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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso que devia ter logar na sessão de 9 [de 10 – nota da correcção] do corrente, a pag. 86, col. 2.ª, in princ.

O sr. Thomás Ribeiro: — Ainda bem, sr. presidente, ainda bem que dos bancos, não direi da opposição (tenho ouvido proclamar por toda a parte que não ha opposição n'esta casa), mas do grupo dos srs. deputados espectantes, se levantou uma voz para fazer inteira justiça aos sinceros intuitos do governo, na apresentação d'este projecto de lei, e á commissão que o adoptou! Ainda bem! Porque me pesava que sem uma rasão bastante o governo e a commissão fossem vistos com olhos desconfiados, e tidos como menos sinceros em seus sentimentos liberaes.

O sr. ministro da justiça, que ha pouco entrou na vida publica pelo caminho mais direito da liberdade, os membros da commissão que adoptaram sem reclamação alguma o seu pensamento, e eu que me prézo de não ter dado direito a ninguem para suspeitar das minhas intenções, temos, desde o começo d'esta discussão, sido accusados da intenção de fazer á camara e ao paiz uma surpreza, apresentando um projecto de lei com uma feição liberal desvendada e patente; mas escondendo nos véus densos do mysterio outra feição reaccionaria.

Foram para nós exageradamente injustos os illustres oradores que incetaram o debate.

Se o governo ou a commissão tivessem na sua idéa que era precisa uma lei consignando remedios preventivos contra a imprensa, ou medidas repressivas de maior rigor, fiquem certos os illustres deputados de que o sr. ministro da justiça e a commissão tinham a coragem de vir dizer claramente á camara e ao paiz, qual era o seu intuito e as rasões que os levavam a pedir essas medidas repressivas e preventivas contra a imprensa.

Fui mal escolhido eu para relator, confesso-o, mas apesar de ser de todos os membros da commissão de legislação o menos competente, se eu não podesse escogitar na minha mente motivos pelos quaes se podesse combater a liberdade de imprensa, os illustres deputados sabem que a historia parlamentar de todos os paizes, era fonte mais que sobeja em que fosse beber opiniões muito auctorisadas para combater a liberdade de imprensa e a instituição do jury e todas as franquias liberaes, até as que parecem mais indiscutiveis; mesmo, sem ir mais longe, podia encontrar no nosso paiz homens eminentes que me dessem a mão n'este proposito. Se não quizessem exemplos e argumentos de casa ir-lhe-ía buscar á França mr. Cotter, e para ir aos de mais fresca data acharia em 1864 as vozes de auctoridade dos srs. Cassanhac deputado, e Ronher, ministro d'estado, ou á Italia, ou á Inglaterra. Em todas as nações onde houver tribuna e imprensa, ha exemplos e argumentos para tudo.

Já veem os illustres deputados, que se não de mim ao menos dos outros, eu podia tirar rasões, com que podesse combater a liberdade de imprensa, ou a instituição do jury.

O sr. dr. Levy para fundamentar a sua desconfiança fez até o favor de citar um trecho do relatorio da commissão. Como eu senti que um espirito tão elevado qual é o do illustre deputado não o aconselhasse a ler em vez da parte do paragrapho que leu, a que lhe ficava anterior porque n'ella tinha a resposta ao seu argumento. Anuviado com uma desconfiança vaga perguntava o illustre deputado: «Qual é pois o intuito do governo n'este projecto?» O intuito do governo foi acabar com mais um privilegio que se julgou desnecessario e n'isto justamente é que está o direito commum.

Se este nome direito commum offende hoje tanto, como parece, os ouvidos dos illustres deputados, porque não pedem a revogação do artigo da carta, que manda que todos sejam iguaes perante a lei? O que eu vejo é que todos queremos direito commum para os outros, favores e privilegios para nós (apoiados). Sabem que nunca tenho o intuito de offender os meus collegas, nem de aggravar a ninguem (apoiados), mas entendo que o deputado tem obrigação de dizer a verdade toda á sociedade que representa e a quem inteira é devida.

Noto sempre com desgosto que nós os homens liberaes estejamos todos os dias a julgar mal dos privilegios dos outros, a condemna-los por anachronicos e inuteis sem termos começado, nem pensarmos em começar por nós.

Eu desde já declaro que se a esta casa vier algum illustre deputado propor que se acabem tambem os privilegios que a lei nos confere, hei de ser o primeiro a associar-me a essa idéa.

A imprensa é a niveladora universal, e por isso a implacavel adversaria de todos os privilegios; pois comece por si (apoiados), não nos dê só o argumento, mas dê tambem o exemplo (apoiados). Pois só queremos nivellar o que está acima de nós? Facil virtude que não fere o nosso egoismo! Como póde ousar a imprensa pedir para si privilegios que a todos nega, se é liberal? O sr. Sant'Anna e Vasconcellos perguntou se já não vigorava a ordenação do livro 5.º Não vigora a ordenação do livro 5.º, mas s. ex.ª quer ressuscita-la para a imprensa; ali consignava-se que quando um homem commettesse um crime, se fosse peão, fosse açoitado pelas ruas publicas e morto ou desterrado, e se fosse fidalgo, pagasse apenas tantos cruzados de multa. Ora o fidalgo que s. ex.ª quer aqui é a imprensa, e o peão é tudo quanto não for a imprensa (apoiados). SS. ex.ªs, que são como eu verdadeiros liberaes, se acham que o julgamento na policia correccional é incapaz de dar justiça, peçam, e serão logicos, o jury para todos, mas não peçam por modo algum só e exclusivamente o jury para a imprensa.

Entendo que não ha rasão absolutamente alguma, para que façamos differença entre os crimes praticados pela imprensa e os de outra qualquer procedencia. É assim que entendo a questão que se debate, e tenho boas auctoridades com que fortaleça a minha opinião.

Podem acoimar-me de reaccionario, podem dizer o que quizerem, mas eu tenho obrigação de não lisongear paixões e de dizer a verdade tal como a entendo, e como a vi ao achar-me collocado na posição official que n'este momento represento.

O que querem os illustres deputados? Querem uma lei liberal? Mas quem a não quer? Não basta vir dizer á camara: «Eu desconfio dos intuitos do sr. ministro da justiça, eu desconfio da redacção d'este ou d'aquelle artigo». É preciso dizer mais alguma cousa — está aqui a tyrannia para a imprensa; e é isso que ainda não ouvi dizer desde que começou o debate sobre a lei da liberdade de imprensa (apoiados).

Dizem os illustres deputados que o projecto que, se discute não é liberal. O sr. ministro da justiça no seu brilhantissimo discurso, pelo qual não o felicito, porque teria de felicita-lo em toda a serie de triumphos que lhe ha de conquistar o seu indisputavel talento, disse: «Vós que desconfiaes, mostrae qual é a lei n'outro qualquer paiz, sobre liberdade de imprensa, mais liberal do que o projecto que apresentei?» Comprehendo que era n'este campo que o meu nobre amigo, o sr. Sant'Anna, devia aceitar o desafio, mostrando ao nobre ministro...

(O sr. Sant'Anna e Vasconcellos pede a palavra e dirige um áparte ao orador, que não foi ouvido na mesa dos tachygraphos, nem a resposta que este lhe deu.)

O Orador: — Logo mostrarei a v. ex.ª e á camara que houve alguma exageração na argumentação do meu nobre amigo, assim como me proponho demonstrar que o projecto do governo e da commissão vae tão adiante como deseja o nobre deputado.

Cumpre-me não fazer divagações, nem é essa a minha intenção.

Sr. presidente, n'este paiz ha homens aliás muito respeitaveis, que em seus concidadãos taxam de peccados, cousas de que a propria consciencia francamente os absolve, mas de que parece de ver-se fazer confissão e penitencia publica para que a censura social seja levantada. Exemplo: ser poeta é peccado que horrorisa os homens positivos; um poeta, julgam elles, é incapaz de se dar aos estudos serios das questões sociaes; a sua imaginação leva de vencida o seu racciocinio. Pois hoje estou no proposito de ser só argumentador deixando de ser poeta; convém mais isto á questão que se debate e vae n'isto menos modestia do que egoismo e consciencia. Ainda nem um só dos oradores que fallaram antes de mim, deixou de esmaltar de flores o seu discurso; os que depois de mim se acham inscriptos sei eu que lhes não serão somenos no florido da eloquencia e na elevação dos conceitos. Conscio pois como estou de os não poder acompanhar nos vôos de seus espiritos illustrados, pobre da florescencia que n'elles abunda, a elles deixo inteiros os primores da poesia aliás muito consentanea com a indole do assumpto que se discute, e reservo-me o modesto quinhão de argumentador.

Feita a confissão e promettida a penitencia, entremos no debate.

Ha dois pontos essenciaes n'este projecto de lei tendente a regular o uso da livre manifestação do pensamento: a parte legislativa e a parte doutrinal. Uma e outra têem sido brilhantemente tratadas pelos oradores que têem tomado parte no debate, e ainda hontem o sr. ministro da justiça as discutiu com o brilhantismo da phrase e o poder da convicção que lhe são proprios; mas como a s. ex.ª mereceu principal cuidado a parte legislativa, eu consagrarei mais a minha argumentação á parte doutrinal. Antes porém, responderei a algumas duvidas agora suscitadas pelo meu bom amigo o sr Sant'Anna e Vasconcellos, sobre a intelligencia de alguns artigos do codigo.

Por fim de contas qual é o estado da questão? O que é que se discute? Quaes são as duvidas que têem os impugnadores do projecto? Eu disse duvidas, e creio que achei o termo.

Começo com o meu amigo o sr. Levy Maria Jordão. S. ex.ª, se me não engano, (porque já lá vae muito tempo, perdi os apontamentos que tirei do seu discurso, e tenho de me soccorrer ao tenue subsidio da minha fraca reminiscencia), terminou o seu discurso dizendo que lhe parecia não haver entre nós senão alguma questão na redacção. Já vê v. ex.ª e a camara, que n'estas questões de redacção, uma vez que o pensamento fundamental do projecto seja o dos illustres deputados nem duvidas sequer se podem suscitar. O pensamento é o essencial, a formula da expressão é secundaria e todos nós queremos a melhor (apoiados).

Mas diz s. ex.ª: = para que se faz esta innovação? Pois a legislação que havia para regular os delictos e crimes da imprensa não era sufficiente? Precisa se acaso nova lei? = Creio que foi esta a pergunta de s. ex.ª; mas se houver alguma inexactidão, peço ao illustre deputado a quem me refiro, o favor de me interromper que eu da melhor vontade aceitarei a rectificação.

Se foi isto, como julgo, o que s. ex.ª perguntou, e que o seu silencio me está ratificando, seja permittido responder-lhe formulando outra pergunta — qual é a legislação actual da imprensa? A legislação actual é o codigo; é isso a que nós démos o nome assustador de direito commum. A não estar completamente enganado, supponho que a maior parte d'este projecto que se está debatendo contém uma lei exclusivamente interpretativa (apoiados), as penas estão reguladas pelo codigo penal; o processo é o disposto no decreto de 18 de agosto de 1853. Portanto este projecto, a não ser em algumas disposições muito secundarias a respeito de hypotheses que, apesar de insignificantes, era preciso acautelar, não faz mais do que estatuir, ou antes, explicar, para obviar ás duvidas que ás vezes se davam nos tribunaes, qual é a lei que nos rege nos delictos da imprensa.

Se esta era a duvida de s. ex.ª, deve ficar satisfeito com a resposta que lhe dou, pois se julgava sufficiente a lei actual para os crimes e delictos da imprensa, a lei actual fica lhe completamente de pé.

S. ex.ª entendeu que, alem das injurias e diffamações particulares, havia outros delictos de imprensa que ficavam sujeitos á policia correccional pelas disposições d'este projecto. N'esta opinião foram accordes com o illustre deputado os oradores que depois d'elle impugnaram o projecto. Vamos a tomar por mão o codigo penal, e vamos a ver quaes são as duvidas que os illustres deputados que me precederam no debate encontraram, e que os têem receiosos na aceitação do projecto; mas antes d'isso deixe-me V. ex.ª consignar bem, para que a ninguem fique em duvida, que eu não tenho difficuldade nenhuma em submetter os crimes de pequena gravidade, commettidos pela imprensa, á policia correccional, á qual está sujeito qualquer cidadão que muitas vezes póde injuriar de palavra um funccionario publico, dizendo depois, com o mesmo direito com que o diz o jornalista, que na sua aggressão representava a sociedade, e que em defeza dos direitos sociaes se constituirá réu.

Assim, por exemplo, se um cidadão, no goso dos seus direitos, no atrio ou dentro dos corredores d'este palacio, n'um dia de grande concorrencia aggredir de viva voz um ministro, imputando-lhe um facto que o desauctorise e offenda, este homem póde ser chamado á policia correccional.

Se o facto imputado por este cidadão é relativo a abusos do ministro no exercicio das suas funcções, e se o aggressor se propozer prova-lo, não vejo rasão alguma para lhe não dar as mesmas garantias que se dão ao jornalista. Eis-aqui o direito commum, eis-aqui as disposições do codigo que os equiparou; e é para lamentar que o espirito liberal e equitativo dos illustres impugnadores do projecto veja nos seus intuitos sómente as garantias do jornalista, sem ver nunca as que por identidade de rasões são devidas aos simples mortaes.

Garantias para todos (apoiados), responsabilidade para todos (apoiados). Igualdade perante a lei.

Posto isto, vamos agora a ver quaes são os artigos do codigo, de cujas disposições os illustres deputados se arreceiam por amor da liberdade.

Começo por fazer uma confissão. De todos os reparos que se apresentaram aos artigos do codigo, o que fez mais peso no meu animo foi o mencionado pelo meu illustre amigo, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, no que diz respeito á discussão sobre materias religiosas. Em verdade, ou eu não entendo bem o que é ser liberal, ou é dever de quantos professam esta religião patriotica quererem a maxima liberdade de discussão em todas as doutrinas religiosas, politicas, philosophicas e sociaes (apoiados.) Acha-se aqui uma excepção, é verdade, vou dizer aos meus illustres contendores qual foi a rasão porque o governo e a commissão entenderam não se dever n'este ponto alterar o que estava consignado na lei.

Estava no codigo, e foi isso já para nós uma rasão bastante poderosa para o conservarmos como estava. Depois, não faziamos n'esta lei especialissima um codigo de franquias para todas as liberdades sociaes e individuaes que entram no programma liberal, ha pouco tão brilhantemente apresentado pelo illustre orador que me precedeu no debate.

E porque me lembra agora, e porque vem a proposito para a sustentação do codigo no artigo em que prohibe a propaganda de religião que não seja a do estado, vou fazer um reparo ao seu programma liberal.

Vem n'elle mencionada, se os meus ouvidos me não enganam, uma liberdade que, ao menos por agora lá não suppunha.

S. ex.ª disse: «Quero a liberdade de imprensa, quero a liberdade de industria, quero a liberdade de consciencia, quero a liberdade de ensinou. Pasmei aqui, porque vi n'esta casa, já depois que sou deputado, como s. ex.ª se inflammava em santo zêlo liberal contra as irmãs de caridade, que estavam no seu, e meu entender, servindo no ensino, a reacção!

Onde está pois a sua liberdade de ensino?!

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Vamos á questão das recriminações?