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SESSÃO DE 9 DE JANEIRO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Dá o sr. presidente conta da grande commissão encarregada de participar a Sua Magestade El-Rei a constituição da camara e de lhe apresentar a lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia, a qual fora recebida com a costumada affabilidade. Apresenta representações dos comicios realisados em Lisboa, Oeiras, Villa Franca de Xira e Arruda contra o imposto das licenças, que lhe foram entregues pelas commissões dos mesmos comicios, pedindo que fossem lidas na mesa e publicadas no Diario do governo. Foi auctorisada a publicação. Dá-se conta de um officio da camara dos deputados da França, participando a remessa da alguns documentos parlamentares d'aquelle paiz. Consignou-se na acta que esta offerta fôra recebida com especial agrado. Dá se igualmente conta dos seguintes officios: do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copia da correspondencia trocada com o anuncio de Sua Santidade, ácerca do voto manifestado pela camara dos dignos pares em 10 da junho do anno passado, e pela dos senhores deputados em 15 do mesmo mez; do ministerio do reino, remettendo o processo eleitoral do circulo n.º 144 (Quelimane); do mesmo ministerio, remettendo os autographos dos autos de nascimento e do baptismo de Sua Alteza Real o Serenissimo Principe da Beira. O officio relativo á eleição de Quelimane foi enviado a commissão de verificação de poderes. Teve segunda leitura o projecto apresentado pelo sr. Franco Castello Branco na sessão antecedente. Presta juramento, na qualidade de vice-presidente, o sr. Francisco de Barros Coelho de Campos. O sr. Eduardo de Abreu apresenta uma nota, assignada tambem por mais srs. deputados, renovando a iniciativa do projecto de lei n.º 27-B, sobre a reforma do fòro academico, apresentado em 7 de fevereiro do 1883. Apresenta tambem um requerimento pedindo, pelo ministerio da fazenda, documentos sobre o imposto cobrado pela alfandega e camara municipal de Lisboa do alcool estrangeiro e do de industria nacional em 1887, fazendo por essa occasião algumas considerações sobre as falsificações do alcool. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda, que apresenta uma proposta para os srs. deputados, dependentes d'aquelle ministerio, poderem accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus empregos. Foi approvada. O sr. Scarnichia rectifica algumas asserções apresentadas n'uma correspondencia do Jornal do commercio, porque as considera inexactas.- O sr. Fuschini chama a attenção do sr. ministro do reino para o assumpto das expropriações necessarias para o embellezamento da avenida, na parte que depende do governo. Responde lhe o sr. ministro do reino. - Fallam depois na questão politica, referindo se aos tumultos do Porto e de outros pontos, os srs. João Arroyo e Pinheiro Chagas. Respondo-lhe o sr. presidente do conselho.- Tomam parte no mesmo debate, apresentando moções de ordem, os srs Manuel d'Assumpcão, Marçal Pacheco, Frederico Arouca, Frederico Laranjo e José de, Novaes. - Deu a hora e não houve votação sobre as moções. Leu-se na mesa um officio, acompanhando o decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei nomeia os srs. Manuel Affonso Espregueira e Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real para supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da camara. N'esta qualidade prestaram juramento os srs. Affonso Espregueira e Mattoso Corte Real. - São mandadas publicar no Diario do governo duas representações approvadas n'um comicio do Porto e apresentadas pelo sr. João Arroyo. - Justificaram as suas faltas a algumas sessões os srs. Pereira Borges, José Guilherme, Jalles, Alves Matheus, visconde de Silves, Alves de Moura e Matheus do Azevedo.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 83 srs. deputados. São os seguintes:- Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Pereira Borges, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Scarnichia, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Mazziotti, Pereira Carrilho, Victor dos Santos, Barão de Combarjúa, Mattoso Santos, Freitas Branco, Castro Monteiro, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Cardoso Valente, Menezes Perreira, Rodrigues dos Santos, Jorge de Mello (D.), Ferreira Galvão, Eça de Azevedo, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Oliveira Matos, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Dantas Baracho e Vicente Monteiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Alfredo Bradão, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Jalles, Barros e Sá, Simões dos Reis, Augusto Ribeiro, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Lucena e Faro, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Vieira de Castro, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Joaquim Maria Leite, Jorge 0'Neill, Pereira de Matos, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Victor, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo, em observancia do que dispõem os artigos 4.° e 5.° da carta de lei de 21 de agosto de 1837, os autographos dos autos do nascimento e do baptismo de Sua Alteza Real o Serenissimo Principe da Beira.
A secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo o processo eleitora do circulo n.° 144 (Quelimane), bem como um macete diri-

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gido ao sr. deputado eleito pelo presidente da assembléa de apuramento eleitoral, do mesmo circulo.
Á commissão de verificação as poderes.

Do mesmo ministerio, acompanhando o seguinte

Decreto

Tomando em consideração a proposta da camara dos senhores deputados da nação portugueza e visto, o disposto no artigo 1.° da carta de lei de 3 de setembro de 1842:
hei por bem nomear os deputados Manuel Affonso Espregueira e Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real para supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da camara.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação
Portugueza assim o tenha entendido e faça constar a, mesma camara.

Paço da Ajuda, em 9 de janeiro de 1888. = REI. =José Luciano de Castro.

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copia da correspondencia trocada com o anuncio de Sua Santidade n'esta côrte, ácerca do voto manifestado pela camara dos dignos pares do reino, em 10 de junho do anno passado e pela camara dos senhores deputados em l5 do mesmo mez.
Á secretaria.

[ Texto em françês ]
Republique Française.- Ministère de 1'instruccjpn publique et dês beaux arts.- Paris lê 4 novemlfôe '1887.- Monsicur lê président.- J'ai 1'honneur de faii'e savoir à votre excellence que je lui adresse aujour d'hui uno jettre de monsicur lê président de Ia chambre dos deputes dp Franco et uno oaisse marquée F. E. I. n° 507, renfer-mant dês documents parlementaires offerts par Ia chambre dês deputes de France à Ia chambre dês deputes du royaume de Portugal.- Votro excellence trouvera ci-joint un accus^ de reception quo je Ia prie de vouloir bien me retourner revctu de Ia signature aussitôt que cês documents lui se-ront parvenus.

Agréez, nionsieur lê président, 1'expression de mês sen-timents de haute considération.- A sou exceljpnce mon-sieur lê président de Ia chambre dês deputes du royaume Se Pprtugal. = Lo ministre Se 1'instrucíion publique, dcs bcaux arts et dês cultes. Pour lê ministre et par son òrdíe: lê chef du 3me bureau, G. Eobertet.

A secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- O decreto regulamentar de 8 de setembro de 1887, publicado em virtude da auctorização concedida ao governo no artigo 4.° da lei de 15 de julho d'esse anno, estabelecendo por fórma violenta e com dura sancção penal a cobrança do imposto industrial por meio de licenças, tem levantado no paiz geraes clamores, uma resistencia persistente da parte dos contribuintes, e até deploraveis perturbações de ordem publica.
N'estas circumstancias, sendo de urgente necessidade restabelecer a ordem, obtemporando as instantes reclamações da opinião, emquanto ulteriormente se não providenciar por fórma definitiva sobre este assumpto, como mais conveniente se julgar, e mais adequado aos justos e reciprocos interesses do thesouro e dos contribuintes, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Fica suspensa a execução do artigo 4.° da lei de l5 de julho de 1887, na parte que auctorisou o governo a reformar a cobrança da contribuição industrial por meio de licenças, e das disposições correlativas do decreto regulamentar de 8 de setembro do mesmo anno, até que definitivamente se providenceie sobre o assumpto.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 7 de janeiro de 1887. = 0 deputado pelo circulo de Guimarães, João Franco Castello Branco.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda, logo que for eleita.

REPRESENTAÇÕES

Dos representantes dos comicios realisados em Lisboa, Oeiras e Villa Franca de Xira, e de operarios e artistas da villa de Arruda, pedindo a revogação da lei e regulamento que estabelece a contribuição industrial por meio de licenças.
Apresentadas pelo sr. presidente da camara, enviadas á commissão de fazenda, quando eleita, e mandadas publicar no Diario do governo.

Dos representantes do comicio realisado no Porto, em l do corrente, no sentido das antecedentes.
Apresentada pelo sr. deputado João Arroyo, enviada á commissão de fazenda, quando eleita, e mandada publicar no Diario do governo.
Dos representantes do comicio realisado n'aquella mesma cidade, em 8 do corrente, no sentido da anterior, e pedindo tambem a revogação da carta de lei de 7 de setembro ultimo, que se refere ao systema das licenças e á cobrança de percentagens addicionaes ás contribuições geraes do estado.
Apresentada pelo sr. deputado João Arroyo, enviada á commissão de fazenda, quando eleita, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja com urgencia enviada a esta camara uma nota do imposto cobrado pela alfandega e camara municipal de Lisboa, em 1887, pelo alcool estrangeiro e de industria nacional. = Eduardo de Abreu.

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja com a maxima urgencia devolvido a camara dos senhores deputados, ainda que sem informação, o requerimento do capitão reformado, Jorge Higgs, o qual requerimento foi remettido áquelle ministerio pela secretaria da mesma camara em officio n.° 227, datado de 25 de fevereiro de 1874, a requisição da respectiva commissão de guerra. = J. M. Arroyo.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que o sr. deputado Alves Matheus tem faltado, por motivo de doença, ás sessões da camara, e que pelo mesmo motivo não poderá comparecer a mais algumas sessões. = J. de Menezes Parreira.

Declaro que não compareci até hoje ás sessões porque o mau tempo me não deixou seguir jornada, sendo detido no caminho pela cheia do Guadiana, cuja navegação esteve interrompida por muitos dias. = O deputado por Faro, Visconde de Silves.

Participo a v. exa. que o sr. deputado Matheus Teixeira de Azevedo não tem comparecido á camara por motivo justificado.= Luiz de Mello Bandeira Coelho.

Declaro que, por motivo justificado, não pôde comparecer ás sessões desde o dia 2 até ao dia 7 do corrente. = Antonio José Pereira Borges.

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Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado faltei ás sessões anteriores. = O deputado, Alves de Moura.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Antonio Maria Jalles faltou á sessão de sabbado e faltará á de hoje por motivo justificado. = Avellar Machado.

Declaro a v. exa. que o sr. deputado José Guilherme Pacheco tem faltado ás sessões e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. = J. M. Arroyo.

A secretaria.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a grande deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a constituição definitiva da camara, e ao mesmo tempo apresentar-lhe a lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara, cumpriu a sua missão, sendo recebida pelo mesmo augusto senhor com a sua costumada affabilidade.
Fui procurado pelas commissões dos comicios celebrados em Lisboa, Oeiras Villa Franca de Xira e Arruda, que me entregaram representações contra o imposto das licenças, pedindo-me que eu consultasse a camara sobre se permittia que estas representações fossem lidas na mesa e depois publicadas no Diario do governo.
Vou consultar a camara a este respeito.
Leram-se na mesa.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Presidente: - Serão publicadas no Diario do governo e remettidas á commissão de fazenda logo que seja eleita.
Teve segunda leitura o projecto apresentado na sessão anterior pelo sr. Franco Castello Branco.
Foi admittido.
O sr. Presidente: - Parece-me que a camara quererá que se consigne na acta que a offerta a que se refere o officio vindo de França, foi recebida com especial agrado. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Convido o sr. Francisco de Barros Coelho de Campos a vir á mesa prestar juramento na qualidade de vice-presidente d'esta camara.
Prestou juramento.
Q sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada, vou conceder a palavra antes da ordem do dia aos srs. deputados, mas somente por meia hora, a fim de se entrar na ordem do dia.
O sr. Eduardo Abreu (na tribuna): - Tenho a honra de ler e enviar para a mesa o seguinte documento:
(Leu.)
Este documento está assignado pelos srs. João Pinto Rodrigues dos Santos, Fidelio de Freitas Branco, Augusto Fuschini, Consiglieri Pedroso, Vicente Monteiro, Carlos Lobo d'Avila e por mim.
V. exa. e a camara hão de recordar se perfeitamente bem da sessão parlamentar de sabbado. Justamente á hora em que os judeus de todas as nações do mundo, reunidos nas suas respectivas synagogas, imploravam do Deus de Israel o exterminio dos christãos, nós os deputados da nação portuguesa, invocando a Provevidencia, pediamos que ella nos auxiliasse a descobrir os judeus que tivessem procedido mal nas obras do porto de Lisboa! (Riso.) E, como se fosse facil e pequena esta tarefa, que foi este anno imposta ao parlamento portuguez, com grande espanto meu, senti-me deslumbrado com um programa que foi apresentado n'este mesmo logar, e cujas palavras ainda estão resoando nos meus ouvidos.
Disse aqui um illustre deputado, o sr. Fuschini, que esta sessão parlamentar havia de ser memoravel, não só por ficar completamente averiguada e liquidada a questão das obras do porto de Lisboa, mas tambem porque se havia de
averiguar e liquidar todas as questões de alta moralidade publica que têem sido ventiladas pela imprensa periodica do paiz desde Melgaço até Villa Real de Santo Antonio!
Este programma traz-me deslumbrado, e ha de tambem trazer deslumbrada a republica de Andorra, pela concorrencia que o nosso paiz, expurgado dos seus homens publicos immoraes, irá fazer á moralidade que ali existe. (Riso.)
Contento-me em ter aspirações mais modestas. Applaudindo, como applaudo o inquerito parlamentar, faço votos para que d'aqui a um anno v. exa. e todos nós estejamos n'esta casa no feliz goso de uma perfeita saude. (Riso.)
O illustre deputado o sr. Fuschini chamou á sessão parlamentar de sabbado sessão memoravel. Podia-lhe chamar outra qualquer cousa, começando pela letra M, que me parece ser a que serve este anno para aferir os pesos e medidas. (Riso.)
Podia-lhe chamar, por exemplo, uma sessão mephitica, porque o illustre deputado o sr. Arroyo trouxe-nos este anno a malaria. (Riso.) Podia lhe chamar, por exemplo, uma sessão magana, porque rimos, ou uma sessão mystica, porque choramos as desgraças da patria. (Riso.)
Podia tambem chamar-lhe sessão machiavelica, porque eu comprehendi a fundo a questão que aqui se levantou, mas não a posso nem sei explicar.
Podia tambem chamar-lhe sessão manuelina, porque, segundo resam as chronicas, e o sr. Manuel d'Assumpção deve o saber, El-Rei D. Manuel, de gloriosa memoria, gostava de ouvir os seus fieis vassallos discutir sobre qual d'elles tinha mais merecimentos para substituir os seus almirantes no mando dos seus navios, e para substituir Vasco da Gama se elle visse a faltar.
O sr. Manuel d'Assumpção: - Eu não gosto de D. Manuel por elle queimar os judeus.
O Orador: - Elle queimava os judeus, mas tambem gosava desfructando os seus vassallos quando discutiam uns com os outros sobre qual tinha mais merecimentos para commandar os seus navios, exactamente como se dá hoje com os chefes da politica, para saberem qual d'elles póde pôr em bom caminho a salvação do paiz. (Riso.)
Eu chamar-lhe-hei com effeito sessão memoravel, não por termos trabalhado em jejum até ás nove horas da noite, mas porque todos nós juramos, uns em relação com as suas crenças religiosas, e outros em relação com as suas crenças philosophicas; uns jurando sobre a biblia, outros sobre o alcorão, outros sobre as memorias de Voltaire e outros talvez sobre as encyclicas do Santo Padre, todos jurámos que todo o cidadão portuguez de blusa ou de casaca que tivesse faltado aos seus deveres nas obras do porto de Lisboa, havia de ser descoberto pelo inquerito parlamentar e havia de ser enviado para o tribunal competente, com transito pelas esquadras, para ser devidamente apalpado. (Riso.)
Mas n'esta sessão, que foi memoravel por ,mais de um titulo, houve umas explicações dadas pela illustre opposição parlamentar, explicações que me captivaram extraordinariamente; e foi que tinham acabado os accordos.
Este anno já não ha accordos. A illustre opposição está firme e energicamente resolvida a discutir no campo da intransigencia politica, dando pelo paiz tudo quanto elle necessitar para a sua completa felicidade, dando até a bolsa e a vida, se tanto for preciso, para a illustre opposição concertar a constituição do estado, que diz está escangalhada. (Riso.)
N'esta sessão memoravel a illustre opposição disse que tinha acabado o tempo dos accordos. Pois eu exulto com isto, porque s. exa. s sabem bem. que eu n'esta casa, e não nos bastidores, sempre protestei contra similhantes accordos.
Os homens publicos, que os fazem, gosam n'aquelle momento ; mas passado o periodo da incubação, sentem-se as consequencias, apparecem á superficie pustulas e mais pus-

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tulas, que, por Mais cataplasmas que se lhes appliquem, não se podem encobrir. (Apoiados.}
Eu devo dar esta explicado á camara, por isso mesmo que, tendo-se terminado os accordos, eu apresento todavia a renovação de iniciativa de um projecto que está assinado por cavalheiros representantes dos differentes grupos que se degladiam n'esta casa.
Ha aqui um grupo de amigos da republica; está esse grupo representado n'este documento pelo preclaro professor e illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso; ha outro grupo de cavalheiros amigos pessoaes e politicos do digno par do reino o sr. Vaz Preto; está esse grupo aqui representado pelo sr. deputado João Pinto dos Santos; ha outro grupo dos amigos pessoaes e politicos do sr. conselheiro Barjona de Freitas; está esse grupo representado pelo sr. Fuschini; ha um outro grupo de amigos pessoaes e politicos do sr. Antonio de Serpa, que está aqui representado pelo sr. Fidelio de Freitas Branco; está finalmente a direita, a maioria governamental, representada polo sr. Carlos Lobo d'Avila, auctor do luminoso e notavel relatorio apresentado em 1883 á academia de Coimbra, pelo illustre deputado o sr. Vicente Monteiro e por mim.
Eu, sr. presidente, abstenho-me de classificar os grupos da opposição; sei que é um republicano; se os outros são regeneradores ou não, é o que eu ignoro. V. exa. sabe muito bem quo o anno passado se ventilou aqui essa questão entre os srs. Lopo Vaz e Marçal Pacheco; dizia o sr. Lopo Vaz que o partido regenerador estava vivo, e affirmava o sr. Marçal Pacheco que o dito partido estava morto. Esta questão ficou por liquidar; e como no sabbado ultimo vi a questão ainda mais complicada e escura, manda a boa prudencia que eu não diga se o partido regenerador está a um lado ou a outro; é tudo opposição.
Eu tenho a certeza de que todos estes cavalheiros que assignaram esta renovação de iniciativa do projecto de lei, não lhe ligaram a menor idéa ou a menor importancia politica: este projecto não tem nada com a politica. (Apoiados). É um projecto só de justiça e de rasão, ou melhor ainda, é um problema de direito moderno e muita honra terá o actual parlamento se o resolver. (Apoiados).
Não ha aqui accordos; ninguem assignou esta renovação de iniciativa para firmar um pacto ou fazer um accordo; tenho a certeza de que, se o regimento d'esta casa permittisse que documentos d'esta natureza fossem assignados por mais de sete deputados, não faltariam na camara homens que o assignassem.
Nada mais tenho a, dizer sobre o assumpto. Parece-me que me referi a todos os grupos politicos que estão n'esta casa; á direita, á maioria governamental, e á esquerda, a opposição ; se ha mais alguma esquerda não a conheço, porque ainda não se revellou por acto algum parlamentar do alto d'esta tribuna.
Peço a v. exa., sr. presidente, o seguinte: em 1883 este projecto foi enviado pelo digno antecessor de v. exa. n'esse honroso logar, á commissão de legislação criminal, sendo ouvida a commissão de instrucção superior; eu peço a v. exa. que faça passar este documento pelos mesmos tramites e que consulte a camara sobre se ella permitte que tanto o projecto apresentado em 1883, como o relatorio que o acompanha, sejam publicados no Diario do governo.
Já que estou com a palavra farei outro pedido a v. exa.
O anno passado enviei para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos sobre a introducção do alcool pelas barras de Lisboa e Porto.
Estes documentos ainda não vieram, nem podiam vir, porque havia n'aquelle tempo grande accumulação de trabalho na mesa, e não eram então de muita urgencia para mim; agora instava novamente pela remessa d'esses documentos porque tenciono entrar n'esta questão de tributos sobre ,o alcool industrial, que foi talvez a questão mais importante que se agitou o anno passado nos parlamentos francez e hespanhol.
E posso a afirmar sem receio de errar que todas as nações cultas da Europa e da America têem reformado a sua legislação sobre o alcool, de maneira a poder conciliar o mais possivel os interesses da agricultura com os de thesouro, e ambos com os interesses da saude publica.
Eu hei do entrar n'esta questão do alcool pelo lado financeiro e economico, e tambem por aquelle sobre o qual posso mais facilmente manifestar o resultado do meu estudo e trabalho, que é pelo lado da hygiene publica.
Complica este problema com grandes interesses da agricultura, da industria, do commercio, do thesouro e da saude publica; mas, se porventura da approvação da proposta que a mensagem do throno nos annunciou sobre a tributação do alcool der em resultado motins nos Açores, não serão estes que nos hão de intimidar e parece-me que não hão de intimidar a ninguem n'esta casa, porque estamos todos aqui no intuito honrado e nacional de progredirmos como as outras nações, vigiando cuidadosamente a industria do alcool, que entre nós vae tomando graves proporções.
Digo isto muito serenamente porque sei o estado de exaltação em que estão os povos d'aquellas ilhas, onde pertenço e onde tenho ligados os meus mais sagrados interesses do familia e tambem os interesses de algibeira. Todos soffreriam mais ou menos, se fosse exacto, como por ali se tem espalhado, que o governo ia aniquilar a industria do alcool. Não ha tal proposito. O que queremos é legislar com justiça. (Apoiados.}
Ainda o anno passado aqui disse o sr. ministro da fazenda que a protecção exagerada que tinha dado á industria do alcool o partido regenerador, tinha produzido um prejuizo para o estado não inferior a 300:000$000 réis.
Alguém acolheu com indifferença as palavras do sr. ministro da fazenda. Pois eu posso hoje affirmar que esse prejuizo é muito superior a 500:000$000 réis.
É preciso que a camara note que as differentes leis promulgadas pelos respeitaveis estadistas que então geriam os negocios da fazenda fizeram incidir a contribuição industrial do fabrico do alcool sobre a capacidade das caldeiras; mas está-se dando a seguinte causa extraordinaria: fabricas que têem grandes caldeiras pagam mais contribuição do fabricas que têem caldeiras mais pequenas, e todavia estas que têem caldeiras mais pequenas podem produzir mais alcool do que as que têem caldeiras maiores, o que depende do grande aperfeiçoamento por que ultimamente tem passado a fabricação d'estes apparelhos em França, na Belgica e Allemanha, etc. em que a producção do alcool está em proporção, não com o tamanho das caldeiras, mas com a força distillatoria dos respectivos apparelhos.
Eu não venho aqui dizer quaes são essas fabricas; estão n'este ponto ao abrigo da lei: esta é que está viciosa.
Por outro lado é facto certo e de incontestavel verdade que existem fabricas de distillação, como duas de S. Miguel, cujos capitães são talvez superiores a 500:000$000 reis, as quaes na transformação da fecula do milho e da batata em glucose, empregam a cevada e o malt secco.
Bem sei que o alcool produzido é amylico, mas em todo o caso julgo honroso para os industriaes d'aquella ilha não empregarem na saccarificação os acidos sulphurico ou muriatico, como se observa n'outras fabricas.
De uma sei eu, que em seis annos de fabrico, trabalhando apenas cinco ou seis mezes em cada anno, produziu 2.000:000 de litros de alcool, todo vendido em Lisboa, e que só na saccarificação consumiu 600:000 kilos de acidos muriatico e sulphurico!
Este alcool fabricado nas outras nações, exactamente pelos mesmos processos, costuma conter invariavelmente um toxico terrivel.
Não o conterá em Portugal? Não o conterá em nenhuma das 17:000 pipas de alcool de milho e de batata fabricado nos Açores, e que entraram pelas barras de Lisboa e Porto desde 1882 até hoje? E no alcool metalico que se fabrica,

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em Portugal? Eu pergunto, sr. presidente, se não é licito, se não é digno que para bem de todos se levante n'este parlamento a questão que se levantou na Allemanha, na Italia, em França, na Hespanha, na Belgica, na Suissa e em outras nações; pergunto se o governo póde ficar indifferente perante a fabricação do álcool.
Se, para conciliar os respeitaveis interesses da agricultura e da industria com os sagrados interesses da saude publica o sr. ministro da fazenda pretende estabelecer o monopolio da fabricação, ou o monopolio da venda, ou o monopolio da rectificação do álcool, creia s. exa. que ha de encontrar me a seu lado, dando-lhe todo o meu apoio, não só como partidario mas tambem como medico.
Tenho feito os meus estudos, porque desejo esclarecer-me sobre esta questão.
Espero que a opposição parlamentar, que tem no seu seio medicos dos Açores muito habeis e distinctos, e que occupam elevados cargos nos serviços sanitarios d'esta capital, ha de estar preparada para tratar de um assumpto do tão alta gravidade, e ao qual ainda terei occasião de me referir.
Tenho dito.
O sr. Presidente: - O requerimento do sr. deputado vae ser expedido; e a renovação de iniciativa fica para segunda leitura.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Ouvi com toda a attenção as considerações apresentadas pelo illustre deputado o sr. dr. Abreu sobre a questão alcoolica, e farei toda a diligencia para virem em breve á camara os documentos que pediu.
Posso assegurar a s. exa. que nem um só momento tenho descurado esta questão do álcool, que é importantissima, quer seja encarada pelo lado hygienico, quer pelo lado agricola, e tambem porque Portugal é o unico paiz em que esta industria não contribue para as receitas do estado.
Mas esta questão é importante e contende com variados interesses. Ha o interesse agricola que consiste em ter barato o alcool puro; mas o alcool puro é excessivamente caro em Portugal, onde não se póde obter um decalitro de alcool por menos de 1$600 réis, emquanto que em Barcelona custa 1$150 réis despachado e posto no armazem.
Isto influe na concorrencia do vinho catalão com o vinho nacional e nós não podemos com facilidade sustentar essa concorrencia.
Por outro lado é uma industria estabelecida no continente, que não reputo de grande importancia, por isso que não emprega grande numero de braços, e não é uma industria que se possa reputar natural, porque é o resultado da distillação do milho estrangeiro.
Mas, se debaixo d'este aspecto a situação não é grave no continente, póde considerar-se tal nos Açores, porque ali o alcool é extrahido de diversas especies agricolas, incluindo a batata doce, o que faz com que dê grande rendimento ás ilhas que cultivara este tuberculo.
Supprimindo a distillação nos Açores, podia este facto ter como consequencia desapparecer uma cultura que hoje dá um rendimento rasoavel ao agricultor, e crear para aquellas ilhas uma nova crise que aggravasse a já existente.
Portanto qualquer resolução definitiva que se tome sobre a questão dos alcoois deve ser tal que de modo algum perturbe e prejudique a agricultura açoriana. (Apoiados.)
Posso affirmar ao illustre deputado e á camara que o governo procederá com a maxima cautela, e em qualquer proposta que apresente ás côrtes hei de ter todo o cuidado em resalvar os interesses da agricultura dos Açores.
Agora temos a questão hygienica. Concordo com o illustre deputado em que esta excepção é importantissima. Tambem, por uma excepção, creio, que singular, Portugal não tem tomado providencia alguma a esse respeito; comtudo, nas academias, nos parlamentos lá fora, no seio dos governos, em toda a parte se levanta a questão do alcoolismo, ou o envenenamento pelo alcool, que póde fazer-se com o
alcool do vinho, mas com maior intensidade de perigo quando elle inquinado com outros alcoois, resultantes de uma rectificação imperfeita.
Fiz quanto pude para colher esclarecimentos a esse respeito, mandei officiar á academia real das sciencias, á sociedade das sciencias medicas e á sociedade pharmaceutica lusitana, e a todas uniformemente perguntei se, admittindo como venenosos os productos da primeira e ultima distillação, poderia admittir-se, apesar d'isso, alguma tolerancia nos rectificados, e, a admittir-se, até onde essa tolerancia deve chegar. E, finalmente, quaes seriam os processos analyticos simples e faceis que permittissem ao fisco, aos agentes dos ministerios do reino e da fazenda verificar se os alcoois importados ou fabricados no paiz, expostos á venda, estão nas condições de poderem ser admittidos na mistura dos vinhos, ou para consumo directo.
Por ora nenhuma d'essas corporações scientificas teve tempo de responder, porque o assumpto é difficil, e tão difficil que a academia das sciencias de França acaba de pôr a concurso esta mesma questão. No entretanto, o governo hespanhol decretava um processo fisca! analytico para verificar as qualidades dos alcoois importados. Tenho conhecimento d'esse processo, e pedi a um dos mais distinctos chimicos do paiz, e membro da outra casa do parlamento, o sr. dr. Lourenço, que verificasse as qualidades d'esses processos; parece que, se não são absolutamente excellentes, comtudo, n'um grande numero de casos, podem servir para verificar a impureza dos alcoois.
Tenho, por conseguinte, feito, me parece, quanto é possivel para ver se consigo poder apresentar ao parlamento uma resolução acceitavel sobre este grave negocio, debaixo do ponto de vista hygienico e da agricultura açoriana.
Resta a questão financeira, que é importante. Se se mantivesse a legislação anterior a 1872, os alcoois podiam, render 500:000$000 ou 600:000$000 réis para o thesouro, e podia a agricultura tiral-os mais baratos para o tempero dos vinhos. O resultado da má legislação vigente é que a aguardente que se consome não é boa, o seu preço é excessivo, e o thesouro, em logar de tirar 500:000$000 ou 600:000$000 réis, tira apenas uns 160:000$000 réis, resultado da importação do milho estrangeiro.
Encarei o problema por estas tres formas e procuro resolvel-o em beneficio do thesouro, da agricultura dos Açores e da hygiene publica. É esse o meu empenho e o meu esforço; e logo que estiverem ultimados os trabalhos que tenho feito, trarei á camara o resultado d'elles.
Peço licença para mandar para a mesa uma proposta de accumulação.
Leu-se na mesa a seguinte :

Proposta.

Senhores.- Em conformidade do artigo 3.° do acto addiccional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara permissão para que os sr. deputados abaixo indicados accumulem, querendo, o exercicio dos seus empregos com o das funcções legislativas, a saber:
Bacharel Antonio Alves Pereira da Fonseca, chefe do serviço da administração geral das alfandegas.
Antonio Maria Pereira Carrilho, director geral da contabilidade publica.
Antonio Pessoa de Barros e Sá, director geral da divida publica.
Eliseu Xavier de Sousa e Serpa, commandante geral da guarda fiscal.
Ernesto Madeira Pinto, vogal do conselho superior das alfandegas.
Dr. Fernando Mattoso dos Santos, vogal do conselho superior das alfandegas.
Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz Bettencourt, segundo verificador da alfandega de Lisboa.
Bacharel João Ferreira Franco Pinto Castello Branco,

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auditor fiscal do tribunal especial do contencioso fiscal de segunda instancia.
Bacharel João Joaquim Izidro dos Reis, primeiro official da direcção geral dos proprios nacionaes.
Bacharel José da Cunha Eça de Azevedo, auditor fiscal do tribunal especial de primeira instancia, junto das alfandegas de Lisboa e consumo.
Bacharel José Maria Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, primeiro official da direcção geral das contribuições directas.
Manuel Maria de Brito Fernandes, chefe de secção no commando geral da guarda fiscal.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 9 de janeiro de 1888.= Marianno Cyrillo de Carvalho.
Foi approvada.

O sr. Scarnichia:- Sr. presidente, não pedi a palavra para fazer um discurso; pedi a palavra apenas para restabelecer a verdade de factos que vem desfigurados no Jornal do commercio de quarta-feira passada.
Diz este jornal, n'uma correspondencia que publicou, que as novas tarifas relativas aos officiaes da armada foram approvadas porque houve um official do exercito que as propoz, quando, aliás, havia na camara um official de marinha que nada fez em favor dos seus camaradas, que em nada se importou com elles.
Eu venho protestar contra isto. Isto é completamente falso.
A proposta vinha assignada pelo sr. ministro da marinha.
Tambem a mesma correspondencia se refere á pouca solicitude com que foram tratados pelos deputados do ultramar os officiaes das forças ultramarinas, porque nenhum deputado eleito por aquellas paragens tratou de pugnar pelos direitos d'aquelles officiaes.
Isto tambem eu rectifico.
Isto é absolutamente falso.
Não é isto mais do que uma aleivosia muito mal cabida, porque parece que tem unicamente por fim comprometter os deputados do ultramar, como no primeiro caso se tratava de me comprometter a mim, que sou official de marinha, com os meus camaradas.
V. exa., e todos, sabem que os deputados do ultramar se reuniram para, por intervenção do sr. Machado, como o deputado mais antigo, perguntarem ao sr. ministro da marinha qual o andamento d'este negocio.
O sr. ministro da marinha respondeu que n'este anno se trataria d'este assumpto.
Não emprego termos mais energicos contra o correspondente, que bem o merecia, porque o meu caracter e a minha educação o não permittem.
O sr. Fuschini:- Sr. presidente, pedi a palavra, aproveitando a presença do sr. ministro do reino, para dirigir a s. exa. algumas perguntas com o fim de me esclarecer sobre um assumpto que julgo momentoso.
Das respostas de s. exa. vae sair ou não uma nota de interpellação; portanto permitta-me v. exa. que eu succinta, mas sufficientemente, desenvolva a questão.
A primeira corporação municipal do paiz, a camara municipal de Lisboa, no uso legitimo das suas funcções, e desejando por todas as formas contribuir, dentro dos recursos do seu orçamento, para embellezar a capital, dando lhe ao mesmo tempo condições de salubridade que ella, infelizmente, não possue, projectou grandes melhoramentos publicos ; entre elles a ligação da avenida da Liberdade com o jardim da escola polytechnica, a construcção do grande parque no extremo da avenida, e a juncção da rotunda da avenida por meio de largas avenidas com um bairro luxuoso e com o parque do Campo Grande. Estas obras podem á primeira vista parecer monumentaes; mas vou já descansar a camara demonstrando-lhe a exiguidade relativa do seu orçamento, e que a camara municipal de Lisboa tem meios de as realisar, se n'este ponto não for contrariada pelo governo, como não é de esperar.
Não pôde a camara municipal entrar em accordo particular com os proprietarios, e portanto pretende intentar a acção judicial de expropriação por utilidade publica.
lei (e agora não discuto as suas disposições) a lei administrativa dispõe que a camara carece de decreto
governo para poder intentar essa acção especial. Eis o facto; mais tarde, se necessario for, teremos de discutir a natureza d'esta disposição, o seu espirito e se, realmente, o governo póde negar esse decreto; quaes são os limites da tutela administrativa no caso urgente, etc., etc.
Certo é que a lei exige decreto do governo para se poder iniciar a acção judicial por utilidade publica.
Ora, em relação á ligação da avenida com o jardim da escola polytechnica, obra cuja belleza e necessidade ninguem em Lisboa contesta, foi o pedido feito ha um anno, e até hoje não teve a camara a mais simples resposta; nem sabe em que estado está a questão. Desejo eu que o sr. ministro me informe sobre os tramites d'este negocio.
Ácerca da construcção do grande parque da Liberdade, das avenidas, bairros e parque do Campo Grande, a questão é um pouco mais delicada e complexa. A camara entendeu tambem que para estas obras devia pedir ao governo a expropriação por zonas.
Vou dizer succintamente o que é a expropriação por zonas. Consiste ella em não só expropriar a parte dos terrenos necessarios para construcção das obras, mas ainda a faxa annexa e limitrophe, a qual, por effeito directo d'ellas, augmenta consideravelmente de valor.
Para esta forma de expropriação entendeu a camara municipal que existe já uma lei em que se fundou para a pedir, e o governo póde basear-se para a conceder.
Resta saber se o sr. ministro do reino entende que está auctorisado por essa lei a decretar a expropriação por zonas; ou, no caso contrario, se está resolvido a pedir ao parlamento uma lei geral, ou especial para a camara de Lisboa, de expropriação por zonas.
Indispensavel é que a camara municipal possa, sem perda de tempo, realisar a expropriação dos terrenos necessarios para os melhoramentos, que acabo de descrever.
Querem os srs. deputados saber, para sua illustração, a differença que ha em fazer a expropriação simples ou a expropriação por zonas? Eis um exemplo frisante:
A avenida da Liberdade, no seu estado actual, importou em cerca do 600 contos, comprehendendo as expropriações. Pois saiba a camara que, se as expropriações tivessem sido feitas por zonas, a camara municipal seria reembolsada do perto de 400 contos; quantia que foi recebida pelos proprietarios lateraes, sem esforço nem trabalho e pela simples felicidade das suas propriedades serem atravessadas por melhoramentos publicos feitos a expensas da collectividade.
É claro que, n'estes casos, quando ha interesses valiosos em discussão, e esses interesses se incarnam nos grandes e nos poderosos, as difficuldades se levantam por todos os lados; mas governar é vencer dificuldades; e transigir apenas com sãos principios, com a sua boa applicação e com os seus legitimos interesses individuaes e colectivos.
Não posso dizer á camara, rigorosamente, quanto podem custar as grandes obras da transformação da cidade de Lisboa, mas talvez me não engano muito, affirmando a v. exa. que os novos bairros, as avenidas e os parques da Liberdade e do Campo Grande poderão custar de réis 1.500:000$000 a 1.800:000$000 réis. Esta cifra, apenas indicada por esta forma, póde fazer trepidar animos timidos ; mas note v. exa., não tenho duvida tambem em affirmar, que, se as expropriações forem realisadas por zonas, em dez annos 80 por cento d'esta quantia entrará no cofre do municipio; as obras não custarão senão 300:000$000

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réis a 400:000$000 réis, e a annuidade para fazer face ás quantias que se hão de receber successivamente dentro dos dez annos; ao todo 500:000$000 ou 600:000$000 réis.
Ora, pergunto eu, com que direito se não resolve, e pelo contrario parece que tenta demorar-se, uma questão d'esta importancia? Com que direito se não toma rapida resolução sobre o pedido da camara municipal? Porque se não dá, ao menos, uma simples explicação ?
Se o governo se não julga auctorisado a decretar a expropriação por zonas, porque não vem pedir uma lei para esse fim?
V. exa. comprehende perfeitamente que estas questões, largamente apreciadas, devem ser objecto de uma interpellação; todavia, entendo que a não devo formular sem ouvir as opiniões do sr. ministro do reino em particular e do governo em geral.
Felizmente a peregrina doutrina de separar a responsabilidade de um ministro do resto do ministerio não foi ainda apresentada; o ministerio é solidario, mas nos seus actos e nas suas opiniões.
Desejo ouvir a opinião ministerial; se me dirigi ao sr. ministro do reino, é apenas porque por esta pasta corre este negocio.
Não formularei, pois, a minha nota de interpellação sem que s. exa. tenha a bondade de responder ás minhas perguntas. Aguardo, portanto, as respostas de s. exa.
Continuarei a manter as minhas modestas tradições parlamentares; jamais faço perguntas insidiosas. Comprehendo perfeitamente, que um ministro n'um dado momento ignoro o estado de alguns negocios da sua repartição, por isso v. exa. guardará, se quizer, para amanhã a sua resposta.
Hoje ou ámanhã o que desejo é que seja completa e satisfactoria a resposta.
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Vou dar a v. exa. as explicações que me pediu. Em primeiro logar chamou a minha attenção sobre a expropriação de um terreno na avenida da Liberdade, que tem relação com os melhoramentos da cidade de Lisboa. É certo que esta expropriação está ha bastante tempo pendente do meu exame. Tenho tido duvidas em resolver este assumpto, e por isso não tenho ainda tomado uma resolução definitiva a este respeito.
Por outro lado, a camara municipal, interessada n'este assumpto, não tem feito instancias para o resolver e tem-me deixado tempo para o poder estudar e tomar uma resolução. Eis os motivos por que não tenho ainda lavrado o despacho. Mas agora, em vista das instancias do illustre deputado, vou examinar novamente esta questão, bastante complicada, e adoptar sobre ella uma resolução.
Devo dizer á camara, que o parecer unanime da junta de obras publicas é contrario á expropriação do edificio de que se trata. A expropriação é, só não me engano, pelo valor de 22:500$000 réis.
Uma voz : - 27:000$000 réis.
O Orador: -22:500$000 réis, ou 27:000$000 réis, mas o valor do predio é segundo me informam muito mais do que triplicado! N'esta questão não tenho que entrar senão para apreciar a conveniencia ou inconveniencia da expropriação. E o primeiro ponto que temos a verificar é até onde vae a interferencia do governo n'este assumpto.
Portanto, examinarei novamente o processo, e tomarei uma resolução.
Agora devo declarar ao illustre deputado que não tenho a menor duvida a respeito da utilidade da ligação do jardim da escola polytechnica com a avenida da Liberdade, e penso que será um melhoramento notavel para a cidade de Lisboa debaixo de todos os pontos de vista; mas tenho a meu ver, segundo a interpretação que dou á lei, de examinar se a deliberação da camara é perfeitamente conforme aos interesses publicos.
Chamou tambem o illustre deputado a minha attenção para outro ponto com referencia á expropriação por zonas.
Perguntou s.ex.ª em que estado estava o processo da expropriação dos terrenos da avenida da Liberdade para o estabelecimento do parque projectado pela camara municipal.
Devo dizer que esse processo de expropriação está dependente de uma consulta da procuradoria geral da corôa, que ainda não deu parecer.
O illustre deputado sabe perfeitamente que a lei exige a intervenção da procuradoria geral da corôa n'este assumpto, e por isso o governo a mandou consultar.
Ora, eu não tenho faculdades para obrigar a procuradoria geral da corôa a dar um parecer em determinado praso sobre qualquer assumpto, mas posso dizer que mais de uma vez tenho feito saber aos interessados, que desejo que a procuradoria geral da corôa dê parecer a este respeito, a fim do governo poder tomar uma resolução.
Se o procurador geral da corôa der parecer no sentido de que nos termos da legislação actual se póde decretar a expropriação por zonas, eu conformar me hei com esse parecer e auctorisarei a expropriação; mas se aquelle magistrado entender que na actual legislação não cabe essa expropriação, é minha intenção apresentar ao parlamento uma proposta de lei para auctorisar.
Esta questão não é nova no parlamento, porque já ha annos se fez votar uma lei de expropriação por zonas, que não chegou a ser approvada na camara dos dignos pares.
Sei que é uma questão grave, e que reclama um exame detido e consciencioso; mas a minha intenção é habilitar a camara municipal de Lisboa, e outras que estejam em circumstancias analogas, com uma lei de expropriação por zonas, que, supposto importe uma tal ou qual modificação ou restricção nos direitos particulares, tem todavia a seu favor grandes considerações de interesse publico. Respondo, portanto, á segunda pergunta do illustre deputado, que só a resposta do procurador geral da corôa for no sentido de que na legislação actual não cabe a expropriação por zonas, a minha intenção é propor á camara uma lei sobre este assumpto.
Creio que d'esta maneira tenho satisfeito ás perguntas de s. exa.
O sr. Arroyo:- Apresentou um requerimento, pedindo que, pelo ministerio da guerra, seja devolvido á camara, ainda que sem informação, o requerimento do capitão reformado Jorge Higgs, requerimento que foi remettido áquelle ministerio em 20 de fevereiro de l874, em virtude de requisição da commissão de guerra.
Leu e mandou para a mesa duas representações approvadas n'um comicio que teve logar hontem no theatro dos Recreios, da cidade do Porto, pedindo a revogação da lei de 15 de julho de 1887, e respectivo decreto regulamentar.
Pediu que estas representações fossem publicadas no Diario do governo.
Não podia deixar de alludir ao que na ultima sessão dissera o sr. ministro do reino, respondendo ás considerações que elle, orador, apresentara quando fallou ácerca dos acontecimentos do Porto. O sr. ministro declarara que o governo não fizera dictadura na questão das licenças, porque não obrigara ninguem a tirar licenças, as quaes só seriam dadas a quem as pedisse.
Mas a lei não determinava isto; estabelecia a obrigação de tirar as licenças, e desde que uma tal obrigação desapparecia, o acto praticado pelo governo era um acto de dictadura.
Havia tambem perguntado qual a rasão por que eram perseguidos os contribuintes das cercanias do Porto com os aboletamentos de tropa, e o sr. ministro respondera que os aboletamentos se faziam pela necessidade de manter a ordem,

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Não lhe parecia que se podesse apresentar similhante rasão para justificar o procedimento das auctoridades.
Perguntara tambem porque que era que se entregára a policia da cidade do Porto á auctoridade militar, e o sr. ministro respondera ainda, quo era pela necessidade de manter a ordem; mas, na sua opinião, isto era o preludio de uma suspensão de garantias.
As respostas dadas por parte do governo eram perfeitamente nullas, e os srs. ministros precisavam responder com argumentos solidos e precisos ás arguições que a opposição, no uso legitimo do seu direito, apresentar.
Referindo-se aos factos succedidos hontem na cidade do Porto, disse que, tendo-se realisado ali um comicio que resolveu enviar uma representação ao parlamento, a qual hoje apresentara, differentes. cidadãos, em completa paz, dirigiram se a casa do sr. dr. José Moreira da Fonseca, para lhe entregar a representação e pedir-lhe que a fizesse chegar ao seu destino, e quando iam em caminho da casa desse cavalheiro, uma força de cavallaria lhes impediu a passagem, acutilando o povo e insultando assim um dos mais sagrados direitos populares.
Muitos individuos tomaram por outros caminhos e dirigiram-se a casa de José Moreira da Fonseca, e depois este cidadão, perguntando ao commandante da força o motivo por que assim procedia, este respondera que não tinha que , dar-lhe satisfações e que obedecia ás ordens do governador civil. José Moreira da Fonseca declarara que protestava contra tal procedimento, mas que acima de tudo respeitava a auctoridade e fôra elle mesmo que dera ordem a multidão para dispersar.
Sobre este acontecimento pedia explicações ao sr. presidente do conselho.
Referiu-se tambem aos acontecimentos da Mealhada, Mathosinhos e Cantanhede, e, segundo lera n'um jornal, em Mathosinhos havia revolta. Na Mealhada fora ferido com dois tiros o escrivão de fazenda e cercada a casa do administrador, e dizia-se tambem que em Cantanhede houve mortes.
Pedia ao sr. ministro do reino que desse explicações cabaes e categoricas sobre os acontecimentos a que acabava de referir-se.
O requerimento mandou-se expedir.
Foi auctorisada a publicação das representações.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro):- Disse que pedia a palavra para dar ao illustre deputado que acabava de fallar muito breves e resumidas explicações em resposta ás perguntas que lhe dirigiu, porque estava disposto a não voltar ao assumpto quo na ultima sessão foi debatido n'esta camara.
Que o illustre deputado se referira n'uma parte do seu discurso ás observações que expozera á camara na ultima sessão, mas como não tinha mais nem melhor para dizer do que já disse, julgava-se dispensado de voltar á materia. (Apoiados.)
Que punha inteiramente de lado a resposta ás observações que s. exa. agora fazia, porque essa resposta estava antecipadamente dada no que dissera na ultima sessão. (Apoiados.)
Ia pois responder simples e laconicamente á pergunta que o illustre deputado lhe dirigiu; mas, antes d'isso diria a s. exa. que procuraria por todos os modos não usar de facecias, que são improprias d'este logar e improprias do seu caracter, e não dizer qualquer cousa que podesse nem de leve, melindrar o illustre deputado, ou algum dos seus companheiros da opposição.
Todos nós rimos, disse, e se fez rir a camara, a culpa não foi sua, foi do illustre deputado, porque s. exa. que é naturalmente engraçado, tem ás vezes modos de dizer, e apresenta conceitos que provocam o riso e a alegria, e não podia levar a mal que, respondendo a phrases alegres de s. exa., provocasse igualmente a alegria da camara. (Apoiados.)
Mas não fora idéa sua, nem é nunca proposito seu, fazer rir a camara á custa dos seus collegas.
E o illustre deputado sabe que elle, orador, é bastante serio para usar de facecias. (Muitos apoiados.)
O sr. Arroyo:- Eu não disse isso.
O Orador: -S. exa. disse que eu tinha usado de facecias.(Apoiados.)
(Interrupção do sr. Arroyo.)
Eu não sei se percebi mal. É possivel que dissesse alguma cousa que s. exa. podesse classificar de facecia, mas não foi essa a sua intenção, e mesmo o logar que occupava lhe impunha o dever de responder sempre com gravidade aos seus adversarios. (Muitos apoiados.)
O illustre deputado para o amesquinhar, comparou-o com o vulto grandioso, e quasi legendario hoje para todos nós, de Fontes Pereira de Mello.
Que era desnecessario invocar a recordação d'aquelle heroe das nossas lutas parlamentares para pôr em relevo a mesquinhez da sua estatura politica e parlamentar.
Que nem de longe póde ser comparado áquelle grande vulto que, desejaria poder imitar, mas que nem tinha essa ambição, que de certo ficaria muito aquém da realidade; mas que procuraria imital-o, tanto quanto possivel, respondendo com seriedade e cordura ás perguntas que lhe são feitas.
O sr. Fontes Pereira de Mello, respondendo ás interpellações que lhe dirigira, por vezes acrimoniosas e violentas, como é costume n'esta casa por parte das opposições, muitas vezes respondeu com violencia, mas nunca com menos delicadeza ou cortezia; do mesmo modo procederia agora, e só alguma vez se esquecesse d'isto, o illustre deputado seria de certo, o primeiro a chamal-o ao cumprimento do seu dever, assim como o sr. presidente da camara lh'o não consentiria.
Tratando do comicio do Porto, disse o illustre deputado o sr. Arroyo que, n'um comicio que houve hontem no Porto, e onde foi votada a representação que s. exa. hoje trouxe á camara, os cidadãos que sairam d'esse comicio foram mandados dispersar, e atropellados pela força publica.
Não podia dar outra noticia alem d'aquella que consta dos telegrammas que tem presentes, e que já vem publicada nos jornaes.
Os telegrammas dizem que, a força publica encontrando um grande numero de pessoas que iam em direcção da casa do sr. José Moreira da Fonseca, as fizera dispersar, mas não consta que houvesse nenhum ferimento.
Não tinha informações mais categoricas a este respeito, mas que esperava pelas informações minuciosas que devem ser presentes ao governo, e se em virtude d'estas informações se convencer que houve abuso por parte da auctoridade, ou por parte da força publica, estivesse o illustre deputado certo que havia de fazer cumprir a lei, e castigar quem se tiver excedido, quer seja auctoridade militar, quer seja auctoridade civil. (Vozes. Muito bem.)
Tambem o illustre deputado se referira aos acontecimentos de Cantanhede. A este respeito sabia o que consta do um telegramma dirigido ao sr. ministro da guerra pelo general commandante da segunda divisão.
Diz esse telegramma:
(Leu.)
Não podia dar mais nenhuma informação, porque não tinha outras alem da que veiu no telegramma que acaba de ler.
Se se provar que, por parte da auctoridade militar ou civil, houve abuso, o governo ha de fazer castigar quem for culpado.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Presidente:- A hora para se passar á ordem do dia está adiantada; mas como alguns srs. deputados pe

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diram a palavra, vou consultar a camara sobre se quer que lhes conceda a palavra.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. Pinheiro Chagas: - Devo confessar que me surprehendeu a declaração feita pelo sr. presidente do conselho de ministros, de que não tem informações circumstanciadas e completas acerca dos acontecimentos do Porto, e que as informações que tem se limitam ás que vêem no telegramma que recebeu, d'onde se vê que a auctoridade não teve tempo bastante para informar o sr. presidente do conselho de ministros do que se passou.
Muita gente em Lisboa recebeu hoje cartas do Porto, dando lhe noticia circumstanciada dos actos que hontem ali se passaram, e eu pergunto ao sr. ministro do reino se não impõe castigo severo aos empregados, ou áquellas auctoridades que não o informaram como deviam, sobre esta questão gravissima.
Se elles não correspondem condignamente ás intenções de s. exa., se não sabem manter a ordem e o respeito á liberdade, demitta-os; mas não venha dizer no dia seguinte áquelle em que se realisou um comicio pelas duas ou tres horas, que não tem informações dos factos ali passados.
Se não é capaz de manter a policia em todo o reino, saia d'esses logares. (Apoiados.) Não é capaz de ahi estar se consente que haja delegados que não o informam immediata e largamente do modo como procedem no cumprimento dos seus deveres. (Apoiados.)
É necessario saber-se que o sr. presidente do conselho de ministros declarou que todas as medidas tomadas eram para manter a ordem. Eu desejo muito que se mantenha a ordem; e nós todos, se for necessario, estamos dispostos a dar a força ao governo para a manter. (Apoiados.) Mas o governo é que não a quer acceitar de nós. E necessario que se mantenha a ordem e a liberdade; e eu pergunto ao sr. presidente do conselho de ministros qual o motivo por que no Porto como em Cantanhede é a policia entregue á auctoridade militar; qual o motivo por que estamos, por conseguinte, n'um verdadeiro estado de sitio.
Pergunto a s. exa. se estão suspensas as garantias sem a camara ter sido consultada a esse respeito. (Apoiados.)
Os acontecimentos são gravissimos. Em toda a parte se levantam tumultos e desordens, e o governo não tem força para reprimil os; recua constantemente diante das manifestações desordeiras, e só tem força para as manifestações pacificas.
Quando um grupo de populares portuenses se encaminha tranquilla e pacificamente para casa de um cidadão bem conhecido em todo o reino pela sua indole ordeira e pacifica, o governo, ou o seu delegado no Porto, manda os dispersar pela cavallaria; mas quando os amotinados de Mattosinhos estabelecem, como diz o jornal citado pelo meu amigo o sr. Arroyo, o remado da revolta, o governo não tem força para reprimil-os, não tem força para obrigal-os à entrar na ordem. O governo recua e não faz senão mandar telegrammas dizendo que está suspenso tudo, menos elle; elle é que não está suspenso, e mais está tudo suspenso. (Apoiados, riso.)
Quando um deputado, no uso plenissimo do seu direito parlamentar, no seu desejo vivissimo de manter a ordem, e de dar força ao governo, lhe pede que tratemos immediatamente, já que o governo não tem força para manter as leis, de legalisar a situação, acabar com os motivos de desordem e tumultos, o governo não julga urgente o assumpto e a maioria tambem não. A maioria não trata de dar força á lei, estabelecer ao menos um estado legal perante o paiz, e o governo não tem força, nem coragem para manter a lei que elle fez e a sua maioria. O governo está recuando constantemente diante das desordens, pedindo aos desordeiros que não façam tumultos, mandando collocar cartazes; é o governo cartazeiro, (Riso.) dizendo ao povo que estão suspensas as licenças.
Não será melhor que, em vez de cartazes, se faça uma lei
perante os corpos constituidos do paiz, que só elles têem o direito de fazer? (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, o que é mais curioso ainda é que é o proprio governo que, pelos seus orgãos mais acreditados na imprensa, está aconselhando a revolta ao paiz. (Apoiados.)
Ainda hoje vi n'um jornal, o qual é inspirado, como toda a gente sabe, por um membro do ministerio, que só pagava as licenças quem as queria pagar; que aquelles que obedeciam ás intimações dos escrivães de fazenda pagavam as licenças, e que aquelles que não obedeciam a essas intimações, que tumultuavam, não as pagavam.
Isto é a revolta aconselhada por áquelle jornal. Quem se sujeitar a pagar é esmagado; quando alguém se levanta ameaçador, recua-se covardemente! (Apoiados.)
Quando a opposição, em nome dos seus direitos, e em nome do paiz que representa, reclama que não se esmague o paiz com impostos, que se faça o que se deve; o governo e a sua maioria esmagam-nos com os seus votos; mas, sê nós nos levantassemos tumultuando, o governo recuaria, creio eu. (Apoiados.)
Eu peço ao sr. presidente do conselho que com sua auctoridade influa nos seus amigos para que se tome uma deliberação, e rogo á camara e a v. exa. que não deixe do a tomar.
Esta deliberação parece-me justissima, e é que à actual sessão se não encerre sem que a commissão de fazenda seja eleita, para que os projectos relativos ás licenças lhe sejam enviados, e para que se ponha termo legalmente a uma agitação que todos deploramos e que a opposição lamenta mais do que ninguem. (Apoiados.)
Vozes :- Muito bem.
(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Que desejava poder acompanhar o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas na sua inflamada oratoria e poder subir ás alturas a que s. exa., graças ao seu provado talento, sabe elevar-se; mas não tinha capacidade para levantar-se tão alto, nem estava tão indignado como o illustre deputado parecia.
Os illustres deputados da opposição queixam-se de que lhes não responda a serio!
Realmente, por mais que faça, por maior que seja á seriedade em que queira inspirar-se para responder aos illustres deputados, não podia de maneira alguma responder a serio a arguições como as que o sr. Pinheiro Chagas acabava de lhe dirigir. (Apoiados.)
Acabava de dizer á camara que não tinha informações cabaes, nem às podia ter, de acontecimentos occorridos hontem na cidade do Porto.
Acabava de dizer que não tinha nem podia ter ácerca d'estes acontecimentos senão noticias telegraphicas, que eram naturalmente laconicas e resumidas, e que aguardava informações officiaes, que deviam ser-lhe dirigidas, para em face d'ellas, avaliar se as auctoridades tinham ou não cumprido o seu dever.
Mas que o illustre deputado se levantara, intimando-o para sair d'aquelle logar, porque essa é que era a questão, (Riso.-Apoiados.) e declarara o governo incapaz de manter a ordem e o socego publico, porque não podia adivinhar, porque não estava disposto a tomar providencias em face de informações telegraphicas, pois que era materialmente impossivel que as informações completas chegassem hoje mesmo. (Apoiados.)
Deu á camara as informações que podia dar-lhe, que eram as telegraphicas; não tinha outras. Queria o illustre deputado que julgasse da responsabilidade que tiveram as auctoridades do Porto na repressão das desordens de hontem, só por simples informações telegraphicas? Não podia ser! (Apoiados.} Fora isto que dissera ao illustre deputado, e o illustre deputado inflamma-se, e vibra-lhe os raios da sua eloquencia, unicamente porque lhe affirmara que não

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tinha mais informações a dar-lhe até ao presente, nem as podia ter (Apoiados.) Que idéa fazia o illustre deputado das informações, que precisava ter?
Não sabe s. exa. que é preciso levantar autos de infracção, com intervenção de testemunhas? Pois havia de limitar-se a proceder por informações que lhe desse a auctoridade, simplesmente, desacompanhadas de quaesquer provas? Houve tumultos? Houve desordens? Tudo isso, segundo a lei, tem de ser authenticado em autos, com inquirição de testemunhas, sendo esses autos mandados depois ao poder judicial. Em face d'esses autos e d'essas informações é que o governo podia depois formar a sua opinião e assentar o seu juizo sobre qualquer responsabilidade em que possa ter incorrido a auctoridade civil ou militar do Porto.
Nem, sequer tinha ainda, nem podia ter, um relatorio circumstanciado dos acontecimentos do Porto.
O sr. Pinheiro Chagas: - Dou-lhe os meus parabens pelo governador civil que tem no Porto .
0 Orador: - Pois se os acontecimentos occorreram hontem no Porto, como é que podia ter já o relatorio d'elles? (Muitos apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas: - Se s. exa. quer, eu dou-lhe o supplemento do Jornal do Porto, que dá conta d'elles.O Orador: - Então o illustre deputado quer que se faça obra pelas informações dos jornaes ? Não póde ser! Só agora, depois de estar fallando o illustre deputado, è, que recebera, mandado pelo seu illustre collega da guerra, a informação que s. exa., teve acerca dos acontecimentos de hontem, e ainda não acabara de ler essas informações. Mas do governador civil não tinha mais que informações telegraphicas.
Mas que grandes acontecimentos foram esses, que tanto inflamam o illustre deputado! Foi, nem mais nem menos, a acreditar o que dizem os jornaes, a dispersão de uns grupos, que não quizeram retirar se diante da intimação da auctoridade militar, mas sem que resultasse d'essa dispersão nenhum ferimento.
O sr. Arroyo: - Se v. exa. não tem informações, como sabe o que é que houve? (Apoiados.)
O Orador: - Fallamos todos ao mesmo tempo ?
O sr. Arroyo: - V. exa. é tambem presidente da camara, alem de ser presidente do conselho?
O orador: - Que era verdade, que era presidente do conselho, aqui e em toda a parte; até para reprimir a desordem. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)
Perdoe-lhe s. exa., respondia á arguição de que o governo não tinha força para reprimir a desordem. (Apoiados.)
O paiz está perfeitamente tranquillo e socegado. (Apoiados.) As desordens não existem senão onde as têem provocado; (Apoiados.) não existem em mais parte nenhuma; o paiz está tranquillo; quem não está tranquillo, quem está desasocegado era s. exa. e os seus companheiros.
(Alguns srs. deputados pedem a palavra.)
Não queria, não desejava dizer estas cousas; mas o illustre deputado é que o collocou n'este terreno, dizendo e affirmando alto e bom som, e com a auctoridade da sua palavra, que o paiz estava inquieto, estava em desordem, estava todo sublevado, e o que o governo não mantinha a paz publica! Que era obrigado a declarar ao illustre deputado, sem receio de que possa ser desmentido, com documentos, que o paiz estava perfeitamente socegado. (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas:- E Matosinhos?
O Orador: - S. exa. não sabe o que foi Matosinhos? Matosinhos foi uma questão pessoal, particularissima. (Apoiados.) Não veiu isso explicado em todos os jornaes? O que houve em Matosinhos não tem significação politica. (Apoiados.) Queria s.ex.ª que viesse repetir o que todos
sabem, e que está explicado em todos os jornaes? O que houve em Matosinhos foi um movimento popular contra um individuo que tinha.
(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)
Só no tempo em que s. exa. foi ministro, é que não houve desordens em parte nenhuma? (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)
S. exa. já se não recorda de que, com os seus collegas, saiu do governo por causa da celebre questão de Braga e Guimarães, questão que elle, orador, tivera a fortuna de resolver? (Apoiados.)
Já se não lembrava d'isso? Os homens que sairam do poder diante de um conflicto, que ia pondo em anarchia uma grande parte do reino, esses é que são os pacificadores do paiz ! (Apoiados.)
Nunca houve desordens, tumultos, mortes no tempo em que s. ex.ªs governaram ! Nunca.
O sr. Marçal Pacheco: - Salvo a redacção.
O Orador:-Só agora é que está o paiz em desordem.
Tinha dado ordem ás auctoridades para que inquirissem minuciosamente quem são os auctores e promotores das desordens (Apoiados.) Póde v. exa. ter a certeza de que não será o governo quem os ha de julgar; mas ha de mandar para o poder judicial os autos que se levantarem, e então se provará quem são os desordeiros.
Então veremos quem são os instigadores da desordem, veremos se o paiz não está socegado e se o governo não tem força para manter a ordem.
Mas porque é toda esta indignação do sr. Pinheiro Chagas? Porque se limitava a dizer á camara a verdade; não tinha outras informações senão as que constam de telegramas. Não houve tempo para a auctoridade mandar outros esclarecimentos, mas logo que venham, procurará formar juizo a respeito da responsabilidade em que possam ter incorrido as auctoridades do Porto. Queria o illustre deputado que demitisse o governador civil simplesmente porque não mandou ainda um relatorio circumstanciado dos acontecimentos que tiveram logar hontem no Porto?
É uma injustiça e chega a ser quasi uma barbaridade! Custa a crer, que o sr. Pinheiro Chagas, homem de um criterio elevado, quizesse que se demittisse o sr. governador civil do Porto, porque não tenha praticado um impossivel !
Não fazia a vontade ao illustre deputado de sair d'aqui. (Apoiados). Esteja certo d'isso; perante as suas intimações é que não sairá d'aqui: não é porque tenha ambição de estar n'este logar. Dizia isto sem rhetorica. O illustre deputado, que foi ministro, sabe que quem está n'esta situação, ao cabo de dois annos deve estar fatigado e desejoso de ceder o seu logar a quem melhor o desempenho; não tinha saude nem ambição para se conservar n'elle, e tem a consciencia de que a posição que occupa era muito superior aos seus recursos intellectuaes. Que a esse respeito não tinha duvida em concordar com o illustre deputado. (Vozes: - Não apoiado).
Mas desde que estava investido n'estas responsabilidades e como sabe o que deve á corôa, ao seu partido e ao paiz, creia que não sáe assim por uma intimação de s. ex.ª; estava completamente illudido a esse respeito. Tinha a força para governar, tanta quanta é precisa, e não via ainda nenhuma indicação constitucional em que lhe fosse apontada a necessidade da sua exoneração. Creia s. exa. que quando a vir, não se demora aqui muito tempo, nem será necessario que o empurrem como tem acontecido a outros. (Apoiados).
Desejava governar sobretudo com a opinião. (Apoiados). Ainda ha poucos dias o procurava uma numerosa commissão de operarios para lhe representar a respeito da questão das licenças e disse-lhe leal e francamente: "que achava que, faziam muito bem em representar dentro da legalidade; sempre que assim fizessem haviam de achar apoio sincero e seria o seu primeiro advogado". (Apoiados).E tivera a for-

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tuna de ver, que no numeroso comicio que hontem houve em Lisboa, os operarios lhe fizeram justiça (Apoiados) declarando ali publicamente que tinham sido recebidos pelo presidente do conselho com uma benevolencia não vulgar em homens publicos.
E com a opinião que deseja governar, e quando vir que a opinião deixa de acompanhar o governo, não precisava que s. exa. lhe intimasse a sua saída d'aquelle logar.
Quando vir que a opinião publica deixa de acompanhar o governo, sabia perfeitamente o que lhe cumpria fazer. (Apoiados.)
A ordem publica está mantida em todo o paiz. Crê que não se póde dizer que esteja perturbada a paz do reino pelos tumultos e conflictos populares que se deram em Cantanhede e em Matosinhos! É lamentavel que se dessem, mas esses acontecimentos dão-se em todas as situações e com todos os governos. É impossivel evital-os.
Sempre que as manifestações populares se mantenham dentro dos limites da ordem, não duvidará o governo modificar a sua opinião; mas desde que forem intimados pela desordem a abandonar estes logares, acharia nas leis os meios de fazer entrar os desordeiros no caminho da legalidade.
O illustre deputado referiu-se ao facto de serem as licenças pagas pelos contribuintes que as queiram tirar, e estarem suspensas em relação aos outros que não as queiram pedir.
O governo limitou-se a dar ordem aos seus delegados para que se expedissem licenças aos contribuintes que as queiram pagar, e que não se levantassem autos de infracção contra os que não quizessem. A lei não estava suspensa por um acto legal do parlamento, e por isso o governo não podia fazer mais do que adiar o levantamento dos autos de infracção.
Mas diz o illustre deputado que o governo recuou na questão das licenças. Todos nós recuámos. (Apoiados.)
Pois a opposição e a maioria não votaram no anno passado a lei de 16 de julho? Onde estavam s. exa. quando se votou aquella lei ? Porque não se levantaram n'essa occasião a oppor-se com a sua voz auctorisada á approvação d'aquella proposta? (Apoiados.) Porque não tiveram uma palavra contra a proposta do governo? Porque não discutiram, como deviam, a inconveniencia da proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda, que só agora lhe apparece com todos os seus defeitos? Pois s. exa. votaram com o governo, e não querem ter a mesma responsabilidade que este tem? (Apoiados)
Não é só o governo que recua; recuamos todos, e ainda bem que assim é, não para obedecer ás intimações dos desordeiros, mas para dar satisfação ao que ha de justo e rasoavel nas manifestações populares.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Manuel d'Assumpção:-(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lamentando quo o governo não possa manter a ordem publica, passa á ordem do dia. = Manuel d'Assumpção.
Foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Presidente:- Vae ler-se um officio do ministerio do reino.
Leu-se um officio acompanhando o decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei nomeia os srs. Manuel Afonso Espregueira e Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real para supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente e vice-presidente da camara.
O sr. Presidente: - Convido os srs. deputados Manuel Affonso Espregueira e Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real a virem a mesa prestar juramento
como supplentes á presidencia e vice-presidencia da camara.
Prestaram juramento.
O sr. Marçal Pacheco:-(O discurso será publicado quando s.ex.ª o restituir.)
O sr. Arouca (sobre a ordem): - Se v. exa. e a camara me permittirem, eu, desobedecendo ás prescripções do regimento, dispenso-me de ler a minha moção de ordem adoptando completamente a do meu collega o sr. Marçal Pacheco.
Precisâmos desenganar-nos de que sobre um ponto com toda a certeza estamos todos de accordo. É sobretudo sobre esse ponto que nós estamos de accordo com o nobre presidente do conselho.
Todos estamos do accordo em que o governo não póde, nem tem força para manter-se. É n'este ponto que concordamos com o nobre presidente do conselho !
Disse s. exa. que toda a questão se resumia em o governo ficar ou não.
Nunca s.ex.ª disse tão grande verdade! Nunca s.ex.ª fallou com tanta verdade como hoje, affirmando no parlamento que todas as questões desappareceriam se s. ex.ªs desapparecessem tambem.
Não julgue o sr. presidente do conselho que lhe diz isto um deputado da opposição irritado contra o governo. Não é a opposição que está irritada; quem está irritado é o paiz.
E não creio que s. exa. dissesse a verdade, quando disse que o governo tinha todas as indicações constitucionaes para governar: falta-lhe uma, que é o apoio do paiz, é o apoio da opinião. E não fomos nós que lh'o negámos; são os seus amigos politicos, que na tribuna e na imprensa têem affirmado que o governo não corresponde ás necessidades do paiz.
Que dirá s. exa. quando lhe citar o nome do illustre historiador o sr. Oliveira Martins? Pois não é o sr. Oliveira Martins um dos mais importantes membros da maioria? Não é um escriptor, que tem mais volumes, talvez, do que annos tem de idade? Não é elle que tem combatido os esbanjamentos do ministerio das obras publicas?
Não é o illustre orador parlamentar o sr. Antonio Candido, não é esse grande talento, que fallando em um comicio no Porto disse que a politica de negocios, a politica do dinheiro n'este paiz e n'esta epocha se sobrepunha á politica das idéas? Não é o illustre escriptor e notavel jornalista o sr. Antonio Ennes que declarou fundára um jornal seu para não lhe quebrarem na mão a penna que lhe tinham arrancado? Não foi elle que declarou que fundára um jornal para defender as tradições honradas do partido progressista?
Não é o sr. Elvino de Brito, director geral do commercio e agricultura, um dos homens mais importantes do partido progressista, que veiu á camara protestar contra a commissão do bill, que, por meio de uma emenda introduzida á ultima hora destruira todo o pensamento, bom ou mau, quo presidira á creação da direcção geral de agricultura, permittindo que ao chefe de uma d'essas repartições fosse dispensado o diploma de agronomo?
Não é a penna brilhante do sr. Carlos Lobo d'Avila, que n'um artigo firmado com o seu nome confessou que a opposição apenas explorava as desordens, mas não era ella que as linha promovido? Não foi elle que disse isto?
Não sabem quem foi que promoveu, que excitou as desordens? Pois eu lh'o digo - foi o governo, que falseou ás suas promessas, que faltou a tudo quanto promettêra, que augmentou os impostos, dizendo que não pedia mais impostos.
O ministerio progressista começou a sua carreira parlamentar em 1886, fazendo com que o augusto chefe do estado, no discurso da corôa, affirmasse que ao paiz se não pediriam mais impostos, e na occasião em que o primeiro magistrado da nação annunciava ao paiz que
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se lhe pederiam mais impostos o governo violando a constituição, em dictadura, pelo ministerio das obras publicas, lançava até um addicional de l5 por cento para as extraordinarias despesas, e mais que extraordinarias, estravagantes despezas que se têem feito, pelo ministerio das obras publicas. (Apoiados.) O ministerio , depois de ter feito affirmar ao augusto chefe do estado que não se pedia ao povo mais impostos, veiu ao parlamento com essa mesma affirmação, mas lançava tanto quanto pôde lançar, e tanto quanto permittia o cansaço de quatro ou cinco mezes de sessão, de dia e do noite.
Q sr. José Luciano de Castro quer seguir este anno o mesmo systema, quer levar-nos pelo cangaço. As primeiras sessões é para o desabafo, mas em nos prostrando pelo cangaço, arranca nos depois tudo quanto quiser. Pois s. exa como presidente do conselho de ministros, não fica afflicto quando lhe recordar essa phrase, que a sua força consiste em estafar os seus adversarios. Quando a opposição parlamentar, por um excesso de condescendencia e de attenção para com o governo, permittia ao sr. Marianno de Carvalho que discutisse na outra casa do parlamento o orçamento, e que viesse para aqui um ministro estranho á pasta da fazenda discutir um projecto de fazenda, quando a opposição parlamentar tinha pelo seu collega essa grande attenção, s. exa responde: estafem-se; no principio desabafos, e para o fim arranco-lhe o que quizer. Dou-lhe os parabens, seja essa a sua melhor coroa, seja esse o seu maior triumpho.
Quando sair do ministerio, não se esqueça de dizer que conquistou as suas esporas de oiro de presidente do conselho de ministros, governando por ter cansado physicamente a opposição. Não foram as suas idéas que triumpharam, a sua politica que vingou, foi o cansaço physico da opposição que lhe permittiu continuar a arrastar essa vida, que é de tudo menos de governo que tem idéas, de partido que tem programma. (Apoiados.)
O sr. José Luciano de Castro lembrou-se, em resposta ao meu amigo o sr. Pinheiro Chagas, de amesquinhar os acontecimentos que se tinham passado n'outra legislatura, e lembrou se de perguntar que grandes acontecimentos foram esses. Tambem o anno passado, quando se abriu o parlamento, quando se davam cargas de cavallaria no Porto e s. exa mandava para ali um navio de guerra para substituir a penitenciaria ou as cadeias do Porto, perguntava n'esta camara onde estão os mortos, entendendo que a questão não tinha importancia, porque ninguem tinha morrido. (Riso.)
Agora s. exa deve estar satisfeito debaixo d'esse ponto de vista. Eu faço justiça ás suas qualidades como homem, e não posso acreditar que o seu coração esteja tão prazenteiro como apparentemente s. exa tem estado ; quero acreditar que s. exa tem um profundo desgosto, uma grande magua por saber que se arranca a vida a alguns desgraçados, que o direito de petição não era uma palavra sagrada, o direito de se reunir para protestar contra o procedimento do governo.
Eu estou convencido d'isso. Mas o sr. José Luciano disse hontem umas palavras, que me parece que deviam ficar gravadas na memoria de todos aquelles que as ouviram.
Disse s. exa que, se a opposição está triumphante e o governo está contente porque fica, entoemos todos um cantico de alegria. Pois entoe s. exa esse cantico! Pela minha parte, eu não me associo a s. exa, mas lembre-se o sr. José Luciano de que tambem a cigarra cantava durante o verão e que depois a formiga mandou-a dansar.
Oxalá que o povo não se lembre de dizer ao sr. José Luciano que chegou tambem à sua vez de dansar!
Vozes : - Muito bem, muito bem.
Leu-se na meza a seguinte:

Moção de ordem

A camara, ouvidas as explicações do governo, passa
immediatamente a eleger a sua commissão de fazenda, a fim de que esta, no mais curto espaço de tempo, dê parecer sobre as medidas apresentadas na ultima sessão pelos srs. ministros da fazenda e deputado Franco Castello Branco. = Frederico Arouca.
Foi admittida.

O sr. Frederico Laranjo (sobre a ordem): Sr. presidente, começo por ler e por mandar para a mesa a minha moção de ordem.
(Leu.}
Sr. presidente, um estrangeiro, que, por acaso, não conhecedor do paiz e de que n'elle se passa, entrasse n'aquellas tribunas, quando ha pouco fallava o sr. Manuel d'Assumpção, persuadir-se-ia por certo, pelas idéas e pelo tom do orador, que o paiz estava chegado a uma d'aquellas horas solemnes em que, no meio das grandes convulsões populares, faz crise e se afunda um governo, uma dynastia ou uma nacionalidade; mas, se continuasse a assistir á sessão, a primitiva impressão de tristeza e de susto passar-lhe ia de todo ao ouvir o sr. Arouca terminar o seu discurso com a recordação de uma fabula alegre - a da formiga e da cigarra; veria com effeito que não havia crise de nacionalidade, nem de fórma de governo, nem de homens de governo, nem mesmo de ordem publica. (Apoiados.)
A questão é de fabulas; a fabula vem a proposito, mas invertida, como, por um acaso feliz, o foi pelo proprio illustre deputado que a citou. Se o governo caisse do poder, o paiz diria poucos dias depois aos deputados da actual opposição cantaram e gritaram hontem? Pois dansem agora! Dansem agora, porque não bastam discursos inflammados para manter e continuar a reorganisação administrativa e financeira começada e levada tanto adiante por este governo. (Muitos apoiados.)
Caia o governo, clama a opposição, porque tem havido desordens n'alguns pontos do paiz. Mas, não basta esse facto, para que um governo se dê por perdido, alias onde iriam, quanto tempo durariam os governos da Inglaterra, da França, da Belgica, de todos os paizes da Europa onde ha liberdade e opinião publica, mas onde tambem não são raros os motins e as desordens? (Apoiados.)
Inepto seria o governo que diante das intimações da opposição, unicamente por se levantarem, ou antes por se promoverem algumas desordens, saisse logo d'aquelles logares. O dever do governo é persistir, é conservar se, emquanto se não provar que os promotores das desordens têem rasão; emquanto se não provar que a agitação é justificada. (Apoiados.) O dever do governo é persistir e ficar, emquanto estiver com elle, como está, a maioria sensata e illustrada do paiz. (Apoiados.)
Será a agitação justificada, e, antes ainda d'esta pergunta, será espontanea?
Todos os annos agora, ao abrir-se o parlamento, ha aqui ou acolá alguns tumultos ou algumas tentativas de tumultos ; esta periodicidade da desordem revela a sua natureza, a sua indole, os seus intuitos. (Apoiados.) Quieto, tranquillo, bem motivos da agitação nos intervallos parlamentares, o povo agita-se de de repente ao abrir-se esta casa; os motivos apparecem em tempo prefixo! Que curiosa periodicidade! Que singular coincidencia! (Apoiados.)
Mas analysemos os motivos da agitação.
São dois esses motivos; qualquer d'elles o mais injusto e o mais insignificante possivel. (Apoiados.)
Um é pedir-se a contribuição industrial a alguns vendedores ambulantes por meio de licenças.
Entendeu se desde ha muito que deviam pagar o imposto industrial não só os commerciantes que tenham uma loja, um estabelecimento fixo, mas tambem os que, sem terem essa despeza, andavam vendendo pelas diversas terras do paiz ou pelas ruas de uma mesma terra. Ha muito que isto é assim, assim com regeneradores, assim

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com progressistas. O que se innovou ha pouco, ou melhor, o que se mudou ha pouco, foi a forma de pedir o imposto; pediu-se por meio de licenças, como se faz na França e n'outros paizes, porque a experiencia demonstrava que esse meio de percepção era o mais facil e o mais equitativo.
O sr. Pinheiro Chagas: - Se as licenças são equitativas, porque as suspendem?
O Orador: - Faça favor de ouvir que já explico.
O sr. Pinheiro Chagas:- Quem me póde chamar á ordem é o sr. presidente, não é o illustre deputado.
Tome cautela.
Vozes:-Ora, ora.
Outras vozes:- Ordem, ordem.
Estabelece-se alguma agitação na assembléa.
O sr. Presidente (tocando a campainha}:- Peço aos srs. deputados que se mantenham na ordem.
O sr. Pinheiro Chagas :- O illustre deputado ha de ouvir as minhas interrupções. Só o sr. presidente me póde chamar á ordem, e eu hei de manter os meus direitos parlamentares contra o sr. Laranjo ou contra seja quem for.
O sr. Arroyo:- E por qualquer meio.
Trocam-se differentes ápartes.
O sr. Presidente:-Peço ordem.
O Orador:- Sr. presidente, passam-se no parlamento portuguez muitas cousas incomprehensiveis para mim; mas a mais incomprehensivel de todas ellas é esta irritação agora do sr. Pinheiro Chagas para commingo.
O sr. Pinheiro Chagas:- Nunca vi que um orador, como o illustre deputado, que não se desconcerta facilmente, se irritasse assim com uma interrupção.
As interrupções são permittidas ha muitos annos no parlamento, e admiro-me de que o illustre deputado se irritasse assim com uma interrupção feita á boa parte.
O sr. Presidente :- Peço que não haja interrupções.
O Orador:- Eu estava a dizer, e repito, que se passam no parlamento portuguez muitas cousas incomprehensiveis para mim, mas que a mais incomprehensivel de todas ellas era esta irritação agora do sr. Pinheiro Chagas para commigo.
Eu disse que as licenças eram equitativas, e o sr. Pinheiro Chagas, interrompeu-me, perguntando: Se as licenças são equitativas, por que é que as suspendem?
Eu respondi: Faça favor de ouvir que já explico; o sr. Pinheiro Chagas brada que não lhe consinto interrupções, que tem direito de as fazer e que o ha de manter contra mim e contra todos. Podia replicar que o regimento me dá o direito quando estou fallando, de ninguem me interromper sem minha licença; a interrupção não é pois um direito de quem a faz, é um favor de quem a consente; mas direito ou favor, eu não o tinha negado ao sr. Pinheiro Chagas; é elle o irritavel e o irritado e é das minhas irritações que se queixa! (Apoiados).
Voltando ao assumpto. Se as licenças são equitativas por que as suspendem? A resposta é simples: Para acabar com explorações de desordeiros. Por meu turno pergunto:- Se as licenças se suspenderam e era esse o motivo das agitações, por que é que as continuam?.(Apoiados).
Francamente, pois, o imposto das licenças era uma injustiça tão grave e tão geral que podesse dar origem aos acontecimentos que estão apparecendo ?
Faça a opposição mais justiça a si propria; se esse imposto fosse a injustiça flagrante de que agora fallamos a opposição teria levantado a voz o anno passado contra tal disposição da lei; se o fosse, teria protestado e não haveria cansaço que a desculpasse de o não ter feito. (Apoiados).
Vejamos o outro motivo da agitação. É o inquerito agricola.
Atravessa o paiz, atravessa a Europa, uma crise agricola gravissima, resultante da concorrencia da America jovem e da Australia ainda mais jovem; para combater a
crise foi preciso em Portugal, como nas outras nações, proceder a estudos, que só se podiam fazer por meio de inqueritos. Fazem-se os inqueritos; pergunta-se, entre outras cousas, qual é a diminuição que tem soffrido o valor da propriedade, para se lhe diminuirem proporcionalmente os impostos, e é contra estes inqueritos que se hão levantar desordens e arruaças ? (Apoiados).
Espontaneos que fossem estes movimentos, havia de o governo ceder e retirar-se diante d'elles ? Queriam os seus successores ficar impedidos de fazer inqueritos? Pois não são os jornaes da opposição os que se vêem obrigados a confessar que a agitação contra o inquerito agricola é absurda e injusta? Pois não diz isto o jornal do sr. Pinheiro Chagas? E havia de o governo retirar-se diante da ignorancia explorada e da injustiça manifesta? (Apoiados).
Diz-se : Tem corrido sangue, e ainda a pouco o sr. Manuel d'Assumpção exclamava: Nós, regeneradores, nunca mandamos matar, nem maltratar os cidadãos que usavam do seu direito de petição.
Mas quem os mandou matar, quem os mandou maltratar agora? Os mortos, os maltratados não foram os que usavam do direito de petição; foram os que perseguiram durante uns poucos de kilometros a força publica, que protegia os que no cumprimento do seu dever iam pedir nos povos informações, que eram pedidas em beneficio d'esses mesmos povos. (Apoiados).
Ai! Exclama o sr. Manuel d'Assumpção, a que tempos nós chegámos ! A que tempos nós chegámos, digo eu tambem, tempos em que a opposição se sente tão falta de forças e tão cheia de ambições, que, não encontrando outras armas para aggredir o governo, lança mão do inquerito agricola e de outros inqueritos, perturbando um e pretendendo diminuir o valor do outro, que depois acceita! (Apoiados).
Avante, dizia o sr. Manuel d'Assumpção ; avante, que é caminhar para a ruina. Avante, digo eu tambem ; avante com o inquerito agricola, que é necessario para o conhecimento do paiz ; avante com o estudo e applicação dos meios que possam mais facilmente evitar attritos, porque os partidos não se deshonram quando, ensinados pela experiencia, reformam hoje aquillo que fizeram hontem.
Podem ficar ali, brada a opposição, mas não podem dar um passo. Se até hoje, e ainda ha poucos dias que a sessão se abriu, não temos dado um passo, é porque pela maneira por que a opposição procede, não tem consentido que haja ordem do dia, e, sem se preoccupar com o proprio defeito, ella, a causa d'estas demoras, atira nos depois com ellas em rosto, como se fossemos nós os culpados. (Apoiados). Vem em seguida, no discurso do sr. Manuel d'Assumpção, a recordação da cabeça de Luiz XVI, rolando no cadafalso. Bom seria que o ex-ministro da corôa não trouxesse para aqui, porque não vem a proposito, a pavida historia. (Apoiados}.
A força, disse o sr. Marçal Pacheco, representa-se sob a fórma de uma mulher de rosto sereno e de braços crusados. É verdade, é; está n'esse pensamento a critica severa do procedimento d'esse lado da camara; se a força da rasão e da justiça estivesse do lado da opposição, a opposição seria serena, a opposição seria prudente. (Apoiados.)
O governo, diz-se tambem, está perdido, porque está calado o dissidente o sr. Antonio Candido; porque não concorda com todos os seus actos o sr. Oliveira Martins; porque na sessão passada criticou um voto de uma commissão e da camara o sr. Elvino de Brito; porque n'um jornal escreveu qualquer phrase o sr. Carlos Lobo d'Avila, e porque até o sr. .Antonio Ennes dissera que fundara um jornal para ter uma penna que ninguem lhe podesse arrancar das mãos.
Eu não sei se com o meu amigo, o sr. Antonio Candido, ha dissidencias, creio que não; eu não sei tambem se para homens de intelligencia se contarem entre os amigos de um governo é preciso que o applaudam absolutamente em tudo;

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o sr. Elvino de Brito e julgo que tambem o sr. Carlos Lobo d'Avila já pediram a palavra e responderão por si ; o sr. Antonio Ennes não está aqui para interpretar as suas phrases, mas parece-me que ellas têem um sentido geral em nada contrario ao governo; mas se essas dissidencias são reaes; se a debandada para a opposição se vae accentuando todos os dias estejam então tranquillos os illustres deputados, esperem que nós vamos passando para o seu lado; e quando a maioria estiver d'ahi, então este governo cairá. (Apoiados.)
E estas deserções não hão de demorar. A opposição denuncia-nos tantos crimes do governo! O ultimo que nos denunciou é grave, é inaudito. O governo ou os seus delegados mandaram affixar cartazes explicando a nova proposta de lei de reforma da contribuição industrial !
Affixar cartazes! Pois é isto um delicto, pois é isto um erro? Em que paiz, pergunto eu, é que um governo não póde recorrer á publicidade para encaminhar a opinião publica transviada, transviada segundo a propria confissão dos jornaes da opposição? (Apoiados.)
Em que paiz é que a imprensa, que é um direito de todos, só o não é para o governo ? (Apoiados.)
Se de alguma cousa nós nos podemos queixar, é de se ter recorrido pouco a este meio. Nós, srs. deputados da maioria, tambem temos voz nas provincias; opponhamos propaganda a propaganda; ensinemos ao povo o que é o inquerito agricola e o que são as licenças; expliquemos lhe as isenções e reducções que se propõem; publiquemos e espalhemos ás rebatinhas, ás centenas, aos milhares, aos milhões, se for preciso, as folhas, os manifestos, os pamphletos necessarios para fazer apparecer a verdade e para que acabe por uma vez essa agitação que por ahi se fomenta. (Apoiados.)
Demos o valor que ella merece a esta accusação: Affixam cartazes. Em França faz-se mais alguma cousa; as camaras votam muitas vezes que se affixem por todo o paiz os discursos mais notaveis que ali se pronunciaram.
O sr. Marçal Pacheco:- Agora póde mandar affixar se o seu.
O Orador: - Ao lado do de v. exa.
Ao mesmo tempo que se clama que a suspensão do pagamento da contribuição industrial por meio de licenças é a unica fórma capaz de fazer cessar a agitação de alguns poucos pontos do paiz, impede-se por todos os meios que a camara se entregue aos seus trabalhos regulares. (Apoiados.) Para obstar á continuação d'este estado de cousas,
é que eu apresento a minha moção de ordem. Elejam-se simultaneamente as commissões de resposta ao discurso da corôa e de fazenda; estude se a proposta do sr. ministro da fazenda e reforme-se a lei como se deve reformar. (Apoiados.)
A respeito da situação de fazenda não nos venham dizer que se aggravou.
O sr. ministro da fazenda tem dado, no pouco tempo que tem gerido a pasta a seu cargo, sobejas e exuberantes provas de que raras vezes ali se tem sentado um ministro mais activo e mais zeloso pelos interesses da fazenda publica; (Apoiados.) e não é simplesmente com discursos cheios de flores, de adverbios ou de exclamações, que se apresenta ao parlamento um orçamento accusando um deficit ordinario apenas de 150:000$000 réis. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que é conveniente para os interesses publicos adiantar os seus trabalhos, resolve passar á ordem do dia, começando pela eleição das commissões de resposta ao discurso da corôa e de fazenda, simultaneamente = sr. José Frederico Laranjo.
Foi admittida.

O sr. José Novaes: - (O discurso será publicado quando s. exa., o restituir.}
Leu se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lamentando que o sr. ministro do reino se não ache habilitado a esclarecel-a sobre a agitação do paiz, convida o sr. ministro da guerra para, dar explicações. = José Novaes.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação d'este incidente e mais a eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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