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SESSÃO N.º 8 DE 84 DE JANEIRO DE 1898 123

fundamente, e a moral tem sido cultivada sob o palladio das seitas religiosas que professam.

Nas nações da raça latina confiou-se a solução do gravissimo problema da moral ao carinho e á ignorancia dar mães de familia.

Os resultados d'esta errada orientação seguida no ensino publico são faceis de ver.

É certo que o nosso seculo póde com o mais legitimo orgulho ufanar-se de ter sido um maravilhoso laboratorio de progressos de ordem material.

Effectivamente o homem tem fecundado a natureza bruta com a luz da sua intelligencia, e tem-na senhoreado com o poder da sua iniciativa.

O nosso seculo tem desenvolvido e accumulado em torno do homem um cortejo tão extraordinario de commodos e utilidades que parece estarmos prestes a ver transformado o antigo valle de lagrimas n'um eden de delicias; parece que estamos prestes a ver transformado o mar negro das amarguras da vida n'um lago crystallino dourado pelo sol de todas as venturas.

Mas a rutilante moldura dos progressos materiaes encobre o fundo esverdinhado das gangrenas assustadoras.

O observador circumspecto que fizer incidir um raio do seu talento na atmosphera polvilhada de oiro, em que as sociedades immergem, fica dolorosamente surprehendido. É que ao fundo d'esse labyrinto de illuminuras negrejam ulceras denunciando podridões em livre fermentação.

É certo que se têem desenvolvido e accumulado extraordinariamente as riquezas publicas; mas parece que para se concentrarem nos cofres dos argentarios, para lhes retoucar os palacios de palhetas de oiro e a vida de prazeres caprichosos.

Ao lado dos palacios aurifulgentes, onde o vicio canta os dithyrambos dos mais revoltantes prazeres, estanceia acalcanhado o tugurio onde a miseria ulula os fremitos dos mais lancinantes desesperos.

Emquanto o sordido epicuro refocila no regaço dissoluto de Sileno, Lazaro, o andrajoso Lazaro, esoabuja nos braços chagados de Job.

Ha, sr. presidente, um desequilibrio extraordinario entre o coefficiente dos nossos progressos de ordem material e o coefficiente da moralidade privada e publica. Por isso, sr. presidente, o nosso progresso póde ser comparado, sem hyperbole, a uma pyramide de oiro assente n'um golfão de lama; por isso póde-se dizer sem exagero que a purpura da nossa civilisação rastejo n'um tremedal do ignominias.

Sr. presidente, á nosso vista trava-se uma lucta feroz entre dois colossos igualmente convulsionados pela epilepsia de um rancor satanico.

De um lado o capitalismo organisado em syndicato cosmopolita, apoplectico de prazeres e de milhões, convulsionado pela epilepsia da exploração do suor alheio! E do outro lado o proletariado organisando-se em syndicatos internacionaes, apoplectico de inveja e desespero, convulsionado pela apoplexia da fome! A esta lucta feroz, a esta luta de Titans chama-se a questão social.

Mas nada de enphemismos, nada de artificios. Não detenhamos a vista á superficie tumultuaria da vida moderna; lancemos a sondereza da observação até ao fundo d'essa vida, e lá encontraramos a questão moral no lastro das sociedades, congestionando os cerebros e hypertrophiando os corações.

E que, sr. presidente, a verdadeira questão social é a quesito moral. (Apoiados.}

Sr. presidente, ao feudalismo territorial succedeu um feudalismo bem mais descaroavel, bem mais tyrannico, o feudalismo industrial. O novo feudalismo herdou e aggravou os vicios do feudalismo territorial, mas não lhe herdou nem imitou as virtudes, que attenuavam esses vicios.

Os servos da gleba eram bem menos desgraçados do que são os actuaes servos da industria, já porque os seus senhores possuiam sentimentos altruistas, desenvolvidos e fomentados pela religião e pela moral, já porque esses servos, doutrinados pelo catholicismo, tinham essa grande virtude a resignação, que é simultaneamente uma grande virtude religiosa e uma grande necessidade social.

Os senhores feudaes da industria trocaram os fulgores da moral e da religião pelos fulgores enervantes do oiro; deixaram fanar no seio a grinalda dos sentimentos altruistas, e erguer no coração o monstro do egoismo feroz.

Peleja se sob nossos olhos a mais terrivel das pelejas d'essa campanha secular, enliçada desde o alvor da civilisação, entre as classes poderosos e as classes desbordadas. Qual será o resultado d'esta peleja? Não sei, nem quero pensar n'isso agora. Mas, sob pena de me arriscar a sair d'aqui apodado de visionario, sempre direi que, se as sociedades não forem salvas pela religião e pela moral,
a derrocada do sumptuoso edificio social será completa! Poderemos dizer que ficámos sepultados em ruinas de oiro; mas, em todo o caso, ruinas...

Isto será fatal se os mais distinctos pensadores e estadistas da actualidade não procurarem salvar a sociedade pela educação publica. Os mais abalisados pensadores da epocha deram já o grito de alarme, já cumpriram o seu dever. Resta que os grandes estadistas cumpram tambem o seu.

Se eu quizesse fazer alarde de erudição, o que seria facil, citaria os principaes corypheus das diversos escolas, inclusivé da materialista.

Todos inculcam e pregoam a necessidade de tonificar o organismo social com o balsamo da moralidade.

Indicarei apenas dois nomes illustres, que souberam conciliar a veneração de todas as escolas, de todos os pensadores. Retiro-me o Augusto Comte e Herbet Spencer. Augusto Comte, quaesquer que sejam os defeitos que possam assacar-se ao seu systema, o positivismo, ha de ser venerado como um espirito robusto como um cerebro bom organisado; foi realmente um grande critico e um grande organisador. Eu não sou positivista; mas sei render a todos os homens de talento, de estudo e de trabalho a homenagem do meu respeito. Aos olhos d'aquelle philosopho o problema da educação publico tinha uma tal importancia que creava o mais alto poder social, o poder espiritual, ao qual assignava a funcção de prover á educação publica. Póde dizer-se que Comte imitou simplesmente o organisação do catholicismo; mas isto não deshonra um philosopho tão illustre, embora não fosse catholico.

Não conheço organisação mais brilhante e mais completa do poder moral do que o catholicismo.

Comte, nas explorações que fez na historio da idade media, teve ensejo de extasiar-se perante os serviços prestados pelo catholicismo á civilisação. Foi o catholicismo que salvou a idade media, e Comte, lançando a sua vista penetrante no pelago de miserias que envergonham e põem em risco a actual civilisação, entendeu que não podia crear um poder mais alto para salvar as sociedades modernas do que o poder espiritual.

De Herbet Spencer, esse grandissimo talento, em que se cruzou o genio do philosopho com a erudição do sabio, direi simplesmente que o problema da instrucção e educação moral teve a seus olhos tal relevancia, que consagrou uma obra á educação e outro á moral.

As considerações que desenvolvi parecem-me sufficientes para pôr em relevo a importancia summa da necessidade de implantar um systema do educação publica n'uma reforma bem ponderada e bem estudada, reforma que deve ter em vista que o homem não é simplesmente intelligencia, mas tambem sentimento e vontade.

Um systema de educação publica para ser completo, ha de abranger o homem em todas as fórmas da sua complexo e maravilhosa actividade, desde os energias organicas até ás energias psychicas.

O desenvolvimento intellectual desacompanhado do moral