O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 23

N.° 7

EM 15 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios- os exmo. srs.

Amandio Eduardo da Moda Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conhecimento á camara de diversos officios, sendo um d´elles o que acompanha o decreto pelo qual são nomeados os supplentes á presidencia e vice-presidencia. - Presta juramento como supplente o sr. visconde de Villar Secco. - O sr. ministro das obras publicas manda para a mesa uma proposta para accumulação e uma proposta de lei, relativa ás sociedades anonymas - O sr. ministro da marinha declara-se habilitado a responder is perguntas- que pretende dirigir-lhe o sr. Mello e Sousa, e em seguida manda para a mesa tres propostas de lei, que são enviadas ás respectivas commissões. - Apresenta o projecto de resposta ao discurso da corôa o sr. Luciano Monteiro.- Realisa a sua interpellação ao sr. ministro da marinha o sr. deputado Fratel, ácerca da orientação administrativa da companhia de Moçambique. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Declara-se habilitado o sr. ministro dos negocios estrangeiros a responder á interpellação do sr. Fratel. - O sr. Costa Pinto participa a constituição da commissão de petições e propõe a reconducção de uma commissão. -- Agradece o sr. Fratel a resposta que lhe deu o sr. ministro da marinha. - O sr. Sousa Avides pede o estabelecimento de amarrações fixas no porto de Leixões. Resposta do sr. ministro das obras publicas. - O Sr. Mello e Sousa, depois de ter pedido, e a camara approvar, que se abra uma inscripção especial sobre o assumpto da interpellação que vae realisar, pede explicações ao sr. ministro da marinha ácerca do decreto que estabeleceu em Angola o monopolio do alcool. Resposta do sr. ministro da marinha. Réplica do sr. Mello e Sousa, que combate largamente o citado decreto. Responde o sr. ministro da marinha. - Toma parte no debate o sr. Ferreira de Almeida, impugnando o decreto. - O Sr. ministro da marinha pede ao orador precedente explicações de algumas abrases que proferiu. -Novamente usam da palavra os srs. Mello e Sousa, ministro da marinha e Ferreira de Almeida; este ultimo para explicações.-Representação da camara municipal de Ponte da Barca.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 51 srs. deputados. 83a os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madurara Beça, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Candido da Costa, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Carlos de Almeida Braga, Conde de Pinhel, Conde de Villar Secco, Francisco José Patricio, Francisco Rangel de Lima, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Lopes Carneiro de Moura, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Joaquim Aguas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Mendes Lima, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto de Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Quirino Avelino, de Jesus, Theodoro ferreira Pinto Basto, Thomaz Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira o Visconde da Idanha.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Antonio Adriano da Costa, Antonio José Lopes Navarro, Conde de Valle Flor, Diogo José Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, José Dias Ferreira, José Freire lobo do Amaral, Luciano Affonso da Silva Monteiro e Miguel Dantas Gonçalves Pereira.

Não compareceram á sessão os srs.: - AdolpHo Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alfredo de Moraes Carvalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Anadia, Conde de Tavarede, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio José Franco, Jacinto José Maria do Couto, Jayme de Magalhães Lima, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Pereira Charula, João Marcellino Arroyo, João Maria Correia Ayres de Campos, João da Motta Gomes, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barros, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Teixeira Gomes, Julio Cesar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomaz Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Romano Santa Clara Gomes, Visconde do Banho, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida, Visconde de Tinalhas e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta-Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Tomando em consideração a proposta da camara dos senhores deputados da nação portugueza, e visto o disposto no artigo l.° da carta de lei de 3 de setembro de 1842: hei por bem nomear os deputados conde de Villar Secco e José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso para

Página 24

24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

supprirem o eventual e simultaneo impedimento do presidente o vice-presidente da mesma camara.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido e faça constar á menina camara, paço, em 13 de janeiro do 1897. - REI = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Para a secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, acompanhando documentos relativos á liquidação do credito do estado sobre a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

Para a secretaria

3.º Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. José Dias Ferreira, documentou relativos ao emprestimo de 3:000 contos de réis, em obrigações da tabacos, e copia do officio da direcção geral da thesouraria do mesmo ministerio ácerca da divida flutuante, tanto interna como externa.

Para a secretaria

4.º Do ministerio dos negocios estrangeiros, participando, um satisfação ao requerimento do sr. deputado Dias Ferreira, que, não tendo havido negociares escriptas entre os governos de Portugal e da Allemanha ácerca dos incidentes occorridos com o consul d´esta nação em Lourenço Marques, nenhuns documentos póde enviar á camara, reservando sobre este assumpto dar verbalmente as explicações que julgar convenientes.

Para a secretaria.

5.° Do mesmo ministerio, participando que sobre a questão do convenio com os credores da companhia dos caminhos de ferro portuguezes se está organisando e imprimindo um Livro branco, para opportunamente ser apresentado ás camaras.

Para a secretaria.

6.º Do ministerio da marinha, participando que, não estando ainda liquidadas pelos competentes processos judiciaes, ao responsabilidades inherentes ás occorrencias dos dias 10 de outubro e 8 de dezembro, em Lourenço Marques, relativas ao consul allemão, não podem por emquanto ser enviados os documentos pedidos pelo sr. deputado Dias Ferreira.

Para a secretaria.

7.° Do governo civil du Vianna do Castello, acompanhando uma representação em que a camara municipal do concelho da Ponte da Barca, pede a prorogação do praso das reuniões do serviço militar pelo preço de 50$000 réis.

Para a secretaria.

8.º Da sra. condessa do Casal Ribeiro, agradecendo o voto de sentimento, exarado na acta da sessão de 6 do corrente, pelo fallecimento de seu marido, condo do Casal Ribeiro.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Convido o sr. conde de Villar secco a vir prestar juramento, na qualidade de supplente á presidencia e vice-presidencia.

(Prestou juramento.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Pedi a palavra para mandar para a mesa, por parte do sr. ministro do reino, a seguinte proposta:

Em conformidade, com o disposto no artigo 3.º do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que o sr. deputado João Rodrigues Ribeiro, professor do lyceu nacional de Santarem, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com a de vogal do 1.° grupo nos jurys do concurso para o magisterio secundario, effectuados no lyceu de Lisboa.

Secretaria d´estado dos negocios do reino, em 15 de janeiro de 1897. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Igualmente mando para a mesa uma proposta de lei, pela qual são substituidos diversos artigos do codigo commercial, no intuito de melhor assegurar a constituição das sociedades anonymas, e garantir convenientemente o seu regular funccionamento.

Passo a lel-a.

Vão publicada no fim d´esta sessão a pag. 33.

Lida na mesa a proposta de accumulação, foi em seguida approvada.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Tambem vou ler e mandar para a mesa tres propostas de lei sobre assumptos referentes ao meu ministerio.

(Leu.)

Aproveito a occasião para declarar a v. exa. e á camara que me dou por habilitado para responder ás perguntas que quer formular o sr. deputado Mello e Sousa, conforme a nota que v. exa. se dignou enviar-me.

As propostas de lei vão publicadas no fim da sessão a pag. 37.

O sr. Luciano Monteiro: - Mando para a mesa o projecto de resposta ao discurso da corôa.

A imprimir.

O sr. Manuel Fratel: - Sr. presidente, folgo com a presença do sr. ministro da marinha n´esta casa; primeiro, porque vejo ser felizmente destituida de fundamento a noticia, inserta n´alguns jornaes, de que s. exa. se achava enfermo; em segundo logar, porque se me proporciona o ensejo de me referir ao assumpto para o qual, em harmonia com as prescripções regimentaes, redigi um aviso previo. A camara conhece o motivo que me inhibiu de tratar da questão, logo na segunda feira passada; entrara-se na ordem do dia, quando o nobre ministro declarou estar habilitado a responder-me; não podia ou, por consequencia, sem infracção do regimento, tomar a palavra.

É desnecessario affirmar que nas apreciações, que vou fazer, me não move nenhum sentimento de acintosa hostilidade para com a companhia de Moçambique; simplesmente a gravidade das accusações, que sobre ella pesam, e a convicção, de que uma das nossas mais importantes colonias corre grandes perigos, me obrigam a verberar um procedimento irregular, chamando para elle a attenção do governo.

Como a camara sabe, aquella sociedade constituiu-se em 1888, sendo successora da companhia de Ophir, decaída dos seus direitos por falta do cumprimento das condições de contracto. Tinha então para explorar os terrenos comprehendidos entre o Buzi e o Arangua, conhecido pelo nome de pungue, no seu curso inferior. Depois, occorrencias de bem dolorosa memoria e as ameaças constantes de invasões nos nossos territorios, limitrophes de territorios britannicos, mormente após a creação de uma assás famigerada companhia ingleza, convenceram-nos da conveniencia de dar-lhe nova organisação e alargar-lhe os dominios. Foram-lhe conferidos poderes magestaticos e concederam-se-lhe terrenos tendo por limites: ao norte e noroeste o curso do zambeze, desde a embocadura mais meridional e a fronteira de districto de Tete, a oeste a fronteira interior da provincia, no sul o rio Save até á embocadura mais meridional, a leste o Oceano. Ainda posteriormente, por decreto de 22 de dezembro de 1893, foram ampliados estes domínios com uma larga faxa ao sul d´este ultimo rio. Não discutirei agora as vantagens ou inconveniencias de restaurar instituições que, ao principio, tão bellos fructos

Página 25

SESSÃO N.º 7 DE 16 DE JANEIRO DE 1897 25

produziram e, no decorrer dos tempos, tantos abusos commetteram; a verdade é que, sem embargo das criticas acerbas de abalisados escriptores, as nações, imitando a Inglaterra, estão formando companhias segundo os moldes da celebre companhia das Indias e que nós as seguimos n´esse processo de administração colonial.

Dito que á companhia de Moçambique pertencem os antigos districtos de Manica e Sofala, fica notado que possue uma área maravilhosamente favorecida e que, por isso, os suas responsabilidades serão gravissimas, se permittir que outros se apoderem, pouco a pouco, do que lhe entregamos para conservar e respeitar.

Em todos os diplomas, que respeitam á sua constituição, organisação e modo de funccionar, transparece a idéa fundamental de que é instituida no intuito de firmar a soberania nacional nos seus territorios e desenvolver n´elles a riqueza. É esse pensamento expressamente manifesto nos decretos de 11 de fevereiro e 30 de julho de 1891, nos estatutos de 28 de dezembro d´esse mesmo anno, nas instrucções, com data de 19 de maio de 1892, pelas quaes se regulam as funcções do commissario regio, nos novos estatutos de 27 de dezembro de 1894 e no regulamento das relações entre o conselho de administração e os comités estrangeiros. N´esse sentido, determina-se que a companhia seja considerada portuguesa em todos os seus effeitos, com a sua sede social principal em Lisboa, que o conselho de administração se componha, na maioria, de subditos portuguezes, domiciliados em Portugal. O governo nomeia um commissario regio junto d´ella e reserva-se o direito de enviar para os seus territorios um pessoal de administração civil e financeiro; é obrigada a fazer uso do pavilhão nacional em todos os terrenos da concessão, sobre os edificios e embarcações. Ainda com o mesmo fim enumera-se certo numero de attribuições de altissimo alcance, que não podem ser exclusivamente cedidos aos comités, taes como: o direito de fazer tratados, convenções ou contractos com os chefes indígenas, organisação de forças policiaes, estabelecimento de escolas, direito de administrar e explorar os prasos da corôa, direito de cobrar taxas e impostos. Além d´estes preceitos, outros ha que os reforçam.

Pelo que respeita a melhoramentos materiaes, seria injustiça não os reconhecer. Sem duvida, tem realisado trabalhos importantes, conforme o attestam a magnifica balisagem do porto da Beira, a organisação de serviços de correios, construcção de enfermarias, caes, pontes, registo, e tombo de todos os terrenos concedidos, edificação de casernas para alojamento da força policial, regulamentos para a distribuição de agua aos quinhões mineiros, abertura de caminhos, levantamento de plantas, etc. Não tem, todavia, e ainda mal, procedido com igual zelo na parte relativa a assegurar a soberania nacional, consoante se demonstra por factos e testemunhos acima de toda a suspeição.

Com effeito, a carta organica prescreve que os seus empregados, com funcções administrativos ou fiscaes, ou cammandantes de forças de mar e terra, serão, em geral, de nacionalidade portuguesa, e que, quando excepcionalmente forem estrangeiros, devem renunciar ao seu fôro especial. Ora, a fórma pela qual a companhia acata esta disposição conhecemol-a perfeitamente pelas informações do sr. Ayres de Ornellas, distincto tenente do corpo do estado maior, e bastante conhecedor do que se passa em terras de Manica e Sofala. Quem ler um magnifico artigo, devido á sua penna, e publicado na Revista do exercito e da armada, n. 43, sobre o caminho de ferro da Beira e a passagem das tropas imperiaes inglezas, que o illustre militar acompanhou no percurso do nosso territorio, encontrará revelações edificantes.

Sob o pretexto, escreve o articulista, de fomentar o desenvolvimento do paiz e de crear facilidades para o commercio, a acção governativa da companhia de Moçambique annulou-se, a auctoridade nacional desappareceu,

Até hoje, subditos inglezes estavam á frente de quasi todas as repartições publicas, e talvez, a esse facto seja devido o não haver na Beira dias santos nem de grande gala.

Em nota, affirma que no Barne nunca houve outra auctoridade senão o inglez Taylor, agente da "Chartered". E depois de apontar irrecusaveis provas da desnacionalisação que está soffrendo aquella parte das nossas colonias, termina com estas tristes palavras:

E percorrendo esta verdadeira via dolorosa desde a Beira á fronteira, ao lado de officiaes e soldados inglezes mandados, quasi ia dizendo expressamente, para testemunharem da naturalidade em que lhes vamos entregando tudo, não admira que muitas vezes me acudisse á mente o angustioso grito de Eurico: - "Quem é hoje christão e godo n´esta nossa terra de Hespanha?"

São do mesmo teor as revelações feitas, por mais de uma vez, n´algumas folhas de Lisboa.

Na esphera de acção da companhia é tudo inglez: auctoridades, salvas algumas excepções, lingua, medidas, propriedade, moeda, marcação e hora do caminho de ferro, usos e costumes. Identicas afirmativas se lêem em publicações estrangeiras. Assim, por exemplo, narrando uma viagem pelos portos de mar da Africa portugueza, um jornalista inglez, ao fallar da Beira, diz :

Como nota curiosa devo observar que os chefes das mais importantes repartições publicas são inglezes.

Creio, sr. presidente, que os clamores da opinião já algum bem produziram, porque, a companhia começa a cohibir-se d´esses desmandos; mas até agora os abusos têem sido reaes. Veja-se tambem, em confirmação do que fica dito, um folheto apparecido recentemente e que encerra os documentos officiaes sobre a questão entre o governador geral da provincia de Moçambique e o governador da companhia.

A companhia comprometteu-se, pelo contracto celebrado com o governo, a prover á instrucção dos habitantes dos territorios que administra, estabelecendo á sua custa missões, escolas de instrucção primaria e de artes e officios. E que satisfação dá ella a este artigo? Nenhuma; não tem missões; se existirem, serão provavelmente constituidas por protestantes, que hão de insinuar aos indigenas as enormes vantagens de serem subditos de Sua Magestade Graciosa em substituição de Sua Magestade Fidelissima. Quasi não ha escolas, e, nas raras que por lá apparecem, é provavel que se ensine o inglez, que gosa de fóros de lingua official. Escola de artes e officios, positivamente, continúa apenas na lei.

Obrigou-se, nos primeiros cinco annos, a contar da data da sua constituição, a installar em localidades escolhidos de accordo com o governo, pelo menos 1:000 familias de colonos portuguezes ou descendentes de portuguezes, fornecendo-lhes casa de habitação, terrenos de cultura e instrumentos agrícolas. Tem cumprido esta clausula de tão grande valor? Respondo terminantemente: não; nem a companhia póde provar o contrario, em princípios do anno de 1897, isto é, quando findou, ou está prestes a expirar, o praso marcado para o cumprimento d´esta obrigação. Desprezou por completo o elemento colonisador portuguez, que principalmente concorreria imprimir o cunho do nacional á concessão.

Assumiu o compromisso de construir e explorar o caminho de ferro do Fungue, fosse embora com capitaes estrangeiros, visto que os nossos se retrahem, tratando-se de melhoramentos ultramarinos.

Pois bem; auctorisada pelo governo, declinou o encargo n´outrem. Organisa-se logo em Londres uma poderosa sociedade com o capital dividido em 600:000 acções, das quaes 305:000 asseguram á South Africa a preponderancia nas assembléas geraes da accionistas. D´ahi resulta que a linha ferrea é absolutamente ingleza, havendo occasiões em que só serve para uso da Chartered Company. As casas commerciaes receberam, em

Página 26

26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

maio passado, um aviso da Beira Railway de que até segunda indicação ficava suspenso o transporto de mercadorias suas. Simplesmente inverosimil.

Quanto a concessões, a estatistica e outros documentos dignou do credito, demonstram serem em larga escala para beneficio de inglezes. A Beira Railway dispõe, ao longo das suas 245 milhas de caminho de ferro, do farms de 5:000 hectares, alternadas de um a outro lado da via ferrea; a Premiers Concession possue na fronteira 50 farms de 1:000 hectares cada uma; e, tão pouco cuidado se emprega um materia do concessões que, quasi se ia apoderando do toda a região mineira de Manica, conforme se deprehende dos seguintes periodos de um relatorio ha pouco apresentado pelo sr. Meyrelles do Canto, secretario geral e director dos serviços administrativos da companhia de Moçambique.

«Examinado o mappa, traçado por accordo entre o governador Machado o sr. Parsonson em 5 de abril de 1894, verifiquei que um certo numero do farms da concussão se achavam já demarcadas no districto de Manica, e que, portanto, o que restava era impedir que, em vista dos direitos conferidos á Premier Concessions pelo contracto de 7 de dezembro de 1895, não fossem mais farms transferida para esse districto, o que realmente viria a abranger tamanha area que praticamente se poderia dizer que a região mineira de Manica se achava coberta pelas demarcações da Premier Concessions.»

N'outro relatorio do conselho de administração encontram-se umas notas, que vale a pena referir aqui:

Durante o anno do 1894, foram concedidas dezeseis licenças a pesquizadores, dos quaes 1 portuguez, 9 inglezes, 1 irlandez, 4 allemães e 1 francez.

Alludindo ao movimento no porto da Beira, vê-se que, no segundo semestre de 1892, embarcações entraram:

Tonelagem

22 portuguezas............................. 8:499
7 allemãs...................................2:089
1 arabe..................................... 97
39 inglezas............................... 25:257

Em 1893:

4 portuguezas............................ 3:524
2 francezas.............................. 784
15 allemãs............................... 17:952
7 arabes................................ 612
74 inglezas.............................. 67:393

Em 1894:

2 portuguezas............................ 1:711
5 arabes............................... 377
1 dinamarqueza.......................... 410
28 allemãs............................... 41:668
1 sueca................................... 332
80 inglezas............................... 129:307
1 noruegueza.............................. 638

N'estas estatisticas o que naturalmente causa reparos não é o augmento dos navios inglezes e da sua tonelagem; é o decrescimento simultaneo dos portuguezes.

Quero frisar ainda, n'esta altura, que são terminantes e insistentes as censuras com relação á nacionalidade dos empregados da companhia.

No Mossurize tom cotado um inglez; no Barue outro, o sr. Taylor; o chefe dos serviços do agrimensura é o sr. Danford. O jornalista britannico que citei, affirma serem inglezes os chefes das mais importantes repartições publicas; o bravo Mousinho do Albuquerque, governador geral da provincia, sustenta na sua correspondencia uma lucta com a companhia para a expulsão do elemento inglez.

Todavia, a companhia affirma, n'uma pequena estatistica, que tem apenas dois empregados de origem ingleza.

Tenho toda a consideração pelos illustres representantes da companhia, mas o meu espirito fica hesitante o inclinado a crer que haverá talvez alguns equivocos na estatistica.

Sr. presidente, é bastante visivel que as provincias de Angola e Moçambique excitam a cobiça, aguçam o appetite de nações poderosas. Allemães, ao sul de Angola e ao norte de Moçambique, inglezes a norte e sul d'esta provincia, lançam olhos do voracidade para essas riquezas que os estonteiam. Pela força ou pela astucia, ora usando do direito do mais forte, ora aproveitando-se da nossa proverbial incuria, pretendem a todo o transe expoliar-nos. Entre os logares mais ameaçados está Manica e Sofala, acaso mais ainda do que Lourenço Marque, porque aqui movem-se ambições variadas, e alem, pela situação geographica e pela visinhança da antipathica south Africa, são naturalmente os inglezes os zelosos pretendentes. Acresce que as condições d'esses terrenos são na realidade tentadoras. A sedução manifesta-se sob tantas fórmas... O solo uberrimo, produzindo quasi espontaneamente todos os cereaes; a fauna e a flora riquissimas; nas planicies baixas e visinhas do mar, o cacau; a 500 metros de altitude, o chá; n'umas regiões a canna de assucar, o caoutchouc, o tabaco, o algodão, a gomma copal, a cêra e todos os fructos da região tropical. O clima salubre, com especialidade em Manica, onde é verdadeiramente benefico. Rios navegaveis: o Zambeze, o pungue, o Busi, o Save. Povoações florescentes: a Beira, Fontesvilla, Chimoia, Villa Barreto, Nova Macequece, situada entre o Vumba e o Munene, abundante de aguas e centro de todo o commercio com a Rhodesia. Portos favorecidos pela natureza, bastando citar o da Beira, que offerece ainda a superioridade de estar, relativamente, a pequena distancia de Bulawayo e de Salisbury. Emquanto a primeira d'estas importantes localidades dista do Cabo 2:059 kilometros o a segunda 2:574, distam respectivamente da Beira 928 e 610 kilometros. A todas estas considerações ajunta-se a riqueza aurifera dos terrenos, os melhores depois dos do Transvaal por causa da percentagem do oiro extraindo do quartzo, da espessura do filão, e sobre tudo, da continuidade e regularidade que apresentam, em especial, no Revue.

Á vista, pois, do que fica exposto, o do muito que ainda haveria para ponderar, não admira que os inglezes appeteçam tão saborosa presa.

E o que pratica a companhia de Moçambique para se defender o defender-nos? Que faz ella para conservar portuguez o que portuguez lhe foi dado? Nada, ou peor; a companhia facilita a realisação de um sonho dourado dos seus e dos nossos inimigos. A continuarem as cousas n'este caminho, não virá longe o dia em que se torne effectivo certo artigo da carta organica da South Africa, artigo muito significativo, quo nos não deixa illusões, e que nos devia collocar de sobreaviso. É aquelle famoso artigo 16.º, concebido n'estes termos: «No caso da companhia vir a adquirir algum porto ou portos»... Lendo-se, vê-se immediatamente do que se trata.

A companhia já veiu a publico para se justificar das arguições que lhe são dirigidas. Eu, sr. presidente, não desejo ser desagradavel a ninguem; mas, com franqueza, sempre quero obtemperar que em vez de se justificar, mais só comprometteu; porque, em ultima analyse, confessou a veracidade dos casos, que oram condemnados, e apenas pretendeu mostrar que n'elles não tinha responsabilidade.

Então, sr. presidente, se os empregados são, ou, pelo menos, têem sido inglezes; se não promove a instrucção, não cria missões, não estabelece colonos; se a propriedade está na mão dos inglezes, se o caminho de ferro é absolutamente inglez, em tudo e por tudo, emfim, se nenhuns moios adopta para firmar a soberania portugueza, senão conservando portuguezes a maioria dos membros

Página 27

SESSÃO N.º 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1897 27

do conselho de administração, que é cousa differente de serem portuguezes, em geral, todos os empregados administrativos e fiscaes, a quem cabe a responsabilidade? Depois d'ella, só ao governo, por ter usado do extrema benevolencia. Se ha na legislação vigente disposições que permittem a quaesquer individuos, desde que preencham determinadas formalidades, possuir campos de lavra mineira, sendo, portanto, possivel que, por differentes circunstancias, quasi todo o terreno aberto á exploração vá para o poder de individuos de uma mesma nacionalidade, empenhe-se a companhia na revogação de similhantes preceitos; porque a circunstancia de estar a propriedade principalmente nas mãos dos subditos de uma nação poderia não offerecer inconveniente algum; mas, desde que esses individuos são inglezes, os intuitos que os animam, a preponderancia que fruem, os seus desejos mal refreados e a situação geographica dos terrenos, representam outros tantos perigos para a conservação do dominio colonial (Apoiados.) Quem faz as leis em Portugal são os portuguezes; ora o nosso primeiro dever é libertarmo-nos de influencias e preponderancias externas. (Apoiados.) Respeitem-se os direitos adquiridos, mas regule-se a materia de maneira a evitar no futuro a continuação de semelhante estado de cousas.

Se os capitaes portuguezes não concorrem às nossas explorações africanas, o que é muito para lamentar, (Apoiados.) que esforços emprega, entretanto, a companhia para os attrahir? E se os capitaes portuguezes se retrahem, de que processo usa a companhia para evitar as tendencias absorventes do capital inglez? Então para a companhia o essencial é só obtel-os sem attentar na sua proveniencia, quando ella acceitou, como base fundamental do seu contracto, salvaguardar a auctoridade nacional sabendo por outro lado quaes as intenções da Gran-Bretanha? A companhia deve ter sempre presente na memoria que não foi instituida apenas para procurar os lucros dos srs. accionistas, mas que tem restricta obrigação de sacrificar uma ou outra vez esses lucros, se a nossa soberania correr perigo. A
companhia de Moçambique convence-se, porventura, de que foi unicamente para seu interesse que lhe foram concedidos territorios prodigiosamente favorecidos pela natureza e se lhe deram faculdades magestaticas?

Não é porque as alfandegas renderam em 1893 réis 91:191$412 réis e em 1894 108:989$108 réis; não é porque o imposto de palhota, produzindo n'aquelle anno réis :615$385 attingiu no seguinte a somma de 11:178$915 réis, nem porque o imposto de mussoco passou, de um anno para o outro, de 11 contos de réis a render mais de 17 contos de réis, que póde julgar haver cumprido cabalmente a sua missão. Não é allegando que, se escreve tambem os editaes em inglez, tem por fim facilitar a comprehensão das suas ordens, pois pela mesma rasão deveria redigil-os em outras linguas, que consegue lavar-se das suas culpas. Um dos mais fortes elementos de dominio de um povo é a lingua; escreva, portanto, só em portuguez os editaes. Quem precisar de saber o que se ordena, que o aprenda. Invertessem-se os papeis, e veriamos se os inglezes usavam para comnosco da amabilidade de escrever em portuguez. (Apoiado.)

Mas, sr. presidente, se a companhia de Moçambique não satisfaz ás obrigações a que se comprometteu e que até lhe são impostas por um sagrado sentimento de patriotismo, ao governo impende o rigoroso dever de coarctar abusos. Exija elle o cumprimento integral das clausulas do contracto o obste á realisação de um revoltante crime. Em ultimo caso, e como recurso extremo, seria mesmo preferivel que os territorios cedidos á companhia voltassem para a posse do estado, embora com algum prejuizo do desenvolvimento da riqueza, a conseguir tal desenvolvimento á custa da sua desnacionalisação. Que proveito colhemos nós d'essas prosperidades, se tudo se vae transferindo para as mãos dos inglezes? Que motivos temos para usarmos de tamanhas generosidade!? Nós não nos esquecemos, de certo, dos favores de que lhes somos devedores; nós sabemos perfeitamente o feroz egoismo que anima a South Africa.

Não duvido da intelligencia, dedicação e boa vontade do sr. ministro da marinha; receio, porém, que s. exa. trazendo a attenção repartida por tão complicadas questões e confiando demasiado na acção da companhia, descure um assumpto que reclama a soa intervenção energica e immediata.

Repetimos a cada passo que as colonias são o nosso melhor elemento de vida e a garantia da existencia politica como paiz autonomo; affirmâmos que só á força nos roubarão qualquer parcella de territorio. O thesouro publico faz enormes sacrificios com a manutenção das provincias ultramarinas; o exercito e a armada rivalisam em prodigios de valor o de dedicação para defendel-as; (Apoiados.) o paiz levanta-se, como um só homem, perante as ameaças de espoliação e estremece de jubilo á noticia das victorias ganhas pelas nossas armas. (Apoiados.) O enthusiasmo pela Africa representa hoje talvez o mais alevantado sentimento, que nos nobilita perante o estrangeiro, e que nos alenta por entre tantas desventuras. Estamos constituindo uma epopeia, onde ha a admirar, ao lado da façanha de Chaimite, a alegria dos soldados que partem a combater pela patria e a tristeza dos que ficam. (Apoiados.) Por isso, doe-nos muito ver malbaratados todos estes sacrificios em beneficio de ferrenhos inimigos, que, por mero convencionalismo official, chamamos os nossos fieis alliados.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Está de accordo com o sr. Fratel em que uma das principaes preoccupações de todos os que gerirem os negocios publicos, deve ser a manutenção integra da soberania nacional em todos os nossos dominios ultramarinos; e isto tanto mais, quanto é certo que em volta d'estes dominios se congregam cobiças o aspirações que é necessario contrariar.

Pela sua parte assegura que tem feito n'esse intuito tudo quanto tem podido, dentro da sua alçada e dos recursos de que póde dispor.

Já conseguiu, por exemplo, que se estabelecesse uma colonia militar agricola em Manica, e outra vae para ali a caminho, sendo provavel que para a mesma região se transfiram as duas que estavam destinadas ás terras de Gaza.

Alem d'isto, tem instado com o sr. commissario regio para que procure obviar aos inconvenientes que podem resultar de ser descurada pela companhia a administração dos seus territorios. E deve declarar que s. exa. providenciou n'este sentido, sendo mandados exonerar alguns empregados administrativos e fiscaes.

Pelo que respeita á propriedade já constituida, é evidente que nada póde fazer e não vê, portanto, meio de evitar que ella passe a mãos de estrangeiros; mas quanto ao futuro, pensa no que convirá fazer, o com satisfação receberá ácerca d'este assumpto quaesquer alvitres acceitaveis.

Julga haver exagero nas informações que tem sido dadas a publico com respeito á companhia de Moçambique, porque muitos dos factos citados provém das aspirações dos capitaes estrangeiros, que não têem, infelizmente, a concorrencia dos capitaes nacionaes. E a este proposito accentua que seria a mais patriotica e a mais util aos interesses do paiz a empreza portugueza que se organisasse com capitaes nacionaes para ir fomentar as colonias com os melhoramentos de que ellas carecem.

Acrescenta o orador, que está sendo objecto de negociações a permanencia de uma força portugueza tanto na Beira como em Manica, visto que o governo não póde fazer esta imposição á companhia.

Tambem se trata de regular a introdução das mil fa-

Página 28

28 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

milias a que é obrigada a companhia, pois que o artigo do decreto do 1891, que se refere a este ponto, não deixou bem claro o modo de se contar o respectivo proso; e a proposito, devo declarar que não são dois ou tres individuos, como disse o sr. Fratel, mas sim trezentos e tantos os que a companhia já estabeleceu nos seus territorios.

Dadas ainda mais algumas explicações, o orador conclue repetindo que o governo tem feito tudo quanto lhe era possivel fazer para a manutenção integra da soberania portugueza em todos os territorios de Moçambique.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Fratel: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Eu tenho de dar a palavra alternadamente aos srs. deputados que hoje se inscreveram para dirigirem perguntas aos srs. ministros e áquelles que fizeram aviso previo.

Vou agora dar a palavra, ao sr. Sousa Avides, e depois a darei ao sr. Mello e Sousa. O sr. Fratel terá tambem a palavra no logar competente.

O sr. Fratel: - Era sómente para dizer duas palavras.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Peço a palavra.

O sr. Costa Pinto: - Peço a palavra por parte da commissão de petições.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara vou dar a palavra ao sr. Fratel, mas antes devo dal-a ao sr. ministro dos negocios estrangeiros o ao sr. Costa Pinto que a pediu por parte de uma commissão.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz do Soveral): - Tive, ha pouco, a honra de saber que o sr. Fratel me annunciára uma interpellação sobre a delimitação ao sul de Moçambique. Declaro que estou prompto a responder a s. exa.

O sr. Costa Pinto: - Mando para a mesa uma communicação e uma proposta.

Leu-se a seguinte

Participação

Communico a v. ex.ª e á camara que está constituida a commissão de petições, elegendo para presidente o deputado sr. visconde do Ervedal da Beira e para secretario a mim, participante. =Jayme Arthur da Costa Pinto.

Para a acta.

Proposta

Proponho que seja reconduzida a commissão especial nomeada na sessão de 1896, para rever a lei respectiva a socorros naufragos. =Jayme Arthur da Costa Pinto.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Fratel: - Pedi a palavra para agradecer ao sr. ministro da marinha. Estimo que seja essa a orientação do governo; torno, todavia, a pedir ao governo que exija de companhia o cumprimento integral dos seus deveres, insistindo pela immediata demissão dos empregados em commissões administrativas ou fiscaes, que sejam estrangeiros, reclamando a creação de missões e escolas e o estabelecimento do maior numero de colonos.

Com relação á concorrencia dos capitaes inglezes, já que os capitaes portuguezes se retrahem, o que eu desejaria é que se conseguisse, por assim dizer, uma especie de equilibrio entre os capitaes das diversas nações, de fórma que nenhuma nação tenha a preponderancia; o quereria tambem que nas concessões feitas para pesquiza e exploração do metaes preciosos, se introduzisse uma clausula qualquer no sentido do evitar que uma nação possa assenhorear-se inteiramente de uma região. (Apoiados.)

Com respeito á declaração que acabou do fazer o sr. ministro dos negocios estrangeiros, aproveito a occasião para pedir a v exa. sr. presidente, se digne marcar dia para pedir ao nobre ministro os esclarecimentos do que careço, a fim de não haver equivoco, como succedeu relativamente á questão de que hoje me occupei.

O sr. Presidente: - Se o sr. Fratel quizer, póde usar da palavra logo depois dos sr. deputados que estão inscriptos.

O sr. Fratel: - Quando v. exa. quizer.

O sr. Presidente: - Se houver tempo dar-lhe-hei logo a palavra.

O sr. Sousa Avides: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre a necessidade urgentissima e cada vez mais instante do estabelecimento de amarrações fixas no porto de Leixões, onde n'um curto periodo de exploração se tem dado já uma serie de desastres, que é dever do boa administração e até de humanidade evitar antes que o descredito d'aquella obra, como porto de abrigo, faça com que ella seja abandonada pelos navios em numero já importante, que ali tocam, antes que novos desastres sejam acompanhados de perdas de vidas, o que mais seria para lamentar.

Dentro d'aquelle porto de abrigo já se deram os seguintes sinistros: o do vapor Santona, cujo casco ainda por destruir, constitue mais um obstaculo á navegação; o da escuna ingleza Little Willie e o do hiate Flor de Ovar.

Ainda recentemente, durante os ultimos temporaes que na semana passada açoitaram a nossa costa, novos sinistros estiveram imminentes. O paquete francez Charente garrou, tendo de saír precipitadamente, tão precipitadamente que nem mesmo teve tempo para desembarcar os soldados da guarda fiscal e grande numero de trabalhadores que catavam a bordo n'essa occasião. O lugre Maria tambem garrou, correndo tal risco, que chegou a ser abandonado pela sua tripulação. Todos estes accidentes têem sido devidos á falta de amarrações fixas.

porto de Leixões carece de obras complementares para se poder tornar verdadeiramente util ao commercio e á navegação e satisfazer aos interesses dos armadores e das companhias seguradoras, interesses legitimos e dignos de toda a consideração. Citarei entre outros melhoramentos a illuminação do porto, o estabelecimento do serviço de pilotagem apropriado, o do uma estação electro-semaphorica, para que se não repita o facto do vapor Iberia chegar á vista de Leixões, fazer signaes e não haver sequer um foguete para responder áquelle navio; o estabelecimento de um posto de socorros a naufragos, e ainda o de um lazareto e posto de desinfecção, que embora já tenham sido auctorisados, ainda não foram creados.

A todas essas necessidades, porém, sobreleva pela sua urgencia e importancia a do estabelecimento inadiavel de amarrações fixas. É esta uma obra de pequeno dispendio, que satisfaz completamente às primeira necessidades d'aquelle porto.

Cumpre, portanto, que o governo, e especialmente o sr. ministro das obras publicas, dispense a este assumpto toda a attenção, de que é digno, visto tratar-se não só dos haveres e das vidas de grande numero de pessoas, que por alitransitam, mas tambem dos interesses do estado, que soffrerão sensivelmente, se aquelle ancoradouro tiver de ser abandonado, por lhe faltarem as precisas condições de segurança.

Era para este ponto, que ou desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - O illustre deputado e meu amigo, ar. dr. Sousa Avides, chamou a minha attenção para um assumpto verdadeiramente importante e que por isso merece, como não podia deixar de merecer, a attenção do governo e especialmente a minha propria, visto ter a honra de gerir a pasta das obras publicas e tambem de representar, como s. exa., n'esta casa do parlamento, a cidade e o districto do Porto.

É certo que o porto de Leixões é uma obra importan-

Página 29

SESSÃO N.º7 15 DE JANEIRO DE 1897 29

tissima, e que tendo custado ao estado cerca de 5:000 contos de réis, deve ser dotado com todas as condições indispensaveis para satisfazer integralmente ao fim a que é destinado.

O meu desejo seria, pois, adaptar desde já o porto, de Leixões a porto commercial, construindo ali docas, caes, um conjuncto, emfim, de melhoramentos proprios de um porto commercial. Na impossibilidade, porém, de fazer desde já essas obras, porque as circumstancias não o permittem, nem o thesouro comporta tão grande dispendio, o governo, que em todo o caso, não tem descurado este importante assumpto, tem feito já alguma cousa e continuara a fazer é que for indispensavel para melhorar successiva e gradualmente as condições do porto.

Assim, tendo-se levantado graves contestações entre o governo e a empreitada de construcções, em resultado do grande temporal occorrido em dezembro de 1892 e que destruiu, em grande parte, o molhe norte do mesmo porto, o governo, digo, conseguiu liquidar essas questões e adquiriu todo o material que era indispensavel para a obra de conservação na importancia de 70 contos de réis.

E já que fallo em material, devo dizer que em virtude da boa direcção, zêlo, intelligencia e até dedicação das pessoas que superintenderam n'aquelle serviço, se salvou e arrancou ao mar um titan que estava reputado perdido e que era absolutamente indispensavel para as reparações do molhe norte. Tambem o governo já collocou um pharolim no molhe sul e não tem mandado collocar outro no molhe norte, porque as informações da repartição competente do ministerio da marinha não dão garantia de que essa illuminação se possa realisar de modo regular, e mais vale. N'estas condições, não collocar o pharolim do que estabelecer uma illuminação irregular, que póde enganar os navegantes.

Referindo-me agora ao ponto mais especial do discurso de s. exa., isto é, ás boias de amarração, devo dizer que o governo mandou, já ha muito, estudar o plano d'esses trabalhos; que esses trabalhos já foram feitos e apresentados ao governo pelo director da segunda circumscripção hydraulica; que já deu parecer favoravel sobre elles ajunta consultiva de obras publicas e minas e que, finalmente, o governo vae mandar proceder á acquisição ou por compra ou por meio de concurso, depois de ouvidas as repartições competentes, de dez boias de amarração. São poucas, evidentemente; mas é um principio que se irá alargando á medida que as circumstancias o permitirem.

Para a acquisição d'essas dez boias, que custam 50 contos de réis, já o governo inseriu no orçamento a respectiva verba, que é suficiente.

Creio que por esta fórma procurei satisfazer aos desejos do commercio do Porto, representado pela sua associação commercial e centro commercial, que ha poucos dias me enviou uma representação, encarregando-me da honra de a fazer chegar, como fiz, ás mãos do augusto soberano. Creio que assim ficarão tambem satisfeitos os desejos do sr. dr. Avides.

Parece-me igualmente que com esta declaração de que já foram dadas as ordens necessarias para mandar comprar dez boias de amarração, terão termo os sobresaltos que estavam inquietando o espirito publico e em especial o commercio da cidade do Porto.

(S. exa. não reviu.)

sr. Sousa Avides: - Pedi a palavra simplesmente para agradecer ao sr. ministro das obras publicas ás suas explicações, e folgo em registar a declaração de que s. exa. já deu ordem para que se collocassem boias fixas de amarração, o que affirma a solicitude e cuidado que s. exa. dispensa aos negocios que correm pela sua pasta.

O sr. Mello e Sousa: - Creio que está a findar a hora marcada para os assumptos que na já a tratar antes da ordem do dia. Não tendo, por isso, tempo para formular as perguntas que desejo, peço a V. exa. a bondade de consultar a camara sobre se permitte, que se abra uma discussão especial sobre o assumpto de que vou occupar-me, e que consta do meu aviso previo ao sr. ministro da marinha.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, póde o illustre deputado usar da palavra.

O sr. Mello e Sousa: - Tendo lido nos jornaes que o governo resolvera mandar suspender o decreto assignado pelo sr. commissario regio da provincia de Angola, e pelo qual se estabelece o monopolio do alcool, peço ao sr. ministro da marinha a fineza de me dizer o que ha de verdade n'essa noticia, para depois fazer as considerações que julgar convenientes.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Responde que o governo só teve conhecimento do decreto do sr. commissario regio, estabelecendo o monopolio do alcool, pelo telegramma que lhe foi dirigido em 14 de dezembro, no qual se dizia que esse decreto tinha sido publicado e que os documentos seguiam no primeiro paquete.

Chegados os documentos, foram apresentados em conselho de ministros, e este tomou a resolução de enviar um telegramma ao sr. commissario regio declarando suspenso o decreto, e sem effeito a portaria que mandava abrir o concurso. Tambem o governo resolveu submetter em seguida o decreto á apreciação da junta consultiva do ultramar e da commissão das pautas, para, depois, munido com esses pareceres, trazer o respectivo diploma ás côrtes.

(O discurso será publicado na integra em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Mello e Sousa: - Agradeço as explicações que lhe deu o sr. ministro da marinha, embora o não satisfizessem completamente. De duas, uma; ou o commissario regio tinha attribuições para publicar o decreto, ou não na tinha; no caso affirmativo, o governo só podia adoptar duas soluções; ou acceitar o decreto e defendel-o, ou annullal-o, ao não concordasse com elle; no caso contrario, isto é, se o commissario regio excedeu as suas attribuições, ipso facto, o decreto estava nullo e o governo não tinha outra resolução a tomar senão a de fazer-lhe a devida communicação n'este sentido.

O governo, porém, não acceitou nenhuma d'estas duas resoluções radicaes, e preferiu submetter o decreto e a portaria á apreciação da junta consultiva do ultramar e á commissão das pautas ultramarinas, para depois os trazer ao parlamento.

Apreciando o decreto, o orador considera o monopolio do alcool como um monstro que melhor seria estrangular á nascença, porque, vivendo, dará em resultado a ruina da agricultura. E acha extraordinario que se publique um documento d'esta ordem completamente desacompanhado de quaesquer elementos estatisticos, pois a unica cousa que o illustra é uma representação dos proprios interessados.

Este facto, segundo leu nos jornaes, impressionou tanto o governo, que este pensa em definir quaes são as attribuições da commissarios regios. E é realmente indispensavel que o faça, visto que estes funccionarios exorbitam por vezes, fazendo o que nem o proprio ministro póde fazer, como já succedeu com a publicação de um decreto do mesmo sr. commissario regio de Angola, que estabeleceu, com grave prejuizo para o commercio, um direito de 3 por cento sobre a exportação.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Resume o discurso do sr. Mello e Sousa noa seguintes pontos: critica da deliberação do governo, necessidade de regular a instituição dos commissarios regios, critica do decreto sobre tributação dos productos coloniaes que se exportam para os mercados externos, critica do decreto que estabelece o monopolio do alcool.

Em relação ao primeiro ponto, sustenta o orador que o

Página 30

30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

procedimento do governo foi correcto, por isso que, ha vendo duas corporações com aptidões especiaes, a junta consultiva do ultramar e a commissão das pautas, o governo entendeu dever instruir-se com o seu parecer auctorisado para depois submetter o assumpto á apreciação do parlamento.

Pelo que respeita ao segundo ponto, diz que os commissarios regios têem sido nomeados por circumstancias especiaes da administração das nossas provincias ultramarinas; que têem, é certo, poderes extraordinarios, mas que, superiores a esses poderes, está o poder do ministro, não havendo acto algum d'esses funccionarios que não possa ser annullado pelo governo, pois que elles são apenas delegados do poder executivo.

Em relação ao decreto sobre direitos do exportação, informa que não é um imposto novo, mas de substituição, á similhança do que está estabelecido, desde longa data na ilha de S. Thomé.

Talvez que fosse melhor fazer incidir o imposto sobre a importação, mas esse ponto será estudado e apreciado na commissão das pautas ultramarinas, pois que tenciona submetter a essa commissão e á junta consultiva do ultramar as resoluções dos commissarios regios que offereçam duvidas.

Relativamente ao decreto do alcool, nada dirá, porque, tendo de se enviar, como já disse, ás estações competentes, não se demorou a aprecial-o.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o devolver.

O sr. Ferreira de Almeida: - Antes de usar da palavra, permitia-me v. exa. que pergunte se já foi enviada para a mesa a proposta, por parte do ministerio da marinha, para eu poder accumular as funcções de official da armada com as de deputado. E v. exa. não me leve a mal que ou ponha a categoria de official da armada primeiro do que a de deputado; porque andando tudo mais ou monos subvertido, como se está vendo por este caso do monopolio do alcool, decretado pelo commissario regio de Angola, tenho medo que me cáia em cima o codigo disciplinar naval por vir para aqui exercer as funcções que a carta constitucional me confere pelo seu artigo 36.° apreciando a administração no que eu entenda que ella tenha de incorrecto ou inconveniente para os interesses da nação, o que póde ser desagradavel ao sr. ministro da marinha, bacharel em direito e meu superior hierarchico lá fóra.

O sr. Presidente: - Não posso responder immediatamente ao illustre deputado. Têem, effectivamente, sido apresentadas por parte do governo differentes propostas para accumulação, e não sei se alguma d'ellas se refere ao illustre deputado. Vou, porém, mandar que a secretaria informe.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Já apresentei á camara a proposta e foi approvada.

O Orador: - V. exa. comprehende que eu precisava ter a certeza de que poderia exercer as minhas funcções parlamentares com plena confiança, por isso que tive o prazer, a gloria, a honra de, chegando da viagem á India, que a camara auctorisou, ver caír sobre um periodico uma devassa judicial, porque se julgava que eu era auctor de um artigo n'elle publicado.

Explicada, pois, a rasão da minha pergunta, vou entrar no assumpto.

É extraordinario o que se está passando e mais extraordinario ainda, que fosse necessario este caso do monopolio do alcool decretado em Angola e classificado de monstruoso pelo sr. Mello e Sousa, para se levantar a opinião contra o uso e abuso illegal, illegitimo e inconstitucional de poderes com que os srs. commissarios regios exercem as suas funcções nas nossas provincias ultramarinas.

Começo por dizer a v. exa. sr. presidente, que a existencia dos commissarios regios não auctorisada por lei alguma nem por deliberação parlamentar, não póde sustentar-se nem admittir-se.

Ha uma organisação administrativa do ultramar em que o primeiro delegado do governo é o governador geral, com vencimentos precisos e definidos por um decreto assignado pelos membros do conselho de ministros, de que eu fiz parte e cuja maioria ainda occupa as cadeiras do poder e não foi alterado por esta camara; não tem, pois, rasão de ser a instituição hybrida dos commissarios regios por illegal, mais hybrida ainda pelos altos vencimentos que lei alguma auctorisou e que as circunstancias financeiras quer coloniaes, quer da metropole não justificam e ainda porque alguns dos nomeados se não recommendam pelas suas tradições officiaes e se permittem levar a sua alçada até decretar fusilamentos!

Nem póde admittir-se a doutrina apresentada pelo sr. ministro da marinha de que os decretos dos commissarios regios podem vir ao parlamento, de onde o capricho do governo póde tirar voto benevolo para todas estas demasias e para cousas ainda peiores.

É do poder legislativo e da camara dos senhores deputados em especial a creação dos empregos publicos e sua retribuição, e não da attribuição do poder executivo.

Pois, sr. presidente, crearam-se estes empregos, arbitrou-se-lhes vencimentos variaveis que montam a muitos contos de réis, e cuja importancia ouvi justificar sob a benevola intenção de que e «coitados precisam arranjar o patrimonio de seus filhos»!

Faz isto lembrar os tempos absolutos em que se concediam as pitanças ultramarinas aos cortezãos, que desbaratavam o seu patrimonio, recommendando-lhes, segundo é tradição, que governassem e se governassem á sua vontade, mas que deixassem aos pobres naturaes ao menos ao olhos para chorarem. Hoje, nem isso lhes é permittido; nem olhos lhe deixam para verterem lagrimas sobre as ruinas da sua patria, a perseguição de suas familias, a destruição dos seus bens, em parte levados ao thesouro provincial para pagar estipendios não auctorisados por lei e violentos perante a penuria da metropole e ultramarina. Hoje, fuzilam-nos sem processo e com um irrisorio simulacro de piedade religiosa!

Mas, sr. presidente, que quer dizer esta creação dos commissarios regios com as faculdades do poder executivo?

O poder executivo, delegado da soberania nacional, tem as suas attribuições definidas no codigo politico fundamental da nação, não comprehendendo a faculdade de poder subestabelecer taes poderes e nem é das attribuições do poder executivo crear monopolios.

O argumento produzido pelo sr. ministro da marinha de que sustou o decreto colonial do monopolio do alcool por causa do decreto-travão, é descabido porque acima do decreto-travão ha a carta constitucional que eu supponho que é ainda o codigo fundamental do paiz e segundo o qual o governo não póde praticar actos d'esta ordem, que são da competencia do poder legislativo de que o executivo é delegado. Portanto o decreto do sr. commissario regio não devia ser sustado ou demorado para ser apreciado opportunamente, devia ser, in limine, absolutamente annullado, porque elle não tem alçada para taes actos, nem a tem o proprio governo central. Ordenar apenas a suspensão significa suppol-o com o direito de fazer cousas similhantes a esta ou de igual força.

A iniciativa sobre impostos pertence exclusivamente a esta camara. Dil-o a carta no § 1.° do artigo 2.°

A questão do monopolio do alcool é uma questão de imposto, e pelo modo como é proposto lesa a agricultura colonial.

Pergunto, que orientação administrativa é esta do sr. ministro da marinha, que tendo encontrado um decreto que a maioria do actual conselho de ministro assignou com-

Página 31

SESSÃO N.º 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1897 31

migo, patrocinando o commercio dos vinhos nacionaes para defender a exploração viticula e vinicula do paiz, o onde justamente se tributou o alcool estrangeiro nas colonias para defender ali a exploração e cultura da canna saccharina, do legitima como a da vinha no nosso paiz, e a orientação que deriva de acceitar, pelo menos em principio, o direito do monopolio do alcool manifestamente prejudicial á colonia?!

Os effeitos do decreto sobre os vinhos e aguardentes fizeram-se logo sentir, pois que o commissario regio diz no relatorio do monopolio do alcool, que a producção da aguardente já excede o consumo e agora annullam-se os effeitos beneficos d'aquelle decreto com a creação do monopolio em condições e com taes portas falsas que arrastará a annullação completa do desenvolvimento da cultura da canna saccharina, sob o falso pretexto do decrescimento da receita publica.

Querer fazer augmentar a receita publica á custa do empobrecimento da colonia, será um systema financeiro, mas quanto a mim é absurdo.

O desenvolvimento da cultura da canna saccharina, transformada em aguardente, que não é tão nociva como a fornecida pelo commercio de Hamburgo, representa uma riqueza publica, e essa riqueza não só se reflecte directamente nas receitas da provincia, mas indirectamente pela melhoria da situação do contribuinte, do productor e do consumidor, o que tudo influe nas receitas aduaneiras pelo maior consumo dos outros productos que o commercio importa.

Mas se este decreto carecesse de outros argumentos para o condemnar, bastavam para isso as innumeras portas falsas que contém, por demais visiveis.

O sr. Mello e Sousa já apontou algumas, e eu vou apontar uma que é realmente curiosa.

Diz o decreto que o governo indemnisará o concessionario de qualquer baixa no consumo por causa de alteração da ordem publica, guerra, etc., e por exemplo em relação ao districto de Benguella essa reducção é de 30 por cento sobre os 300 contos de réis da prestação annual.

Em primeiro logar devo dizer que das colonias se encommenda o café, o marfim, a borracha, as febra o as guerras , sendo essas ultimos as que mais facilmente se arranjam e até se simulam, de mais a mais n'um paiz como Angola, que tem 4:900 kilometros de perimetro e onde só o districto de Benguella tem até ao seu limite oriental 1:160 kilometros em linha recta.

Pois bem, sabe v. exa. o que diz o famoso decreto do monopolio do sr. commissario regio, perfilhado agora pelo sr. ministro da marinha?!

Diz que quando houver alteração da ordem publica haverá na contribuição dada ao estado abatimentos varios de 20, 30 e 40 por cento a favor do monopolista!

Sr. presidente, quantas sarrasfuscas falsas ou verdadeiras, se podem arranjar que hão de servir para justificar esta reducção dos 300 contos de réis, ainda captivos da indemnisação ás municipalidades pelos tributos que deixam de receber?!

Mas o mais curioso do caso é o seguinte:

Logo no principio do relatorio que precede o decreto do monopolio, diz-se:

«Sendo indispensavel acudir de prompto á crise financeira da provincia de Angola com medidas energicas ... etc.»

E a seguir a este decreto vem outro reformando o poder judicial, e com um ... formidavel jubileu! Custou-me a encontrar esta phrase do sr. Dias Ferreira, para substituir o que me acudiu aos labios.

O presidente da relação que tinha 1:200$000 réis de ordenado e 1 conto de réis de exercicio, passou a ter 1:400$000 réis por este titulo o como no artigo 15.° do mesmo decreto, o novo salvador dos interesses coloniaes diz que no fim de dez annos de exercicio de magistratura terão mais 20 por cento; dá-lhes, pois, o sr. commissario regio, para salvar as finanças da provincia, 680$000 réis por anno sobre o antigo vencimento de 2:200$000 réis ou seja agora 2:280$000 réis alem dos emolumentos e mais propinas da tabella judicial do continente, applicada á provincia de Angola.

Os augmentos estendem-se tambem aos outros juizes que recebiam 600$000 réis de vencimento de exercicio e 1:200$000 réis de categoria ou o total de 1:800$000 réis e passam a receber o total de 2:400$000 réis, etc.

Francamente, havemos de convir que é de uma audacia realmente extraordinaria, para lhe não chamar outra cousa, que venha apresentar-se como medida de salvação um decreto de monopolio em que se falla em salvar as finanças e que a seguir se publique um outro decreto que vem augmentar os vencimentos da magistratura, já regularmente remunerada.

Já que o sr. ministro da marinha se referiu aos commissarios regios, cuja nomeação não tinha o direito de fazer e constituo um acto de dictadura que deve submetter á apreciação da camara, para esta julgar dos seus meritos, alcance e altissimos vencimentos, que a situação da metropole e das colonias não justificam, direi que é realmente para deplorar que por cima de tudo isto se não imponha desde já aos commissarios regios um proceder mais correcto, determinando-lhe que os seus decretos de monopolios, de organisação da força publica e de creação e remuneração de empregos, ficavam sem effeito.

Sr. presidente, uns commissarios regios que começam o seu reinado porque estão sendo como os antigos reis do antigo regimen decretando as penas de morte- fazendo reintegrar funccionarios que foram demittidos por terem causado prejuizos á fazenda, conforme o apurado por uma syndicancia; um commissario regio que não tem duvida em dispor dos dinheiros da fazenda colonial para fazer abonos extraordinarios de 70$000 mil réis por mez ao procurador da corôa e fazenda, quando tem do exercer funcções de auditor junto dos conselhos de guerra; um commissario regio que manda abonar aos funccionarios vencimentos extraordinarios, não permittidos e até prohibidos expressamente pelo decreto que eu fiz o que o conselho do ministros assignou, e esta camara confirmou; um commissario regio que, aufere altos abonos - e taes são que ninguem sabe o valor ao certo e sen alcance- que manda vir trem, cavallos e tudo quanto quer, á custa dos dinheiros publicos e ao mesmo tempo descreve a fazenda publica da colonia em decadencia para justificar a creação do monopolio da alcool, póde merecer a confiança do sr. ministro da marinha, mas não póde merecer a consideração do paiz em qualquer circumstancia, mas muito menos no momento de crise que atravessa.

Sr. presidente, eu que aboli os castigos corporaes na armada, e officiei á commissão que estava estudando o codigo de justiça naval- que não queria a pena de morte em caso algum- não posso ver sem repugnancia que o sr. ministro consinta, que um seu delegado... decrete e execute fuzilamentos o decrete organisações lesivas para a fazenda e para a ordem publica.

Repito, pois, sr. presidente: o sr. ministro dá marinha disse, que em virtude do decreto-travão, viria á camara o decreto do monopolio, e eu entendo que elle deve vir á camara em virtude do decoro parlamentar, da consideração que deve merecer a carta constitucional, lei fundamental do paiz, e se o sr. ministro entende que precisa de uma tal medida para a economia d'aquella colonia, ha de trazel-a como medida sua.

Disse s. exa. que soubera por um telegramma de 14 de dezembro que se decretara o monopolio do alcool em Angola e que para proceder aguardára promenores, como se fossem necessarios promenores para admittir a creação de qualquer monopolio e quando caracteristicamente o do alcool tinha que ser muito considerado perante a explora

7*

7 *

Página 32

32 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ção tanto agricola como industrial da canna sacharina representando uma fonte de riqueza publica. É claro que não eram precisos promenores e a ordem devia ter sido immediatamente dada para trancar similhante decreto, que não estava nas attribuições concedidas e que até excedem as do proprio poder executivo.

Eu não me admiro, sr. presidente, de que os srs. commissarios regios se lancem n'esta vida facil e sem consequencias, mettendo na bolsa avultadas quantias dos seus larguissimos estipendios: o que me admira é que o governo consinta isto e creasse similhantes commissões, porque o governo não tem na constituição do estado auctorisação para delegar os seus poderes, nem ha lei alguma que permitta ao poder executivo delegar attribuições iguaes ás suas; o poder executivo como delegado da soberania nacional é como o procurador que não tendo auctorisação para subestabelecer os poderes não os póde delegar.

Mas se em antigos tempos, as colonias servidas apenas por navios de véla, depois por uma navegação a vapor incipiente e sem telegraphos, não tinham os governadores, representantes do poder executivo, as faculdades extraordinarias que agora se lhos concedem, como se justificam tão alçadas agora quando ha vapores com a marcha de 12 milhas por hora e o telegrapho, a que de momento se podo recorrer?

Que quer dizer esta delegação de responsabilidade para cima do individuos que em geral não se recommendaram nunca por actos de administração uteis para o paiz? Tudo isto parece em regra obedecer a um nepotismo revoltante!

Desculpe-me v. exa. o calor com que fallei, que provém de varias causas: a primeira, e é a alegro, é porque eu como bom algarvio estava ha muito tempo calado (Riso.) a segunda porque estava farto de ver demolir tudo quanto fiz o ver restabelecer e augmentar todas as despezas superfluas que com tanto trabalho cortei... terceira porque este caso de Angola é a destruição de uma providencia minha para o ultramar contra a qual ninguem se revoltou, e antes foi geralmente applaudida, representando, como confessa o proprio relatorio do commissario regio monopolista, a riqueza da provincia pelo desenvolvimento da cultura da canna saccharina e do seu producto industrial, a aguardente.

Quem, pois, se sujeitou como eu, na administração publica, a malquerenças e odios por querer cumprir religiosamente o meu dever o pôr em pratica como ministro o que avancei como deputado durante doze annos, attendendo só á utilidade publica e não á conveniencia das coteries, quer essas conveniencias se traduzam apenas em aspirações singelas quer em absorventes tentações de negocios; revolta-se ao ver o estado de decadencia do paiz, decadencia até mesmo moral infelizmente, e das colonias, que se diz serem o penhor da nossa independencia, com o que eu não concordo e antes pela fórma por que são administradas hão de ser a causa da nossa ruina.

Vejam o que se está passando em Angola: - coarctada a liberdade de imprensa e a do cada um expender as suas opiniões no uso do mais legitimo direito, explorada por impostos de sucessivo acrescimo, sem compensação para o seu trabalho nem para os melhoramentos de que carece, fomenta-se assim rapidamente a sua emancipação pela revolta, sendo a unica que representava para nós um interessa real e positivo, como representou o Brazil outr'ora.

É triste ver este demolir facil em proveito de meia duzia de gananciosos. Aqui fica lavrado o meu protesto determinado pela profunda magua de ver caminhar o paiz para a sua ruina, perdendo-se os melhores elementos de vida o de segurança para a sua conservação e independencia.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Notando que o sr. Ferreira de Almeida o accusa de fomentar ou apoiar a indisciplina na armada, e de favorecer coteries de negocios, pede a s. exa. a explicação d'estas phrases.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ferreira de Almeida: - O sr. ministro da marinha pediu-me explicações de duas phrases que pronunciei, e se s. exa. me permitte, eu vou dar agora essas explicações:

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o sr. Ferreira de Almeida.

Peço-lhe o favor de abreviar as suas explicações, porque está proxima a hora de se encerrar a sessão.

O sr. Mello e Sousa: - Eu tinha pedido a palavra e parece-me que devia estar inscripto primeiro que o sr. Ferreira de Almeida.

O sr. Presidente: - O sr. Mello e Sousa tinha-se inscripto primeiro, mas a camara parece-me que ao manifestou no sentido de se conceder a palavra ao sr. Ferreira, de Almeida, para explicações.

O sr. Mello e Sousa: - Eu não me opponho a que falle primeiro o sr. Ferreira de Almeida; mas, francamente, estranho que estando inscripto, não me fosse dada a palavra, sem nenhuma explicação.

O sr. Presidente: - Não foi por menos consideração para com v. exa. que eu deixei de lhe dar a palavra, mas sim porque a camara se manifestou no sentido de se conceder a palavra ao sr. Ferreira de Almeida, para dar as explicações pedidas pelo sr. ministro da marinha.

O sr. Mello e Sousa: - Agradeço a explicação que v. exa. acaba de me dar, e devo dizer que me era mais agradavel ouvir o illustre deputado o sr. Ferreira de Almeida, do que fallar eu; mas na verdade estranhei que, sem nenhuma explicação, me não fosse dada a palavra estando eu inscripto.

O sr. Ferreira de Almeida: - Eu pedi a palavra a v. exa. para explicações, mas, segundo o regimento, a palavra para explicações não póde ser concedida senão no fim da sessão e, portanto, se v. exa. assim o entender, deverá usar primeiro da palavra o sr. Mello e Sousa.

O sr. Presidente: - Como o sr. Ferreira de Almeida desiste da palavra, eu dou-a ao sr. Mello e Sousa; mas a mesma observação que fiz ao sr. Ferreira de Almeida, faço-a s. exa.

O sr. Mello e Sousa: - Agradece ao sr. ministro as palavras amaveis que lhe dirigiu e o terem-lhe permittido que discutisse as attribuições do commissario regio e o imposto de 3 por cento sobre a exportação, que não constava do aviso previo que fizera; mas explica que esses assumptos se ligavam perfeitamente com o principal, e que lhe parece mesmo que não se deve estabelecer o procedente de que o orador é obrigado a restringir-se ao assumpto em si, pois d'essa fórma não teria rasão de ser a discussão antes da ordem do dia.

O sr. ministro da marinha não o quiz acompanhar na discussão do decreto relativo ao monopolio do alcool, dizendo que elle, orador, na commissão das pautas ultramarinas e depois na camara, se lhe for presente, terá occasião de o discutir. Mas, se esse decreto não vier ao parlamento, ficará valido?

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Explica que o decreto foi suspenso até que as côrtes se pronunciem sobre elle, e que é seu proposito trazel-o á discussão.

O sr. Mello e Sousa: - Referindo-se ao decreto que estabeleceu os 3 por cento do direitos de exportação, insisto em que o sr. commissario regio da provincia do Angola não tinha poderes para o publicar, e lastima que só

Página 33

SESSÃO N.º 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1897 33

seja presente á commissão das pautas depois de estar em vigor.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre a concessão da palavra ao sr. Ferreira de Almeida para explicações.

Vozes:- Falle, falle.

O sr. Presidente: - Antes de v. exa. usar da palavra desejo satisfazer á pergunta que ha pouco me fez.

Por proposta do sr. ministro da marinha, approvada em sessão de 11, foi permittido a v. exa. poder accumular as funcções legislativas com as que exerce no mesmo ministerio.

Tem a palavra para explicações.

O sr. Ferreira de Almeida: - V. exa. concede-me a palavra só para explicações?

O sr. Presidente: - É porque está a dar a hora.

O Orador: - Muito bem. É o que desejo saber. Como é só para explicações tenho de restringir-me absolutamente a isso.

Receiando não ter ouvido bem e para precisar as minhas respostas, peço ao sr. ministro da marinha que reproduza os dois pontos sobre os quaes carece de explicação.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Pareceu-me ter ouvido dizer a s. exa. que eu tinha sido o primeiro a infringir os preceitos da disciplina militar, provocando ou acceitando manifestações collectivas em meu favor.

O sr. Ferreira de Almeida: - Se v. exa. me dá licença vamos por partes para mais clareza.

Foi bem ouvido o final do meu discurso, desculpem-me chamar-lhe assim á falta de outro termo despretencioso. Eu fallei com um certo calor, e a correcção precisa do que foi dito virá quando estiver escripto; no entretanto o sr. ministro poz a questão das explicações e eu respondo:

Julga s. exa. que é regular, e correcto para um ministro militar, porque se não é militar pessoalmente é de facto o chefe superior hierarchico de toda a corporação da armada, por ser ministro, acceitar, facilitar e consentir que lhe collocassem o retraio n'uma associação militar, emquanto está na gerencia da pasta? O que dirá s. exa. se amanhã a coterie, que o applaude e festeja pelos beneficios que tem auferido e pelos que proclama feitos á classe, agora dispersa por esse mundo na fiscalisação da construcção de navios e outras commissões rendosas, der logar a uma outra contraria que se lembre de o rachar - o retrato? É bonito, é correcto, é conveniente? Aqui está como s. exa. na melhor intenção por certo, e não com o desejo de se ver glorificado em painel, como qualquer Santo Antonio de ermida, (riso) se prestou a uma cousa que constitue uma manifestação collectiva com todas as consequencias nefastas que d'ali poderiam vir.

Não sei se a explicação satisfaz a s. exa. Queira s. exa. formular o outro ponto de duvida.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - O segundo ponto do discurso do illustre deputado a que me referi, quando pedi explicações, foi aquelle em que me pareceu ouvir-lhe dizer que eu havia patrocinado coteries de negocios. Creio que foi esta a phrase.

O sr. Ferreira de Almeida: - Pois seja tambem assim. Lá diz o proverbio que as palavras são como as cerejas....

O sr. Presidente: - Peço a v. exa. que se limite apenas ás explicações.

O Orador: - Eu cinjo-me completamente ás explicações.

Para justificar a referencia que o sr. ministro da marinha me attribue e de que acceito a responsabilidade tenho de contar a historia da acquisição da canhoneira Honorio Barreto.

A Honorio Barreto foi um vapor que o banco nacional ultramarino mandou fazer e que depois, não lhe convindo, não digo bem, e que depois, para acudir patrioticamente ás urgencias do estado, vendeu ao governo, que tomou o contrato de construcção sendo ministro da marinha o sr. Neves Ferreira.

Uma commissão deu por bom, e em condições de ser pago pelo governo, esse navio, que custou 20 contos de réis! Quer v. exa. saber o que succedeu depois? Foi necessario o arsenal de marinha, a seguir, para pôr o navio em condições de servir, gastar mais 10 contos de réis!

Não sei se os da commissão fizeram negocio, não tenho dados para o affirmar, mas que se favoreceu ou consentiu um negocio lesivo para o estado é que não póde haver duvida diante da singeleza d'estes factos que só tarde foram conhecidos.

O individuo que serviu de mentor a s. exa., foi o presidente da commissão que deu por bom o navio, que custou 20 contos de réis e em que a seguir se gastaram mais 10 contos de réis, para o aproveitar: informei d'isto e de outros casos a s. exa. e só tendo conhecimento da importancia do caso do Honorio Barreto poucos dias antes de eu largar o poder.

Se disse as phrases com a dureza com que s. exa. as apresentou, ahi estão as explicações que posso dar e até a sua justificação. Concluindo, devo dizer que não tenho necessidade de vir á camara com violencias de phrase, porque tanto s. exa. como eu, como todos os que aqui temos assento sabemos dirimir as questões ou aggravos pessoaes fóra da camara e de qualquer fórma.

No calor da oração póde escapar uma palavra, e s. exa. as dirá tambem, mais ou menos fortes; a delicadeza de caracter de cada um basta para lhe dar o devido valor sem carencia de justificação.

Aqui tem s. exa. o que se me offerece dizer sobre as proposições apresentadas.

O sr. Ministro da Marinha (Jacinto Candido): - Considerando as phrases do sr. Ferreira de Almeida como resultantes de uma apreciação pessoal, mas não com caracter aggressivo, como s. exa. mesmo declarou, dá-se por satisfeito com as suas explicações, convicto, como está, de que, se outra fosse a intenção do sr. Ferreira de Almeida, outro seria o proceder de s. exa., como outro tambem seria o procedimento d'elle, orador.

Sobre o facto a que por ultimo alludiu o illustre deputado, e de que não tem conhecimento algum, por ser anterior á sua gerencia, vae colher os precisos esclarecimentos para responder a s. exa.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.}

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Propostas de lei e outros documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Proposta de lei n.° l-B

Senhores. - A lei de 22 de junho de 1867, reguladora das sociedades anonymas, veiu preencher uma importante lacuna da nossa legislação.

O codigo commercial, approvado por decreto de 18 de setembro de 1833, notavel trabalho do insigne jurisconsulto Ferreira Borges, não podia bastar a regular as relações sempre crescentes do commercio, que dia a dia se alargava e desenvolvia á medida que o trabalho humano, no seu caminhar incessante, fazia novas descobertas scientificas, descobria diversas applicações da industria, mul-

Página 34

34 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tiplicava as relações entre os povos, abrindo lhes novos mercados o impondo-lhes a necessidade do uniformisar, quanto possivel, a sua legislação mercantil.

E uma das partes menos completas da obra de Ferreira Borges era sem duvida, a relativa ás companhias, sociedades e parcerias commerciaes.

A lei de 22 de junho de 1867, alterando as suas disposição com respeito á especie da associação commercial, denominada companhia, prestou indiscutivelmente um serviço do relevante valia.

O confronto d'esta lei com as congeneres que então vigoravam nas nações cultas não apouca, por certo, nem em cousa alguma prejudica os creditos de quem enriqueceu a legislação patria com aquelle monumento legislativo.

Mas por melhores que sejam as leis, o andar dos tempos, o desenvolvimento economico do paiz, a lição sempre proveitosa da experiencia e o constante progredir da sciencia do legislação tornam indispensavel a sua reforma.

Já em 1882 o sr. conselheiro Hintze Ribeiro, então ministro das obras publicas, apresentou á camara dos srs. deputados, em 24 de janeiro, uma proposta de reorganisação das sociedades commerciaes, e o actual codigo do commercio, que veiu satisfazer uma verdadeira necessidade social e tanto honra o illustrado ministro que levou a cabo tão importante obra, reformando a nossa legislação mercantil, de todo refundiu o titulo relativo a sociedades de commercio.

Não é, portanto, nem podia ser uma nova reforma que vimos apresentar ao parlamento, é simplesmente um conjuncto do disposições, que o tempo, que tudo emenda e rectifica, aconselha como de vantagem para que melhor se assegure a constituição das sociedades e mais convenientemente se garanta o seu regular funccionamento.

São apenas modificações que o proprio legislador previu seriam necessarias, e que o desvairamento da especulação que tem invadido o mundo inteiro tornou urgentes para evitar a repetição de abusos graves o perigosos desmandos perturbadores da ordem economica.

Ninguem desconhece o valiosissimo papel que as sociedades commerciaes e industriaes, e sobretudo as sociedades anonymas, têem desempenhado nos ultimos tempos. A ellas, por sem duvida, se devem os maiores o mais assombrosos commettimentos dos nossos dias. Caminhos de ferro subterraneos e aereos, arrojados canaes e tunneis, telegraphos submarinos e um grande numero de ousadissimos e gigantescos emprehendimentos se não teriam realisado sem o seu insubstituivel concurso.

Tambem as instituições bancarias hão poderosamente concorrido para o desenvolvimento da riqueza publica, e nem por isso tão valiosas instituições, destinadas a fomentar o commercio e auxiliar o trabalho, deixaram por vezes de se transformar em instrumentos provocadores de temerosas crises e ruinosos desastres.

Assim como, ainda bem recentemente, foi reconhecida a conveniencia, ou antes a indispensabilidade de acautelar e cohibir, por meio de disposições legislativas, os casos que mais se prestavam á introducção de abusos e á pratica de censuraveis desmandos de administração no funccionamento das instituições bancarias, tambem agora preciso se torna promulgar algumas disposições harmonicas com aquellas e concernentes a melhorar a organisação das sociedades commerciaes e mórmente das sociedades anonymas, evitando que para as constituir se abuso da boa fé do publico, garantindo a seriedade das subscripções, difficultando os desregramentos das administrações e assegurando melhor a fiscalisação dos mais directamente interessados.

A este intuito obedece a presente proposta de lei, que procura harmonisar o principio da liberdade do commercio e da industria, hoje incontestavel nas sciencias economicas, com o dever que cabe aos governos de cercarem essa liberdade de cautelas ou condições, que, sem a tolherem nem prejudicarem, fortaleçam o credito das sociedade, lhes attraiham a confiança dos capitaes, e salvaguardem os legitimos interesses dos associados.

Para isso pela presente proposta são substituidos por outros os artigos 119.º, 146.º, 147.°, 149.°, 169.º ,173.º.175.º,179.º,180.º,183.º, 184.°, 185.°, 186.°, 190.º e 198.° e seus respectivos paragraphos do codigo commercial.

Os motivos d'estas substituições, que passâmos a expor em breve palavras, justificam-as perfeitamente.

Ao artigo 119.°, que indica os mais importantes direitos dos socios, acrescentaram-se dois numeros, garantindo-lhes, quando não tenham approvado qualquer deliberação social, embora contra ella não hajam protestado, o poderem intentar no competente juizo commercial as acções, que julgarem de justiça. Como, porém, para prova dos seus articulados podiam precisar de copias ou certidões de documentos em poder da direcção da sociedade, é esta obrigada a fornecer-lh'as, e, quando as denegue, fica auctorisado o juiz do respectivo tribunal do commercio a mandal-a extrahir por um dos seus escrivães, no praso improrogavel de tres dias, incorrendo na pena de desobediencia a direcção que recusar cumprir as ordens ou mandado do juiz.

Qualquer socio ou accionista que tiver protestado em reunião ou assembléa geral de socios contra qualquer deliberação n'ella tomada em opposição ás disposições expressas na lei ou contrato social, tem o direito, garantido pelos artigos 146.° e 186.° do codigo commercial, do intentar, perante o tribunal do commercio, a aceito para ser annullada essa deliberação e de requerer se suspenda a sua execução, com previa notificação dos directores. É de toda a conveniencia ampliar aquellas salutares disposições á hypothese de ser qualquer deliberação contraria aos interesses da sociedade.

Ao artigo 147.°, que facultava ao governo promover nos tribunaes do commercio, por intervenção do ministerio publico, as acções que forem necessarias para se haverem como não existentes os sociedades, que funccionem ou se estabeleçam em contravenção das disposições do codigo commercial, acrescentou-se um paragrapho unico, declarando ipso facto, irritos e nullos, de direito, todos os actos praticados pelos corpos gerentes ou pelas assembléas geraes d'aquellas illegitimas sociedades, podendo os corpos gerentes e assembléas geraes sor responsaveis para com terceiros e para com a sociedade pelos prejuizos resultantes dos actos que illegalmente praticaram.

O artigo 149.°, que permittia se procedesse a inquerito judicial nos livros sociaes, contas e mais documentos, quando fosse requerido por accionistas, que representassem a quinta parte das acções, foi modificado no sentido de ser permittido aquelle inquerito, quando requerido por accionistas proprietarios da decima parto das acções em circulação.

No § 2.º do artigo 169.° prohibe se terminantemente toda e qualquer operação de compra e venda, que tenha por objecto as proprias acções da sociedade, devendo considerar-se como não escripta qualquer disposição dos estatutos, que directamente a permitta. Foi d'este modo consideravelmente alterado o respectivo artigo do codigo commercial, que só no silencio dos estatutos prohibia aquella especie do transacções.

O § 4.° do artigo 173.° apertou mais a prohibição, que já tinham os directores de qualquer sociedade anonyma, de poderem exercer pessoalmente commercio ou industria iguaes aos da sociedade, acabando com toda a excepção, e applicando a pena de multa de 100$000 réis a 2:000$000 réis no caso do infracção.

Embora uma sociedade anonyma se possa, constituir com um pequeno numero de associados, não inferior a dez, o que difficulta a escolha do pessoal para os cargos sociaes, não é conveniente, e é até de mau effeito, que nos conselhos fiscaes estejam parentes proximos dos di-

Página 35

SESSÃO N.°7 DE 16 DE JANEIRO DE 1897 35

rectores. Por isso o artigo 175.° não permitte que os membros do conselho fiscal sejam parentes até 3.º grau, segundo o direito civil, de qualquer dos vogaes da gerencia, direcção ou conselho administrativo.

Uma disposição nova, da mais alta importancia, pois tende a evitar a mais grave de todas as falsificações, que se podem dar n'uma sociedade d'esta natureza, a falsificação das suas proprios assembléas geraes, é inquestionavelmente a do § l.° do artigo 179.°, comminando a multa do 50$000 réis a 2:000$000 réis a quem, servindo-se de titulos de acções que lhe não pertençam, faça parte de uma assembléa geral, e a quem para tal fim emprestar esses titulos. Não raro succedia ser uma assembléa geral em parte composta d'estes falsos accionistas, que faseiam pender as deliberações em sentido contrario á maioria dos verdadeiros accionistas. Os corpos gerentes eram pela opinião publica frequentemente accusados do incursos n'esta falsificação. O disposto n'este paraprapho é realmente de indiscutivel moralidade e reconhecida justiça.

O permittir que os possuidores de acções nominativos, ou ao portador, possam fazer averbar aquellas ou depositar estas nos cofres da sociedade até seis horas antes da hora da reunião, é igualmente serviço de verdadeira valia prestado aos accionistas o ao mesmo tempo concorre tal permissão, como a da apresentação das procurações no proprio dia na mesa da assembléa geral, para frustrar ou pelo monos consideravelmente difficultar quaesquer manejos empregados pelas gerencias para se assenhorearem dolosamente das assembléas geraes. Esse serviço é prestado aos accionistas pelo disposto nos §§ 2.° e 3. do artigo 179.

Desde que dez accionistas, representando a vigesima parte do capital das acções em circulação, requererem a convocação de uma assembléa geral extraordinaria, esta deverá realisar-se embora o estatuto exija maior representação de capital para os requerentes. Esta disposição consignada no artigo 180.°, procura attender á defeza dos legitimos interesses de accionistas, que, não dispondo de grandes meios de fortuna, têem muitas vezes todos ou quasi todos os seus haveres em acções de uma sociedade, e por isso seriamente se empenham, em que os negocios sociaes, quando não possam correr prosperos, sejam em todo o caso geridos por uma cuidadosa e honesta administração.

Ao mesmo principio de protecção aos pequenos accionistas obedeceu o § 4.° do artigo 183.°, assegurando em todo o caso o direito de voto ao proprietario de dez acções, embora os estatutos exijam um maior numero, e facultando o agrupamento dos de numero inferior a dez de fórma a completarem este numero e a fazerem-se representar por um dos agrupados.

O artigo 185.° garanto a todo o accionista e obrigacionista, qualquer que seja o numero das suas acções ou obrigações, poder assistir ás assembléas geraes, e discutir os assumptos dados para ordem do dia ou da noite, ainda que os estatutos o não permittam.

O artigo 190.° eleva a um anno o praso de seis mezes, que se achava estabelecido para a prescripção da responsabilidade dos directores e dos membros do conselho fiscal, depois da approvação da assembléa geral ao balanço e contas da gerencia, ficando de pé a excepção para o caso de se provar que nos inventarios e balanços houve omissões ou indicações falsas com o fim de dissimular a situação da sociedade.

No artigo 198.° encontram-se disposições, relativas á emissão de obrigações, harmonisando-se a sua doutrina com a que tinha sido consagrada na lei sobre fiscalisação bancaria.

São estas, senhores, as rasões e os fundamentos da seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º Os artigos 119.°, 146.°, 147.°, 149.°, 169.°,173.°, 179.°, 180.º, 183.°, 184.°, 185.°, 186.º, 190.°, 198.° e os respectivos paragraphos do codigo commercial são substituidos pelos seguintes, que serão n'elle inseridos em conformidade com o artigo 4.° da lei de 28 de junho de 1888:

«Art. 119.° Todo o socio tem direito:

«l.° A haver porte no dividendo dos lucros, nos termos estabelecidos no n.° 2.º do artigo antecedente;

«2.° A escolher os administradores da sociedade, e a tornar-lhes contas na epocha o pela fórma para isso designadas na respectiva convenção ou lei, e, no silencio do uma e outra, sempre que a maioria dos associados o entenda conveniente;

«3.º A examinar a escripturação e os documentos concernentes ás operações sociaes, na epocha em que a convenção ou a lei lh'o permittam, e, no silencio de uma e outra, sempre que o deseje;

«4.º A fazer as reclamações ou propostas que julgar convenientes, nos termos do numero antecedente;

«5.° A intentar no competente juizo commercial contra a sociedade as acções que julgar de justiça, independentemente de qualquer protesto contra as deliberações sociaes que não tenham approvado; prescrevendo, todavia, este direito, no fim de um anno, contado desde a data em que essas deliberações tiverem sido approvadas pelo maioria dos socios;

«6.° A pedir á gerencia ou direcção da sociedade copias ou certidões da documentos que julgar convenientes o bem da sua justiça, e, no caso de lhe serem denegados, a requerer ao juiz do respectivo tribunal de commercio que os mande extrahir dos livros ou escripturação da sociedade por um dos seus escrivães, no praso improrogavel de tres dias, incorrendo na pena de desobediencia a direcção ou gerencia que recusar obedecer ás ordens ou mandados do juiz.

«§ 1.° É prohibida toda a estipulação pela qual deva algum socio receber juros ou quota certa em retribuição do seu capital ou industria.

«§ 2.° O disposto no n.º 6.º é applicavel as copias ou certidões requeridas ás mesas da assembléas geraes.

«Art. 146.° Todo o socio ou accionista tem direito a protestar em reunião ou em assembléa geral dos socios contra qualquer deliberação n'ella tomada contraria aos interesses da sociedade ou em opposição ás disposições expressas da lei ou contrato social, o a levar, no pravo de vinte dias, o seu protesto com as provas que tiver ao tribunal de commercio respectivo, requerendo que se julgue nulla a deliberação, ouvida a direcção ou gerencia da sociedade.

«§ 1.° Qualquer socio que tenha protestado contra uma deliberação com o fundamento de ser contraria aos interesses da sociedade, ou estar em opposição ás disposições da lei ou contrato social, póde requerer perante o tribunal do commercio respectivo que essa deliberação seja suprema, ouvido a direcção ou gerencia do sociedade.

§ 2.° O disposto n'este artigo em nada altera o disposto nos n.º 5.° e 6.° do artigo 119.º

«Art. 147.° O governo póde promover nos tribunaes de commercio competentes, por intervenção do ministerio publico, as acções que forem necessarias para se haverem como não existentes os sociedades que funccionem ou se estabeleçam em contravenção das disposições d'este codigo.

«§ unico. Os actos praticados pelos corpo; gerentes ou pelas assembléas geraes das sociedades que funccionem, ou se estabeleçam em contravenção dos disposições d'este codigo, são, ipso facto, irritos e nullos, de direito, podendo esses corpos gerentes e assembléas geraes ser responsaveis para com terceiros e para com a sociedade pelos prejuizos resultantes dos actos que illegalmente praticaram.

«Art. 149.° Nas sociedades em que haja representação de capital por acções, podem os accionistas proprietarios

Página 36

36 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da decima parte das que estiverem em circulação requerer ao juiz do respectivo tribunal do commercio que, ouvidos os representantes d'essas sociedades, faça proceder a um inquerito judicial nos seus livros, documentos, contas e papeis, cumprindo áquelles designar os pontos do facto sobre que deva versar o inquerito.

«§ unico. Podem tambem os accionistas que estiverem nas condições do representação indicadas n'este artigo o quando do inquerito se demonstrar que a sociedade funcciona irregularmente, nomear de entre si um commissario fiscal, que terá o direito de assistir a todas as sessões dos corpos gerentes com voto meramente consultivo, e de examinar, sempre que o julgue conveniente, todos os livros da escripturação o documentos da sociedade.

«Art. 109.° As acções não poderão ser tomadas parte em subscripção particular e parte em subscripção publica, e não serão negociaveis senão depois da constituição definitiva da sociedade, e tendo-se realisado o pagamento de 30 por cento do seu valor nominal.

«§ 1.° Exceptuam-se as acções das sociedades mencionados no § 1.° do artigo 162.°, as quaes serão negociaveis, logo que se ache realisado o pagamento de 10 por cento do seu valor nominal.

«§ 2.° São absolutamente prohibidas quaesquer transacções, ou operações de compra e venda, que tenham por objecto as proprias acções da sociedade, devendo considerar se como não escriptas quaesquer disposições dos estatutos que, directa ou indirectamente, as permittam.

«Art. 178.° Os directores das sociedades anonymas não contrahem obrigação alguma pessoal ou solidaria pelas operações da sociedade; respondem, porém, pessoal o solidariamente para com ella e para com terceiros pela inexecução do mandato e pela violação dos estatutos e preceitos da lei.

«1.º D'esta responsabilidade são isentos os directores que não tiverem tomado parte na respectiva resolução, ou que tiverem protestado contra as deliberações da maioria antes de lhe ser exigida a competente responsabilidade.

«§ 2.º Os directores de qualquer sociedade anonyma não podem fazer, por conta da sociedade, operações alheias ao sen objecto ou fim, sendo os factos contrarios a este preceito considerados violação expressa do mandato.

«§ 3.° É expressamente prohibido aos directores d'estas sociedades negociar por conta propria, directa ou indirectamente, com a sociedade, cuja gerencia lhes estiver confiada.

«§ 4.° Os directores ou membros do conselho fiscal de qualquer sociedade anonyma não poderão exercer commercio ou industria iguaes aos da sociedade que administram ou fiscalisam, sob pena de multa de 100$000 a 2:000$000 réis por cada um dos casos em que haja infracção d'este preceito.

Art. 175.° O conselho fiscal será composto, pelo menos de tres socios eleitos pela assembléa geral, que não sejam parentes ata o terceiro grau, segundo o direito civil, de quaesquer dos vogaes da gerencia, direcção ou conselho administrativo.

«§ 1.° Os estatutos indicarão o modo de supprir as faltas temporarias de qualquer dos membros do conselho fiscal e, não o indicando, competirá á mesa da assembléa geral a nomeação até reunião da mesma assembléa.

«§ 2.° Ao conselho fiscal é applicavel o disposto no artigo 172.º § 1.°

«Art. 179.º As assembléas geraes são compostas de todos os accionistas e proprietarios de acções, e são ordinarias ou extraordinarias.

«§ 1.° Os que formarem parte de uma assembléa geral, servindo-se de titulos de acções que lhes não pertençam, e os que para esse fim as emprestarem, incorrerão na multa de 50$000 réis até 2:000$000 réis.

«§ 2.° Os possuidores de acções nominativas só podem fazer parte da assembléa geral quando as suas acções estejam averbadas em seu nome no livro do registo da sociedade, e os que possuirem acções ao portador serão admitidos na assembléa geral em vista das respectivas acções que depositarem nos cofres da sociedade até seis horas antes da hora da reunião.

«§ 3.° Todo o accionista tem direito a fazer-se representar por procurador nas assembléas geraes, comtanto que o procurador seja tambem accionista, e a procuração poderá sor apresentada na mesa da assembléa geral no proprio dia da reunião. Os directores não podem sor procuradores e nenhum accionista póde ter mais de uma procuração.

§ 4.° Os votos conferidos ás acções nas deliberações das assembléas geraes serão sempre proporcionaes ao capital que essas acções tiverem tido de desembolso no cofre da sociedade.

«§ 5.º A assembléa ordinaria reune-se, pelo menos, uma vez cada anno, nos primeiros quatro mezes depois de findo o exercicio anterior, e deverá:

«l.° Discutir, approvar ou modificar o balanço e o relatorio do conselho fiscal;

«2.° Substituir os directores e os vogaes do conselho fiscal que houverem terminado o seu mandato;

«3.° Tratar de qualquer outro assumpto para que tenha sido convocada.

«Art. 180.° As assembléas geraes extraordinarias serão convocadas pelo presidente da assembléa geral, e, na sua falta, por quem suas vezes fizer, sempre que a direcção ou o conselho fiscal o julgue necessario, ou quando sejam requeridas por dez accionistas que representem, pelo menos, a vigesima parte do capital das acções em circulação.

«§ unico. Se o presidente da assembléa geral a não convocar dentro de oito dias, em qualquer dos casos mencionados n'este artigo, ou se declarar sem effeito a convocação, poderão os interessados recorrer ao juiz do competente tribunal commercial, que a mandará convocar por sua auctoridade.

«Art. 183.° A assembléa geral será convocada e dirigida pelo presidente ou por quem suas vezes fizer.

«§ 1.° Aos secretarios incumbe toda a escripturação relativa á assembléa geral.

«§ 2.° As deliberações serão sempre tomadas por maioria absoluta de votos, excepto nos casos em que a lei ou os estatutos exigirem maior numero.

«§ 3.° Nenhum accionista, qualquer que seja o numero das suas acções, poderá representar mais da decima parte dos votos conferidos por todas as acções emittidas, nem mais de uma quinta parte dos votos que se apurarem na assembléa geral.

«§ 4.º Sempre que os estatutos exijam a posse de um certo numero de acções, que nunca poderá ser superior a dez, para conferir voto era assembléa, poderão os accionistas possuidores de menor numero agrupar-se de fórma a completarem o numero exigido e fazerem-se representar por um dos agrupados.

«§ 5.° As actas das differentes sessões serão assignadas pelos presidente e secretarios e lavradas no respectivo livro.

«Art. 184.° Quando uma assembléa geral regularmente convocada segundo as regras prescriptas n'este codigo ou nos estatutos não possa funccionar por falta de numero de accionistas ou por falta de suficiente representação do capital, os interessados serão immediatamente convocados por quem de direito for, para uma nova reunião, que se effectuará dentro de trinta dias, mas não antes de quinze, considerando-se validas as deliberações tomadas n'esta segunda reunião, qualquer que seja o numero de accionistas presentes e o quantitativo do capital representado.

«§ 1.° As assembléas geraes considerar-se-hão constituidas e funccionarão validamente sempre que estiverem presentes, pelo monos, dez accionistas representando a maioria do capital das acções em circulação.

Página 37

SESSÃO N.º 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1897 37

«§ 2.° Exceptua-se do disposto n'este artigo os casos da assembléa geral para a fusão, prorogação e nomeação de liquidatarios, em que se observará o prescripto nos artigos 116.°, 124.°, 128.° e 131.º

«Art. 185.° Os accionistas que não tiverem voto, e os portadores de obrigações, poderão assistir ás assembléas geraes e discutir os assumptos dados para ordem do dia, ou da noite, sem tomarem parte nas deliberações.

«Art. 186.º As deliberações das assembléas geraes, tomadas contra os preceitos da lei ou dos estatutos tornam de responsabilidade illimitada a sociedade, mas sómente para aquelles accionistas que expressamente tenham acceitado taes deliberações.

«§ unico. As resoluções tomadas e os actos praticados pela direcção contra os preceitos da lei ou dos estatutos, ou contra as resoluções das assembléas geraes, não obrigam a sociedade, e todos os que tomarem parte em taes autos ou deliberações, ficam pelos seus effeitos pessoal e solidariamente responsaveis, salvo o caso de protesto, nos termos d'este codigo.

«Art. 190.° A approvação da assembléa geral ao balanço e contas da gerencia da administração liberta os directores e os membros do conselho fiscal da sua responsabilidade para com a sociedade, decorrido que seja um anno, salvo provando-se que nos inventarios e balanços houve omissões ou indicações falsas com o fim do dissimular a situação da sociedade.

«Art. 196.° As sociedades anonymas podem emittir obrigações nominativas ou ao portador, com previa approvação do governo, até á importancia do capital já realisado existente nos termos do ultimo balanço approvado, se em face d'este se achar garantido o pagamento dos encargos da emissão.

§ l.° É dispensavel a prova dos dois requisitos mencionados n'este artigo, quando a emissão que se pretende for para substituir outra já realisada, ou quando a importancia de metade da emissão estiver garantida com valores immobiliarios, pertencentes á sociedade ou companhia emissora.

§ 2.° Se dentro do praso de um mez, depois de satisfeitos os resitos exigidos n'este artigo, o governo não tiver decidido sobre a concessão ou rejeição da licença para a emissão pedida, considera-se que a emissão foi approvada.

§ 3.° As emissões auctorisadas pelo governo ou como taes reputadas, nos termos do § 2.º, não póderão realisar-se sem que se apresente previamente documento comprovativo do registo definitivo ordenado pelo n.° 6.° do artigo 49.° do codigo commercial.

«§ 4.° São consideradas obrigações quaesquer escriptos de obrigação geral, seja qual for a sua denominação.

«Art. 198.º A emissão e transmissão de obrigações far-se-ha nos termos prescriptos para as das acções e nos seguintes:

« 1.º O typo das obrigações deve ser identico em cada emissão, podendo, porém, differir de uma para outra quanto a juro e praso de amortisação;

«2.° Não póde fazer-se emissão nova antes de subscripta e realisada a anterior, nem com premio tirado á sorte.

«§ unico. A acquisição de obrigações proprias e as operações sobre ellas só poderão ser feitas pela sociedade que as emittiu para o fim de conversão n'outras obrigações, ou para serem amortisadas.

Art. 2.° É prohibido aos bancos comprar de conta propria as suas proprias acções e obrigações, observando-se quanto a estas o que se dispõe no § unico do artigo 198.º do codigo commercial.

Art. 3.° As disposições d'esta lei não são applicaveis a factos anteriores á sua publicação, nem ainda ás companhias e sociedades anonymas, existentes em virtude do contrato com o estado, em tudo o que está consignado nos mesmos contratos e nos respectivos estatutos que tiverem sido approvados pelo governo.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado do ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 15 de janeiro de 1897. =Arthur Alberto de Campos Henriques.

Engiada ás commissões de legislação civil e commercial.

Proposta da lei n.º 1-C

Senhores. - Na ultima sessão parlamentar, largamente vos foi exposto o pensamento do governo, fundado em ponderosas rasões de alto interesse publico, de reconstituir a nossa marinha de guerra, a que se ligam as nossas mais brilhantes tradicções historicas, e que tem sido, e é, por sem duvida, um dos mais poderosos e efficazes elementos de manutenção dos nossos vastos dominios ultramarinos, e imprescindivel meio de despeza e policia da nossa entensa fronteira maritima.

Callaram no vosso animo as propostas do governo sobre tão momentoso assumpto, e foram, em consequencia, votadas leis que consignaram receitas do estado á realisação d'este pensamento, e que auctorisaram á acquisição, em concurso, até ao limite 2.800:000$000 réis, dos navios de guerra, que ouvidas as estações competentes, se julgassem mais necessarios ao serviço publico.

De como o governo se desempenhou dos encargos que lhe foram commettidos, já o sabeis, não sómente pela publicidade havida, como tambem pelas expressas referencias feitas no discurso da corôa.

Assim é que, realisado o emprestimo, nos termos da auctorisação legal, logo se fez a adjudicação de quatro navios, que hoje se acham já em construção nos estaleiros da Inglaterra e da França, observados o concurso e demais tramites estabelecidos na lei respectiva.

Entre, porém, o montante do emprestimo realisado, e o custo da acquisição d'estes navios, incluindo mesmo todas as despezas entra do preço da adjudicação, e necessarias para o seu completo armamento e para a sua entrada no Tejo inteiramente promptos e em estado de desempenharem, desde logo, qualquer commissão ou serviço, ha ainda um saldo disponivel, relativamente importante.

E se é certo que este saldo, por força do disposto na carta de lei de 21 de maio ultimo, que auctorisou o emprestimo, tem de ser applicado a material de guerra naval, não o é menos que, pelas limitações preceituadas na carta de lei da mesma data, referente á compra dos navios, se ha mister de especial auctorisação das côrtes, para a effectividade d'essa applicação.

Por isso, em taes condições, e porque uma vez iniciada a execução do proposito de reconstituição da nossa marinha, cumpre tanto quanto se compadeça com os recursos do thesouro, n'elle proseguir, e não quebrar a sua continuidade, que é condição imprescindivel de exito, o governo vem pedir-vos que auctoriseis a applicação d'este saldo á construção de um cruzador protegido, no nosso arsenal, onde procura introduzir os melhoramentos necessarios e a organisação de serviços indispensavel, para poder utilisar-se o numeros pessoal operario, que ali existe, e a quem não faltam aptidões e merecimentos, mas que precisa de ser convenientemente instruido e superiormente encaminhado.

Resultarão d'esta providencia, que ao vosso superior criterio é submettida, alem de uma relativa modicidade no preço de acquisição de uma boa unidade de importante e naval, a educação pratica do nosso pessoal operario, a dotação do nosso arsenal com alguns machinismos, do que absolutamente carece para o seu devido aproveitamento, e ainda uma vantagem de economia geral, qual a de ficar, entre nós, uma parte do oiro, que, dado o processo do concurso, e feita a construcção no es-

Página 38

38 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

trangeiro, teria, forçosamente, de sair dos nossos mercados internos.

Taes são, em resumo, os fundamentos pelos quaes temos a honra do apresentar á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica o governo auctorisado a applicar á construcção, no arsenal de marinha, de um cruzador protegido, de aço, do 1:660 toneladas, e de 17,5 milhas de velocidade, segundo os planos do engenheiro Croneau, approvados pelo conselho do almirantado.

a) O saldo que ficar da quantia de 2.800:000$000 réis, destinada pela carta do lei de 21 de maio de 1896 á acquisição, em concurso, de navios de guerra, deduzida a importancia dos que foram adquiridos ás casas Armstrong e Forges et Chantiers, assim com todas as despezas entra necessarias para o seu completo armamento, em ordem a ficarem no Tejo promptos para qualquer commissão de serviço.

b) O excedente do emprestimo realisado nos termos da carta de lei, tambem de 21 de maio de 1896, sobre os 2.800:000$000 réis que se refere a alinea anterior.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario a esta.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 11 de janeiro de 1867.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Jacinto Candido da Silva.

Enviada á commissão de marinha.

Proposta de lei n.° 1-D

Senhores. - No uso da faculdade que lhe concede o § 1.º do artigo 15.º do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, publicou o governo o decreto de 26 de setembro do anno findo, pelo qual fez diversas concessões á companhia dos caminhos de ferro da Zambezia, inspirados no pensamento de facilitar a construcção da linha ferrea de Quilimane ao Ruo.

Como, porém, para se tornarem definitivas, ficaram taes concessões dependentes da approvação das côrtes, nos termo do decreto com força de lei de 27 de setembro de 1894, e porque; as considerações expostas no relatorio que precede aquelle diploma, como fundamento da sua doutrina, convencem da sua alta conveniencia para o desenvolvimento da riqueza publica na Zambezia, tenho a honra do submetter á vossa superior apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvado o decreto de 25 de setembro 1896, relativo á construcção do caminho do ferro de Quelimane ao Ruo, sanccionado o uso que o governo fez na publicação d'esse diploma, da faculdade que lhe é conferida pelo § 1.º do artigo 15.º do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 11 de janeiro de 1897= Jacinto Candido da Silva.

Enviada á commissão do ultramar.

Proposta de lei n.° 1-E

Senhores. - Não póde ser contestada, nem precisa de per justificada, a necessidade do adoptar todas as providencia, que poisam concorrer para o desenvolvimento da industria nas nossas provincias ultramarinas.

Será esse desenvolvimento um dos elementos mais seguros da sua prosperidade, que tão valiosamente se reflecte na situação economica o financeira da metropole Não podemos, porém, confiar em que a industria alargue a sua acção e ganho elementos de vida perduraveis, se lhe não for concedida efficaz protecção e especiaes privilegios.

Se o legislador julgou indispensaveis garantias especiaes aos que na metropole se abalançassem á fundação de novas industrias, escusado é justificar a necessidade de conceder não menores favores aos que emprehenderem o estabelecimento d'essas industrias no ultramar, onde as difficuldades se accumulam em maior escala, onde é ainda muito limitada a vida industrial e a iniciativa particular só muito raras vezes se manifesta.

Se o pensamento, que dotou o projecto de lei, que temos a honra de vos apresentar, se filia no decreto com força do lei de 30 de setembro do 1892, que no reino regula, a concessão do exclusivos de introducção de industrias novas, não pareceu rasoavel adoptar exactamente nas provincias ultramarinas todas as suas disposições. Muitas das restricções e precauções, que ali se adoptam, e que plenamente se justificam em um paiz já em estado relativamente adiantado, seriam apenas embaraços, ou inuteis, ou altamente prejudiciaes, quando applicadas no ultramar.

No reino póde haver interesses valiosos e importantes, que a concessão de um exclusivo industrial vá prejudicar, e é do rasão acautelal-os; nas provincias ultramarinas, onde, em relação á industria, tudo está por iniciar, ou quando iniciado, tem um campo de acção perfeitamente conhecido, não póde haver perigo de ir ferir interesses dignos do serem respeitados.

Nem o projecto junto, embora dispensando formalidades, que não teriam rasão de ser no ultramar, deixa de offerecer todas as garantias no intuito de evitar a offensa de direitos que devam justamente estar ao abrigo da lei. Estabelecem no projecto prasos bastante longos, garante-se a publicidade de todos os pedidos de concessão de exclusivos e adoptam-se todas as prescripções e cautelas necessarias, para que se não prejudiquem interesses creado em industrias já estabelecidas.

Convencido do que da adopção do projecto, a que nos referimos, podem advir vantagens apreciaveis para o progresso industrial das nossas provincias ultramarinas, esperâmos que elle mereça a vossa approvação.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha o ultramar, em 15 de janeiro de 1897. =Jacinto Candido da Silva.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° O governo poderá conceder, só o julgar opportuno o conveniente aos interesses do paiz, nas condições d'este decreto, o direito exclusivo do fabrico do productos de qualquer industria, que, á data da concessão, não esteja em exploração na região a que se referir o exclusivo, ou que não exista no reino com larga exportação para os mercados ultramarinos.

Art. 2.° O exclusivo não poderá ser concedido para o fabrico de medicamentos, e não poderá comprehender a faculdade de laboração pelos processos, para que haja sido concedido privilegio, nos termos do decreto com força de lei de 21 de maio de 1892.

Art. 3.° A concessão do exclusivo nunca poderá ir alem de vinte annos.

§ unico. Quando o praso da concessão tiver sido menor, só poderá ser prorogado até completar o maximo fixado n'este artigo, ouvidas as estações competentes, e reconhecendo o governo decidida vantagem na prorogação.

Art. 4.° A concessão do exclusivo só podo fazer-se para um objecto claramente determinado e não dá direito senão ao fabrico de productos, a que directamente se refira, não envolvendo nem directa nem indirectamente o exclusivo da venda ou o da importação de productos similares.

§ unico. A concessão do exclusivo não poderá abranger região superior á arca do um districto.

Art. 5.° Os requerimentos pedindo o exclusivo deverão conter as seguintes indicações:

1.º O nome, nacionalidade e residencia do requerente;

2.° Designação clara da nova industria que se pretende estabelecer e do producto ou productos que se desejam explorar;

Página 39

SESSÃO N.º 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1897 39

3.° Duração do exclusivo e detalhada circumscripção da região a que se applicará;

4.° Condições em que se pretende estabelecer a nova industria e os meios de que se dispõe para emprehender o fabrico ou exploração.

Art. 6.° Quando o requerente for estrangeiro, deverá juntar ao requerimento declaração assignada e reconhecida de que se sujeita á legislação portugueza em tudo o que se refira ao objecto do exclusivo.

Art. 7.° Logo que dê entrada na direcção geral do ultramar qualquer requerimento, a repartição competente informará o que se lhe offerecer e constar sobre a questão, especificando todas as pretensões identicas anteriores, que tenham existido, mesmo as que por indeferimento ou por qualquer outra rasão não tenham tido seguimento, e propondo o seu indeferimento se, pela natureza do pedido ou pela informações officiaes existente na direcção geral, se reconhecer que a concessão é contraria aos interesses publicos.

Art. 8.º Quando, por despacho do ministro, se auctorisar o seguimento do processo para a concessão do exclusivo, será o requerente avisado para, no praso de oito dias, depositar na caixa geral de depositos a quantia de 500$000 réis, como caução provisoria; ficando entendido que este deposito não importa direito a ser-lhe feita a concessão, quando pelo seguimento do processo se reconheça que ella se não póde ou não devo fazer.

Art. 9.° Logo que na direcção geral do ultramar se receba o conhecimento do deposito a que se refere o artigo antecedente, será feita no Diario do governo a declaração d'esse deposito, acompanhada da indicação do objecto para que foi requerido o exclusivo.

Art. 10.° Feito o deposito de caução provisoria o requerimento será enviado pela primeira mala ao governador da provincia respectiva, o qual o fará publicar no primeiro numero do Boletim official, marcando o praso de sessenta dias para qualquer reclamação, que possa apresentar-se.

Art. 11.° Sobre qualquer reclamação apresentada serão ouvidos o conselho do governo e as estações locaes, que sobre a reclamação ou sobre o pedido possam informar, e serão colhidas todas as informações pura se poder apreciar a verdade e a importancia do assumpto e da reclamação.

Art. 12.° Dentro de noventa dias contados da data da publicação do requerimento no Boletim official, será expedida para a direcção geral do ultramar a informação do governador, acompanhada das reclamações apresentadas e de todos os documentos attinentes ao assumpto, incluindo a acta do conselho do governo, e declarando expressamente:

1.º Se existe já estabelecida a industria ou fabrico para que se requer o exclusivo e em que condições;

2.º Se a concessão do exclusivo é do interesse publico, e de que modo póde influir no desenvolvimento da provincia;

3.° Se póde trazer qualquer diminuição no rendimento das alfandegas e só ha rasão para suppor que essa diminuição seja, desde logo ou mais tarde, compensada pelas vantagens resultantes do exclusivo;

4.° Se convem estabelecer na concessão qualquer restricção ou condições especiaes;

5.° Se as condições em que o requerente se propõe estabelecer a nova industria parecem sufficientes ou se deve exigir-se maior capital e mais efficazes meios de exploração;

6.° Se devem manter-se ou restringir-se o praso e a região pedidos para o exclusivo; devendo fazer-se designação minuciosa, clara e precisa dos limites da mesma região.

Art. 13.° Quando o requerente residir no ultramar, poderá apresentar o seu requerimento na secretaria do governo, e o governador respectivo, fazendo publicar o pedido no primeiro Boletim official para os fins do artigo 10.°, e ouvidas as estações locaes competentes, incluindo, o conselho do governo, enviará a sua informação, favoravel ou desfavoravel, á direcção geral do ultramar dentro de noventa dias, contados da referida publicação do requerimento, fazendo acompanhar a informação de todos os esclarecimentos designados no artigo 12.°

§ unico. Logo em seguida á recepção do requerimento, o governador fará intimar o requerente para, dentro do praso de oito dias, depositar no cofre central da provincia a importancia correspondente áquella caução, e o conhecimento respectivo acompanhará o processo para a direcção geral do ultramar.

Art. 14.° Se, em vista das informações do governador e da consulta das estações competentes, ou por qualquer outra rasão, o governo não conceder o exclusivo requerido, será mandada immediatamente restituir a caução provisoria a que se refere o artigo 8.°, quer ella tenha sido depositada no reino ou no ultramar.

Art. 15.° No despacho da concessão do exclusivo, alem de se designarem minuciosa, clara e precisamente os limites da região, dentro da qual o exclusivo tem de ser explorado, será fixada a caução definitiva, a qual se estabelecerá de accordo com a importancia da concessão, com o capital necessario para a exploração e com as informações havidas.

§ unico. Na caução definitiva será encontrada a caução provisoria.

Art. 16.º Só se fará a concessão do exclusivo, em conselho de ministros, e ouvidos, previamente, a junta consultiva do ultramar e as secretarias d'estado dos negocios da fazenda e obras publicas.

§ unico. A junta consultiva será tambem ouvida antes dos indeferimentos previstos nos artigos 7.° e 14.°

Art. 17.° Em igualdade de circumstancias será preferido o requerimento mais antigo, quer entrado no ministerio da marinha e ultramar, quer nas secretarias do governo geral ou do districto, quando o requerimento tenha seguido os tramites designados n'este decreto, ou quando, não os tendo seguido, não seja isso devido a facto imputavel ao requerente.

Art. 18.° Do despacho, que conceder o exclusivo poderá haver recurso, com effeito suspensivo, pelos reclamantes, para o supremo tribunal administrativo, dentro do praso de trinta dias, a coutar da respectiva intimação.

§ unico. A decisão do supremo tribunal administrativo será tomada dentro do praso de trinta dias, e terá força executiva, independentemente de decreto do governo.

Art. 19.° A concessão sómente se tornará definitiva a partir da data em que no respectivo alvura se exarar a apostilla relativa á caução definitiva.

Art. 20.° Logo que a concessão seja definitiva, será o alvará publicado na integra no Diario do governo.

Art. 21.° A concessão do exclusivo não póde ser transferida no todo ou em parte, sem auctorisação do governo.

§ unico. No caso de cessão, a caução definitiva não poderá ser levantada sem que seja completamente substituida por outra caução e em devida fórma.

Art. 22.º Póde ser rescindida a concessão, ficando perdida em beneficio do thesouro a caução ainda em deposito:

l.° Quando a industria não for installada no praso marcado no respectivo alvará;

2.° Quando, salvos os casos de força maior devidamente comprovados, deixar de ser exercida seguidamente por um anno, ou interpoladamente por dezoito mezes, na industria de elaboração permanente; e por duas epochas seguidas ou tres interpoladas na industria de elaboração periodica.

§ unico. O concessionario será sempre ouvido, a fim de allegar o que tiver por conveniente para a sua defeza.

23.° Os governadores das provincias ultramarinas

Página 40

40 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

deverão remetter no mez de janeiro de cada anno á direcção geral do ultramar informações especiaes, em que mencionem todos os factos que interessem ás industrias, para as quaes se concedeu exclusivo, e habilitem o governo a julgar do cumprimento das clausulas das respectivas concessões.

Art. 24.° Cumpre aos governadores das provincias ultramarinas mandar inspeccionar as installações ou estabelecimentos das novas industrias com exclusivo, fiscalisar o cumprimento das clausulas dos respectivos alvarás, levantar autos de quaesquer infracções d'essas clausulas, e informar immediatamente o governo precisa e circumstanciadamete.

§ unico. Os governadores empregarão, n'estes serviços, os funccionarios existentes, e sob a sua dependencia, não podendo nomear mais pessoal.

Art. 25.º Os emolumentos a cobrar nos processos da concessão dos exclusivos são os constantes da tabella junta e constituirão receita publica.

Art. 26.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em l5 de janeiro de 1897.=Jacinto Candido da Silva.

Enviada á commissão do ultramar e industria.

Representação

Da camara municipal do concelho de Fonte da Barca, pedindo a prorogação do praso das remissões do serviço militar pelo preço de 50$000 réis.

Remettida em officio do governo civil de Vianna do Castello e enviada ás commissões de recrutamento e de fazenda.

O redactor = Lopes Vieira.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×