urbano Monteiro de Castro.
Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe.
Ernesto Julio Goes Pinto.
Francisco Augusto Correia Barata.
Luiz Gonzaga dos Reis Torgal.
Miguel Dantas Gonçalves Pereira.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fones Pereira de Mello): - Sua Magestade recebe a deputação ámanhã ás duas horas da tarde.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é na primeira parto a eleição das commissoes de resposta ao discurso da corôa e administrativa.

O sr. Elias Garcia: - E o incidente não continúa?

O sr. Presidente: - Eu não posso dal-o para ordem do dia, por não haver base para a discussão; mas continuará se algum sr. deputado pedir a palavra para esse fira e a camara assim o resolver.

A segunda parte da ordem do dia é a continuação da discussão do parecer sobre a eleição do Funchal.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Redactor = S. Rego.

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