O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

34 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

miseria, a convivencia forçada entre malfeitores, o ensino mutuo da maldade, o contagio do odio, o espectaculo constante de homens em que desesperos de soffrimentos e as revoltas do crime suffocam os bons instinctos, transformam aquella habitação de tristezas n'um antro medonho e fatal para todos aquelles a quem a desgraça ali arremessou.
No tempo em que serviam as cadeias apenas de estancias no caminho do cadafalso ou de masmorras para torturas, onde amontoavam os expulsos da sociedade para d'elles tirar só a legal vingança: quando punir era simplesmente castigar, e todas as miserias que formavam o funebre cortejo da pena se julgavam necessarias para inspirar o pavor do castigo; talvez podesse tolerar-se uma prisão nas condições em que se encontra a do Limoeiro.
Hoje, porém, que se procura realisar um fim piedoso e santo, como é o da regeneração do criminoso, ordena a justiça que seja a prisão uma escola de moralidade, onde o turbulento aprenda a respeitar a ordem, onde o vicioso a regrar a vida, o arrebatado a soffrear seus impetos, o criminoso a ter horror do crime.
É indispensavel que os delinquentes encontrem ali exemplos de virtude que os commovam, e consolos da religião que os suavisem; para que lhes desperte a consciencia á voz do dever; o espirito se lhes illumine pela contemplação do bem; o animo se lhes pacifique com os balsamos da esperança, o domados pelo respeito, vencidos pelo direito, remidos pela expiação, possam voltar contrictos ao seio da sociedade, que respeita o homem ainda no criminoso.
Mas como poderá isto alcançar-se n'uma prisão como a do Limoeiro, onde até hoje se não logrou nem manter a ordem nem impedir o crime? Que lições do honestidade e de virtude podem apparecer entre criminosos cujo viver é immoral, licenciosa e torpe a linguagem, fazendo gala do crime e jactancia da desvergonha? Que educação moral ha de encontrar-se onde é livre a embriaguez, quasi constante o jogo, frequentes as desordens, e clara ou occultamente se pratica quanto póde perverter o homem, empanar a consciencia, apagar o brio, asfixiar a honra, atrophiar os bons instinctos?
N'aquella prisão fabrica-se moeda falsa, falsificam-se firmas commerciaes em titulos de credito, angariam-se e adestram-se falsas testemunhas, planeiam-se e combinam-se crimes, recebem se e occultam-se objectos illicitamente adquiridos, andam os presos armados como salteadores no ermo, commettem-se assassinatos, evadem-se os criminosos, e é tal a atmosphera de criminalidade que lá se respira, que poucas noites passadas n'aquelle covil têem sido, por mais de uma vez, bastantes para transformar em grave criminoso o homem honesto que por leve falta fôra detido.
Se abstrahindo, porém, d'estes factos a piedade move a observar o estado material em que se encontram os infelizes reclusos na lobrega cadeia; confrange-se o coração ao deparar com ignoto quadro das maiores miserias. Immunda a casa, infecta, glacial; sem ar, sem luz; os presos agglomerados aos centos em estreitos recintos onde apenas cabem; andrajosos, esquálidos, mal alimentados, dormindo no lagedo das salas ou na lama das enxovias, similham no aspecto, no viver, no soffrimento, os habitantes d'aquella mansão funesta onde acabam todas as esperanças.
A justiça, a moral, a caridade não permittem aguardar a construcção de novas prisões para pôr fim aos horrores do Limoeiro. A proposta que tenho a honra de apresentar á vossa illustrada apreciação é o primeiro passo para alcançar este resultado.
A lei de 1 de julho de 1807 ordenou no artigo 59.° que a prisão preventiva, quer fosse retenção de réus indiciados, quer de sentenciados, mas não definitivamente, seria nas cadeias comarcas com absoluta separação entre os presos; mas no § 2.° do artigo 53.° dispensou a edificação d'essa cadeia nas comarcas que fossem capital de districto. Como, porém, no de Lisboa não ha cadeia districtal, nem a póde haver ainda por algum tempo, forçoso é aproveitar-se provisoriamente a parte disponivel da cadeia geral penitenciaria para os réus sujeitos a prisão preventiva, por crimes a que correspondam penas maiores.
Esses presos, todavia, não podem ficar obrigados ao cumprimento de todas as disposições do regulamento geral da penitenciaria: sujeitos apenas a prisão preventiva, logo que estejam satisfeitas as condições de segurança para que se não evadam á acção da justiça, e adoptadas as providencias necessarias para impedir que se corrompam ou empeiorem ou desesperem com a convivencia e lição de homens perversos ou desmoralisados, devem ser-lhes concedidas todas as franquias compativeis com o seu estado.
Assim ser-lhes-ha permittido receberem as visitas dos seus parentes, amigos, advogados, solicitadores, subordinando apenas esta permissão ás condições de segurança, ordem e respeito que devo haver n'aquella cadeia. Não ficam obrigados ao trabalho imposto aos réus já condemnados; como, porém, o trabalho é um elemento de vida e um poderoso agente para a regeneração do criminoso, ser-lhes-ha permittido o exercicio do trabalho possivel n'aquella casa aos que tiverem arte ou officio que queiram exercitar, facultando-se tambem os meios de o aprenderem aos que nenhum tiverem e quizerem trabalhar.
Poderão sustentar-se á sua custa, mandarão vir os alimentos de fora da cadeia os que tiverem meios para o fazer, finalmente, ser-lhes-hão garantidos todos os direitos e liberdades relativas que lhes reconhece ou concede a lei 1 de julho de 1867.
Tambem não são obrigados na cadeia geral penitenciaria a pagar quantia alguma nem a titulo de salarios de carcereiro nem por a cella em que forem alojados. O imposto lançado sobre a extrema miseria, que na lei do 30 de junho de 1864 apparece com o titulo de salarios do carcereiro, é urgente que desappareça, e eu espero em breve apresentar á vossa approvação uma medida geral n'este sentido.
Proponho tambem augmentar o numero dos guardas na cadeia gerai penitenciaria com mais dez guardas, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª Já o serviço da penitenciaria tom demonstrado que não é sufficiente o numero de guardas auctorisado pela lei de 29 de maio de 1884, e merecendo a vossa approvação a presente proposta é obvia a necessidade de augmentar aquelle numero.
São provisorias as providencias adoptadas na proposta, é indispensavel a construcção das cadeias districtaes; a vossa illustração, porém, ha de reconhecer que uma urgentissima necessidade as determina. Se merecerem, como espero, a vossa approvação, euccessiva e rapidamente terei a honra de apresentar-vos outras propostas destinadas ao mesmo fim, que não descansarei emquanto não lograr arrancar o ultimo desgraçado d'essa casa de horrores, a que chamam Limoeiro.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 12 do janeiro de 1886. = Manuel d'Assumpção.

Proposta de lei

Artigo 1.° Emquanto houver espaço disponivel, sem restringir a admissão de réus para cumprimento das penas de prisão cellular, terá logar na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa a execução do disposto no artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867, com referencia aos réus indiciados ou já condemnados por crimes a que correspondam penas maiores, que forem da comarca do Lisboa ou venham de outras comarcas acompanhando os seus processos ou por motivo de segurança.
Art. 2.° Os réus actualmente retidos na cadeia civil de Lisboa, que estiverem nas condições do artigo antecedente, serão removidos para a cadeia geral penitenciaria.
Art. 3.° Os réus que, em virtude das disposições d'esta lei, forem detidos na cadeia geral penitenciaria, não pagarão ali quantia alguma a titulo de salario de carcereiro.