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SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José do Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Apresentam os srs. Marçal Pacheco e Alfredo Pereira propostas, que se consideram urgentes e entraram em discussão, justificadas pelos seus auctores, entrando tambem no debate os srs. ministro das obras publicas, João Pinto dos Santos, Frederico Arouca, Ruivo Godinho, Antonio Maria de Carvalho, José de Azevedo Castello Branco, João Arroyo e Lobo d'Avila. Foram ambas approvadas. Estas propostas, tinham por fim aggregar mais membros á commissão de inquerito parlamentar, ácerca dos factos relativos ás obras do porto de Lisboa, concedendo- se na do sr. Marçal Pacheco a escusa pedida pelo sr. Consiglieri Pedroso do vogal da mesma commissão - O sr. Antonio Maria de Carvalho apresenta um requerimento, pedindo certos documentos, pelo ministerio da marinha, com relação ao caminho de ferro de Ambaca. - O sr. Alfredo Mendes da Silva declara que tem assistido a todas as sessões da camara, a despeito de ver o seu nome fjgurar entre os ausentes em algumas d'ellas - Justificam as nas faltas os srs. Manuel José Vieira e Antonio Maria Jalles. - O sr. Vicente Monteiro apresenta o parecer da commissão de legislação criminal sobre a proposta do governo, para ser approvado um novo codigo commercial. - O sr. Lobo d'Avila apresenta o parecer da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Na ordem do dia continua a discussão do incidente levantado sobre a questão das licenças e tumultos, usando da palavra o sr. Franco Castello Branco sobre a ordem e o sr. Eça de Azevedo. - No fim da sessão faz o sr. Dantas Baracho as breves reflexões que cabiam no tempo.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 71 srs. deputados. São os seguintes:- Serpa Pinto, Mendes da Silva, Alfredo Pereira , Pereira Borges, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Barão de Combarjúa, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira de Matos, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Marçal Pacheco, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Estrella Braga o Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Mattoso, Francisco Machado, Severino de Avellar, Baima de Bastos. Izidro dos Reis, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus,Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, Abreu e Sousa, Julio Pires, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Moraes Sarmento, Barros e Sá, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Goes Pinto, Mattoso Santos, Freitas Branco, Soares de Moura, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Santa Anna e Vaaconcellos, Casal Ribeiro, Scarnichia, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Joaquim Maria Leite, Jorge 0'Neill, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Lopo Vaz, Poças Falcão, Luiz José Dias, Marianno de Carvalho e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da marinha, sejam remettidos com urgencia a esta camara, por copia:

1.º A acta do concurso para a construcção do caminho de ferro de Ambaca, de 13 de fevereiro de 1885;

2.° Portaria de 25 de fevereiro de 1885;

3.° Protesto do banco lusitano e outros;

4.° Acta do concurso do 26 de agosto de 1885, sobre a construcção do mesmo caminho de ferro;

5.° Consulta da procuradoria geral da corôa de 7 de setembro de 1885 e despacho n'ella exarado;

6.° Officio do proponente de 12 de setembro de 1885.= 0 deputado, Antonio Maria de Carvalho.

Mandou-se expedir.

PARTICIPAÇÃO.

Participo á camara que se acha constituida a commissão de legislação commercial, tendo-me escolhido para presidente, e para secretario o sr. Oliveira Valle; e resolveu escolher relatores especiaes. = Mattoso Côrte, Real.

Para a acta.

DECLARAÇÃO

Declaro que tenho assistido a todas as sessões da camara, a despeito de ver figurar o meu nome no Diario, na lista dos ausentes, ás sessões de 7 e 9 e não sei se mais alguma. = O deputado, Alfredo Mendes da Silva.

Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que não tenho podido comparecer ás sessões por incommodo de saude. = Manuel José Vieira.

Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que por motivo de doença não me foi possivel comparecer ás sessões de 3, 4 e 10 do corrente. = Antonio Maria Jalles.

Para a secretaria

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88 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Marçal Pacheco: - Mando para a mesa uma proposta.

(Leu.)

Poucas palavras me bastarão para justificar esta proposta.

O sr. deputado Augusto Fuschini declarou, por occasião de apresentar a sua proposta para a nomeação de uma commissão de inquerito, que julgava indispensavel, essencial, que na constituição d'essa commissão tivessem representação todos os elementos componentes da opposição d'esta camara.

Eu fiz essa mesma declaração hontem, e é de conformidade com o espirito que encerra a declaração do sr. Augusto Fuschini e que encerra a que eu fiz hontem, que apresento a minha proposta.

V. exa. e a camara ouviram hontem a declaração do sr. Consiglieri Pedroso, declaração que honra sobremaneira o altivo caracter e o cavalheirismo conhecido por todos d'aquelle illustre deputado. (Apoiados.)

Eu entendo, por consequencia, que a camara deve respeitar os motivos nobilissimos que determinaram aquella declaração, e, em substituição do sr. Consiglieri Pedroso, acceitar, como ággregado á commissão de inquerito, o sr. Elias Garcia, para assim ser representado na commissão o grupo republicano, de que um e outro fazem parte.

Os amigos do importante homem d'estado o sr. Antonio de Serpa têem representação na mesma commissão.

Igualmente os amigos do não menos importante homem d'estado o sr. Barjona de Freitas estão ali igualmente representados.

A maioria, porém, no seu profundo bom senso e illustração, e declaro isto sem violencia á verdade, porque, embora a maioria uma ou outra vez se mostre partidaria (sendo certo que todos nós mais ou menos nos deixâmos inspirar por motivos partidarios ou politicos), isso não impede que eu reconheça e faça demonstração publica das qualidades de illustração e bom senso que caracterisam a maioria actual; a maioria, digo, attendeu ás indicações apresentadas pelo sr. Augusto Fuschini e por mim, mas parece-me que as attendeu só em parte.

Ha um grupo n'esta casa, que representa, creio eu, as idéas politicas de um importante homem publico que tem assento na outra camara, e esse grupo politico, que, se não está representado aqui pelo grande numero, ao menos tem muita importancia no paiz, parece-me que tinha direito a ter representação na commissão de inquerito.

Significa isso a rasão de ser da minha proposta em relação ao sr. João Pinto dos Santos.

Ha outro nome que eu reparei que não tivesse entrado na commissão de inquerito.
É o nome do sr. José Dias Ferreira.

S. exa. é um homem que, pelas suas tradições e proveniencias politicas, me parecia que tinha direito a ter representação na commissão de inquerito.

Póde allegar-se que n'este momento s. exa. representa na camara a unidade de si mesmo (Riso.)

V. exa., porém, bem sabe que nem sempre é o numero que determina a força.

V. exa. bem sabe que, por exemplo um canhão Armstrong vale mais que dez espingardas de fuzil. (Riso.)

Isto não o trago eu para estabelecer confrontos de capacidade entre o sr. José Dias Ferreira e os membros d'aquelle lado da camara.

Trago simplesmente para justificação das rasões que tenho para suppor, que nem sempre o numero significa a verdade.

Explicada assim a minha proposta, e visto que estou com a palavra, eu quero fazer ainda uma declaração que hontem não fiz, por me não ter chegado a occasião de fallar em altura opportuna e conveniente.

Eu declaro agora, como já fiz na sessão de sabbado, que, votando o inquerito e assignando a proposta de inquerito, de modo nenhum quero significar que fico privado do direito que tenho, eu e todos os membros d'esta casa, de tratar n'este logar, por qualquer outra fórma, a questão das obras do porto de Lisboa (Apoiados.)

D'este direito, nem eu estou impedido pelo facto de ter votado o inquerito, nem ninguem me póde impedir.

Não estou impedido, porque resalvei o meu direito de averiguar a verdade por qualquer outro meio; e não posso ser impedido, porque do direito que eu tenho n'este logar de inspeccionar, criticar, examinar e superintender nos negocios publicos, que em parte estão confiados ao poder executivo, representado pelo actual gabinete; d'esse direito ninguem absolutamente me póde privar. (Apoiados.) Recebi-o dos meus eleitores, de conformidade com a lei, e conseguintemente d'elle não desisto, nem dou a ninguem o direito de me conceder licença para usar d'elle.

Portanto, eu não farei ao governo nenhuma pergunta a este respeito; nem preciso de a fazer, porque não careço da resposta do governo. Que o governo diga que sim, ou que não, é-me completamente indifferente.

Mas póde suscitar-se no espirito de alguem esta objecção: Se isto é tão claro e tão evidente, para que é precisa esta declaração agora, e para que foi precisa declaração identica na sessão de sabbado?

Eu dou a resposta peremptoria. E para que ninguem supponha que n'esta casa alguem ha, que tenha situação mais definida de opposição ao governo, do que eu.

Os processos podem ser diversos e differentes; isso depende do valor que cada um attribue ao seu processo, mas não é licito a ninguem concluir da diversidade de processos, diversidade de intenções. O proposito é o mesmo, d'este lado da camara, (Apoiados.) por mais variados que sejam os grupos ou grupinhos. A nossa idéa commum é esta: - Combater sem tréguas o governo. (Apoiados geraes da esquerda.)

No ponto de reputar o governo nefasto aos interesses do paiz; no ponto de combater o governo sem tréguas; no ponto de combater um governo, que compromette a segurança publica e a administração do paiz, não ha nem póde haver duas opiniões. N'este ponto não póde haver discordancia, e só podia romper este accordo aquelle que se lembrasse de, sem motivo nenhum especial, sem rasão de nenhuma ordem, procurar ferir susceptibilidades combatendo o governo sem tréguas.

Requeiro a urgencia da minha proposta.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que seja concedida ao sr. deputado Consiglieri Pedroso a escusa que pediu de vogal da commissão de inquerito parlamentar ácerca dos factos relativos ás obras do porto do Lisboa, e que sejam aggregados á mesma commissão os srs. deputados: José Elias Garcia, José Dias Ferreira e João Pinto Rodrigues dos Santos. = Marçal Pacheco.

foi considerada urgente e entrou em discussão.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Pedi a palavra para declarar que não tenho duvida em, por parte do governo, acceitar que sejam aggregados á commissão de inquerito os tres cavalheiros que só indicam na proposta do illustre deputado; e não só esses, mas todos que a camara quizer propor; e se a camara quizer ficar toda. aggregada, o governo acceita essa aggregação.

No entanto permitta-me o illustre deputado, que nas considerações que fez chamou nefasta á politica d'este governo, que lhe diga que quando se tratou aqui da commissão á penitenciaria de Lisboa elegeu-se uma commissão exclusivamente de deputados da maioria, e só por uma con-

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cessão posterior é que se consentiu que fossem aggregados dois deputados da opposição á commissão. O caso não é o mesmo. (Apoiados.)

Portanto, acceito esses tres, e todos os mais que quizerem.

Não repare o illustre deputado, de não ter sido contemplado o grupo do sr. Vaz Preto na commissão de inquerito, porque não pertence, de certo, á maioria fazer a classificação dos grupos em que se a divide a opposição parlamentar; mas desde ,que o illustre deputado com os applausos, parece me de todos os lados da camara, affirmou a existencia tambem do grupo do sr. Vaz Preto, eu por parte do governo tenho muito prazer em que esse grupo seja representado.

Repito, não tenho duvida em que sejam aggregados á commissão quantos membros quizerem, comtanto que se mantenha a devida proporção entre os elementos politicos.

Já que estou com a palavra, permitta-me o illustre deputado que lhe diga, com respeito ás obras do porto de Lisboa, que estão publicados todos os documentos que podiam ser copiados; e que os que existem ainda no meu ministerio, que não podem ser copiados, porque seria necessario muito tempo, attendendo a que são volumosos, vão os originaes para a camara dos dignos pares na segunda feira.
(Vozes: - Muito bem.)

Eu pedi ao sr. presidente d'aquella camara que designasse uma sala para n'ella estarem patentes os documentos á commissão, á camara dos dignos pares e aos membros d'esta camara. (Apoiados )

Repito, os que se podiam publicar estão já publicados todos; e os outros na segunda feira serão remettidos para a camara dos pares.

O sr. João Pinto dos Santos:- Quando entrei na sala constou-me que o sr. Marçal Pacheco tinha proposto que eu fizesse parte da commissão de inquerito ás obras do porto de Lisboa, como representante do partido do digno par do reino o sr. Vaz Preto.

Quando fallei na sessão de sabbado a proposito da commissão de inquerito parlamentar, declarei que não me importava com as resoluções que tomasse a esquerda dynastica ou o partido regenerador, e que, na questão das obras do porto de Lisboa, me reservava o direito de discutir, quando julgasse conveniente com os documentos que podesse obter.

D'está declaração deprehendia-se que não estava filiado em nenhum dos dois principaes grupos politicos da opposição n'esta casa.

E, se então não declarei que pertencia ao grupo do sr. Vaz Preto, de quem sou amigo pessoal e a quem sempre tenho acompanhado em politica, foi por não ver d'isso necessidade nenhuma.

Mas, visto que agora alguem fez referencia...
(Interrupção ao sr. Marçal Pacheco e ministro das obras publicas.)

Effectivamente faço parte do grupo do sr. Vaz Preto e honro- me muito com isso. (Apoiados.)

Principalmente em questões como a que se discute, é que s. exa. tem uma grande auctoridade, porque ha muitissimo tempo que milita em politica e ninguem póde dizer que tenha assignado qualquer contrato ou sanccionado com a sua approvação qualquer medida d'onde nasçam questões como esta, que preoccupa a opinião e que é muitissimo grave.

O grupo é pequeno, e póde não ter importancia pelo numero e pelos individuos que o representam n'esta casa do parlamento; mas tem com certeza isenção para dizer o que sente no cumprimento do seu mandato.

Não tinha querido fazer esta profissão de fé das minhas opiniões politicas, porque não via n'isso necessidade alguma.

Desde o momento, porém, que aqui se fez referencia a esse ponto, declaro terminantemente que não pertenço em politica senão, ao grupo do sr. Vaz Preto.

Sr. presidente, quando outro dia fallei a proposito da nomeação da commissão de inquerito, formei logo firme tenção de não fazer parte d'ella, caso fosse nomeado. Combati essa proposta com toda a energia, porque me parecia que representava o adiamento da questão; eu não quero o adiamento, desejo que se discuta com toda a brevidade, porque, com certeza, é esta a questão que mais preoccupa a opinião publica, e aquella em que o ministerio tem maiores responsabilidades.

Apesar da minha curta vida parlamentar, já sei que as commissões raras vezes apresentam os seus trabalhos. Se a commissão de inquerito podia representar simplesmente o adiamento da questão, protestava contra o adiamento, (Apoiados.) pois que queria que se discutisse quanto antes.

Por este motivo e por outros que não necessito agora de expor, é que eu peço para não ser aggregado á commissão, não se satisfazendo assim a proposta do sr. Marçal Pacheco n'esta parte.

O sr. Alfredo Pereira: - Quando v. exa. abriu a inscripção para antes da ordem do dia, tinha eu pedido a palavra para propor que fossem aggregados á commissão de inquerito ás obras do porto de Lisboa mais alguns srs. deputados.

N'essa minha proposta tinha simplesmente a idéa de fazer com que na referida commissão fossem representados todos os grupos politicos que têem representantes n'esta camara.

Precedeu-me n'esta idéa o illustre deputado o sr. Marçal Pacheco, propondo o abalisado jurisconsulto o sr. Dias Ferreira, e em substituição do sr. Consiglieri Pedroso o distincto engenheiro o sr. Elias Garcia, e bem assim o sr. João Pinto dos Santos, e em vista d'isto tive de modificar a minha proposta, porque acceito a do sr. Marçal Pacheco, por isso que representa parte da minha idéa, e modifiquei-a no sentido de serem aggregados á commissão os srs. Barbosa de Magalhães, Augusto Montenegro, Antonio Maria de Carvalho e Eça de Azevedo.

É claro que tendo-se proposto que fossem aggregados á commissão de inquerito mais tres membros d'esta camara, que representam a minoria d'ella, eu proponho que em compensação sejam aggregados á mesma commissão quatro deputados, que representam a maioria.

Peço a v. exa. a urgencia da minha proposta.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de inquerito ás obras do porto de Lisboa os srs. deputados Barbosa de Magalhães, Augusto Montenegro, José da Cunha de Eça de Azevedo e Antonio Maria de Carvalho. = Alfredo Pereira.

Foi declarada urgente e entrou em discussão.

O sr. Marçal Pacheco: - Acato e respeito, como é meu dever, a declaração feita pelo meu illustre collega o sr. João Pinto dos Santos; mas parece me que s. exa. fez essa declaração, talvez pela circumstancia de não me ter ouvido.

Eu disse, e a camara ouviu, que no meu espirito e no de toda a camara, a questão do inquerito não impede, nem podia impedir, o direito de cada deputado interpellar o governo, de lhe pedir esclarecimentos, de lhe pedir documentos, de liquidar a sua responsabilidade, quer politica, quer administrativa, como quizer e souber, no desempenho do seu dever. (Apoiados.)

Consequentemente não chego a perceber que possa, por parte de quem deseja apurar a responsabilidade inteira do ministerio n'este ponto, haver rasão para não acceitar o inquerito,

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Acato e respeito essa opinião mas preciso, para desfazer qualquer sombra de suspeita, que ainda remotamente possa existir, tornar a declarar que o inquerito, ou moroso ou rapido, ou seja por que fórma for, de modo nenhum impede o direito de qualquer deputado exercer liberrimamente o seu mandato, analysando os actos do ministerio, como muito bem quizer e entender. (Apoiados).

Eu seria o ultimo a lembrar a commissão de inquerito, se porventura essa commissão podesse trazer implicitamente uma situação para o governo, em virtude da qual elle ficasse privado de dar conta dos seus actos ao parlamento, e v. exa. comprehende, se a commissão de inquerito representasse este caracter, facilmente o governo podia conseguir este fim, porque, podendo pedir aos seus amigos da maioria para que demorassem o expediente d'essa coimmissão, impedia assim a parte da commissão, que representa a opposição, de tomar strictas contas dos seus actos.

Isto não cabe na cabeça de ninguem. Creio que nem o governo quando acceitou o inquerito, nem a maioria quando o votou, se lembraram nunca de que podia ficar a salvo e a coberto de qualquer responsabilidade, que nós d'este negocio podessemos pedir. (Apoiados.)

Ninguem, absolutamente ninguem, póde suppor similhante cousa, mas se ainda alguem o suppozesse parece-me que já era tempo mais que sufficiente para abdicar d'essa supposição, porque ainda não houve ninguem d'este lado da camara que fallasse que conjunctamente não fizesse esta declaração.

Fez-se por parte do grupo dos amigos do sr. Serpa, por parte do grupo dos amigos do sr. Barjona de Freitas, em fim por parte de todos os grupos representados n'esta camara. (Apoiados.)

Por consequencia, não chego a comprehender a que vinha a supposição ainda apresentada de que a commissão de inquerito póde privar qualquer deputado do uso liberrimo do seu direito.

Mas, dizendo isto, e torno a repetir, eu respeito e acato a declaração de qualquer deputado a este respeito, e por consequencia acceito a declaração do sr. João Pinto dos Santos, preciso dizer mais alguma cousa, repetir a rasão porque indiquei o nome do sr. João Pinto dos Santos; porque na occasião em que o sr. Fuschini apresentou a proposta de inquerito logo disse que essa proposta de inquerito parlamentar não podia por fórma alguma ser votada por elle, nem os seus resultados serem acatados por elle, e eu fiz a mesma declaração, sem que n'essa commissão fossem representados todos os elementos de que se compõe a camara.

Já se vê, creámos este compromisso, porque assim o entendemos conveniente ao interesse publico, e nunca para fazer favor, nem ao sr. João Pinto dos Santos, nem a ninguem.

Não estou aqui para zelar os direitos de ninguem, cada um zela os seus.

Supponho que todos têem competencia e auctoridade para o fazer, não era preciso que eu me lembrasse de assumir o papel de mentor, fosse quem fosse.

Por conseguinte, não se persuada o meu illustre amigo o sr. João Pinto dos Santos que eu quiz fazer algum obsequio ao meu. amigo o sr. Manuel Vaz.
Declaro que estou sempre disposto a fazer quantos obsequios que em sociedade um homem póde exigir nas suas relações com outros; mas politicamente não tive outro empenho, nem intuito senão desempenhar-me do compromisso que nós mesmo creámos quando apresentamos a proposta de inquerito.

Creio que esta explicação satisfará de certo o meu illustre amigo acerca do intuito da proposta que tive a honra de mandar para a mesa.

Tenho dito.

O sr. Francisco Mattoso: - Pedi a palavra para communicar a v. exa. e á camara que a commissão de legislação criminal se constituiu, tendo-me nomeado para presidente, o sr. Oliveira Valle para secretario, reservando se escolher relatores especiaes quando sejam necessarios. Mando esta declaração para a mesa.

O sr. João Pinto dos Santos: - Comprehendi perfeitamente as palavras do sr. Marçal Pacheco, e não me pareceu que s. exa. quizera ter para com o sr. Vaz Preto delicadezas, a fim de lhe captar a sua adhesão.

Como s. exa. disse que, para tornar exequivel a proposta do sr. Fuschini, era preciso que fizessem parte da commissão de inquerito todos os partidos da camara, sem o que não podia constituir se essa commissão, foi por isso que s. exa. lembrou o meu e outros nomes.

Comprehendi isso perfeitamente. Apesar de tudo, insisto ainda pela minha escusa.

Tinha formado proposito de não fazer parte d'essa commissão, reservando-me o direito de entrar no debate quando fossem conhecidos os documentos, e desejava conservar-me ainda no mesmo proposito; e tanto mais que, depois dever pedida d'este lado da camara, por parte do sr. Marçal Pacheco, a aggregação de dois individuos da maioria, vi que immediatamente a maioria acrescentou logo á commissão mais quatro nomes seus, mostrando d'esta fórma a intenção manifesta de estar sempre em maioria n'esta commissão.

Ora a mim parecia-me que ficava muito melhor ao governo e á sua maioria apresentar-se desassombradamente, e deixar que a opposição ficasse em maioria n'essa commissão.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)

Este meu alvitre não será muito usado nos parlamentos: será filho unicamente da minha ingenuidade em politica. Parece-me comtudo muito justo, porque a maioria, que é solidaria com o governo, não é que deve ser o seu julgador.

Se, no entretanto, a camara entender que o grupo do sr. Vaz Preto deve ser representado na commissão, lembro o nome do meu collega e amigo o sr. Ruivo Godinho.

O sr. Frederico Arouca: - Vejo-me na necessidade de dar algumas explicações á camara.

As explicações que tenho a dar, e que me vejo obrigado a dar, são em parte provocadas pelas, declarações do sr. Marçal Pacheco, com as quaes aliás estou perfeitamente de accordo.

Mas apello para a memoria de todos, para que se verifique que nem sempre as opiniões do sr. Marçal Pacheco tiveram na maioria e no governo o mesmo echo que têem tido agora.

Se bem me lembro, o sr. Arroyo levantou aqui esta questão, e o sr. ministro das obras publicas respondeu nobre e dignamente, como sempre costuma e como espero que responda sempre em todas as questões, porque eu desejo fazer justiça a s. exa., embora seja seu adversario politico. S. exa. disse que estava prompto a responder perante o parlamento, mas que, sendo muitos os documentos e muito moroso o processo para os publicar, offerecia melhor e mais do que a discussão do parlamento, offerecia o inquerito parlamentar e lembrava-o até.

Em seguida o illustre deputado e meu particular amigo o sr. Fuschini apresentou uma proposta de inquerito parlamentar. A camara julgou que havia urgencia na discussão d'esta proposta e pediu a palavra sobre a ordem um illustre deputado da maioria, o sr. Villaça, que apresentou uma proposta quasi no mesmo sentido, embora fosse mais restricta do que a do sr. Fuschini; e o sr. ministro das obras publicas, levantando-se, declarou que acceitava a proposta do sr. Villaça. Coube-me a palavra em seguida, e eu, comprehendendo que, votada a proposta do sr. Villaça, se considerava, pelo facto d'essa votação, prejudicado o direito que tinha a camara de discutir quando entendesse os actos relativos ás obras do porto de Lisboa, pedi ao sr. ministro das obras publicas que desde o momento em que tal se julgasse, não acceitasse a proposta do sr. Villaça.

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Ainda tenho de memoria as palavras do sr. ministro das obras publicas. Ponha-se a opposição de accordo, disse s. exa. As duas cousas não póde ser. Ou hei de mandar os documentos para aqui ou para a commissão de inquerito.

O sr. Arroyo: - Eu observei a s. exa. que podia fazer-se tudo cumulativamente, s. exa. respondeu-me que não.

O Orador: - Esforcei-me n'essa occasião, pela fórma, como pude e soube, em pedir ao governo que arranjasse uma forma ou maneira de se poder fazer tudo cumulativamente ; houve uma interrupção do sr. Arroyo e n'essa altura o governo não estava de accordo em que se fizesse tudo cumulativamente.

Sobre isto é que versou a discussão para apurar o direito que tinha a camara de discutir as obras do porto de Lisboa, na altura em que julgasse conveniente, sem prejuizo da commissão de inquerito.

Não me oppuz em meu nome individual a que se elegesse a commissão e trabalhasse; mas a que se considerasse prejudicado o direito da camara pela eleição d'essa commissão. N'essa occasião não estava bem apurado o direito da maioria, o que estava bem apurado era a opinião do governo contraria a isto. Tenho boa memoria e lembro-me perfeitamente das palavras aqui proferidas, quando o sr. ministro nos' pediu que nos pozessemos de accordo, unica fórma d'elle poder solver as suas responsabilidades.

Quando a opposição se dividiu, querendo parte o inquerito e parte a discussão, s. exa. disse que não podia dar rasão a uns e outros, e se o não disse por estas palavras, a idéa era esta, não podendo por consequencia dar satisfação dos seus actos, como era seu desejo, desejo aliás muito legitimo.

No fim da discussão o leader do partido regenerador, o sr. Lopo Vaz, declarou, era nome dos seus amigos politicos, que votava o inquerito, ficando comtudo bem entendido que a opposição regeneradora se reservava o direito de discutir, quando entendesse, os actos relativos ás obras do porto de Lisboa.

Peço desculpa de não me ter referido ao sr. Marçal Pacheco. S. exa. fez igual declaração n'esta casa, dizendo que se reservava o direito de discutir as obras do porto de Lisboa quando o entendesse.

Na segunda feira é que o governo, pela bôca do sr. ministro das obras publicas, se pronunciou claramente, dizendo que uma cousa podia ter logar cumulativamente com outra, que o inquerito podia ter logar, e que a camara poderia inquerir, quando e como quizesse.

O sr. Barjona de Freitas, na camara alta, em nome dos seus amigos, fez igual declaração; e creio que avançou mais, que nem era permittido discutir se acaso s. exa. tinha ou não tinha direito de discutir as obras do porto de Lisboa na camara.

Ora, estando eu de accordo com o sr. Marçal Pacheco, entendi que devia fazer esta declaração, para rectificar o que se passou, e para que se não diga que esta opinião foi sempre a mesma, porque esta opinião não existia no sabbado. (Apoiados.)

Eu não quero dizer que o sr. ministro das obras publicas quizesse esconder-se detrás da commissão de inquerito e fugir á responsabilidade dos seus actos; o que eu queria dizer era que a opinião de então não era aquella.

E, já que estou com a palavra, e feitas as rectificações que eu entendo, que devia fazer, porque eu tinha tomado parte n'esta discussão e parecia á primeira vista que eu estava a esgrimir com os moinhos quando estavamos todos de accordo; quero dizer duas palavras em resposta a uma observação que fez o sr. ministro das obras publicas.

É tambem uma rectificação pequena, mas é preciso que fique consignada.

O sr. Presidente: - O que está em discussão é a proposta do sr. Marçal Pacheco, e como ha assumptos importantes a tratar, eu pedia ao sr. deputado que se restringisse á discussão da proposta.

O Orador: - V. exa. sabe a, muita consideração que tenho por v. exa., e acceito sempre com a melhor boa vontade as indicações da presidencia; mas v. exa. ha de permittir-me que eu diga que n'este momento foi um pouco precipitado, porque antes de eu dizer o que queria dizer v. exa. calculou logo que eu ia estar fóra da ordem.

Eu digo a v. exa. uma cousa: eu tenho com certeza um defeito, que é não conhecer senão poucos adjectivos e empregar poucas palavras, de maneira que sou o mais conciso que possa. E tenho este costume por tres rasões: primeira porque não quero cansar os outros; segunda porque não me quero cansar a mim, e terceira porque desejo estar de accordo com a maioria parlamentar, como sei que se vae estabelecer uma lei das valvulas para não deixar fallar os oradores senão o curto espaço de uma hora.

Naturalmente fez se isto em vista do discurso do sr. Elvino de Brito, que fallou tres horas.

Mas eu ia referir-me, ou ia fazer observações a respeito das palavras proferidas pelo sr. ministro das obras publicas com relação á commissão de inquerito. Estava, portanto, dentro dos limites da discussão.

O sr. ministro das obras publicas, levantando se por parte do governo, e dizendo que concordava com a proposta apresentada pelo sr. Marçal Pacheco, veiu logo recordar-nos o que se tinha feito na commissão da penitenciaria. Disse s. exa. que para essa commissão só tinham sido eleitos membros dá maioria, e que só depois lhe tinham sido aggregados alguns membros da opposição, por causa dos protestos da mesma opposição.

Ora, sr. presidente, a questão da penitenciaria era differente da questão das obras do porto de Lisboa.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Apoiado.

O Orador: - Agradeço muito o seu apoiado; mas, tendo eu cortado as minhas relações com v. exa., parecia-me mais regular que v. exa. se abstivesse de me interromper por qualquer fórma.

A questão, sr. presidente, é differente; a maioria d'aquelle tempo entendeu que devia eleger uma commissão exclusivamente composta de membros da maioria, estava no seu direito; aggregou-lhe um certo numero de membros da opposição a instancias da mesma opposição, estava ainda no seu direito; mas então não venha o sr. ministro das obras publicas, como prova de uma grande concessão, que o governo nos faz, como prova, não digo de liberdade, mas como prova de uma garantia que nós em tempo lhe não concedemos, dizer-nos que permitte que d'este lado da camara sejam aggregados á commissão de inquerito quantos deputados quizermos para d'esse lado da camara se levantar logo um deputado a fazer o mesmo pedido, a requerer que sejam aggregados á commissão mais deputados da maioria!

Sr. presidente, estas minhas palavras são só para fazer sentir a falta de harmonia nas palavras do sr. ministro das obras publicas, ou na intenção que s. exa. quer que ellas. tenham, e nos actos da maioria parlamentar.

Se foi notado como defeito que a commissão da penitenciaria fosse composta só de membros da maioria, a maioria deve dispensar-nos o direito de aggregar mais deputados da opposição a esta commissão.

As circumstancias em que se encontrava a maioria regeneradora são as mesmas era que se encontra a maioria progressista, e se são as mesmas não ha motivo para s. exa. censurar a maioria regeneradora.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Direi apenas duas palavras para fazer uma rectificação ao que disso o sr. Arouca. S. exa. labora n'um erro.

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92 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Na sessão de 7, o sr. Avellar Machado apresentou a seguinte proposta

"Que fique consignado que da approvação da proposta de inquerito, apresentada pelo sr. Fuschini, ou da que foi enviada para a mesa, do sr. Villaça, nada prejudica o exame immediato dos documentos existentes, por todos os srs. deputados que o queiram fazer, em harmonia com as categoricas declarações do sr. ministro das obras publicas. = Avellar Machado."

Em harmonia com as categoricas declarações do ministro das obras publicas, estava isto consignado na proposta do sr. Avellar Machado que acabei de ler.
Mas acrescenta o extracto:

"O sr. ministro das obras publicas fez algumas considerações, tendentes a demonstrar que o exame dos documentos pelos srs. deputados não ficava prejudicado pela nomeação da commissão de inquerito."

Mais abaixo lê-se:

"O sr. ministro das obras publicas declarou que estava prompto a tratar a questão, tanto no campo do inquerito, como no campo das interpellações."

Portanto, o illustre deputado está em erro. Logo no sabbado eu declarei que estava prompto para discutir a questão pela fórma que a camara quizesse. O que acrescentei foi que não me era possivel mandar simultaneamente os documentos para a commissão, para a camara e para a commissão de inquerito. Suggeri porém a idéa de que a commissão os facultaria a todos os srs. deputados que os quizessem examinar, e isto vem mencionado no extracto da sessão.

Agora os documentos vão para a camara dos pares, e ahi ficara n'uma sala, onde podem ser consultados pelos membros d'aquella camara, pelos srs. deputados e pelos membros da commissão de inquerito.

Termino declarando que desde o primeiro dia me declarei habilitado a responder aqui por meio de uma interpellação ou na commissão de inquerito. (Apoiados.)

O sr. Ruivo Godinho: - Pedi a palavra para declarar que me honro muito de pertencer ao grupo dos amigos politicos do sr. Vaz Preto, e entendo que se fez justiça a este grupo dando-lhe entrada na commissão de inquerito.

Portanto, comquanto eu respeite muito os escrupulos que o meu amigo o sr. João Pinto dos Santos allegou, para não fazer parte da commissão do inquerito, entendo que o sr. deputado deve desistir do seu pedido.

Desde que ficou bem assente que todos podem discutir a questão por outra qualquer fórma, o illustre deputado não está em contradicção, acceitando o cargo ou o logar de membro da commissão de inquerito.

Tambem estou convencido de que não procede a rasão que deu o meu collega de que na commissão de inquerito o governo tem maioria, por que basta que na commissão haja um ou dois deputados da minoria, para obrigar a maioria a fazer justiça. Por consequencia, tambem esta rasão não procede.

Se o meu collega tem melindres ou motivos especiaes para não fazer parte da commissão, eu, pela minha parte, não querendo esquivar-me ao trabalho, não tenho duvida em occupar aquelle logar. Pedia-lhe que não insistisse na escusa, mas, no caso de insistir, eu não teria duvida em o substituir. Faço esta declaração, para que a camara faça d'ella o uso que quizer.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Antes de dizer o que se me offerece sobre a questão, não posso deixar de levantar uma phrase do sr. deputado pela minoria do circulo de Portalegre.

A rasão que deu para recusar o meu apoiado, posto o agradecesse, nada influo no meu direito. Conservo completa liberdade de proceder nos debates parlamentares, e não entendo que no incidente levantado outro dia n'esta casa entre o sr. Ferreira de Almeida e o sr. ministro das obras publicas, o principio sustentado por s. exa. de que a interrupção é mera concessão do orador, nos obrigue a não fazer interrupções a quem estiver fallando.

Repito, reservo-me a plena liberdade de proceder n'este ponto, procedendo como julgar conveniente. Pela minha parte, estou resolvido a consentir toda e qualquer interrupção. Estou no uso plenissimo do meu direito, accentuando bem claramente que a questão das obras do porto de Lisboa e a questão da penitenciaria, são duas questões bem differentes, cada uma debaixo do seu ponto de vista.

Lembro ao illustre deputado que ainda no anno passado, quando aqui fallei atacando alguns actos do sr. Pinheiro Chagas, quando ministro, s. exa. no dia seguinte, querendo accusar a presidencia, segundo a fórma usada por aquelle lado da camara, de parcial, por me deixar fallar sobre um assumpto que não estava em discussão, disse que o presidente só tinha benevolencias para o deputado Antonio Maria de Carvalho, e quando já tinhamos as relações interrompidas, porque creio que a interrupção data da abertura do parlamento na ultima sessão legislativa.

É esta a explicação que pretendia dar, para dizer á camara que no facto de dar um apoiado ao sr. Arouca, não julgava por fórma alguma passar além do meu direito, porque de mais a mais não vejo aqui amigos nem inimigos, mas apenas representantes da nação. Não estou disposto a querer saber se tenho ou não mantidas essas relações com os cavalheiros que exprimem as suas opiniões na tribuna, e hei de aprecial-as com inteiro desassombro, sem querer saber qual foi o orador que me precedeu d'aquelle lado da camara, ou estava fallando quando pedi a palavra.

Devo dizer a v. exa. que me levanto n'este momento desligando-me da maioria e do governo, unica e exclusivamente para affirmar com a mesma independencia que fiz aqui durante tres annos quando combati dia a dia a regeneração, dizendo, sob minha responsabilidade, que levantando-se n'este paiz uma questão de importancia e alcance, como é a questão que se está discutindo, a escolham para diffamar, não só um ministro, mas um partido, (Apoiados.) como lamento que a opposição consuma dias e dias, unica e exclusivamente para dar ao paiz o testemunho irrecusavel de que tudo têem querido fazer, menos estudarem a questão. (Apoiados.)

Desde o primeiro dia em que o sr. ministro das obras publicas disse aqui, que a secretaria estava aberta, e que podiam examinar todos os documentos, desde que apparece na folha official um documento da ordem do que ali se publicou hontem, é para estranhar que nem por parte da imprensa que mais notavel posição tomou n'esses ataques á honra de um homem, nem por parte d'aquelles que têem secundado essa guerra no parlamento, se levantasse ainda uma voz que dissesse: "ha documentos publicados, perante a auctoridade dos quaes não é possível manter-se a calumnia." (Apoiados).

Nem mais um dia. (Apoiados).

Dei-me ao trabalho do mandar comprar todos os jornaes que se publicam em Lisboa, e apenas encontrei dois, que se referiram ao documento importantissimo publicado na folha official de hontem, folha que é enviada a todos os membros d'esta casa, e em que parece, nenhum dos membros da opposiçãs encontrou tal documento; refiro-me á consulta.

O ar. Marçal Pacheco: - Quem foi que demorou a nomeação da commissão do inquerito durante seis dias?

O Orador: - A camara.

O sr. Marçal Pacheco: - Quem representa a camara não é a maioria?

O Orador: - É sim, senhor.
O sr. Marçal Pacheco: - Então para que nos está v. exa. tornando as culpas?!

O Orador: - O illustre deputado dá-me licença que continue?

O sr. Marçal Pacheco: - Pois não.

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SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1888 93

O Orador: - Pois sr. presidente, repito, indo ver hoje todos os jornaes que se publicam em Lisboa, com mágua o digo, nenhum dos jornaes que tomaram uma posição acerbissima n'esta questão, nenhum d'elles julgou dever seu, informar os seus leitores, de que na folha official havia sido publicado um documento insuspeito, pela immensa auctoridade dos nomes que o firmam, e que com esse documento caía inteiramente pela base a lenda da portaria dos réis 2.500:000$000! (Apoiados}.

Só dois jornaes! ! E talvez a opposição diga que, estando nomeada uma commissão de inquerito, não convem ir esclarecer o paiz sobre os documentos que vão apparccendo, que são a destruição completa da calumnia, talvez para isso o inquerito seja obstaculo; para diffamar, todos os meios são bons, mas para dar a cada um aquillo que se pretende roubar, que é o bom nome, é sempre cedo!!

Pois, como disse, sr. presidente, só dois jornaes, e cito esses dois jornaes, porque, no caminho que a nossa imprensa tem seguido n'estes ultimos tempos, julgo que deve ser de consolação para todos os homens que vêem, sem paixão, questões d'este alcance, que haja dois órgãos da imprensa portugueza que não duvidam fazer inteira justiça e prestar homenagem a quem tem direito a ella; foi o Diario de noticias e o Diario popular. Os outros jornaes tiveram conhecimento das ordens do exercito publicadas, das transferencias de juizes, de tudo emfim, só não julgaram que fosse conveniente, nem do dever da sua consciencia, informar os seus numerosos leitores, de que na folha official tinha sido publicado um documento d'este alcance! E depois d'isto o que vejo?

A opposição ainda a agitar a questão, discutindo se a commissão de inquerito prejudica ou não o livre exame de cada um dos senhores deputados!!

Pois se nós estamos a 14 de janeiro, a opposição é constituida por tantos e tão brilhantes talentos, e ainda até hoje nenhum d'esses cavalheiros usou da franqueza com que o sr. ministro das obras publicas lhes patenteou todos os documentos que tinha na sua secretaria!!!

Sinceramente, poder-se-ha ouvir isto a sangue frio?! Pois não faz isto desejo de se mostrar, que o que se pretende é mais uma vez illudir o publico e convencel-o de que ha effectivamente fundamento para estas accusações?

Pois os juizes imparciaes não hesitariam um momento em pôr de parte estas insinuações, e estamos ouvindo a todas as horas e a todos os instantes, que se dirá tudo, que haverá a coragem de se porem os pontos nos ii?

Taes declarações não podem servir senão para convencer o espirito publico de que effectivamente se commetteram irregularidades, e esta é a expressão mais branda na bôca da opposição.

Pela minha parte, eu, que até hoje dentro d'esta casa tenho tido a coragem de dizer tudo o que entendo, hei de continuar a mostrar á camara que ainda a não perdi, hei de continuar a mostrar-lhe que digo desassombradamente aquillo que tenho por conveniente nos interesses do meu paiz.

N'estas condições eu protesto, quanto em mim póde caber, contra este systema de encarar esta questão, contra este systema de não se querer entrar no vivo do debate, e contra este systema de, sem mesmo se apresentarem bases seguras para qualquer affirmativa, se pretender conservar suspenso o espirito publico, quando pelos documentos publicados na folha official e pela faculdade de se poderem examinar os que o não estão por volumosos, se deram a cada um os elementos precisos para dizer ao paiz o que entende sobre o assumpto. (Apoiados.)

N'estes termos, sr. presidente, eu digo: é possivel que d'aquelle lado da camara haja quem não tenha estudado a questão?

Nós, porém, não podemos estar com mis delongas. Venham ao parlamento, e discutam o ponto de que se trata.

Pela minha parte, quando não houvesse outros mais competentes do que eu para responderem, teria como um dever dos mais gloriosos o encargo de rebater as accusações, prestando homenagem ao caracter dos accusados. (Apoiados.)

Não quero cansar mais a attenção da camara, nem julgo necessario apresentar outras quaesquer considerações para mostrar ao meu prezado collega o sr. João Pinto dos Santos que era menos justo, menos politico e menos usado em todos os parlamentos do mundo o systema de commissões do inquerito em que não fossem representados todos os partidos.

Se s. exa. se desse ao trabalho de pensar friamente sobre o assumpto, havia de reconhecer isto mesmo.

Ainda ha pouco na França republicaria, quando se nomeou uma commissão de inquerito, todos os grupos tiveram n'ella uma representação proporcional.
E isto acontece em toda a parte.

Direi a s. exa., que entra hoje na politica, se quizer saber qual era a maneira como no tempo em que o partido regenerador estava no poder se procedia com a opposição com respeito a pedidos de inqueritos, que tem a seu lado quem o possa informar.

Quer v. exa. saber como da parte da regeneração só respondia aos pedidos feitos pela opposição, para inquerito sobre os actos do governo? Respondia-se sempre propondo questões de confiança. (Apoiados )

O sr. João Pinto dos Santos: - Se elles respondiam por essa fórma, era preciso que v. exas. respondessem agora por outra.

O Orador: - Seria inacreditavel que quem na opposição sustentou a conveniencia das commissões de inquerito, não as acceitasse agora. Eu não comprehendo que o governo fizesse favor nenhum em proceder agora por esta fórma. Eu sempre sustentei que a obrigação dos governos é não repellir os pedidos de inquerito por parte das opposições; mas entendo que a par d'isto, deve corresponder por parte da opposição o dever de não accusar senão convictamente, de não accusar senão com todos os elementos de prova, em vez de procurar insinuar no espirito publico, que se tem, carradas de rasão, quando se não quer nem ao menos fazer referenciados documentos apresentados, e que são a cabal defeza ,do governo. Não é assim que se corresponde ao eystema seguido pelo governo, que francamente offereceu todos os documentos que tinha na secretaria, para que se podesse fazer um exame completo sobro os seus actos.

(O sr. deputado não reviu as notas tachiygraphicas ao seu discurso.)

O sr. Vicente Monteiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação commercial, sobre o projecto do codigo commercial.

Foi a imprimir.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Eu dispensar-me-ia de entrair n'este debate, se não fosse a isso arrastado pelas palavras inconvenientissimas, sob o ponto de vista pessoal, do sr. Antonio Maria de Carvalho. (Apoiados.) Mas tenho de dizer alguma cousa em desaggravo das phrases aggressivas e injustas para o espirito de cordura, de que desde os primeiros dias da sessão a opposição deu aqui testemunho, relativamente á questão das obras do porto de Lisboa, affirmando categoricamente, pela voz de todos os oradores, que não se fazia echo de calumnias, nem de suspeitas contra ninguem. A essa prova de cordura não correspondeu o sr. Antonio Maria de Carvalho, que tomou uma altitude apparentemente indignada, uma altitude cheia de insinuações e retaliações, que nada justificava. Saiba o sr. Antonio Maria de Carvalho, e fiquem-n'o sabendo por uma vez, que d'este lado da camara não se diffama nem se infama ninguem. ( Apoiados, geraes da esquerda.) Desde o primeiro momento em que se tratou d'esta questão, pediram-se, por parte da opposição, os documentos que nos habilitassem a entrar desassombrada-

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94 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mente na questão da adjudicação das obras do porto de Lisboa.

Ainda hontem se publicou o primeiro e já o sr. Antonio Maria de Carvalho vem perguntar-nos a rasão por que não temos tratado este assumpto.

O sr. Elvino de Brito: - O primeiro? Não senhor; foi o ultimo.

O Orador: - Diz o illustre deputado que é o ultimo; é a mesma cousa; o que é facto é que se publicou hontem; em todo o caso é preciso estudar esses documentos; nem de outra maneira se justificava a nomeação da commissão; a|em d'isso, note v. exa., eu dizia que era o primeiro, e o illustre deputado diz que é o ultimo: pois não são todos os documentos que têem sido pedidos, por parte da opposição?

Eu hei de tratar dos incidentes que se deram na adjudicação das obras do porto de Lisboa independentemente da marcha do inquerito parlamentar. (Apoiados.)

N'este ponto nada mais tenho a dizer.

Lamento apenas a inconveniente rudeza com que o sr. Antonio Maria de Carvalho lançou insinuações sobre a seriedade com que a opposição regeneradora e todos os grupos da opposição tratam assumptos de tão grande magnitude.

Nós não estamos a illudir o publico; não estamos aqui para illudir o paiz, pelo contrario, estamos aqui para mostrar ao paiz como se administra a fazenda publica. É para isto que aqui estamos. (Apoiados.)

Mas este mau sestro com que o sr. Antonio Maria de Carvalho conseguiu tratar tudo de que o incumbem, é uma garantia, porque estando o sr. Antonio Maria de Carvalho dentro da commissão de inquerito, lhe ha de dar, por força, alguma cousa. (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Arroyo: - Declarou que era tambem seu intento protestar o mais energica e o mais vehemente que lhe fosse possivel contra as accusações immerecidas e irreflectidas saídas da bôca de um dos membros da maioria, quando dissera que a opposição queria illudir o paiz. Contra uma tal phrase protestava, porque não era illudir o paiz, quando a opposição combatia a politica do governo e mostrava que os seus actos eram dignos de reprovação.

Era inimigo declarado o intransigente do governo, por entender que os seus actos não eram conformes ás necessidades do paiz.

Já em outra sessão dissera que acreditava na honra e honestidade dos ministros, e procedendo por esta fórma não lhe parecia que o sr. deputado podesse vir dizer que a opposição se fazia echo da diffamação e da calumnia.

Sentia que da parte da maioria só levantassem questões irritantes.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Poucas palavras direi.

Eu não quero levantar questões irritantes, mas ainda hontem se contestava ao governo a auctoridade precisa para manter a ordem publica, com o fundamento de que o governo não era honesto na sua administração.

O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, aquillo é talvez commigo, mas eu tenho a dizer que não disse que o governo não era honesto. E dirijo-me a v. exa. e não ao ar. Antonio Maria de Carvalho porque tambem estou mal com elle. (Riso.)

O Orador: - Elles vão apparecendo, mas esqueceu-me de dizer que eu é que me puz mal. (Riso.) Mas ao paiz pouco importa que eu e o sr. Franco Castello Branco estejamos mal, ao paiz o que importa é saber se a opposição é sincera quando diz, como hontem, que o governo não tinha auctoridade para manter a ordem publica pela circumstancia de que o paiz não acreditava na sua honestidade politica.

O sr. Azevedo Castello Branco: - V. exa. acaba de ouvir dizer que isso não é perfeitamente exacto; para que o está repetindo e fundando a sua argumentação sobre uma cousa que não é exacta?

O Orador: - Pois hontem o sr. Franco Castello Branco não fez aqui referencia a uma saude, na qual se disse ser necessaria a moralidade em todos os governos?
O sr. Franco Castello Branco: - E é falso esse facto?

O Orador: - Não sei. O que sei é que em 1886, sentando-se n'aquellas cadeiras um gabinete que tem por norma a moralidade, (Muitos apoiados.) depois de levantado o incidente do caminho de ferro da Beira Alta, e em seguida do caminho de ferro de Ambaca, houve alguem n'este paiz que se congratulou por ver emfim uma, situação que tinha por norma principalmente a moralidade. (Apoiados.)

Note s. exa. que estou prestando o maior serviço que posso á opposição.
Querem s. exas. apreciar de que lado estava a moralidade, se era d'esse lado, quando vi um governo no dia 13 de setembro pôr as suas auctoridades á disposição de quem se propunha assaltar uma companhia. (Apoiados)

(Susurro. - Apartes.)

Perguntam s. exas. quem era o governo.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Ninguem melhor o póde instruir do que o sr. Marianno de Carvalho. Pergunte-lhe isso e elle lhe dirá tudo. Creia v. exa. que elle n'isto falla, como se costuma dizer, de cadeira. (Riso.)

O Orador: - V. exas. querem ouvir-me? Parece-me que tenho o direito de merecer hoje benevolencia da parte da opposição, porque tenho a desgraça de fazer quarenta e tres annos. (Riso.) Querem ouvir-me? Em 1886 dizia-se que havia n'este paiz moralidade no poder. Congratulo-me por esse facto de pertencer ao partido progressista.

Uma voz: - Foi em 1887.

O Orador: - Em 1887, sim, em 1886 ao por engano. (Riso.) Não me lembrava que foi em fevereiro ou março de 1886 que Deus Nosso Senhor, condoendo-se da triste sorte do paiz, derribou o partido regenerador. (Riso.) Brindou-se á moralidade e eu acredito porque está acima de toda a suspeita a palavra que relatou esse facto. Mas longe de ver n'esse facto desfavor para a situação, não vejo se não um titulo de gloria. (Apoiados).

O sr. Marçal Pacheco: - Compare essa saude com o discurso do sr. Antonio Candido.

O Orador: - E vem com esse discurso do sr. Antonio Candido e com os pretendidos amúos de alguns deputados da maioria.

(Interrupção.)

É curioso. Na opinião de s. exas. estas considerações devem magoar-me, a são s. ex.as os proprios que não querem que eu continue n'ellas. (Apoiados).

(Interrupção.)

Incommodam-se com as minhas considerações, mas quero hoje ser generoso para com s. exas.

Uma VOZ: - Falle, falle, mas diga quem é que está amuado.

O Orador: - V. exas. é que sabem. Estão todos os dias ahi publicando uma cotação dos seus fundos...

Eu tenho acompanhado este governo e hei de acompanhal-o, convencido de que presto um serviço ao paiz. (Muitos apoiados).

Se acaso um dia a maioria lhe desapparecesse, este governo podia contar que tinha atrás de si um homem que o acompanhava.

(Apartes).

O sr. Presidente: - Eu peço ao sr. deputado que venha parada tribuna, ou que se volte para a presidencia, porque continuando assim não póde ser ouvido.

(Apartes.)

O sr. Presidente (tocando a campainha): - Peço ordem.

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SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1888 95

O Orador - Dizia eu que comprehendia perfeitamente o alcance de uma saude á moralidade publica.

Effectivamente, seja dito em abono da verdade, e sem azedume: temos, temos um tempo de moralidade no poder, e esse tempo pertence á situação actual. (Muitos apoiados).

Digo isto plenissimamente convencido.

E notem s. exas. que não entra no meu espirito, nem no espirito de alguem, a minima suspeita do menos consideração e respeito pela memoria de Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Era honrado entre os honrados; (Apoiados.) mas tinha um systema politico que, a meu ver, alimentava em roda de si, muitas immoralidades.

(Aparte do sr. deputado José de Azevedo Castelo Branco, que se não percebeu.)

O sr. Marçal Pacheco: - Eu digo a v. exa. o que foi: O sr. José de Azevedo Castello Branco estava estranhando que v. exa. fallasse na desmoralização do partido regenerador, tendo lá um irmão, e eu. dizia-lhe então que não tinha lá um, que tinha muitos.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Nas minhas palavras não havia a menor idéa de melindrar a v. exa....

O Orador: - Não tem nada uma cousa com a outra. Eu, que acabo de fazer o mais alevantado elogio á memoria do fallecido chefe do partido regenerador, não tinha, apesar de tudo, duvida de dizer diante de s. exa. a mesma cousa que estou hoje aqui dizendo; e é, que pelos seus processos-politicos, a immoralidade, se existiu, foi na situação presidida- por s. exa.

Foi n'essa situação que se deu esse facto, quando s. exas. me empurravam para o sr. Marianno de Carvalho, e eu não queria ir, porque tinha melhor do que elle. Foi n'essa situação.

Vozes: - Isso é que não.

O Orador: - S. exas. esquecem-se!

S. exa. não se recorda de que, quando fallou aqui no sr. Marianno de Carvalho e na questão do caminho de ferro, não havia um unico partido que não tivesse entrado n'esse accordo para a revogação...

(Interrupções.)

E então?... Isso nào é responder!

A responsabilidade sabem s. ex.as de quem foi? Foi da camara regeneradora, foi do ministerio que estava então no poder, foi da sua maioria que aceitou a proposta que aqui se apresentou em virtude da qual...

(Interrupções.)

Mas a, quem um homem publico tem o direito de tomar essa responsabilidade é á maioria d'esse parlamento e ao governo que aceitou e preparou o campo.

O sr. Franco Castelo Branco: - Porque porque os membros da opposição progressista em 1881 não levantaram essa questão?

O Orador: - Um dos que a não levantou fui eu.

Vozes: - V. exa. não estava cá. (Riso.)

O Orador: - Estava confundido. Estive cá, mas foi em 1884, na occasião a que me estou referindo, quando o partido regenerador declarou acceitar a emenda apresentada pelo sr. Marianno de Carvalho. Em 1884 não estava cá; os partidos colligados tinham tido o cuidado de impedir a minha entrada na camara. Se tivesse vindo tinha levantado essa questão.

Vozes: - Ainda está a tempo.

O Orador: - Sr. presidente, volto ao ponto em que fui interrompido, e o que peço é a attenção das pessoas a quem me estou dirigindo.

Eu, como homem publico desejarei que haja corporação nas condições da junta consultiva de obras publicas, e ministros, que possam dar a respeito d'este acto, respostas tão cabaes, tão completas para a tranquillidado do paiz, como as que deu o sr. ministro das obras publicas.

Isto é o que eu desejo, e mando para a mesa o meu requerimento.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas dos seus discursos n'esta sessão)

Leu-se na mesa o seguinte:

Requerimento

Roqueiro que, pelo ministerio da marinha, sejam remettidos com urgencia a esta camara por, copia;

A acta do concurso para a construcção do caminho de ferro de Ambaca de 13 de fevereiro do 1885;

"Portaria de25 de fevereiro de 1885;

Protesto do banco Lusitano e outros.

Acta da concessão de 26 de agosto de 1885 sobre a construcção do, mesmo caminho de ferro;

Consulta da procuradoria geral da corôa de 7 de setembro de 1885 e despacho n'ella exarado;

Officio do proponente de 12 de setembro de 1885.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Pedi a palavra quando o illustre deputado o sr. Arroyo se referiu a um artigo publicado hoje em um jornal de Lisboa, e firmado com o meu nome. Já no outro dia o meu amigo o sr. Arouca fez aqui uma allusão identica, o que me obrigou desde logo a pedir a palavra. Mas, receiando que me não chegue a vez de faltar no incidente para que me inscrevi, não quero deixar de aproveitar a occasião, que se me offerece n'este momento, para estabelecer a este respeito a doutrina que reputo verdadeira.

Não posso levar a mal que os illustres deputados citem aqui o meu nome e os meus escriptos. Mas devo declarar, de uma vez para sempre, que não respondo no parlamento pelo que escrevo- na imprensa; (Apoiados.) Na minha opinião, são estas duas tribunas independentes,( Apoiados.) e nas discussões parlamentares não devem ter logar as polemicas jornalisticas. (Apoiados.) A unica excepção que estas regras podem, a meu ver, admittir, é quando, entre o que se escreve lá fóra e o que se diz aqui, existe qualquer contradicção.

Ora não é este o meu caso.- O meu artigo, a que se referiu o sr. Arroyo, não faz senão expor doutrinas, com as quaes tenho sempre conformado os meus actos, tanto na imprensa como no parlamento. -(Apoiados.)

sr. Arroyo: - V. exa.dá licença que eu o interrompa com duas palavras de explicação?

O Orador: - Pois não! Com todo o gosto.

O sr. Arroyo: - V. exa. está equivocado. O artigo de v. exa., se alguma cousa tem de inexacto, são as referencias em extremo amaveis que n'ello me são feitas. E se eu me referi ainda agora a esse artigo, foi, unicamente para dizer que eu tinha tratado aqui a questão relativa ás obras do porto de Lisboa em termos taes, que uma phrase que eu proferi n'essa occasião, pôde ser aproveitada com elogio para thema de um artigo de v. exa.

O Orador: - Eu já lá ia a esse ponto. Mas antes d'isso queria affirmar, sob um ponto de vista geral, que me parecia menos correcto, parlamentarmente fallando, trazer os artigos dos jornaes para as discussões da camara. (Apoiados.) Pelo que escrevo lá fóra tomo lá fora todas as responsabilidades. Aqui não se trata d'isso.

Com respeito ao thema do meu artigo, as minhas explicações serão extremamente breves e singelas. E certo que eu, como o sr. Arroyo, com a mesma intenção honrada e com a mesma sinceridade de convicções, protestei n'esse artigo contra a malaria da nossa politica, que consiste principalmente no systema da diffamação e da calumnia, empregado como arma de guerra partidaria, e que, desacreditando todos os homens publicos, é origem de uma das mais graves doenças de que soffre o nosso organismo politico. (Muitos apoiados.) É por isso que eu pedi no meu artigo, como peço agora, a todos os homens publicos, sem distincção de partidos, que arredemos para bem longe similhan-

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tes processos, e que, embora luctemos intransigentemente uns com outros, oppondo idéas a idéas, sustentando cada qual os seus principios com energia e com firmeza, não andemos sempre a enlamaer-nos uns aos outros, offerecendo ao paiz um espectaculo deploravel. (Muitos apoiados.)

As questões de moralidade são precisamente aquellas em que os exageros e os desmandos, da paixão partidaria podem ser mais perniciosos. É por isso que eu peço, tanto ao sr. Arroyo, cujos enthusiasmos tribunicios ficam tão bem na opposição, como ao meu amigo o sr. Antonio Maria de Carvalho, que, apesar da sua dedicação pelo governo, tem um invencivel temperamento opposicionista, que não tragam por fórma alguma para a discussão relativa ás obras do porto de Lisboa nem sequer resaibos de qualquer excitação politica ou partidaria. (Apoiados.)

É preciso que se lembrem todos de que nos ouve o publico das galerias, de que nos escuta o paiz inteiro, e que é absolutamente indispensavel, para bem de todos, que se não supponha, lá fóra que n'um assumpto d'esta natureza nós nos achamos aqui divididos em dois bandos cegos e desordenados, um empenhado era encobrir quaesquer abusos, outro disposto a inventar suppostos crimes. (Muitos apoiados.)

Encaremos todos a questão, com serenidade, com imparcialidade, como quem quer apurar e liquidar bem todas as responsabilidades, como quem deseja que se faça inteira luz sobre tão melindroso assumpto, mas não nos apaixonemos, não nos irritemos, não nos zanguemos. (Apoiados.)

Ha um proverbio francez que diz: tu te fache, donc tu as tort. Não nos zanguemos para que o paiz não supponha que não temos rasão. (Muitos apoiados.)

Q sr. ministro das obras publicas póde ter hoje muitos, amigos mais lisonjeiros e mais pressurosos do que eu; mas, nas horas da lucta e da adversidade, não teve companheiro mais leal nem mais dedicado.

Ora é era nome dessas antigas relações que eu desejo dirigir a s. exa. um pedido, antes de terminar.

Não, sáia o illustre ministro do terreno em que nobremente se collocou, e aguarde serenamente o exame da questão.

Estimei muito vel-o propor o inquerito parlamentar; folguei com a promptidão com que se tem declarado habilitado para todas as discussões.

Consinta s. exa. que eu lhe peça que se mantenha n'essa attitude, e que diga aos seus amigos mais impacientes que não sejam mais papistas do que o papa e que o trop zèle prejudica quasi sempre todas as situações.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

Postas á votação as propostas do sr. Marçal Pacheco e Alfredo Pereira foram ambas approvadas.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do incidente sobre a questão das licenças e tumultos

O sr. Franco Castello Branco: - Não pedíra a palavra, quando fallava o sr. Antonio Maria de Carvalho, na persuasão de que hoje poderia responder ao illustre deputado que o procedeu no debate que faz parte da ordem do dia, levantando tambem algumas phrases proferidas pelo sr. presidente do conselho e aproveitando o ensejo para alguma cousa dizer tambem ao sr. Antonio Maria de Carvalho.

Começára pois por este ultimo ponto, expondo á camara as suas considerações muito breves, muito singelas e muito claras com respeito ás insinuações que o sr. Antonio Maria de Carvalho dirigiu a este lado da camara.

(Pausa.)

Como não está presente o sr. Antonio Maria de Carvalho, estima que esteja presente o sr. ministro das obras publicas, e estima-o para que, ouvindo o que elle orador vae dizer, possa dar cabal testemunho sobre se a opposição parlamentar logo desde a primeira sessão se apresentou com o proposito de calumniar alguem, ou se pelo contrario manifestando o rigido dever de fazer accusações, mas só depois do estudo minucioso dos factos, não recuando diante d'esse dever por qualquer ordem de considerações; queria tambem que o sr. ministro das obras publicas lhe dissesse se era a opposição regeneradora, que procedendo assim, merecia ser accusada de calumniadora pelo amigo de s. exa., o sr. Antonio Maria de Carvalho; ou se é alguem, que na sessão de 1885, sem coragem para levantar a questão dos caminhos de ferro, a que tambem imprudentemente se referiu o sr. Antonio Maria de Carvalho, não tivera pejo de dizer a Fontes Pereira de Mello, a cuja honestidade e grandeza moral, hoje todos rendem preito, que esse homem não podia mais entrar n'esta casa de cabeça levantada? (Apoiados.) Referia-se ao sr. Emygdio Navarro.

O facto é bem conhecido, e podia ter consequencias gravissimas, por ter ferido alguem, que de perto pertencia áquelle cavalheiro.

Compare o paiz o procedimento da opposição sobre a questão das obras do porto de Lisboa, com o procedimento de s. exa. o sr. ministro das obras publicas, na sessão de 1885.

Accusára-se a opposição regeneradora pela fórma por que está procedendo, calumniam-n'a, quando pretende simples e friamente examinar os factos, emquanto que a opposição progressista, e ainda não eram, corridos muitos annos, por uma das suas vozes mais auctorisadas, atacava d'aquella sorte a honra e a probidade de um homem como Fontes Pereira de Mello, a quem depois de morto os seus inimigos prestaram a homenagem não só de justiça mas tambem de arrependimento e penitencia, pelo muito que o tinha offendido e maltratado.

Aprecie agora a camara e todos que o ouvem o procedimento que segue a opposição regeneradora na adjudicação das obras do porto de Lisboa, para com o ministro que se diz victima de accusações injuriosas n'essa mesma questão, e compare-o com o procedimento d'esse mesmo senhor em 1855 para com o sr. Fontes Pereira de Mello.

Que era facil cpmprehender a rasão por que similhante incidente se levantou hoje na camara. Que hontem no Diario do governo publicaram-se, não os documentos que haviam sido requeridos pelo sr. João Arroyo e Pedro Victor, mas unica e simplesmente uma consulta da commissão de obras publicas do porto de Lisboa, e uma consulta da junta consultiva de obras publicas. Que esses documentos de data recentissima, foram logo commentados no jornal mais affecto ao sr. ministro das obras publicas, e que tal facto era bastante para demonstrar que se esperava uma influencia benefica para a situação de s. exa. Que mais nada se publicou d'aquillo que estava incluido no requerimento dos srs. João Arroyo e Pedro Victor, e ainda não conhecido do publico.

Que quando, nem o sr. Antonio Maria de Carvalho, nem todos os que o escutavam conheciam taes documentos, vinha o mesmo sr. Antonio Maria de Carvalho, deputado pelo circulo de Arouca, amigo intimo do ministro e membro do inquerito agricola levantar a questão por fórma tão insolita!

Sente que o provoquem e aos seus amigos de um modo tão insolito e tão inconveniente, quer para a justiça devida ao sr. ministro das obras publicas, se é que lhe era devida, quer para o socego e tranquillidade de todos. Que em questões d'esta ordem, levantadas por fórma que não só envolvem responsabilidades politicas, mas que tambem podem ser desagradaveis para as pessoas que estão n'ellas compromettidas, não eram os que precisam defender-se, que devem vir com insinuações injuriosas áquelles que, ac-

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cusando, querem apenas cumprir com o seu dever, e não ir mais longe.

Que era necessario descobrir bem o trama que se tinha formado para se conhecer a rasão por que um deputado da maioria os vinha accusar, por não discutirem uma causa que desde o primeiro dia se declarou, que não poderia discutir-se sem o conhecimento de certos documentos, e sem os terem estudado. Que as provocações do sr. deputado não fariam mais que acirrar os animos.

Que posto em evidencia o motivo por que hoje se levantou aqui a questão, e posto em evidencia qual, fôra o procedimento do sr. ministro das obras publicas em 1885 e qual era o procedimento da opposição regeneradora agora, nada mais diria a este respeito até que uma nota de interpellação seja mandada para a mesa, porque em questões d'esta ordem não era declamando, mais ou menos furiosamente, que se podem avaliar as responsabilidades de cada um.

Que folgava de ver, e estava persuadido, que folgavam ambos os lados da camara que um illustre deputado da maioria respeitado, admirado pelo seu talento e pelas suas qualidades, fosse o primeiro que se encarregou patentemente, e sobretudo pela sua posição de deputado da maioria, demonstrar a inconveniencia do illustre deputado que se levantou n'este debate, o sr. Antonio Maria de Carvalho.

Que fôra sua intenção ser muito resumido; mas que, sendo distrahido d'este proposito por um assumpto que não era esperado por ninguem, passava agora, resumindo-se- o mais que podesse, a responder ao orador que o precedeu, e em seguida demonstrar que ao governo falta a auctoridade moral para manter a paz e tranquillidade publicas, e que era este o conteúdo da moção que mandava para a mesa.

Que o sr. deputado Elvino de Brito dividíra em duas partes bem distinctas o seu discurso.

Em uma parte, s. exa. não fez mais do que accusar, de factos velhos e muito velhos, conhecidos e muito bem conhecidos, de administração ultramarina, o illustre deputado e ex-ministro da marinha, o sr. Pinheiro Chagas.

Com relação a esta parte do discurso, tenho a dizer que o considero facto de muito mau agouro.

Como no drama antigo, que quando está para chegar o facto tragico culminánte da peça, dão-se factos sobrenaturaes no céu e na terra, assim no parlamento, quando está, para cair um ministerio, o sr. Elvino de Brito faz um discurso muito longo, muito violento, contra o sr. Pinheiro Chagas. (Apoiados. - Riso.)

S. exa., que era orador muito distincto, havia quasi um anno que estava calado, e afastado das discussões.

Pois era exactamente no momento em que a opposição diz ao governo que se vá embora, embora o governo diga que fica, era n'este momento que o sr. Elvino de Brito apparecia com uma nova catilinaria contra o sr. Pinheiro Chagas, que não é ministro por emquanto, e que s. exa. julga que já ha de ser ministro ámanhã.

Parecia que s. exa. trazia agora comsigo a fatalidade de annunciar a proxima morte do ministerio.

Mas que era notavel o empenho que s. exa. tinha em atacar em tudo e por tudo o sr. Pinheiro Chagas!

Que effectivamente o sr. Pinheiro Chagas merecia-o, porque era o primeiro orador do nosso paiz; porque na imprensa era incontestavelmente o adversario que mais mal faz. Que na opposição era s. exa. quem lhes dava coragem e valor nos momentos mais decisivos, mais importantes e mais criticos das luctas parlamentares.

A tout seigneur, toute honneur. Ao sr. Pinheiro Chagas competia bem a honra de, em todas as sessões, ser atacado pelo que já fez, pelo que já disse, pelo que ha de fazer e pelo que ha de dizer.

Que em todo o caso, o illustre parlamentar e jornalista, o illustre homem de estado, tem sido violenta e injustamente ,atacado, por ser elle o mais infatigavel luctador. Apesar d'esses ataques, porém, que têem chegado mesmo á sua vida particular, Pinheiro Chagas passa altivo, independente, superior a tudo, como notavel homem de estado, como grande parlamentar e jornalista, como grande trabalhador n'este paiz de mandriões.

Que na outra parte do seu discurso encarregára-se o sr. Elvino de Brito de defender o governo na questão das licenças, sustentando que o governo não tinha suspendido os decretos de 3 de setembro e 30 de novembro, relativos á cobrança da contribuição industrial por meio de licenças. Que um dos pontos a que se referiu fôra o artigo l6.° do decreto de 8 de setembro a que s. exa. chamou acto benevolente.

Que com relação á primeira parte ia ler á camara o artigo 3.° do decreto de 8 de setembro. Que por esta disposição legal todo o industrial cuja contribuição devesse ser paga pela forma de licença, tinha, pelo decreto publicado pelo governo, de tirar, no mez de dezembro já decorrido a licença relativa ao primeiro trimestre, que começou em janeiro d'este anno. A disposição era clara e terminante. E que fez o governo?

Mandou dizer pelos governos civis, pelos administradores do conselho, pela Provincia, pelo Diario de noticias, por todos os orgãos que para este governo eram orgãos officiaes, que onde se lia no artigo 3.° que eram obrigados a tirar licenças em dezembro, se devia ler, os contribuintes não são obrigados a tirar licença. Em se pondo um não no artigo, poderá dizer-se com verdade que o governo não suspendeu cousa alguma.

Que á disposição do artigo 16.° chama o sr. Elvino de Brito benevolente simplesmente, porque em logar dos individuos que estão sujeitos áquelle artigo pagarem-na cadeia a multa, segundo o codigo penal, na rasão de 500 réis por dia, a pagariam á rasão de 1$000 réis. A verdade, porém, era que tal disposição, cruel e barbara, faria a desgraça das classes operarias na rasão directa da sua pobreza, não poupando até os doentes, e os que não tiverem sempre trabalho.

Que pelas disposições anteriores o artista, o industrial, o operario que não pagasse a sua contribuição o fisco procedia contra elle mandando-o executar; mas se não se encontravam bens, em que podesse recair a execução, nos termos da lei do processo ordinario, se não achavam senão os objectos de vestuario, a cama, e os utensilios e ferramenta indispensaveis, como succederia quando o operario por doença, ou por outro qualquer motivo não tivesse podido trabalhar, a lei julgava falha a execução, e o operario nenhuma outra responsabilidade tinha de futuro nem para com o estado, nem para qualquer individuo.

O que succederia de futuro se o decreto de 8 de setembro ficasse em vigor, se o governo o não tivesse renegado, penitenciando se diante dos que se tinham levantado no uso legitimo de direito de defeza? Quaes eram as consequencias praticas que derivavam do artigo 16.° do decreto? Eram as que tinha honra de expor á camara.

Ao artista, ao operario, que por doença não tivesse podido trabalhar durante, um, dois ou tres mezes, no primeiro dia em que se dirigisse para a sua officina, qualquer dos agentes do fisco tinha a obrigação de pedir-lhe a licença, e quando a não encontrasse, autual-o. Esse auto era mandado para o tribunal ordinario fóra de Lisboa, e em Lisboa para o tribunal da Boa Hora. Fazia se-lhe um processo correccional, e condemnado na multa, era posto n'esta collisão ou ir para a cadeia, remindo a divida ao estado á rasão de 1$000 réis por dia, ou vender o fato, a cama, e os utensilios do trabalho, vendo-se assim privado dos meios de angariar pão para accudir á sua familia, para se livrar da cadeia, e da vergonha de lá ter estado.

Que era este o acto beneficente e humanitario que o governo concedia áquellas classes, aliás as mais dignas de protecção.

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Ía referir-se aos tumultos, que se estão dando no paiz, e cuja origem se prende com esta discussão.

O governo, pela voz do sr. presidente do conselho, continua a affirmar que o paiz está tranquillo, quando ao mesmo tempo os telegrammas de todos os pontos confirmam o contrario.

Hoje eram os ultimos os tumultos em Chaves, onde quatro freguezias se revoltam contra o inquerito, mandado fazer por um governo que não tem sabido administrar os tributos que elles pagam, receiando por isso os povos que elle venha exigir-lhe mais, para compensar os esbanjamentos, que se fazem.

Que a phrase do sr. presidente do conselho "de que o governo fica" faz lembrar uma chistosa charge de Albert Millaud, a proposito de Julio Grévy, esse velho tão honrado quanto desgraçado que nos seus ultimos dias de vida politica dizia o mesmo.

Albert Millaud comparou Grévy a um capitão de um navio que o vão alijando para evitar o naufragio, ficando no seu posto só para cumprir o seu dever.

Assim tambem o sr. José Luciano de Castro já alijou do navio as licenças e o inquerito agricola.

Se o paiz se levantar contra os addicionaes, os addicionaes terão a mesma sorte que as licenças, porque o dever do governo é ficar, e a esse dever não póde faltar!

Se o paiz se levantar contra a questão das obras do porto de Lisboa, o sr. Emygdio Navarro irá borda fóra, e o governo fica.

Se isto ainda não bastar, quando chegar a desgraçada questão dos tabacos, se for necessario, sacrificar-se-ha tambem o sr. MarianNo de Carvalho.

Uma VOZ: - Se elle deixar.

O Orador: - Não lhe parece, porém, que n'esta occasião o coração do sr. presidente do conselho sangre muito! (Riso.)

Se o paiz tambem não quizer a reacção religiosa, que á sombra d'este governo se está manifestando muito e desenvolvendo, o sr. Barros Gomes irá até Roma, até onde os peregrinos mais religio-os desejam ir. Mas o sr. presidente do conselho ficará, porque esse é o seu dever.

Que no fim de toda esta comedia parlamentar, s. exa. acabará por ter a mesma sorte, e irá para a rua dos Navegantes, assim como Julio Grévy foi para a avenida d'Iéna.

S. exa., porém, diz que conhece bem a opposição. Ao principio muito furor, mas depois amaina.

Pois, se assim succeder, então s. exa. fique no poder, e varra d'aqui como um lixo immundo esta opposição, e elle, orador, o ajudaria.

A opposição, comtudo, não procede assim; e ao contrario bastantes rasões temos nós para julgar bom fatal e prophetico o discurso do sr. Elvino de Brito.

Já em 1886, s. exa. levou tres dias a defender enthusiasticamente o governo, e o governo tinha deixado de ficar, antes de s. exa. acabar.

Conclue dizendo que estima muito para consolação dos seus collegas da maioria, que não tenham agora tal surpreza, e muito mais breve do que se espera.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando que o governo carece de auctoridade moral para manter a paz e tranquillidade publicas, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.

Foi admittida.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Por parte da commissão de resposta ao discurso da corôa mando para a mesa o projecto de resposta.

O sr. Eça de Azevedo: -(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Dantas Baracho: - Quando hontem fallava o sr. presidente do conselho fiz uma interrupção dizendo que hoje faria a narração dos factos que se deram em Ourem, e a que s. exa. se referiu; mas quando fiz esta promessa esperava que hoje me coubesse a palavra sobre o assumpto da ordem do dia.

Infelizmente, a palavra não me chegou na altura competente para me occupar de uma materia que ha de ser vasta, e por essa occasião hei de confrontar outros factos que se têem dado da mesma Índole, e pôr em relevo o procedimento do partido regenerador.

Agora devo dizer que ouvi com toda a attenção o illustre deputado o sr. Eça de Azevedo, mas permitia-me s. exa. que lhe diga que não serei eu quem lhe satisfaça o desejo de pôr termo n'esta questão, pelo contrario, porque emquanto d'esse lado da camara partirem insinuações contra a opposição, como ainda hoje fez o sr. Antonio Maria de Carvalho e hontem o sr. presidente do conselho, eu e os meus collegas havemos de repelil-as com toda a energia. (Apoiados.)

Pelo adiantado da hora não posso entrar em mais largas considerações, mas quando me chegar a palavra sobre o assumpto que constitue a ordem do dia, eu hei de largamente procurar os meios de liquidar esta velha questão, já que o sr. presidente do concelho deseja que lhe faça essa vontade.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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