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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Após a sua saída entrou logo no templo, no local da assembléa, a força militar com as armas carregadas e bayoneta em bôca dellas, e postando-se em duas alas ao fundo da mesa entre esta e a porta que dava ingresso aos eleitores, lhes prohibia assim a approximação á mesa, não podendo por isso os eleitores verificar a leitura das listas e a contagem dos votos.
Contra uma tal illegalidade protestaram n'este acto os bachareis Antonio Hortensio Ferreira da Fonseca, Agostinho Thomás dos Santos Viegas e outros cidadãos eleitores d'esta assembléa primaria, mas não lhes foram admittidos pela mesa os seus protestos, e sendo obrigados a saír aos empurrões pela auctoridade administrativa, tiveram de ir lavrar o seu protesto na nota de mim tabellião, protesto que se junta a este e d'elle deve fazer parte.
Que alem da força militar que estava dentro do templo andava em roda do mesmo um troço de cavallaria a todo o trote, afastando assim os eleitores e mais pessoas que queriam vigiar o acto eleitoral.
Que o escrutinio correu com tanta arbitrariedade, que foi observado que o presidente da mesa tirava da uma ás mãos cheias e as rasgava sem serem lidas, ordenando que uns tantos votos fossem contados ao candidato governamental, o dr. Manuel Eduardo da Motta Veiga, o que se continuou praticando durante o escrutinio, conseguindo assim um falso vencimento que não podia alcançar pelos meios regulares e legaes.
Que debaixo da pressão da força armada principiou e acabou o escrutinio, continuando sempre a ser vedada aos eleitores a approximação á mesa eleitoral, com o visivel fim de ser subtrahida a votação ao candidato da opposição, o bacharel José de Abranches Homem da Costa Brandão.
Que tanto o presidente da mesa, o bacharel Amandio Eduardo da Motta Veiga, como o administrador do concelho, o bacharel Elisiario Vaz Preto Casal, tinham todo o interesse na viciação da eleição, porque um era irmão e outro cunhado do candidato governamental, e convencidos como estavam de que o resultado do escrutinio, correndo legalmente, era favoravel ao candidato da opposição, trataram de empregar todos os meios de violencia que se indicam, para conferirem o diploma de deputado da nação portugueza ao seu irmão e cunhado.
Que tendo sido entregues, tanto por um como por outro grupo politico, as listas na igreja, local da assembléa, aos eleitores das duas parcialidades, e que vinham bem descriminados; tinha cada uma dellas a certeza do numero de listas que tinham entrado na urna a favor dos seus candidatos, e por isso já era voz constante e geral que o candidato da opposição tinha vencido a eleição por cento e tantos votos, porque a esse tempo já era conhecido o resultado de todas as assembléas ruraes, que com a d'esta villa formam o circulo n.º 76, e que davam ao candidato da opposição a maioria de 298 votos, que o candidato do governo não podia obter n’esta assembléa, porque tendo entrado na urna 1:825 listas, d'estas pertenciam á opposição 825, vindo por isso o candidato do governo a obter n'esta assembléa sómente a maioria de 185 votos, que, descontados na maioria de 298 que o candidato da opposição tinha alcançado nas assembléas ruraes, dava um resultado de 113 votos a favor d'este candidato.
E tanto isto é verdade, que constituindo estes factos um verdadeiro crime, se está procedendo em juizo contra quem os praticou.
Que por todas estas rasões entendem os cidadãos eleitores abaixo assignados que deve ser annullada a eleição da assembléa primaria de Ceia e conferir-se o diploma do deputado da nação portugueza ao candidato o bacharel José de Abranches Homem da Costa Brandão, por ser este que obteve maioria de votos nas assembléas aonde a eleição correu com legalidade.
Sala da assembléa do apuramento em Ceia, aos 20 de outubro de 1878. — Agostinho Thomás dos Santos Viegas — Antonio Hortensio Ferreira da Fonseca — José Mendes Diniz Belem — Albino Freire do Castello Branco de Mascarenhas Calheiros — Joaquim Manuel da Silveira Castello Branco — Luiz Ribeiro Pinto Guedes Bacellar.
Que é o que continha o dito protesto e reclamação que os outorgantes pretenderam apresentar na assembléa do apuramento com o fim da mesa ter conhecimento d'elle e fazel-a juntar ao respectivo processo eleitoral, mas que, como já fica dito, o dito presidente se recusára a acceital-o perante as testemunhas acima indicadas. E comparecendo n'este acto as mesmas testemunhas Luiz Fragoso de Abrantes e José Arthur Carlos das Neves, que reconheço pelos proprios, declararam perante mim tabellião e testemunhas d'este instrumento, que era verdade que os outorgantes se haviam apresentado no dia de hoje na assembléa do apuramento de votos, pelas dez horas da manhã, pouco mais ou menos, com o alludido protesto de reclamação, e que o presidente da mesa d'esta assembléa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, que havia recusado a acceital-o, protesto ou reclamação que era por escripto. E que por isso protestavam para todos os effeitos legaes tambem por esta arbitrariedade, ficando aqui exarado o dito protesto para os mesmos effeitos.
Declara-se que na linha 31.ª da pag. 26 v. onde se diz — José Carlos Arthur das Neves — deve dizer-se — José Arthur Carlos das Neves, e que na linha 32.ª da pag. 27 v. onde se diz — tirava da uma ás mãos cheias e as rasgava — deve dizer-se tirava da uma as listas ás mãos cheias e as rasgava.
Assim o declararam e outorgaram e vão assignar com as testemunhas a todo o acto presentes Francisco Cabral Tavares de Carvalho e Antonino Cabral Tavares de Carvalho, ambos solteiros, de maior idade, proprietarios, de Santa Marinha, depois d'este instrumento lhes ser lido por mim Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo, tabellião de notas na comarca de Ceia, que o escrevi e vou assignar em publico e raso. - Antonio Hortensio Ferreira da Fonseca — Agostinho Thomás dos Santos Viegas — Albino Freire de Castello Branco Mascarenhas Calheiros — Luiz Ribeiro Pinto Guedes Bacellar — Joaquim Manuel da Silveira Castello Branco — Luiz Fragoso de Abrantes — José Arthur Carlos das Neves — Francisco Cabral Tavares do Carvalho — Antonino Cabral Tavares de Carvalho.
Segue uma estampilha de 500 réis, devidamente inutilisada.
Logar do signal publico. Em fé de verdade. — O tabellião, Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo.
E nada mais se continha no dito instrumento ao qual me reporto, e que para aqui fiz extrahir do proprio original, e em meu livro de notas sob o numero 25, com o qual este conferi e concertei.
Ceia, 20 de outubro de 1878. Eu, Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo, tabellião que o subscrevi e vou assignar em publico e raso.
Em fé de verdade. = O tabellião, Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo.
Conferi. = Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo.
Processo do corpo de delicto por crime de offensa da legislação eleitoral Certidão
Augusto Cesar Cardoso de Figueiredo, escrivão do terceiro officio ante o juizo de direito da comarca de Ceia, por Sua Magestade El-rei, etc...
Certifico que no cartorio a meu cargo existe um processo do corpo de delicto pelo crime de offensa da legislação eleitoral, em que são requerentes os ex.mos bacharel José de Abranches Homem da Costa Brandão, solteiro, proprietario, de Torrozello, e o bacharel Antonio Hortensio Ferreira da Fonseca, viuvo, proprietario, de S. Romão, d'esta comarca, do qual processo a sua autuação e mais peças são fielmente do teor seguinte:
Sessão de 13 de janeiro de 1879