122 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Demais, sr. presidente, as nações mais poderosas, como a Inglaterra e a França, têem sido flagelladas por crises bom mais terriveis do que aquella que nos está acabrunhando. E, quem conhece a historia das nossas finanças, sabe que já nos temos visto a braços com crises bem mais desoladoras do que aquella que vamos atravessando.
Não pertenço ao numero dos panglossiatas e indifferentistas que em frente de crises de ordem economica ou financeira, escudados no Deus super omnia, confiam a solução ao laissez faire, laisses passer; mas tambem não pertenço ao numero dos pessimistas que, por um estrabismo sui generis, vêem sempre emergir do seio das crises economicas e financeiras o gadanho da morte enristado contra o peito da patria.
Nem tanto ao mar, nem tanto á terra.
As crises economicas e financeiras devem ser recebidas e atacadas a sangue frio, som precipitações, nem cobardias, com prudencia e energia.
A historia, que eu saiba, não regista facto algum de desapparecimento de nações por motivos economicos ou financeiros; mas, se no registo dos obitos das nações extinctos examinarmos a columna indicadora das causas da morte, encontraremos invariavelmente esta rubrica: decomposição moral.
Na helice da evolução da humanidade é bem facil distinguir as curvas retintas no sangue purulento das nações, que se deixaram apertar e a final estrangular, esphaceladas pela corrupção moral.
Por isso as considerações que houver de emittir sobre a educação publica, não podem ser com justiça capituladas de inopportunas.
Se eu quizesse exhibir exemplos, era-me facil recordar as nações orientaes conquistadas por Alexandre Magno, Bastou um sopro do heroismo grego para sacudir os membros gangrenosos d'essas nações e fazel-as cair a pedaços.
O proprio imperio romano, tão extenso como o mundo então conhecido e que parecia tão solido que poderia desafiar a eternidade; esse colosso, que foi a organisação mais vasta e mais completa de um estado na antiguidade, salitrado de torpezas, caiu nos apupos de uma horda de selvagens.
Eu não quero recordar factos da actualidade; não fallarei dos escandalos do Panamá, dos Artons e Tonlongs, dos kraes das praças de Berlim e Paris, Vienna e Londres, nem dos casos indigenas; mas uma analyse imparcial, fria, encabeçará bem melhor estes factos n'uma crise de ordem moral, do que n'uma crise de ordem economica.
Áquelles que impunham o leme da governação impende o dever culminante de coordenar todas as forças, todos os elementos da vida nacional e polarisal-os com firmeza e com criterio aos altos destinos da collectividade.
É esta, se não me engano, a funcção caracteristica da politica na accepção scientifica e genuina da palavra.
Eu bem sei que o governo tem patenteado que se deixa inspirar n'esta nobre comprehensão dos seus deveres. Em todos os seus actos se entalha o cunho da mais severa moralidade.
É uma lição pratica de moral a que o governo está dando com o seu exemplo, e as lições do exemplo têem o condão dos efficazes incitamentos.
Mas permitta-se-me que eu diga, com o desassombro e rude franqueza, que são o timbre do meu caracter, que no presente momento historico em que Portugal, como as demais nações civilisadas, vasqueka n«um pantano de abjecções de ordem moral, as lições do exemplo ab alto, por mais suggestivas que seja,, não bastam.
É necessario actuar o nosso meio social com outros reagentes mais energicos e efficazes para recaldear os costumes e os caracteres nos moldes da mais estricta moralidade.
Ora a nossa instrucção publica adoece do defeito gravissimo de ter por objectivo simplesmente a intelligencia, olvidando que o homem é um organismo e um nucleo de energias psychicas, que se desdobram em energias estheticas, intellectuaes e moraes.
A organisação do nosso ensino publico esquece que todas estos energias são solidarias em seu funccionamento, e que desenvolver umas á custa da atrophia de outras, é provocar um desequilibrio no homem, é originar abortos. As consequencias são perniciosissimas para os individuos, e, portanto, para a sociedade.
O progresso e a civilisação de um povo deriva directa e immediatamente do desenvolvimento das energias das individualidades que o constituem.
O dynamismo social não é senão a resultante das acções e reacções em que as energias individuaes se desentranham.
Por isso, para que o progresso e a civilisação sejam integras e harmonicas é mister desenvolver simultanea e parallelamento todas as energias humanas.
A nossa instrucção publica visa quasi exclusivamente ao desenvolvimento das energias intellectuaes, sendo assim um systema de educação incompleto, mutilado.
Mas este defeito organico do nosso ensino não é da responsabilidade de nenhum governo, é da responsabilidade da epocha.
A sua etiologia é facil de determinar. V. exa. e a camara sabem que os philosophos francezes do seculo XVIII por um impulso de odio á supremacia do catholicismo, inauguraram um movimento de separação entre o desenvolvimento intellectual e o desenvolvimento moral. Impotentes para quebrar a intima alliança da moral e da religião, preconisaram a cultura intellectual como instrumento de reacção contra o catholicismo, e consagraram os seus cuidados quasi unicamente á diffusão da instrucção, crivando de vituperios a religião e a moral.
Os philosophos allemães desde Kant a Hegel, que dominaram as correntes superiores do pensamento europeu até meiado do nosso seculo, se versaram a moral foi para lhe dissipar aquelle perfume singelo e suavissimo que trescala dos paginas do evangelho; foi para lhe obliterar aquella feição pratica, eminentemente salutar, que tão sublime se desenha nas doutrinações de Christo.
Enleiaram a moral na teia phantastica das suas abstrusas construcções philosophicas, onde ficou pairando sem nenhuma acção sobre as sociedades.
Por seu turno o individualismo radical do seculo XVIII foi uma reacção politica contra os ultimos arrancos do feudalismo.
Assim como o feudalismo e o absolutismo nos seus codigos prescreviam aos povos quasi exclusivamente deveres, assim tambem o individualismo e a revolução franceza se preoccuparam quasi exclusivamente de direitos.
A revolução franceza foi a apotheose a consagração do individualismo; redigiu e proclamou a declaração dos direitos do homem, que tem sido a Carta Magna da politica moderna, mas não redigiu, nem proclamou uma declaração dos deveres do homem.
A rasão é esta. Assim como o absolutismo e o feudalismo tinham escravisado os povos em nome do dever, o individualismo da revolução franceza procuraram emancipal-os em nome do direito. Tão certo é que a reacção é igual á acção.
D'estes factores summariamente enumerados resultou que nas nações mais influenciadas pelo individualismo e pela revolução francesa, cuidou-se principalmente do desenvolvimento intellectual, e votou-se quasi ao ostracismo a cultura moral. Foi o que succedeu ás nações da raça latina.
As nações da raça anglo-saxonia e germanica têem uma cultura moral mais desenvolvida.
A rasão principal é que nem o individualismo do seculo XVIII. Nem a revolução francesa as penetraram tão pro-