6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
em honras, nem em remuneração, mas simples e puramente movido por um sentimento humanitario de salvar o maior numero de acommettidos que podesse; porem, hoje, Senhor, no seu grabato do hospital, victima tambem como tantos e não mais digno do que os outros, lembra-se o supplicante de que tem um filho!
"Caisse elle n'um campo de batalha regado de sangue, ao fumegar da pólvora; n'um enthusiasmo tambem sublime inspirado no amor e engrandecimento da patria, a perpetuar os louros dos seus heroes, a passar de mão em mão o glorioso facho da civiliaação, que tão grande e tão poderosa fez outr'ora a nação portugueza; caisse assim, e morria descansado, porque ao enthusiasmo da gloria de ter cumprido o seu sagrado dever, a troco do seu sangue e da sua vida, aliar-se-ia a satisfação do seu amor paternal, na certeza de que deixava ao pobre orphão uma pensão de sangue!
"Mas não, Senhor! O supplicante morre hoje pobre, n'uma maca do hospital, victima da peste que com afinco procurava debellar nos outros, e com a alma alanceada de acerba magua por deixar sem recursos, sem protecção e sem amparo algum, o seu filhinho de seis annos de idade, orphão de mãe e brevemente de pae! Morre, sim, com a satisfação e a consciencia tranquilla de ter cumprido, como um sacerdocio, o seu espinhoso dever, mas o seu coração de pae estremece e chora, Senhor, por ver o seu filho empolgado por cruel desventura no alvorecer da vida!
"E n'este momento de dolorissimo transe, em que a alma se apressa a deslaçar-se d'este corpo para se entregar nas mãos do Creador, o supplicante volve em prol do seu infeliz filho o seu espirito angustiado, mas sereno para Vossa Magestade, para a inclita e augusta pessoa do seu bemquisto Rei, a cuja excelsa magnanimidade vae confiar a sorte d'essa pobre orphão. E n'este pensamento consolador, do seu leito da morto dieta estas linhas que vae firmar, supplicando fervorosamente a Vossa Magestade, como uma merco especial para um funccionario que vae morrer victima da sua dedicação e do sou dever, haja por bem conceder ao filho do supplicante uma pensão equivalente á pensão do sangue de um alferes do exercito ou ao menos uma pensão suificiente para o seu sustento durante o tempo dos seus estudos em Goa e no reino. Pede a Vossa Magestado El-Rei a graça de attender ao pedido. - E. R. M.
"Damão, 1898. = Emygdio Jacoo de Sousa Proença."
Sr. presidente, v. exa. viu pela leitura que fiz d'esta commovedora petição feita pelo dr. Sousa Proença, quando já estava nas vascas da agonia, quanto ô digno do respeito e consideração do paiz um medico que morre n'estas condições, (Apoiados.) como tambem é digna da consideração do paiz a sorte da infeliz creança que o pae deixa na orphandade e na miseria. (Apoiados.) No anno passado, se bem me recordo, a camara votou uma pensão para a filha de um alferes que de febres morreu no interior da Africa; pois agora, sr. presidente, parece-me que não é menos digno do respeito, menos digno da consideração da camara (Apoiados.) o filho de um medico que morre no seu posto de honra, como aconteceu a Sousa Proença.
Ainda ha poucos dias o dr. Camara Pestana, cujo infortunio commoveu todo o paiz, morreu em igualdade de circumstancias. V. exa., sr. presidente, ha de ter lido e sabe que consta que o governo tenciona apresentar ao parlamento uma proposta de lei tendente a melhorar a sorte da filha de Camara Pestana.
Ora a meu ver o filho do dr. Sousa Proença não é menos digno da attenção do governo do que a filha do dr. Camara Pestana.
Portanto, desejava que o nobre ministro me informasse, se póde fazel-o, se o governo tenciona tambem apresentar qualquer medida que possa melhorar a sorto do filho do illustre extincto.
Creio que o sr. ministro dos negocios estrangeiros dará uma resposta cabal e completa como s. exa. costuma dar a todas as interrogações que lhe são feitas, e n'este momento permitta-me s. exa. que eu o felicite, não só pela resposta cabal e completa que deu ao aviso previo do sr. João Franco, mas sobretudo pelo brilhante discurso...
O sr. Presidente: - Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Eu vou terminar, sr. presidente, mas antes d'isso, permitta-me o sr. ministro dos negocios estrangeiros que o felicite pelo discurso brilhante (Apoiados.) não só na forma litteraria, mas na magnifica exposição de idéas, que s. exa. proferiu na penultima sessão parlamentar.
Aquelle discurso firma ainda mais as tradições de estadista distincto (Apoiados.) que tem o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas s. exa. ainda conquistou outro trinmpho, quando respondeu ao illustre deputado e meu amigo sr. João Arroyo, que n'esta camara falla e trata sempre proficientemente os assumptos a que se refere, e costuma produzir não só nos representantes da nação, quer d'este, quer do outro lado da camara, e ainda nos ouvintes estranhos a ella, uma impressão profunda. Então o sr. ministro dos negocios estrangeiros conseguiu, não só fazer desapparecer a impressão cansada pelo discurso eloquente do sr. Arroyo, mas foi ainda mais longe, proferiu talvez um discurso dos mais eloquentes da sua carreira de parlamentar.
V. exa., sr. presidente, viu os applausos com que a maioria secundou as palavras do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Felicito-me, portanto, muitissimo por ter n'esta occasião ensejo de fazer justiça ás palavras de s. exa., que é não só uma gloria para o seu partido, como é tambem uma gloria do paiz.
(O orador não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Não tenho conhecimento do assumpto a que se referiu o meu illustre amigo o sr. Antonio Cabral a respeito de um requerimento que vem publicado no Diario de noticias. Li-o á pressa, e devo dizer que este assumpto deve competir á pasta da marinha.
Se s. exa. o sr. ministro da marinha, como os outros meus collegas, não vieram á camara, foi porque, como o illustre deputado sabe, tiveram assignatura real. Em todo o caso, se ainda hoje o encontrar, eu lhe. communicarei as considerações que o illustre deputado fez, e estou certo que elle tomará na devida conta o pedido do s. exa.
Referiu-se, depois, o illustre deputado a outro distinctissimo medico que tambem falleceu, o sr. dr. Camara Pestana.
Effectivamente, o governo ha de apresentar ao parlamento uma proposta de lei com o fim do melhorar as circumstancias da sua familia e tambem para ver se é possivel perpetuar a memoria de um homem que tonto fez pela sciencia.
Agradeço ao illustre deputado as palavras mais do que amaveis, lisonjeiras, que ha pouco me dirigiu. Foi um sentimento de lealdade dizer ao para aquillo que entendo que o paiz deve saber. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu).
O sr. João Finto dos Santos: - Communico á camara que está constituida a commissão de resposta ao discurso da coroa, sendo v. exa. o presidente nato, e tendo-me escolhido para secretario.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa os seguintes