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SESSÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1885 109

Agora é que a discussão da eleição da Madeira começa verdadeiramente.
Para encetar o debate e para accentuar bem nelle a minha posição, passo a ler a proposta que vou mandar para a mesa, e que procurarei fundamentar com todas as rasões que podér adduzir em favor d'ella:

«Proponho que seja annullada a eleição do circulo n.° 97 (Funchal), procedendo-se a nova eleição na conformidade da lei.

«Sala das sessões da camara, 13 de janeiro de 1885. = O deputado por Lisboa, Z. Consiglieri Pedroso.»
Sr. presidente, um talento illustre desta casa, um parlamentar, cuja voz todos neste recinto escutam com respeito, um cavalheiro que para a maioria deve ser insuspeito na questão que se ventila, não só pela sua posição especial para com a eleição da Madeira, mas ainda porque a mesma maioria acaba de o eleger para uma das suas commissões mais importantes, o sr. Dias Ferreira, num julgamento já hoje celebre, no julgamento de uma causa que se prende estreitamente com o assumpto que ora se está debatendo, pronunciou, affirmou as seguintes memoráveis palavras, que eu então gravei na memória, e que vou agora novamente repetir perante a camara.

Disse s. exa., referindo-se á eleição da Madeira: «N'algumas assembléas as listas dos candidatos monarchicos foram levadas á uma nos canos das espingardas».
Estas palavras proferidas pelo sr. Dias Ferreira, não ha muito, no julgamento do sr. Magalhães Lima, em uma das salas dos tribunaes de Lisboa, são a synthese, caracterisam perfeitamente o que se passou, por occasião das ultimas eleições, na ilha da Madeira.
E verdade, sr. presidente, as listas dos candidatos monarchicos foram levadas á uma nos canos das espingardas!
E verdade, srs. deputados, as listas dos candidatos, que tinham por seu lado a força publica, foram levadas á uma nos canos das espingardas; e foram essas mesmas espingardas, que serviram para facilitar assim o caminho do triumpho aos srs. deputados eleitos pelo circulo do Funchal, as que se apontaram depois contra os peitos dos populares, deixando ficar «juncado de cadáveres o solo da Madeira», phrase pronunciada, ha duas sessões, pelo sr. Eduardo José Coelho, e levantada hontem por um deputado da maioria, que a classificou de figura de rhetorica apopletica.

Eu não sei, sr. presidente, se é figura de rhetorica affirmar o que o sr. Eduardo José Coelho, com tão nobre hombriedade affirmou; o que sei é que talvez seja de mau gosto acolher essa affirmação com sorrisos que tão dolorosamente contrastam lá fora com as lagrimas que se estão derramando em torno d'essa triste pagina da nossa historia politica contemporânea!
As listas dos candidatos monarchicos foram levadas á uma nos canos das espingardas, diz uma voz insuspeita, na propria questão que neste momento se debate.

E por ser tristemente verdadeira a asserção auctorisada do illustre membro, futuro presidente, creio-o mesmo, da commissão de fazenda desta casa, tinha eu pedido com instancia que se mandasse este processo ao tribunal especial, a fim de que a sentença, inspirada nos princípios serenos da justiça, houvesse de ser acceita sem reluctancia, por uns e outros.
Para mim, e para todos que de boa fé possam estudar este assumpto, os factos que se passaram na eleição da Madeira obedecem a um plano harmonico em todas as suas partes; a um plano que se completa em todos os seus accessorios. Esse plano é o de um systema de terror inaugurado naquella ilha contra o partido republicano que ousou, em uma terra, que julgavam vinculada á politica monarchica, quebrar esse encanto, e pela primeira vez mandar a esta casa um deputado republicano!
Este systema de terror que se inaugurou antes da eleição, que se applicou como recurso sinistro durante o acto eleitoral e que ainda continua hoje, foi, pelos homens que nos governam, elevado á altura de um principio de doutrina monarchica contra a liberdade a que tem direito qualquer partido, honesto nos seus propositos e patriótico nos seus intuitos.

A sessão de hontem, sob tantos pontos de vista verdadeiramente celebre, ha de ficar lembrada nos annaes parlamentares deste paiz, pelo eloquente ensinamento que encerra.

O sr. Emygdio Navarro, que é insuspeito no assumpto, pois bem alto affirmou as suas crenças monarchicas nunca desmentidas, disse que se a monarchia quer que o partido republicano se conserve dentro da lei, deve começar ella propria por prestar obediencia a essa mesma lei.

E necessario, acrescentou mais o illustre orador, que não se dê razão ao partido republicano, o qual se aqui está apenas representado por uma insignificantissima minoria lá fora é maior, vale mais, tem algumas guardas de reforço.
Pois bem, srs. deputados, fica-o sabendo, a eleição da ilha da Madeira não foi outra cousa senão a primeira tentativa séria de collocar o partido republicano fora da lei, de lhe fechar violentamente as portas da representação nacional, inaugurando-se em seu prejuízo um systema de terror antes das eleições e durante o período eleitoral; systema que tem continuado até hoje, a fim de preparar o terreno para as eleições que vierem!

E isto que digo e bem alto affirmo, facil me será demonstrai-o com documentos, porque não subi a esta tribuna para declamar simplesmente; mas sim para fundamentar todas as asserções que proferi em debate de tão alta responsabilidade para mim.

Hei de documentar, sr. presidente, todas as minhas affirmacões, ou com dados officiaes, ou pelo menos com factos de tão grande publicidade, que não possam impunemente ser postos em duvida.

Que antes da eleição se procurou por todos os modos estabelecer um systema de pressão, que constrangesse e fizesse vergar as populações da ilha da Madeira, que tinham um dia ousado insubordinar se contra a politica monarchica, prova-o bem, entre outros documentos, um dos que pedi e que pelo ministerio da guerra me foi ha alguns dias enviado.

Esse documento a que me refiro, embora não seja completo, embora não esteja, em todos os seus detalhes, perfeitamente especificado, em virtude do laconismo próprio da redacção de telegramma, quando, combinado com dados que existem em outros documentos officiaes, fornece-me o critério sufficiente para eu julgar com segurança o que significa essa distribuição de tropa pelas differentes aldeias da Madeira, antes do dia da eleição.

Mais tarde, eu discutirei este documento, approximan-do-o de outros a meu pedido enviados pelo sr. ministro do reino e que se encontram annexos aos documentos authenticos que por aquelle ministerio me foram fornecidos, analysando especialmente por essa occasião, uma curiosa e para mim inexplicável indicação formulada em post-scriptura em uma requisição de tropa feita pelo administrador do concelho de Ponta do Sol.

E possivel que então a camara possa d'essa approximação receber alguma luz, relativamente aos intuitos com que antes do dia 29 de junho a força publica era distribuída pelos diversos pontos da ilha da Madeira.
No entretanto, isto e bem desde já, srs. deputados, a seguinte particularidade.
Quando se não podia suppor ainda, pela propria confissão dos documentos officiaes, que a eleição daria de si resultados tão tristes como de facto deu, 340 homens eram mandados em diligencia para as diversas freguezias da Madeira.