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SESSÃO DE 10 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Teve segunda leitura o projecto do sr. Teixeira de Vasconcellos. - Apresentam requerimento de interesse publico os srs. Dantas Baracho e Albino Montenegro. - Justificaram faltas os srs. Albino Garcia, Albino Montenegro, Agostinho Fevereiro. Bernardino Machado, Pedro Correia e Souto Rodrigues. - Participa-se a constituição da commissão de resposta ao discurso da corôa. - Na primeira parte da ordem do dia, elegem-se as commissões de fazenda e orçamento, sendo a primeira composta de dezesete membros e a segunda de treze, por proposta do sr. Augusto Poppe, que foi approvada.

Na segunda parte continúa a discussão sobre a questão prévia, ou requerimento apresentado per quinze srs. deputados, para que o processo sobre a eleição do Funchal vá ao tribunal especial de que trata o artigo. 11.° e seguinte da lei de 21 de maio de 1884. - Fallam os srs. Marçal Pacheco e Avelino Calixto, que ambos apresentam moções de ordem, ficando a discussão pendente. - Prestaram juramento os srs. Martinho Montenegro e conde de Villa Real.

Abertura da sessão - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, Antonio Barjona de Freitas, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Jalles, Mendes Pedroso, Athaide Pavão, Almeida Pinheiro, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Lobo Poppe, Ferreira de Mesquita, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Carlos d'Avila, Eduardo Coelho, Emygdio Navarro, F. A. Geraldes, Firmino Lopes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Mártens Ferrão, Barros Gomes, Matos de Mendia, Pinto de Castello Branco, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Teixeira de Sampaio, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, J. F. Laranjo, José Frederico, Gama Lobo, Figueiredo Mascarenhas, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Reis Torgal, L. J. Dias, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Alfredo Rocha Peixoto, Sousa e Silva, Antonio Candido, A. J. da Fonseca, Antonio Borges, Cunha Bellem, Carrilho, Antonio Centeno, Sieuve de Seguier, Urbano de Castro, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Estevão de Oliveira, Silveira da Motta, Costa Pinto, João Valente, Scarnichia, Souto Rodrigues, J. A. Neves, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Luiz Osorio, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Visconde de Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Augusto Barjona de Freitas, Barão de Ramalho, Barão de Viamonte da Boa Vista, Bernardino Machado, Carlos du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, Pinto Basto, Goes Pinto, Ernesto Hintza Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Silva Côrte Real, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, J. A. Teixeira, Melicio, Ferreira Braga, J. R. dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Couto Amorim Novaes, Correia de Barros, José Borges, José Luciano, Ferreira Freire, J. de Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Jardim, Manuel da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo copias dos decretos contendo providencias de natureza legislativa para as provincias ultramarinas, e que tendo sido julgados urgentes foram expedidos por este ministerio não estando reunidas as côrtes.

Enviado á secretaria.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Albino Garcia não póde comparecer hoje á sessão por motivo de doença e ainda por esse motivo faltará a mais algumas. = Azevedo Castello Branco.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que por motivo justificado não tenho podido comparecer ás ultimas sessões. = Albino Montenegro.

3.ª O sr. deputado Agostinho Fevereiro tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões por motivo de saude. = Reis Torgal.

4.ª Por incommodo de saude tem faltado a algumas sessões o sr. Bernardino Machado. = Miguel Dantas.

5.ª Declaro que por incommodo de saude não tenho podido comparecer ás ultimas sessões. = Pedro Correia da Silva.

6.ª Declaro que por motivo de doença faltei á sessão de 5 do corrente. = O deputado pelo circulo n.° 40, Souto Rodrigues.

Para a acta.

PARTICIPAÇÃO

Participo que se acha constituida a commissão de resposta ao discurso da corôa, de que v. exa. é digno presidente, tendo escolhido o sr. Frederico Arouca para relator e a mim para secretario = João Marcellino Arroyo.

Para a acta.

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40 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me seja enviada copia do officio do engenheiro constructor naval, o sr. Luiz da Cunha de Mancellos, officio que tem a data de 16 de junho de 1883, que foi dirigido ao chefe do departamento maritimo do norte, e que allude a um jornal pelo qual o sr. Mancellos se julgou calumniado. = Dantas Baracho.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara uma relação dos concelhos do continente que não têem administradores effectivos nomeados, com informação da data em que foram exonerados ou demittidos os ultimos. = Albino Montenegro.

Mandou-se expedir.

Segunda leitura Projecto de lei

Senhores. - Considerando que os capellães militares do exercito, pela lei de 20 de maio de 1863 e regulamento de 22 de outubro do mesmo anno, fazem um concurso publico oral e pratico para o ensino da grammatica portugueza, arithmetica, geographia, chronologia e historia patria;

Considerando que pelos decretos com força de lei de 4 e 13 de fevereiro de 1837 recebem gratificação pelo serviço especial do ensino;

Considerando que a reorganisação ultima do exercito no § unico do artigo 146.° diz: que «nem o director, nem os professores das aulas regimentaes vencerão por este serviço especial gratificação alguma»;

Considerando que a repartição de contabilidade applicou aquelle paragrapho aos capellaes militares, eliminando-lhes nos recibos as gratificações;

Considerando que a mente do legislador na confecção do mesmo paragrapho não podia ser a de lesar os capellães militares e de ir de encontro á fé dos contratos e direitos adquiridos;

Considerando que os capeilães da armada vencem gratificação pelo serviço especial do ensino;

Considerando tambem que na mesma reorganisação do exercito não se faz promoção para os capellaes militares pela creação dos dez regimentos;

Tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os capellaes militares são obrigados a reger a aula regimental de grammatica portugueza, de arithmetica, geographia, chorographia, chronologia e historia patria e vencem por este serviço do ensino as mesmas gratificações que vencem os capellães da armada e são promovidos em o seu quadro de 53, segundo a lei geral de promoções que regula para os officiaes do exercito.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 9 de janeiro de 1885. = João Pereira Teixeira de Vasconcellos.

Foi admittido para ser enviado á commissão respectiva, quando eleita.

O sr. Baracho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Sr. presidente, hontem pedi a palavra, quando ouvi uma allusão aos acontecimentos de Ourem por occasião das ultimas eleições, mas não me póde ser concedida por se passar á ordem do dia.

Hoje vou dizer poucas palavras a este respeito; e vou dizer poucas palavras, porque não desejo provocar uma discussão porventura irritante.

Eu digo apenas que seria melhor que, em logar de se fazerem allusões aos acontecimentos de Ourem, se tratasse de discutir e de esclarecer primeiro esses acontecimentos, para depois se discursar sobre elles.

Se têem de ser discutidos os acontecimentos de Ourem, eu não fujo a essa discussão e até a provoco, para os esclarecer e para que se veja quem é que tem a responsabilidade d'elles; mas o que é mau, o que é pessimo, na minha opinião, é que, não tendo sido discutidos nem estudados os acontecimentos de Ourem, aqui se venha fallar em fuzilamentos, dando-se a entender que o governo, ou as pessoas que n'aquelle circulo são suas partidarias e que ali assistiram á eleição, têem alguma responsabilidade no que se deu.

Repito. Não discuto agora os acontecimentos de Ourem, mas estarei prompto a discutil-os sempre que assim o desejem, sempre que queiram dar batalha n'esse campo.

O sr. Vicente Pinheiro: - Sr. presidente, já hontem eu tinha pedido a palavra para apresentar a renovação de iniciativa de um projecto de lei que julgo de alto interesse publico, mas não me póde ser concedida por ser a hora de se passar á ordem do dia.

O projecto a que me refiro diz respeito a auctorisar os lyceus nacionacs dos differentes districtos a completarem o seu ensino quando as juntas geraes se encarreguem do onus que resulte do augmento de despeza e do augmento do professorado.

O projecto de que me estou occupando teve parecer da respectiva comissão com a data de 9 de março de 1881, sob o n.° 46, e foi seu relator o sr. Simões Dias, que faz parte da camara actual, mas que não tenho o prazer de ver presente.

Tambem fizeram parte da commissão que em 1881 deu parecer favoravel sobre este projecto outros cavalheiros que pertencem á actual camara, como, por exemplo, o sr. Antonio Candido.

Devo declarar á camara que estes cavalheiros estão do accordo em que se renove a iniciativa do projecto de que trato; mas que não assignam a proposta de renovação, por isso que me pareceu melhor que esta proposta levasse só a minha assignatura, desde que não podia ser assignada tambem por todos os deputados que têem a honra de representar n'esta casa o districto de Braga.

Um dos cavalheiros que commigo representam o districto de Braga ainda não tomou assento n'esta casa e o outro é o sr. ministro da justiça, ao qual a alta posição que occupa, de conselheiro da corôa, não permitte, me parece, assignar propostas d'esta ordem, e por isso entendi que seria melhor que fosse eu unicamente que renovasse a iniciativa de um projecto de lei, que aliás interessa a todo o paiz e em especial ao districto de que tenho a honra de ser representante.

Confio que a camara tomara em consideração o projecto de lei de que tenho a honra de renovar a iniciativa, e espero que o sr. ministro da justiça aproveitará a occasião para servir o circulo que o honrou com o seu mandato.

Passo a ler a renovação de iniciativa.

(Leu.)

Não é agora occasião de fazer largas considerações sobre a vantagem d'este projecto; espero que elle venha á discussão, e então farei as considerações que entender.

O sr. Arroyo: - Pedi a palavra para fazer a v. exa. a participação de que se acha constituida a commissão de resposta ao discurso da corôa, sendo v. exa. presidente, o sr. Arouca relator, e eu secretario.

O sr. José Castello Branco: - Mando para a mesa uma nota da não comparencia do sr. Garcia de Lima ás sessões passadas e a mais algumas por incommodo de saude.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a v. exa. que me informe se estão sobre a mesa os documentos que na sessão do dia 7 o sr. presidente do conselho disse que tinha

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presente, na occasião em que tive a honra de responder a s. exa., documentos que eu desejava ver.

O sr. Presidente: - Não estão sobre a mesa.

O sr. Torgal: - Mando para a mesa uma nota de justificação de faltas do sr. deputado Fevereiro.

O sr. Albino Montenegro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a declaração de que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado.

Mando tambem para a mesa o requerimento seguinte.

(Leu.)

V. exa. comprehende perfeitamente as rasões que tenho para apresentar este requerimento.

A lei estabelece que em cada concelho haja um administrador substituto; o que acontece é que são demittidos os administradores effectivos, e o governo está sophismando a disposição da lei, nomeando administradores substitutos, alguns d'elles analphabetos, que não podem bem administrar.

O que parece é que o governo tem em muito pouca conta a administração do paiz, e trata, não da politica levantada e digna, mas da politica chamada dos arranjos.

Esta sophismação da lei mostra quanto o governo se interessa pelo paiz.

O sr. Miguel Dantas: - Mando para a mesa a declaração de que o sr. deputado Bernardino Machado não tem comparecido ás sessões por incommodo de saude.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.

Vae proceder-se á eleição das commissões de fazenda e orçamento.

O sr. Poppe: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que é a seguinte.

(Leu.)

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a commissão de fazenda seja composta de dezesete membros e a do orçamento de treze. = Augusto Poppe.

Foi approvada.

Procedeu-se á eleição das commissões de fazenda e orçamento.

Feita a chamada verificou-se terem entrado na urna 67 listas, sendo eleitos para a commissão de fazenda os srs.:

José Dias Ferreira .... 57 votos
Augus Cesar Ferreira de Mesquita .... 57 votos
Frederico de Gusmão Correia Arouca ..... 57 »
Antonio de Sousa Pinto de Magalhães .... 57 »

dolpho da Cunha Pimentel .... 57 votos
Marçal de Azevedo Pacheco .... 57 »
Pedro Roberto Dias da Silva .... 57 »
Filippe Augusto de Sousa Carvalho .... 57 votos
José Maria dos Santos .... 57 votos
João Marcellino Arroyo .... 57 »
Alberto Antonio de Moraes Carvalho .... 57 »
Francisco Augusto Correia Barata .... 56 »
Antonio Maria Pereira Carrilho .... 56 votos
Manuel d'Assumpção .... 56 votos
Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe .... 56 »
Pedro Augusto de Carvalho .... 56 votos
Henrique de Barros Gomes .... 56 »

Para a commissão do orçamento ficaram eleitos os srs.:

Caetano Pereira Sanches de Castro .... 57 votos
Antonio José Lopes Navarro .... 57 votos
Antonio Maria Pereira Carrilho .... 57 »
Arthur Hintze Ribeiro .... 57 votos
Fernando Affonso Geraldes .... 57 »
Luiz Leite Pereira Jardim .... 57 »
João Pereira Teixeira de Vasconcellos .... 57 »
João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco .... 57 votos
Tito Augusto de Carvalho .... 56 votos
Arthur Amorim Sieuve de Seguier .... 56 votos
João José Dantas Souto Rodrigues .... 56 »
Augusto Fuschini .... 55 votos
Avellino Augusto Cesar Maria Calixto .... 55 votos

O sr. Presidente: - Estando nos corredores da sala os srs. deputados conde de Villa Real e Martinho Montenegro, convido os srs. Agostinho Lucio e Centeno a introduzil-os na sala para prestarem juramento.

Foram introduzidos na sala, prestaram juramento e tomaram assento os srs. conde de Villa Real e Martinho Montenegro.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer sobre a eleição da Madeira

O sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, e tem a palavra sobre a ordem o sr. Marçal Pacheco.

O sr. Marçal Pacheco: - Em observancia das prescripções do regimento vou ler a minha moção de ordem:

«Considerando que a camara das senhores deputados é competente para julgar, sem excepção, de todos os processos eleitoraes relativos aos seus membros, como expressamente é determinado no artigo 21.° da carta constitucional e no artigo 11.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884;

«Considerando que esta competencia legal e constitucional só póde ser delegada no tribunal especial, instituido no precitado artigo 11.° e seguintes da mesma lei, quando verificada seja a dupla circumstancia de haver protesto n'um ou mais processos eleitoraes, e a de, pelo menos, quinze membros da camara, requererem que tal ou taes processos sejam julgados por aquelle tribunal;

«Considerando que não póde nem deve funccionar um tribunal de delegação senão com expresso consentimento do tribunal delegante, expresso consentimento que, no caso de que se trata, consiste no facto de haver quinze deputados concordes em que seja deferido ao tribunal especial o julgamento de quaesquer processos eleitoraes;

«Considerando que, com respeito á eleição da Madeira, tal delegação se não verificou, nem verificar-se póde, por ter esta camara tomado deliberações, por unanimidade, que necessariamente implicam a recusa d'aquella delegação, avocando por isso a si o julgamento d'este processo eleitoral, o que aliás está dentro dos limites da sua competencia; e

«Considerando que nestes termos e n'estas condições deferir, o julgamento ao tribunal especial significaria da parte d'esta camara uma reconsideração que nem a justiça, nem os principios do decoro parlamentar justificam.

A camara delibera proseguir na discussão e apreciação do processo eleitoral da Madeira, reserva-se a plenissima liberdade de o approvar ou rejeitar consoante o entender na sua consciencia soberana, e continua na ordem do dia. = O deputado, Marçal Pacheco.»

Sr. presidente, cumpre-me justificar a materia da minha moção, mas antes de o fazer, como poder e souber, permitta-me v. exa. e a assembléa que eu lhes manifeste a impressão desagradavel que sentiu o meu espirito ao ouvir o illustre deputado e meu amigo o sr. Elias Garcia, quando enviou para a mesa o primeiro requerimento que se formulou sobre o assumpto que se debate.

Ouvi na tribuna o illustre caudilho do partido republicano, ouvi-o com a attenção que os seus merecimentos re-

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clamam e que eu sei dispensar a quem os tem realmente, mas, na verdade o confesso, ao ouvil-o, desta vez, o meu pasmo foi crescendo, crescendo, successivamente, até assumir, no meu espirito, as proporções de uma verdadeira surpreza!

Ouvi o illustre representante da idéa republicana do alto d'aquella tribuna espraiar-se em largas considerações, em motivadas manifestações de reconhecimento e gratidão pelo favor, bizarria e cavalheirismo, com que alguns senhores deputados progressistas se tinham prestado a assignar-lhe o requerimento que mandou para a mesa.

Favor, bizarria, cavalheirismo!

Pois quando se trata de uma questão tão importante e tão vital, como a do direito eleitoral, o representante illustre do partido republicano, n'esta casa, permitte-se a liberdade de suppor que o eminentissimo orador, que d'aqui estou vendo, o sr. Antonio Candido, o brilhante jornalista que igualmente estou vendo, o sr. Emygdio Navarro, e outros talentosos deputados progressistas lhe assignaram o requerimento por favor, por bizarria, por cavalheirismo?! (Apoiados.)

Pois é o representante da idéa nova, que no seio do parlamento ousa lembrar-se de attribuir o procedimento dos representantes da nação ao favor, á bizarria, ao cavalheirismo, mostrando-se grato e penhorado pelos merecer?! (Apoiados.)

Oh! sr. presidente! Eu sempre cuidei que n'este logar não era licito a ninguem invocar como causa determinante dos seus actos e do seu procedimento outros principios que não fossem os da justiça, da rasão, do direito e dos interesses do paiz. (Apoiados.)

Vejo que me enganei!

Nos mandamentos da lei republicana ha outras normas de proceder. Ouvimos a confissão d'ellas aqui. São o favor, o cavalheirismo, a bizarria, rasões de decidir, em materia de legislar! (Apoiados.)

Ora, veja v. exa., sr. presidente, veja a assembléa, como tudo anda invertido n'este pobre mundo sublimar! Os illustres representantes da idéa nova, que todos os dias aqui alçam o camartello demolidor da sua critica acerba contra as instituições monarchicas, porque as suppõem sómente amparadas pelo privilegio e pelo favoritismo, são elles que vera do alto d'aquella tribuna converter o favoritismo n'um principio politico quando os beneficia a elles e lhes serve aos seus intuitos e interesses! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Fragilidades humanas, sr. presidente! Mas fragilidades humanas e tristes das quaes n'este momento me é licito tirar uma lição proveitosa e util, e vem a ser: que aos representantes do principio republicano n'esta casa é permittido apostolar com ardor, enthusiasmo e energia as excellencias do systema republicano, se julgam que n'elle reside o unico remrdio e analeptico contra os males e desgraças que affligem o paiz. É esse o seu direito e talvez o seu dever, se é sincera a sua convicção. Não lhes é licito, porém, desrespeitar, por um momento sequer, as opiniões d'aquelles que podendo concordar na existencia de um grande mal-estar do paiz, não crêem, todavia, que haja de surgir da Galilea republicana o Messias salvador. (Muitos e prolongados apoiados.)

É bom respeitar todas as crenças e todas as convicções. (Apoiados.) É bom e é necessario, sobretudo, porque de outra sorte póde succeder que haja alguem que, á ironia motejadora, aqui pronunciada, de que o sr. presidente do conselho explorava e cultivava os apoiados da maioria, reconvenha com a allegação de que se mau é isso, obra peior existe: é a de quem explora e cultiva a facil credulidade das massas ignaras. (Muitos apoiados.) É bom e é necessario que se respeitem todas as opiniões e todos os sentimentos, (Apoiados.) porque de outro modo póde succeder que haja alguem que, á qualificação que aqui se fez de imprudentes amigos, saiba responder com a classificação de imprudente, de imprudentissimo para quem se arroga o direito de vir ao seio da representação nacional referir o objecto de conversações particulares. (Muitos apoiados.)

O sr. Elias Garcia: - Peço a palavra.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a palavra.

O Orador: - Isto, sr. presidente, não o digo eu, porque a allusão me ferisse a mim; digo-o, porque, n'este momento, entendo que não é de mais repetir n'esta casa: que nas conversações particulares as affirmações pertencem a quem as faz e não a quem as ouve. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem).

Sr. presidente, eu não quero, porque não devo, alongar-me em mais considerações sobre este assumpto, visto que elle não está na ordem do dia.

Quero tão sómente deixar bem claramente consignado que eu, como membro da maioria, não estou disposto a manter-me dentro dos limites de uma exagerada tolerancia que tudo permitte dizer, impunemente, a uma minoria numericamente insignificantissima, a qual exige para si e para as suas opiniões respeito sagrado, lançando suspeições e malsinações sobre os sentimentos dos seus adversarios. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, eu não sei, n'este momento, se houve violencias deploraveis na eleição da Madeira; não sei se houve victimas e luctas que todos lamentam; não sei se houve accordos, se não criminosos, pelo menos immoraes, que todas as consciencias honestas reprovam; não sei, n'uma palavra, se o acto eleitoral padece ou enferma de nullidades insanaveis que o tornam insusceptivel de ser approvado. Não o sei, não o pretendo saber agora.

A questão de que se trata, ao presente, é outra.

Trata-se de saber se porventura, sim ou não, deve ter seguimento a petição que está sobre a mesa para o fim de ser deferido ao tribunal, especial o julgamento do processo eleitoral da Madeira.

Esta é a questão. E entrando n'ella, direi a v. exa. e á assembléa que a minha opinião é que esta petição não é de receber, por inopportuna. (Apoiados.)

E para justificar e demonstrar a minha affirmação não recorrerei aos velhos praxistas.

Nem aos velhos nem aos modernos.

Tambem não recorrerei á historia de França nem a largas divagações sobre casos tristes da philosophia das revoluções, declamadas em tom prophetico e sentencioso, embora em estylo correcto e elevado.

Bastar-me-ha a lei, que é o assento da doutrina, que se discute, e a apreciação dos factos sobre os quaes essa lei tem de incidir.

A disposição legal applicavel e invocada é o artigo 11.° da lei de 21 de maio de 1884, que diz:

«A verificação dos poderes dos deputados eleitos continuara a ser feita pela junta preparatoria ou pela camara. Quando, porém, tiver havido algum protesto nas assembléas primarias ou nas de apuramento, o respectivo processo será julgado por um tribunal, organisado como no artigo seguinte se preceitua, logo que assim tenha sido requerido por quinze deputados eleitos ou com poderes já verificados.»

Como se vê, na primeira parte d'este artigo está preceituada de uma maneira clara e positiva, a competencia geral e absoluta d'esta camara, e na segunda parte do mesmo artigo abre-se uma excepção ao principio geral, attribuindo-se competencia a um tribunal especial que funcciona, quando se verificam as condições da existencia d'aquella excepção. Por outros termos: quando ha um processo eleitoral protestado, e quinze membros d'esta casa são concordes em requerer que esse processo protestado vá ao tribunal especial, verificam-se as duas condições da existencia da excepção. Até aqui creio que estamos todos de accordo. (Apoiados.)

Mas quando é e como é que se verificam estas duas con-

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dições? Quando e como se verificada primeira, sabemol-o todos porque está escripto na lei. É tendo logar o protesto nas assembléas primarias ou nas do apuramento; e como a lei que convoca os collegios eleitoraes, marca o dia em que devem ter logar as assembléas primarias; como as do apuramento têem logar oito dias depois d'aquellas, é claro que o praso dentro do qual tem de ser feito o protesto está marcado e designado na lei.

Creio que até aqui ainda continuâmos a estar todos de accordo. (Apoiados.)

Mas quando se faz o requerimento?

Qual é o praso indicado para a verificação da segunda condição? Eis o que a lei não diz...

O sr. Emygdio Navarro: - Onde a lei não distingue não devemos nós distinguir.

O sr. Luiz José Dias: - A lei é clara e marca esse praso.

O Orador: - Vamos devagar, serenamente. Peço ao meu illustre amigo o sr. Luiz José Dias a fineza de me dizer onde isso está. Aqui tem v. exa. a lei, tem a bondade de a ler em voz alta...

(Riso.)

(Pausa.)

sr. Luiz José Dias: - Se o não diz a lei, dil-o o bom senso juridico.

O Orador: - Ah! o bom senso juridico! Pois é exactamente o bom senso juridico que eu invoco e hei de invocar em abono da minha opinião. E não só o bom senso juridico, mas o natural, o trivial bom senso. Mas lá chegaremos...

Dizia eu, sr. presidente, que no tocante ao praso dentro do qual o requerimento se deve fazer, a lei é omissa. Appello para a intelligencia da camara, para os representantes dos diversos partidos n'esta casa, e convido-os a que me digam se ha na lei alguma indicação que fixe ou marque esse praso...

(Pausa.)

A lei é, pois, omissa e n'estas circumstancias é forçoso interpretal-a, entendel-a. Ora, por mais que eu medite, sr. presidente, por mais que solicite a minha intelligencia, eu não posso descobrir que diante d'esta omissão da lei sejam possiveis mais que tres interpretações diversas. Tres interpretações que aliás são as correspondentes ás tres modalidades do tempo: nunca, sempre, algumas vezes. Essas tres interpretações podem formular-se assim:

Primeira interpretação: Nunca póde ter logar o requerimento.

Segunda interpretação: Póde sempre fazer-se o requerimento.

Terceira interpretação: Póde só, em certos casos e algumas vezes ter logar requerer-se que vá tal ou tal processo de eleição ao tribunal especial.

Analysemos e critiquemos estas tres diversas interpretações.

A primeira é evidentemente absurda. Não póde presumir-se que se fizesse uma lei sem possibilidade de execução. Ponhamol-a de parte. Vamos á segunda.

No acto eleitoral a que se procedeu no circulo pluri-nominal de Faro e Loulé, e por onde saíram eleitos o illustre presidente d'esta camara, o meu amigo, o sr. Ferreira de Almeida e eu, houve um protesto, n'uma das assembléas primarias, renovado depois na assembléa do apuramento. Pergunto: se alguem se lembrasse, neste momento, de enviar para a mesa um requerimento com quinze assignaturas de membros d'esta casa, pedindo que o processo d'este acto eleitoral fosse mandado ao tribunal especial, deveria esta camara defferir a similhante requerimento?

Ninguem ousará dizer que sim. Se estivesse presente o sr. Emygdio Navarro a quem ha pouco ouvi dizer que onde a lei não distingue ninguem póde distinguir, perdir-lhe-ía agora a proposito a appiicação d'este principio...

(Entrou o sr. Emygdio Navarro.)

Estava-me referindo justamente a v. exa. e é tal a consideração que tenho pelo illustre deputado que vou repetir-me.

Estava eu dizendo que não se podia adoptar a interpretação de que, sempre que houvesse protesto n'um processo eleitoral e quinze membros d'esta casa pedissem o seu julgamento pelo tribunal especial, se devia deferir esse requerimento.

E para provar o absurdo d'esta interpretação estava dizendo que tinha havido um protesto na eleição do Faro por onde foram eleitos o nobre presidente d'esta camara, o sr. Ferreira de Almeida e eu; que todavia estava, certo que se no actual momento fosso enviado um requerimento para a mesa, com quinze assignaturas a pedir que este processo fosse enviado ao tribunal especial, ninguem tomaria a serio um tal requerimento.

Naturalmente observam-mo ou podem observar-me, que a lei dispõe ácerca de processos para verificar e não de processos verificados. Como no caso que formule, o processo já está verificado, é claro que não está comprehendido na segunda parte do artigo 11.° A esta observação é me, porém, licito contrapor esta outra: onde é que aquelle artigo faz distincção entre processos verificados e não verificados? E assim como o sr. Emygdio Navarro ha pouco dizia que onde a lei não distingue ninguem póde distinguir, o mesmo principio póde agora invocar-se...

O sr. Luiz José Dias: - Isso, só não está na letra, da lei, está no bom senso.

O Orador: - Estamos de accordo. Pois é justamente pelos principies do bom senso que eu quero entender a lei, visto que n'este ponto é omissa.

O sr. Luiz José Dias: - É preciso attender na interpretação ao elemento logico.

O Orador: - Sem duvida, é com o elemento logico que eu quero provar...

O sr. Luiz José Dias: - E ao elemento historico.

O Orador: - Certamente. Pois é ...

O sr. Luiz José Dias: - E á letra da lei.

O Orador: - Ora pelo amor de Deus! Tudo isso quero eu. Pois é a noção do elemento logico, historico e litteral que constituem a synthese final do bom senso juridico que eu invoco para entender a lei...

(Interrupções que se tão perceberam.)

O sr. Presidente: - Peço aos illustres deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - Quanto a mim não tenha v. exa. cuidado. As interrupções são auxilio de argumentos. (Riso.)

Havia eu formulado uma hypothese que bem demonstrava o absurdo de admittir-se a segunda interpretação. É essa, porém, uma hypothese remota, e pouco verosimil de dar-se. Formulemos outra mais proxima, eminente, natural.

Supponha v. exa. sr. presidente, e supponha a assembléa que o meu illustre amigo, o sr. Mariano de Carvalho, ainda não tinha chegado a accordo com os seus amigos e com os illustres deputados republicanos ácerca de mandar para a mesa o requerimento com as quinze assignaturas, pedindo que a eleição da Madeira fosse ao tribunal especial. Formulo, como s. exas. vêem, uma hypothese extremamente natural. Pois bem. A discussão continuava, prolongava-se por mais oito, quinze, vinte dias. Os illustres deputados eleitas pelo Funchal, ou suppostos taes, convidados, como o foram, por esta camara, unanimemente, a virem tomar parte no debate, pediam a palavra, como aliás pediram, e expunham as suas opiniões, sustentavam a sua causa e demonstravam com a eloquencia e inteligencia, que possuem, a genuinidade do seu mandato.

De todos os lados da camara se affirmavam por discussão larga, larguissima, todos os diversos modos de ver e sentir. Estava pronunciado visivelmente o juizo d'esta assembléa.

Esgotada a inscripção, concluida a discussão, e quando o sr. presidente acaba de pronunciar as palavras sacramen-

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taes - vae votar-se - ergue-se um membro d'esta casa e manda para a mesa um requerimento com quinze assignaturas pedindo que vá ao tribunal especial o processo eleitoral.

Pergunto: seria sensato e digno dar seguimento a esse requerimento? Pode suppor-se por um momento que esta camara se prestaria a uma resolução d'esta ordem? Confio na rectidão e bom juizo d'esta assembléa para crer que o não faria. (Apoiados.)

Depois de feito e pronunciado o juizo d'esta camara...

O sr. Emygdio Navarro: - O juizo da camara só se conhece depois da votação.

O Orador: - Peço perdão; o juizo da camara só é conhecido, para o effeito de terem força as suas deliberações, depois d'esse juizo se ter manifestado por uma votação. Mas antes de encerrada a discussão, se esta tem sido larga e ampla, como a que figurei, toda a gente sabe a attitude da camara sem haver votação. As vezes até sem ninguem fallar. (Riso.)

Pois não ouvimos nós o meu illustre amigo, o sr. Eduardo José Coelho, atacar a maioria por ella não querer que o requerimento tivesse seguimento? Pois ainda ninguem tinha fallado! (Riso.) (Apoiados.)

Dizia eu, pois, sr. presidente, que depois de feito e pronunciado o juizo d'esta camara, não era serio, e poderia ser perigoso até, deferir o julgamento ao tribunal judicial.

Similhante resolução conduziria a este dilemma fatal: ou o tribunal seria da mesma opinião e nesse caso praticava-se uma inutilidade; ou se abria um conflicto entre a opinião do tribunal e a da camara, vindo a resultar em consequencia, um lamentavel desprestigio para esta ou para aquelle! É isto serio? Quer se ou entende-se que devemos proceder de molde que conduza a estas tristissimas consequencias? (Apoiados.) Vamos exautorar a primeira assembléa politica do paiz? É isto que se pretende? Pois eu, sr. presidente, pela minha parte, não estou disposto a associar-me a um procedimento que não reputo serio. (Apoiados. - Prolongados apoiados.) Pode, porém, objectar-se que entre o desprestigio possivel d'esta casa e uma manifesta infracção de lei, antes aquelle, e que embora seja má a lei deve ser executada em quanto for lei. Certamente que a objecção seria procedente se a materia fosse necessaria. Mas não é. Deve-se cumprimento á lei, mas tambem não é menor dever entendei a por fórma que não resulte absurdo. E como ha meio de entender a lei de sorte que da sua execução não resultem absurdos evidentes e consequencias extravagantes, por isso, a consequencia que eu tiro das hypotheses que formulei é que a segunda interpretação é, como a primeira, falsa e não deve por isso acceitar-se.

Resta-nos a terceira, sr. presidente, a unica que me parece acceitavel.

A minha opinião é que emquanto a camara não tiver avocado a si qualquer processo para o discutir e julgar, ha sempre logar para dar-se seguimento ao requerimento com quinze assignaturas que pedir a remessa ao tribunal especial de um processo de eleição em cujas assembléas primarias ou de apuramento tenha havido protesto.

Por outros termos, desde que abre a sessão preparatoria até ser dado para discussão qualquer processo eleitoral, é sempre occasião de pedir-se o seu julgamento pelo tribunal especial.

Uma vez entrado em discussão sem que ninguem tenha feito aquelle requerimento, fica assentado que não se quiz usar do direito que o artigo 11.°, segunda parte, concede, e portanto é á camara a quem de direito pertence o julgamento. (Apoiados.)

A meu ver, sr. presidente, é esta a unica maneira de conciliar os direitos que a lei que conceder ás minorias com a seriedade e o prestigio que devem revestir todos os actos praticados n'esta assembléa.

A camara não póde estar á mercê de que se dêem taes ou taes combinações, taes ou taes accordos. Desde que durante certo tempo nenhum requerimento apparece, a camara avoca a si o processo e julga, como aliás está sempre dentro dos limites da sua competencia. É claro que fica sempre resalvado o direito liberrimo a quinze deputados de enviarem para a mesa o seu pedido para que tal ou tal processo eleitoral protestado seja enviado ao tribunal de excepção.

Mas para que a mesa lhe dê seguimento é mister que a petição tenha logar antes da camara avocar a si o julgamento d'esse processo. (Apoiados.) Começar a camara, sem reclamação de ninguem, a discutir um dado processo, pretender deliberar sobre elle, e abdicar, depois, de uma jurisdicção que lhe pertence, que é sua, porque a lei lha dá, para a declinar n'outro tribunal, será tudo menos decoroso.

A camara é competente para julgar da nullidade ou nullidades da eleição de todos os seus membros. Desde que começou a discutir um processo deve levar o seu julgamento até ao fim. Fazer o contrario é reconsiderar. Reconsiderações não se têem, não se devem ter senão por motivo imperioso que nau logro ver. (Apoiados.)

É claro, sr. presidente, que esta minha opinião póde ser combatida. Para isso basta a circumstancia de ella ser arbitraria.

O sr. Visconde do Rio Sado: - É por isso que a não acceito.

O Orador: - Mas então até quando entende o illustre deputado que é occasião de ser apresentado o requerimento para o processo ser deferido ao tribunal especial?

O sr. Visconde do Rio Sado: - Segundo a minha interpretação, é até que o parecer seja approvado. Póde ser errada esta interpretação, mas é a minha.

O Orador:- Não digo que v. exa. não pense bem, mas tenho rasões para suppor que essa interpretação é absurda. Eu já as apresentei e creio que tive a felicidade de fazer-me perceber.

O sr. Visconde do Rio Sado: - Perceber sim, mas não de convencer.

O Orador: - O meu fim tambem não é convencer, é mostrar as rasões que tenho para estar convencido da opinião que sustento.

Sei bem que é uma interpretação arbitraria mas de ser assim não é minha a culpa, mas da lei que é omissa.

Entretanto, arbitraria, como é, defendem-na os principios da boa hermeneutica e do bom senso juridico e politico, como creio ter demonstrado. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, no processo da eleição da Madeira, ha ainda outras circumstancias excepcionalissimas para as quaes eu chamo a attenção da camara. Este processo está ha muitos dias em discussão; por unanimidade foram convidados a vir defendel-o os illustres deputados a que elle diz respeito. Algum dos signatarios do requerimento, sobre que se levantou este incidente, como o meu amigo, o sr. Emygdio Navarro, foram dos primeiros a associar-se aquelle convite.

Pois bem. Vamos agora dizer áquelles cavalheiros! «Ponde-vos na rua: que nós mudámos de resolução» «Será isto um acto digno d'esta camara? (Apoiados.)

Uma voz: - Isso não obsta.

O Orador: - Peço licença para perguntar a quem me interrompe: então para que. es convidámos, para que demos este documento de largo liberalismo? «Não vos recusâmos a discussão, dissemos nós, entrae pela porta augusta do santuario das leis, vinde defender os vossos direitos, vinde legitimar a vossa eleição!»

Agora, dizemos-lhes: senhores: já fizemos o nosso accordo, já nos entendemos, ponde-vos na rua! (Apoiados).

Francamente isto é serio? (Apoiados.)

Isto é digno d'esta assembléa? (Apoiados.)

Uma voz: - Acontecia-lhe o mesmo se lhe annullassemos a eleição.

O Orador: - Ah! certamente! Mas então, sr. presi-

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dente, então era outra a nossa linguagem. Então dir-lhe-íamos: «vimos os vossos diplomas: estavam manchados de sangue; examinámos o processo eleitoral: accusava violencias; discutimos a vossa eleição: padecia de irregularidades insanaveis.
Portanto, em nome da lei, em nome da nossa consciencia e dos interesses do paiz, que estamos aqui para zelar, tende paciencia, voltae aos vossos lares». (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Mas dizer-lhes: «Vinde esclarecer o nosso espirito ácerca da vossa eleição»?!

Para que? Para nos divertirmos?

Eu conheço tres logares onde a gente discute para se divertir: a casa Havaneza, o Gremio, a Explanada do Coliseu...

(Riso.)

Discutir no parlamento para divertimento! Acho que é tudo quanto ha de mais degradante para o prestigio do systema parlamentar. (Apoiados.)

Na primeira assembléa politica do paiz agitam-se os seus interesses, discutem-se, sustentam-se, defendem-se e depois resolve-se.

É esta a caracteristica essencial das assembléas parlamentares. (Apoiados.) Pois que quer dizer virem para esta casa, uns, ouvirem os que fallam, os que fallam distrahindo-se por fallar, uns e outros, divertindo-se; depois, ficar o paiz suspenso porque o processo vae ser julgado no tribunal?! (Apoiados.) Se ha quem tenha medo de contrahir responsabilidades por ter affinidades politicas ou pessoaes com os illustres deputados peia Madeira, eu não o tenho. Têem medo de compromissos politicos? Não o tenho eu. (Apoiados.) Não o deve ter a camara. (Apoiados.) E desde já quero deixar uma declaração consignada.

Se o julgamento da eleição da ilha da Madeira tiver logar n'esta camara, e se, u o decorrer da discussão, me convencer que não é digna de approvação, empraso a minha palavra diante d'esta assembléa, e não a empraso em vão, que hei de votar contra ella.

Sr. presidente, vou terminar estas minhas singelas observações, respondendo a umas affirmações que ouvi aos illustres deputados e meus amigos, os srs. visconde do Rio Sado e Eduardo José Coelho. Disse o primeiro que tendo collaborado e approvado a lei que creou o tribunal especial entendia do seu dever dar lhe plena execução.

Eu tambem acato a lei porque é lei, e tambem quero a sua execução, já se vê nos termos em que a interpreto. Mas permitta-me o nobre visconde do Rio Sado que á boa paz lhe diga que eu considero os seus pruridos, as suas susceptibilidades de collaborador n'esta lei como uma fina flor azul de rethorica posta na lapella da sobrecasaca do illustre deputado... (Riso.) A sua collaboração n'esta lei! Todos nós sabemos, porquanto isto é de hontem, que esta lei foi nascida nas altas regiões do accordo, o santo accordo! (Riso.) Quasi todos nós a votámos, é certo. (Riso.) Mas a collaboração...

Na verdade, collaborámos muito pouco e muito poucos.

Ella é filha legitima do accordo. Digo filha legitima pois que o accordo tem tido muitos filhos, uns legitimos, outros bastardos, outros espurios... uns que já estão vistos, outros que ninguem viu, outros que ainda se hão de ver...
Parece-me, pois, excessiva a susceptibilidade do nobre visconde e meu amigo em tanto zelar pelo que disse ser obra sua. (Apoiados.)

Disse o meu illustre amigo o sr, Eduardo José Coelho que pensasse bem a camara que não fosse abater mais o seu prestigio, impedindo o julgamento d'esta eleição pelo poder judicial.

Sr. presidente, eu cuido que é precisamente o contrario que tem logar. O desprestigio d'esta assembléa vem da creação d'aquelle tribunal especial.

Salvo o respeito devido, e que eu tenho, pela magistratura do meu paiz, eu creio que nenhuma lei se poderia inventar mais propria para humilhar esta camara do que a que instituiu aquelle tribunal especial de verificação de poderes. (Apoiados.)

Similhante instituição, nos seus principios e nas suas origens, salvo o devido respeito á maioria que a votou, significa simplesmente que a camara dos senhores deputados se confessa sufficientemente facciosa, suficientemente injusta e corrupta para poder cumprir o seu dever. Significa a sua mais formal e completa exautoração!

O sr. Emygdio Navarro: - Não se póde ser juiz e parte ao mesmo tempo.

O Orador: - Não se pode ser juiz e parte ao mesmo tempo?! Certamente. Mas não é a camara dos dignos pares quem verifica os seus poderes? Não são as juntas geraes as que verificam os diplomas eleitoraes dos seus membros?

O sr. Emygdio Navarro: - Mas isso tambem deve acabar.

O Orador: - Mas ha quantos annos nos regemos nós pelo systema constitucional? Quereis destruir o principio da divisão dos poderes que é o mais forte, o mais vivaz, o mais bello esteio do jogo regular das instituições? (Apoiados.) Quereis que tudo seja absorvido pelo poder judicial?! Eu respeito muito a classe da magistratura judicial; poucas, coma ella, dão documentos de sua isenção e hombridade; (Apoiados) mas é preciso não fazer dos juizes, juizes politicos, doutores da lei, aliás corremos o risco de ver convertido o governo constitucional do paiz em governo judicial.

O sr. Emygdio Navarro: - Supprima d'esta casa os juizes...

O Orador: - N'esta casa não ha juizes, ha cidadãos que representam, como nós, o paiz e o circulo que os elegeu. Não estão aqui como juizes, estão no seu direito de cidadãos.

Sr. presidente, eu bem sei que as considerações que acabo de fazer seriam mais opportunas e teriam mais cabimento por occasião de se ter votado esta lei...

Uma voz: - Porque não fallou e não protestou então?

O Orador: - Porque na o fallei e porque não protestei?! Porque então quasi não existia o regimen parlamentar! Existia o regimen do accordo. (Riso, apoiados.) Porque não fallei e não protestei então?! Porque uma individualidade, por mais poderosa que seja, e eu estava bem longe de estar n'esse caso, é impotente contra a colligação das collectividades. A minha voz, se então se ouvisse, seria a vox clamantis in deserto, na bella phrase da Biblia. (Apoiados.) Não fallei talvez pela mesma rasão porque nós percamos agora o Zaire...

Direito e rasão não faltavam...

Entretanto, eu nem fui ouvido nem consultado. Nenhuma responsabilidade me cabe no accordo e suas consequencias. Vá a responsabilidade a quem de direito. Isto, porém, não quer dizer que eu não acate a lei, viesse ou não viesse do accordo. E lei do paiz. Tanto basta para lhe dever obediencia.

Isto que faço são estudos retrospectivos tendentes a provar que não póde invocar-se o prestigio d'esta assembléa quando se lhe pede que abdique da sua jurisdicção por uma reconsideração que nenhum motivo justifica. (Apoiados.)

Sr. presidente, creio ter fundamentado a minha moção. Creio que a camara votando-a presta culto á lei, aos principios do bom senso, á justiça e aos principios do decoro parlamentar, não desacatando nenhum direito das minorias.

Termino, agradecendo a v. exa. e á assembléa a mais do que immerecida attenção e benevolencia com que me ouviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por grande numero de srs. deputados do todos os lados da camara.)

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Apresentou a seguinte

Moção de ordem

Considerando que a camara dos senhores deputados é competente para julgar, sem excepção, de todos os processos eleitoraes relativos aos seus membros, como expressamente é determinado no artigo 21.° da carta constitucional e no artigo 11.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884;

Considerando que esta competencia legal e constitucional só póde ser delegada no tribunal especial instituido no precitado artigo 11.° e seguintes da mesma lei, quando verificada seja a dupla circumstancia de haver protesto n'um ou mais processos eleitoraes e a de, pelo menos, quinze membros da camara requererem que tal ou taes processos sejam julgados por aquelle tribunal;

Considerando que não póde nem deve funccionar um tribunal de delegação senão com expresso consentimento do tribunal delegante, expresso consentimento que no caso de que se trata, consiste no facto de haver quinze deputados concordes em que seja deferido no tribunal especial o julgamento de quaesquer processos eleitoraes;

Considerando que com respeito á eleição da Madeira, tal delegação se não verificou nem verificar-se póde por ter esta camara tomado deliberações, por unanimidade, que necessariamente implicam o recurso d'aquella delegação, avocando por isso a si o julgamento d'este processo eleitoral, o que aliás está dentro dos limites da sua competencia; e

Considerando que n'estes termos e n'estas condições difficeis, o julgamento no tribunal especial significaria da parto d'esta camara uma reconsideração que nem a justiça nem os principios do decoro parlamentar justificam:

A camara delibera proseguir na discussão e apreciação do processo eleitoral da Madeira, reserva-se a plenissima liberdade de o approvar ou rejeitar consoante o entender na sua consciencia soberana, e continua na ordem do dia. = O deputado, Marçal Pacheco.

Foi admittida á discussão.

Leu-se na mesa a moção, foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Calixto: - A situação, verdadeiramente singular, no seio da representação nacional, onde vim por motivos estranhos á minha vontade e aos meus desejos, e que devo unicamente a uma generosa deferencia, e maior consideração pela obscuridade do meu nome, similhante situação induz-me a dar explicações perante a camara, o paiz e os eleitores que represento, ácerca dos motivos que me determinaram a apresentar e justificar uma moção de ordem, em sentido contrario á do illustre deputado que me precedeu, o sr. Marçal Pacheco.

Este desejo converteu-se para mim n'uma imperiosa necessidade, depois do eloquentissimo e vigoroso discurso do illustre deputado que me precedeu.

Quando ouvi fallar em favoritismos e bizarrias de um accordo, como causas determinantes de um requerimento que está em discussão, entendi do meu dever de honra declarar perante esta camara que eu não tinha a menor parte em taes accordos e favoritismos, se é que existiram.

A minha situação n'este logar não é a de um homem politico e partidario militante.

E, na verdade, não me sinto com pronunciada vocação para esta vida. Fallo exclusivamente em nome da minha consciencia perante o paiz e a representação nacional.

Tambem não sou um partidario militante, pois declaro positivamente que não tenho a distincta honra de pertencer a qualquer dos partidos militantes, representados n'esta camara, porque a minha insignificancia pessoal seria uma inutilidade ou um embaraço para esses partidos.

Quando, ha poucos dias, ouvi n'esta camara um eloquentissimo e vehemente discurso ao presidente do conselho de ministros, ácerca dos tumultos do Porto, applaudi para mim, e não podia deixar de applaudir com todo o enthusiasmo de um animo que tem crenças, uma grande verdade, tão convicta e auctorisadamente proferida «que o respeito á auctoridade e á lei era o principio, a base, a segurança e a vida de todos os partidos».

S. exa. affirmou, ainda com a mesma verdade, que, se porventura se ensinasse em propaganda a falta de respeito á auctoridade e á lei, e se essa quasi insubordinação se ía alastrando a todas as camadas sociaes, resultaria uma crise melindrosa, na qual eram interessados todos os partidos, porque todos elles haviam de succumbir perante a insubordinação e desconhecimento do principio da auctoridade.

Applaudi todas estas affirmações, porque, de ha muito, professo, ensino e creio profundamente n'estas verdades.

Pois bem, é n'este principio que me baseio para justificar n'este momento os fundamentos da minha moção.

Para mim, sr. presidente, o respeito á lei o ao principio da auctoridade poderá evitar as consequencias d'esse movimento de insubordinação, que mais tarde, nos seus desenvolvimentos, podo occasionar a revolução que destroe o não edifica. (Apoiados).

Eu quero a revolução que edifica, para evitar a outra que antes dos resultados benéficos, é sempre prejudicial para todos. (Vozes: - Muito bem.)

Parece-me que antes da intervenção da espada e da metralha, deverá empregar-se o exemplo da obediencia ás leis, que deve partir de bem alto, das primeiras regiões do poder. (Apoiados.)

Está provado que o exemplo n'este sentido segue uma corrente descendente, a partir das altas regiões do estado até ás ultimas camadas sociaes. (Apoiados.)

Meditando eu no alcance d'este principio social, e com respeito á hypothese que se discute, interrogava a propria consciencia, dizendo - porque é que o exemplo não póde partir da representação nacional: (Apoiados.) Este exemplo, dado por um dos mais altos poderes do estado, necessariamente ha de ser respeitado; e se o não for, a espada e a metralha, que representam a lei, farão o seu dever, porque eu entendo que a estes meios se póde e deve recorrer quando as circumstancias da ordem publica o exigirem.

Todos os partidos de ordem têem adoptado este preceito social.

N'este presupposto, convencido eu que o assumpto que se discute não póde considerar se como uma questão politica, (Apoiados.) porque não é de interesse exclusivo de um partido, mas evidentemente de ordem publica e de interesse geral, (Apoiados.) entendi que podia tambem emittir o meu voto sem prejuizo para qualquer situação partidaria.

Não vejo n'este ponto republicanos ou monarchicos, progressistas ou regeneradores.

Disseram-me que era republicano o illustre deputado que primeiro levantou esta questão; mas quando eu o vi subir áquella tribuna, não vi em s. exa. um partidario, vi apenas um digno membro d'esta camara pugnando por um direito que lhe assiste, como a todos, garantido pela lei.

Quando, ultimamente, presenciei a apresentação do requerimento que se discute, tambem não vi no illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, um representante do partido progressista; vi apenas outro membro d'esta casa, usando do direito que a lei lhe confere (Vozes: - Muito bem.)

E até, quando s. exa., muito cavalheiramente, declarou perante o parlamento que aquelle requerimento não significava uma approximação partidaria ou hostil ao governo, julguei que, para mim e para todos, se tornava desnecessaria esta declaração. (Apoiados.)

Quando se faz uma petição, como áquella, em nome da

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lei, ninguem tem o direito de a averbar de suspeita, como uma exigencia partidaria.

A este respeito devo declarar que não são para mim suspeitas as opiniões manifestadas pelo respeitavel presidente d'esta camara e os dignos oradores da maioria que tive a honra de ouvir.

Respeito essas opiniões, mas sem prejuizo do direito de as discutir e apreciar.

A este respeito peço licença para me afastar um pouco de umas apprehensões que o illustre e talentoso deputado progressista, o sr. Eduardo Coelho, manifestou em o notavel discurso que proferiu na sessão passada, e que eu segui com a attenção que demandava a sua grande proficiencia.

S. exa. viu já como certa a resolução da maioria sobre esta questão. Eu não tenho elementos certos, e nem me julgo com o direito de prescrutar o que vae na consciencia dos dignos deputados da maioria.

Vejo que discutem, o que é já uma lealdade. Resolverão como entenderem em suas consciencias, porque é um direito que lhes assiste, mas igual para todos nós.

Respeito, portanto, todas as convicções, reservando-me o direito de discutir, e foi em nome d'esse direito que pedi a palavra para apresentar a minha moção de ordem.

Entremos no ponto da questão, pois nem desejo abusar da benevolencia d'esta assembléa, e nem quero incorrer no desagrado do meu nobre amigo o sr. Pereira Leite, o qual, no seu ultimo discurso, respondendo calorosamente
ao sr. Eduardo Coelho, mostrou desejos! E que nos restringissemos ao ponto questionado.

O ponto que se ventila, é a applicação do artigo 11.° da lei de 21 de maio de 1884, á eleição da Madeira, o a opportunidade da apresentação do requerimento respectivo.

Este artigo 11.°, para mim, estabelece clara e terminantemente um direito e uma garantia, sem distincção partidaria, para todos os que têem assento n'esta camara.

Resta averiguar, se, na hypothese sujeita, se verificam as condições de facto necessarias para ter logar a excepção estabelecida na segunda parte d'aquelle artigo, a competencia geral d'esta camara, para discutir e votar as eleições contestadas.

N'este sentido, parece-me poder affirmar-se com segurança, que o artigo 11.° é applicavel á hypothese de que se trata.

Eu, sr. presidente, tributando por indole respeito á lei e á auctoridade, devo dizer, que esta veneração não vae até ao fanatismo cego e inconsciente, porque nem sempre a lei é a expressão da justiça. E se, porventura, fosse esta a occasião opportuna para discutir e votar a reforma do artigo 11.°, declaro terminantemente, que acceitaria como minhas, todas as observações dos illustres deputados os srs. Pereira Leite e Marçal Pacheco, quando ruidosamente se insurgiram contra a sua conveniencia e perigos praticos.

Vou mais longe.

Creio que este artigo 11.°, salvo o respeito a todos os que têem a responsabilidade da sua vigencia, é alem de uma enorme inconveniencia politica, um dos maiores attentados á soberania, competencia e decoro d'esta camara, e conjunctamente uma flagrante violação do artigo 10.° do pacto fundamental, que considera a divisão dos poderes politicos a garantia e principio conservador dos direitos dos cidadãos.

Decretou-se solemnemente um voto de desconfiança á camara dos deputados, recorrendo ao poder judicial.

Mas o poder judicial tem outra missão e para ella uma direcção muito caracteristica.

Querem que o remanso da paz e da tranquillidade dos espiritos do poder judicial vá ser perturbado pelo rumor das tempestades politicas?!

Este poder deixaria de ser então uma garantia, para se converter em um grande perigo.

Mas ha mais.

O supremo tribunal de justiça, que tem competencia especial para julgar sobre termos e formalidades de processo, não é praticamente o mais proprio para julgar sobre processos eleitoraes, affectados sempre de pequenas faltas e irregularidades, filhas, umas da agitação momentanea dos espiritos, outras da menos competencia dos que figuram na sua elaboração.

Só a própria representação nacional póde julgar, ex bono et aequo, de plano e pela verdade sabida, em materias d'esta ordem.

Os nobres deputados, os srs. Eduardo Coelho, Pereira Leite e visconde de Rio Sado, fizeram applicação, em suas demonstrações de formas analogicas do processo judicial, em que são competentissimos.

Mas peço licença para não concordar em tal expediente, pois cabem aqui melhor as formulas dos processos equitativos, do que o rigor das fórmas fataes dos processos judiciaes, com excepção do commercial, e nas quaes o juiz representa sempre um papel de passividade.

Os abusos de um poder não justificam a eliminação do orgão e competencia que o tornam effectivo.

Ninguem se lembrou ainda de commetter ao poder legislativo funcções do poder judicial, porque alguns abusos se têem commettido no seu exercicio.

Votaria, pois, contra o artigo 11.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884, se agora fosse a occasião propria para o discutir e reformar.

Para mim o artigo 11.° é a lei vigente d'este paiz, e como tal devo cumpril-o e acatal-o.

Se tem de ser suspenso, interpretado ou revogado, ha de sel-o pela fórma legal, o que não pertence exclusivamente á camara dos deputados; mas sim a esta camara conjunctamente com a dos dignos pares.

Querer agora adoptar uma interpretação favoravel e arbitraria d'este artigo para servir de norma aos actos d'esta camara, é, creio eu, uma violação do § 6.° do artigo 15.° do pacto fundamental, que diz que é de atribuição exclusiva das cortes fazer leis, interpretal-as, suspendel-ds e revogal-as.

O artigo 11.° é lei do paiz, lei má, pessima, se quizerem; mas ha de cumprir-se, emquanto não for alterada pelos meios regulares.

No desempenho dos deveres do meu cargo tenho sempre cumprido este preceito, e hei de continuar a cumpril-o até onde as minhas fracas forças o permittirem.

Mas a questão é outra.

Será applicavel o preceito legal do artigo 11.°, em vista da opportunidade na apresentação do requerimento, que faz o objecto d'esta questão previa?

Não ha duvida que se verificam as condições para a hypothese de que trata o artigo 11.° Existem protestos nas assembléas primarias o de apuramento. Ha quinze deputados que requerem que o processo vá ao tribunal judicial, e por consequencia tem logar a applicação do artigo 11.º A disposição d'esse artigo não deixa facultativa a remessa do processo ao tribunal, e antes pelo contrario diz, que será julgado por esse tribunal logo que quinze deputados o requeiram e se verifique a existencia de protestas. É um preceito imperativo. É uma faculdade emquanto quinze deputados poderá ou não requerer; mas desde que requerem, não e uma simples faculdade para a camara, é um dever legal. Será uma delegação, mas forçada.

Vejamos se o requerimento foi opportunamente apresentado.

Tenho seguido este debate com toda a attenção, porque, desde logo, reconheci a muita gravidade e melindre da sua solução.

O primeiro orador que pediu a palavra sobre este debate, o sr. Consiglieri Pedroso, disse, repetiu e accentuou bem, que não vinha discutir a eleição da Madeira, mas justificar os fundamentos que tinha para requerer, que

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ella fosse ao tribunal competente. Esta declaração orientou o meu espirito na sequencia dos debates.

Quando o illustre deputado o sr. Teixeira de Vasconcellos se levantou em seguida n'esta casa para responder ao sr. Consiglieri Pedroso, praticou um acto naturalissimo, porque era de defeza quasi pessoal. E quem ouvisse a este illustre deputado sustentar com todo o seu talento e enthusiasmo o parecer da commissão, dizia que estava em discussão a eleição do circulo do Funchal. Pois não pensei eu assim.

O sr. Teixeira de Vasconcellos, como tinha havido uma aggressão até quasi pessoal por parte do sr. Consiglieri Pedroso, tratou de se defender, como era do seu dever. Mas isto não significa que a eleição estivesse em discussão. O debate, para mim continuou como questão previa, e considero-a ainda no mesmo pé.

O sr. Marçal Pacheco: - O que se tem dado para ordem do dia é a eleição da Madeira.

O Orador: - Para mim o primeiro criterio da minha consciencia, são a lei e os factos, como se passaram, e que estou narrando.

Se o digno presidente d'esta camara imprimiu essa direcção ao debate, sou obrigado a respeitar a sua opinião, mas sem prejuizo do direito de a discutir.

É o que estou fazendo, e o que v. exa. acaba de fazer proferindo um notavel discurso.

O sr. Consiglieri Pedroso que foi quem abriu o debate declarou terminantemente que não vinha discutir a eleição da Madeira.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado.

O Orador: - Portanto, não póde a discussão que tem havido considerar-se como discussão sobre a eleição e sim só como questão previa.

Mas vamos ao ponto principal que é a questão de interpretação e opportunidade e que foi aquella de que o illustre deputado o sr. Marçal Pacheco mais particularmente se occupou. Diz s. exa. que, desde o momento em que se apresenta o parecer, desde o momento em que elle entra em discussão, não póde admittir-se o requerimento para a remessa ao tribunal judicial.

Senti que s. exa. apresentasse uma restricção a um direito estabelecido na lei, em materia de prasos fataes, sem apontar logo a lei em que se funda expressamente.

Não ha lei nenhuma que restrinja o praso da apresentação do requerimento em questão até á votação dos pareceres. (Apoiados.)

E n'esta questão, a camara, ainda que principiasse a discussão da eleição, não deliberou definitivamente, e deve admittir a chamada excepção de incompetencia, cuja materia póde ser descoberta até supervenientemente no correr da discussão.

Mas eu creio que o sr. Marçal Pacheco tem um meio legal de resolver todas as duvidas ácerca da applicação e interpretação á hypothese em questão.

Eu vejo no artigo 145.° § 1.° do regimento d'esta camara o meio legal de deferir ao requerimento. Ahi se diz, que em qualquer estado da discussão se póde suscitar uma questão previa, que será discutida e resolvida antes da questão principal. E questão previa dá-se sempre que se proponha, que a camara por qualquer motivo não póde deliberar sobre a materia que se discute, sendo apoiada a proposta por cinco deputados.

(Leu.)

Porque é, pois, que o requerimento com a assignatura de quinze deputados não ha de considerar-se ao abrigo d'este artigo do regimento, para não ser excluido d'essa votação como questão previa e opportunamente apresentado?

Supponhamos que não havia o artigo 145.° e que não podia considerar-se tudo isto como uma questão prévia, quer v. exa. saber quaes são os principios do meu bom senso, criterio a que tanto se acostou o nobre orador que me precedeu?

Ainda que não houvesse lei expressa sobre este ponto, eu creio que não ficava mal a esta camara, antes pelo contrario se exaltava, mostrando perante o paiz que a representação nacional não se prende ás fórmas quando se trata de garantir direitos e dar amplitude aos recursos e garantias legaes.

Até era aqui bem cabida uma dispensa do regimento.

Disse eu, e repito, que não pertenço a partido algum politico, e estou convencido de que a exposição dos meus principios não prejudica a situação de partido algum. Não auxilio os fracos numericamente, nem hostiliso os fortes.

A minha questão é de ordem publica e de respeito á lei e á auctoridade, e debaixo d'este ponto de vista devo dizer que a minha convicção é que este requerimento foi opportunamente apresentado e contém materia legal.

Devo declarar mais que estou auctorisado por alguns collegas e amigos meus, que me acompanham n'esta camara, que a sua votação será em sentido favoravel ao requerimento, e tambem sem intuitos nem feição partidaria, porque é constituido por um grupo de homens inoffensivos, os quaes, por emquanto, trazem inscripta na sua bandeira, a simples legenda: Amor ao seu paiz, justiça a todos, consciencia e legalidade dos seus actos.

Tenho dito.

(O orador foi comprimentado.)

Leu-se na mesa a moção, e é a seguinte:

Moção de ordem

A camara, em vista do disposto no artigo 145.º do regimento, entende que o requerimento assignado pelos quinze deputados, para que a eleição do Funchal vá ao tribunal competente, foi opportunamente apresentado, e deve seguir seus termos, e passa á ordem do dia. = Avelino Callixto.

Foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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