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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa diferentes requerimentos que vou ler.

(Leu).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Vou ler uma proposta que tenho a honra de mandar para a mesa.

(Leu).

Esta proposta creio que nem deve ser justificada (Apoiados). Ella está na mente de todos nós (Apoiados). Seria até uma grave injuria e um attentado monstruoso o pretender justificar o luto nacional pela morte de Herculano (Muitos apoiados). E é bem que sendo eu o mais humilde e menos auctorisado de quantos têem a honra de representar a nação n'este recinto, fosse exactamente aquelle que se apressou a propor á camara que desse um voto de profundo sentimento e perpetua saudade pela morte de Alexandra Herculano, d’esse homem que foi verdadeiramente grande (Apoiadas). É dos humildes que devem partir estas oblatas, porque são mais sinceras.

É necessario que a camara dos deputados, representante da soberania nacional e filha do suffragio popular, siga o impulso de toda a nação, que ainda hoje pranteia, e por largos annos chorará o passamento d'este venerando vulto. E lembremo-nos, senhores, que a este sentimento se associaram estrangeiros com verdadeira dor, e com uma saudade profunda. (Apoiados). A camara dos deputados, pois, não podia ficar silenciosa, nem deixar de espargir lagrimas e esfolhar goivos, quando toda a nação se reveste de luto, mas um luto profundo e verdadeiro, que revella uma perda irreparavel (Apoiados).

Extinguiu-se a luz d'aquelle genio, e o facho com que elle desfez as trevas densissimas que circumdavam o berço d'este povo que tantos e tão grandes serviços prestou á causa da humanidade, Deus sabe, nos seus altos mysterios, quando outra vez se illuminará para ensinamento de todos e para que nos seja guia, principalmente a nós nação pequena, que para viver carece de applicar em toda a sua plenitude os fecundos principios da sciencia, do justo e da moral.

(Muitos apoiados).

A grande epocha das conquistas terminou. A idade heróica de Portugal findou.

É necessario que uma nova evolução social venha mostrar, sob os impulsos d'estes homens verdadeiros e grandes como Alexandre Herculano, que Portugal tem direito a existir, porque respeita e acata a liberdade do pensamento, a liberdade da doutrina, a liberdade da idéa com todas as suas manifestações, a liberdade que vivifica e fecunda.

(Apoiados).

Respeitar os grandes homens é dever e obrigação de todas as nações, mas é dever e obrigação restricta das nações pequenas, porque são elles que as symbolisam, são elles que as levantam, são elles que as completam. Valem muito as nações pequenas, quando encerram no seu seio homens verdadeiramente grandes como Alexandre Herculano. (Apoiados).

Eu, pela minha parte, ousaria ligar ao nome do Herculano dois outros nomes igualmente illustres. Na nossa redempção social tivemos tres homens que nos consubstanciaram; foram: Herculano, Garret e Castilho, a verdadeira trindade symbolica da nossa religião (Apoiados).

Os preitos e as homenagens, que são devidos a um, merecem-nos igualmente os outros; mas a morte de Herculano é a mais recente, é aquella cujo luto está mais gravado no coração dos portuguezes, e portanto restrinjo-me a mandar esta proposta para a mesa, esperando que toda a camara se associe a esta manifestação. (Apoiados geraes.)

E agora, depois de votada esta proposta, peço encarecidamente a v. ex.ª que me seja permittido usar ainda da palavra, promettendo eu desde já que não abusarei por muito tempo da attenção da camara.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Senhores. — A morte de Alexandre Herculano é um luto nacional. Quando nas artes, nas letras, nas sciencias, nas armas, na politica, na erudição, viamos a morte implacavel a ceifar preciosas existencias, nomes queridos e respeitaveis, reputações consagradas por longos annos de trabalho e gloria, o paiz consolava-se contemplando o illustre e venerando solitario de Valle de Lobos, o infatigavel obreiro, o lidador incessante, o philosopho, o pensador, o erudito, o homem em fim que, depois de ser valente e esforçado guerreiro nas campanhas da liberdade, trocou a espingarda de heroico soldado pela penna do escriptor para se embrenhar nas solidões luminosas do estudo, para reconstruir a historia patria tão eivada de erros, fabulas e abusões.

Na treva densa que envolvia as origens da nação portugueza, que devassou os mysterios do oceano, e revelou o berço da aurora e deu o ser a Camões, immortal cantor da epopêa lusitana, n'essa treva densissima de oito seculos, Herculano fez a luz do seu genio audaz e profundo e mostrou pela applicação dos methodos racionaes da historia como nasceu, cresceu e medrou este povo do occidente, navegador e aventuroso que, á similhança do Briareu das velhas mythologias, bracejou pelo mundo inteiro e em toda a parte deixou padrões immortaes da sua passagem.

Mas Herculano era ainda mais que historiador patrio, era o symbolo vivo d'esta nação que lhe foi berço, que n’elle se revia e reconhecia, que com elle se consolava e esperava. E para os estranhos, apesar de tão deslembrados sempre do muito que fizeram em pró da humanidade, da sciencia e da civilisação os nossos antepassados, a patria de Camões era tambem a patria de Herculano. Que o diga a doutissima Allemanha, cujos primeiros sabios, apostolos e evangelistas da sciencia redemptora, saudavam como seu par e irmão o illustre portuguez; que o digam os maiores pensadores das nações mais adiantadas, que em Herculano viam um d'esses raros espiritos de eleição que levantam o homem na contemplação da sua obra grandiosa, de progresso e libertação.

Herculano em tudo foi grande, incomparavel e unico; foi-o na historia, no romance, no drama, na poesia, na politica, na jurisprudencia, na archeologia e na polemica.

Em todos os ramos da actividade humana o seu espirito alou-se ás alturas culminantes, áquellas regiões serenas em que os principios absolutos e immutaveis se manifestam sob a fórma severa e concreta das leis naturaes, em que o espirito tornado creador pela energia genial já quasi não conhece lindes nem fronteiras. Assignalar, posto que em breve epitome, a obra gigantea do glorioso extincto, não cabe nos limites estreitos de uma proposição parlamentar.

E quem ha ahi, por muito desamorado das boas letras, que não tenha tratado e versado os livros do grande escriptor?

Em toda a parte onde a lingua portugueza se falla e escreve, a morte de Alexandre Herculano foi acolhida como uma perda irreparavel. Se são insubstituiveis os homens verdadeiramente grandes, de Herculano se póde dizer que foi o primeiro e unico da sua geração.

Fundou uma dynastia que com elle morre e acaba. Em volta do seu tumulo, sobre cuja lapide a nação esparge e esfolha saudades, fez-se o immenso vacuo, e ao chamamento da patria ninguem ousa responder.

Tão longe se projecta a sombra d'aquelle typo funerario que o eclipse durará largos annos.

Tenho pois a honra de propor:

1.° Que na acta seja inscripto um voto de profundo sentimento pela morte de Alexandre Herculano;

2.° Que o sr. presidente d'esta camara fique incumbido de fazer a devida communicação á viuva.

Sala das sessões, 8 de janeiro de 1878. — Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

Sessão de 8 de janeiro de 1878

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