O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

59

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quesitos, segundo v. ex.ª terá occasião de ver, todos os pontos de accusação contra a mesa eleitoral e administrador do concelho de Ceia, narrados no alludido protesto, e sobre elles ouvi e inquiri as testemunhas constantes do processo.

Pertencem as testemunhas inquiridas ás duas parcialidades era que o circulo se dividiu para a eleição de deputado, como consta dos proprios depoimentos, e algumas ha ainda que na luta eleitoral guardaram completa neutralidade. Não só me pareceu este o meio mais seguro de averiguação, pois que o conhecimento da verdade resultará mais facil e naturalmente da comparação d'estes diversos elementos de prova e da critica serena e imparcial exercida sobre elles, mas tambem reconheci a difficuldade, se não impossibilidade, de encontrar o numero suficiente do testemunhas idoneas que não houvesse tomado parte na luta eleitoral em um circulo onde ella se generalisou tanto e assumiu proporções tão desusadas.

É sabido que as ultimas luctas eleitoraes em differentes circulos do paiz foram caracterisadas pelo desenvolvimento de uma actividade expansiva que tendia a saír muitas vezes dos limites da ordem, do justo e da legalidade.

Não me compete avaliar a significação d'estes symptomas, nem discutir ou apreciar, sob um ponto de vista geral, as causas em que porventura elles possam filiar-se; mas não é indifferente na hypothese da questão registar o facto e acrescentar que elle se accentuou no circulo de Ceia, talvez mais do que em nenhum outro.

Com effeito a opposição n'este circulo tomou, durante a luta eleitoral, uma attitude tão desesperadamente hostil, que se tornava evidente para os que observavam os acontecimentos com animo mais despreocupado, que a sua idéa fixa era vencer a todo o custo; e este estado extraordinario de cousas teria infalivelmente originado conflictos e desordens graves, se aos excessos apaixonados do partido opposicionista não correspondesse por parte da auctoridade e dos que a apoiavam uma bem entendida tolerancia e prudencia.

Em todo o caso é certo que o procedimento do grupo da opposição tinha exaltado uns pela propaganda ousada, e provocado em outros por tal modo o espirito de reacção, que havia justo fundamento para receiar alguma cousa grave nas assembléas eleitoraes.

As ameaças de toda a ordem que a opposição aventara imprudentemente e as idéas insidiosas que pregava tinham creado nos espiritos uma exaltação pouco vulgar; e em vista d'este estado de cousas a presença da força militar parecia não só á auctoridade mas tambem ás pessoas mais cordatas uma medida prudente e até necessaria para manter a ordem e evitar conflictos. Em abono do que levo exposto poderia citar muitos factos, alguns dos quaes são geralmente conhecidos, mas abstenho-me de o fazer, principalmente porque não desejo afastar-mo demasiado do objecto immediato d'esta syndicancia.

Não devo passar em silencio uma circumstancia importante, qual é a parte activa que o chamado partido legitimista tomou em favor do candidato da opposição. O concelho de Ceia, foi um dos que mais celebres se tornaram outr'ora nas lutas travadas entre a liberdade e o despotismo, e é ainda hoje notavel pelo grande numero de sectarios daquelle partido.

Ou fosse por que o nome do candidato governamental e dos cidadãos que lhe prestavam apoio representavam accentuadamente o que póde chamar-se o partido popular e liberal do concelho de Ceia, ou fosse por outro motivo qualquer, a verdade é que aquelle elemento constituiu a parte mais importante da opposição no circulo de Ceia, e a sua intervenção directa, e demasiadamente pronunciada na luta eleitoral contribuiu muito para dar a esta a feição particular que todos lhe notaram.

Pareceu-me que esta exposição, aliàs resumida, do estado de cousas anterior aos acontecimentos da assembléa de Ceia não seria mera divagação.

Mal se poderiam comprehender e explicar estes acontecimentos sem os relacionar com os que os precederam e em que mais ou menos directamente se filiem.

Eu poderia terminar aqui, abstendo-me de quaesquer commentarios ácerca do auto de syndicancia, o qual será devidamente apreciado pela critica illustrada de v. ex.ª

Farei, no emtanto, ainda que succintamente, algumas observações baseadas nos depoimentos das testemunhas e nas informações fidedignas que pude colher.

A accusação principal e de maior gravidade contida no protesto do capitão Bayão é sem duvida o roubo violento da uma.

Antes de passar adiante deve notar-se que ha aqui inexactidão de phrase ou pouco rigor de linguagem, o que poderia dar logar a suppor-se que o capitão Bayão quiz denunciar um facto mui diverso do que realmente teve em vista. Mas a narração subsequente do protesto mostra claramente que esta accusação consiste em atribuir-se á mesa a falsificação ou viciação do acto eleitoral na leitura das listas e durante o escrutinio que se fez no dia 15 de outubro.

Todos são concordes em que até este acto a eleição correu com toda a legalidade, e até a suspeita que a opposição parece ter manifestado de que a uma fosse arrombada e viciada na noite de 14 para 15 desappareceu completamente em vista do exame que se lhe fez n'este dia, e a que assistiu até o poder judicial, bem como os cidadãos da opposição que haviam sellado a uma.

O auto de syndicancia, e nomeadamente a narração circumstanciada da 7.ª testemunha que por confissão propria foi um dos caudilhos da opposição, não deixou duvida alguma a este respeito.

A questão reduz-se, pois, a saber se o acto eleitoral foi ou não viciado durante o escrutinio a que se procedeu no referido dia 15.

Das vinte e uma testemunhas inquiridas nenhuma affirma que tal viciação tivesse logar. Apenas a 7.ª testemunha faz uma longa narração que parece ter por fim chegar a esta conclusão; mas não affirma que o escrutinio fosse viciado, nem o podia affirmar sem contradicção, pois que declara ter se retirado da igreja ao começar este acto.

O unico facto que cita e diz ter presenciado é ter o presidente da assembléa começado a extracção tirando uma mão cheia de listas da uma, facto que no dizer da testemunha se repetiu, segundo foi informado por algumas pessoas, sem que todavia cite o nome de uma unica.

Ha ainda tres testemunhas que dizem ter-lhes constado o facto por via de terceiras pessoas, cujos nomes citam, e é de notar que estas referencias dizem sempre respeito a algum dos caudilhos da opposição.

Em contraposição a isto depozeram quasi todas as outras testemunhas e nomeadamente a 9.ª, 12.ª, 13.ª, 20.ª e 21.ª, que foram presentes ao escrutinio desde o seu começo até ao fim, e que affirmam ter perfeito conhecimento, por ver e presencear, de que esta operação correu com toda a regularidade e n'ella foram observadas as disposições legaes.

É claro que as declarações mais ou menos vagas que fazem aquellas testemunhas em vista simplesmente do que lhes constou perdem toda a importancia e valor comprobativo diante das affirmações categoricas em contrario das testemunhas presenciaes.

Todos sabem como é facil em geral, e mormente em assumptos d’esta ordem, fazer correr um boato; e se a boa critica manda pôr em prudente reserva os factos e circumstancias que revestirem aquelle caracter, muito menos deve acceitar estes quando, como no caso presente, versam sobre um assumpto em que entram em jogo as paixões partidarias, e em que portanto é facil fazer correr circumstancias menos fundadas.

Sessão de 13 de janeiro de 1879