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SESSÃO DE 10 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

Presentes á chamada 66 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Namorado, Ferreira Freire, Pereira Rodrigues, Pinto Basto, Julio Vilhena, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Marçal Pacheco, Miguel Coutinho (D.), Pedro Correia, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Braamcamp, Antunes Guerreiro, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Palma, J. Perdigão, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, José Luciano, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Nogueira, Mexia Salema, Alves Passos, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Franco, Placido de Abreu, Ricardo Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

O sr. Presidente: — Meus senhores! Está na mesa a participação de que hontem pelas duas horas e meia da tarde falleceu Sua Magestade El-Rei de Italia Victor Manuel, Pae da nossa excelsa e virtuosa Rainha a Senhora D. Maria Pia de Saboia. (Sensação na camara). Unidas por tão estreitos laços de parentesco e amisade, as duas familias reinantes de Portugal e Italia, não póde o nosso paiz deixar de tomar parte no luto que tão duramente pesa sobre a Familia Real, a quem todos devemos o mais profundo respeito e sympathias.

Muitos apoiados.

As apreciáveis qualidades que tanto distinguiram El-Rei Victor Manuel, já como soldado valente, já como habilissimo estadista e politico que tornou livre e independente toda a Italia (repetidos apoiados), e alem d'isto a origem commum das duas nações amigas, fazem que n’este momento lamentemos todos tão grande perda.

Muitos apoiados.

Parece-me que interpreto fielmente os sentimentos da camara, propondo:

1.° Que se lance na acta d'esta sessão um voto de profundo sentimento pela infausta morte de Sua Magestade El-Rei de Italia Victor Manuel.

Geraes applausos.

2.° Que a camara, em demonstração de sentimento por tão dolorosa perda, suspenda as suas sessões por tres dias.

Apoiados.

3.° Que uma grande deputação, á qual poderão aggregar-se todos os srs. deputados que assim o desejarem, vá dar os devidos pezames a Sua Magestade El-Rei D. Luiz, a Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, e a toda a Familia Real, logo que seja prevenida do dia em que Suas Magestades se dignarem recebel-a.

Muitos apoiados.

Vozes: — Muito bem.

Estas propostas foram approvadas unanimemente, por acclamação.

O sr. Thomás Ribeiro: — Esperei que alguem, depois de v. ex.ª e antes de mim, alguem, cuja voz fosse mais auctorisada que a minha, se levantasse no parlamento portuguez para lamentar uma grande perda, a morte de um grande rei que, embora estranho, se estranho se póde considerar ao nosso paiz, não deixa de ser uma perda universal, e universalmente sentida, e motivo de um luto especial para nós.

Têem passado por diante de mim grandes tristezas, grandes commoções pungitivas pelo decesso de grandes homens; raro a minha voz se levantou para commemorar estes funebres acontecimentos.

Certamente não é porque no meu coração se não repercutam as tristezas que cobrem de luto uma familia, um individuo, uma nação; é porque a minha voz não tem, na hora da desgraça, as modulações da saudade; é porque a dor que a muitos inspira e concede lamentos, que são consoladores, nega-me, quasi sempre a mim, o dom celeste das lagrimas.

Porém, sr. presidente, ha acontecimentos tão imprevistos e tão profundamente dolorosos, que, na phrase antiga portugueza, podia bem dizer-se: «Dão voz aos mudos e prantos aos troncos e aos rochedos».

Caiu prostrado um grande homem (apoiados); caiu prostrado, e quando menos se esperava, um grande rei, um grande cidadão.

Apoiados.

Este acontecimento parece-se com os cataclysmos da natureza! O raio desceu, fulminou um gigante e allumiou a triste scena com os seus sinistros clarões!

Vozes: — Muito bem.

A Italia perdeu o seu rei, que, ao mesmo tempo, era o seu pae, o seu protector, o seu creador, o seu mantenedor.

Apoiados.

A cavallaria, o que ha de mais alevantado e mais epico no que se chama — os brios militares — perdeu um dos seus primeiros soldados.

O povo, o mundo, a humanidade perdeu um dos seus mais prestantes, mais laboriosos e mais honestos cidadãos.

Muitos apoiados.

O partido liberal, não d'este ou d'aquelle paiz, mas o grande partido liberal que cobre a superficie da terra, perdeu n'aquelle rei um dos seus mais convictos e mais leaes partidarios.

Muitos apoiados.

Está, pois, de luto a Italia, a liberdade, a gloria, a humanidade, o mundo!

Muitos apoiados.

Vozes: — Muito bem.

A nós, portuguezes, cabe especialmente este luto, per-

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tence-nos como um dever, pertence-nos como um direito, e d'elle temos vaidade.

O rei da Italia deu-nos para rainha a sua filha dilecta, que é o orgulho do throno portuguez, que é a mãe de todos os nossos infelizes! E por isso as dores da rainha de Portugal, as suas magnas são, tem sido e serão sempre as nossas dores, as nossas magnas, o nosso martyrio mais profundo.

Muitos apoiados.

Sr. presidente, n’esta hora funebre não lamento o grande que morreu, chóro os tristes que ficaram; para elle, para o operario intemerato, para o obreiro sem descanso, acabou n’este momento a fadiga, e começa a apotheose da gloria!

Vozes: — Muito bem.

Caiu fulminado e esmagado ao pé dos seus trabalhos titanicos!

Vozes: — Muito bem.

A tarefa não ficaria acabada, mas a epopéa estava completa.

Começou no brilhante soldado de Novara, acabou no rei da Italia, que conseguira assentar o seu throno na antiga capital do mundo.

Um só voto n'este momento solemne, e conto para elle com todos os que estão n’este recinto, porque n’esta hora não ha de certo aqui mais que um coração e um sentimento.

Apoiados geraes.

Deus, em premio das suas virtudes, que foram muitas e grandes, cubra de bençãos a sua descendencia, e encha de felicidades sem fim a sua querida Italia, a nossa querida irmã.

Muitos apoiados.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado pelos srs. deputados de todos os lados da camara.)

O sr. Luiz de Campos: — Em má hora pedi eu a palavra, sr. presidente. Se ha sempre muito a esperar do verbo fluente, poetico e apaixonado do illustre deputado que me precedeu, não é menos certo que excedeu elle a minha espectativa, e nada, ou quasi nada, me deixou para acrescentar ao seu sentidíssimo discurso. A elle me associo, como todos nos associâmos á profunda dôr que vae nos paços reaes.

Apoiados.

Rei estranho chamou o illustre orador a Victor Manuel; assim é; mas consinta-me o meu collega que, como nacional, eu considere o principe que tão estreitamente anda ligado aos destinos da nossa patria. Se querem remontar aos tempos afastados em que a nobilissima casa de Saboia deu á corôa portugueza algumas das suas virtuosas princezas, basta considerar os modernos, para ver que o heroe, por nós pranteado, é nosso pelo passado, pelo presente e pelo futuro.

Seu pae, Carlos Alberto, dorme entre nós o seu ultimo somno. Como pae d'aquelle que era já a estrella fulgente a esclarecer os horisontes futuros da unificação e das liberdades italianas, rendia a Deus a alma no Porto, n'esse baluarte onde se mantiveram as liberdades portuguezas, e d'onde saíram os heroes que as implantaram para sempre entre nós.

Apoiados.

Pelo presente, dando-nos, como nos deu, a virtuosa princeza, que é nossa Rainha. (Muitos applausos.) Aquella que, ao esposar o Rei de Portugal, esposava de alma e coração a nova patria, e se fazia mãe de todos os orphãos, consoladora de todas as angustias, protectora de todos os infelizes. (Applausos.) A historia dirá um dia das suas virtudes, que não é durante a vida que ellas se contam, e pareceria adulação, o que outra cousa não é mais que a confissão espontanea dos nossos gratos corações.

Applausos.

Pelo futuro, nos dois penhores que ahi temos, enlevo de seus paes e enlevo nosso: representantes de duas trindades caras a todos nós: D. Maria Pia, Victor Manuel e Carlos Alberto — D. Luiz I, D. Maria da Gloria e D. Pedro IV.

Com taes progenitores, aquelle que Deus guarda para ser um dia nosso Rei, dá-nos a consoladora esperança que ha de imitar-lhes as virtudes; e Deus afaste o funebre dia em que a patria haja de sentir a dôr profunda que actualmente enluta a nossa irmã.

Applausos.

A Italia acaba de perder um grande rei, um habilissimo politico, um bravo soldado e um fervoroso liberal! Associe-mo-nos á sua pungentissima dôr.

Applausos.

Proponho que ao parlamento italiano seja communicado o sentimento profundo e doloroso, com que a camara dos deputados da nação portugueza recebeu a noticia do fallecimento de Sua Magestade El-Rei Victor Manuel II.

Muitos applausos.

O sr. Presidente: — Os desejos que o illustre deputado acaba de manifestar hão de ser plenamente satisfeitos.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Em nome do partido liberal, do grande partido liberal, que é não só a immensa força das sociedades modernas, mas tambem a ardente esperança do futuro; em nome dos principios democraticos que represento, e são, para a humanidade, os laços da confraternidade universal e commum solidariedade, assim nas grandes angustias, como nas grandes alegrias, nas dores lancinantes, como nos jubilos festivos, associo-me ás propostas que v. ex.ª fez, associo-me ás eloquentissimas palavras do sr. Thomás Ribeiro, associo-me ás expressões igualmente eloquentes pronunciadas pelo sr. Luiz de Campos.

É necessario, sr. presidente, que em Victor Manuel não vejamos sómente o representante de uma das casas mais illustres da Europa, d'essa casa de Saboia, que é a heroicidade transmittida através dos seculos, que na boa como na adversa fortuna, ameaçada, ora pelo sacro imperio, ora pela monarchia franceza, soube sempre manter a honra do seu atrevido balsão, sem nunca esquecer a sua missão historica na Italia, dês que dos Alpes baixou ao Piemonte e veiu beijar em Genova, a cidade dos palacios, as vagas sonoras do Mediterraneo; d'essa familia secular, que, pelo vigor e pela energia, conseguiu por fim alar-se ás mais elevadas alturas, consociando, na mesma aspiração, no mesmo ideal, no mesmo anceio, os seus destinos com os da bella Italia, esmagada pelo sapato ferreo dos conquistadores, que vinham, á fronte das suas hostes barbaras, derimir os seus pleitos e as suas contendas n'esse immenso amphytheatro das nações. (Muitos apoiados.) A bella Italia, sim, que perdeu a sua independencia; quando as florescentes republicas da meia idade a perderam, quando a renascensa transformou o ideal da politica pelo ideal da arte; quando, emfim, as ambições dos dynastas ligadas á soffreguidão dos papas a tornaram o joguete da diplomacia. Era essa a Italia de ha trinta annos, quão diversa da Italia de hoje, que na sua assombrosa unidade symbolisa um dos maiores factos da historia, e corresponde, em maravilhoso concerto, ao viver e ao crer do nosso seculo!

Apoiados.

Altos e insondaveis mysterios da evolução humana, aos quaes se prende o nome d'esse homem illustre, cuja morte pranteâmos e sobre cuja campa vimos, piedosos romeiros do progresso, esfolhar as flores da nossa saudade!

Sr. presidente, é este o facto, ou antes é esta a epopéa. Para comprehender Victor Manuel no seu triplice aspecto de rei, de soldado e de estadista, é necessario fazer a historia da regeneração e da unidade, da Italia, historia dramatica, cheia de episodios que Dante, o sombrio Gibelino, houvera entresachado na sua Divina Comedia.

Definir Victor Manuel, o collaborador de Cavour, é postergar os direitos da historia, é attentar contra as regalias da epopéa, qual nós a comprehendemos, que é a apotheose

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de um povo e não a de um heroe, a idolatria de uma idéa e não de uma familia.

Muitos apoiados.

Saudemos, pois, o grande extincto, saudemol-o no tumulo, como em vida o saudámos, em nome da democracia e da revolução triumphantes no solio.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Sr. presidente, nos proprios acontecimentos existia como que uma predestinação a favor da casa de Saboia, que havia de transformar-se no lábaro sacrosanto da redempção italiana. E Victor Manuel foi um dos sublimes predestinados, assim como seu pae, o rei Carlos Alberto, foi um dos illustres precursores. Folheando a historia, vê-se que havia como que uma consagração anterior e superior aos acontecimentos.

A historia é de hoje. E nós, os homens d'esta geração, nós, os ephemeros de um dia, podemos relembral-a.

Os acontecimentos, que ha bem poucos annos se atropellavam, estão na memoria de todos.

Qual de nós, até o mais juvenil dos que têem assento n'esta casa, não se lembra ainda d'essa pobre Italia, impulsada ou pela reacção, ou pela anarchia; d'essa terra retalhada não só pelas invasões dos estrangeiros, mas tambem pelo tripudiar infrene das paixões que ali se digladiavam? Terra dos tumulos lhe chamavam, sem se lembrarem que d'esses tumulos, cantados por um dos seus inspirados poetas, irrompia a esperança e a immortalidade!

Apoiados.

Era a Italia, como disse o príncipe de Metternich, n'um excesso immenso do seu orgulho que era o dos Hapsburgs, uma simples expressão geographica; era a Italia, permitta-se-me a phrase, a cortezã, sempre com os braços abertos para receber as caricias dos seus amantes. Era a Italia despedaçada, ensanguentada, manietada e algemada. Era a Italia, a quem Alfieri dizia:

«Siam servi, si, mà servi ognor frementi»

Era a Italia que só com gemidos podia responder a Manzoni, quando o grande poeta lombardo lhe dizia no Conte di Carmagnola:

«D'una terra son tutti, un linguaggio

Parlan tutti...»

E esse gemido era o de Silvio Pellico no encerro do Spielberg. Era, emfim, a Italia dos martyres, ferida de morte em Novara. Mas não. Foi no meio d'essa catastrophe immensa, por entre a fumarada da peleja, que raiou o primeiro lampejo da aurora redemptora. Foi ali que todos aprenderam. Foi na jornada da Novara que a Italia inteira recebeu o commum baptismo da desgraça e apertou os vinculos que haviam de sellar a sua unidade.

Muitos apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O grande perigo da Italia era a demagogia.

Morta a demagogia, renascia a Italia; em Novara quem morreu foi a demagogia.

Apoiados.

E Victor Manuel, por felicidade d'elle, perante os agradecimentos da historia e perante os louvores dos seus contemporaneos, foi o symbolo vivo da redempção d'essa nobre terra, transformando o que eram minas n'um solido edificio, que já desafia os seculos e ha de durar como a liberdade de que é pantheon.

Apoiados.

Depois de Novara, quando os rotos esquadrões jaziam dispersos no campo de batalha, quando os exercitos da Áustria occupavam militarmente o Piemonte, e quando o marechal Radetzky, executor implacavel de uma idéa mais implacavel ainda, batia ás portas de Turim e exigia o resgate da patria, d'essa patria que quasi não existia; n'essa occasião decisiva, n'esse momento unico na historia, houve um homem, um mancebo, que não desesperou; esse mancebo já crestado pelo sol das batalhas, era Victor Manuel, o soldado de Goito e de Peschiera.

Elle, abrigando no seu peito patriotico todas as esperanças da patria, pensou, n'um deslumbramento sublime, n'uma presciencia prophetica, que era necessario, por um lado, matar a anarchia e a demagogia, associando-as á obra da salvação commum; e, por outro lado, que era igualmente necessario exterminar a deleteria influencia da reacção. Era necessario salvar a Italia pela liberdade e para a liberdade.

O Piemonte, que já symbolisava as esperanças da patria commum, via-se esmagado pelas invasões dos exercitos austriacos e ameaçado pela reacção religiosa e pela conspiração clerical contra as aspirações liberaes; então, como agora, o clericalismo não se esquecia um momento da sua obra de trevas e destruição.

Salvar a Italia, depois de Novara, quando a republica franceza, com um Napoleão á sua frente, ia combater a republica de Roma! Quando Veneza vindicava, com uma resistência assombrosa, o seu longo captiveiro, e sobredourava com novas glorias o seu glorioso passado!

Fazer a unidade italiana, realisar esse sonho secular, o sonho de tantos martyres, invocar os manes de Giordanno Bruno, d’Arnaldo di Brescia, do Alighieri, de Savonnarola e Campanella, e ligar estas recordações, que saíam do tumulo, com as aspirações de um Gioberti, de um Poerio, de um Montanelli, de um Mazzini, que saíam do exilio! Como?! Eis o drama, eis a historia.

Applausos geraes.

Vozes: — Muito bem.

Começa então a obra do patriotismo esclarecido, sciente e consciente, a obra de Victor Manuel e de Cavour. A revolução ía transformar-se em redempção.

Apoiados.

A primeira difficuldade estava no Piemonte, cujo espirito publico era mister educar para o regimen constitucional.

O Piemonte tinha sido, por largo trecho, dominio do jesuitismo.

É preciso não esquecer, que Carlos Alberto, a quem o meu collega, o sr. Luiz de Campos, se referiu, homem sinceramente liberal, e, ao mesmo tempo, espirito profundamente religioso, foi accusado, na sua mocidade, de carbonaro, por seu proprio tio, que o obrigou a rasgar todas as suas idéas liberaes, a fazer penitencia publica dos seus erros e a envergar, não só a roupeta dos jesuitas, mas a farda de voluntario no exercito do duque de Angoulême, que em 1822 transpoz os Pyrinéus para estrangular na Hespanha a liberdade, que as gargalheiras da Santa Alliança já tinham asphyxiado no resto da Europa.

Apoiados.

É preciso saber tudo isto, para se avaliar a terrivel situação em que Victor Manuel se encontrou após o desastre de Novara, para se medir os prodigios que se realisaram, em tão pouco tempo, pelo esforço unico da liberdade e da democracia.

Apoiados.

Sr. Presidente, na Italia ha dois flagellos mortaes — as erupções do Vesuvio e a mall’aria da campina romana.

O Vesuvio era a demagogia rugidora, e a mall’aria era a peste do jesuitismo.

Applausos geraes.

Depois do cerco de Veneza, um dos acontecimentos mais assombrosos do seculo, em que um advogado, Daniel Manin, buscando força unicamente no seu patriotismo, foi capaz de deter os exercitos da santa alliança dos réis contra a santa alliança dos povos; depois d'esse glorioso feito houve uma recrudescencia de demagogia e de clericalismo, e por isso mesmo foi mais frisante e eloquente o contraste entre a situação revolta da Italia inteira e a evolução pacifica e constitucional do Piemonte, cujo rei, cercado dos seus ministros, governava com o parlamento e realisava, porven-

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tura com maior brilho, as praticas parlamentares da Inglaterra.

Apoiados.

Vozes: — Muito bem.

Estupendo milagre da logica, da liberdade e da rasão, cujas consequencias se haviam de manifestar brevemente em esplendidos fructos, quando na Criméa os vencidos do Novara se cobriam de gloria guiados por La Marmora, um illustre morto tambem (apoiados); quando no congresso de París o conde de Cavour soltava esta phrase retumbante a questão da Italia, face a face com o representante da Austria, e coberto de applausos pela Inglaterra, pela França e pela propria Russia.

Vozes: — Muito bem.

As scintillações dos sonhos febricitantes transformaram-se breve em estrellas propicias, que, como o astro biblico, conduziram e guiaram a Italia no caminho resplandecente da sua unidade.

Applausos geraes.

E não se julgue, sr. presidente, que Victor Manuel obedecia apenas ao movimento, como materia inerte. Não. O rei do Piemonte, modelo perfeitissimo de reis constitucionaes, sabia imprimir pelas suas mãos o movimento, e era o digno emulo do conde de Cavour, o seu collaborador e companheiro. Entre aquelles dois cerebros havia convivio intimo. (Apoiados.) Quereis sabel-o, srs. deputados? Ouvi. Formou-se o primeiro ministerio liberal depois de Novara, presidido, creio, pelo illustre e benemerito marquez Massimo d'Azeglio, que procedeu ás eleições immediatamente e reuniu o parlamento.

Passados dois annos, Victor Manuel chamou o conde de Cavour, esse homem que por si só é a epopéa do patriotismo na sua maior elevação. (Apoiados.) Esse homem que se não define, porque ninguem define o immenso, o absoluto, o grandioso; esse homem por quem chora, não só a Italia, mas a humanidade, emquanto a humanidade souber respeitar a sua divina essencia.

Muitos apoiados.

Cavour era um revolucionario, e a sua entrada nos negocios o mesmo foi que abrirem-se os diques, que continham em enorme reservatorio, todas as conquistas moraes e materiaes do seculo XIX. O marquez Massimo d’Azeglio recuou espavorido frente a frente com aquella actividade devoradora, que construia caminhos de ferro quando no erario não havia um ceitil para solver o resgate da patria. D'Azeglio um dia procurou Victor Manuel, demittiu-se de ministro, porque não queria acceitar as tremendas responsabilidades de Cavour, o louco sublime.

Victor Manuel fitou D'Azeglio, com aquelle olhar profundo, perspicaz e bom, e redarguiu: «Eu entendo-me com Cavour». E sorriu.

Queria dizer: eu comprehendo-o, eu estou á altura da sua obra, reconheço as suas concepções, julgo-me com força bastante robusta, com intelligencia bastante elevada, para acompanhar aquelle genio nos seus vôos altaneiros. N'isto está o elogio de um e outro. (Apoiados). É que um e outro tinham o braço dos fortes e a intelligencia dos eleitos...

Vozes: — Muito bem.

Porque, não o esqueçamos, na obra da redempção italiana, no conjuncto dos esforços que se empregaram e em que se manifestou a expressão do sacrificio levantada á altura mais sublime, houve dois homens que eram as idéas mães, as idéas geratrizes. Esses dois homens, ai de nós! a ambos já os tragou o sepulchro, foram Cavour e Victor Manuel!

Apoiados geraes.

Felizmente que em Caprera ainda se ergue o heroe popular, legendario, como o cedro nas immensas solidões. Apoiados.

Eu não quero fazer a historia da restauração italiana. Não cabe no meu esforço nem n’estes limites.

Bosquejando em rapidissimo trecho aquella aurora, ao mesmo tempo jocunda e tenebrosa; jocunda porque era toda de luz, tenebrosa porque surgiu no meio de ruinas e miserias; bosquejando este quadro, eu só quiz mostrar que Victor Manuel representou no throno a idéa redemptora e revolucionaria. (Apoiados.) O solio italiano foi uma conquista da revolução.

Apoiados.

Eu estou fallando diante de uma assembléa illustrada, que conhece perfeitamente o que em historia se chama a idéa revolucionaria. Não é a idéa anarchica (apoiados), é a idéa da redempção, é aquella idéa que leva os cidadãos livres a proclamar e defender todas as liberdades necessarias e a protestar energicamente contra todas os invasões das velhas e odientas tyrannias.

Apoiados.

Victor Manuel representou a revolução no que ella tem de mais sublime, a democracia no que ella tem de mais grandioso. Victor Manuel era o homem verdadeiramente deste seculo, porque, se por um lado dava a mão a essa serie de illustres guerreiros da casa de Saboia, que derramaram o seu sangue por todos os campos de batalha da Europa, e que, partindo do pobre Castello rouqueiro de Annecy, depois de luctas seculares, conseguiram alongar pela espada e pela diplomacia o seu exiguo patrimonio feudal; por outro lado Victor Manuel era o rei cidadão, era o rei soldado, era o rei de Novara e Solferino, era o esforçado e indomito batalhador, que em Palestro, quando os zuavos francezes o não deixavam subir ao assalto, soltava-se d'elles, e clamava com a voz rouca do enthusiasmo: «Rapazes, ha aqui campo e gloria para todos!»

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Portanto eu saúdo em Victor Manuel a tradição. Eu saúdo igualmente em Victor Manuel um dos symbolos da democracia, da liberdade, da revolução, da realisação d'esse sonho secular, que teve tantos martyres, quanto os grandes pensadores da Italia, que começou em Campanella, soffrendo nas presigangas do santo officio, para acabar hoje, n'este martyr, porque Victor Manuel foi tambem, não só o heroe, mas ainda o martyr da patria.

Sr. presidente, um dia passava o Dante exule junto de um mosteiro. Vinha grave e austero como uma visão fatidica. Viu-o um monge compadecido, que lhe perguntou: O que vaes buscando, bom homem? Pace, respondeu o sombrio asceta. Pois bem. Repouse em paz o grande homem, que tanto lidou pela patria e pela humanidade.

Applausos geraes.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O orador foi comprimentado pelos seus collegas.

O sr. Presidente: — A grande deputação, que ha de levar os pezames a Sua Magestade El-Rei e a Sua Magestade a Rainha, será composta dos seguintes srs.:

Antonio Cardoso Avelino.

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Thomás Ribeiro.

Anselmo José Braamcamp.

José Dias Ferreira.

Luiz de Almeida Coelho de Campos.

Pedro Jacome Correia.

Alberto Osorio de Vasconcellos.

Manuel de Assumpção.

Francisco Van-Zeller.

Augusto de Mello Gouveia.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

Os srs. deputados que quizerem, podem acompanhar a deputação.

A ordem do dia para segunda feira é a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão. Eram tres horas da tarde.

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