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N.° 4

SESSÃO DE 9 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exa. o sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios-os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Boião

SUMMARIO

Lida a correspondência, o sr. presidente propoz um voto de sentimento pelo fallecimento do distincto estadista Carlos Lobo d'Ávila, cujo elogio faz.-Pronunciam discursos, commemorando tombem o infausto sucesso, os srs. Cabral Moncada. ministro do reino (Franco Castello Branco), Santos Viegas, Luciano Monteiro, Carlos Braga e Manuel Fratel. - O sr. Francisco Patrício propoz, o é approvado, que se alargue a homenagem do sentimento, abrangendo n'ella a memoria de Mártens Ferreira, João Chrysostomo de Abreu o Sousa e Manuel Pinheiro Chagas. - Entram durante a sessão, e prestam juramento, os srs. deputados José Antonio Lopes Coelho o João da Mota Gomes.- O sr. ministro da justiça apresenta uma proposta para que alguns srs. deputados, dependentes do seu ministerio, possam accuinular os sons cargos com as funcções legislativas. - O sr. Ferreira Marques, em nome da offlcialidade da marinha, agradece os elogios que a esta foram dispensados na sessão anterior.- O sr. presidente, em vista da hora adiantada, marca para a sessão seguinte a que fora indicada para a sessão do hoje.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 64 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto do Madureira Beça, Agostinho Lúcio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Adriano da Costa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Boavida, Antonio, José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Bernardino Camillo Cincinato da Costa, Carlos de Almeida Braga, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Francisco José Patricio, Francisco Xavier Cabral do Oliveira Moncada, Jacinto José Maria do Couto, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Lopes Carneiro de Moura, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José do Figueiredo Leal, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Mendes Lima, José dos Santos Pereira Jardim, Júlio Ceaar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Modello, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel Bravo Gomes, Manuel do Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratol, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Quirino Avelino do Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Palma de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.; - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alberto Antonio do Moraes Carvalho (Sobrinho), Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio José Lopes Navarro, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Ignacio José Franco, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Marcellino Arroyo, João da Mota Gomes, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Antonio Lopes Coelho, José Freire Lobo do Amaral e Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro.

compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Augusto Victor dos Santos, Conde de Anadia, Conde de Jacome Correia, Diogo de Macedo, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Cândido da Silva, Jayme de Magalhães Lima, João Alves Bebiano, João José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Barros, José Dias Ferreira, José Gil Borja Macedo o Menezes (D.), João Joaquim Aguas, José Pereira da Cunha da Silveira o Sousa Júnior, José Teixeira Gomes, José do Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Francisco Vargas, Manuel José de Oliveira Guimarães, Manuel Pedro Guedes, Manuel de Sousa, Ávidos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Visconde, do Leito Pery, Visconde de Nandufe e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Da presidencia do conselho de ministros:

Ilmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de participar a v. exa., para conhecimento dos srs. deputados da nação portugueza, as differentes alterações que houve no ministerio a que presido, no periodo decorrido do novembro de 1894 até hoje.
Pela exoneração concedida ao conselheiro João Antonio do Brissac das Neves Ferreira, de ministro e secretario d'estado dos negócios da marinha e ultramar, foi por decreto de 16 de janeiro d'este anno nomeado para este cargo o capitão de fragata José Bento Ferreira de Almeida. O conselheiro Luiz Maria Pinto do Soveral, ministro plenipotenciario de Portugal na corte de Londres, foi por decreto de 20 de setembro d'este anno nomeado ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, por fallecimento do conselheiro Carlos Lobo d'Avila, que exercia este cargo; e, finalmente, pela exoneração concedida no conselheiro José Bento Ferreira do Almeida, do ministro o secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar, foi nomeado para este cargo o bacharel Jacinto Candido da Silva, antigo deputado da nação.

Deus guarde a v. exa. Presidencia, do conselho de mi-

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nistros, em 31 de dezembro do 1895. - Illmo. e exmo. sr. presidente da junta preparatoria da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Para a acta.

Da camara dos dignos pares do reino, participando que está installada a mesa d'aquella camara para a actual sés são legislativa.

Para a secretaria.

Da presidência da camara dos deputados da republica franceza, acompanhando documentos parlamentares.

Para a secretaria.

Do consulado geral da republica de Costa Rica, pedindo um exemplar dos Documentos para a historia das corte geraes da nação portuguesa.

Mandou-se satisfazer.

Do sr. Marianno de Carvalho, participando que por incommodo de saude não tem podido comparecer a alguma sessões.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Constituida a camara, logo na sua primeira sessão, é costume propor a mesa que na acta se consigne um voto de sentimento pela morte dos
collegas, que tenham fallecido durante o interregno parlamentar.

Porque na sessão de hontem se commemoraram os nossos brilhantissimos triumphos de Africa, e por deliberação da camara foi a sessão levantada, não póde a mesa cumprir aquelle dever, o que hoje faz, propondo que na acta se consigne um voto do mais profundo sentimento pela morte do sr. Carlos Lobo d'Avila, e que d'isto se dê conhecimento á familia do illustre finado.

Creio que não haverá pessoa alguma nesta camara que não conhecesse Carlos Lobo d'Avila porque aquelles mesmos que não tiveram a ventura de o conhecer pessoalmente conheciam-no por certo pela fama, que lhe adquiriram o seu brilhantissimo talento e as suas inigualáveis qualidades de infatigavel trabalhador. (Apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila, que já em Coimbra se distinguiu e tornou notavel entre os rapazes talentosos do seu tempo entrou cedo nesta casa do parlamento, e ahi estão os Diarios da camara a attestar com os seus discursos o logar proeminente, que elle desde logo tomou como orador parlamentar. (Muitos apoiados.)

Na imprensa, a que tambem se dedicou, e como ministro, que foi, das obras publicas e dos estrangeiros, deixou elle exuberantissimas provas do seu extraordinario talento e das suas eminentes qualidades de estadista e diplomata. (Muitos apoiados.)

Bastaria dizer-se, para sua glorificação, que, achando pendentes no ministerio dos estrangeiros algumas melindrosas questões internacionaes, e entre ellas a do reatamento das nossas relações com o Brazil, todas resolveu em proveito e com honra do paiz, não deixando nem uma pendente, quando a morte inesperadamente o arrebatou, segundo disseram então jornaes que deviam estar bem informados.

A sua morte pois, no vigor da idade, e quando d'elle ainda tantos serviços em beneficio do paiz havia a esperar, foi uma verdadeira perda nacional, e
parece-me que a camara quererá prestar este preito de homenagem e consideração á memoria de um homem, que, novo ainda, já tantos serviços havia prestado á sua patria, e muitos mais prestaria ainda, se, como disse, a morte o não arrebatasse ãto cedo. (Applausos geraes.)

O ar. Cabral Moncada: - Declara que julga ser bom interpreto dos seus collegas, dizendo que todos se associam ao voto de sentimento proposto pelo sr. presidente.

Pela. sua parte não póde deixar de se associar a elle, porque existiam, desde muito, na sua alma, para com Carlos Lobo d'Avila, dois grandes sentimentos: o da amisade e o da admiração.

O orador põe em relevo as qualidades que ornavam Carlos Lobo d'Avila como orador parlamentar, como jornalista e como litterato, mostrando que elle deixou uma lacuna que difficilmente poderá ser preenchida.

Aponta e exalta os serviços prestados pelo fallecido, já como ministro das obras publicas, já como ministro dos negocios estrangeiros, e referindo-se em especial ao restabelecimento das nossas relações com o Brazil, faz sentir que estes serviços, e o génio conciliador d'aquelle que os prestou, evidenciam que elle tinha o espirito do verdadeiro estadista e do verdadeiro diplomata.

Entende que o valor de Carlos Lobo d'Avila foi marcado pelo sentimento profundo e geral que a sua morte causou no paiz, e pelos louvores que todos lhe tributaram. Depois de muitas outras considerações, termina dizendo que sabe quanto o fallecido collaborou com o governo nos trabalhos que prepararam os últimos triumphos em Africa, e por isso sente a mais acerba tristeza ao ver que não estava guardada para elle a fortuna de assistir a esta aurora de rejuvenescimento da alma nacional.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Achando-se nos corredores da camara o sr. deputado Lopes Coelho, convido os srs. Madureira Beça e Cau da Costa a introduzil-o na sala para prestar juramento.

(Foi introduzido e prestou juramento.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Sr. presidente, meus senhores: Se, quando n'uma tarde de domingo - tarde quente de verão - eu me despedia, em Cintra, e abraçava Carlos Lobo d'Avila, o destino me tivesse feito prever que a primeira vez que, no começo da sessão parlamentar de 1896, eu usaria da palavra, seria para acompanhar o justo sentimento dos representantes da nação, magoados por uma perda tão sensivel para o paiz; se, nesse instante de despedida, que suppunha curta e foi por isso despreoccupada de receios, o destino me tivesse feito antever que as minhas primeiras palavras n'esta camara haviam de responder ao illustre deputado e meu amigo o sr. Cabral Moncada, que soube traduzir com tanta verdade e sentimento a dor e a saudade por quem lhe fora tão dedicado e tanto desejava vel-o aqui, comprovando os seus talentos; se tudo isso o destino me fizesse antever, eu tudo isso recusaria acreditar, tão inacreditavel me parecia que aquelle rapaz, que eu alegremente abraçava - tão moço, tão cheio de vida e tão cheio de talento, dominado por sentimentos tão levantados e por ambições tão nobres - vinte e quatro horas depois, estaria completamente perdido e aniquilado!

Não! Ainda que o destino me tivesse feito entrever o lugubre quadro que horas depois presenciei, ainda assim eu não acreditaria que aquelle rapaz, que era a esperança mais viridente, mais fundada e mais larga que havia entre os politicos portuguezes; que esse rapaz, de trinta e cinco annos, a quem nada prophetisava o fatal e trágico destino que teve - vinte e quatro horas depois d'esse ultimo abraço, teria partido, para sempre, nessa viagem de onde, na phrase do grande tragico "jamais viajante algum voltou" - fulminado, subitamente, pelos deuses, como o heroe de uma epopêa antiga!...

Misera fragilidade de todas as cousas humanas! Ao nosso louco orgulho repugna reconhecer a pequenez da situação miseranda que sobre a terra nos cabe mas a vida ao curta de Carlos Lobo d'Avila, mas o que hontem se passou e hoje se está passando no parlamento, ahi estão a exemplificar bem que a unica cousa certa e segura que n'esta vida podemos ter - é a morte!...

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O quadro é triste, mas é expressivo!

Veja-se: ao percorrer a sessão de 1894 encontro a palavra de Carlos Lobo d'Avila como a mais festejada de todas que se ouviram no parlamento; em 1806, ao iniciarem-se os trabalhos parlamentares, é já sobre a sua morte que se ouvem as palavras dos differentes oradores, pranteando o sou mallogrado destino, o seu breve passamento por esta vida!...

Hontem, n'esta casa, resaltava a alegria e o jubilo nas palavras dos oradores; explodia o enthusiasmo; ouviam-se applausos. Hoje a tristeza e a dor traspaçam o coração não só do todos aquelles que tenham ou queiram usar da palavra n'esta casa, mas de todos aquelles que nos escutam, de todos aquelles que conheceram Carlos Lobo d'Avila!...

Tanto para o pequeno como para o grande, tanto para os indivíduos como para as nações, as alegrias o as tristezas succedem-se n'uma serie tão interrompida e tão desconhecida e mysteriosa, que é bem verdade não haver porque envaidecer-nos com alegrias nem com triumphos, tão rapidamente uns desapparecera e outros só apagam; tão verdade é não haver porque deixar-nos abater o avassallar pelas desgraças o pelos desastres, porque, como tudo o que é mundano, umas e outros são instaveis e ephemeros! (Vozes: - Muito bem.)

Ha um anno a esta parte perdeu Portugal quatro dos seus homens mais eminentes e, o que é peior, dos mais uteis. (Apoiados.)

Em setembro de 1894 fallecia Oliveira Martins, em dezembro Pedro do Carvalho, nos primeiros mezes de 1896 Pinheiro Chagas e em setembro Carlos Lobo d'Avila!

O paiz, repito, perdeu quatro dos seus homens mais eminentes, nenhum dos quaes, na esphera da sua acção e particularidades do seu espirito, tem quem o substitua. (Apoiados.) E eu perdi, não só quatro dos meus amigos mais caros, mas, posso dizel-o, quatro dos mais poderosos o principios auxiliares da vida política que tenho feito; e, sobretudo, da missão politica de que me encarreguei, juntamente com os meus collegas n'este governo.

Oliveira Martins, que, n'esta ultima parte do século, seguramente foi em Portugal o maior pensador; Oliveira Martins, cujo conselho, cuja auctoridade, cujo ensinamento, estava sempre ao serviço de qualquer consulta com que o procurasse; Oliveira Martins, que tantas vozes me animou em horas de desalento, que tantas vezes commigo compartilhou alegrias e tristezas; Oliveira Martins podia e devia, no seu paiz, em mais de uma occasiao difficil e tormentosa, exercer um importante logar do ponderação politica. A sua auctoridade, os seus conhecimentos e a sua respeitabilidade davam-lhe para isso justificado direito.

Oliveira Martins deixou nas lettras patrias um vacuo até agora empreendido.

Na politica, se a sua acção foi mais restricta, é porque não póde ser superior ao desanimo e ao desgosto, que n'ella tambem avassallou um outro historiador, cuja memoria tanto relembrava, cujo destino tanto se pareceu com o d'elle: Alexandre Herculano. Ainda assim, a sua curta passagem polo poder bastou para o assignalar como um grande elemento de ponderação em certos o determinados momentos da vida politica portugueza.

Pouco depois desappareceu Pedro do Carvalho, o mais infatigavel, o mais desinteressado, o mais desambicioso de todos os servidores do estado. Menos conhecido, menos popular, deixando o seu nome vinculado a obras do menor publicidade, Pedro de Carvalho, para quantos o conheceram, para todos aquelles que como ministros, como pares, como deputados, como burocratas, tiveram de recorrer ao seu auxilio, á sua collaboração, ao seu conselho, - foi sempre um recurso poderoso.

E, sr. presidente, quer na direcção do banco de Portugal, quer nas consultas da coroa, quer particularmente como collaborador do todos os trabalhos que se lhe entregavam, era sempre a imagem luminosa da patria aquella que elle via o tratava de servir com dedicação.

Da politica, onde tinha estado, não queria nada, e nada queria do interesses mundanos. A sua vida foi bastante larga para mostrar que era isento do ambições, e os seus trabalhos foram mais pela patria do que pela politica a que os individuos que se lhe dirigiam pertenciam, porque Pedro de Carvalho a todos prestava o auxilio da sua poderosa intelligencia e saber.

Eu perdi n'elle mais do que nenhum outro homem publico, porque por mim manifestou sempre uma preferencia immerecida; não havia louvores com que a sua affeição me não honrasse, e, tendo confiança na minha boa vontade, desveladamente me aconselhou todas as vezes que á sua experiência recorri.

Pinheiro Chagas - sabem-no todos os membros d'esta camara, sabem-no todos os membros do partido regenerador - era, não só o espirito mais brilhante de Portugal no seu tempo, mas para mim o mais apaixonado o mais dedicado de todos os amigos. Ainda horas antes de morrer mo deu provas da maior affeição e ternura que um homem póde merecer de outro homem.

Finalmente, quando eu julgava que com o desapparecimento d'esse findara a serie do golpes que a fatalidade, tem tanta inclemencia estava descarregando sobre o paiz tambem sobre mim, inesperadamente, fulminadoramente, desapparecia Carlos Lobo d'Avila o querido companheiro de todos os momentos, de todos os instantes, o collaborador de todos os meus actos, de todos os meus pensamentos, de todos os meus projectos politicos!...

Carlos Lobo d'Avila, pelas ligações commigo, pela intimidade e lealdade, constituiu um exemplo sem precedentes na historia politica do nosso paiz. Posso dizel-o assim com justiça para a sua memoria, e posso tambem dizel-o como affirmação de um facto incontroverso, incontestavel. Nunca entre dois homens politicos existiu no nosso paiz maior intimidade. Nunca nenhum homem politico foi mais leal a outro do que Carlos Lobo d'Avila o foi para commigo durante todo o tempo em que politicamente collaboramos ao lado um do outro.

V. exa. e a camara comprehendem o esforço que eu faço para ter de dizer sobre a memória do Carlos Valbom, não aquillo que impetuosamente me esta subindo do coração aos labios, mas algumas palavras pensadas, reflectidas, subordinadas a estes moldes de estylo ou da eloquencia parlamentar talvez faceis para quem veja diante de si só a obra que tem de analysar e não, como eu, o cadaver ainda quente d'aquelle que falleceu quasi em meus braços!

Mas, visto que essa é a minha obrigação, - obrigação cruel! - visto que é osso o meu dever, vou, o mais rapidamente que possa, dizer de Carlos Lobo d'Avila, o necessario para que se tenha a nitida comprehensão de que a sua perda não foi simplesmente a perda de um homem eminente, a perda de uma força política importante. A perda de Carlos Lobo d'Avila foi, no meu entender, chamada com muita propriedade "uma perda nacional", não tanto pelos serviços que elle já tinha prestado ao paiz, mas por aquelles que elle podia vir ainda a prestar. (Apoiados.)

Ha dias, num folheto politico publicado por um dos homens mais eminentes do paiz, - a quem eu respeito, seja qual for a justiça com que me trate, - homem que tinha por Carlos Valbom uma affeição quasi paternal, - dizia elle que a "Carlos era a flor da sua geração, pelo talento, pelo saber, pela gentileza das maneiras e pela bondade do coração". (Apoiados.) Tudo isto é inteiramente verdade o póde não sor só confirmado, mas jurado por todos aquelles que tiveram com elle uma intimidade tão grande como eu, ou, pelo menos, o conhecimento pessoal bastante para poder ajuizar das qualidades e dos dotes d'aquelle homem publico. (Apoiados.) Mas não é só isso o que se podia dizer d'elle: era mais, muito mais. No meu entender - n'isto não vae a preoccupação rhetorica de enaltecer o as-

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sumpto sobre que estou fatiando - na historia constitucional portuguesa, Carlos Lobo d'Avila era a organisação mais perfeita, mais completa, mais harmoniosa de faculdades que para, se ser homem d'estado exige actualmente a moderna politica e o regimen parlamentar. (Apoiados.)

Nos tempos antigos houve grandes estadistas: mas o estadista moderno, digno de merecer esse nome, é um organismo muito mais complexo, muito mais delicado, muito mais sensivel do que o antigo estadista, - por grande, por admiravel que elle nos appareça.

Um e outro carecem do um espirito lucido e claro dos problemas administrativos, precisam conhecer as necessidades e as condições da nação que governam, necessitam um golpe de vista, rápido e seguro, tanto no que respeita às questões internas como às relações internacionaes, e finalmente são-lhe indispensaveis a firmeza e energia na execução e sequencia do seu plano governativo. Mas, quando n'outros tempos, se chegava a alcançar o mando supremo - o que se conseguia pelos meios sabidos e que escuso de detalhar - o estadista encontrava-se seguro para conceber e realisar o que tinha por melhor. Não tinha que receiar dos seus adversarios, nem as difficuldades e ambições encontradas que se podiam levantar: lá estavam as fogueiras de Belém e os carceres da Junqueira para o defenderem da seus mais temiveis inimigos e de obstaculos que se afiguravam invenciveis, podendo prosseguir, firmemente, no seu plano a bem da realisação do pensamento grandioso que o dominasse. Quando se tentava sobrepor a vontade de alguns ao interesse do maior numero, contra as idéas de quem governava, lá estavam as forcas do Porto para fazer vingar a companhia dos vinhos do Alto Douro.

Succedia isso no regimen absoluto; mas hoje, no regimen liberal, o homem d'estado tem de modelar a sua acção e harmonisar os seus planos com os multiplos embaraços e cuidados que dificultam a energia das deliberações, cuidando, por isso, com redobradas dificuldades, no modo como ha de administrar o povo, regendo-lhe os interesses sem lhes exacerbar as paixões.

Modernamente, com as garantias individuaes, e com a interpretação que os povos têem dado á organisação politica por que os paizes cultos se governam, bem comprehende v. exa. como para todo o homem publico a tarefa cresceu em difficuldades.

Ha garantias individuaes, que a ninguem é licito ultrapassar, nem offender.

Quando os interesses estão em jogo, não é esmagando, nem apavorando, que a questão se resolve; é procurando um resultado harmonico aos interesses encontrados em letigio e em lucta, para que esse resultado possa ser acceite sem dificuldade. (Muitos apoiados.)

Acresce ainda que, póde dizer-se, duas grandes forças que no nosso seculo se impõem, não existiam então; se bem que uma já existia na Inglaterra, só com o correr do tempo se generalisou, e a outra só nos nossos dias tomou ma extraordinario poder: "o parlamento e o jornalismo". Essas forças não existiam e o homem d'estado, no regimen absoluto, nem tinha que contar com a imprensa, nem precisava possuir as faculdades de orador.

Por isso, sr. presidente, dizia eu que sendo hoje a funcção do homem d'estado muito mais complexa, muito mais delicada, muito mais susceptivel, elle tem de ser muito mais perfeito como organismo, muito mais vibratil, por assim dizer, do que no regimen antigo era o homem chamado a reger os interesses dos outros homens.

Aqui tem v. exa. porque nu digo que Carlos Lobo d'Ávila deixou, de si a todos que o viram, o conheceram e o estudaram, a impressão de ser um d'esses organismos de excepção, um d'esses organismos de homem d'estado moderno.

Incontestavelmente elle foi quem, na politica do seu tempo, possam as qualidades que para isso se necessitam não só em maior numero mas em grau mais elevado. (Apoiados.)

Evidentemente Carlos Lobo d'Avila, pela sua malograda passagem, pela vida publica, pelos seus poucos annos - dois apenas de governo-não teve tempo de deixar na historia constitucional portugueza a larga impressivo de Antonio Bernardo da Costa Cabral, Rodrigo da Fonseca Magalhães e Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello. Sob este ponto de vista certamente a historia de Portugal não se ha de occupar delle, e dos factos da sua acção politica e governativa, apreciando as consequências benéficas ou maléficas da sua passagem no poder, como se oc-cupará extensa e largamente de qualquer dos três vultos a que acabo de me referir.

Mas Costa Cabral - que tinha incontestavelmente grandes qualidades - nem era um escriptor como Carlos Lobo d'Avila, nem tinha esse tacto especial demandar e dirigir os homens sem elles o sentirem, como não tinha o largo espirito de tolerância, que é absolutamente indispensável em quem governa nos tempos que vão correndo. (Apoiados.) Se Carlos Lobo d'Avila não deixa, no meu entender, na historia portugueza, a larga impressão e largo rasto do conde de Thomar, é simplesmente porque lhe faltou aquillo que felizmente sobrou a Costa Cabral e a Rodrigo da Fonseca Magalhães: a vida.

Este ultimo e, de todos os homens publicos constitucionaes, aquelle com quem Carlos Lobo d'Avila mais se parecia no género da eloquencia parlamentar, no largo espirito de tolerancia, na bondade innata do coração, no tacto com que manejava os homens, na previsão que tinha dos acontecimentos e na lucidez com que encarava as questões. O mesmo poderia dizer de Fontes Pereira de Mello, com quem elle tambem se parecia sob muitos pontos de vista - quando mais não fosse na agudeza extraordinaria da intelligencia, comprehendendo rapidamente qualquer questão, assimilando-a promptamente no seu espirito, e tendo tambem, como elle, os mesmos habitos de mundanismo o a mesma fidalguia das maneiras - sem que, porém, qualquer d'elles possuisse as privilegiadas qualidades nativas de escriptor, que eram uma das grandes forças de Carlos Valbom.

Torno, porém, a repetir: nenhum destes póde comparar-se a Carlos Lobo d'Avila, sob o ponto de vista das responsabilidades gloriosas ou não gloriosas que lhes possam caber, nem na maneira como dirigiram-os destinos do paiz - porque elles governaram largos annos e todos elles preencheram o periodo normal da vida, produzindo o que as suas excepcionaes faculdades lhes suggeriram. Ora para se estudar com justeza e julgar com justiça a estatura intellectual de Carlos Lobo d'Avila, é preciso vel-o no que elle era capaz de fazer e não no que fez, visto como o destino fatal travou subitamente a acção da grande força de que elle dispunha, e a sociedade portugueza não chegou a sentir todo o movimento que elle era capaz de imprimir-lhe. (Apoiados.)

Como parlamentar, foi uma figura tão notavel que aquelles que o escutaram nunca mais poderão esquecer o caracter especial e inconfundivel da sua eloquencia parlamentar. Não era só uma das vozes mais eloquentes do seu paiz, - era o primeiro parlamentar do seu tempo, sem rival, sem que com outro possa ser comparado. (Apoiados.)

Ninguem como elle tinha a arte de manejar a ironia e a graça, de forma que tanto do mais pequeno como do mais escabroso assumpto, fazia ressaltar sempre um motivo, não digo de satisfação, mas de aprazimento para os que o escutavam.

Ninguem, absolutamente ninguem, tinha como elle a arte de pôr em foco as pessoas, mas sem de nenhum modo as ferir ou offender. (Apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila era veheniente como os que o são, nas occasiões em que a vehemencia e uma necessidade e uma opportunidade, mas era de uma vehemencia tão pautada das regras da urbanidade, que em dez annos de parlamento nunca ninguem que o ouviu disse que lhe tinha excedido os limites da conveniencia, (Apoiados.)

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Carlos Lobo d'Avila tinha, como muito poucos, a habilidade superior do imprimir a uma questão que incidentalmente se levantasse nu parlamento a forma por que mais convinha encaral-a, discutil-a o encaminhai-a no sentido dos interesses da facção que defendia. Mas a arte suprema de Carlos Lobo d'Avila foi principalmente revelada pelo modo como elle só apresentou senhor da oratoria discreta, serena e habil, que necessita usar quem falla dos bancos do governo.
Não era só sabor a conveniencia ou inconveniencia de trazer ou não trazer tal ou tal assumpto para a tela da discussão; era a sciencia incomparavel da forma por que elle dizia só o que queria o com o numero indispensavel de palavras que para o que queria eram necessarias.

Por isso succedeu que Carlos Lobo d'Avila na breve, mas nem por isso menos intensa campanha parlamentar de 1894, subiu acima de todos os oradores. Sendo contra elle que a opposição d'essa epocha preparara mais de um combato, a breve trecho essa opposição reconhecia em Carlos Lobo d'Avila um luctador com quem nSo era possivel traçar as armas sem se sair mal ferido da lucta.

Carlos Lobo d'Avila não era só orador de governo nas bancadas ministeriaes na camara dos deputados ou na camara dos pares; era ainda orador de governo quando, como nos jantares que se deram em Lisboa para comemorar o restabelecimento das nossas relações com o Brazil, tinha necessidade de fallar sobre essa questão ainda tão ardente, sobre essa questão que a uns trazia apaixonados pelas glorias de Portugal e a outros inquietos pelos interesses do Brazil. (Apoiados.)

Póde-se ser mais eloquente do que elle foi como tribuno ou como academico, mas como orador de governo, Carlos Lobo d'Avila era o primeiro do seu paiz.

Como escriptor, publicou aos dezeseis annos um livro, que não só valo em relação aoo annos e conhecimentos de quem tão moço escrevia, mas vale tambem era absoluto, comparado com outros, de assumptos do viagens, que foi o assumpto que elle encolheu. É para mim de só que, se tivesse proferido a carreira litteraria e se a ella tivesse dedicado as faculdades que Deus lhe dera, e, sobretudo, a observação assombrosa de psychologia com que elle devassava a alma e os intentos dos homens atraves a maior resistência que elles empregassem para esconderem o pensamento, - teria enriquecido a litteratura pátria com livros primorosos.

Elle que deixou memoria no governo com uma vida tão curta, teria tambem deixado de si uma memoria perduravel se só á litteratura se consagrasse. Quem sabe separa elle teria assim sido menos lardeada do desgostos a curtissima existencia?!. Quem sabe se teria poupado a muitas maguas os curtos annos que viveu, escrevendo tres ou quatro livros, como elle era capaz de os fazer e fugindo da politica, que só lhe deu essa rapida passagem de dois annos pelas cadeiras do poder! (Apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila, como ministro, quer dizer, sob o ponto do vista das qualidades que se exigem a um homem de governo, realisou um verdadeiro prodigio em Portugal. Isto não é desmerecer a sua memoria, não é injurial-o - mas quando elle entrou nos conselhos da coroa, não logrou alcançar um movimento de sympathia.

Pois decorridos incompletamente dois annos, gerindo os negocios de duas pastas -uma difficil sempre e outra muito delicada na occasião, - conquistava por completo a confiança do paiz. Teve a gloria suprema em sua vida de ser, não um ministro popular, - o que para um homem de governo, na opinião de Bismarck, é absolutamente indifferente. Bismarck dizia, na occasião em que só realisava a unidade allemã e em que elle na camara ora accusado de impopular: "que sim, que tinha a honra de sor o homem mais impopular do seu paiz". Eu não digo que tal cousa seja para invejar. O que é verdade, porém, o que eu quero accentuar, é que quando um negocio delicado e melindroso estava confiado a Carlos Lobo d'Avila, todos dormiam tranquillos.

Todos! Até os que o tinham aggredido rancorosamente, todos confiavam em que o que fosse preciso fazer-se seria feito. Isso viu-se bem quando elle desappareceu. Todos se lembram, todos terão notado como a magna geral se não fundava tão sómente no desapparacimento de uma individualidade notavel; o que se exprimia, o que se sentia era o desapparecimento de alguem que fazia falta á guarda dos nossos interesses, que em sua mão se sentiam bem parados.

Foi essa a rasão de ser da dor verdadeira e da magua sincera, não só entre os politicos da differentes matizes, mas de todo o paiz, de todas as classes sociaes, d'aquelles todos que têem a comprehensão das dificuldades que a nação atravessa e do futuro que podo ainda esperar. (Apoiados.)

Tal foi o motivo, a rasão da dor e da tortura que em todos lançou a morto de Carlos Lobo d'Avila. (Apoiados.)

Por isso digo que como homem de governo elle realisou o prodigio de, em menos de dois annos, ter sabido inspirar confiança ao paiz inteiro, - elle, que no momento de entrar para o governo não inspirava ao mesmo paiz nem confiança, nem sympathia.

Como homem politico, que melhor demonstração se póde fazer d'essa outra qualidade, indispensavel ao homem de estado moderno, assim patenteada pela transformação que Carlos Lobo d'Avila soube effectuar? Não é admiravel o tacto, a delicadeza de trabalho, com que elle assim soube nanejar as cousas, de forma que em logar de ter de romper violentamente com individuos e com interesses, a cada um fez occupar o seu logar, não só como um grande principio de utilidade publica, mas tambem de humanidade nos processos? Esta simples nota, como que define a sua habilidade superior. N'estes modernos tempos, e não sei se em toda a historia constitucional, não houve ninguem mais chorado do que elle; pois nos modernos tempos, e não sei se na historia constitucional portugueza, nunca homem algum foi recebido na ponta das lanças, mais cruel e mais aleivosamente, do que Carlos Lobo d'Avila. (Apoiados.)

Tudo isto é a prova de que Carlos Lobo d'Avila sabia dirigir os homens com um fio de seda - que é como os homens gostara de ser dirigidos. Nenhum homem teve mais a noção d'isso do que Carlos Lobo d'Avila, e nenhum o excedeu tambem em firmeza.
É esta uma outra affirmação que quero fazer perante a camara, para que tenha bem a comprehensão do valor politico do homem que perdeu. Era de uma energia excepcional; ainda não vi quem o excedesse em energia governativa, - energia que não é a violencia, energia que é a presumpção absurda de quem a todo o transe impõe a sua vontade. A energia governativa é uma cousa completamente differente.
É, - dada a previsão sobre acontecimentos de cuja utilidade estamos convencidos, - não nos deixar desnortear pelas primeiras difficuldades que se levantam, não ceder aos primeiros ruidos que se fazem, ouvir, distinguindo o que é ficticio do que é verdadeiro, não nos deixando por isso decidir e vencer pelo tumulto do que vão cá fora.

Carlos Valbom gostava de repetir a phrase de Constans, de que os povos estimam sentir no governe une main douce et ferme. Pois nunca em Portugal, sr. presidente, houve quem dirigisse os homens mais docemente e os governasse com mais firmeza.

Note v. exa., sr. presidente, que se em Portugal é facil ser energico no logar que eu occupo, é muito mais difficil ser energico na pasta dos estrangeiros. E escuso de dizer porque motivos. Pois a sua energia reconhecia-se tanto nos negocios da sua pasta, como em qualquer outro assumpto de governo. Creio ter demonstrado por uma forma comprehensivel,

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de que não fiz uma affirmativa ousada quando disse que Carlos Lobo d'Avila era o conjuncto mais completo, mais perfeito e harmonioso de todos os dotes que modernamente devem revestir um homem d'estado.

Por isso, sr. presidente, ao findar o meu discurso, eu repito que elle estava destinado a ser o chefe ou dirigente - o nome pouco importa - de uma politica monarchica e patriotica visando ao levantamento persistente e constante da nossa existencia nacional, a fim de que attinja o apogeu de gloria dos seus antigos tempos.

Carlos Lobo d'Avila é um nome que nas occasiões dif fieeÍB ha de ser lembrado com saudade e com tristeza como tambem com saudade e com tristeza era lembrado eni França, Armando Garrei, que, pelo talento, pela variedade das aptidões, pelo encanto pessoal do convívio e até pela morte prematura e trágica, tanto lembra o nosso desventurado amigo e antigo companheiro!

Quando os successos de 1848 e 1852 vinham entenebrecer e por vezes avermelhar com sangue o céu da França, lembravam ali todos com saudade, com respeito e com tristeza, a memória de Armando Garrei, ceifado tão cedo aos destinos do seu paiz. Da mesma forma eu afianço, que de Carlos Lobo d'Avila, nas occasiões difficeis, todos os que o conheceram, principalmente aquelles que foram seus collegas, se hão de recordar, como de uma destas forças verdadeiramente insubstituiveis na governação do estado e que uma vez quebrada, ha de necessariamente trazer a esta sociedade um vácuo, que não vejo como possa sei preenchido. (Muitos apoiados.)

N'esta parte, o illustre orador que me precedeu, - e chamo-lhe assim, porque bem eloquentemente demonstrou hoje que é um orador distincto, (Apoiados.) - o illustre orador o sr. Moncada, disse bem: Carlos Valbom deixa um vacuo impreenchivel na sociedade politica portugueza. (Apoiados.) De todos os que já são conhecidos pelas suas qualidades de homens de governo, de todos aquelles que já têem dado demonstrações publicas, não vejo nenhum - e n'isto não vae offensa para nenhum dos meus collegas, nem para ninguem, - não vejo nenhum que possa reunir o conjuncto de qualidades que se encontravam em Carlos Lobo d'Avila!

Por isso, a camara, occupando-se hoje da sua memoria e querendo, por um lado, glorifical-a e, por outro lado, como que suavisar, com este ultimo balsamo, o coração ulcerado da sua familia extremosa, não cumpre simplesmente uma praxe de cortezia, alias merecida, como tem praticado para com outros homens: - a camara pratica um acto patriotico, como praticava hontem ao enaltecer os vencedores das campanhas de Africa. (Muitos apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila não foi simplesmente ferido aos trinta e cinco annos, na flor da sua juventude; Carlos Lobo d'Avila foi ferido quando defendia brilhantemente, valentemente, os interesses do seu paiz; foi fulminado no meio do combate, como os bravos de Coolela, combatendo, como elles, pela prosperidade, pela honra e pela gloria de Portugal! (Muitos apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por todos os srs. deputados e alguns pares do reino que se achavam na sala.)

(S. exa. não reviu este discurso.)

(Foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento o sr. Mota Gomes.)

O sr. Santos Viegas: - Ao ouvir as palavras ha pouco proferidas por v. exa., propondo um voto de sentimento pela morte do illustre estadista Carlos Lobo d'Avila, não me consente o animo deixar de tomar parte nesta manifestação de pezar, associando-me cordialmente ao que v. exa. propoz á camara.

A representação nacional, que logo na sua primeira sessão, depois de constituída, celebrou victorias, encontra-se na necessidade triste de commemorar tambem a falta de um dos seus mais antigos e mais queridos eleitos.

E tem rasão.

Comprehende-se bem, que sem que a representação nacional se allivie da magna que a opprime, não possa entregar-se serena, attenta o reflectidamente aos minuciosos e árduos trabalhos que é chamada a desempenhar.

Emquanto se não desfazem em chuva as nuvens, que se acastellam no ar, não se retinge o azul do firmamento, e assim tambem emquanto não se liquidam em lagrimas as dores intensas, não se abonança o coração dorido.

Precisamos desabafar, para que possamos entrar serenamente na normalidade das nossas funcções legislativas, sempre graves, hoje gravissimas.

Sendo a dor uma cousa vulgar e a adversidade uma cousa certa, são todavia uma e outra o que ha de mais difficil definição; dir-se-ía que as palavras, as imagens, todos os recursos da imaginação e da intelligencia succumbem n'este lance supremo, em que o sentimento lhes pede que o traduzam, que o reproduzam emfim, com toda a sua intensidade, com toda a sua vehemencia.

Quando a patria mais precisava de altas capacidades para affrontar as difficuldades que se têem amontoado em torno de si, para dar batalha às difficuldades, que nos têem perseguido, perde uma das maiores o que equivale no meu entender a affirmar que é a perda de muitas.

Carlos Lobo d'Avila tinha taes qualidades, privilegios tão singulares, dous tão notaveis, que divididos por muitos, ainda caberia um quinhão rasoavel aquelles que entrassem nessa partilha; (Apoiados.) e Carlos Lobo d'Avila, todavia, principiava agora a dizer de si, mas principiava pela forma como acabam os mais illustres.

Carlos Lobo d'Avila parecia providencialmente talhado para as grandes crises, reconhecia-se que esta altíssima capacidade se ostentara e revellara quando eram graves as circunstancias do seu tempo; tinha todo o frescor da mocidade e toda a experiencia da velhice; dir-se-ía que todas as aspirações, todas as ambições, todos os santos e elevados ideaes de um espirito novo se uniam e casavam com a prudencia, com a reflexão, com a serenidade de um espirito martellado e desilludido.

Sr. presidente, Carlos Lobo d'Avila foi.....quasi não chegou a ser homem, porque não tinha tempo de ser homem a contar pelos annos. Elle teve de saber por intuição e presciencia, o que só poderia alcançar e conhecer á custa de amargas desillusões da vida pratica.

Carlos Lobo d'Avila na sua curta passagem pelo mundo não teve tempo de dar pelo que era, de reparar na confiança que inspirava, nem no rasto luminoso que deixava na sua passagem, foi simplesmente um meteoro.

O assombro foi para nós. Se no mundo planetário ha destes phenomenos, e se uns astros giram com maior velocidade de que outros, no mundo dos espiritos ha precisamente o mesmo, ha espiritos que fazem o seu giro com vertiginosa velocidade, e Carlos Lobo d'Avila foi precisamente um d'elles.

Se fosse possivel, sem o ver, ouvil-o na tribuna, nos conselhos internacionaes, nos conselhos da coroa; se fosse possivel, sem o conhecer, ler os seus relatorios, os seus artigos jornalisticos, se isto fosse possivel, dir-se-ía que estava ali um estadista verdadeiramente consummado; mas, se depois, elle nos apparecesse, no vigor da vida, o moço, nós duvidaríamos de que podesse ser aquelle que assim fallava, que assim aconselhava e redigia, aquelle enfim que assim argumentava e assim resolvia.

Nos duellos da palavra que eu tenho, diga-se de passagem, por unicos racionaes, bons e nobres, cruzou muitas vezes a sua espada Carlos Lobo d'Avila com os principaes batalhadores do seu tempo, e se algum ficou mal ferido, não foi de certo elle. Nas pugnas da imprensa as mais Illustres e renhidas, quando não chegam a estontear, Caros Lobo d'Avila foi um dos primeiros batalhadores, e
entre as figuras que sobresaiam, não deixava nunca de ver a sua,

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Carlos Lobo d'Avila era um fervoroso cultor das letras pátrias; a forma correcta e litteraria dos seus escriptos era, permitta-se-me a phrase, como que a luva branca dos seus pensamentos. Leiam-se os seus relatórios o diplomas officiaes. Parece, sr. presidente, que ainda ouço o echo da sua voz vibrante e que vejo diante de mim o reflexo do seu genio extraordinario, privilegiado, contido n'esse cerebro, que de reponte estacara, e estacara para cerrar de vez os seus labios, para deixar cair de vez a penna, para emfim se engolphar na eternidade. (Apoiados.)

Deixou, porem, na terra irmãos e amigos: irmãos pelo valor, irmãos pelo trabalho, irmãos pela illustração e pelo talento, irmãos pelos, serviços.

O que era Carlos Lobo d'Avila disse-o a voz auctorisada e sempre vibrante do nobre ministro do reino (Apoiados.), dil-o-hão aquelles que se seguirem, o a esses devolvo a palavra. Quanto a mim, desculpe-me a camara abusar da sua attenção, mas sentia necessidade de dizer o que me ia na alma, do amigo que estremecia pelas suas brilhantes qualidades, porque eu ainda sou d'aquelles que honram a memoria do amigo mesmo depois da pedra tumular ter encerrado os seus restos.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Luciano Monteiro: - Sr. presidente, 6 extremamente brilhante o espectaculo que nos apresenta esta camara no inicio dos seus trabalhos; hontem em brilhantes discursos provocados pelo esforço heroico de um punhado de portuguezes que tão longo da patria souberam honrar o seu nome hoje, sr. presidente, vimos honrar a memoria do um luctador valente que a morte, sempre ornei, roubou á patria, quando ella já tinha n'elle um filho dilecto.

Disse o meu amigo o sr. Moncada, que hontem lhe perpassou na mente a figura de Carlos Lobo d'Avila; succedeu-me o mesmo: ao prestar homenagem a esses portuguezes que tão alto levantaram os brios e a honra do exercito - passou-me pelo espirito a figura gentil de Carlos Valbom. Imaginei-o sentado ao lado dos seus collegas, soltando a sua voz vibrante, eloquente como poucas, para
commemorar tão grandioso assumpto. Imagino v. exa., e imaginem todos aquelles que tiveram a fortuna de ouvil-o, o effeito que produziria aquelle talento peregrino, aquella palavra fluente, se as portas do mausoleu o não tivessem segregado para sempre do nós! (Apoiados.)

Afigura-se-me ainda um pesadello aquella morte! Imaginei que era uma pura illusão, Carlos Valbom ter desapparecido para sempre de entre nós, elle tão novo, do animo tão viril e dotado de tanto talento! Infelizmente longe de ser uma simples illusão, era antes uma triste realidade. Nunca mais tornaremos a ouvir-lhe a voz!

O funebre saímento, as solemnes exequias, as manifestações do condolencia, tudo certifica à sua morte; tudo attesta de uma forma indubitabel que a patria perdeu n'elle um amigo indefesso e um grande luctador (Vozes: - Muito bem.)

É raro, direi mesmo, muitissimo raro, ver reunir num só individuo qualidades tão distinctas e primorosas como em si reunia Carlos Valbom. (Apoiados.)

Disse o sr. Moncada, o é verdade, que desde os bancos da universidade o distincto parlamentar cuja morto commemoramos, começara logo a deixar correr a sua penna brilhante para as lides da imprensa, onde desde o primeiro momento conquistara um logar distincto. (Apoiados.)

Note v. exa., já aqui certifiquei o facto o folguei de ter ouvido que, desde muito, Carlos Valbom começou a manifestar um temperamento avesso às irritações mal cabidas, caracterisando-se sempre por uma amenidade e primor de linguagem, disputando primazias com, a subtileza da conceitos. (Apoiados.)

É pena, é para lastimar que não estejam reunidos todos os artigos publicados por aquelle privilegiado talento. Seria um monumento do seu extraordinario e formoso engenho para as lides jornalisticas. (Apoiados.)

Acabado o curso universitario sentiu-se attrahido para a vida publica, entendendo, e bom, que a tribuna parlamentar era o campo mais vasto o mais apropriado para pôr em evidencia o farto pecúlio com que a Providencia o fadara.

O meu illustre collega e amigo que ha pouco fallou referiu-se á estreia de Carlos Valbom.

Eu estava na camara e recordo-me bem do que se passou.

Acabava de fallar o sr. presidente do conselho Fontes Pereira do Mello, com toda a auctoridade do seu alto cargo, com todo o prestigio de chefe de um partido politico e altissinias o gloriosas tradições. Succedia-lhe no uso da palavra Carlos Valbom. Os seus parciaes não desconheciam os altos recursos do novel parlamentar; mas tambem não esqueciam que se ouvia ainda o echo da voz prestigiosa de Fontes Pereira de Mello que nos ultimos vinte e cinco annos da sua existencia conseguiu impôr-se pela sua grande envergadura de estadista, pela sua estatura, pelo seu caracter e pela maneira como comprehendia a arte de governar. (Apoiados.) Era uma transe afflictivo! Os adversarios, esses pelo egoísmo da lucta sorriam quasi contentes, vendo que um abysmo ia tragar o estudioso mancebo. Carlos Lobo d'Avila soltou as primeiras phrases com que entra num rasgado elogio, justo encomio, a Fontes Pereira de Mello.

Elle não conhecia nem o que era a aprendizagem das pautadas regras tribunicias; mas inspirando-se no seu bom senso, dispunha o seu discurso por forma que abrandava as iras dos adversarios. E collocado n'esse plano, proferiu um discurso tão brilhante que a camara ficou perplexa, sobre se havia de admirar a forma tribunicia, ou a força dos argumentos!

A carreira estava talhada, as portas da fortuna convidavam-no a entrar. Elle entrou e chegou aos conselhos da corôa.

Entrou no ministorio das obras obras publicas, e para mostrar bem claramente, que a sua ambição não se fundava na satisfação de amor proprio, com a sua enorme força de talento o tendo em vista o bem publico, comprehendeu que por aquella pasta corriam os negocios que só prendiam com a economia do paiz o publicou decretos, que entendeu dariam resultados importantes para as industrias do paiz.

Pouco depois foi convidado a assumir a pasta dos negocios estrangeiros. Elle conhecia, elle sabia muito bem a amarga atmosphera que ali se respirava, e não quero sr. presidente, relembrar aqui os momentos amargosos, que passava nas suas relações com estranhos. Se me refiro ao caso, é unicamente para ter ensejo de affirmar as altas qualidades de Carlos Lobo d'Avila sob todos os pontos de vista.

Elle conhecia as gravissimas responsabilidades que impendiam sobre o titular d'aquella pasta, mas o bem publico exigia ao ministerio e a criticios. Acceitou e venceu!

Carlos Lobo d'Avila assumiu aquella pasta, e afianço que, quando estiverem publicados todos os documentos que se referem á sua gerencia, terá a camara ensejo de verificar a que culminancia se elevava o talento d'aquelle distincto estadista.

Não posso deixar de chamar a memoria da camara para aquella celebre sessão parlamentar, em que elle teve de responder a um brilhantissimo discurso do sr. Dias Ferreira, de que mesmo os que não faziam parte d'aquella camara devem estar ao facto. (Apoiados.)

Fôra elle aggredido pelo sr. Dias Ferreira, com uma vehemencia inusitada; e a accusação envolvia actos referentes á pasta dos estrangeiros. Carlos Lobo d'Avila assim aggredido tinha indiscutivelmente o direito de se
Defender - defender-se precisamente no campo era que o atacavam,

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Para isso carecia de discutir os factos que se trouxeram ao debate, factos que até certo ponto eram de ordem particular, e então tinham sido considerados secretos; tinha o direito de discutir e apreciar esses factos e todos os que com elles se relacionassem. Mas, entre a satisfação do seu amor proprio e o bem do estado que exigia toda a reserva neste caso, preferiu subordinar o seu amor próprio ao bem do estado. (Vozes: - Muito bem.)

Na situação de Carlos Lobo d'Avila muitos teriam suc-cumbido. Elle encontrou na sua intelligencia, no seu formoso talento o meio de prender o adversário no laço que lhe preparara. Assim os interesses do estado ficaram salvos, e a camara satisfeita porque viu attendidos esses interesses. (Apoiados.)

Diversos oradores têem feito brilhante e eloquentemente apotheose de Carlos Lobo d'Avila. Eu tinha pedido a palavra a v. exa. e talvez devesse ter prescindido d'ella, mas por outro lado talvez só considerasse um acto de cobardia, e eu não queria pratical-o porque devia este sacrifício á memoria do meu extincto amigo.

Termino repetindo um verso do poeta latino e applicando-o á memoria do jovem amigo e grande parlamentar: - Date manes,

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador é muito comprimentado por todos os ministros e srs. deputados.

(S. exa. - não reviu este discurso.)

O Sr. Carlos Braga: - Eu senti, sr. presidente, toda a dolorosa influencia do brilhantissimo discurso que a camara acaba de ouvir, no meio da mais profunda com moção!

Cheguei quasi a ter o desejo de desistir da palavra n'este momento, e se não o fiz foi apenas por pensar que a insufficiencia da minha voz maior relevo daria, por sem duvida, á figura altamente sympathica do respeitavel homem publico, cuja memoria toda a camara commemora aqui.

Quereria, em rapidas palavras, traçar um pallido perfil de Carlos Lobo d'Avila.

Não é esta, porém, a occasião azada para fazer a apreciação, a critica da sua vida publica. As suas cinzas estão ainda quentes.

O momento é proprio apenas para em breves phrases se traçar o elogio do saudoso extincto.

Carlos Lobo d'Avila considerado como jornalista, ou melhor como escriptor, considerado como parlamentar e como ministro, os tres vertices do triangulo luminoso, dentro do qual se encerra a sua existencia inteira, representa uma figura tão alta na historia politica d'este paiz, que na verdade é a minha palavra desprimorosa e insuficiente mesmo para sómente render louvores e preitos á memória do pobre morto!

Valha-me, porém, a benevolencia da camara.

Carlos Lobo d'Avila, como escriptor, tinha apenas um livro mas um livro primoroso a Carteira de um viajante, livro que só por si vale para o impor ao respeito e á admiração de toda a gente. (Apoiados.)

Gastou o seu temperamento n'outra esphera de actividade e é assim que, antes mesmo de formado, formatura em que revelou os peregrinos dotes do seu talento, elle nos apparece escrevendo em differentes jornaes, e n'elles publicando trechos que hão de ficar, na imprensa periodica do paiz, como modelos de elegancia, de primorosa educação e de combate.

Recordo-me n'este momento das paginas que elle nos dava nas columnas do Primeiro de janeiro, dos bellos artigos que fez publicar nas columnas das Novidades, sobretudo da maneira tão particularmente sua como elle redigiu o Tempo, onde fez inserir pedaços de prosa, que são modelos de litteratura politica, (Apoiados.) onde a par da correcção da phrase, se sentia todo o vigor de um pulso juvenil.

Recordo-me de tudo isto, e não posso deixar de sentir neste momento uma estranha commoção vendo-me obrigado a fallar da memoria do talentoso e mallogrado rapaz, cuja vida teve apenas o brilho de um meteoro.

Como parlamentar, v. exa., sr. presidente, viu-o n'esta camara, conheceu sem duvida, melhor do que eu, as poderosas faculdades da sua intelligencia.

Não quero referir-me em particular a discursos por elle proferidos nesta casa, basta-me apenas alludir aquelle em que fez a sua estreia parlamentar, porque sendo talvez do todos o que menos valor teve, foi o bastante para demonstrar as suas eminentes qualidades e lhe abrir auspiciosamente a fulgurantissima carreira, no meio da qual o veio prostrar a força inexoravel do destino.

Ouvi dizer ha pouco ao illustre deputado e meu amigo, o sr. Cabral Moncada, a quem folgo de cumprimentar novamente pela brilhante oração que todos tivemos o prazer de escutar-lhe, que esse discurso provocara uma replica do saudoso estadista Fontes Pereira de Mello. Soube hontem pelo illustre parlamentar e tambem meu amigo, o sr. João Arroyo, que o facto se não havia passado precisamente assim, e que fora elle quem n'essa occasião cruzara a sua palavra com a voz eloquentissima de Carlos Lobo d'Avila. Em nada, porém, isto altera o merecimento do saudoso extincto. Que lhe respondesse um ou outro, era sempre um talento de superior grandeza o que acceitava a missão de lhe replicar, e o que é certo é que, muito embora lho não proferisse o nome illustre, esse discurso feriu tanto a Fontes, que Fontes aproveitou o primeiro ensejo para se referir as phrases que mais intimamente lhe doeram.

Toda a camara se recorda ainda, porque de certo ouviu ou leu esse discurso, do altissimo valor que teve essa oração, valor que era a de todas as que aqui proferiu Carlos Valbom e que consistia em disfarçar o ataque n'uns primores de cortezia, que quasi obrigavam a pessoa, ferida pelo primeiro, a agradecer, sorrindo, a gentileza do orador.

Sereno o calmo para parar as estocadas, lembrava um fino jogador de florete: procurava o adversario, vibrava-lhe o golpe, mas mal pressentia que o tinha maltratado corria immediatamente pressuroso a abafar n'uma phrase, envolvida num sorriso, todo o mal que lhe causara. (Apoiados.)

Como ministro, está ainda na memória de todos o altissimo papel que Carlos Lobo d'Avila desempenhou na política do seu paiz. Na gerencia das obras publicas houve-se por forma que nem a sabia administração do seu successor, o meu illustre amigo o sr. Campos Henriques, póde fazer esquecer os serviços que elle prestou. Occupara-se de tudo: no commercio, ahi estão as escolas por elle creadas em Lisboa e Porto; na agricultura, ahi está a creação dos syndicatos agricolas; na industria... Mas, para que demorar-me?! Melhor do que eu conhecem, v. exa. e a camara, os relevantes beneficios que Carlos Lobo d'Avila fez á nação durante o curto praso em que geriu aquella pasta!

Como ministro dos negócios estrangeiros bastaria o facto de elle ter conseguido reatar as relações diplomáticas, que estavam interrompidas com o Brazil, esse formoso paiz irmão do nosso pela raça, pela língua e pelas tradicções, para fazer com que todos nos curvassemos reverentes perante a sombra da sua inolvidável memória. (Apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila infelizmente morreu; mas eu neste momento em que lamento do fundo de alma o seu passamento, digo ao mesmo tempo que morreu bem no logar em que morreu, porque da posição eminente que elle tinha sabido conquistar á força do seu talento, não podia ser derrubado pela voz da opposição; era preciso que a Providencia o fizesse cair para que o paiz inteiro olhando para elle tivesse ensejo de ver qual o valor, direi melhor, qual a grandeza da estatura do gigante.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por alguns dos srs. ministros e por muitos srs. deputados.)

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O sr. Fratel: - Sr. presidente, tambem eu, na minha obscuridade, desejo associar-me ao voto de pezar pelo fallecimento do saudoso estadista, Carlos Lobo d'Avila; tambem desejo render-lhe o preito de sincera homenagem, como membro da familia portuguesa, onde o illustre extincto occopava logar tão elevado.

Entretanto, não avalie v. exa. a intensidade do meu sentir pelo acanhamento da phrase, que este nasce de deficiencia propria, da timidez natural do principiante o da estreiteza do tempo que posso tomar.

Estou longe de pretender fazer uma biographia circumstanciada, compor um elogio historico, ou delinear um estudo psychologico. É mais modesto o meu intento; nem era preciso dizer nada, depois do muito que tenho ouvido.

Sr. presidente, se por um lado mo compunge a natureza do acto, por outro é-me extremamente sympathico, falando pela primeira vez no parlamento, não tratar de questões mais ou meãos irritantes, mas celebrar o nome do um homem, grande entre os maiores da sua terra, (Apoiados.) de subida capacidade, de raro talento, do agudo engenho depurado pelos primores da sua proverbial educação: insigne no partido regenerador, em que militava, proeminente entre os membros do governo, de que era solido esteio, distincto na arena parlamentar, na qual tantas vezos fulgurou a sua palavra, notavel no jornalismo, onde a sua penna era das mais vigorosas e aceradas, sem nunca deixar de ser cortez. (Apoiados.}

Associar-me-ía do mesmo modo, com igual enthusiasmo, fosse qual fosse o credo politico em que commungasse, porque homens da pujança de Carlos Lobo d'Avila constituem sempre a admiração de um povo é o orgulho de uma nação.

Quando se observa que, em cada momento, assumptos vários o interesses divergentes separara entre si os homens, cavara entre elles valias profundas semeadas do malquerenças, levantam muros eriçados de ódios, convertendo a existencia, que devia representar uma serie de esforços communs tendentes a autorisal-a, em guerra de exterminio mil vezes mais formidavel do que a lucta pela vida da pura animalidade, é bem consagrar alguns minutos a factos que a todos nos approximara, até para verificar que ainda não se extinguiram, por completo, os laços da solidariedade social, infelizmente chegada a sua hora crepuscular. Aquelle, de que era nos occupâmos, é de molde a produzir esse resultado, visto que, solemnisando a recordação do abalisado diplomata, ninguem haverá que deixe de prestar o seu assentimento.

Não conheci pessoalmente o finado, cuja memoria commemorâmos; nunca sequer o vi; mas esta circunstancia de modo algum me inhibe de tecer-lhe encomios, porque o seu valor é attestado pelo que elle foi, pelo que chegara a ser em breves annos, pelo espaço vazio que ficou com a sua morte; (Apoiados.) porque a sua superioridade está garantida nas palavras d'aquelles que o conheceram do porto o nas affirmações leaes dos que mais ferozmente o combateram; porque, mesmo os que viviam afastados do tumultuar das paixões partidarias, divisavam nitidamente na floresta da politica portugueza, por entre, arvores de tamanhos e feitios diversos, uma d'ellas destacando-se em largo movimento ascencional e imprimindo ao conjuncto tons de louçania e exuberante seiva; porque todos, enfim, podemos medir a immensidade da clareira, quando essa arvore tombou.

Se a natureza compartilhasse das desventuras do genero humano, deveria ler-se vestido de lucto no dia do infausto acontecimento. Violenta tempestade rugiu, por certo, no coração do quantos o idolatravam; denso nevoeiro houve, sem duvida, em muitos rostos, formado pelas lagrimas que embaciaram os olhos.

Recordo-me perfeitamente do mixto de impressões causado pela funebre noticia.

Primeiro a incredulidade, logo a surpreza, depois a dor indefinida, a angustia,, a saudade. E havia sobejos motivos para isso. Expirara um homem de robustissimo talento com risonho futuro diante de si; (Apoiados.) morrêra um politico que, pela sua finura, estava prestando, e podia prestar, relevantes serviços ao paiz, mormente em caso de complicações internacionaes; (Apoiados.) finara-se um jovem que já attingira o prestio da gloria e era destinado a desempenhar papel preponderante e benefico na politica portugueza.

Assim se pensava por toda a parte. E depois, no derradeiro momento, quando se realisaram os funeraes, todas as classes, amplamente representadas, correram a testemunhar a magua que as dominava.

Justo tributo, pois Carlos Valbom fora um heróico triunphador das sangrentas batalhas que pelejara; nobre compensação, pois Carlos Valbom fora tambem um martyr de praticas usuaes nos modernos constitucionalismos o do mal estar geral que nos avassalla. (Apoiados.)

Das lides intellectuaes em que tomou parte, de todas saiu victorioso; em todas se distinguiu. (Apoiados.)

Na litteratura, no jornalismo, no parlamento, nas commissões, na procuradoria geral da corôa e fazenda, de que era ajudante, no governo, em tudo, emfim. Ahi estão a comproval-o os seus livros, artigos, relatorios, consultas, notas diplomaticas e medidas legislativas concernentes aos ministerios das obras publicas e dos negocios estrangeiros. (Apoiados.)

Nascera realmente para a politica, como a águia para voar.

N'essas regiões, tinha olhar de lynce e envergadura de condor. Aos seis annos, interrogado sobre a carreira a que se destinava, respondia com interessante ingenuidade: "estudo para ministro". Aos doze annos, na praia de Pedrouços, gastava os ocios do umas ferias em redigir um jornal manuscripto, abalançando-se a criticar, com precoce criterio, os actos do gabinete que então estava no poder.

No parlamento, em 1885, a sua estreia, na resposta á fala do throno, foi surprehendente.

Referem, os que tiveram o prazer de o escutar (e que pena que eu sinto de o não ter ouvido) que era admiravel. Palavra fluente, idéa espontsnea, conceitos elevados, ditos finissimos, argumentação sagaz, e sempre correcto, sempre palaciano, sempre affavel! (Apoiados.)

Na pasta das obras publicas, as providencias por elle adoptadas em favor da agricultura lograram applausos de amigos e adversarios. (Apoiados.) Resolveu as difficuldades suscitadas a proposito do convenio com os credores da companhia real dos caminhos de ferro, decidiu a reclamação Hersent relativa ás obras do porto de Lisboa e publicou preceitos legislativos sobre instituições bancarias, que mereceram ser transcriptas, com bastantes louvores, pelo notavel economista Georges Lavoley.

Na pasta dos estrangeiros, applanou attritos com varios gabinetes, conseguiu o almejado restabelecimento de relações com o Brazil, morrendo sem deixar Portugal a braços com uma unica questão internacional. (Muitos apoiados.)

Não obstante tão altos meritos, assas comprovados, Carlos Lobo d'Avila, conforme fica dito, foi martyr de praticas usuaes nos modernos constitucionalismos e do mal estar que nos subjuga.

Com effeito, sob numerosos e cambiantes aspectos se manifesta a crise intellectual e moral que no presente momento historico atravessam as sociedades avançadas. Caracterisada pela ausencia do uma auctoridade, quer espiritual, quer temporal, fortemente organisada, pelo vacuo nos espiritos, incertezas do futuro, aversão ao passado e pelas aspirações indefinidas, que apenas se sentem, e senão sabem formular, essa crise infunde-nos uma disposição singularmente estranha, cruelmente torturante. As consequencias de tal doença revelam-se em todos os actos da vida individual e social, e no campo da politica com caracteres especificos, visando ao descredito das instituições e

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dos homens publicos, às vezes por forma bastante selvagem.

Carlos Lobo d'Avila, ninguem o poderá olvidar, soffreu, como poucos, os brutaes effeitos da doença nevrotica do seculo. Morderam-lhe fundo; mas elle permaneceu impávido, cuidando unicamente do bem da patria.

Eu, sr. presidente, odeio o despotismo e abomino as prepotencias. Sou rebelde a todas as tyrannias. O meu espirito revolta-se contra o autocrata que esmaga os súbditos na tenaz do seu império absoluto, contra o professor que tortura a intelligencia e a vontade do alumno, ou contra o patrão que explora infamemente o operário. Descendente de gerações que hão combatido sem tréguas, em lucta desesperada, as villanias dos poderosos, ainda hoje, apesar de reconhecer as leis necessárias da evolução historica, a minha alma vibra de indignação ao ler narrações de certas atrocidades passadas. Respeito, venero as garantias populares, que são as minhas garantias, que são as garantias de cada um de nós, como direitos inauferiveis e sagrados louros de um combate titanico, encetado em epochas remotas, avigorado a partir do seculo XI e no qual se têem malbaratado milhares de vidas e supportado inauditos sacrificios.

Amo a civilisação, adoro o progresso em todas as suas manifestações, principalmente o progresso moral, por ser aquelle do que mais carecemos. Se admiro as descobertas da mechanica, contemplo com enthusiasmo a instituição da assistencia publica. Se são generosos os emprehendimentos para resolver os problemas aerostaticos, são nobres, são divinos os esforços feitos para libertar as classes sociaes. E, comtudo, nos vigentes regimens representativos, que eu acato, sem embargo de todas as suas imperfeições, á falta de melhor, encobrem-se tyrannias que passam despercebidas. Porque tyrannias não são só as violencias dos cesares, dos oligarchas, dos dictadores sobre o povo; nem só são escravos os que gemem sob o chicote cio algoz. Tyrannia bem feroz exerce-a, semelhantemente, a opinião publica contra os governantes; escravos são tambem aquelles que se estorcem debaixo de accusações gravissimas, não raro infundadas. Ha carrascos no absolutismo e ha carrascos no campo revolucionário. A inirn tão criminoso se me afigura o chefe d'estado, a casta ou classe que explora o povo em proveito proprio, como o jornalista, o tribuno ou publicista, que propositadamente, com doutrinas subversivas, envenena e desvaira multidões. Se é lugubre a forca que estrangula cidadãos, é hedionda a callumnia que conspurca caracteres.

Por isso, quando numa quadra, talvez muito longinqua, esta situação tiver desapparecido; quando deixar de ser verdadeiro o pensamento de Letourneau, de que desde que existem homens sobre a terra nunca tiveram mais terriveis inimigos que os seus proprios semelhantes; quando a vida só houver convertido nesse éden, assignado pelos livros santos aos tempos primitivos da humanidade e collocado por livros profanos num porvir, que ainda mal se enxerga na successão dos acontecimentos; nós, que então viveremos, porque a materia persiste e a consciencia é representada pela historia, hemos de horrorisar-nos de certos processos do combate, hoje em voga, como agora estremecemos de pavor ao pensar em crueldades outr'ora perpetradas.

Nas outras espheras da actividade humana, o homem, verdadeiramente superior, consegue firmar a sua reputação pelas manifestações da intelligencia e conquistar o respeito universal; nos dominios da arte e da sciencia, os genios impõem-se ao mundo, haja embora diversidade de escolas. No campo da politica, porém, os factos passam-se de modo diverso. Assim, emquanto se decretam
apotheoses, mesmo em vida, ao poeta e ao sabio; emquanto cada nação conta uma pleiade de varões notaveis, artistas, litteratos e philosophos, aos quaes consagra religioso culto, os estadistas são votados ao desprezo e cobertos de ultrajes pelos partidos opposicionistas.

N'este terreno não é dado, actualmente, construir obra que a todos agrade, ou que, pelo menos, a ninguem desgoste.

Miseros operarios da gigantesca transformação social, desapparecem uns após outros; e todos, sejam quaes forem as suas aptidões, a breve trecho somem-se no pó do esquecimento.

Resta-nos, entretanto, a consolação de que a memória de Carlos Lobo d'Avila será mais duradoura, porque o seu influxo na nossa vida nacional gravou sulcos profundos. Outra rasão de ser da commemoração a que a camara neste momento está procedendo. Digno d'ella se tornara quem tanto se sacrificou pelo bem da patria, tantas e tão nobres faculdades possuia.

Ha ainda um ponto de vista sob o qual a perda desse benemérito cidadão se toma immensamente lamentavel.

A Africa está sendo um banquete appetecido pelas nações da Europa. De justiça cabe ali a Portugal longo espaço, que temos occupado pacificamente, dispensando deferencias aos recemvindos e trabalhando pela causa da civilisação. De tempos a tempos succede sermos tratados com brutal rudeza e grosseria de maneiras. Ora, desde que a força do direito está substituida pelo direito da força, desde que os tribunaes de arbitragem cessam de funcionar, se é preciso dirimir pleitos entre um paiz forte e outro fraco, e desde que não somos apoiados em nossas reclamações por esquadras e exercitos fortes, isto é, numerosos, pois que em coragem e dedicação nenhum paiz nos leva a palma, só por meio de habil diplomacia poderemos evitar ou attenuar os choques d'esses colossos, que por anachronismo ainda subsistem; e, na diplomacia, Carlos Lobo d'Avila era inexcedivel.

Do fundo da minha alma, pois, associo-me ao voto de pezar pelo seu fallecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

Toda a camara e alguns pares do reino, que estavam na sala, comprimentaram o orador.

O sr. F. J. Patricio: - Sr. presidente, na altura em que está a sessão, e depois dos brilhantes discursos com que tem sido honrada hoje n'esta casa a memoria do illustre estadista Carlos Lobo d'Avila; perante a luctuosa homenagem que estamos realisando, como é costume pressar-se n'este culto de muita veneração aos homens que mais se distinguiram nos serviços que fizeram em beneficio do seu paiz, eu não venho juntar mais uma nota ao coro de tão merecidos louvores a que me associo, e não fallarei dos meritos e altas qualidades do estadista Carlos Lobo d'Avila, por dois motivos: primeiro, porque já em outra tribuna tive occasião de exalçar os seus préstimos e virtudes; o segundo, porque se quizesse recolher neste momento as flores dispersas nos differentes discursos proferidos n'esta sessão, mais avivaria a nossa muita saudade, formando uma corôa com essas flores para depositar sobre a algida pedra de um tumulo.

Pois as fulgurações gentilissimas de tantos espiritos que se consorciaram e reuniram n'esta commemoração, formam um clarão meigamente sympathico em torno da memoria do illustre extincto; mas o sol que hoje o alumia é a luz serena e amplissima da eternidade!

Permitta-me comtudo v. exa., e permitia-me a camara, que eu associe a esta homenagem o preito que hoje temos tambem de consagrar aos illustres estadistas, que falleceram durante o interregno parlamentar: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, João Crysostomo de Abreu e Sousa e Manuel Pinheiro Chagas.

Homens de alto valor, como ha bem pouco disse o sr. ministro do reino nas sentidas palavras com que a elles se referiu. E n'este sentido mando para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

Sr. presidente, honra-se esta camara em memorar hoje

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estes tres vultos, que tilo bellamente se destacam na galeria dos nossos estadistas e dos mais nobres luctadores, que tanto sé distinguiram ha tribuna parlamentar. Pertenciam elles, é verdade, á camara alta; mas foi aqui que iniciaram os seus trabalhos e patentearam primeiramente as suas nobres aptidões e brilhantes recursos. (Apoiado.)

Os dois primeiros (Martens e João Chrysostomo) pertencem á veneranda geração dos parlamentares e estadistas, hoje quasi inteiramente extincta; á geração desse8 homens de alto valor, que atravessaram as maiores luctas politicas do meiado d'este seculo; o terceiro, pertence á nossa geração, que elle honrou com as luzes do seu primoroso talento e notavel civismo.

Do conselheiro Mártens Ferrão, todos conhecem a vida illustre, os altos cargos que exerceu, todos se lembram dos seus serviços e da sua historia como deputado o como par, como ministro, como presidente da camara alta, como procurador geral da corôa e fazenda, como aio do actual monarcha, e finalmente como diplomata, vindo a finar-se em Roma depois de ter ostentado as suas convicções patrióticas em toda a sua amplíssima carreira: ali falleceu como um crente! (Apoiados.)

O general João Chrysostomo era uma das reliquias do exercito liberal. Foi d'esses homens que não empallideceram perante a temerosa campanha em que foram conquistadas as nossas immunidades civis; foi um dos bravos que combateram denodadamente no cerco do Porto. Está feito o seu elogio. (Apoiados.)

Depois veiu a entrar em novas campanhas prestando outra ordem de serviços na administração publica e valiosos trabalhos na junta consultiva de obras publicas, entrando nas luctas parlamentares e subindo aos conselhos da coroa.

A sua palavra esteve sempre posta em defeza dos grandes interesses do paiz ; a sua actividade intellectual esteve sempre às ordens de tudo quanto fosse o bem publico, a prosperidade da patria, todas as vezes que fosse preciso, e em algumas occasiões bem difficeis. (Apoiados.)

Agora, sr. presidente, tenho a referir-mo com intensa magua ao meu illustre amigo, o conselheiro Manuel Pinheiro Chagas, o parlamentar, o estadista, o eminente escriptor que tão deslumbrantemente fulgurou na litteratura portugueza.

Tive a honra do ser seu collega n'esta casa, seu companheiro na tribuna e na imprensa, onde elle era para mim um modelo o mestre. Fallo, pois, d'elle com a admiração que se tornou um culto e com a saudade que traduz o reconhecimento. Quando pela primeira voz entrei nesta camara, já conhecia o laureado poeta, o primoroso romancista, o consciencioso historiador, o jornalista, o escriptor dramatico, o orador academico e parlamentar, enfim essa lucida intelligencia, esse espirito do eleição, que por tão variadas maneiras se tornou notavel na nossa litteratura; mas restava-me ainda o ter a mais adoravel o intima satisfação de conhecer a lealdade do amigo, assim como na vida publica as qualidades do estadista que sobredouravam as aptidões deste homem eminente na sciencia e nas letras!

Homens que pelo trabalho tanto se illustram, que pelo talento tanto se distinguem, e que pela inteireza de caracter tanto se nobilitam, conquistam com toda a justiça as mais significativas homenagens da patria. (Apoiados.)

Dizer o que foi Pinheiro Chagas na litteratura portugueza, é esforço inutil; era gastar longa dissertação para demonstrar que o sol alumia e aquece! (Apoiados.)

Bem o sabe o paiz, bem o apreciou o parlamento, bem o conheceram até n'estas salas da academia real os que lhe escutaram primorosos discursos!

O que elle foi como orador! Como olle trovejou nos comícios, como discutiu no parlamento, como enlevou nas academias, como foi apreciado tanto no nosso paiz como até no estrangeiro!... Com que primores elle engrinaldava os seus discursos, sempre escutados com admiração e applaudidos com enthusiasmo! Ainda hontem eu me recordava de Manuel Pinheiro Chagas, quando nós celebravamos as gloriosas victorias da Africa. Como elle saudaria tambem comnosco essas victorias; como estaria bem à sua palavra, calida de enthusiasmo, posta ao serviço desta patriótica celebração! Elle que na sua gerencia da pasta da marinha tanto interesso mostrou pelas cousas do ultramar; elle que nos seus livros elucidou as questões africanas e tanta propaganda fez em beneficio das nossas colónias! (Apoiados.)

É valiosissimo o seu legado do bons serviços e altas dedicações para com o paiz; mais amplissimo é o espolio do seu indefeso, continuado e no trabalho intellectual! Espolio importantissimo na nossa litteratura: lição e exemplo para muitas gerações, o que é muito! Emquanto aos seus, a familia... deixou Pinheiro Chagas a pobreza sem macula e a gloria sem sombras!... (Apoiados.)

Sr. presidente, já que esta sessão vão consagrada a honrar os nossos homens illustres que a patria acaba de ver caírem nas profundezas do tumulo,
permitta-me que rogue á camara a sua approvação á minha proposta, pois é nas nossas praxes parlamentares a corôa civica que dedicamos aos que bem mereceram da patria.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado.)

Leu-se na meia a seguinte:

Proposta

Proponho que na acta desta sessão só exare um voto do profundo sentimento pelos finados estadistas João Baptista da Silva Forrão de Carvalho Mártens, João Chrysostomo de Abreu e Sonsa e Manuel Pinheiro Chagas.

Sala das sessões, 9 de janeiro de 1896. = O deputado, F. J. Patricio.

Foi approvada a proposta do sr. presidente e seguidamente a do sr. F. Patricio.

O sr. Ferreira Marques: - Sr. presidente, em meu nome e no da marinha de guerra portugueza eu não quero deixar fechar a sessão sem agradecer as brilhantes palavras hontem proferidas nesta casa com relação aos feitos dos nossos bravos soldados em Africa.

Agradeço, portanto, esta manifestação tão expontanea o tão sentida e saúdo o brioso exercito portuguez que tão bem sabe honrar a patria. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Justiça (Antonio d'Azevedo Castello Branco): - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessária permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares na capital, dependentes do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, os srs. deputados:

Agostinho Lucio e Silva.
Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada.
Thomás Victor da Costa Sequeira.
Visconde do Ervedal da Beira.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 9 de janeiro do 1896. = Antonio d'Azevedo Castello Branco.

Approvada.

O sr. Presidente: - Em viola, do adiantado da hora, vou encerrar a sessão.

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A ordem do dia para amanha é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

Rectificação

Na sessão n.º 3, de 8 do corrente, pag. 7, col. 2.º, linha 59, discurso do sr. Luiz Osorio, onde se lê "não sei que diga, senão", deve ler-se "ai não sei que diga, senão".

O redactor = Barbosa Colen.

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