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SESSÃO DE 12 DE JANEIRO DE 1886
Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota
Secretarios os exmos. srs.:
João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia
SUMMARIO
Deu-se conta dos seguintes officios : 1.° Do ministerio do reino, acompanhando o mappa indicativo dos contratos de valor superior a 5004000 réis realisados por aquelle ministerio no anno de 1885; 2.° Do ministerio da marinha, acompanhando copia do processo instaurado contra Francisco José Diniz, ex-tenente da provincia de Moçambique, copia que fôra pedida pelo sr. Albino Montenegro. - Tiveram segunda leitura : 1.° Uma nota do gr. Pereira Leite, renovando a iniciativa do projecto de lei n.° 10-B de 1878, que tem por fim tornar extensivas aos directores, secretario e mais empregados do instituto industrial e commercial de Lisboa as disposições do artigo 55.° do decreto de 29 de dezembro de 1861, que regula a reforma dos empregados do instituto geral de agricultura 2.° Um projecto de lei do sr. Elias Garcia, regulando a forma a seguir para a formação das commissões de recenseamento eleitoral na cidade de Lisboa; 3.º Um projecto de lei do sr. Consiglieri Pedroso, fixando em nove horas, tanto de verão como de inverno, o dia normal de trabalho para os jornaleiros adultos em todas as cinemas, fabricas e arsenaes do estado. - Apresentaram requerimentos os srs. Consiglieri Pedroso, Alves Matheus, Albino Montenegro, Eduardo José Coelho, Sebastião Centeno, Laranjo e Simões Dias. - Justificaram faltas os srs. Coelho de Carvalho, Barbosa Centeno, Frederico Laranjo, José Borges de Faria, Moraes Machado, Correia de Oliveira, Sousa Machado, Pereira aos Santos e Filippe de Carvalho. - Trocaram-se explicações ácerca de negocios do ultramar e outros entre os srs. Elvino de Brito, Ferreira, de Almeida, Vicente Pinheiro e ministro da marinha. - Apresenta o sr. ministro da justiça uma proposta para que na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa tenha execução o disposto no artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867, com referencia aos réus indiciados ou já condemnadoa por crimes a que correspondam penas maiores que forem da comarca de Lisboa ou venham de outras comarcas acompanhando os seus processos ou por motivo de segurança. - É approvada uma proposta do sr. ministro das obras publicas para que os srs. deputados dependentes d'aquelle ministerio possam accumular as suas fancções de deputados cota as dos seus empregos.
Na ordem do dia, indo proceder-se á eleição da commissão de administração publica, que por proposta, approvada, do sr. J. A. Neves, será composta de 17 membros, propõe o sr. Francisco Beirão que as commissões ainda não eleitas fossem nomeadas pela mesa, e pediu a urgencia. - Esta proposta é declarada urgente.- Combate a proposta o sr. Arrojo, e tambem a respeito d'ella faz differentes considerações o sr. presidente. - Requer o sr. Simões Dias votação nominal sobre, a proposta do sr. Beirão, e procedendo-se á votação nominal, foi reprovada por 41 votos contra 21.- Como não teve numero legal que a rejeitasse ou approvasse, ficou para se decidir na sessão seguinte.- Passa-se á eleição da commissão de administração publica, obtendo 42 votos, numero que foi impugnado como não sufficiente para a votação. - Ficou tambem para se decidir na sessão seguinte. - No fim da sessão o sr. Barros Gomes noticia com sentidas phrases o fallecimento do sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva, propondo que se lançasse na acta um voto de sentimento. - O sr. presidente ponderou que, tendo a camara acabado de ouvir o sr. Barros Gomes, não julgava necessario consultar a camara para se lançar na acta um voto de profundo sentimento pela morte de tão distincto parlamentar, professor tão erudito, cavalheiro tão estimavel, como era o sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva. (Apoiados geraes.) Considerava por isso votada por acclamação a proposta do sr. Barros Gomes. - Encerra-se a sessão às cinco horas e vinte minutos da tarde.
Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada - 53 srs. deputados.
São os seguintes:-Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, A. J. D'Avila, Moraes Sarmento, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Pereira Leite, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Elvino de Brito, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Mota, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Scarnichia, Souto Rodrigues, Teixeira do Vasconcellos, Sousa Malhado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim do Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Guimairães Camões, Santos Diniz, Barbosa Centeno, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Pereira Borges, Cunha Bellem, Seguier, Urbano de Castro, Caetano de Carvalho, Emygdio Navarro, Firmino Lopes, Sant'Anna e Vasconcellos, Melicio, João Arroyo, Avellar Machado, Elias Garcia, Lobo Lamare, José Luciano, Ferreira Freire, Luiz Osorio, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Tito de Carvalho e Visconde de Ariz.
Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira do Mosquito, Fuschini, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Condo de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Monta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. C. Valente, Franco Castello Branco, Ribeiro dos Santos, Ferrão do Castello Branco, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Correia de Berros, Azevedo Castello Branco, Borges de Faria, Dias Ferreira, Pereira da Costa, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde do Balsemão, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio do reino, remettendo o mappa indicativo dos contratos de valor superior a 500$000 réis, realisados por este ministerio no auno de 1865.
Á secretaria.
2.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfa-
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ção ao requerimento do sr. deputado Albino de Montenegro, copia do processo instaurado contra Francisco José Diniz, ex-tenente da guarnição da provincia de Moçambique.
A secretaria.
Segundas leituras
Projecto de lei
Artigo 1.° É fixado em nove horas, tanto de verão, como de inverno, o dia normal de trabalho para os jornaleiros adultos em todas as officinas, fabricas e arsenaes do estado.
§ unico. A fixação das horas de trabalho em cincoenta e quatro por semana não importa uma correspondente reducção de salario, nem tão pouco a suppressão de um descanso diario, de pelo menos uma hora.
Art. 2.° É igualmente lixado em nove horas o dia normal de trabalho para todos os jornaleiros adultos, empregados nas direcções de obras publicas dos differentes districtos e em todos os outros serviços analogos por conta do estado.
§ 1.° Quando por motivo de urgencia por qualquer rasão de força maior, ou pela qualidade especial do serviço, os trabalhos tiverem de prolongar-se alem do maximo legal de nove horas por dia, será esse acrescimo de tempo pago á parte como serviço supplementar.
§ 2.° As empreitadas, tarefas e outras formas de contrato de trabalho continuarão a regular-se pela legislação em vigor até que uma lei especial prescreva as condições do seu exercicio.
Art. 3.° São equiparados ao estado para todos os effeitos da presente lei os districtos e os municipios.
Art. 4.° Fica incumbido o governo de proceder, pelo ministerio das obras publicas, a um inquerito com o fim de colligir os dados indispensaveis para serem applicadas às grandes companhias desde já, e progressivamente á restante industria particular, as disposições dos artigos 1.° e 2.° e seus paragraphos do presente projecto de lei.
rt. 5.° O resultado do inquérito a que se refere o artigo antecedente deverá ser presente á camara dos deputados na sessão immediatamente posterior áquella em que tiver sido convertido em lei o presente projecto.
Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 11 de janeiro de 1886.= O deputado Z. Consiglieri Pedroso.
Foi enviado á commissão de legislação civil.
Projecto de lei
Senhores.-A reforma administrativa do municipio do Lisboa, approvada por carta de lei de 18 de julho de 1885, no artigo 185.°, diz:
"As commissões que, nos termos da legislação em vigor, têem de elaborar o recenseamento eleitoral de Lisboa, organisarão, conjunctamente com os respectivos recenseamentos, duas listas:
"1.ª Comprehendendo todos os medicos e cirurgiões residentes no municipio, quer exerçam clinica ou não;
"2.ª Comprehendendo todos os professores de qualquer grau com diploma, quer estejam em activo serviço, quer jubilados ou aposentados, e os cidadãos existentes no municipio, que o requererem, mostrando se habilitados com carta de um curso superior."
O artigo 186.° da mesma reforma estatuo:
"Para serem enviadas ás commissõos até 15 de fevereiro de cada anno, os escrivães de fazenda extrahirão dos mappas da repartição do imposto industrial uma relação dos quarenta maiores contribuintes do seu respectivo bairro.
"§ 1.° Para o apuramento dos maiores contribuintes sommar-se-hão as collectas prediaes e industriaes, quando o mesmo individuo pagar ambos os impostos e o primeiro for superior ao segundo."
A carta de lei de 24 de julho de 1880 approvou a organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares.
No § 4.° do artigo 6.° desta organisação estabelece-se:
" Os quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuária e de renda de casas serão recenseados em cada concelho ou bairro pelas respectivas commissões de recenseamento, com as mesmas formalidades com que o são pela legislação vigente os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, e com os mesmos recursos para os tribunaes, abrindo-se mais uma casa no livro do recenseamento."
Assim pelas reformas approvadas, quer pela carta de lei de 18 de julho de 1880, quer pela carta de lei de 24 do julho do mesmo anno, às commissões de recenseamento existentes, segundo a legislação vigente, em cada concelho ou bairro, foi mais incumbido, no respectivo concelho ou bairro, o recenseamento dos cidadãos comprehendidos nos casos dos artigos 185.° e 186.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, e no caso do § 4.° do artigo 6.° da organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares.
Em uma e outra d'estas leis se encontram disposições transitorias com o fim de estatuir a respeito do modo por que haviam de proceder as commissões de recenseamento no anuo de 1885.
No artigo 68.° da organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares, preceituava-se que o governo mandasse reunir as commissões de recenseamento fixando nos termos do artigo 39.° da lei de 21 de maio de 1884, os prasos para, em recenseamento supplementar, se inscreverem os quarenta maiores contribuintes de contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas.
No § 1.° do artigo 222.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, estatuia-se que as commissões do bairro de Lisboa, e as commissões de recenseamento de Belem e Olivaes se reunissem, no primeiro domingo immediato á promulgação da lei, a fim de apurar, nos termos dos artigos 185.° e 186.°, os collegios eleitoraes dos professores e dos cidadãos habilitados com diplomas de cursos superiores, dos médicos e dos cento e sessenta maiores contribuintes.
Ao mesmo tempo, no n.° 1.° do artigo 227.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, o governo foi auctorisado a dividir os bairros da cidade. Usando da auctorisação o governo decretou a divisão dos bairros em 17 de setembro de 1885.
Decretada a divisão dos bairros, em outro decreto da mesma data, publicado no dia seguinte, o governo deixou de observar o § 1.° do artigo 222.° e o artigo 223.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa. D'essa falta do observancia da lei dará o governo conta a esta camara.
Succede, porém, que se o artigo 68.° da organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares póde ser cumprido pelas commissões de recenseamento dos bairros de Lisboa e concelho de Belém, na conformidade da legislação anterior, e da mesma organisação, isto é, em harmonia com as disposições legaes; o mesmo não póde dizer se com respeito ao ordenado às commissões de recenseamento no citado decreto de 17 de setembro. D'esta inobservancia da lei dará tambem o governo conta a esta camara.
Mas acresce que as commissões do recenseamento dos antigos bairros oriental, central e occidental de Lisboa e do concelho de Belém, ou por suggestão, ou por arbitrio proprio, depois do referido decreto de 17 de setembro, apuraram os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial para os 1.°, 2.°, 3.° e 4.° bairros novos da ciciado de Lisboa. E como estes novos bairros não correspondem aos antigos de Lisboa e ao concelho de Belem, as commissões apuraram, não os quarenta maiores contribuintes que tinham competencia para apurar, mas os que se acha
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vam em bairros differentes dos respectivos bairros, nos quaes eram competentes para conhecer da capacidade eleitoral dos cidadãos, na conformidade da legislação vigente desde 30 de setembro de 1852.
Assim os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial apurados por aquellas commissões foram illegalmente apurados, e os collegios eleitoraes formados por esses maiores contribuintes, em cada bairro, para elegerem as commissões do recenseamento, segundo a legislação vigente, foram do mesmo modo illegalmente constituidos.
Para que não seja illegal a origem das commissões encarregadas da organisação do recenseamento eleitoral na cidade de Lisboa, no anno corrente de 1886, é indispensável por meio de uma providencia legislativa de occasião restabelecer o imperio da lei.
Com este intuito tenho a honra de apresentar ao esclarecido exame da camara o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° No domingo que seguir, decorridos oito dias, ao da publicação d'esta lei, comparecerão, pelas onze horas da manhã, na camara municipal de Lisboa o presidente da mesma, os vereadores, os administradores dos bairros e os respectivos escrivães de fazenda, a fim de procederem ao apuramento, em cada bairro, dos quarenta maiores contribuintes a que se referem o § 1.° do artigo 186.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, approvado pela carta de lei de 18 de junho de 1880, e os n.ºs 2.° e 3.° do artigo 6.° da organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares, approvada pela carta de lei de 24 de julho de 1885.
§ 1.° Os escrivães de fazenda levarão tres relações, por elles assignadas; uma dos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, outra dos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial e industrial, e outra dos quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuária e de renda de casas, e bem assim todos os livros e mais documentos, em vista dos quaes organisaram as mesmas relações.
§ 2.° As relações dos quarenta maiores contribuintes serão feitas pelos escrivães de fazenda, por ordem alphabetica de nomes e de freguezias, com designação explicita do estado, profissão e morada de cada um e respectiva collecta.
§ 3.° Para a contribuição predial só será contemplada a collecta de bens que possuir cada contribuinte dentro do respectivo bairro.
§ 4.° Para a contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas, será computada para cada contribuinte, domiciliado no respectivo bairro, a somma das collectas d'estas tres contribuições.
§ 5.° Para a contribuição predial e industrial, a que se refere o § 1.º do artigo 186.° da reforma administrativa do municipio de Lisboa, será a somma deduzida computando-se as respectivas collectas pelo modo designado nos §§ 3.° e 4.°
6.° No caso de igual collecta será incluido nas relações O contribuinte que for anterior na ordem alphabetica das freguezias, e se ainda houver empate regulará a ordem alphabetica dos nomes.
Art. 2.° A camara municipal em sessão publica examinara se as relações apresentadas pelos escrivães de fazenda estão conformes com os documentos de que devem ser ex-trahidas, e ouvidas as reclamações das auctoridades administrativas e de quaesquer outros cidadãos presentes, formará, sem recurso, as tres relações definitivas dos quarenta maiores contribuintes de cada bairro.
§ unico. Estas relações serão assignadas pela camara, administradores dos bairros e escrivães de fazenda, e guardadas no archivo da camara; passando-se d'ellas certidão a qualquer cidadão que a requeira.
Art. 3.° Formadas as tres relações dos quarenta maiores contribuintes, extrahir--se-hão d'ellas tres copias que se mandarão affixar na porta da casa da camara municipal.
§ unico. As copias serão assignadas pelo presidente e secretario da camara municipal.
Art. 4.° Se a formação das relações não poder completar-se em um dia, continuar--se-ha nos seguintes até que o trabalho esteja concluido, começando sempre á mesma hora.
Art. 5.° Concluida a formação das relações o presidente da camara municipal officiará logo aos cidadãos apurados como dos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, em cada bairro, para que no domingo seguinte, pelas onze horas da manhã, compareçam nos logares no mesmo officio designados, a fim de procederem á eleição das commissões de que trata o § 1.º do artigo 27.° da carta de lei de 27 de maio de 1884.
Na quarta feira seguinte, pelas onze horas da manhã, será feita a eleição a que se refere o artigo 28.° da carta de lei de 21 de maio de 1884.
Art. 6.° A camara municipal, depois de ter concluido a formação das relações, nomeará os vereadores que hão-de presidir às eleições das commissões de secção e de bairro.
Art. 7.° As tres relações dos quarenta maiores contribuintes organisadas segundo as disposições d'esta lei, servirão para todos os actos em que a intervenção dos mesmos contribuintes é necessaria, segundo a legislação vigente, até que comece a vigorar o recenseamento a que vae proceder-se n'este anno.
Art. 8.° Os prasos para a elaboração do recenseamento eleitoral serão analogos aos designados na tabella annexa á carta de lei de 21 de maio de 1884, devendo a tabella especial para o recenseamento a que vae proceder-se ser organisada e mandada publicar com as copias das relações a que se refere o artigo 3.º, e bem assim no Diario do governo.
Art. 9.° As disposições da presente lei são applicaveis sómente á organisação do recenseamento eleitoral a que deve proceder-se no anno de 1886.
§ unico. Até á data em que estiver concluido este recenseamento é considerado legal o immediatamente anterior.
Art. 10.° São declarados sem effeito quaesquer actos que se hajam praticado com respeito ao recenseamento eleitoral de 1886, e revogadas todas as disposições da legislação vigente que sejam contrarias às da presente lei.
Camara, 11 de janeiro de 1886. = José Elias Garcia,
Foi enviado á commissão de administração publica.
Proposta para renovação de iniciativa
Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 10-B de 1878, publicado no Diario da camara de 20 de fevereiro do mesmo anno, e que tem por fim tornar extensivas aos directores, secretario e mais empregados do instituto industrial e commercial de Lisboa, as disposições do artigo 55.° do decreto com força de lei de 29 de dezembro de 1864, que regula a aposentação e a reforma dos empregados do instituto geral de agricultura.
Sala das sessões, em 9 de janeiro de 1886. = Pereira Leite.
Foi enviada á commissão de obras publicas.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
1.° Requeiro que, pelo ministerio dos negócios estrangeiros, seja enviada, com urgencia, a esta camara copia de toda a correspondencia trocada entre o mesmo ministerio e a legação portugueza no Brazil, a propósito do desfalque occorrido no consulado geral de Portugal no Rio de Janeiro.
Requeiro mais, copia de toda a correspondencia entre o ministro de Portugal na corte brazileira e o consul geral portuguez, a respeito d'este mesmo assumpto. = O deputado, Zophimo Consiglieri Pedroso.
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2.° Requeiro que, com urgencia, seja enviada pelo ministerio da fazenda a esta camara uma nota da importancia das gratificações extraordinarias, ou não orçamentaes, que no anno civil de 1885 foram concedidas aos emprega dos das alfandegas de Lisboa e Porto com a designação:
I. Dos nomes e categorias dos empregados que as receberam;
II. Da natureza dos serviços extraordinarios que motivaram a concessão das mesmas gratificações. = O deputado, Alves Matheus.
3.° Roqueiro que, com urgencia, soja enviada pelo ministerio da fazenda, a esta camara copia do officio do director da alfandega de Faro com as informações, que determinada a aposentação de Henrique Arez, segundo aspirante da mesma alfandega. = O deputado, Alves Matheus.
4.° Requeiro que com urgencia seja enviada, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, a esta camara copia do officio do nosso ministro plenipotenciario junto da Santa Sé, communicando a ultima prorogação da jurisdicção espiritual do reverendo arcebispo de Goa nos territorios do real padroado portuguez no oriente e os termos e condições em que foi concedida essa prorogação. = O deputado, Alves Matheus.
5.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara, com a maior brevidade, copia do ultimo relatorio e propostas do conselheiro presidente da relação de Loanda, ácerca da administração da justiça n'aquelle districto judicial. Idem do ultimo relatorio e propostas do conselheiro presidente da relação de Goa sobre o mesmo assumpto. = O deputado, Barbosa Centeno.
6.° Renovando o pedido que fiz na sessão legislativa do anno passado, requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara os relatorios dos inspectores de instrucção secundaria das tres circumscripções do continente, relativamente aos tres ultimos annos. = O deputado, José Simões Dias.
7.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara os seguintes esclarecimentos:
I. Copia do accordão do conselho de districto de Portalegre que annullou as eleições das juntas de parochia do concelho de Castello de Vide a que se procedeu no mez de novembro do anno proximo preterito;
II. Se contra essas eleições houvera alguma reclamação ou protesto;
III. Se o motivo da annullação se não dava igualmente nas eleições das mesmas juntas do biennio anterior, que foram validadas;
IV. Declaração do dia em que se intimou o accordão que annullou as mencionadas eleições aos individuos que tinham sido proclamados eleitos, por quem e a quem foi feita essa intimação;
V. Copia dos editaes que convocam os eleitores para novas eleições das mesmas juntas;
VI. Copia dos protestos apresentados nas assembléas primarias e de apuramento da ultima eleição da camara municipal a que se procedeu no concelho de Castello de Vide;
VII. Declaração do dia em que o processo d'essa mesma eleição foi apresentado ao conselho de districto para ser julgado, e copia do accordão do julgamento, e da intimação d'elle aos interessados;
VIII. Se entre os vogaes em exercicio na camara municipal de Castello de Vide ha algum que seja empregado da alfandega e algum ou alguns que sejam vogaes de outros corpos administrativos, e em virtude de que eleição é que o mesmo individuo pertenço aos diversos corpos administrativos ;
IX. Nota da importancia da receita ordinaria da camara municipal de Castello de Vide nos dois ultimos annos e nota das inscripções vendidas pela mesma camara desde o dia 1.° de janeiro de 1884 até agora e copia das resoluções da auctoridade administrativa competente que permittiram essas vendas. = O deputado, José Frederico Laranja.
8.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja, com urgencia, remettida a esta camara uma nota da percentagem addicional às contribuições geraes do estado lançada nos termos do codigo administrativo no ultimo anno civil por cada um dos differentes corpos administrativos do continente, e igualmente roqueiro uma nota das dividas existentes no ultimo de dezembro findo provenientes de emprestimos contrahidos por cada um dos mesmos corpos administrativos. = Albino Montenegro.
9.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes documentos:
I. Copia da proposta e respectivo despacho ministerial de 4 de dezembro de 1885, pelo qual foi provisoriamente transferido da repartição de industria para ajunta dos melhoramentos sanitarios um segundo official;
II. Copia da proposta e respectivo despacho ministerial de 12 do referido mez de dezembro, em virtude do qual foi nomeado o chefe do segunda secção da repartição de industria;
III. Copia da proposta e respectivo despacho, pelo qual foi nomeado chefe de primeira secção da repartição de estatisiica um segundo official;
IV. Copia da exposição dirigida ao sr. ministro das obras publicas com 16 do mez de dezembro pelo segundo official João da Costa Terenas;
V. Copia do officio n.° 1, com data de 4 de janeiro, dirigido pelo secretario geral do ministerio ao segundo official a que se refere o quesito anterior;
VI. Copia da resposta a este officio dada pelo referido official em 5 de janeiro corrente;
VII. Copia da portaria, pela qual o dito official foi provisoriamente nomeado para servir em commissão, e como secretario da junta dos melhoramentos sanitarios. = O deputado, Eduardo José Coelho.
Mandaram se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
1.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Joaquim José Coelho de Carvalho não tem comparecido às sessões por motivo justificado. = O deputado, Barbosa Centena.
2.ª Declaro que, por motivo justificado, não tenho comparecido às sessões d'esta camara desde o dia 5 do corrente mez. = O deputado, Barbosa Centeno.
3.ª Declaro que, por incommodo de saude, não pode comparecer às sessões da camara desde o dia 2 de janeiro até ao dia 8. = O deputado, José Frederico Laranjo.
4.ª Participo a v. exa. e á camara que o illustre deputado por Braga, José Borges de Faria, não tem podido comparecer às sessões decorridas desde 2 de janeiro, nem poderá comparecer a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, Vicente Pinheiro.
5.ª Participo a v. exa. e á camara que, por motivo de doença, não pude comparecer às sessões passadas decorridas desde 2 de janeiro até 11 do mesmo mez do corrente anno. = O deputado, Vicente Pinheiro.
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6.ª Participo a exa. e á exma. camara que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = Moraes Machado.
7.ª O sr. deputado Manuel Correia de Oliveira tem faltado ás sessões e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. = Luiz Ferreira.
8.ª Declaro que faltei á ultima sessão por estar doente. = Sousa Machado.
9.ª Declaro que por motivo justificado deixei do comparecer às ultimas sessões. = Pereira dos Santos.
10.ª Participo a v. exa. e á camara que o deputado, o sr. Filippe de Carvalho não tem comparecido às sessões por motivo justificado. = Caetano de Carvalho.
Para a acta.
O sr. Alves Mathens: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos.
(Leu.)
Vão no logar competente.
O sr. Centeno: - Mando para a mesa uma justificação das minhas faltos e outra no mesmo sentido de que fui encarregado pelo meu collega e amigo o sr. Coelho do Carvalho.
Já que estou com a palavra mando tambem o seguinte requerimento.
(Leu.)
Vão no logar competente.
O sr. Laranjo: - Mando para a mesa uma justificação de faltas e o seguinte requerimento.
(Leu.)
Peço a v. exa. para que inste por estes documentos, porque com a maxima urgencia careço d'elles para formular uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino a respeito dos factos que constam do requerimento.
O sr. Simões Dias: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
Peço a v. exa. faça expedir esta nota com urgencia, porque é possivel que os documentos que n'elles peço me sejam indispensaveis para a discussão da resposta ao discurso da coroa, e como é natural que essa discussão não venha longe, desejo estar munido d'esses documentos.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Mando para a mesa o sequinte requerimento.
(Leu.)
Peço a v. exa. a fineza de mandar expedir com urgencia o requerimento que acabo de ler, porque careço d'estes documentos para formular uma nota de interpelação ao sr. ministro dos negócios estrangeiros.
Ha duas ou tres sessões, que por occasião de tomar a palavra para pedir diversos esclarecimentos por outros ministros, tinha manifestado a v. exa. e á camara o desejo de poder dirigir algumas perguntas importantes aos srs. ministros da fazenda, guerra e negocios estrangeiros. Estamos hoje a 12 de janeiro, quer dizer, está decorrida urna sexta parte do periodo legal da legislatura e nenhum d'estes tres srs. ministros passou ainda que momentaneamente por esta casa.
Eu sei que hoje está o governo representado por dois dos seus membros, mas sei tambem que em Portugal não vigora a praxe ingleza, em virtude da qual um ministro responde pelos assumptos que dizem respeito aos outros ministerios.
Por isso, n'aquelle paiz os ministros distribuem-se systhematicamente pela camara dos lords, ou pela camara baixa, conforme concordam de antemão, mas em qualquer dos casos os que estão presentes respondem sempre pelos seus collegas, embora estes não estejam presentes.
Aqui entre nós não é essa a praxe; hoje, por exemplo, vejo presente o sr. ministro da marinha, e se eu perguntasse a s. exa. por algum assumpto que dissesse respeito ao ministerio da fazenda, s. exa. responder-me-ia, com certeza, que não estava habilitado para me responder.
Em todo o caso, das perguntas que eu desejava dirigir ao governo, ha duas que representam maior urgencia e, por isso, não prescindo de inquirir do sr. ministro da marinha se está habilitado a responder a qualquer d'ellas; no caso de não estar, s. exa. transmittirá aos seus collegas este meu desejo, esperando que s. exas. venham na proxima sessão dar as explicações pedidas.
Uma d'ellas é a seguinte. Tem-se levantado ultimamente na imprensa de todos os matizes, (e em jornaes que não são de certo do meu partido, podendo a camara considerar que os seus protestos são, n'este ponto, mais imparciaes) tem-se levantado na imprensa ultimamente uma verdadeira cruzada humanitaria em favor de uma desgraçada classe, que está soffrendo dolorosas provações, era virtude não sei se de esquecimento, se de acinte ou de qualquer odioso proposito do sr. ministro da fazenda. Refiro-me á classe dos guardas da fiscalisação externa das alfandegas. (Apoiados.)
Sr. presidente, ha três mezes, que no districio do Porto, e consta-me hoje que tambem no districto de Coimbra, os guardas da fiscalisação externa da alfandega, reformados, não recebem os seus vencimentos! (Apoiados.)
Têem-se dirigido por todas as formas aos poderes publicos, e não confiando já bastante na solicitude d'estes poderes, enviam quotidianamente memoriaes para a imprensa, que deviam ser uma vergonha para as estações officiaes, se, acima de tudo, não fosse deveras doloroso que servidores da nação estivessem por forma tal privados do que de direito lhes pertence!
Estes homens, alguns d'elles pobres velhos, têem serviços dos mais caros á nação e muito embora obscuros, os nomes de muitos d'elles estão vinculados às paginas mais sombrias das nossas luctas civis; derramaram o seu sangue para ajudarem a implantar a liberdade na nossa terra e não tiveram duvida em sacrificar os seus interesses e o interesse de suas familias para cimentarem o systema constitucional, que actualmente servem os srs. ministros.
E são estes servidores do estado que se lançam á margem ! Deve-se-lhes três mezes de ordenados, mas não consta, ou então o sr. ministro da marinha que nos informe do contrario, que no ministerio da fazenda, os altos empregados, que recebem 2:000$000 e 3:000$000 réis por anno, tenham os seus vencimentos atrazados. É necessario que nós, os que vivemos na mediania ou numa relativa abundancia, nos não esqueçamos das circunstancias apertadas destes pobres funccionarios, que ganham do dia para comer á noite e não pedem senão que se attenda á crueldade da sua presente situação, que é ao mesmo tempo a negação de um sagrado direito. Desejo que o sr. ministro da marinha me informe se já foram dadas as ordens convenientes para se pagarem os ordenados a estes empregados e a mais alguns que estejam em identicas condições.
A segunda pergunta era tambem dirigida ao sr. ministro da fazenda, mas como s. exa. não está presente, tambem me dirijo ao unico membro do governo que assiste á sessão.
Como v. exa., sr. presidente, sabe, por occasião do fallecimento do Rei D. Fernando II levantou-se na imprensa uma questão intimamente relacionada com um assumpto que na sessão passada eu aqui tratei, assumpto que diz respeito ao inventario dos bens da corôa. Note v. exa., que no que vou dizer só trato de zelar os interesses do estado e nada tenho com os interesses particulares que a propósito do testamento do fallecido Rei se debatem. No que vou dizer, repito, unicamente tenho em vista os interesses do estado, que como representante da nação me cumpre acima de tudo defender.
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Não é segredo para ninguem, porque já mais de uma vez tem sido similhante questão levantada n'este parlamento, que na posse da casa real andam preciosidades, que pertencem de direito á nação e de que a corôa é unicamente usufructuaria; preciosidades que se amanhã por uma circumstancia qualquer, Portugal tiver de mudar de governo, passam immediatamente para o estado, porque o individuo que actualmente as gosa gosa-as na sua qualidade de primeiro magistrado da nação e nada mais.
O sr. Rodrigues de Freitas ha tempo, e eu na sessão passada, levantámos aqui a questão das diversas preciosidades que pertencem ao estado e que estão na posse da casa real, mas ameaçadas de se perderem ou de se extraviarem, por isso que ainda se não cumpriu com o que expressamente dispõe uma lei especial, que tem perto de trinta annos, e com o que dispõe um artigo do regulamento de contabilidade publica, isto é, porque ainda não está feito o inventario dos bens da nação que se encontram no usufructo da corôa.
Pergunto, pois, ao sr. ministro da marinha, se me póde informar quaes foram as providencias que o governo tomou para que na occasião presente, em que se está procedendo ao inventario dos bens legados pelo Rei D. Fernando, sejam salvaguardados os interesses do estado?
Diz-se, e é uma asserção que corre publico em diversos jornaes, que, entre os objectos que eram propriedade de D. Fernando II, havia alguns, que pertenciam realmente á nação, e tem-se chegado mesmo a affirmar, que a marca do estado, que em muitas dessas preciosidades existia, foi surrateiramente substituida por uma marca particular. O que ha nisto de verdade? É o que compete ao governo investigar.
Comprehende v. exa. quanto isto é grave e como eu, ou antes como o parlamento não póde ficar silencioso diante de accusações d'esta ordem.
Se tivessemos, conforme deviamos ter, um inventario dos bens nacionaes que andam na posse da coroa, não era necessario que eu dirigisse agora esta pergunta ao sr. ministro da marinha, porque evidentemente o governo, como responsavel dos objectos a que me refiro, seria o primeiro a acautelar-se, para que mais tarde a sua responsabilidade não podesse ser por qualquer forma n'este assumpto envolvida.
Mas como não temos inventario, insisto por que o governo declare que providencias tomou para que no inventario a que se está procedendo a nação não perca aquillo a que direito tiver.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado não estranhará que eu diga que não estou habilitado para responder às perguntas que acabou de fazer, e que dizem respeito a assumptos que pertencem ao ministerio da fazenda, mas transmittirei ao meu collega as perguntas do illustre deputado, podendo ter a certeza de que s. exa. se apressará a vir dar conta de si, e satisfazer o vivo desejo manifestado pelo orador.
A censura, ainda que leve, mas delicada, que o illustre deputado dirigiu ao governo, não tem fundamento, porque é muito facil a qualquer deputado ter a presença de um ministro, até ás vezes no próprio dia, se o negocio for urgente.
Nunca nenhum ministro, e faço justiça a todos os partidos, deixou de vir á camara dar conta de si e cumprir o seu dever, tomando a responsabilidade que lhe compete perante a representação nacional.
Póde, portanto, s. exa. ficar descansado e certo de que o sr. ministro da fazenda se dará pressa em vir responder às perguntas que lhe foram dirigidas.
Estou tambem certo, emquanto aos guardas da alfandega, de que o meu collega da fazenda terá o maior empenho, se o facto a que o illustre deputado alludiu é verdadeiro, em tomar as providencias necessarias para acabar com esse estado de cousas; porque são effectivamente dignos de toda a consideração esses homens que luctam para servir a patria, e entre os quaes estão, como disse o illustre deputado, alguns que derramaram o seu sangue para defender as instituições vigentes.
Emquanto a outro assumpto a que s. exa. se referiu com toda a delicadeza, não estranhará que só lhe responda quem deve ter pleno conhecimento d'elle, desejando pela minha parte que não nos façamos eco de boatos mais ou menos verdadeiros.
Concluindo as observações que tinha a fazer, mando para a mesa, por parte do meu collega das obras publicas, uma proposta.
Leu-se na mesa. É a seguinte:
Proposta
Senhores. - Na conformidade do artigo 3.° do acto addicional, tenho a honra de pedir á camara dos senhores deputados que permitta possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as do serviço publico que exercem no ministerio das obras publicas, commercio e industria, os seguintes srs. deputados:
Mariano Cyrillo de Carvalho, Estevão Antonio de Oliveira e Luciano Cordeiro, vogaes do conselho geral do commercio, industria e agricultura.
Elvino José de Sousa e Brito, chefe da repartição de estatistica.
Lourenço Augusto Pereira Malheiro, em serviço ca repartição de minas.
Rodrigo Affonso Pequito, professor do instituto industrial e commercial de Lisboa.
Henrique da Cunha de Matos Mendia, chefe de serviço agricola no instituto geral de agricultura.
Augusto de Sousa Lobo Poppe, em serviço na direcção da fiscalisação dos caminhos de ferro do leste e norte.
José Gonçalves Pereira dos Santos, em serviço na direcção da fiscalisação da construcção do caminho de ferro de Torres Vedras a Alfarellos.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria em 12 de janeiro de 1886. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.
Foi logo approvada.
O sr. Elvino de Brito: - Declarou que se associava completamente às considerações que acabava de fazer o sr. Consiglieri Pedroso, relativas á triste sorte dos guardas fiscaes, que desde ha muitos mezes não eram pagos dos seus vencimentos. Quem ouvisse hoje o sr. ministro da marinha supporia que elle tem sido dos mais acerrimos defensores dos direitos e prerogativas dos guardas, que ha algum tempo soffrem uma perseguição violenta dos agentes do governo. E, todavia, é notavel que o illustre ministro viesse declarar ao parlamento que não tivera ainda conhecimento dos factos a que o referido deputado alludira, quando de todos é sabido que os jornaes ha mais de um mez não fazem outra cousa senão tornar publicos os actos de violencia de que são victimas os pobres guardas.
Sentia não ver presente o sr. ministro da fazenda, porque teria já hoje occasião de narrar á camara a serie de prepotencias, verdadeiras emboscadas, que têem flagellado àquelles servidores do estado, desde que, ao abrigo da lei, que garanto os direitos adquiridos, se recusaram ao alistamento militar determinado no decreto de 17 de setembro do anno proximo findo.
Não só se lhes não paga o vencimento, que lhes é devido, como á ultima hora, por uma combinação de má fé, são obrigados a marchar para a raia, caso persistam n'essa recusa. No principio parecia que o governo, reconhecendo os seus direitos, desejava respeital-os, e foi assim interpretada a portaria de 17 de dezembro, que prorogava o praso do alistamento até 31 de janeiro corrente. Agora, porém, se vae vendo que foram mais uma vez ludibriados e escarnecidos pelo ministro, que, ao que parece, vae faltando ao
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que promettêra. A seu tempo trataria desenvolvidamente d'este assumpto.
Como via presente dois membros do gabinete, passaria a occupar-se do facto, que hontem annunciára, e fal-o-ía com a reserva o discrição que a gravidade do assumpto reclamavam.
Lêra em um jornal estrangeiro que o governo francez fizera promulgar no dia 1 de dezembro do anno findo o acto de protectorado sobre toda a região media, no interior da Guiné, por virtude de um tratado que em 1881 negociára com o potentado Futa Djalon o expedicionario francez, dr. Bayol.
N'esse tratado ficara estipulado que todo o commercio do sertão, em todas as terras dependentes d'aquelle potentado, constituiria o exclusivo dos francezes. Sendo assim, facilmente se comprehende o alcance do protectorado francez, que acabaria por sem duvida com a nossa provincia da Guiné, reduzida assim a uma importancia insignificantissima, ou quasi nulla, não só pela falta do commercio nos territorios propriamente portuguezes, como pela impossibilidade de expansão territorial no interior da provincia.
N'estas circumstancias, e porque estivesse receioso de que este acto do governo francez não fosse isolado, dirigia ao governo as seguintes perguntas, declarando, porém, que se limitaria por agora a registar a resposta do governo, para poder no futuro occupar-se largamente dos assumptos a que ellas se referiam.
As perguntas são:
1.ª Qual a data do tratado com o rei de Dahomey, no qual se baseia o disposto no n.° 4.° do artigo 1.° do decreto de 29 de dezembro de 1885, que torna extensivo o protectorado portuguez a toda a costa maritima do reino dahomeano;
2.ª Se as negociações com a França, relativas á rectificação das fronteiras na provincia da Guiné, foram entaboladas antes ou depois de 1 de dezembro de 1885;
3.ª Se as referidas negociações implicam, ou não, os territorios pertencentes á provincia de Angola, isto é, se abranjem a bacia e o valle do Chiloango;
4.ª Se a povoação do Cotonum, costa maritima de Dahomey, está ou não occupada pelas tropas francezas;
5.ª Em que data foi o tratado com o rei de Dahomey notificado, nos termos do acto geral da conferencia de Berlim, ás nações estrangeiras, e se, em virtude d'essa notificação, ou independentemente d'ella, teria o governo portuguez recebido quaesquer reclamações diplomaticas por parte de alguma nação estrangeira;
6.ª Finalmente, qual foi a nação que iniciou as negociações, ora pendentes, no que respeita á fixação dos limites ao sul da nossa provincia de Angola.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas). - Responderei muito simplesmente, como simplesmente me são feitas as perguntas sobre os pontos para os quaes o illustre deputado chamou a attenção do governo.
Em primeiro logar devo dizer que os tratados do protectorado francez sobre Senegambia, em epocha anterior áquella em que foi celebrado pelo governo portuguez no tempo do governador Nuno Pereira Barreto, com os povos indigenas da Guiné, estão sendo conjunctamente discutidos em Paris nas negociações que se estabeleceram para a delimitação das fronteiras, e não esquecerão a nenhum dos nossos plenipotenciarios os pontos que forem necessarios para assegurar o interior da Guiné, e ficarem asseguradas tambem todas as communicações com o interior da provincia.
É claro que todos os tratados anteriores ao que vae estabelecer a delimitação da nossa fronteira hão de ser revogados pelo tratado definitivo que for assignado pelas nações interessadas n'este commercio.
O sr. Elvino de Brito. - O protectorado francez foi promulgado em 1 de dezembro de 1885. As negociações entre Portugal e a França são anteriores a essa data.
Ora eu pergunto se o governo tem conhecimento da França ter promulgado o protectorado estando pendentes as negociações.
O Orador. - Foi s. exa. o primeiro a declarar que o tratado de 1881 foi promulgado em 1885, por conseguinte um tratado anterior, que foi publicado agora.
Esse tratado, como os anteriores, estão todos sujeitos á discussão dos plenipotenciarios portuguezes e francezes reunidos em Paris.
São estas as explicações que n'este momento posso dar ao illustre deputado; e s. exa. mesmo teve a bondade de dizer que se reservava para emittir a sua opinião e fazer os seus commentarios sobro o assumpto na occasião em que eu possa responder categorica e desenvolvidamente a todas as perguntas que queiram fazer-me, o que não posso fazer agora porque estão pendentes as negociações.
Em segundo logar perguntou s. exa. só o tratado francez com o rei de Dahomey foi ou não notificado, era virtude das disposições do acto da conferencia de Berlim, ao governo portuguez.
Esse tratado estabelecia positivamente, do modo mais inefragavel os direitos de França á posse de Cotonum.
Emquanto o rei de Dahomey não o destruir ou declarar que é falso, como se diz que elle assevera, o tratado feito com a França subsiste.
E d'aqui se deduz que nós não estamos nem podemos estar da posse do Cotonum desde o momento em que ha não só um tratado, mas dois tratados, um firmado pelo presidente da republica e o outro pelo imperador dos francezes no tempo do imperio.
(Interrupção do sr. Elvino de Brito).
Se Cotonum foi cedida pelo rei de Dahomey á Franca, é claro que não está comprehendida na costa de Dahomey em que Atemos o protectorado. (Apoiados. - Vozes. - Muito bem).
Pergunta ainda o illustre deputado qual foi a potencia que iniciou as negociações para os limites sul da provincia de Angola.
O sr. Elvino de Brito. - Recebeu-se em tempo em Lisboa um telegramma do governador de S. Thomé participando que tinha sido occupada pela tropa portugueza a cidade de Cotonum Este facto é verdadeiro?
O Orador. - É verdadeiro.
O sr. Elvino de Brito. - Portanto a nossa força teve de retirar?
O Orador. - Desde o momento em que a França nos mostrou um tratado categorico firmado pelo chefe do estado em que o regulo negro lhe cedia a posse de Cotonum por um tratado de 1878, retiraramo-nos perante um direito perfeitamente authentico, justo e legitimo.
O mesmo faria a França se o direito fosse nosso, e ella estivesse de posse, nas mesmas condições, obedecendo a um principio de justiça. (Apoiados.)
Emquanto ao ultimo ponto a que se referiu o illustre deputado, ás negociações para os limites sul de Angola, devo dizer que esto é um assumpto por tal fórma vago que não me considero no direito de dar explicações a s. exa.
O sr. Elvino de Brito: - Eu perguntei apenas se foi Portugal ou foi a Allemanha a primeira potencia a entabolar as negociações.
O Orador: - Só o sr. ministro dos negocios estrangeiros poderá responder categoricamente a este assumpto. Eu não me julgo auctorisado a fazel-o, porque não sei o estado das negociações, e não quero coarctar a livre acção do sr. ministro dos negocios estrangeiros era dar ao illustre deputado as explicações convenientes n'um assumpto tão melindroso como este. (Muitos apoiados.) Estou certo que elle se não recusará a dar todas as informações e a satisfazer
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a todas as exigencias do illustre deputado. (Muitos apoiados.)
Permitta-me agora o illustre deputado, já que respondi tão categoricamente quanto pude ás suas perguntas, que eu me refira á sua censura extraordinariamente clamorosa do principio do seu discurso.
S. exa. estranhou muito que eu, que vinha aqui ser o campeão acerrimo dos guardas fiscaes opprimidos pelo sr. ministro da fazenda, não soubesse n'este momento qual o estado da questão dos guardas fiscaes, o não respondesse de modo a acudir a essas victimas da oppressão do sr. ministro da fazenda; e o illustre deputado, depois de nos apresentar as provas do modo como trata dos interesses d'aquellas infelizes victimas do sr. ministro da fazenda, e depois de ter sido encarregado de apresentar á camara uma representação d'essas victimas, esquece-se d'essa representação e deixa-a ficar em casa. (Riso.)
O illustre deputado, que vem aqui censurar-me asperamente, porque eu disse que não tinha conhecimento exacto de um facto que não corre pelo meu ministerio, sabe perfeitamente que eu não posso occupar-me de outros negocios, nem pensar nos negocios dos guardas fiscaes, que eu tenho em muita consideração, mas que estão entregues aos cuidados do sr. ministro da fazenda (Muitos apoiados - Vozes: - Muito bem.)
Já que estou com a palavra, devo dizer ao illustre deputado, apesar de não ter recebido communicação official de que o sr. Elvino de Brito me annuuciára varias interpellações, que por deferencia para com s. exa. me declaro habilitado desde já a responder ás suas interpellações.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso).
O sr. Elvino de Brito: - V. exa. não respondeu a todas as perguntas.
O sr. Ferreira de Almeida - Como está presente o sr. ministro da marinha, vou usar da palavra para fazer uma pergunta a s. exa., e que tem por fim simplificar o expediente da remessa dos documentos que tenho a pedir pelo seu ministerio. Desejo saber se o illustre ministro mantém a auctorisação que me foi concedida no anno passado para ver na secretaria a seu cargo quaesquer documentos que possam interessar á discussão parlamentar, deixando assim de requerer a remessa de originaes que muitas vezes são volumosos, ou as copias que levariam muito tempo a preparar, limitando por esta fórma os pedidos.
O sr. Ministro da Marinha: - Estão plenamente auctorisados, tanto v. exa. como qualquer sr. deputado, para ver no meu ministerio todos os documentos que desejarem.
O Orador: - Continuando no uso da palavra, permitta v. exa. que eu não deixe sem reparo a resposta que s. exa. deu ao sr. Consiglieri Pedroso, que representa tambem aqui a opposição, quando este cavalheiro reclamava a presença do governo na camara.
Disse o sr. ministro que a opposição, se não tinha na camara os membros do gabinete quando carecesse da sua presença, era porque não queria, por isso que tinha meio expedito de o fazer, qual o de prevenir o ministro por meio do telephone. Lastimo que s. exa. insista n'este expediente já apresentado na sessão passada e ampliando-o agora aos seus collegas do ministerio.
Por esta fórma o parlamento passaria a ser uma especie de restaurant, em que cada deputado pediria ao continuo um copo de agua, e pelo telephone o sr. ministro da marinha ou ao sr. ministro dos negócios estrangeiros um capilé. (Riso.)
Se os membros do gabinete têem a consciencia do logar que occupam, têem obrigação de vir ao parlamento para dar explicação dos seus actos, sem que para isso sejam compellidos por expedientes mais ou menos irrisorios.
Pondo de parte este assumpto jocoso, provocado pela resposta de s. exa. o ministro da marinha, peço licença para me dirigir a s. exa. sobre um assumpto que não é do ramo da administração a seu cargo, e sim do ministerio do reino, esperando que s. exa. quererá communicar as minhas observações ao seu collega.
Quero pedir ao governo que olhe pelo triste estado em que se encontram os pescadores portuguezes presos na ilha Christina, e que se póde dizer são mais victimas do abandono do que da epidemia.
No districto de Faro uma grande parte da população do litoral vive da industria da pesca.
A exploração da pesca por meio de galeões usada nas costas da Hespanha leva ali muitos individuos pela melhoria de retribuição que encontram ou lhe promettem.
Tendo sido suspensa a reciprocidade da pesca, nas aguas territoriaes dos dois paizes, facilidade esta, que era principalmente explorada pelos armadores hespanhoes, diz-se que resultou d'ahi que a temporada não désse os lucros precisos, e os armadores hespanhoes se vissem em difficuldade para satisfazer os contratos, e que a invenção de uma supposta epidemia na ilha Christina teve em vista levantar a população hespanhola para a levar a expulsar os pescadores portuguezes contratados, como liquidação completa d'esses contratos.
Acalmada a primeira effervescencia, suscitaram-se varios alvitres.
Um d'elles, o mais infeliz, deu em resultado ficarem os pescadores desterrados, sem meios para occorrer á sua subsistencia e sem abrigo, a ponto de muitos terem morrido de fome e ao abandono, como nos informaram.
Melhor teria sido repatrial-os para Sagres onde poderiam fazer quarentena sob vigilancia das auctoridades portuguezas, e podendo prestar-se-lhes mais directamente qualquer auxilio do que por intermedio das auctoridades estrangeiras.
Consta-me que os ultimos casos fataes que ali se deram occorreram em 10 de dezembro, e se este facto é verdadeiro, penso que o governo deveria facilitar o regresso á patria áquelles infelizes, desde que os que têem podido obter das suas familias pequenos recursos para se transportarem ás suas localidades o têem feito, por via de Badajoz, sem que por isso a epidemia tenha invadido o nosso paiz.
N'este sentido solicito do governo as mais rapidas providencias para que se repatriem áquelles infelizes que por falta de recursos o não têem podido fazer, adoptando-se as precauções hygienicas indispensáveis, indicadas pela sciencia. (Apoiados).
Se alguns d'aquelles individuos, collocados em condições de vida as mais detestaveis, porque dispõem de alguns meios, têem podido voltar para o Algarve sem terem trazido comsigo o cholera, porque não hão de vir todos os mais?! (Apoiados.)
Desde que o governo entendeu justo soccorrer em paiz estrangeiro os nossos compatriotas, melhor fôra ter enviado para ali pessoal que providenciasse as necessidades d'aquelles infelizes, uma vez que os não repatriam, o que podia ter feito com as necessarias precauções, em vez de deixar áquelles infelizes sujeitos a morrerem mais por effeito do abandono e falta de recursos, que em bom direito os nossos vizinhos deviam dispensar-lhes, do que da epidemia. (Apoiados.)
Com estas observações não é intenção minha armar ao sentimentalismo. As cousas são o que são.
Logo que se manifestaram os primeiros casos fataes de epidemia consentiu-se que muita gente fosse para Hespanha acompanhar uns os irmãos, outros os maridos, os pães, os filhos, etc.; de maneira que o numero de emigrantes augmentava ali extraordinariamente.
A auctoridade administrativa devia ter-se opposto a essa emigração que ía engrossar o numero de portuguezes que ali estavam faltos de todas as condições de vida.
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Nada d'isso se fez, e agora põem-se todos os obstaculos, augmenta-se a resistencia contra o regresso á patria, mais parecendo este furor filho do desejo de manter remunerações excessivas, e talvez escandalosas, - do que proveniente do zêlo pelo serviço sanitario, ou receios da epidemia.
Quanto a mim os cordões sanitarios são uma tradição sem valor, e melhor resultado tirariam as populações d'essas enormes quantias se fossem applicadas a melhorar as condições hygienicas das localidades o es seus meios de soccorro no caso de ataque, do que na imaginaria defeza do cordão sanitario que se illude por todas as fórmas, como está succedendo com a passagem dos emigrados por via de Badajoz.
Isto, como v. exa. vê, são vagas considerações sobre um assumpto que é melindroso, sobre muitos pontos de vista, e a respeito do qual me limito a pedir ao governo que veja se de alguma fórma póde acudir áquelles desgraçados.
Salvaguardem-se, quanto for possivel, as exigencias da saude publica, mas não sejam sacrificados a mal entendidas exigencias dois mil desgraçados que a infelicidade lançou em territorio estrangeiro. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O negocio a que o illustre deputado se referiu corre effectivamente por um ministerio que não está a meu cargo.
O sr. ministro do reino, a quem eu transmittirei as observações de s. exa., é que poderá, quando estiver presente, responder-lhe categoricamente.
O illustre deputado sabe muito bem que os transtornos graves e os sacrificios dolorosos a que se referiu foram impostos pela necessidade suprema de salvaguardar a saude publica.
Posso dizer que ainda hoje, ainda n'este dia em que estou fallando, vieram mais reclamações do Algarve, para que se tomassem todas as cautelas contra a invasão dos refugiados portuguezes em Hespanha.
Até se diz que, se alguns têem sido internados para Badajoz, os attestados de que vem munidos são falsificados.
Eram portuguezes que estavam em territorio estrangeiro, mas desde o momento em que era necessario tomar precauções contra a invasão do colera, é claro que haviam de soffrer as consequencias d'essas precauções,
O que posso assegurar é que o governo tem feito todas as diligencias para modificar a situação dolorosa d'esses cidadãos, e que o governo se não tem poupado a esforços para proporcionar todos os auxilies possiveis a esses compatriotas retidos em territorio estrangeiro.
É difficil a fiscalisação em territorio estrangeiro, e é possivel que nem sempre as intenções e os desejos do governo tenham sido completamente satisfeitos; o que é certo porém é que o governo tem feito a mais possivel para conciliar as attenções que lhes merecem os individuos de que se trata com a necessidade imperiosa de salvaguardar a saude publica.
Permitta-me o illustre deputado que lhe diga, referindo-me ao principio do seu discurso, que foi injusto comungo quando alludiu a um meio que eu indicára para, no momento em que um sr. deputado precisasse da presença de um ministro o ter á sua disposição.
Parece-me que o que eu disse é muito natural e simples, e não tem nada de jocoso.
Ha muitos assumptos sobre que os srs. deputados queiram fazer perguntas aos membros do gabinete e ate alguns sobre que desejem ser informados no mesmo dia, que podem ser attendidos, na conformidade do seu desejo, mas ha tambem muitos negocios urgentes que retêem os ministros nas secretarias e que fazem com que elles não possam estar aqui todos os dias.
N'este caso o que é natural é que os srs. deputados recorram aos meios que têem á sua disposição para obterem a presença dos ministros.
O que ha n'isto que não seja serio? O que ha n'isto que seja jocoso?
A setta voltou-se contra o illustre deputado.
O jocoso está na comparação que o illustre deputado fez com um restaurante e não no que eu disse quando avancei que os srs. deputados podiam ter dos ministros as explicações de que precisassem dentro de vinte e quatro horas, e quando indiquei o modo de as obterem no mesmo dia, quando não podessem prescindir d'ellas.
O que ha n'este meio que seja jocoso? O que ha n'este meio que não seja serio? O que ha aqui que não seja a manifestação do desejo de cumprirmos o nosso dever?
Aproveito a occasião de estar com a palavra para dar uma satisfação ao sr. Elvino de Brito.
S. exa. tem rasão. Esqueceram-me duas perguntas que s. exa. me dirigiu, mas vou responder-lhe agora com tanta melhor vontade, quanto a resposta é facil.
Primeiro, a data do tratado de Portugal com o rei de Dahomey. Não posso dizer precisamente a data, mas sei que é de setembro do anno passado. Segundo, se nas negociações com a França para a fixação dos limites da Guiné estão envolvidas negociações relativamente á fronteira da provinda de Angola, especialmente da bacia do Chiloango. Estão, positivamente. Na conferencia de Berlim ficou pendente com a França a questão da rectificação das fronteiras n'aquelle territorio; e esse assumpto é um dos que mais especialmente prendem n'este momento a attenção dos negociadores.
O sr. Elvino de Brito: - E em que data foi o tratado com o rei de Dahomey notificado ás nações estrangeiras, nos termos da conferencia de Berlim, e se em virtude d'essa notificação o governo portuguez terá recebido qualquer reclamação por parte de alguma nação estrangeira?
O Orador: - O tratado foi communicado bastante posteriormente á sua celebração, por isso que houve immediatamente a reclamação da França, á qual se entendeu quer se podia perfeitamente attender.
É o que tenho a responder ao illustre deputado.
O sr. Albino Montenegro: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo sobre um negocio de bastante importancia, pelo que peço a maior urgencia na expedição do requerimento.
O requerimento vae no logar competente.
O sr. Eduardo Coelho: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:
(Leu.)
Peço a urgencia d'estes esclarecimentos para que, logo que elles me sejam remettidos, possa annunciar uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas.
Vae no logar competente.
O sr. Germano de Sequeira: - Mando para a mesa a seguinte nota de renovação de iniciativa.
(Leu.)
Ficou para segunda leitura
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei cujo relatorio passo a ler.
(Leu.)
A proposta é a seguinte:
Proposta de lei n.° 4-F
Senhores. - A cadeia civil de Lisboa, conhecida pelo nome tradicional de Limoeiro, é um estabelecimento perigoso, onde manifestamente será impossivel realisar os fins de justiça e moralidade a que são destinadas as prisões nos paizes civilisados.
Quem de perto a examina assombra se por ver que n'uma cidade como Lisboa se consente ainda a existencia legal de tal monstruosidade.
É absolutamente necessario extinguil-a.
Está ali uma escola do crime, um poderoso agente de desmoralisação, A promiscuidade do vicio, o contacto da
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miseria, a convivencia forçada entre malfeitores, o ensino mutuo da maldade, o contagio do odio, o espectaculo constante de homens em que desesperos de soffrimentos e as revoltas do crime suffocam os bons instinctos, transformam aquella habitação de tristezas n'um antro medonho e fatal para todos aquelles a quem a desgraça ali arremessou.
No tempo em que serviam as cadeias apenas de estancias no caminho do cadafalso ou de masmorras para torturas, onde amontoavam os expulsos da sociedade para d'elles tirar só a legal vingança: quando punir era simplesmente castigar, e todas as miserias que formavam o funebre cortejo da pena se julgavam necessarias para inspirar o pavor do castigo; talvez podesse tolerar-se uma prisão nas condições em que se encontra a do Limoeiro.
Hoje, porém, que se procura realisar um fim piedoso e santo, como é o da regeneração do criminoso, ordena a justiça que seja a prisão uma escola de moralidade, onde o turbulento aprenda a respeitar a ordem, onde o vicioso a regrar a vida, o arrebatado a soffrear seus impetos, o criminoso a ter horror do crime.
É indispensavel que os delinquentes encontrem ali exemplos de virtude que os commovam, e consolos da religião que os suavisem; para que lhes desperte a consciencia á voz do dever; o espirito se lhes illumine pela contemplação do bem; o animo se lhes pacifique com os balsamos da esperança, o domados pelo respeito, vencidos pelo direito, remidos pela expiação, possam voltar contrictos ao seio da sociedade, que respeita o homem ainda no criminoso.
Mas como poderá isto alcançar-se n'uma prisão como a do Limoeiro, onde até hoje se não logrou nem manter a ordem nem impedir o crime? Que lições do honestidade e de virtude podem apparecer entre criminosos cujo viver é immoral, licenciosa e torpe a linguagem, fazendo gala do crime e jactancia da desvergonha? Que educação moral ha de encontrar-se onde é livre a embriaguez, quasi constante o jogo, frequentes as desordens, e clara ou occultamente se pratica quanto póde perverter o homem, empanar a consciencia, apagar o brio, asfixiar a honra, atrophiar os bons instinctos?
N'aquella prisão fabrica-se moeda falsa, falsificam-se firmas commerciaes em titulos de credito, angariam-se e adestram-se falsas testemunhas, planeiam-se e combinam-se crimes, recebem se e occultam-se objectos illicitamente adquiridos, andam os presos armados como salteadores no ermo, commettem-se assassinatos, evadem-se os criminosos, e é tal a atmosphera de criminalidade que lá se respira, que poucas noites passadas n'aquelle covil têem sido, por mais de uma vez, bastantes para transformar em grave criminoso o homem honesto que por leve falta fôra detido.
Se abstrahindo, porém, d'estes factos a piedade move a observar o estado material em que se encontram os infelizes reclusos na lobrega cadeia; confrange-se o coração ao deparar com ignoto quadro das maiores miserias. Immunda a casa, infecta, glacial; sem ar, sem luz; os presos agglomerados aos centos em estreitos recintos onde apenas cabem; andrajosos, esquálidos, mal alimentados, dormindo no lagedo das salas ou na lama das enxovias, similham no aspecto, no viver, no soffrimento, os habitantes d'aquella mansão funesta onde acabam todas as esperanças.
A justiça, a moral, a caridade não permittem aguardar a construcção de novas prisões para pôr fim aos horrores do Limoeiro. A proposta que tenho a honra de apresentar á vossa illustrada apreciação é o primeiro passo para alcançar este resultado.
A lei de 1 de julho de 1807 ordenou no artigo 59.° que a prisão preventiva, quer fosse retenção de réus indiciados, quer de sentenciados, mas não definitivamente, seria nas cadeias comarcas com absoluta separação entre os presos; mas no § 2.° do artigo 53.° dispensou a edificação d'essa cadeia nas comarcas que fossem capital de districto. Como, porém, no de Lisboa não ha cadeia districtal, nem a póde haver ainda por algum tempo, forçoso é aproveitar-se provisoriamente a parte disponivel da cadeia geral penitenciaria para os réus sujeitos a prisão preventiva, por crimes a que correspondam penas maiores.
Esses presos, todavia, não podem ficar obrigados ao cumprimento de todas as disposições do regulamento geral da penitenciaria: sujeitos apenas a prisão preventiva, logo que estejam satisfeitas as condições de segurança para que se não evadam á acção da justiça, e adoptadas as providencias necessarias para impedir que se corrompam ou empeiorem ou desesperem com a convivencia e lição de homens perversos ou desmoralisados, devem ser-lhes concedidas todas as franquias compativeis com o seu estado.
Assim ser-lhes-ha permittido receberem as visitas dos seus parentes, amigos, advogados, solicitadores, subordinando apenas esta permissão ás condições de segurança, ordem e respeito que devo haver n'aquella cadeia. Não ficam obrigados ao trabalho imposto aos réus já condemnados; como, porém, o trabalho é um elemento de vida e um poderoso agente para a regeneração do criminoso, ser-lhes-ha permittido o exercicio do trabalho possivel n'aquella casa aos que tiverem arte ou officio que queiram exercitar, facultando-se tambem os meios de o aprenderem aos que nenhum tiverem e quizerem trabalhar.
Poderão sustentar-se á sua custa, mandarão vir os alimentos de fora da cadeia os que tiverem meios para o fazer, finalmente, ser-lhes-hão garantidos todos os direitos e liberdades relativas que lhes reconhece ou concede a lei 1 de julho de 1867.
Tambem não são obrigados na cadeia geral penitenciaria a pagar quantia alguma nem a titulo de salarios de carcereiro nem por a cella em que forem alojados. O imposto lançado sobre a extrema miseria, que na lei do 30 de junho de 1864 apparece com o titulo de salarios do carcereiro, é urgente que desappareça, e eu espero em breve apresentar á vossa approvação uma medida geral n'este sentido.
Proponho tambem augmentar o numero dos guardas na cadeia gerai penitenciaria com mais dez guardas, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª Já o serviço da penitenciaria tom demonstrado que não é sufficiente o numero de guardas auctorisado pela lei de 29 de maio de 1884, e merecendo a vossa approvação a presente proposta é obvia a necessidade de augmentar aquelle numero.
São provisorias as providencias adoptadas na proposta, é indispensavel a construcção das cadeias districtaes; a vossa illustração, porém, ha de reconhecer que uma urgentissima necessidade as determina. Se merecerem, como espero, a vossa approvação, euccessiva e rapidamente terei a honra de apresentar-vos outras propostas destinadas ao mesmo fim, que não descansarei emquanto não lograr arrancar o ultimo desgraçado d'essa casa de horrores, a que chamam Limoeiro.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 12 do janeiro de 1886. = Manuel d'Assumpção.
Proposta de lei
Artigo 1.° Emquanto houver espaço disponivel, sem restringir a admissão de réus para cumprimento das penas de prisão cellular, terá logar na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa a execução do disposto no artigo 59.° da lei de 1 de julho de 1867, com referencia aos réus indiciados ou já condemnados por crimes a que correspondam penas maiores, que forem da comarca do Lisboa ou venham de outras comarcas acompanhando os seus processos ou por motivo de segurança.
Art. 2.° Os réus actualmente retidos na cadeia civil de Lisboa, que estiverem nas condições do artigo antecedente, serão removidos para a cadeia geral penitenciaria.
Art. 3.° Os réus que, em virtude das disposições d'esta lei, forem detidos na cadeia geral penitenciaria, não pagarão ali quantia alguma a titulo de salario de carcereiro.
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Art. 4.° Logo que esteja construida a cadeia districtal de Lisboa deixara de vigorar esta lei.
Art. 5.° Fica o governo auctorisado a nomear mais dez guardas para a cadeia geral penitenciaria, sendo tres de 1.ª classe e sete de 2.ª
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 12 de janeiro de 1886. = Manuel d'Assumpção.
Foi enviada á commissão respectiva.
O sr. Moraes Machado: - Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação.
(Leu.)
Vae no logar competente
O sr. Luiz Ferreira de Figueiredo: - Mando para a mesa a communicação de que o sr. deputado Manuel Correia de Oliveira tem faltado ás sessões por motivo justificado.
O sr. Vicente Pinheiro: - Desejava dirigir duas perguntas ao sr. ministro da marinha, mas infelizmente s. exa. deu-se pressa em retirar-se da camara, vendo-me por isso obrigado a reservar essas perguntas para outra occasião. Não commentarei este facto. Era natural que s. exa. se demorasse até se entrar na ordem do dia, tanto mais quanto s. exa. não foi extremamente explicito nas explicações que deu ao sr. Elvino de Brito, e mais uma vez se accusou hoje este governo pela sua falta de comparencia.
(Entra na sala e vae occupar novamente o seu logar o sr. ministro da marinha.)
Visto ter voltado o sr. ministro da marinha, eu continuarei.
As perguntas que desejo dirigir a s. exa., são muito simples.
Na sessão do anno passado por muitas vezes nos prometteu s. exa. apresentar uma proposta de lei de organisação financeira do ultramar. Por vezes se tratou d'este assumpto, e até questionamos sobre se uma medida que o nobre ministro trouxe ao parlamento sobre a arrecadação dos espólios dos defuntos e ausentes era uma base ou um passo para se reorganisar a administração da fazenda publica nas nossas colonias.
Desejo, pois, saber se s. exa. apresenta n'esta sessão o projecto de lei que prometteu apresentar o anno passado.
Segunda pergunta; desejo tambem que o illustre ministro da marinha nos informasse se o seu relatorio sobre a administração do ultramar, tambem igualmente promettido na sessão do anno passado, está proximo a apparecer. Ha annos que não temos relatorios da governadores do ultramar. Esta falta a lamentei eu o anno passando, dando occasião ao sr. ministro da marinha, querendo cobrir os seus delegados no ultramar, a prometter, não só esses relatorios, mas a apresentar s. exa. mesmo um relatorio da sua lavra em relação á sua administração.
É bom, por todas as rasões, que os ministros da corôa cumpram sempre aquillo que promettem.
Referindo-me agora ás respostas que o nobre ministro da marinha deu ao sr. Elvino de Brito, é bom tambem que se registre um facto, que aliás não me parece accusar uma grande diligencia, ou um grande bom tino da nossa diplomacia, nas negociações que se estão fazendo em Paris.
A França fez um tratado em 1881 com Futa Djalon, que não promulgou, e que só depois de decorridos cinco annos em dezembro de 1880, depois de entabuladas comnosco as negociações para a delimitação nas fronteiras da Guiné portugueza, se apressa a promulgar. Este facto não accusa da parte dos nossos diplomatas, nem diligencia, nem habilidade. Registemol-o e a seu tempo o apreciaremos.
Com relação ao protectorado de Dahomey, começo por dizer que o protectorado de Dahomey não deixa de ter a minha sympathia, porque, entendo que tudo que for alargar o nosso dominio na costa occidental de Africa nos deve merecer attenção. Esta questão do protectorado do Dahomey, ha de ser tratada n'esta sessão quando podermos estudal-a a fundo em face dos documentos pedidos por alguns dos nossos collegas, mas o que é facto é que estranhei as declarações feitas pelo sr. ministro da marinha, em resposta ao sr. Elvino de Brito. Pois que o governo declara que Cotonum pertencia á França por um tratado de 1878, e descobre assim e deixa n'uma falsa posição o governador de S. Thomé, que foi solemnemente occupar esse importante ponto da costa de Dahomey, com a circumstancia aggravante de ter louvado e premiado esse funccionario por esse acto que o sr. ministro declara agora illegal e attentatorio do direito internacional. Pensava eu que o governador de S. Thomé e Principe merecia outra consideração ao nobre ministro, a julgar por outros acto do mesmo sr. ministro. Registo, portanto, mais esta declaração do governo.
Ouvirei as respostas do sr. ministro em relação as minhas perguntas e termino, sr. presidente, mandando para a mesa duas justificações de faltas. Uma do meu illustre collega e meu amigo, o deputado por Braga, o sr. José Borges do Faria, e outra minha, que por motivo de doença só hontem me foi permittido fazer a minha apresentação.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Pedi a palavra para dar a s. exa. apenas uma resposta muito breve e clara: emquanto aos factos que s. exa. regista, eu registo-os tambem para opportunamente serem tratados quando vierem a téla da discussão.
Trarei á camara o projecto de administração financeira do ultramar e tenciono apresentar o relatorio da minha administração.
Para terminar direi ao illustre deputado: cumpro sempre as minhas promessas e cumpro-as todas.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Tinha pedido a palavra ha pouco sobre o incidente mais ou menos provocado pelas palavras do sr. ministro da marinha e depois da replica que s. exa. deu ao sr. deputado Ferreira de Almeida não posso deixar do fazer uso d'ella.
Julgava eu que o que havia de mais difficil para um deputado da opposição era trazer á camara os membros de gabinete quando tenha necessidade de lhes fazer alguma pergunta; vivia n'esta illusão, mas em vista das informações do sr. ministro da marinha já vejo que não ha nada mais facil.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Apoiado, apoiado.
O Orador: - Por isso eu desejava interrogar o sr. ministro da justiça sobre se tem já alguma resposta a dar-me ácerca da questão por mim levantada n'uma das ultimas sessões, mas como s. exa. não está presente...
Vozes: - Está, está.
(Pausa.)
O Orador: - Vejo novamente sentado o sr. ministro da justiça, por isso pergunto a s. exa. se já teve alguma resposta ou communicação sobre o estado em que se encontra o processo relativo ao concurso que houve na direcção geral das alfandegas.
Peço a v. exa. me reserve a palavra no caso de ter que responder ao sr. ministro.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção).- Tenho a participar ao illustre deputado que o despacho não permittiu nem ainda houve tempo para tirar as indicações.
A muita consideração que tenho para com s. exa. é a mesma que tenho para com todos os outros membros d'esta camara, e se tivesse já essa communicação, tel-a-ía trazido ao illustre deputado; logo que a receba virei aqui communical-a, sem que s. exa. tenha necessidade de me interrogar.
Já que estou com a palavra aproveito a occasião e faço uma declaração para o caso de terem os srs. deputados vontade do me fazerem alguma pergunta quando eu não estiver presente; e embora a minha declaração fique feita sem que alguns srs. deputados aqui estejam, espero que ella chegará ao conhecimento de s. exas.
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Creio que o sr. deputado Azevedo Castello Branco desejava chamar hontem a minha attenção para o estado da administração da justiça na comarca de Aloncorvo. Direi a s. exa., que não havia necessidade de chamar a minha attenção para aquella comarca.
Logo que entrei no ministerio da justiça, tratei de dar o andamento mais rapido que pude áquelle processo. Estava para ser ouvido o juiz e demorava-se já o processo na relação; officiei ao presidente da relação para enviar com rapidez o processo. Como me parecesse que se demorava, dias depois mandei um telegramma, pedindo que me mandasse o processo.
O processo veio com a informação do presidente da relação e no mesmo dia o remetti para o procurador da corôa, pedindo a consulta que a lei me ordena que eu peça sobre o assumpto. Ha poucos dias que voltou o processo da procuradoria geral e estou-o estudando para fazer o relatorio que tenho de enviar ao tribunal, que julgo necessario consultar.
O sr. Elvino de Brito: - Tomo nota da resposta que o sr. ministro da marinha deu ás minhas perguntas, mas, como prometti não entrar no assumpto hoje, reservo-me para outra occasião.
Referindo-me ás ultimas palavras do illustre ministro, agradecerei a s. exa. o zêlo com que pretende advogar junto do seu collega da fazenda os interesses da pobre classe dos guardas fiscaes. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Direi poucas palavras, mas em todo o caso talvez o sr. ministro possa responder a uma pergunta que não implica certos esclarecimentos.
Talvez s. exa. possa indicar quaes foram as informações que o governo deu ao ministerio publico com relação a este processo.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - O governo não deu instrucção nenhuma ao ministerio publico sobre esse assumpto, como a não dá sobre processo nenhum d'aquella natureza. Deixa correr toda a acção d'esses magistrados e pede-lhes contas, quando entende que elles não cumprem com o seu dever. (Apoiados.)
É tudo quanto posso dizer ao illustre deputado.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia, eleição da commissão de administração publica.
O sr. J. A. Neves: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se permitte que a commissão de administração publica seja composta de 17 membros.
Foi approvado o requerimento.
O sr. Beirão: - Mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Dispenso-me de justificar esta proposta, porque a camara comprehende a conveniencia d'ella. (Apoiados.)
Leu-se na mesa. É a seguinte:
Proposta
Proponho que as commissões d'esta camara, que ainda não estão eleitas, sejam nomeadas pela mesa. = Veiga Beirão.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - Peço licença para lembrar ao sr. deputado Beirão, que ha um certo numero de commissões que costumam sempre ser eleitas pela camara, porque é util que assim seja, e que a mesa não toma sobre si a responsabilidade da escolha d'essas commissões. D'essas commissões mais importantes, uma parte já está eleita, faltam porém ainda algumas, que desejaria que fossem eleitas pela camara e que não ficasse confiada a sua eleição á mesa. (Apoiados.)
O sr. Beirão: - A v. exa. fica-lhe perfeitamente querer declinar de si a responsabilidade de eleger essas commissões; mas creio que em nome dos meus amigos politicos posso declarar que temos a maxima confiança era que v. exa. ha de saber eleger todas as commissões com a maior competencia, o que importa uma prova de confiança que esta camara dá a v. exa.
É n'este sentido que peço a v. exa. que sujeite á votação a minha proposta.
O sr. Presidente: - Do modo por que a proposta está formulada só ámanhã posso sujeital-a á votação da camara.
O sr. Francisco Beirão: - N'esse caso, requeiro a urgencia sobre a minha proposta, e lembro a v. exa. e á camara que as palavras da minha proposta são copiadas exactamente da proposta feita aqui o anno passado pelo sr. deputado Carrilho, que foi immediatamente sujeita á votação da camara e logo approvada.
Tenho essa proposta presente e diz o seguinte.
(Leu.)
É exactamente o que peço que se faça hoje.
O sr. Arroyo: - V. exa. sabe, e toda a mesa, que ninguem mais do que eu acata e respeita os cavalheiros que a constituem, e, se me não associo á proposta do illustre deputado, o sr. Francisco Beirão, não é porque n'essa minha resolução vá incluida qualquer prova de desrespeito ou de menos consideração por v. exa. e pelos dignissimos secretarios; julgo todavia que nenhuma necessidade e nenhuma conveniencia existe em que se exceptue a praxe, ainda seguida o anno passado, de confiar á eleição parlamentar a escolha das commissões mais importantes.
Urgencia da discussão é evidente que não existe desde o momento em que a outra camara ainda se não acha constituida. Por outro lado, entendo que fica bem ao parlamento, para conservação das suas prerogativas, e sobretudo para affirmar o cuidado especial que lhe merecem os mais altos interesses da administração publica, que dimane da sua eleição a escolha das commissões mais importantes, sem que todavia n'essa resolução vá incluida qualquer manifestação de desconsideração ou menos respeito para com a dignissima mesa, que essa mesma camara escolheu.
Voto, portanto, contra a proposta do sr. Francisco Beirão, opinando pela minha parte, em que se devem continuar a eleger, como se elegeram o anno passado, as commissões parlamentares mais importantes e delegando-se na mesa o voto de confiança preciso, para que sejam nomeadas, por ella, exactamente as mesmas commissões que o foram no anno anterior.
O sr. Francisco Beirão: - Todas as commissões são importantes, e portanto confiâmos em que a presidencia nomeie as commissões que faltam.
Lembro-me que uma proposta identica á que acabei de apresentar, foi approvada pela camara em 1884, e quando já se achava discutida a resposta ao discurso da corôa, e apesar d'isso a maioria d'esta camara julgou então urgente entrar-se na discussão de outros assumptos.
Hoje, não está ainda discutida a resposta ao discurso da corôa, e é urgente entrar-se quanto antes na discussão de outros negocios de administração publica, que exigem da parte do parlamento a maxima attenção, e portanto parece-me que é conveniente aproveitar o tempo, auctorisando a mesa a nomear as commissões que faltam a eleger.
A opposição, apresentando esta proposta, dá uma prova de que confia em v. exa., e fica assim exonerada de toda e qualquer responsabilidade, mas a camara resolverá e o paiz julgará.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, vae votar se a proposta do sr. Beirão.
O sr. Simões Dias: - Requeiro que a votação seja nominal.
Assim se resolveu.
Fez se a chamada.
Disseram rejeito os srs.: Adriano Cavalheiro, Moraes
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Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Garcia Lobo, Cunha Bellem, Moraes Machado, Mendes Pedroso, Seguier, Arthur Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Affonso Geraldes, Guilherme de Abreu, João Antonio Pinto, Scarnichia, Arroyo, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Germano de Sequeira, Avellar Machado, José Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, J. M. Borges, Oliveira Peixoto, Pinheiro Chagas, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Barbosa Centeno, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras (Manuel), Henrique de Mendia, Souto Rodrigues e Silveira da Mota.
Disseram approvo os srs.: Albino Montenegro, Antonio Candido, Antonio Centeno, Pereira Borges, Lobo d'Avila, Eduardo Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Francisco Beirão, Barros Gomes, Melicio, Alves Matheus, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, José Luciano, Simões Dias, Marçal Pacheco, Thomás Bastos, Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Votaram contra a proposta 41 srs. deputados e 21 a favor. Portanto, em vista do que determina o artigo 162.° do regimento, não ha vencimento, porque era necessario que a proposta fosse approvada ou rejeitada pela quarta parte do numero total dos deputados marcado na lei eleitoral, e a maioria dos presentes, e por isso destino para a primeira parte da ordem do dia de ámanhã a votação da proposta do sr. Beirão.
Agora vae proceder-se á eleição da commissão de administração publica.
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: - Entraram na urna 43 listas.
Vozes: - Não ha vencimento.
O sr. Presidente: - Devo observar que o artigo 166.° do regimento diz que no escrutinio de listas requer-se a pluralidade de votos.
A camara estava ainda ha poucos minutos em numero para poder funccionar, comquanto não tivesse havido vencimento para a votação da proposta do sr. deputado Beirão.
Agora vou dar conta á camara do resultado da votação.
Entraram na urna 43 listas, sendo 1 branca.
(Susurro.)
Peço aos srs. deputados o socego e a ordem que tenho direito a pedir, pelo logar em que estou collocado e pelo desejo que tenho de acertar e de cumprir á risca o regimento. (Apoiados.)
Tem a palavra o sr. J. A. Neves.
O sr. J. A. Neves: - É para declarar que quando a commissão de administração publica começou a ser eleita, havia na sala 63 srs. deputados, e, por consequencia, havia numero suficiente para votar. Se se contam sómente os votantes...
(Ápartes.)
A opposição póde deixar de votar.
Vozes: - Não póde.
Uma voz: - Não póde, porque o regimento obriga a votar todos os que estiverem na sala.
O Orador: - Desde que ha, como disse, sessenta e tantos srs. deputados na sala, póde fazer-se qualquer votação e essa votação é valida.
Isto é uma cousa corrente. (Apoiados.)
O sr. Veiga Beirão (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que mande verificar se ha numero sufficiente na sala para a camara poder funccionar.
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares.
(Pausa.)
Estão na sala sómente 52 srs. deputados. Com este numero não póde votar-se, mas póde continuar a discussão, mesmo porque ha ainda alguns srs. deputados inscriptos.
Vozes: - Não ha nada que discutir.
O sr. Alfredo Barjona (para um requerimento): - O meu requerimento era para se verificar o numero de deputados que estavam na sala n'aquelle momento. Depois do requerimento do sr. Beirão todos viram que muitos deputados se ausentaram da sala (Apoiados) e agora é impossivel verificar se a falta que se dá n'este momento se dava na occasião em que se procedeu á votação. Por consequencia não ha rasão alguma para se invalidar a votação que está feita.
O sr. Emygdio Navarro: - A questão principal que aqui se ventila parece-me que não soffre a menor duvida.
O artigo 9.° do regimento diz:
«Artigo 9.° Tanto na junta como na camara não poderá tomar-se deliberação alguma, sem que pelo menos esteja presente no acto da votação o numero de deputados igual ao que é preciso para a abertura da sessão.»
Ninguem póde negar que a eleição de uma commissão não seja uma votação; e o artigo 154.° acrescenta:
«Artigo 154.° Nenhum deputado poderá eximir-se de votar estando presente quando principiar a votação...»
Por conseguinte, tendo entrado na urna 42 listas é porque não estavam presentes senão 42 srs. deputados.
Logo, nem a eleição está valida, nem a camara póde agora deliberar sobre este assumpto.
Se antes da votação estavam menos deputados, e se depois d'ella estão mais, isso nada prova. D'aqui a pouco podem estar mais 20 ou 30.
O facto é que quando se fez a votação estavam só 42 srs. deputados, e nos termos do regimento a eleição não póde considerar-se valida. (Apoiados.)
O sr. Arroyo: - É para tirar uma conclusão do argumento adduzido pelo sr. Emygdio Navarro, quando s. exa. asseverou á face do regimento que 42 votos representam os de todos os srs. deputados que estavam na sala.
Como por essa occasião vi representada na sala a opposição monarchica, levantei-me para felicitar o governo por ver que a opposição progressista não teve duvida em nos acompanhar na eleição de uma commissão parlamentar.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se ao escrutinio.
Na sessão seguinte se poderá verificar a validade da eleição.
Corrido o escrutinio foram eleitos os srs.:
Augusto Fuschini, com .... 42 votos
Adolpho da Cunha Pimentel .... 42 votos
Augusto José Pereira Leite .... 42 votos
Augusto Neves dos Santos Carneiro .... 42 votos
Fernando Affonso Geraldes .... 42 votos
Gomes de Abreu .... 42 votos
João Mercellino Arroyo .... 42 votos
João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco .... 42 votos
Joaquim Antonio Neves .... 42 votos
Amorim Novaes .... 42 votos
José Luiz Ferreira Freire .... 42 votos
Marçal de Azevedo Pacheco .... 42 votos
Visconde de Alentem .... 42 votos
Antonio Manuel da Cunha Bellem .... 41 votos
Emygdio Julio Navarro .... 41 votos
Francisco Wanzeller .... 41 votos
Mariano Cyrillo de Carvalho .... 41 votos
O sr. Elvino de Brito (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que me declare em que deliberação da camara se fundou para mandar escrutinar uma eleição sobre cuja validade ainda não emittimos a nossa opinião. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - É evidente que eu d'aqui não posso discutir.
Quando mandei proceder ao escrutinio havia na sala nu-
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mero sufficiente de srs. deputados para que a camara pudesse funccionar, e o escrutinio havia de verifical-o.
Já ha pouco annunciei que a camara decidiria na sessão immediata se esta eleição está ou não valida; mas o escrutinio é que não podia deixar de verificar-se logo depois de ter começado. (Apoiados.)
Ámanhã decidir-se-ha este assumpto.
Tem a palavra o sr. Barros Gomes, que a pediu para antes de se fechar a sessão.
O sr. Barros Gomes: - Uma triste noticia, que me acaba de ser communicada por um dos meus correligionarios, irá de certo maguar o animo e encontrar echo sentido no coração de todos que me escutam.
Falleceu esta noite um dos professores mais benemeritos d'este paiz, um dos seus jurisconsultos mais eminentes, um dos espiritos mais esclarecidos e dos animos mais generosos de quantos ennobreceram e illustraram a geração que diariamente vae desapparecendo da scena do mundo, mas que deixa de si largos e honrados vestigios pelo muito que trabalhou em favor da liberdade e pelos altos serviços por ella prestados ao paiz.
Refiro-me ao passamento de Vicente Ferrer Neto de Paiva, (Muitos apoiados.) passamento que inspira profunda tristeza a quantos respeitaram n'aquelle venerando ancião um dos exemplares mais puros do que eram e valiam antigas virtudes portuguezas. (Muitos apoiados.)
O nome de Vicente Ferrer fica ligado a um dos trabalhos de jurisprudencia mais importantes e mais perfeitos que legâmos aos nossos vindouros. (Apoiados.)
Refiro-me, inutil é dizel-o, ao codigo civil, em cuja elaboração e redacção definitiva o abalisado professor tomou uma parte proeminente.
Vicente Ferrer deixa vestigios do seu ensino e da sua acção intellectual em muitos dos homens notaveis do nosso paiz, das successivas gerações que vão passando, e que recebendo d'elle a iniciação scientifica lhe admiravam a par d'isso a nobreza de caracter e a elevação do animo. (Muitos apoiados.)
Da sua actividade como professor ficam ainda monumentos escriptos que revelam quanto eram profundos os conhecimentos que tinha das doutrinas que professava, e quanto era consciencioso o seu esforço em as diffundir e propagar.
Era um liberal convicto o sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva. A despeito do peso dos annos que rastejavam por noventa, apesar das cans que lhe alvejavam na fronte, o seu espirito brilhava ainda hoje, por uma grande lucidez e uma extrema vivacidade, que eram o espanto e a admiração de todos aquelles que o viram ainda ha pouco na camara alta tomar parte e muito distincta nos debates parlamentares e nas luctas partidarias. (Muitos apoiados).
S. exa. foi amigo e amigo intimo, até á ultima hora, de Alexandre Herculano, e n'estas singelas palavras se cifra um dos seus maiores elogios (Apoiado).
Iniciam-se este anno os nossos trabalhos parlamentares de um modo bem funebre. Ainda ha pouco commemorava-mos sentidamente o passamento do illustre chefe do partido progressista, Anselmo José Braamcamp, e já hoje o paiz, o parlamento e mais particularmente o partido progressista, em cujas fileiras Vicente Ferrer Neto de Paiva militou sempre com uma lealdade politica que póde servir de modelo para todos, com uma consciencia, abnegação e virtude civicas, de que hoje são tão raros os exemplos, (Apoiados.) já hoje, digo, o paiz e todos nós temos a deplorar essa nova e tão sensivel perda.
Supponho que interpreto os desejos de toda a camara pedindo que se commemore na acta da sessão de hoje a expressão do nosso profundo sentimento, e ainda que d'essa parte da acta se dê communicação aos parentes mais proximos do finado (Apoiados).
Tencionava referir-me ao sr. ministro do reino, lamentando que s. exa. não tivesse vindo á camara responder a algumas perguntas que eu desejava dirigir-lhe e lhe havia annunciado, assim como o meu collega o sr. Simões Ferreira sobre assumpto importante como o são todos os que se referem ao exercicio do direito eleitoral, á manutenção da ordem publica, e segurança da vida dos cidadãos; nada porém acrescentarei sobre este ponto, por não me permittir o estado do meu espirito n'este momento o insistir em censuras aliás já feitas por outros collegas meus e provocadas pelo facto da ausencia do governo.
Termino, pois, agradecendo á camara os applausos com que acolheu as palavras que pronunciei com referencia ao vulto tão sympathico do dr. Vicente Ferrer Neto de Paiva.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A camara ouviu com profundo sentimento a commemoração feita pelo illustre deputado sr. Barros Gomes. (Apoiados.) Em vista d'esta manifestação, não é necessario provocar uma votação da camara para se registar na acta a profundíssima mágua com que ella teve noticia da morte d'esse antigo parlamentar, notabilissimo estadista e nobilissimo caracter, a que se acaba de referir o illustre deputado. (Apoiados.)
Considera-se, pois, como approvado por acclamação o voto de sentido e manifestado pezar por morte do dr. Vicente Ferrer Neto de Paiva. (Apoiados.)
Está encerrada a sessão.
Eram cinco horas e meia da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.