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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É de notar que, suppondo mesmo que se provava, o que não acontece, que o presidente havia com effeito praticado o acto de tirar da uma uma mão cheia de listas, a existencia d'este facto só por si, comquanto constituisse uma irregularidade, não seria sufficiente para demonstrar a viciação ou falsificação do acto eleitoral, cuja genuidade podia dar-se apesar d'aquella circumstancia; para se atacar aquella genuidade seria necessario demonstrar que deixaram de ser contados os votos que cada um tinha realmente na urna.
Ora nenhuma testemunha affirma, nem ao menos por lhe constar, que esta circumstancia tivesse logar, e bem pelo contrario muitas dellas, taes como as cinco já citadas, dizem ter perfeito conhecimento de que o escrutinio foi a fiel expressão da verdade, o que attestam por ver e presencear.
O proprio capitão Bayão no seu protesto não diz saber directamente que a leitura e contagem das listas deixasse de ser a expressão da verdade; limitando-se a dizer que «a opposição sabia que tinha mettido na urna pouco mais um certo numero de listas, mas os escrutinadores não... consentiram que ellas de lá saíssem». Isto reduz se, pois, a concluir para a falsificação do escrutinio, pelo facto de não ser contado ao candidato da opposição o numero de votos que este calculava e dizia ter na urna!
Evidentemente este argumento como meio de prova não merece ter longa discussão. A arguição que se refere á collocação da mesa e posição da uma cae completamente em face das attestações de quasi todas as testemunhas inquiridas.
Vê-se que a mesa estava collocada no sitio em que sempre foi costume collocar-se para taes actos, e que era facil o accesso a ella bem como a fiscalisação dos actos eleitoraes, é tanto que um grande numero de testemunhas estiveram junto d'ella presenceando o escrutinio, bem como muitas outras pessoas, segundo declaram as mesmas testemunhas.
Apenas a 7.ª testemunha diz que a elle e outros cidadãos da opposição foi prohibido estar junto da uma em sitio em que podessem fiscalisar bem os actos do escrutinio, e que por isso se retirára com os alludidos cidadãos.
Mas o que resulta claramente do auto é que o presidente, receiando actos de violencia contra a sua pessoa e contra a mesa, tomou algumas medidas de policia, taes como mandar revistar certos individuos para verificar se vinham armados, e não consentir que ninguem se collocasse por de traz d'elle; mas não admitte duvida que designasse local onde se podia perfeitamente ver e examinar o escrutinio.
A circumstancia de ser vista a uma em posição horisontal é cabalmente explicada por grande numero de testemunhas que attestam que, em rasão de ficar a uma muito alta, o presidente se via obrigado a inclinal-a sempre que extrahia d'ella uma lista. Mostra igualmente o auto que nenhum cidadão foi preso pelo administrador do concelho, e apenas a 7.ª testemunha diz que aquella auctoridade chegára a dar a voz de prisão a um cidadão.
Não admitte duvida alguma que a força militar foi postada dentro da igreja e disposta em duas alas, conservando-se ali durante o escrutinio. Mas não está averiguado, nem se prova que o administrador fizesse a requisição em nome do presidente; antes pelo contrario parece fóra de duvida, em face de muitos depoimentos, que o capitão Bayão entrou na igreja com a força do seu commando, em virtude de se haver entendido directamente com o presidente e julgar que as circumstancias demandavam aquella medida.
Quanto ás circumstancias que poderiam dar logar a esta medida é incontestavel que havia fortes fundamentos para receiar attentados e violencias graves por parte de alguns individuos da opposição.
Basta ler attentamente e com animo despreoccupado as narrações de muitas testemunhas inquiridas no auto de syndicancia para se chegar a este resultado.
Eu já tive occasião de fazer notar em geral qual era o estado de cousas anterior á eleição. A altitude ousada e até aggressiva da opposição durante a luta eleitoral, e os rumores de projectadas violencias e attentados que correram com uma certa verosimilhança, a julgar pelos precedentes, tinham sobresaltado bastante os espiritos e dado logar a fortes suspeitas de que com effeito se tramasse e pozesse em execução algum plano criminoso na assembléa de Ceia.
Os acontecimentos da assembléa de Sameice, e principalmente o attentado contra a vida do administrador na de S. Gião, factos a que se referem muitas testemunhas, tinham concorrido poderosamente, e com rasão, para alarmar os espiritos e incutir fortes receios.
A tudo isto veiu juntar-se a circumstancia de na noite de 14 para 15 de outubro se reunir nas proximidades do templo em que se achava a uma da assembléa de Ceia, guardada, por um diminuto numero de soldados, um numeroso concurso de influentes da opposição acompanhados de varios individuos, sentindo-se por essa occasião dois tiros disparados ao pé da igreja.
Todas as testemunhas que mencionam este acontecimento são concordes em attribuil-o a individuos da opposição, e acrescentam que elle teve por fim incutir terror na guarda para realisarem o roubo da uma. Só a 7.ª testemunha referida n'esta exposição já mais de uma vez, attribue o facto ao partido contrario.
Mas a versão das outras testemunhas offerece mais garantias de verdade, alem de outras rasões, por ser mais natural.
A este tempo já se tinha concluido a eleição nas outras assembléas e era sabido o resultado d'ella que dava á opposição uma certa maioria obtida n'essas assembléas. Bastava só verificar a votação na assembléa da villa do Ceia, e onde todos sabiam que o candidato governamental obteria grande maioria.
A propria opposição confessava isto mesmo, e as declarações da 7.ª testemunha, que n'este ponto não póde ser suspeita, attestam que era esta a opinião do partido opposicionista, e chega mesmo a dizer que elle contava que esta maioria fosse de mais de 200 votos.
Sem ser preciso explanar os motivos, pois que são obvios, é natural, dadas aquellas circumstancias, que o partido governamental tivesse todo o cuidado e interesse em que as cousas corressem na assembléa de Ceia com ordem e legalidade; ao passo que, e por uma rasão contraria, a opposição devia pensar de modo diverso, pois é certo que nada tinha a perder se um acontecimento qualquer viesse pôr em duvida ou mesmo annullar a eleição d'esta assembléa. Alem de que, se o acontecimento dos tiros deve ser attribuido a alguem do partido governamental com o fim de afugentar das proximidades do templo a gente da opposição para conseguirem o roubo da uma; como é que se explica que tendo o administrador com effeito, depois de tal acontecimento, feito retirar d'esse local, com o auxilio da pequena força que então tinha á sua disposição, a gente que estava em volta do templo, como se explica, repito, que, apesar de se haver conseguido isso, a uma estava no dia seguinte intacta, como foi verificado por todos?
Continuando na apreciação das circumstancias que precederam a entrada da força na igreja, é incontestavel que uma grande multidão, composta dos chefes da opposição, acompanhados do individuos suspeitos e de outros conhecidos por maus precedentes, entrou tumultuariamente na igreja.
Pretenderia a opposição por este meio provocar medidas que dessem logar aos seus protestos, ou incutir terror e introduzir a desordem, com o fim de inutilisar ou viciar a eleição d'esta assembléa?
As testemunhas vão mais alem, como póde ver-se do auto,