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SESSÃO DE 10 DE JANEIRO DE 1885 45

dente, então era outra a nossa linguagem. Então dir-lhe-íamos: «vimos os vossos diplomas: estavam manchados de sangue; examinámos o processo eleitoral: accusava violencias; discutimos a vossa eleição: padecia de irregularidades insanaveis.
Portanto, em nome da lei, em nome da nossa consciencia e dos interesses do paiz, que estamos aqui para zelar, tende paciencia, voltae aos vossos lares». (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Mas dizer-lhes: «Vinde esclarecer o nosso espirito ácerca da vossa eleição»?!

Para que? Para nos divertirmos?

Eu conheço tres logares onde a gente discute para se divertir: a casa Havaneza, o Gremio, a Explanada do Coliseu...

(Riso.)

Discutir no parlamento para divertimento! Acho que é tudo quanto ha de mais degradante para o prestigio do systema parlamentar. (Apoiados.)

Na primeira assembléa politica do paiz agitam-se os seus interesses, discutem-se, sustentam-se, defendem-se e depois resolve-se.

É esta a caracteristica essencial das assembléas parlamentares. (Apoiados.) Pois que quer dizer virem para esta casa, uns, ouvirem os que fallam, os que fallam distrahindo-se por fallar, uns e outros, divertindo-se; depois, ficar o paiz suspenso porque o processo vae ser julgado no tribunal?! (Apoiados.) Se ha quem tenha medo de contrahir responsabilidades por ter affinidades politicas ou pessoaes com os illustres deputados peia Madeira, eu não o tenho. Têem medo de compromissos politicos? Não o tenho eu. (Apoiados.) Não o deve ter a camara. (Apoiados.) E desde já quero deixar uma declaração consignada.

Se o julgamento da eleição da ilha da Madeira tiver logar n'esta camara, e se, u o decorrer da discussão, me convencer que não é digna de approvação, empraso a minha palavra diante d'esta assembléa, e não a empraso em vão, que hei de votar contra ella.

Sr. presidente, vou terminar estas minhas singelas observações, respondendo a umas affirmações que ouvi aos illustres deputados e meus amigos, os srs. visconde do Rio Sado e Eduardo José Coelho. Disse o primeiro que tendo collaborado e approvado a lei que creou o tribunal especial entendia do seu dever dar lhe plena execução.

Eu tambem acato a lei porque é lei, e tambem quero a sua execução, já se vê nos termos em que a interpreto. Mas permitta-me o nobre visconde do Rio Sado que á boa paz lhe diga que eu considero os seus pruridos, as suas susceptibilidades de collaborador n'esta lei como uma fina flor azul de rethorica posta na lapella da sobrecasaca do illustre deputado... (Riso.) A sua collaboração n'esta lei! Todos nós sabemos, porquanto isto é de hontem, que esta lei foi nascida nas altas regiões do accordo, o santo accordo! (Riso.) Quasi todos nós a votámos, é certo. (Riso.) Mas a collaboração...

Na verdade, collaborámos muito pouco e muito poucos.

Ella é filha legitima do accordo. Digo filha legitima pois que o accordo tem tido muitos filhos, uns legitimos, outros bastardos, outros espurios... uns que já estão vistos, outros que ninguem viu, outros que ainda se hão de ver...
Parece-me, pois, excessiva a susceptibilidade do nobre visconde e meu amigo em tanto zelar pelo que disse ser obra sua. (Apoiados.)

Disse o meu illustre amigo o sr, Eduardo José Coelho que pensasse bem a camara que não fosse abater mais o seu prestigio, impedindo o julgamento d'esta eleição pelo poder judicial.

Sr. presidente, eu cuido que é precisamente o contrario que tem logar. O desprestigio d'esta assembléa vem da creação d'aquelle tribunal especial.

Salvo o respeito devido, e que eu tenho, pela magistratura do meu paiz, eu creio que nenhuma lei se poderia inventar mais propria para humilhar esta camara do que a que instituiu aquelle tribunal especial de verificação de poderes. (Apoiados.)

Similhante instituição, nos seus principios e nas suas origens, salvo o devido respeito á maioria que a votou, significa simplesmente que a camara dos senhores deputados se confessa sufficientemente facciosa, suficientemente injusta e corrupta para poder cumprir o seu dever. Significa a sua mais formal e completa exautoração!

O sr. Emygdio Navarro: - Não se póde ser juiz e parte ao mesmo tempo.

O Orador: - Não se pode ser juiz e parte ao mesmo tempo?! Certamente. Mas não é a camara dos dignos pares quem verifica os seus poderes? Não são as juntas geraes as que verificam os diplomas eleitoraes dos seus membros?

O sr. Emygdio Navarro: - Mas isso tambem deve acabar.

O Orador: - Mas ha quantos annos nos regemos nós pelo systema constitucional? Quereis destruir o principio da divisão dos poderes que é o mais forte, o mais vivaz, o mais bello esteio do jogo regular das instituições? (Apoiados.) Quereis que tudo seja absorvido pelo poder judicial?! Eu respeito muito a classe da magistratura judicial; poucas, coma ella, dão documentos de sua isenção e hombridade; (Apoiados) mas é preciso não fazer dos juizes, juizes politicos, doutores da lei, aliás corremos o risco de ver convertido o governo constitucional do paiz em governo judicial.

O sr. Emygdio Navarro: - Supprima d'esta casa os juizes...

O Orador: - N'esta casa não ha juizes, ha cidadãos que representam, como nós, o paiz e o circulo que os elegeu. Não estão aqui como juizes, estão no seu direito de cidadãos.

Sr. presidente, eu bem sei que as considerações que acabo de fazer seriam mais opportunas e teriam mais cabimento por occasião de se ter votado esta lei...

Uma voz: - Porque não fallou e não protestou então?

O Orador: - Porque na o fallei e porque não protestei?! Porque então quasi não existia o regimen parlamentar! Existia o regimen do accordo. (Riso, apoiados.) Porque não fallei e não protestei então?! Porque uma individualidade, por mais poderosa que seja, e eu estava bem longe de estar n'esse caso, é impotente contra a colligação das collectividades. A minha voz, se então se ouvisse, seria a vox clamantis in deserto, na bella phrase da Biblia. (Apoiados.) Não fallei talvez pela mesma rasão porque nós percamos agora o Zaire...

Direito e rasão não faltavam...

Entretanto, eu nem fui ouvido nem consultado. Nenhuma responsabilidade me cabe no accordo e suas consequencias. Vá a responsabilidade a quem de direito. Isto, porém, não quer dizer que eu não acate a lei, viesse ou não viesse do accordo. E lei do paiz. Tanto basta para lhe dever obediencia.

Isto que faço são estudos retrospectivos tendentes a provar que não póde invocar-se o prestigio d'esta assembléa quando se lhe pede que abdique da sua jurisdicção por uma reconsideração que nenhum motivo justifica. (Apoiados.)

Sr. presidente, creio ter fundamentado a minha moção. Creio que a camara votando-a presta culto á lei, aos principios do bom senso, á justiça e aos principios do decoro parlamentar, não desacatando nenhum direito das minorias.

Termino, agradecendo a v. exa. e á assembléa a mais do que immerecida attenção e benevolencia com que me ouviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por grande numero de srs. deputados do todos os lados da camara.)