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APPENDICE Á SESSÃO N.º 4 DE 9 DE JANEIRO DE 1896 24-A

Discurso proferido pelo sr. deputado Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, na sessão de 9 de janeiro, depois de corrigido por s. exa.

O sr. Cabral Moncada: - Sr. presidente, disse v. exa. que julgava que ninguem d'esta camara recusaria o seu assentimento á proposta por v. exa. apresentada, relativa á morte de Carlos Lobo d'Avila, o creio absolutamente na exactidão d'essa affirmativa, porquanto creio tambem que por todos nós foi dolorosamente sentido esse tristissimo acontecimento. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Por minha parte, sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que me associo com todo o enthusiasmo, do fundo do meu coração, á proposta que v. exa. apresentou, e que se me impoz pelo seu fim - glorificação do um homem por todos nós querido, homenagem ao finado estadista Carlos Lobo d'Avila.

Não estranho v. exa., não surprehenda ninguem o meu enthusiasmo ao associar-me a tal proposta, porque a verdade é esta, e facil de crer: na minha alma viviam a respeito de Carlos dois grandes sentimentos - o da amisade e o da admiração.

(Vozes: - Muito bem.)

Encontramo-nos em Coimbra em 1876 cursando preparatorios; entrámos na universidade, onde concluimos o nosso curso era 1884: e ou creio, sr. presidente, que era absolutamente impossivel, a não ser por uma triste e inconfessavel aberração de faculdades, passar junto d'aquelle excellente rapaz um tão dilatado periodo da vida, na convivencia assídua d'aquelle brilhante espirito e tendo sempre defronte dos olhos os primores nativos d'aquelle bondosíssimo coração, som que ao fim nos sentissemos dominados por dois grandes sentimentos, tão grandes, tão alevantados, que só entro si podiam fazer-se sombra - o da amisade e o da admiração. (Apoiados.)

Assisti á festa da sua formatura, e lembro-me d'ella como se tivesse sido hontem. Realisou-se n'esse dia um jantar onde se achavam o sr. conde de Valbom e alguns amigos de Carlos, que do Lisboa tinham ido a Coimbra partilhar nas alegrias d'esse dia. Achavam-se ali numerosamente representados o corpo docente da universidade, e o curso que de Carlos fora companheiro nas lides escolares. O primeiro brinde foi levantado pelo sr. conde de Valbom ao corpo docente que a sou filho dera o ensinamento. Respondeu Sotto Rodrigues, vulto assaz conhecido no nosso moio parlamentar. O segundo brinde do sr. condo de Valbom foi feito á academia, que a seu filho fizera affectuosa camaradagem, e a este coube-mo a honra immerecida de responder.

Lembro-me, sr. presidente, do que então eu disso áquelle infeliz pae, que o felicitava pela formatura de seu filho, não porque ella fosso um triumpho para as suas facilidades, porque isto de bacharel formado quem quer o ora, mas porque equivalia ao abrir-se da porta que dava para o seu futuro, glorioso, brilhante e vasto, como lh'o garantia o seu talento. Quem nos diria, qual de nós poderia então pensar, que o morto, que foi para Carlos Lobo d'Avila uma gloriosa, mas uma triste apotheose, viria tão prematuramente arrancal-o aos affectuosos carinhos da familia, á estima dedicadissima dos seus amigos, á veneração
sentidissima dos seus admiradores, e até ao incontestavel respeito que o sou prestigioso talento subia impor aos seus proprios contrarios!! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Sorria-lhe o futuro, que era para elle ridente de promessas, em esperanças, que eram tambem n'essas; abria-se-lhe na frente um caminho, escabroso é certo, mas onde os seus triumphos se contariam pelos seus combates, e tudo isto a brutalidade da morto destruiu n'um momento, triste momento de lucto para este paiz inteiro! (Vozes: - Muito bem.)

Carlos Lobo d'Avila, morrendo, deixou no mundo politico, litterario e jornalistico, e parlamentar uma lacuna que dificilmente poderá ser preenchida. (Apoiados.)

Não repontam todos os dias acima dos horisontes da patria individualidades d'aquella grandeza, constellações d'aquelle brilho; por isso, só o morto vem e as supprime, forçoso é que nos resignemos a ver por largo periodo entenebrecido o vago o logar outrora brilhante que occupavam.

Que era um ambicioso, ouvi uma vez dizer. Era-o, sim; mas. a ambição que elle tinha era para elle mais do que um direito, porque ora um sacratissimo dever.

Ambicionava renome e gloria, mas renome e gloria queria-os conquistados na cruzada santa do serviço do seu paiz a que se votara. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, Carlos Lobo d'Avila era uma grande esperança, é certo, mas foi mais do que isto. Ninguém deixará por certo do reconhecer que, na sua curta mas intensa duração, a sua intervenção na política, que o sou grande espirito comprehendeu e praticou na acção mais nobre e mais alevantada da palavra, foi altamente vantajosa para a patria, que serviu com a dedicação do um filho amantissimo, e para a monarchia a que só dedicou com a convicção enthusiasta de um espirito culto, que via n'ella a instituição mais adequada ao bem do seu povo. (Muitos apoiados.)

Carlos Lobo d'Avila ora um rapaz, mas tinha o poder da reflexão do um homem velho e experimentado. Ahi estão a attestal-o as sabias e justas medidas por elle promulgadas quando ministro das obras publicas, medidas que, pelo seu valor, se impozeram até aos seus proprios adversarios politicos, calando alguns dos jornaes que mais rudemente combatiam o governo, de que elle fazia parte, e as quaes nos deixam bem claramente ver que era, principalmente, do fomento agricola e industrial do paiz que aquelle grande espirito esperava a restauração das forças da nação, tão abatidas na demorada travessia do uma angustiosa crise, que infelizmente não vão ainda de todo passado. E a affirmal-o tambem ahi está o restabelecimento das relações de amizade com o Brazil, nação amiga e irmã, restabelecimento de relações que, se é certo que um dia havia de vir, porque não podiam ficar para sempre mal duas nações que tinham a unil-as no futuro a tradição do uma intensa amizade no passado, em todo o caso de certo se antecipou pela rara habilidade, pelo fino tacto com que o mallogrado Carlos Lobo d'Avila, quando ministro mostrou que sabia, chamando a si as intenções das chancellarias estrangeiras, convertel-as em auxiliares proveitosos da sua acção. (Muitos apoiados.)

Se Carlos Lobo d'Avila na pasta das obras publicas mostrou que tinha a envergadura de um poderoso estadista, não é menos certo que na maneira por que se houve no estudo e condução das multiplas o complexas questões que impendiam sobre a pasta dos estrangeiros, quando d'ella tomou o encargo, bem evidentemente revelou que áquella qualidade alliava a de um habilissimo diplomata.

(Vozes: - Muito bem.)

Sr. presidente, Carlos foi tambem um grande jornalista. Ahi estão, para prova d'este asserto, brilhantes artigos dispersos em muitos jornaes, artigos que são outras tantas demonstrações das suas qualidades superiores de polemista, da verve inesgotavel do seu espirito e da correcção primorosamente litteraria da sua phrase.

Era ainda estudante em Coimbra, e já o valor dos seus artigos era subidamente cotado nas altas regiões da politica, onde eram conhecidos, porque alguns jornaes de Lis-

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24-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

boa, dos mais lidos e mais evidentes, lhe franqueavam as suas colunmas.

E quem sabia, como eu, da facilidade com que elles eram escriptos, admirava já n'elles a notavel espontaneidade que Carlos Lobo d'Avila tinha em escrever, espontaneidade que depois melhor ainda se affirmou na rapidez, na inexcedivel promptidão com que mais tarde, quando ministro, elle escreveu brilhantes relatorios, que, pelos primores da sua dicção e dos seus conceitos, ficarão memoraveis. (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, onde o vulto de Carlos Lobo d'Avila nos apparece ainda mais luminoso, é na sua carreira parlamentar. Do que elle ahi foi nem sei o que deva dizer.

Dos seus triumphos sem precedentes, ahi estão por certo muitos que podem testemunhar.

Se a memoria me não atraiçoa, foi em 1880 que elle realisou a sua estreia no parlamento.

Presidia então aos destinos do paiz uma situação regeneradora, presidida pelo glorioso estadista Fontes Pereira de Mello. Discutia-se a resposta ao discurso da corôa e foi então que Carlos Lobo d'Avila teve a palavra, realisando n'esse momento a sua estreia; e tal foi a violencia da sua argumentação, o vigor da sua dialetica, o primor da sua dicção, a cortezia da sua forma, que essa estreia lhe produziu o seu maior triumpho, fazendo que amigos e inimigos o applaudissem calorosamente numa ovação unanime, sem precedentes ou com raros precedentes nos registos parlamentares, e inspirando a Fontes Pereira de Mello, quando a tão vehemente como fidalgamente cortez adversario respondeu, phrases de justo louvor, que foram uma verdadeira consagração.

Sr. presidente, a agudeza tão suggestiva da intelligencia lucidissima de Carlos Lobo d'Avila, a feição notavelmente conciliadora do seu caracter, e a fidalga cortezia nunca desmentida da sua maneira, alliadas á rara faculdade que tinha de combater sem injuriar, de sentir sem odeiar, de vencer sem deprimir, mais de uma vez lhe conferiram no parlamento, onde as paixões por vezes luctam em tão rudes encontros, o papel supremo de apasiguador, porque ninguem sabia como elle amortecer os odios, apagar os azedumes, dominar os tumultos, serenar as paixões, finalmente, levantar a bandeira da paz onde antes estava hasteada a flammula da guerra. (Apoiados.)

Foi por isto que Luiz de Magalhães, o grande amigo de Carlos, num sentidissimo artigo, escripto depois e a proposito da sua triste morte, disse que elle era como o azeite que os marinheiros lançam ao mar em occasião de tempestade para lhe serenarem a fúria e restabelecerem a bonança.

Sr. presidente, deu-se quando foi da morte de Carlos, um facto que, se bem que previsto, singularmente me impressionou: foi o espectaculo da grande dor que em todo o paiz se sentiu. (Apoiados.) Todos os homens, todos os partidos, toda a imprensa, sem distincção de cores ou de principios, se ergueram maldizendo o destino que tão cruamente os feriu, roubando-lhes aquella vida, que era preciosa, e de todos os labios surgiram então, numa consagração sem precedentes, os mais amplos e justos louvores. (Apoiados.)

Ora, sr. presidente, esta maneira pela qual Carlos Lobo d'Avila soube num curto periodo de menos de dois annos revirar a seu favor a opinião que a principio tão iniquamente hostil lhe fora, constituo uma das demonstrações mais eloquentes e frisantes das raras qualidades, da indiscutível superioridade que tanto enalteciam o seu espirito. (Apoiados.)

Li num jornal que parecia que uma corrente electrica de dor atravessara o paiz, levando a todos a consciência da irreparável perda que soffreram, e causando em todos os corações uma sentidissima magua. Realmente assim foi, e esta dor não se limitou ao paiz, porque do estrangeiro nos vieram então as mais inequivocas e captivantes demonstrações de condolencia. (Apoiados.)

Sr. presidente, vou terminar e peço desde já á camara me releve o sacrificio de tempo que lhe impuz; mas antes permitta-me v. exa. o seguinte:
Assisti hontem a irmã das sessões parlamentares mais grandiosas e commoventes das que entre nós se têem realisado. Celebravam-se os feitos heroicos do nosso exercito e armada no ultramar, e fizeram-se a esse respeito os mais justos louvores ao governo, e nomeadamente ao sr. ministro da guerra, que foi objecto de uma enthusiastica ovação, tão honrosa para elle, como para os que d'ella tiveram a inspiração, (Apoiados.) porque é sempre honroso para qualquer poder mostrar que a justiça é a inspiradora suprema dos seus actos e dos seus juizos.
(Apoiados).

A respeito dos heroicos acontecimentos que aqui se celebravam fallaram eloquentemente alguns oradores, dos quaes uns estavam já consagrados na tribuna parlamentar e outros obtiveram a sua consagração, tendo todos a inspirar-lhes a palavra, a aquecer-lhes a phrase, a requintar-lhes a eloquencia, a suggestão poderosa do assumpto, que era momentoso. Escutei-os a todos com profundo, com sentidissimo enthusiasmo; mas, sr. presidente, emquanto os ouvia, eu que sabia com que ardor Carlos Lobo d'Avila se associara á idéa que determinou a organisação das expedições que partiram para as terras de alem mar; que esperança elle tinha, bem arreigada no fundo do coração, nos esforços do nosso valente exercito e da nossa briosa armada, honra e gloria da pátria, que servem com brio, lealdade e valor; que calculava bem da alegria que a sua alma sentiria se lhe fosse dado agora assistir ao regresso desses valentes, que voltam da Africa trazendo a coroar-lhes as frontes os louros da victoria e hasteada gloriosamente nas suas mãos a bandeira da patria, cujo prestigio souberam erguer tão alto aos olhos de nacionaes e estrangeiros; eu, sr. presidente, recordando na memoria do meu coração, a melhor que tenho, a lembrança saudosissima d'esse mallogrado rapaz, que a morte levou deixando-nos na alma o desalento que sentiriamos se um dia assistimos ao pôr do sol com a triste certeza de que elle se fora para não tornar a ter alvorada, deplorando, dizia commigo: pobre Carlos, que não estavas fadado para a alegria suprema de assistir á aurora brilhante e redemptora do rejuvenescimento da grande alma da patria!

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por alguns dos srs. ministros e por muitos srs. deputados.)

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