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34 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

é na critica que se refere a esses acontecimentos, que os poderes publicos vão procurar base para processos judiciaes!

Se o principio monarchico está n'aquella ilha, numa situação verdadeiramente critica, e está effectivamente, por mais que o queiram disfarçar, o meio de o prejudicar ainda mais é indiscutivelmente este, porque é dar novos alentos á critica, deslocando-a dos dominios da imprensa para a téla judicial.

V. exa. sabe perfeitamente que de todas as propagandas a mais efficaz, a que mais influe nas consciencias, e quasi as transforma vertiginosamente, e a que mais effeitos praticos produz, é a que se faz, é a que se realisa por meio das discussões apaixonadas, inevitaveis nos processos judiciaes.

Não creio que ninguém virá aqui negar que os poderes publicos são a causa dos processos em questão, e que é por sua ordem que elles se instauraram.

Bem sei que o poder judicial é independente e que não recebe ordens do governo n'este sentido; mas é indiscutivel tambem que os agentes do ministerio publico não se abalançam a intentar estes processos, sem ordens superiores, e por consequencia, n'este caso, a responsabilidade é do governo.

E é exactamente, repito, n'essa questão lamentosa, nessa questão que tanto preoccupou as justas susceptibilidades do paiz, n'essa questão que devia ser olhada com todo o cuidado e não menos prudencia, que os poderes publicos entenderam dever mostrar-se tão altivos e tão rigorosamente solicitos defensores das prerogativas da corôa, arrastando-a a uma discussão que só podia trazer-lho desprestigio.

V. exa. sabe que a propaganda por meio dos processos judiciaes tem tal força e efficacia, que, não havendo cega imprevidencia, se procura sempre evitar, e convem, em todo o caso, não procurar esses processos que mais e melhor se prestam á declamação apaixonada.

V. exa. sabe muito bem que, se são precisos largos annos para se adquirir uma reputação illustre nas pugnas da imprensa, e largos annos para tornar efficaz por meio d'ella qualquer propaganda, esta se realisa e alastra, quasi como que por milagre, por meio dos processos judiciaes.

Um dos homens mais perigosos dos ultimos tempos do imperio, todos sabem que era Rochefort. V. exa. não ignora que elle era o flagello do imperio, e que, mais do que o flagello d'elle, chegou a ser o seu verdadeiro terror.

Houve, por aquellas epochas, acontecimentos lamentaveis.

Quero referir-me ás peripecias lugubres e notaveis occorridas por occasião do enterro de Victor Noir; n'essa conjunctura de suprema angustia para o partido democratico ou republicano, reconheceu-se que o homem que havia sido o flagello e o terror do imperio, não estivera por seus desfallecimentos á altura da illimitada confiança popular, e o seu prestigio, a sua aureola de tribuno e salvador como que desappareceram n'aquelle momento.

N'este trance, escreveu elle na Marselheza, mais ou menos as seguintes palavras:

«Confesso que tive a veleidade de acreditar que um Bonaparte podia ser outra cousa mais que um assassino; confesso que tive a ingenuidade de suppor que podia haver um duello entre uma familia cuja tradição era a do assassino e da traição.»

Olivier, que se havia convertido á religião do imperio, e, como valido que era n'aquelle tempo, queria servir e agradar a seu amo e senhor, entendeu de si para si, sr. presidente, que podia resgatar o prestigio das instituições instaurando o competente processo por esta phrase violenta e sangrenta, que era a maior injuria que se podia lançar em rosto aos poderes constituidos, e sabe v. exa. o que aconteceu?

É que o auctor destas phrases sangrentas, com o seu prestigio perdido, saíu mais forte, mais elevado, e mais vigoroso, primeiro por causa das discussões violentas, a que o processo deu origem nas camaras, mais tarde por causa do mesmo processo na imprensa e n'outras instancias.

Largos annos leva a formar-se a reputação mais illustre, na imprensa, torno a repetir, e basta uma discussão, n'um processo judicial, para sair-se d'ali dominador da opinião, e acclamado pelas turmas.

Não quero abusar da paciencia da camara; mas estes factos são de molde para agora serem invocados, porque não raro está a perdição no remedio, que se appellida de salvador.

Não posso deixar de referir-me a um processo notavel; é o processo Baudin.

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)

Esse processo teve factos tão transcendentes, que v. exa. sabe que Gambetta, levado para o tribunal, ainda obscuro e sem reputação, de lá saíu sabio dictador da opinião, e por- ella imposto chefe reconhecido do partido republicano. E assim chego á conclusão de que um processo, excepcional pelas circumstancias excepcionaes que o revestem, é um facto gravissimo, e a historia mostra que é um grave erro politico provocal-o, por isso que a opinião publica, votada de uma susceptibilidade exquisita, converte muitas vezes em réu o próprio auctor.

Houve, pois, uma falta de tino, que parece uma predestinação, transportar da imprensa para a téla judicial os acontecimentos da Madeira, e é maior o erro, porque parece uma teimosia, provocar n'esta casa questões irritantes pelo mesmo motivo. Mas volto ao artigo 11.° da lei.

Sr. presidente, para interpretar o artigo 11.° da lei de 21 de maio de 1884, não é preciso arrancar do pó das estantes o sabio e velho Pereira e Sousa.

O artigo 11.° dessa lei, a ter de interpretar-se, o que é de si evidente, só pode fazer-se pelos principios de dignidade politica, pelos principios de prestigio das instituições parlamentares; interpreta se ainda, se é preciso interpretar-se, em nome do credito e da seriedade do legislador, que o mesmo é dizer em nome da maioria d'esta casa, que fez a lei. Vou, pois, interpretar, ou perscrutar, se tanto posso dizer, as intenções do legislador, isto é, da maioria da camara transacta, que sois vós.

Entendeu o legislador de então, entendestes vos, que desde o momento em que houvesse quinze deputados eleitos ou com poderes verificados que assim o requeressem, a discussão de qualquer processo eleitoral devia ser arredada d'esta casa; e o legislador suppoz, nem podia suppor outra cousa, que quinze deputados não se associariam para uma acção ruim, não collaborariam para um mau propósito, aproveitando-se do recurso, que a lei prescreve, por paixão partidaria, ou por ódios politicos; e quando tal acontecesse, lá estava o chamado coefficiente de correcção, nos governos livres, os juizos severos da opinião publica, que a final havia de stygmatisar e condemnar tal desvairamento, tão insolito proceder.

Mas o legislador entendeu tambem, que não esquecendo a historia, o prestigio das instituições parlamentares exigia que se afastassem daqui discussões na condição prevista; e se o legislador, que foi a actual maioria, entendia então o contrario, é doloroso dizer que foi fraca, que foi tibia ou cumplice, cedendo quando podia e devia resistir. Entendeu mais o legislador de hontem que uma garantia de ordem não devia correr o risco de, na pratica, ficar inteiramente inutilisada por interpretações casuisticas.

Eu peço licença para lembrar a v. exa. e á camara algumas palavras de um illustre publicista, palavras que me parece terem aqui todo o cabimento. Se bem me recordo, foi Laboulaye que disse, e com muita rasão: «A liberdade e as garantias dos direitos consignam-se nas leis politicas, unicamente em favor das minorias, porque ás maiorias basta-lhes a força e a opinião, a força para vencer, e a opinião para legitimar o triumpho». Quando as maiorias, des-